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Especial A nova fronteira agrícola Parte II 28 | Agro DBO - março 2014 Soja no cascalho A saga dos agricultores que, seguindo a trilha aberta por Rodolfo Schlatter, transformaram o Vale do Araguaia, no Pará, em polo de produção de grãos. Ariosto Mesquita

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Especial A nova fronteira agrícola Parte II

28 | Agro DBO - março 2014

Soja no cascalhoA saga dos agricultores que, seguindo a trilha aberta por Rodolfo Schlatter, transformaram o Vale do Araguaia, no Pará, em polo de produção de grãos.

Ariosto Mesquita

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Muita gente invoca São Tomé ao ouvir falar de produtores rurais plan-tando soja em área de

cascalho no Pará. “É preciso ver para crer”, alegam. Quando, porém, cons-tatam a veracidade desta informa-ção, a descrença cede lugar à curio-sidade: “Como é possível?” “É viável economicamente?” “A produtivida-de não fica comprometida?” Para estes céticos, o mais surpreendente, é saber que em determinadas regi-ões do estado, como no município de Santana do Araguaia, no Vale do Araguaia, o cultivo de grãos nestas condições é tão rentável e produti-vo quanto em áreas tradicionais de produção agrícola do Cerrado, por exemplo. Esta particularidade tor-nou-se a principal característica do sudeste do Pará, a mais nova fron-teira agrícola brasileira.

Em geologia, o termo “cascalho” é utilizado para definir rochas com tamanhos entre 2 e 75 milímetros (para efeito comparativo, a areia compreende grãos de rocha com di-mensões até 2 mm). Mais do que a areia, pode ser potencialmente peri-goso para as plantas em situações de alta incidência de luz solar e eleva-das temperaturas, condições triviais no sudeste do Pará. Funciona como multiplicador de calor, queiman-do os vegetais. Simplificando, age como a lente de uma lupa, direcio-nando os raios de sol para determi-nado ponto – no caso, a planta.

Quando os pioneiros abriram as primeiras áreas de lavoura na região, detectaram a existência de peque-nas, médias e grandes “manchas” de cascalho no solo. No começo, evita-vam o cultivo nestas áreas, mas logo voltaram atrás, justificando o recuo por duas razões: primeiro, por ques-

Localizaçãoespacial do município de Santana do Araguaia

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tões econômicas – afinal, trechos de solos expostos intercalados com talhões cultivados é um desperdí-cio. Em segundo lugar, porque os resultados obtidos nos primeiros plantios sobre cascalho os surpre-enderam positivamente.

Validação científicaIndependentemente dos expe-

rimentos pioneiros, foi só a partir de 2012, com a chegada dos pes-quisadores à região, que o manejo de grãos no cascalho foi aprovado cientificamente, após exaustivas avaliações e aferições técnicas. Na-quele ano, a Fundação Chapadão – Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Chapadão, sedia-da no município de Chapadão do Sul (MS), instalou uma base de pes-quisa em Santana do Araguaia por solicitação de associados, vários dos quais estavam comprando, arren-dando ou já cultivavam terras no sudeste do Pará.

Os pesquisadores comprovaram que o plantio de grãos em áreas de cascalho era viável diante de parti-cularidades encontradas no solo da região, desde que a lavoura tivesse acompanhamento técnico, com a adoção de medidas preventivas. “Logo observamos que o solo de cascalho em Santana do Araguaia

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Monitoramento científicoPelo menos 8 mil hectares de

lavoura em Santana do Araguaia já contam com assessoramento técnico-científico. Esta área, aten-dida pela Fundação Chapadão, representa 13,4% dos 60 mil hec-tares cultivados na safra 2013/14.

A expectativa é de que, para o próximo ciclo, a área no municí-pio chegue a 15 mil hectares. “Ao instalar nossa base em Santana, alugamos um imóvel, levamos a estrutura necessária e decidimos manter dois agrônomos para as-sessorar os agricultores”, conta o diretor-executivo da Fundação, Edson Pereira Borges. Mensal-mente, dois outros pesquisadores são deslocados de Mato Grosso do Sul para dar suporte à equipe no Pará. Como é uma região ain-da desconhecida, o trabalho téc-nico nas propriedades é focado na prática, através da “agricultura com precisão”.

O pagamento pelos serviços foi fixado com base na principal moeda da região: a soja. O cus-

to é de uma saca por hectare. A Fundação assegura monitora-mento intensivo, da semeadura até à colheita: “Por ser área nova, com pouca mão de obra, temos de estar semanalmente com o produtor e seus funcionários, pois a cada momento surgem novos problemas”. Borges lembra que o trabalho em Santana do Araguaia está no começo. Questões como: “Em que cultivar apostar?”, “Qual é a melhor época de plantio?”, “Quais as principais doenças da região e que produtos utilizar?” vêm sendo respondidas aos pou-cos. “A cada ano vamos conse-guindo melhores respostas e so-luções, enquanto outras dúvidas vão surgindo. A pesquisa sempre avança, mas nunca termina”.

calor tórrido, pois passou mais tem-po com cobertura natural. Sua com-posição química, física e biológica manteve-se relativamente preser-vada, comparativamente aos solos do Centro-Oeste e Sul do Brasil, há muito tempo ocupados com lavou-ras de grãos e outras culturas agrí-colas. Por isso, é possível encontrar teores maiores de nutrientes. Se-gundo levantamento da Fundação Chapadão, o percentual de cascalho

na região de Santana do Araguaia é de 50% a 60%. “Nesta situação, a co-bertura orgânica do solo é mais do que necessária, apresentando três funções primordiais: a contenção da perda de água por evaporação, a preservação dos elementos férteis e a proteção do colo da planta (re-gião de transição entre raiz e caule) contra a queima por altas tempera-turas. Caso o colo seja afetado pelo aquecimento do cascalho, a planta tende a tombar e morrer. Através deste ‘telhado orgânico’, produzido por plantas de cobertura, consegui-mos evitar a incidência do sol dire-tamente sobre as pedras, diminuin-do a temperatura do solo”, explica o pesquisador, observando que o cultivo no cascalho também pode provocar danos no maquinário das fazendas.

O agricultor Jocelito Krug co-nheceu a região juntamente com o pioneiro Rodolfo Schlatter e prefe-riu, na época, não se arriscar como fez o amigo e cunhado (Schlatter, personagem principal da primeira das três matérias sobre o sudeste do

detém altos níveis de nutrientes, principalmente potássio, necessi-tando tão somente de algumas cor-reções antes de se entrar com a cul-tura de soja ou milho”, conta o enge-nheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Chapadão, Marcelo Arf, que periodicamente visita a região. De acordo com sua avaliação, é um solo raso, pouco intemperizado – sofreu pouca ação de intempéries como vento forte, temporal, seca e

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Jocelito Krug,integrante da segunda geração de agricultores em Santana do Araguaia.

Edson Borges:“Assessoramento técnico e trabalhos de pesquisa baseados na prática diária”.

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Pará, publicada na edição de feve-reiro, é casado com a irmã de Krug). “Entendia que sobre pedras não ha-via como fazer lavoura; vi que nas partes de terras mais vermelhas o potencial agricultável seria mui-to bom, mas fiquei com receio das manchas de cascalho”, admite. Com o passar do tempo, percebeu, po-rém, que não havia muita diferença entre as áreas. “Quando os devidos cuidados são tomados, o potencial de produtividade é semelhante”, ga-rante. “O perigo está na implemen-tação da cultura. Caso a soja atinja a altura de 10 centímetros com 15 dias após a germinação, ela já esca-pa do risco da queima pelo efeito do sol sobre as pedras”, explica.

Segunda geraçãoKrug pode ser considerado inte-

grante da segunda geração de agri-cultores a cultivar terras em Santana do Araguaia. Como outros, acompa-nhou as experiências, dificuldades e vitórias dos pioneiros (primeira geração). No início de 2012, ajudou a convencer a Fundação Chapadão

(do qual é sócio-fundador) a insta-lar uma base de pesquisa na região e, contando com este apoio cientí-fico, decidiu também fincar os pés na nova fronteira agrícola brasilei-ra. Para isso abandonou, ao menos momentaneamente, a possibilidade de firmar sua carreira política – foi prefeito de Chapadão do Sul por dois mandatos consecutivos. Além disso, decidiu não renovar o con-trato de 1,2 mil/ha de terras que arrendava nos chapadões sul-mato--grossenses. “Nos primeiros seis anos, paguei cinco sacas por hec-tare ao arrendatário, condição que subiu para sete sacas nos três anos seguintes. Em 2011 já entregava 11 e, para renovar, o proprietário que-ria receber 18 sacas/ha. Dai, troquei o arrendamento no Mato Grosso do

Sul por outro no Pará”, conta. Em sua opinião, foi um negócio vanta-joso. “Em Santana do Araguaia ar-rendei 6 mil/ha de pasto degradado da fazenda Santa Fé, propriedade da empresa Agropastoril do Ara-guaia Ltda, na expectativa de abrir 1,5 mil/ha/ano para lavoura. No pri-meiro ano não paguei nada e acertei remuneração de cinco sacas de soja/ha/ano de 2013 até 2020”, revela.

Na primeira safra (2012/13), Krug trabalhou apenas com soja e conseguiu produtividade média de 46,4 sacas/ha, com pico de 61 sacas/ha em uma área de 300 ha. Para a safra de verão 2013/14 foram se-meados 3 mil ha. Agora, planeja trabalhar na safra de inverno com 1,2 mil ha de milho e 300 de sorgo. “Pretendo vender boa parte desta

O solo no sudeste do Pará é ralo, pouco intemperizado, o que ajudou a preservar suas características e o teor de nutrientes.

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Krug fez questãode conciliar o cultivo

de grãos com a manutenção da

massa vegetal nas áreas arrendadas.

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e com a ADM. Esta última vai levar os grãos até o terminal portuário próprio em Barcarena, próximo a Belém; só isso já me garante ganho de 50 centavos de dólar em cada saca sobre o preço de Porto Franco”.

Mas expandir seus negócios para tão longe tem seu preço. Só em 2013 fez 16 vezes o trajeto de ida e volta entre Chapadão do Sul e Santana do Araguaia (distância rodoviária de 1.350 km), duas vezes de avião e 14 por estradas (asfaltadas e de terra). Tem ainda dificuldades em conse-guir técnicos para manutenção e re-forma de maquinário agrícola, além de enfrentar um limitado rendi-mento da mão-de-obra operacional contratada. “Meus funcionários são da região de Santana, acostumados com pecuária. Na agricultura, o rit-mo é mais acelerado, pois temos de cumprir prazos de plantio e de co-lheita”, observa.  Mesmo com estes gargalos e despesas de investimento (abertura de áreas de pastagem de-gradada, arrendamento, insumos etc). Krug garante que cultivar grãos no Pará é mais rentável do que em sua região, no Centro-Oeste. “Hoje, recebo pelo menos 100 reais por hectare acima do que é pago em Chapadão do Sul. Como estou culti-vando três mil hectares, são 300 mil reais a mais em caixa apenas com soja em uma só safra. É o plus que ganho por estar na região”.

Os novos profissionaisO pioneirismo de Rodolfo

Schlatter ao plantar a primeira la-voura de soja em Santana do Ara-guaia em 2002 acabou atraindo para o município um número cres-cente de agricultores, além de Joce-lito Krug, e, de carona, quando ti-veram notícias do rápido desenvol-vimento da região e precisaram de seus serviços, um tipo profissional cada vez mais raro e difícil de achar: os especialistas em manutenção de

Krug diz que é mais rentável plantar soja em Santana do Araguaia. Recebe 100 reais/ha a mais, em relação a Chapadão do Sul.

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segunda safra para pecuaristas que tratem boi na seca em semiconfi-namento; a demanda aqui no Pará é grande”, avisa. Mesmo sendo um agricultor por vocação e experiên-cia, Krug também tem planos de investir em pecuária graças à oferta crescente de grãos, verticalizando sua atividade. “Assim que terminar de abrir toda a área arrendada, vou montar um confinamento; meu plano é implantar um boitel”, con-ta, se referindo a um serviço de en-gorda bovina em sistema intensivo para animais de terceiros.

No que se refere à agricultura, ele não pretende parar nos 6 mil ha arrendados. Em breve começa a produzir na propriedade de 2,25 mil ha que comprou bem próximo à cidade (distante 26 km da área urbana de Santana do Araguaia). “Estou cuidando de todos os proce-dimentos, registros legais e ambien-

tais, incluindo áreas de APP e de re-serva legal”, salienta. Krug adquiriu estas novas terras em março de 2013 pagando 5,1 mil reais por hectare e garante que, no início de 2014, elas já valiam 7,2 mil reais/ha.

Os primeiros resultados de co-mercialização de grãos de suas la-vouras no Pará aumentaram ainda mais o otimismo de Krug. “Em re-lação à região dos Chapadões (Mato Grosso do Sul e Goiás), as empresas estão pagando em Santana do Ara-guaia 2,50 reais a mais pela saca de soja e até três reais a mais pela saca de milho; só esta diferença cobre o custo do arrendamento”, revela. Ele comercializou sua primeira safra com as empresas Algar Agro e Bun-ge Alimentos. “O escoamento foi feito a partir de Porto Franco, no Maranhão”. Em 2014 os negócios tendem a ser ainda melhores: “Te-nho contrato fechado com a Bunge

A cobertura do solo é imprescindível na região: ajuda a evitar a queima do colo das plantas por altas temperaturas.

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máquinas agrícolas. Gente como Fernando Fidelis “Cristo” Noguei-ra, por exemplo. Em dezembro de 2013, ele fez sua segunda viagem entre Chapadão do Sul e Santana do Araguaia. São 2.700 km (ida e vol-ta) alternando rodovias asfaltadas e estradas de terra. Com o sugestivo slogan “Segurança lá em cima”, sua empresa, Cristo Assistência Técni-ca, é especializada em manutenção de pulverizadores. No Pará, cobra R$ 10 mil por revisão sem pintura e R$ 15 mil com pintura em cada máquina.

Quando conheceu a região, em 2012, Cristo viajou no carro de um agricultor que o buscou para um trabalho de emergência. “Foi com-pensador”, diz ele. Com o que ga-nhou, comprou uma caminhonete 4X4 automática, e seguiu com ela em dezembro do ano passado para Santana. “Pretendo investir aqui. Por enquanto, ficarei 15 dias a cada mês prestando serviço no Pará, com alimentação, hospedagem e demais despesas por conta dos clientes”, explica. “A ideia é deixar meu filho cuidando dos negócios na região dos Chapadões. Pelos meus cálcu-los, vou dobrar meu faturamento.” Ele garante que já possui quatro

clientes fixos e uma demanda cres-cente. Manoel da Silva Filho, pro-prietário da Hidro Comando, uma empresa de manutenção hidráulica, mecânica, torno e solda, também se-diada em Chapadão do Sul, demo-rou 24 horas para ficar empolgado com Santana do Araguaia.. “Já estou pensando em fechar lá, onde existe muita concorrência, e vir com tudo para o Vale do Araguaia; vou falar com meu sócio”, comentou no dia seguinte ao chegar à região, enquan-to já trabalhava na parte hidráulica de uma máquina pulverizadora na

Fazenda Santa Fé. Silva Filho diz que o faturamento da empresa não chega a 150 mil reais por ano. “Mas aqui em Santana do Araguaia creio que dá pra faturar entre 25 mil e 30 mil por mês”, calcula. Natural do Pa-raná, ele é filho de pequeno produ-tor (já falecido) assentado na região de Chapadão do Sul, casado e pai de uma filha. “Vou trazer todo mundo pra cá”, diz, animado.

Seringueiro desde os 14 anos, o nordestino Flávio Muniz não teve uma vida fácil, mas hoje está esta-bilizado em Santana do Araguaia.

Prioridades invertidas Na esteira da agricultura bem-

-sucedida em Santana do Ara-guaia, grandes corporações, com extensas propriedades tradicio-nalmente voltadas para a pecuá-ria de corte, começam também a investir no cultivo de grãos, sobre-tudo soja. É o caso, por exemplo, do grupo WLM (iniciais de Wilson Lemos de Morais), estabelecido em Santana do Araguaia desde 1973. Com 100 mil ha de terras e um rebanho bovino de 25 mil cabeças distribuídos entre as fa-zendas Fartura Agropecuária e Agropecuária São Sebastião do Araguaia, a WLM destinou 600

ha de pastagens para o plantio de soja e milho nesta safra, na Fazenda Fartura. “Nossa meta é chegar a 1.000 ha em sistema de integração com a pecuária”, afir-ma Wilson Lemos de Morais Neto, gerente geral de agropecuária da empresa. Além do cultivo de soja na safra de verão, pretendem cul-tivar 200 ha de milho na safra de inverno. “O objetivo é a produção de silagem e grãos para o projeto de confinamento que também es-tamos implantando na fazenda”, revela o gerente.

Neto assegura que pelo me-nos 73% dos 100 mil ha da WLM

na Amazônia são formados por áreas de reserva florestal, de-tendo o segundo lugar entre as propriedades particulares bra-sileiras com maior número de espécies de pássaros, conforme levantamento feito por ornitó-logos da USP – Universidade de São Paulo. Além das terras no Pará, o grupo produz leite na fa-zenda São João do Atibaia, em Jaguariúna (SP) e mantém 700 mil pés de café em produção na fazenda São Judas Thadeu, em São Sebastião do Paraíso (MG), entre outros negócios em outras áreas do país.

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Primeira área de soja cultivada pelo grupo WLM na fazenda Fartura

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Saiu adolescente do Ceará rumo a Santa Terezinha, no nordeste do Mato Grosso, onde extraiu lá-tex por nove anos. Nos últimos 10 anos, vem cuidando de 10 hectares de seringais em parceria com o “pa-trão” Rodolfo Schlatter, na Fazenda Santana Rios. Muniz é responsável por cinco mil seringueiras, tem salário fixo e ganha 30% de tudo o que produz. Recebe salário mínimo em carteira, mais um percentual por produtividade. No ano passa-do, esta variável lhe rendeu 1,7 mil reais, em média. Sua renda mensal fica, portanto, na faixa dos 2,4 mil reais, considerando o látex a 2,60 o quilo. “Está um pouco baixo agora. Em 2012, chegou a 3,60/kg e ganhei bem mais”, diz, confiante. “Vou continuar por aqui”.

Ponto de convergênciaA ascensão da agricultura, a

possibilidade de revitalização da pecuária de corte através de siste-mas de integração com lavouras e pessoas como Schlatter, Krug, Arf, Borges, Morais Neto, Cristo, Silva Filho, Diniz e tantos outros coloca-

ram Santana do Araguaia definiti-vamente no mapa. Afinal, são 162 mil toneladas de grãos previstos para a safra 2013/14 e um rebanho bovino de quase 600 mil cabeças (IBGE/PPM/2011). De “último município” do Pará, passou a ser o ponto de convergência de velhos e tarimbados lavoureiros baseados em outras regiões do país, de gran-des grupos agrícolas em busca de expansão, empresas de assistência técnica, trabalhadores rurais quali-ficados, mão de obra especializada ou sem especialização nenhuma, comerciantes, empresas de servi-ços, toda sorte, enfim, de pessoas. Tem espaço para todos. Como di-zem por lá: “O forasteiro de hoje pode ser meu patrão amanhã”

Quem chega hoje à cidade per-cebe logo a mistura de euforia com uma nítida desorganização estrutu-ral. Os raros hotéis são limitados e desconfortáveis. O trânsito, com poucos carros e uma enorme frota de motos, é caótico. Policiamento existe, mas os agentes fazem vista grossa para algumas situações. No município, motociclistas não usam

capacetes (para não serem confun-didos com eventuais bandidos), muitos condutores são menores e várias motos circulam livremente sem placa. É ainda uma espécie de “cidade sem lei”, como comenta a Secretária de Agricultura de San-tana do Araguaia, Franciele Bran-dão, que admite ter pela frente um extenso trabalho para adequar o município ao futuro próximo de intenso fluxo agropecuário (assun-to da última reportagem da série, na edição de abril).

Em 2000, pouco antes da im-plantação da primeira lavoura de soja, a população de Santana do Araguaia era, segundo o IBGE, de 31.218 habitantes, dos quais 17.326 residentes na cidade e 13.892 ins-talados na área rural. Neste mesmo ano o IBGE constatou que somen-te 88 pessoas (em 22 residências) contavam com rede geral de esgoto ou pluvial. O percentual de habi-tantes sem nenhum banheiro em suas casas era de 71,75% (parte, no entanto, contava com espaço sani-tário, geralmente externo à resi-dência).

Em 13 anos a população do-brou (63.031 habitantes – projeção IBGE/2013) e a área cultivada com grãos (soja e milho) saiu de zero e alcançou, segundo estimativas do Sindicato Rural de Santana do Ara-guaia, 60 mil hectares. E ainda há muito espaço para crescer.

Em 13 anos, a área cultivada com grãos no município de Santana do Araguaia saiu de “zero” para alcançar hoje 60 mil hectares.

Os mecânicosManoel Filho e

Fernando “Cristo” Nogueira e o

seringueiro Flávio Muniz (da esq. p/ a dir.): para eles, o futuro é Santana

do Araguaia.

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