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    A Neuroesttica como retomada da experincia esttica

    enquanto forma de conhecimento visual

    Prof. Dr. Alberto Marinho Ribas Semeler*Prof. Me. Juliano do Carmo**

    ___________________________________________________________________________

    RESUMO: Opresente artigo tem por objetivo apresentar a Neuroesttica contrapondo-a a alguns paradigmas da

    arte conceitual. As descobertas da Neurocincia e da Neurobiologia questionam a concepo de conhecimentocomo linguagem (restrito ao campo puramente proposicional), recusando algumas teses centrais daqueleparadigma dominante nas artes no sculo passado. Desse modo, as descobertas da Neurobiologia e daNeurocincia reposicionam a esttica enquanto campo investigativo, propondo-a como conhecimento eintelecto visual. A metodologia sugerida aquibusca a revalorizao da experincia com a imagem enquantosensao e conhecimento do mundo. Assim, a Neuroesttica questiona a abordagem lingstico-filosficaassumida pelos artistas contemporneos e prope a imagem como processo cognitivo que envolve processossensoriais, orgnicos, bioqumicos e viscerais.Palavras-chave:Neuroesttica, Arte Conceitual, Linguagem.

    ___________________________________________________________________________

    1. Introduo

    Desde a arte moderna at nossos dias, muitos artistas tm buscado sincronizar sua produo

    com diferentes sistemas de pensamento, sejam eles oriundos das ditas cinciashumanasou das ditas

    cincias naturais. Essa aproximao possibilitou a extrao de subsdios para pensar suas obras,

    estimular seu processo de produo e sua poisis; e, em alguns casos, inclusive, criar suas prprias

    teorias. Se, por um lado, muitos artistas tm trilhado esse caminho, muitos filsofos e cientistas, por

    outro lado, empenharam-se em atribuir sentidos arte, no raramente buscando nela a inspirao pararepensar velhos padres, para criar novos, ou ento estabelecer as condies de possibilidade para uma

    relao entre filosofia, cincia e arte.

    _______________________* Professor convidado da VII Semana Acadmica do PPG em Filosofia da PUCRS. Alberto Marinho Semeler doutor em Poticas Visuais, Neuro-artista e Professor do Departamento de Artes Visuais IA-UFRGS,[email protected].

    ** Juliano do Carmo doutorando em Filosofia pela PUCRS e Professor do Departamento de Filosofia daUFPel. [email protected]

    intuitio ISSN

    1983-401

    Porto alegre Vol. 4- N2 Novembro de

    2011

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 5A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    Este breve ensaio busca analisar o paradigma proposto pela arte conceitual predominante nas

    ultimas dcadas do sculo XX e, que, se mantm presente at nossos dias no sistema das artes

    contrapondo-o s investigaes da Neuroesttica. No nosso objetivo, no entanto, aprofundar

    questes a respeito das implicaes srias que este modelo pode apresentar para a epistemologiatradicional. Pois, certamente, este seria um tema bastante fecundo para um futuro artigo. Limitaremos

    a descrever as razes do problema e contextualiz-los dentro das ltimas tendncias da arte

    contempornea.

    2.A Neuroesttica

    Nos ltimos anos, a filosofia realizou progressos significativos na investigao sobre a

    natureza da mente, especialmente no que diz respeito ao problema da autoconscincia1. Boa parte dos

    filsofos atualmente tem concedido que as novas descobertas cientficas possuem o potencial de

    corroborar certas teorias filosficas a esse respeito. Um exemplo disso percebido, de maneira clara,

    no crescente desenvolvimento da recente Neurofilosofia, proposta por Paul e Patricia Churchland2.

    Os neuro-filsofosse utilizam as ltimas descobertas cientficas em relao ao crebro e ao sistema

    nervoso para entender alguns processos nebulosos da esfera do mental (intencionalidade, estados

    mentais, atitudes proposicionais, entre outros).

    Seguindo a mesma perspectiva, a arte contempornea desenvolveu aquilo que vem se

    revelando como um novo e fundamental paradigma: a Neuroesttica. Proposta pelo cientista ingls

    Semir Zeki, ela representa um novo paradigma em esttica 3. Semir Zeki buscava encontrar,

    semelhantemente ao que ocorre em algumas teorias teleolgico-biolgicas do significado lingstico e

    da intencionalidade, uma base biolgica compreenso cientfica do prazer esttico visual. De certa

    forma, como veremos, a Neuroesttica retoma algumas questes da esttica aristotlica que associava

    a mimese ao prazer e investiga os mecanismos cerebrais que operam de modo subjacente4.

    Um dos primeiros trabalhos de Zeki, que j denunciavam o surgimento de uma nova disciplina

    no campo esttico, foi Art and the Brain (1998). Ali o autor relaciona, pela primeira vez, elementos

    importantes da arte e do crebro, procurando estabelecer algumas relaes entre as solues visuais

    artsticas e suas relaes especficas com campos receptivos das clulas do crtex visual. Nesse

    1Para uma boa discusso a esse respeito ver CHURCHLAND, P. Matria e Conscincia. So Paulo: UNESP,2004.2 Para uma compreenso mais aprofundada ver: CHURCHLAND, P. Neurophilosophy at Work, CambridgeUniversity Press, 2007.3Semir Seki foi professor de neurobiologia nos anos de 1970 naUniversity College de Londres, e tambm oprimeiro a aplicar o conhecimento cientfico da neurobiologia, neuroanatomia e de reas afins compresso daarte. Ele tornou-se uma referncia no estudo e na pesquisa do crebro visual. Em 1993, publica um estudo sobre

    as funes e mecanismos cerebrais do campo da viso intituladoAVision of the Brain.4Para uma melhor compreenso, ver: ONIANS, John. Neuroarthistory: from Aristotele e Pliny to Baxandalland Zeki. London: 2007.

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 6A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    primeiro momento na histria da Neuroesttica, se desvendou alguns mecanismos cerebrais

    importantes atravs de exemplos oriundos das artes visuais.

    O crebro visual passa a ter uma importncia fundamental na esttica a partir da publicao de

    Inner Vision: an Exploration of Art and the Brain,em 1999. Zeki est fortemente convencido de que,em larga medida, a funo da arte e a funo do crebro visual so as mesmas. As artes visuais so

    uma funo do crebro visual toda arte visual expressa pelo crebro e, portanto, deve

    necessariamente seguir suas leis.

    A escolha metodolgica de Semir Zeki, ao analisar primeiramente os movimentos da pintura

    moderna, decorre da similaridade entre os experimentos dos neurocientistas com testes esquemticos e

    com a simplificao de cor e forma, tambm presentes, segundo o autor, naquele tipo de arte. Os

    pintores modernos eram neurologistas por excelncia, porque em suas investigaes pictricas

    singulares e nicas, ao atingir os efeitos desejados, eles acabavam por encontrar o prazer pessoal e,

    assim, gratificavam seus crebros. Encontrando prazer na realizao de suas obras pictricas,

    gratificavam a si, e a seus espectadores. Portanto, encontrando o prazer cerebral visual em si e em

    outros crebros, eles acabavam por desvendar algo geral sobre as leis de organizao neural, e os

    caminhos cerebrais para obteno de gratificao cerebral, mesmo desconhecendo os detalhes

    especficos de seu funcionamento e de sua prpria existncia5.

    Uma conseqncia para este novo paradigma em esttica, e de certo modo tambm em

    filosofia, que a viso torna-se fundamental para a obteno de conhecimento acerca do mundo. No

    difcil perceber que, em funo de seus mecanismos visuais rudimentares, algumas espcies tm

    pouco sucesso em negociaes com seus ambientes, o que dificulta sua sobrevivncia no sentido

    evolucionrio. Obviamente, a viso no a nica forma de aquisio de conhecimento, no entanto,

    algumas categorias especficas como o reconhecimento de expresses faciais ou de uma superfcie

    colorida no podem ser adquiridas sem ela. Assim, o crebro est mais interessado em constncias,

    permanncias das propriedades dos objetos e superfcies do mundo exterior.

    A viso um processo ativo em que o crebro descarta mudanas e extrai o necessrio para

    categorizar os objetos no mundo. Por exemplo, a constncia da cor uma lei da percepo que nos

    permite ver objetos em diferentes condies de iluminao, ngulos e distncias. Um objeto deve ser

    categorizado de acordo com sua cor, desse modo reconhecemos o fruto maduro de um no

    maduro. Mesmo com a mudana de cor na luz ambiente, os objetos se mantm reconhecveis devido

    sua constncia cromtica. No processo evolutivo da espcie6, a percepo da cor permitiu que o

    5ZEKI, S.Inner Vision: an exploration of art and the brain. London: Oxford, 1999.6Um exemplo interessante do modo como o crebro humano pode ter evoludo pode ser encontrado na obra dePaul Churchland. EmMatter and Consciousness(1998), ele defende que o surgimento da inteligncia conscientedeve ser visto contra o pano de fundo da evoluo biolgica. A inteligncia num sentido relevante exige um

    sistema nervoso, j que a organizao de muitas clulas. A articulao de mltiplas clulas d incio ao sistemanervoso central e sensorial. O surgimento de um sistema nervoso, evolucionariamente falando, no deve ser vistocomo algo miraculoso. Ele diz: Para perceber como fcil um sistema de controle vir a caracterizar toda uma

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 7A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    homem evolusse em relao a outros primatas, onde o reconhecimento dos alimentos de diversas

    tonalidades acabou por enriquecer sua dieta com nutrientes essenciais; em decorrncia disso, o crebro

    humano evoluiu corticalmente7.

    Uma conseqncia importante do trabalho precursor de Zeki foi o resgate da tradio emrelao inovao nas cincias e na arte. De certa maneira, suas descobertas sobre o conhecimento

    visual devolvem experincia visual a importncia que a mesma perdeu em algumas correntes

    contemporneas da arte. Contudo, no que concerne construo da interface grfica na computao

    visual as investigaes da neurobiologia, da neuroanatomia, da neurofisiologia e da neurocincia,

    aplicam esses saberes diretamente na construo das interfaces de visualizao dos computadores, e

    conseqentemente esto presentes na arte digital.

    3.A arte conceitual e seus paradigmas

    A ideia se torna a mquina que faz arte.Sol LeWitt(1967)

    Desde a dcada de 1960 tem predominado no campo das artes visuais a noo da arte como

    ideiaou conceito. Em outros termos, a arte concebida como uma espcie de essncia, e, assim,

    no raramente, possui um paradigma lingstico. Para o artista norte americano Sol LeWitt, o objetivo

    da obra conceitual de configurar-se num estado mentalmente interessante para o espectador.Portanto, o trabalho deve ficar emocionalmente seco. O trabalho deve ser pensado de forma a priori

    em relao sua execuo. Para o artista adepto desta tendncia, todo o conceito deve basear-se na

    aritmtica sem perder sua complexidade final8.

    espcie, consideremos uma criatura imaginria, como um caramujo que vive no fundo do oceano. Essa espcieprecisa sair parcialmente de sua concha para poder se alimentar, e a criatura se recolhe para dentro dela apenasquando est saciada ou quando algum corpo exterior faz contato direto com ela, por exemplo, quando um

    predador ataca. Muitas dessas criaturas tornam-se presas dos predadores, apesar do reflexo de recolher-se, umavez que a maioria morta logo no primeiro contato direto. Mesmo assim, a populao da espcie se mantmestvel, em equilbrio com a populao de predadores. Por mero acaso, cada caramujo dessa espcie tem umafaixa de clulas fotossensveis na parte posterior da cabea. Nisso, nada h de notvel. Muitos tipos de clulasso sensveis luz em certa medida, e a sensibilidade luz dessas clulas uma caracterstica incidental daespcie, uma caracterstica sem nenhuma funo para ela. Suponhamos agora que um determinado caramujo,graas a uma pequena mutao na codificao de seu DNA inicial, desenvolveu um nmero maior de clulasnervosas que o habitual conectando a superfcie da pele com seus msculos de recolhimento. Em particular, ele o nico entre os membros de sua espcie que tem conexes que vo das clulas fotossensveis at seus msculosde recolhimento. Dessa forma, mudanas sbitas na iluminao geral provocam o imediato recolhimento parasua concha (...). de pequenos acontecimentos fortuitos como esse que so feitas as grandes mudanas.CHURCHLAND, Paul.Matter and Consciousness. MIT, 1998. (pp. 202-3).7ZEKI, S.A Vision of the Brain. London: London: Blackwell, 1993.8LEWIT, Sol.Pargrafo sobre arte conceitual.In: FERREIRA, Glria; COTRIM, Ceclia. Escritos de ArtistasAnos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 8A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    Em Idea Art: a critique (1973), o crtico de arte norte-americano Gregory Battcok rene

    publicaes de manifestos de artistas defendendo que a arte uma espcie de produto do intelecto.

    Por um lado, esses manifestos buscavam romper com a instituio da arte, propondo-a como um

    manifesto de esquerda rompendo com o circuito oficial da arte (museus e galerias). Por outro ladopassavam a conceb-la como ideia ou conceito, onde a reflexo filosfico-conceitual sobre a obra de

    arte precede sua realizao esttico-sensorial. Dessa forma, as qualidades plsticas e matricas da obra

    de arte, como a cor, a forma a expresso, perdem terreno. A arte buscava encontrar sua fundamentao

    na filosofia da linguagem e em outros campos de estudos como a semitica e a lingustica, buscando

    assim uma ruptura com a instituio arte.

    Porm, passados mais de sessenta anos daqueles manifestos com a inteno clara de romper

    com a institucionalizao da arte, o que vemos agora uma burocratizao e re-institucionalizao da

    arte. Isso facilmente constatado na maior parte das bienais contemporneas: onde em geral se v uma

    forma de arte repetitiva, na maioria das vezes acompanhada por uma espcie de bula, e, no obstante,

    comprometida ideologicamente ao capitalismo e suas perverses desse modo, ao que parece, a

    proposta esquerdista deixou de fazer sentido.

    A virada lingusticada esttica evidenciada em artistas como o norte-americano Joseph

    Kosuth, que utilizam explicitamente a filosofia da linguagem de Wittgenstein9 para fundamentar e

    elaborar suas obras. Kosuth um dos primeiros artistas a assumir o texto terico como parte

    importante das obras de arte. A filosofia de Wittgenstein foi absorvida por Kosuth como uma espcie

    de anncio do fim da prpria filosofia10, pelo menos no que diz respeito a um modelo especfico de

    filosofia (metafsica). Assim, com o foco voltado ao significado dos enunciados da linguagem

    proposto pelos filsofos da linguagem, Kosuth prope o fim da filosofia como comeo da arte. Para

    ele a condio tautolgica da arte o que a mantm alheia s conjecturas filosficas.

    9Ludwig Wittgenstein (1889-1951) considerado um dos mais importantes filsofos da histria da Filosofiaocidental. Sua obra distinta sob vrios aspectos do trabalho dos demais filsofos. Um aspecto interessante desua genialidade que ele elaborou duas filosofias diferentes: uma no Tractatus Logico-Philosophicus(1921) eoutra nasInvestigaes Filosficas(1953). Atualmente existe a suspeita de uma terceira filosofia a partir da obra

    Da Certeza(1951). No entanto, Kosuth parece ter se concentrado na primeira daquelas obras.10Na verdade, como sabemos, Wittgenstein inaugurou uma nova maneira de se conduzir a tarefa da filosofia. Afilosofia teve seu escopo reduzido mera anlise da linguagem, em outros termos, sua tarefa seria esclarecerconfuses lingsticas, ou ainda, mostrar onde existem proposies significativas (proposies genunas),proposies sem sentido (pseudo-proposies) e contra-sensos (absurdos). De acordo com o critrio designificao adotado em seu primeiro trabalho (Tractatus Logico-Philosophicus 1921), no seria possvelenunciar (dizer) qualquer proposio necessria, visto que a linguagem funciona como uma espcie de espelhodo mundo, refletindo, portanto, tudo o que nele existe, a saber: contingncias. Como o prprio filsofo diz: Nomundo, tudo como e tudo acontece como acontece; no h nelenenhum valor e se houvesse, no terianenhum valor. Se h um valor que tenha valor, deve estar fora de todo acontecer e ser-assim. Pois todo acontecere ser-assim casual. O que o faz no-casual no pode estar nomundo; do contrrio, seria, por sua vez, casual(WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. So Paulo: EDUSP, 2001, 6.41). De acordo comWittgenstein, portanto, tudo o que dito de forma significativa dito contingentemente, logo, todas as

    proposies filosficas (metafsica, lgica, tica, esttica, religio, etc.) esto condenadas ao silncio, pois todaselas tm a pretenso de enunciar proposies necessrias. No levar em considerao a restrio imposta peloautor do Tractatuslevaria necessariamente produo de pseudo-problemas indecifrveis.

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    evidente, no entanto, que Kosuth buscava na obra de Wittgenstein uma espcie de antdoto

    para tese hegeliana do fim da arte11. Para Kosuth a esttica no o princpio instaurador da obra de

    arte. A esttica funciona melhor como um princpio alheio funo ou a razo de ser de um objeto.

    Sua teoria analisa a condio da esttica apenas como ornamento e decorao, servindo apenas para aarte (escultura e a pintura moderna) e para a crtica de arte formalista, que ele denominava

    jocosamente de vanguarda decorativa. A crtica formalista detm-se em princpios puramente

    morfolgicos da obra de arte alinhando-se, portanto, arte tradicional. Neste sentido, ela no possui

    nenhum mtodo cientfico ou empirista. A partir dos ready-mades, a arte muda seu foco

    abandonando os aspectos formais da linguagem e passa a focar naquilo que est sendo dito. A

    aparncia cede lugar concepo. Instaura-se, assim, a arte conceitual.

    4.A Neuro-histria da arte e a Neuroesttica: o r esgate da ar te como sensao eexper incia

    John Onians autor do Livro NeuroArthistory: From aristotle and Pliny to Baxandal and Zeki

    (2007) prope uma reviso completa da histria da arte revendo alguns paradigmas propostos pelo

    ps-estruturalismo, semitica e filosofia da linguagem. Embora seja um pouco difcil estabelecer quais

    os pontos especficos da filosofia da linguagem que foram absorvidos pelos tericos da arte, uma coisa

    clara: a nova tarefa reservada filosofia pelo Tractatus Logico-Philosophicus deflagrou a

    possibilidade de uma nova maneira de se pensar a esttica. Talvez esse novo modelo esttico

    ultrapasse em larga medida algumas restries impostas por Wittgenstein, mas sem dvidas

    transformou em grande parte a concepo daquilo que chamamos convencionalmente de arte.

    No sempre que um dos principais defensores de uma teoria da arte em vignciaanuncia a sua queda e perda de autoridade. E mesmo mais raro ainda, que ele dboas-vindas a seu sucessor. No entanto, recentemente Norman Bryson em suaapresentao para um livro abraou corajosamente a abordagem da neurocinciapara a arte proposta pelo autor Warren Neidich no livro Blow-up: photography,Cinema and the Brain de 2003. Como ele disse, esta abordagem oferece umparadigma inteiramente novo para pensar o sujeito humano atravs da histria

    cultural e da filosofia.Mais decisivamente, Bryson primeiramente a define e em seguida analisa asdeficincias dos paradigmas anteriores, o grupo de teorias com as quais ele estavaanteriormente associado: o radicalismo da neurocincia consiste na suadesvinculao do significante ao significado como fora que os liga: o que faz ama no o significante "ma". . . Mas conexo neuronal simultnea dos axniose os neurnios dentro da vida celular e orgnica. Esta declarao arrebatadoradefinitivamente marginaliza o pensamento ps-estruturalista, com seu foco empalavras e outros cdigos simblicos.12

    11Para um estudo mais aprofundado da esttica hegeliana, ver ROSENFIELD, K. Mritos e Falhas da EstticaHegeliana. Revista Eletrnica Estudos Hegelianos. Ano 2, N 3. Dezembro de 2005.12

    ONIANS, John. Neuroarthistory: From Aristotele e Pliny to Baxandall and Zeki. London: Yale UniversityPress 2007, pg. 1. It is not often that a leading advocate of a fashionable theory announces its fall fromauthority. It is even rarer for him to welcome its successor. This, though, is what Norman Bryson has recently

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    A crtica feita pela Neuro-histria da arte e pela Neuroesttica ao modelo ps-estruturalista e

    lingustico aplicado as artes visuais, tem sua base principalmente em constataes da neurocincia. A

    partir de exames e da anlise do crebro visual a neurocincia constata que o processo decorticalizao ocorre no crebro antes em forma de imagens e apenas posteriormente ele codificado

    em forma de linguagem falada.

    Embora parea bastante peculiar e inovadora, uma anlise dessa natureza no absolutamente

    nova, ela j havia sido proposta pela teoria gestltica. Rudolf Arhein em seu texto Coming and Going of

    Images analisa o pensamento como um fenmeno que ocorre a partir de processos puramente

    imagticos:

    Vamos comear com algumas definies. Por imagem eu defino duas coisasdiferentes, mas, intimamente interligadas. Ns temos imagens quando usamos nossaviso. Ns enxergamos objetos fsicos como objetos de arte, por exemplo, pinturas eesculturas. Mas, num senso mais universal ns tambm falamos por imagens.Nossos pensamentos, invenes e fantasias so imagens sensoriais imagensproduzidas sem a presena de objetos fsicos. Alm disso, imagens podem serimveis como uma pedra ou cheias de ao como um corpo vivo. 13

    Outro autor, importante para esta temtica, que explora os novos estudos sobre a biologia

    enquanto recurso para compreenso dos fenmenos perceptivos e culturais foi E. H. Gombrich. Ele

    usava a ecologia enquanto metfora para contrapor-se a teoria Marxista, onde a produo primria criauma superestrutura que acaba gerando um estilo. Para Gombrich, muitos outros fatores acabavam

    atuando para que um estilo pudesse prosperar. A metfora marxista oriunda da arquitetura era fechada

    e pouco flexvel, ignorando ou acomodando muitos fatores sob a noo de estrutura. Para ele metfora

    proposta pela biologia e a ecologia eram mais complexas e mais abertas abarcando de forma mais

    ampla o fenmeno perceptivo.

    No entanto, em seus primeiros escritos, Gombrich fazia questo de enfatizar que seu uso era

    apenas metafrico e que no possua um fundo cientfico. Esta resistncia inicial de Gombrich em

    utilizar a biologia de forma objetiva, ou assumi-la como campo de investigao, deve-se

    done. In his introduction to a new book he begins by boldly embracing the neuroscientific approach to artadopted by its author, Warren Neidich. As he says, it offers an entirely fresh 'paradigm for thinking throughcultural history and the philosophy of the human subject'.'More decisively, Bryson goes on first to define, andthen to analyse, the deficiencies of the preceding paradigms, the group of theories with which he had previouslybeen associated: 'The radicalism of neuroscience consists in its bracketing out the signifier as the force that bindsthe world together: what makes the apple is no the signifier "apple" . . . but rather the simultaneous firing ofaxons and neurons within cellular and organic life." This sweeping statement definitively marginalizesPoststructuralist thought, with its focus on words and other symbolic codes. (Traduo nossa).13ARMHEIN, R.Mediaarthistories, 2007.p.2. Let me beginwith a few definitions. By "images" I mean twodifferent but intimately related things. We have images when we use our sense of vision. We see physical

    objects, such as art objects, sculpture or painting. But we speak of images also in more universal sense. Ourthoughts, inventions, and fantasies are sensory images not produced by the presence of physical objects.Furthermore images may be immobile like rocks or full of action like living bodies. (Traduo nossa).

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    principalmente a identificao de tais estudos na poca com a cincia mdo nazismo. Assumir a

    tese de uma esttica de base biolgica ou de uma bioesttica implicava de certa maneira em uma

    ideologia fascista. Assim, o autor evasivo e ambguo ao tratar deste assunto em seus primeiros

    escritos. Mais tarde, ao analisar as clulas nervosas, na segunda edio de Sense of Order (1984),Gombrich prope o senso de ordem que se manifesta em todos os estilos de design presentes em

    diversas culturas como algo inato na humanidade e, portanto, de ordem biolgica.

    Percebe-se, desde j, que o reducionismo biolgico da Neuroesttica aproxima-se de um

    movimento lingstico-filosfico bastante discutido atualmente, trata-se da teleosemntica. Uma das

    tentativas mais bem sucedidas em relao a esta temtica aquela realizada por Ruth Millikan, que

    defende a ideia bastante intuitiva de que os seres humanos so criaturas naturais inseridas num mundo

    natural. Um dos ingredientes mais chamativos de seu pensamento a tentativa de compreender a

    intencionalidade como um fenmeno natural (de cunho biolgico). Boa parte de seus argumentos

    visam expandir a noo de funo biolgica, para dar conta dos dispositivos biolgicos e dos

    dispositivos lingsticos.

    A teleosemntica de Ruth Millikan deriva da concepo teleolgica das funesbiolgicas: um dispositivo tem uma funo prpria direta se o sucesso (proliferao)de sua linhagem se deve em parte ao fato de que, historicamente, essa famlia dedispositivos ter desempenhado essa funo mais freqentemente do que certosoutros dispositivos, por possuir certa caracterstica com uma correlao positiva como desempenho dessa funo.14

    O ponto de aproximao aqui entre Neuroesttica e Teleosemntica evidenciado atravs da

    ideia de que um dispositivo s desempenha suas funes prprias num ambiente adequado, ou seja,

    evolui em circunstncias adequadas. Existem muitas outras teorias filosficas que tambm corroboram

    de certo modo abordagens evolucionistas ou biolgicas. O funcionalismo, no entanto, rejeita a ideia de

    que a mente possa seja uma entidade abstrata ou mesmo que ela seja reduzida ao crebro. A mente

    para o funcionalismo uma espcie de funo.

    Um modo fcil de entender uma funo pensar em um termostato. A funo dotermostato regular a temperatura de uma sala ou edifcio. Ele toma certo input naforma da temperatura ambiente e ento, dependendo de como foi programado,

    produz um dos resultados seguintes: (1) aciona o sistema de aquecimento, porque asala est fria demais; (2) desliga o sistema de aquecimento, porque a sala est quentedemais. (...) A funo do termostato o que ele faz, a tarefa que executa ou o papelque desempenha. Se voc estivesse procurando um termostato para comprar, afuno seria seu foco de interesse.15

    A ideia do funcionalismo a de que a mente humana tambm possui uma funo, ou seja, que

    sua organizao interna desempenha um determinado papel na resoluo de problemas. No nosso

    interesse oferecer uma anlise detalhada do funcionalismo aqui, mas, antes, mostrar que existem

    14

    SILVA, Porfrio.Intencionalidade: Mecanismo e Interao. Revista Principia: Florianpolis, 14(2), 255-278,2010.15MASLIN, K.T.Introduo Filosofia da Mente. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 129.

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 12A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    Porto alegre Vol. 4- N2 Novembro de

    2011

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    outras consideraes filosficas que, embora com uma abordagem semelhante, certamente no

    endossam uma espcie de reduo biolgica pura. Um exemplo de reduo biolgica pura na filosofia

    facilmente percebido quando algum deseja reduzir significados lingusticos a estados mentais, e

    estados mentais, por sua vez, a estados cerebrais (fsicos).Existem vrias espcies de reducionismos e todas elas so em geral atacadas por um ou outro

    motivo. Em filosofia da linguagem o reducionismo em geral relacionado a um movimento chamado

    Naturalismo Semntico. O naturalismo semntico tem a peculiaridade de buscar reduzir aspectos

    enigmticos do significado a aspectos no-enigmticos16, ou seja, tem a peculiaridade de buscar

    explicar a intencionalidade e a normatividade, por exemplo, atravs de propriedades no-intencionais

    ou no-normativas.

    Outra pressuposio que em geral aceita pelos filsofos da linguagem contemporneos que

    o contedo mental e o significado lingstico compartilham certas propriedades. Para resolver o

    enigma do significado e da natureza dos estados mentais, eles em geral estabelecem uma espcie de

    prioridade explicativa do contedo de ambas as esferas. A estratgia dominante17 nos ltimos anos

    consiste em procurar oferecer uma explicao do contedo mental e depois derivar dele o significado

    lingstico. O significado das proposies da linguagem explicado como derivado do contedo das

    crenas ou outras atitudes proposicionais que as sentenas pretendem comunicar. Dado o contedo

    desses estados mentais, ento o significado pode ser derivado e explicado sem a pressuposio de

    quaisquer conceitos intencionais. No seria de todo equivocado dizer que o objetivo central do

    reducionismo semntico oferecer as condies necessrias e suficientes para dizer que o significado

    no depende de conceitos intencionais18.

    A intencionalidade explicada a partir de uma diviso metodolgica: a intencionalidade

    intrnseca19 e a intencionalidade derivada. Dizer que o significado explicado a partir do contedo

    16THORTON, T. Wittgenstein: Sobre Linguagem e Pensamento. So Paulo: Edies Loyola, 2007.17

    O programa de Paul Grice previa uma explicao sobre o significado lingstico das sentenas e palavrasconvencionais como derivada do contedo das crenas que o falante pretende comunicar e que o ouvinte percebeque deve partilhar por meio de convenes lingsticas estabelecidas. Desse modo, o significado seria explicadoem termos de crenas e intenes de um falante atravs do uso da linguagem. O trabalho de Grice tambm oresponsvel por aquilo que chamamos de semntica de base intencional, pois pretende reduzir os doisproblemas (significado lingstico e contedo mental) a um s problema: o problema do contedo mental. Asemntica de base intencional assim tambm equiparada a uma explicao reducionista do contedo mental. 18Paul Horwich defende, por exemplo, que o uso geral de cada palavra decorre da posse de uma propriedadebsica de aceitao. Para cada palavra, Horwich defende, existe um pequeno conjunto de propriedades simplesque (em conjuno com outros fatores e com as propriedades bsicas das outras palavras) explicam totalmente ocomportamento lingustico a respeito daquela palavra. A ideia explicar o significado lingstico atravs de umapropriedade no-semntica e no-intencional. Para mais detalhes, ver: HORWICH, P. Meaning. New York:Oxford University Press, 1998.

    19A intencionalidade natural ou intrnseca porque o fato de algo como a sede ter a ver com beber no oresultado de nenhuma conveno que determine sua interpretao. Ela , ao contrrio, um aspecto essencial deseres que dependem da gua para viver.

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 13A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    mental dizer que o significado lingstico no possui intencionalidade intrnseca, ou ainda,

    intencionalidade natural20.

    Uma justificativa para a adoo dessa estratgia imediatamente evidente no sentido de que o

    significado lingstico requer convenes para o uso e a interpretao de palavras, enquanto que ocontedo mental, ao contrrio, no. Mas existem outras razes para a reduo: teorias causais

    descritivas e teorias teleolgicas tm muito mais probabilidade de ter sucesso a respeito de

    representaes mentais do que no que diz respeito ao significado lingstico. A utilizao de palavras,

    para realizar uma referncia a algo atualmente presente, no depende apenas de seus significados, mas

    tambm das intenes dos falantes que as utilizam. Os contedos mentais (as representaes mentais),

    em contraste, no dependem necessariamente de atos voluntrios. A representao mental de uma

    mesaocorre involuntariamente na mente de um sujeito na presena daquilo que convencionalmente

    se chama mesa. A conexo causal entre o mundo e os contedos mentais, nesse caso, parece um

    tanto mais confivel do que naqueles casos em que atos voluntrios so necessrios casos em que

    uma conveno ou uma interpretao so necessrias.

    Assim, segundo Fodor, a intencionalidade deve ser naturalizada, pois se a reduo da

    intencionalidade a algo no-intencional no for possvel, ento nada de to estranho quanto o

    significado lingstico poderia oferecer uma descrio eficiente do mundo. A ideia central a de que

    se a intencionalidade real, ento ela deve ser de fato outra coisa. Alguns filsofos (Ruth Millikan,

    por exemplo) costumam combinar a estratgia de reduzir o significado lingstico a fenmenos no-

    intencionais com uma explicao causal ou biolgico-teleolgica do contedo mental.

    Os adeptos do segundo Wittgenstein (Michael Dummett, Saul Kripke, Tim Thorton, Robert

    Brandom, John McDowell, entre outros) recusam os modelos tericos de Fodor e Millikan alegando

    que qualquer processo causal ou redutivo no poderia dar conta da normatividade do significado

    lingstico (supondo obviamente que o significado seja intrinsecamente normativo). Alegam, tambm,

    que qualquer considerao reducionista do significado no conseguiria explicar o fenmeno da

    compreenso e, assim, ou elas no teriam sentido ou acabariam por pressupor a prpria coisa na

    explicao. De qualquer forma, o reducionismo bastante polmico, no apenas em filosofia, mas,

    tambm, no universo das artes.

    John Onians, em sua proposta de uma Neuro-histria da Arte, reconstri o percurso

    histrico de textos clssicos escritos por autores de diversas reas do conhecimento. Assim, tais teorias

    so relidas sob o prisma das novas descobertas da neurocincia. A proposta realizar uma anlise dos

    autores a partir de uma perspectiva ambiental (caractersticas climticas, ensolarado ou chuvoso, frio

    20

    Wittgenstein explica o significado lingstico e o contedo mental com igual prioridade e da mesma forma.Entretanto, ele tambm argumenta que o pensamento conceitualmente dependente da linguagem. A menos quealgum possa falar uma lngua, esse algum ser severamente coagido pelos pensamentos que possa ter.

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 14A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    ou quente) se viajou muito ou no durante sua existncia, suas relaes interpessoais, se era rico ou

    pobre entre outros.

    A abordagem de Onians retoma, de certa maneira, a importncia do contexto e do entorno nas

    artes. Estes fatores so fundamentais para aquilo que a neurocincia chama de plasticidade cerebral. Aplasticidade cerebral a propriedade do crebro humano de desenvolver novas conexes neuronais e

    abandonar antigas conexes. , portanto, a habilidade que o crebro possui de reestruturar a si mesmo

    como resposta experincia. Para a neurocincia o sujeito visceral, ou seja, constitui-se

    fisicamente no crebro enquanto conexo de redes neuronais. A subjetividade mais um fenmeno

    real e visceral do que ideolgico e simblico como prope a teoria psicanaltica. A experincia mental

    compartilha dos mesmos fenmenos qumicos e orgnicos, dos mesmos fenmenos metablicos que

    atuam em todos os processos vitais celulares. Os neurnios so suscetveis de mudanas assim como

    todos os processos celulares, com a particularidade de que as conexes neuronais ocorrem

    basicamente a partir das experincias vividas.

    Dessa maneira, a neurocincia busca juntar corpo e esprito apresentando esta problemtica

    no apenas como possvel, mas, tambm, como necessria. Corpo e esprito esto associados ao

    sistema motor, ao sistema sensorial, a cognio e s vsceras. Tais autores buscam repensar tpicos

    como conscincia, esprito, memria e sentimento luz dos ltimos desenvolvimentos tecnolgicos da

    neurocincia. Isso se tornou possvel a partir dos novos exames computadorizados que possibilitam

    acompanhar em tempo real quais reas do crebro esto ativadas a partir de determinadas experincias.

    O estudo chamado crebro visual desenvolveu-se de forma proeminente devido a alguns

    fatores. Primeiramente, em funo da parte do crtex cerebral dedicado a viso ser encontrado no

    fundo da caixa craniana. Em segundo lugar, seu relativo isolamento facilita a investigao e a

    interveno cirrgica. Outro fator de grande importncia a grande rea do crtex cerebral dedicada

    viso e recepo de informaes oriundas dos processos perceptivos.

    importante perceber que tambm so analisados momentos evolutivos cruciais para espcie

    humana. H trinta mil anos, quando o homem desenvolveu as clulas nervosas que lhe deram a

    capacidade de percepo da cor, considerado um marco evolutivo para espcie humana que, assim,

    passou a selecionar melhor seu habitat e tambm escolher melhor sua comida. Assim, a partir da

    percepo das cores o homo-sapiensacabou por enriquecer sua dieta e, portanto, sua capacidade de

    cognio devido diversidade de nutrientes que passou a atuar na neuroqumica cerebral.

    A Neuro-histria da Arte prope uma crtica mordaz s idias vigentes oriundas das trs

    principais correntes do pensamento recente; a filosofia da linguagem de Wittgenstein, a desconstruo

    e a teoria psicanaltica lacaniana, imprimindo nelas um rtulo do puramente burocrtico. Temos

    razes para crer que a Neuroesttica, aliada aos grandes avanos das neurocincias e com os recentes

    desdobramentos da Neurofilosofia, poder oferecer em breve argumentos contundentes para uma nova

    concepo de arte.

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 15A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    Para Onians, o pensamento contemporneo preocupa-se apenas com a cognio no sentido

    lingustico e incapaz de reconhecer questes importantes, tais como sentimentos, emoes, as

    intuies e as sensaes. Tais faculdades no so apenas essenciais para a nossa condio humana,

    mas, sobretudo, funcionam como canais vitais para a experincia plena. Os estudos da Neuro-histriada Arte e da Neuroesttica buscam a compreenso de algo tratado como uma fico para muitos ps-

    modernistas: aquilo que os antigos chamavam de natureza humana.

    Para Semir Zeki, neurologista ingls criador da Neuroesttica, a funo da arte e a funo do

    crebro visual , num certo sentido, a mesma. As artes visuais para Zeki so uma espcie de extenso

    das funes do crebro. Portanto, as artes visuais seriam uma exteriorizao ou manifestao fsica do

    crebro.

    Assim, ao retomar a importncia da imagem como base de nossos processos cerebrais, bem

    como da importncia da complexidade da experincia para a plasticidade cerebral, a Neuro-histria da

    arte e a Neuroesttica inauguram uma crtica consistente ao movimento conceitualista nas artes

    visuais. Segundo o artista Sol LeWitt, o objetivo de uma obra de arte conceitual tornar-se

    emocionalmente seca. Para Kosuth, a experincia esttica na arte tem uma funo meramente

    decorativa e superficial e deve ser excluda da arte conceitual.

    Para os artistas conceituais a idia da obra precede sua execuo e no raramente substitui a

    prpria experincia da obra. Assim, ao propor a sensao e a experincia enquanto processos bsicos

    para que ocorram novas conexes neuronais, a Neuro-histria da Arte e a Neuroesttica pem abaixo

    as teses conceituais de que a experincia cerebral esteja necessariamente ligada a um processo

    puramente lingustico e simblico. A arte no e nem deve ser uma experincia incua. Ela deve

    perturbar o expectador, provocar sensaes corporais, prazer, estados de euforia, repulsa, inquietao e

    angstia. Desse modo, ela revive a sua potncia mtica: a transmutao.

    Referncias Bibliogrficas

    ARNHEIN, Rudollf. The coming a going of images.In: OLIVER, Grau. Mediaarthistories. London: MIT Press,2007.BATTCOK, Gregory.Idea Art:a critique. New York: Penguin Group, 1973.CHURCHLAND, Paul.Matter and Consciousness. Massachusetts: MIT, 1998.KOSUTH, Joseph. A arte depois da filosofia.In: FERREIRA, Glria; COTRIM, Cecilia. Escritos de ArtistasAnos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.LEWIT, Sol. Pargrafo sobre arte conceitual.In: FERREIRA, Glria; COTRIM, Cecilia. Escritos de ArtistasAnos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.MASLIN, K.T.Introduo Filosofia da Mente. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 129.ONIANS, John.Neuroarthistory:from Aristotle e Pliny to Baxandall and Zeki. London: 2007.SILVA, Porfrio.Intencionalidade: Mecanismo e Interao.In:Principia 14(2), 2010.

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    Alberto Semeler & Juliano do Carmo 16A Neuroesttica como retomada da experincia esttica enquanto conhecimento visual

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    1983-401

    Porto alegre Vol. 4- N2 Novembro de

    2011

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    _____. Splendors and Miseries of the Brain: love, creativity, and the quest of Human Happiness. London:Blackwell, 2009._____.Art And The Brain, In: http://www.vislab.ucl.ac.uk/pdf/Daedalus.pdf (acessado em 2011-11-22 10:30)