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A nave ChronoS Fernando Rezende Faria

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O livro tem o intuito de mostrar as famosas teorias da relatividade através de uma história.

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Page 1: A Nave Chronos

A nave

ChronoS

Fernando Rezende Faria

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"Me interessa o futuro porque é o lugar onde

vou passar o resto da minha vida."

Woody Allen

"No passado está a história do futuro."

Juan Donoso Cortés

"Aquele que controla o presente, controla o passado.

Aquele que controla o passado, controla o futuro."

George Orwell

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Prólogo

Um refém acordava lentamente em um galpão. Apenas uma grande vidraça projetava a

iluminação da lua cheia, que jazia cintilante lá fora. O ambiente era sombrio e pequenos

roedores faziam barulhos nos cantos escuros do enorme galpão. O refém se chama Jack

Ousen. Ele está amarrado em uma cadeira e acabou de despertar. Sua cabeça doía. Depois de

retomar a consciência, tentou observar a sua volta. Sua visão ainda estava embaçada, mas a

memória voltava rapidamente. Gritar por socorro parecia não adiantar. Algumas horas de

angustia e medo se passaram até aparecer um homem gordo trajando terno cinza. As luzes

incandesceram o ambiente, cegando Jack até as pupilas de seus olhos acostumarem com o fim

da escuridão. Quando finalmente Jack conseguiu discernir as formas e cores, notou que no

terno do homem gordo havia um brasão bordado o sistema solar com a inscrição: Marte. O

obeso homem não era de muitas palavras. Ele olhava para Jack com desdém enquanto

arrumava alguma coisa sob uma mesa baixa. Por fim, arrastou uma cadeira até ficar frente a

frente com Jack e se sentou cruzando as pernas.

- Jack Ousen. Quero negociar com você. Estou disposto a te pagar o que for

necessário, embora eu já saiba que não aceitará o meu dinheiro.

- Por isso me seqüestrou? – Murmurou Jack olhando para os olhos do gigantesco

homem a sua frente.

- Exatamente. Não posso te dar escolhas. – Retrucou em tom sereno, mas pouco

cortês.

- Sempre há escolhas, senhor. O que muda é o que estou disposto a perder ou ganhar

com elas. – Respondeu Jack, já imaginando o que estaria em jogo.

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O homem gordo levantou-se da cadeira e iniciou um percurso circundando a cadeira

de Jack.

- Me chame de agente Marte, por favor. Vou ser direto e fazer minha proposta. Mas

antes quero que veja o que aconteceu com seu irmão John. Talvez eu devesse ter feito a

proposta primeiro para você.

O agente Marte saiu da sala e retornou empurrando uma mesa de rodinhas. Nela havia

uma televisão e um aparelho de DVD. Ainda estavam desligados. Marte continuou sua

proposta:

- Antes de te mostrar este vídeo, quero que saiba que isso só aconteceu porque ele se

recusou a me ajudar. – E ligou os aparelhos.

Sem áudio, Jack assistiu seu irmão gêmeo sendo executado. John estava sentado

aparentemente na mesma cadeira que Jack está agora. O próprio agente Marte disparou três

tiros no peito de John, depois de uma provável discussão. A expressão de Jack mudou

subitamente. Sua respiração ficou ofegante e seu coração batia pelo menos três vezes mais

rápido do que a instantes atrás. Tudo ao seu redor perdeu o foco e suas mãos se fecharam.

Apavorado Jack gritou:

- O que você quer?

- Quero saber sobre o Projeto Chronos! - Respondeu.

Então Jack abismou-se completamente. O Projeto Chronos era particular e altamente

confidencial. Somente quatro pessoas no mundo tinham acesso a esse projeto. Portanto, ou

alguém nos espionou ou um dos outros três membros seria um traidor. Por medida de

segurança, John participou do projeto, mas não sabe do que se trata e não possui todas as

senhas. Agora ele está morto. Eu tenho conhecimento total, mas só tenho acesso às senhas que

John não sabe e vice-versa. O Vice-Presidente dos Estados Unidos sabe o objetivo da missão,

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mas não sabe de senha nenhuma. E por fim, o autor do projeto, que sabe tudo e tem todas as

senhas.

Irritado e sem raciocinar, Jack disse:

- Eu só conheço uma parte do projeto por motivos de segurança. Somente meu irmão

sabia a outra metade.

- Então me diga a senha do módulo homem! - Vociferou o homem obeso.

Jack rapidamente raciocinou que John deveria ter dito o que ele queria. Se eu disser,

além de ajudá-lo, provavelmente também serei morto! Certamente não devem saber da

existência do autor do projeto, senão teria pegado ele ao invés de John e eu.

- Não vou te dizer. E se me matar, o projeto morre comigo.

Sem pensar duas vezes o homem de terno cinza bateu na cabeça de Jack e Jack

desmaiou.

♦♦♦♦♦

Ao despertar, Jack notou que não estava no mesmo lugar, porém continuava amarrado.

Não sentia a dor da pancada na cabeça, o que indicava que esteve muito tempo desacordado.

Não havia tempo para pensar. Precisava agir rápido. Percebendo que a fita que lhe atava os

punhos estava frouxa, forçou-a e afrouxou-a ainda mais. Repetiu o movimento durante algum

tempo até se soltar totalmente.

Instintivamente saiu correndo em busca de uma saída. Passou pela porta e ao passar

rapidamente pela janela notou algo estranho. Parou. Voltou até a janela. Levou as duas mãos à

cabeça e exclamou com pavor, sem acreditar no que via:

- Meu Deus do céu! Como foi que vim parar aqui?

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CAPÍTULO 1

No turbulento centro de Belo Horizonte, Apolo - um recém chegado à cidade -

observava atentamente os detalhes eletrônicos do semáforo que o impedia de atravessar a Rua

Curitiba em sentido ao centro da capital mineira.

Ele não via o semáforo como a maioria das pessoas, e sim um suporte em “U” de três

módulos, - verde, amarelo e vermelho - sustentado por uma carcaça em polietileno de alto

impacto que permite uma excelente iluminação com lâmpadas de cem watts. Verde! O

movimento dos demais pedestres interrompeu seu pensamento.

Ao sair da rodoviária e caminhar até ali, notou com facilidade que seu destino deveria

estar a exatas três ruas paralelas da que ele se encontrava. Isso porque a nomenclatura das ruas

obedecia à ordem dos estados do Brasil, indo do sul do país até o nordeste. Deste modo, a rua

com nome Paraná estaria após a rua com nome de Santa Catarina e antes da Rua São Paulo.

Encontrou facilmente seu endereço.

Apolo era um garoto magro, distraído e calmo. Tinha cabelos crespos cor castanho

claro, olhos escuros, pequenos e brilhantes. Adorava jogar xadrez e futebol. O xadrez aguçou

ainda mais uma característica que já lhe era nato, o raciocínio lógico. Apesar de ter apenas

dezesseis anos, ele já tinha um Q.I. bastante elevado: cento e sessenta, típico de gênio.

Quando ele cursava a sexta série, durante uma aula de matemática, o professor recebeu

uma chamada urgente. Para distrair os alunos ele propôs uma enorme de somatória de

números, com a finalidade de entretê-los, e ofereceu um ponto extra ao primeiro aluno que

descobrisse a resposta. A questão era: “Qual a soma de todos os números de um a cem?” O

professor arrumou suas coisas para sair da sala e observou que todos os alunos estavam

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distraídos somando algarismos por algarismo. Todos menos um. Apolo apenas observava o

exercício escrito no quadro-negro. O professor dirigia-se para fora da sala, quando foi

surpreendido:

- A resposta é cinco mil e cinqüenta. – Disse Apolo.

O professor, cheio de pressa, respondeu:

- Apolo, não houve tempo o suficiente para fazer a conta. Como você pode afirmar

que seja essa a resposta? – E saiu da sala.

Meia hora depois, o professor voltou atônito para a sala e perguntou a Apolo:

- Como foi que você fez para achar o valor cinco mil e cinqüenta em apenas cinco

minutos?

- Simples. De um a cem existem cem números. Se os dividirmos em duas partes e

somarmos o primeiro com o ultimo, teremos o valor de cento e um. Somando o segundo com

o penúltimo teremos novamente o valor cento e um, e assim por diante. Por lógica, podemos

afirmar que todas as demais somas resultarão em cento e um. Isso significa que haverá

cinqüenta números de valor cento e um. Se os multiplicarmos teremos cento e um vezes

cinqüenta que é igual a cinco mil e cinqüenta.

O futebol era a outra paixão de Apolo. Nele Apolo encontrou a fuga de seu eterno

tédio. Jogava de manhã, na rua com seus visinhos, e a noite no clube. Assim, todos os dias

eram preenchidos com atividades intelectuais ou esportivas. Apolo odiava o ócio.

Quando criança, a mãe de Apolo comprou uma coleção de tradutores de inglês para

português e de português para inglês. Ele gostava de ler esses livros e fazer combinações com

as traduções. Aos dez anos, Apolo havia memorizado uma grande quantidade de palavras e

brincava de traduzir para o inglês todas as frases que seus pais falam. Percebendo o enorme

potencial que Apolo tinha para aprender línguas, seu pai o matriculou em um curso de inglês e

espanhol. Com quinze anos ele já falava quatro línguas, das quais o alemão aprendeu sozinho.

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Apolo ainda cursava o segundo colegial. Em uma feira de conhecimentos, Apolo

apresentou um projeto tão profundo e brilhantemente explicado, que ganhou o primeiro lugar

do concurso e conseqüentemente uma bolsa de estudos na UFMG - Universidade Federal de

Minas Gerais – para quando terminasse o segundo grau.

♦♦♦♦♦

Ao chegar ao hotel cinco estrelas, o Green Palace Hotel, onde receberia sua bolsa após

um seminário de física promovido pela UFMG, observou com atenção todos os funcionários

da recepção. Havia um senhor de aproximadamente sessenta e cinco anos e uma moça de

cerca uns vinte e cinco anos. Por ser tímido e de poucos amigos, Apolo aprendeu a observar

as pessoas e perceber peculiaridades que poderiam revelar personalidades, sensações e

tendências. Mesmo estando mais distante e ocupado, Apolo escolheu o senhor idoso porque

parecia mais receptivo devido a sua postura ereta, queixo elevado e leve sorriso. Sabia que

aquele homem deveria estar bem mais preparado para qualquer informação. Então, caminhou

até ele:

- Com licença, senhor. Estou sendo esperado para receber uma bolsa de estudos e

premiação de um concurso de Física.

- Qual seu nome? Perguntou o homem.

- Apolo Eugênio Volt.

- Posso ver sua identidade, por favor? – Solicitou em tom calmo sem desviar os olhos

dos papeis que já estava conferindo anteriormente.

- Claro. – Respondeu tirando do bolso o documento de identidade e mostrando ao

recepcionista.

Após examinar o documento com cautela, o velho disse:

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- Por aqui, por favor! – E fez um gesto para ser seguido enquanto ia em direção a um

dos elevadores panorâmicos. Apontou o caminho e disse:

- Aperte o botão “sala de Conferências”.

O hotel era de acabamento e ornamentos finos e caros. Piso e paredes de mármore

esverdeado e decoração preta e branca para destacar ainda mais os tons de verde. O estilo

romano, em capitéis jônicos e balaústres, eram inconfundíveis. Vasos enormes e quadros

abstratos sempre com predominância de verde escuro.

Ao entrar, observou que era um elevador privativo, com poucas opções de andares.

Apertou o botão indicado pelo recepcionista.

Após subir alguns andares o elevador parou e entrou uma mulher. Seu fino tailleur1

cinza com saia justa atraía a atenção para suas belas pernas. Um brasão do sistema solar,

bordado do lado esquerdo, era notório em seu traje. O único texto era: Vênus. A moça era

loira de cabelos quase lisos e tinha uns trinta anos. Olhos grandes, queixo fino e aparência

delicada. Impossível não se encantar por ela.

- Posso pegar uma carona? Brincou a mulher sorrindo.

- Claro que sim! Respondeu educadamente o garoto.

Ao fechar a porta do elevador, ela apertou o botão “emergência” e sugeriu a Apolo:

- Desculpe-me ser tão direta, mas preciso te fazer uma proposta muito importante.

Podemos ir até o terraço para conversarmos melhor?

- Estou sendo esperado em uma palestra importante. – Respondeu recusando o convite.

- É apenas uma conversa rápida. Prometo não demorar. – Ela sabia que o que acabara

de dizer era uma grande mentira, mas manteve o tom firme de voz para não ser desacreditada.

- Tudo bem, ainda faltam vinte minutos para o início. – Aceitou o convite após

observar as horas em seu relógio de pulso.

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A mulher apressou-se em apertar o botão referente ao terraço. A porta se abriu na sala

de conferencias. Dez segundos depois a porta se fechou sem que ninguém descesse, pois seus

destinos haviam mudado.

Ao chegar no terraço, a loira saiu do elevador e foi até o final da sacada para apreciar a

bela vista de Belo Horizonte. A cidade é toda cercada por serras e montanhas e bem a sua

frente havia um parque, com uma enorme lagoa. Apolo ficou de longe, pois tinha medo de

altura. Ela virou-se finalmente para o garoto:

- Apolo, preciso de sua ajuda para descobrir uma senha. Você precisa escolher agora

entre participar daquela palestra e receber sua bolsa ou viajar comigo e aprender tudo o que

quiser sobre física e ainda te pagarei o que for necessário. Se escolher me ajudar terá que ir

comigo imediatamente e nunca pisará na sala de conferencias desse Hotel.

- Eu preciso pensar.

- Isso não é possível! – Respondeu a moça. – A propósito, meu nome é Cristina

Gomes, do Joint Institute for Nuclear Research – JINR - em Dubna, Rússia. Fui designada

para vir aqui porque também sou brasileira e sei, portanto, falar o português.

Mudando rapidamente de assunto, Cristina disse:

- Não tenho muito tempo. Por favor, faça sua escolha.

Apolo iniciou uma rápida analise de postura e tom de voz, a fim de verificar a verdade.

Sabia que qualquer pessoa poderia mentir verbalmente, mas as expressões corporais e o tom

de voz entregariam facilmente uma mentira. Observou que o olhar fixo, piscando pouco,

lábios arqueados para cima e tom de voz firme indicava a seriedade, concentração e verdade

da moça em sua frente. Mas também mostrava a pressa, satisfação e euforia daquela mulher.

Sabia que o risco não era tão grande, mas ainda estava com dúvida entre a certa e sólida bolsa

que o aguardava a alguns andares abaixo ou a aventureira e ambiciosa proposta. Após alguns

instantes de reflexão, Apolo perguntou:

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- Você tem alguma prova do que estava dizendo? Como posso saber se é mesmo do

Instituto de Dubna?

Cristina tirou um cartão magnético de acesso com seu nome gravado, do bolso interno

de seu tailleur, e entregou para Apolo examinar.

Apolo sabia que aquilo não queria dizer muita coisa, pois não sabia o que era o tal

Instituto e que aquele cartão poderia ser impresso por qualquer bom falsificador. Então

perguntou novamente:

- O que é exatamente esse Instituto e o que ele tem de tão especial?

- O JINR é um instituto de pesquisa avançada cuja finalidade é estudar e sintetizar

isótopos pesados2. O nome do elemento 105 da tabela periódica, dúbnio, é derivado do nome

desta cidade. Mas não é exatamente o Instituto que é tão especial, e sim a mensagem que

recebemos lá.

- E que mensagem é essa?

- Acredite, veio do espaço e constava seu nome nela.

Atônito, Apolo ficou pensativo por alguns instantes. Entrar em uma palestra e ficar

horas ouvindo, sem interagir com nada, seria tedioso demais para ele. Não podia acreditar no

que havia ouvido, mas logo abriu um sorriso no rosto e sua curiosidade e espírito de aventura

o impossibilitou de esperar mais:

- E para onde iremos se eu topar?

- Prefiro te mostrar. Você não acreditaria se eu te dissesse.

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CAPÍTULO 2

Uma base espacial! Estou em uma base espacial. Pensou Jack. Não é possível! Não

sinto a falta de gravidade! Mas estou vendo a Lua e … e a Terra!

Surpreso pela presença da gravidade, Jack estava paralisado observando a linda

paisagem da Terra e a Lua bem a sua frente. Ele estava, pela primeira vez na sua vida, do lado

de fora do planeta Terra, o orbitado, dentro de uma provável base espacial.

Jack era um homem forte, de meia idade, cabelos lisos e castanhos claro cortado rente

ao couro cabeludo, olhos verdes e pele clara. Usava costeletas, óculos de grau com armação

arredondada e tinha aparência seria.

Ele já havia participado de uma missão espacial como coordenador em terra firma, e

sabia que estava realmente fora do planeta! Uma prisão sem escapatória. Não havia

possibilidades de fuga. Analisou o quanto seria caro para mandá-lo para um lugar desses em

troca de uma senha. Vinte milhões de dólares são o que os turistas espaciais pagavam por

essas viagens.

Jack sabia que uma parte do Projeto Chronos valia bem mais do que vinte milhões de

dólares. Essa parte, que foi construída para executar o projeto, consiste em uma nave espacial

com tecnologia muito avançada. No entanto, há duas semanas atrás a nave espacial foi

roubada. A nave tem o mesmo nome do projeto: Chronos. Chronos, na mitologia grega, é a

personificação do tempo. Segundo a lenda, Chronos surgiu no princípio do universo, formado

por si mesmo. A nave foi desenvolvida com a maior tecnologia já imaginada. Uma

imensurável fortuna foi gasta em sua construção. Ela possui foguete por fusão nuclear para

saídas com fortes gravidades, como a da Terra. Esses foguetes criam milhares de pequenas

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explosões por segundo atrás de si, impulsionando de forma fantástica a nave para sair da

atmosfera. Mas a grande diferença da nave Chronos é que ela utiliza-se de antimatéria1 como

combustível. Com esse sistema, a espaçonave poderia chegar a oitenta porcento da velocidade

da luz quando fora do campo de gravidade terrestre, já que não há resistência no vácuo.

Depois que consumir todo o combustível de antimatéria, a nave ainda poderia usar

seus propulsores iônicos2, que tem força muito menor do que a do foguete de antimatéria, mas

gasta extremamente pouco propelente3, podendo assim funcionar durante anos com uma

quantidade de combustível muito baixa.

Desse modo uma viagem tripulada a Marte ou Vênus seria brincadeira de criança, e

longas viagens fora do sistema solar tornar-se-iam viáveis. E em um futuro próximo, a

Chronos poderia levar combustível extra para postos de reabastecimento em Luas de Júpiter,

Saturno ou Netuno, podendo assim viajar por todo o sistema solar e fora dele com uma equipe

de bordo.

Contudo, a Chronos sumiu misteriosamente, bem debaixo dos narizes de todos, e

ninguém havia interceptado o rapto de uma nave de vinte toneladas.

♦♦♦♦♦

Pelos meus cálculos estou a umas 250 Milhas (+/- 400 quilômetros) acima do solo

terrestre. Pensou Jack. Isso quer dizer que estou em uma órbita baixa5.

Mas e quanto à gravidade? A quatrocentos quilômetros de distância do solo, a

gravidade deveria ser bastante pequena e os objetos aparentariam ter peso insignificante. O

Peso é um fenômeno obtido apenas onde há gravidade. Assim sendo, fora de órbita terrestre,

uma bola de boliche tem o mesmo peso que uma bolinha de ping-pong, ou seja, nenhum. Peso

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é igual à massa vezes a gravidade (P=m.g) e, portanto se a gravidade for zero o peso também

será.

Tudo dentro da Base Espacial deveria estar sofrendo esse efeito e flutuarem, porém,

estão bem firmes! A base espacial está em queda livre em volta da Terra, exatamente como a

Lua, e por esse motivo não cai no solo terrestre. Todos os objetos dentro da base também

estão caindo à mesma velocidade e objetos em estado de queda livre ficam sem peso. Nessa

situação, embora a massa do objeto não se altere, uma balança indicaria zero, pois ela

detectaria apenas o peso nulo do objeto.

Subitamente uma enorme tela de TV se liga atrás de Jack, tirando-o de seus cálculos.

- Agora acredita que não estou brincando Jack? - Vociferou a voz metalizada da

silhueta na TV. – Você está dentro de um satélite. Você sabe muito bem que para um resgate

desse nível é preciso muito tempo. E ninguém, exceto eu, conseguira te resgatar a tempo que

o oxigênio aí acabe.

- Sei que não estou em uma base espacial. Aqui tem gravidade! – Blefou Jack.

- Olhe pela janela.

- Eu já vi o planeta, mas isso pode ser um holograma para me enganar.

O homem na tela respirou fundo e prosseguiu.

- Está me desapontando, Jack. Não foi isso que pedi pra ver. Observe novamente e

note que sua velocidade é muito superior a de um satélite normal. Note também sua

inclinação em relação a Terra.

Jack sentiu-se preocupado, pois sabia que isso queria dizer uma coisa: ele estava

mesmo em um satélite. Se o satélite estiver acelerando no mesmo sentido da órbita, então ele

causaria uma pressão para o lado contrario, assemelhando-se à gravidade. O mesmo ocorre

quando dirigimos um carro em alta velocidade. Somos pressionados para o lado oposto ao do

movimento, ou seja, para trás. Neste momento, percebemos uma pequena gravidade. O

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mesmo está ocorrendo agora. Estou sendo arremessado para o lado oposto da aceleração do

satélite. Se eu estivesse em uma casa normal estaria andando pelas paredes da sala, mas aqui o

satélite parece ter sido projetado para está posição. Minha inclinação em relação à Terra

mostra claramente isso. Meu corpo e o satélite estão a noventa graus de inclinação do planeta.

- O que quer saber? – Perguntou Jack.

- Quero o Projeto Chronos. – Falou suavemente. – Você sabe disso.

Após um pequeno instante de silencio, Jack retrucou furioso.

- Então me tire daqui, agora.

Imediatamente respondeu o homem na TV.

- Seu tempo está se esgotando Jack. Essa pode ser sua última chance.

O pavio de Jack havia chegado ao fim. Ele explodiu.

- Chega. Vocês mataram meu irmão, me seqüestram, me colocaram em um satélite,

roubaram uma nave espacial que eu ajudei a construir, não me deram nenhuma informação

sobre nada e ainda querem minha ajuda. Se quiserem essa maldita senha é melhor me tirarem

daqui agora mesmo ou ela vai morrer junto comigo. – E terminou a frase com um soco na TV.

O homem do outro lado ficou calado. Esse silêncio assustador poderia resultar na

morte de Jack. Jack suplicava em pensamento para que o homem o levasse a serio. Dez

segundos de tensão se passou sem que ninguém pronunciasse nenhuma palavra. Até que

finalmente ouviu-se a voz das caixas de som em tom calmo, frio e controlado:

- Pode me chamar de Sr. Hélios. Seu irmão só morreu porque não cooperou comigo. É

muito fácil evitar que ocorra o mesmo com você. É só me dizer as senhas do Projeto

Chronos. Se fizer isso mando uma missão de resgate agora mesmo. Eles já estão prontos

aguardando o meu sinal. A escolha é somente sua. – E a TV se desligou.

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CAPÍTULO 3

Ao saírem do Hotel, Apolo e Cristina entraram em uma BMW Preta. Estavam indo

para o norte da cidade. Apolo avaliava se sua escolha tinha sido realmente a melhor. Em vez

de receber sua bolsa de estudos, estava saindo do Hotel com uma mulher estranha, por razão

não muito clara. Alias nada clara. Todavia, sentia que Cristina transmitia algo que sempre

buscava: aventura e conhecimento. A estranha mulher de terninho cinza parecia bastante

sucinta com seu diálogo.

A placa do carro é de Belo Horizonte! Lembrou-se ao analisar o carro antes de entrar.

Sendo assim, o carro deve ser alugado. E isso implica que ela não me enganou, pelo menos

em relação a não ser brasileira.

- Quem é você? Perguntou Apolo depois de algum silêncio.

- Não tenho tempo de te explicar com detalhes agora. Antes tenho que lhe falar sobre a

física clássica e a teoria da relatividade restrita.

- Acho que sei mais do que você imagina sobre física clássica.

Fingindo não ter ouvido, Cristina começou a preleção enquanto dirigia.

- Em 1666, Newton introduziu uma mecânica nova baseada em forças, como você já

sabe. Ele propôs três Leis dos movimentos em que os objetos se deslocavam porque estavam

sendo empurrados ou puxados por forças que podiam ser medidas precisamente e expressas

por equações simples. Newton conseguia calcular qualquer trajetória – de folhas caindo,

projeteis subindo, balas de canhão, etc. – somando as forças que agiam sobre o objeto.

- Sim, estou a par disso. Estudo Física na Universidade Estadual.

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- Deste modo, – Prosseguiu Cristina - se este carro estiver se movendo a 50 Km/H e

você atirar uma pedra para frente a 5 Km/H, a velocidade da pedra será de 55 Km/H, ou seja,

a soma das velocidades.

- Newton aplicou sua teoria das forças ao próprio universo, propondo uma nova Lei da

Gravidade. Ele percebeu que a força que atraía uma maçã ao chão era a mesma força que se

estende até a Lua e direciona sua trajetória. Imaginou-se sentado no alto de uma montanha e

atirando uma pedra. Ao atirar a pedra cada vez mais rápida, percebia que podia arremessar

cada vez mais longe. Mas aí ele deu o salto fatídico: o que acontece se você atirar a pedra tão

rápido que ela nunca retorne ao solo?

- A pedra giraria em torno da Terra, e acertaria a cabeça de quem a atirou, por traz!

Respondeu Apolo.

- Exatamente! O mesmo movimento da Lua! – Continuou Cristina com entusiasmo. -

De acordo com Newton, essas forças agem instantaneamente.

Fez-se uma longa pausa. Apolo não conseguia mais se concentrar na conversa com

Cristina. Algo o incomodava muito:

- Posso ligar para meus pais avisando da viagem?

Cristina percebeu o desconforto e a falta de atenção de Apolo.

- Claro que sim! Use meu celular. – Pegou o aparelho no painel do carro e o entregou

ao passageiro.

Apolo ligou para sua casa e explicou para a mãe dele, minimizando o perigo e focando

a oportunidade. Ele sabia muito bem persuadir seus pais, mas assim mesmo eles ficaram com

certo receio.

Quando Apolo desligou o aparelho, Cristina continuou:

- E se o Sol de repente desaparecesse o que haveria? -Perguntou com ar de desafio.

- Ficaríamos no escuro imediatamente, já que as forças agem instantaneamente.

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- Era exatamente o que Newton achava em 1666! - Contou. – Para Newton era

possível sincronizar todos os relógios de modo que pulsem uniformemente em qualquer ponto

do universo. Um segundo na Terra teria a mesma duração de um segundo em Marte ou em

Júpiter. À semelhança do tempo, ele também achava que o espaço era absoluto. Réguas

métricas na Terra teriam o mesmo comprimento de réguas métricas em Marte e Júpiter.

- E isso significa que Newton acreditava que o tempo e o espaço eram absolutos!

Interrompeu novamente demonstrando conhecimento.

- Então me responda Apolo. De acordo com Newton, quem está se movendo, o carro

que estamos ou o planeta Terra?

- O carro, uma vez que ele é quem está acelerando.

- Mas eu vejo as árvores se moverem lá fora, e vejo você imóvel aqui dentro do carro.

Quem está de fato se movendo, Apolo? Perguntou estimulando ele a mudar a resposta.

- Já disse, é o carro, já que meu referencial absoluto é o planeta e este está parado em

relação ao carro.

- Muito bom! Podemos passar para a parte seguinte.

Cristina continuou dirigindo e ao mesmo tempo analisando o GPS no painel do carro e

lendo textos em seu celular. Mas depois de alguns instantes de silencio, Apolo perguntou:

- Por que está me ensinando tudo isso?

- Em primeiro lugar porque preciso de sua ajuda para desvendar uma senha. –

Respondeu Cristina.

- E que senha é essa?

- Ainda não sei. Mas para me ajudar você precisa entender o que é a Teoria da

Relatividade Restrita de Einstein. E antes disso, você também precisava saber o que não está

correto nas Leis de Newton.

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CAPÍTULO 4

Jack Ousen sabia que sua vida estava “por um fio”. Já tinha se passado mais de quatro

horas, observados pela posição da Terra e do Sol, e nenhum sinal havia chegado. Percebeu

que não sairia vivo dali mesmo que contasse a senha. Precisava rapidamente avisar alguém

que pudesse salvar a máquina mais importante de todos os tempos. Sua vida não era tão

importante quanto esse projeto. Não havia outro meio que não comprometesse sua própria

vida.

Então analisou que se encontrava em um antigo satélite de telecomunicação adaptado

para pesquisas cientificas. Estavam testando a gravidade artificial.

Os satélites de telecomunicações estão munidos de conjuntos de recepção e

transmissão que utilizam cada qual uma freqüência de operação padrão para não embaralhar

os sinais que serão enviados e recebidos. Estas freqüências de operações são chamadas de

"canais". Um único satélite pode comportar vários canais de operação, ou seja, transmitir

dezenas de sinais que são recebidos ao mesmo tempo, e vice-versa. Entretanto, os satélites de

telecomunicações possuem padrões pré-determinados de funcionamento, ou seja, todo projeto

de montagem de um satélite é minuciosamente estudado, o local de onde será lançado, a sua

posição final, o número de canais que vai operar quantidade de antenas, etc. Obviamente,

neste só deveria haver um canal. O que Sr. Hélios acabara de se comunicar.

Jack analisava toda e qualquer possibilidade de sair dali ou enviar alguma mensagem a

Terra.

Teve outra idéia. Por operar no espaço em tempo indefinido, o satélite precisa dispor

de mecanismos próprios para resolver os seus problemas diários de operação ou possíveis

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falhas no sistema. Portanto, os satélites possuem basicamente dois ou mais motores que

utilizam combustível propelente de alta performance, responsável quando necessário, pela

correção de órbita e posicionamento em relação a Terra. Talvez meus seqüestradores não

tenham pensado nisso – imaginou Jack com euforia.

Isso significava que ele poderia mudar a órbita do satélite e passar sobre qualquer

ponto do planeta antes que seus agressores pudessem fazer qualquer coisa para impedi-lo.

Olhou pela janela e notou que passava pela América central. Lembrou-se do projeto

SETI (sigla em inglês para Search for Extra-Terrestrial Intelligence, ou Busca por Inteligência

Extraterrestre). O Projeto SETI tem por objetivo analisar o máximo de sinais de rádio

captados por radiotelescópios terrestres. A partir da idéia que se existe alguma forma de vida

inteligente no universo, ela tentará se comunicar com outras formas de vida através de sinais

de rádio, pois estas representam a forma de transmissão de informação mais rápida conhecida.

O Radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico, é o maior telescópio fixo do mundo.

Sua antena parabólica gigante tem trezentos e cinco metros de diâmetro e foi construída

originalmente em 1963, na cratera de um vulcão extinto, para estudar a ionosfera1 terrestre.

Ele é operado pela Universidade de Cornell, dos Estados Unidos. Portanto, se uma

mensagem clara for enviada, terá uma grande chance de ser captada e repassada para o

governo americano e consecutivamente ao serviço secreto.

O SETI utiliza o programa de computador chamado Boinc para coletar dados,

dividindo-os em pequenos trechos que possam ser analisados por computadores pessoais

comuns. Para isso, o projeto conta com a participação voluntária dos internautas de todo o

mundo, que "emprestam" o tempo de processamento de seus computadores para a análise

desses sinais de rádio.

Assim, ao se conectar a Internet, o internauta cadastrado do SETI carrega dados

coletados pelo radiotelescópio no seu computador que serão analisados durante o tempo livre

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do processador. Após essa análise, os resultados são retransmitidos ao controle do projeto. O

programa tem o funcionamento muito semelhante ao de um protetor de tela comum, no

entanto estará fazendo bilhões de cálculos para identificar padrões de sinais inteligentes nas

unidades que o programa recebe.

O projeto conta com a participação de mais de quatrocentos e oitenta mil usuários de

duzentos e quarenta diferentes países, que contribuem com um milhão de computadores

rodando o projeto.

Dessa forma, a mensagem demorará o tempo de ser captada e processada por algum

computador escolhido aleatoriamente em qualquer parte do planeta Terra. Ao ser processada,

retornará para o SETI com cerca de dois dias, que avaliará o conteúdo e transmitirá ao destino

correto.

Então, Jack apressou-se em enviar, pelo único canal de comunicação, uma mensagem

parcialmente codificada. Precisava ter certeza que a mensagem não seria descartada quando

percebessem que não é extraterrestre, mas também não poderia revelar o conteúdo principal,

por segurança.

Depois de finalmente passar pela América Central e cruzar o Oceano Atlântico, suas

esperanças de ser resgatado ficaram diminutas. Jack já estava a um bom tempo sem comer e

beber e preferia morrer com dignidade a trair o autor do projeto Chronos. Então fez o que

parecia ser o mais sensato. Direcionou o satélite rumo à colisão com a atmosfera terrestre.

Jack sabia que a fricção com moléculas do ar na reentrada da atmosfera desgastaria o satélite

aquecendo-o até se tornar uma grande bola de fogo. Não havia nenhuma chance de descer a

Terra com vida.

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CAPÍTULO 5

Após uma longa pausa depois da conversa com Cristina, Apolo continuava sua analise

silenciosa da situação. Pela primeira vez ocorreu a possibilidade de um seqüestro. Ficou

tenso. Pensou em fugir do carro na primeira oportunidade.

- Você está me seqüestrando?

- Apolo, você quis vir comigo! Pode desistir quando quiser.

- Certo. Então não quero mais ir! – Blefou, pensando em obter o domínio da situação.

- Tudo bem! Onde quer ficar? - Testou de volta Cristina, recuperando a vantagem.

Analisando a consistência e firmeza da voz de Cristina, Apolo percebeu que ela está

falando a verdade. Não respondeu nada.

- Vamos lá, Apolo, me diga onde quer que eu te deixe?

- Vamos continuar, por enquanto!

Dirigindo em alta velocidade, passaram por alguns radares fixos e cruzaram uma

viatura. Ao perceber a sirene da polícia, Cristina aumentou a velocidade de sua BMW, mas a

Blazer dos perseguidores aproximava-se cada vez mais. Parar só iria atrasar mais a viagem.

Ao entrar na via rápida, o motor BMW seria muito mais rápido do que o da Blazer, mas seu

GPS indicava que ainda faltavam alguns quilômetros.

Cristina pensou rapidamente em utilizar a situação para introduzir a Teoria da

Relatividade Restrita de Einstein.

- Por acaso você sabe o que significa “velocidade da luz”?

- Tecnicamente não! – Respondeu Apolo. – Mas já ouvi falar que é a velocidade

máxima do universo.

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- Sim, de fato é a velocidade máxima do universo. A luz é uma onda eletromagnética.

Os campos elétricos e magnéticos não se deslocam instantaneamente, como nas forças de

Newton, mas levam tempo e se movem em velocidade definida. Isso quer dizer que o tempo

não é absoluto, como Newton acreditava. Prova disso é que se agitarmos um imã perto de

uma limalha de aço demoraria algum instante até que o aço se mova. A velocidade da onda

eletromagnética foi calculada por Michelson e Morley em cerca de trezentos mil quilômetros

por segundo. Essa velocidade é o equivalente a dar sete voltas e meia em volta da Terra em

apenas um segundo.

Apolo fez uma cara de surpreso, mas estava nitidamente preocupado com a

perseguição policial. Ele segurava firme nas bordas do banco e não desviava os olhos do

retrovisor.

Preocupada com a reação de Apolo, Cristina apressou-se em explicar-lhe:

- Apolo, não se assuste com os policiais. Não posso parar para não perdermos o vôo.

Mas antes quero que responda uma pergunta.

- O que quer saber?

Ao perceber a aproximação dos policiais, Cristina desacelerou um pouco seu veículo

para que os perseguidores emparelhassem. Ao ficar perfeitamente alinhados, Cristina recebeu

ordens para parar. Ignorou virando-se para Apolo e dizendo:

- Embora nós e os policiais estejamos a mais de 160 Km/h, eles parecem estar em

repouso. Agora imagine se ambos estivessem à velocidade da luz, e imagine que os policiais

sejam um raio de luz. Ao olharmos para o lado, o raio de luz deveria parecer congelado no

tempo, pois estaríamos à mesma velocidade e poderíamos vê-los parados em relação a nós. A

luz é uma onda eletromagnética, então deveríamos poder ver o que está ondulando nela,

porém, sabemos que é completamente impossível observar qualquer elemento ondulando em

um raio de luz, mesmo que estivermos à mesma velocidade.

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- Mas porque isso ocorre? – Indagou Apolo

- Segundo a teoria dos campos eletromagnéticos, o raio de luz desloca-se sempre à

mesma velocidade, por mais rápido que alguém se movesse em sua perseguição. Portanto,

jamais alguém conseguirá alcançar um raio de luz porque ele sempre se afastará à mesma

velocidade.

- Então se os policiais fossem um raio de luz e nós estivéssemos viajando à velocidade

da luz, ele jamais ficariam lado a lado conosco, porque nós estaríamos sempre a frente nos

distanciando a mesma velocidade.

Cristina olhou para Apolo e abanou a cabeça positivamente. Ao olhar para o lado dos

policiais, ela observou que eles já estavam irritados e acenavam incansavelmente para a

BMW. Resolveu dar algumas explicações a Apolo:

- Não se assuste com esses policiais, não tenho tempo para parar e dar explicações a

eles. Precisamos chegar no aeroporto com a máxima urgência.

Acelerou ainda mais a BMW para entrar finalmente na Linha Verde - rodovia de alta

velocidade - distanciando um pouco dos perseguidores.

A Blazer policial, ao perceber a tentativa de fuga também acelerou a fim de, pelo

menos, acompanhar os infratores. Apolo já tenso com a situação disse:

- Se os policiais acelerarem mais um pouco, acabarão nos alcançando novamente.

- Ótima observação, Apolo. Mas agora me diga: Se nós fossemos um raio de luz e os

policiais estivessem nos perseguindo à mesma velocidade, como alguém que nos observa

parado do lado de fora do carro veria essa situação?

- Veriam os policiais nos perseguindo e quase nos alcançando. – Respondeu sem

dúvidas.

- Exato. – Aprovou a resposta, Cristina. - Mas e se perguntássemos aos policiais, o que

eles diriam? Lembre-se que o raio de luz desloca-se sempre à mesma velocidade, por mais

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rápido que alguém se movesse em sua perseguição. Portanto nunca nada estará em repouso

em relação a ele.

- Humm. Seria uma versão muito estranha. Eles diriam que nem chegaram perto de

nós. Diriam que nós nos afastamos deles a mesma velocidade, por mais que eles acelerassem.

Mas como isso é possível se o pedestre o viu no nosso encalço? – Indagou Apolo.

- Só para complementar, nós poderíamos dizer o oposto dos policiais, já que

estávamos à mesma referência de movimento. Veríamos os policiais se distanciarem para trás,

mesmo sabendo que estão à mesma velocidade que nós, enquanto que o pedestre diria que

não, ele os viu quase nos alcançando.

- Mas como é possível duas pessoas verem o mesmo evento de maneira tão diferente?

– Questionou Apolo.

- Simples. O modelo de Newton, onde as velocidades podem ser somadas e subtraídas,

não está totalmente correto. Nunca vemos essas estranhas distorções nas nossas experiências

porque jamais nos aproximamos da velocidade da luz. Para as velocidades do dia-a-dia, as leis

de Newton são perfeitamente adequadas, mas para velocidades próximas a da luz, o tempo se

retarda quanto maior for à velocidade.

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CAPÍTULO 6

Dois homens vestidos de terno cinza, em um Audi prateado, perseguiam a Blazer

policial e a BMW preta na via rápida de Belo Horizonte, indo em direção ao Aeroporto

Internacional Tancredo Neves.

- Sr. Hélios deu ordens para apenas observarmos de longe. – Disse o homem gordo

que viajava no banco do passageiro.

- Mas podemos pegar o menino agora mesmo. – Respondeu o motorista.

O homem obeso mantinha o braço direito para fora do carro. Parecia calmo e seguro.

De vez enquanto abria o porta-luvas, pegava mais um pacote de amendoim japonês e jogavam

todos na boca de uma só vez. Depois de alguns instantes mastigando, virou-se para seu

parceiro com toda a paciência e explicou:

- Agente Mercúrio, nunca questione minhas ordens! Vamos esperar o momento certo.

Não quero ter que repetir isso mais nenhuma vez, entendido?

O motorista era um homem magro, calvo, de barba por fazer. Aparentava uns trinta e

cinco anos, e usava um coldre1 com uma pistola de nove milímetros, embaixo do terno cinza

que continha o mesmo brasão de seu companheiro, porém com a inscrição Mercúrio.

- Tudo bem, marciano. – Zombou o motorista, com uma risadinha sarcástica.

O homem gordo Praguejou:

- Já disse para me chamar de Agente Marte. Não sou seu amigo e estou ficando

irritado com você.

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Percebendo o autoritarismo de seu parceiro, o Agente Mercúrio lembrou-se que o

homem obeso ao seu lado era o mais influente e respeitado membro da organização. Quase

toda decisão do Sr. Hélios era tomada apenas depois de ter consultado o Agente Marte.

Fazendo careta, o motorista disse:

- Então pegaremos o menino assim que a Agente Vênus cumprir a missão dela.

Sem olhar pro lado, o Agente Marte respondeu:

- Pegaremos o menino quando eu disser para pegarmos.

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CAPÍTULO 7

Cristina concentrou-se em sua fuga. Sabia que se parasse, teria dois problemas: os

policiais que já estavam furiosos e um Audi prateado que os perseguiam de longe.

Subitamente seu celular começou a vibrar. Ela atendeu:

- Agente Vênus! – Identificou-se em inglês.

Apolo não prestou atenção, pois reavaliava toda a situação quase arrependido. Eu

poderia estar em uma sala com ar condicionado, em uma poltrona de luxo, participando de

uma palestra única. Pensou. Mas escolhi ser perseguido pela policia, sair do país como um

fugitivo para ajudar a desvendar uma senha que nem mesmo sei se posso.

Enquanto isso, Cristina discutia bravamente com alguém no celular:

- Tire esses trogloditas do meu encalço imediatamente, senão entrego o garoto a

policia!

Após alguns segundos ouvindo, Cristina respondeu ainda mais furiosa:

- Tudo bem. Então farei do meu jeito. – E desligou o telefone móvel com rapidez.

Virando-se para Apolo, Cristina falou:

- Apolo, não tenha medo. Vou mudar minha rota agora.

Sem esperar uma resposta, pegou outro celular no porta-luvas e discou o número de

emergência. Assim que a chamada foi aceita, Cristina falou em tom de urgência:

- Aqui é Agente Cristina, identificação 1639C. Preciso de suporte para missão resgate

com urgência. Rastreiem minha posição por satélite. Repito, preciso de resgate com urgência.

– E desligou o celular.

- O que houve agora? – Indagou Apolo.

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- Teremos que nos livrar do carro prateado que nos segue de longe.

Cristina consultou seu GPS com intuito de seguir um caminho inesperado por seus

perseguidores. Precisava encontrar um campo aberto, mas ainda teria que esperar o resgate

chegar lá. Talvez virando em uma pequena estrada quando a pista ficasse sinuosa. - Pensou

ela.

Dois quilômetros adiante teria uma curva fechada e uma estrada onde poderia se

esconder do carro prata e talvez dos policiais também. Um pouco antes da entrada, Cristina

acelerou o máximo que pode, deu uma rápida freada em cima da curva e entrou cantando os

pneus. Mas havia uma porteira a alguns poucos metros à frente. Por ter virado muito rápido e

conseqüentemente ter feito a curva muita aberta, a BMW chocou-se violentamente contra a

porteira de madeira velha e a destruiu. Ela retomou o controle do carro e seguiu acelerando.

Com sorte nenhum dos perseguidores perceberia seu súbito desvio de emergência, mas

algum minuto depois, ao olhar no retrovisor, viu o inesperado. Apenas o carro prateado

continuava a perseguição. Embora isso fosse o menos provável, já que eles estavam atrás dos

policiais, nenhum dos dois a teria visto virando na estradinha, o que a leva a deduzir que

estava sendo rastreada. A distância era de mais ou menos um quilômetro atrás e não pareciam

mais preocupados em perseguir discretamente, pois aceleravam ao máximo.

Cristina ligou novamente para o número de emergência perguntando do resgate e

obteve confirmação de aproximação. Aproveitou e combinou um ponto de encontro. Todavia,

a BMW perdeu o desempenho por causa da batida. A situação ficou crítica. Os perseguidores

se aproximavam cada vez mais e ainda não havia nenhum sinal visual do resgate. Se

continuarmos assim logo seremos apanhados - pensou Cristina. Então Cristina tentou a única

coisa que lhe passou pela cabeça: abandonar o carro e seguir correndo, para terem a mesma

velocidade.

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- Apolo, pegue meu celular e o revolver no porta-luvas e corra o mais rápido que

puder para dentro da mata, em sentido norte. – Cristina ordenou.

Ela parou o carro rapidamente perto das árvores para forçar os perseguidores a fazer o

mesmo. Pegou seu celular e tirou a outra arma do coldre, mantendo-a empunhada na mão

esquerda e correu atrás de Apolo, que já estava um pouco a frente. Antes de entrarem na

floresta, ouviram disparos em sua direção.

Depois de algum tempo correndo mata adentro, Apolo perguntou:

- Você tem algum plano?

- Sim. Correremos ao norte e logo sairemos da mata e entraremos em um campo

aberto. – Respondeu.

- Mas assim seremos alvos fáceis. Eles têm armas e já atiraram em nós. Seremos

mortos.

- Não se preocupe. Eles não terão tempo para isso. Além disso, eles não querem nos

matar. Atiraram para nos assustar.

Espantado, Apolo entregou a arma que Cristina o mandou pegar no carro e perguntou

novamente:

- Quem são eles?

Antes de responder, Cristina guardou a segunda arma entre sua saia e sua cintura.

- São da minha organização e querem seqüestrar você. Eles também sabem sobre a

mensagem que chegou do espaço.

- Espere aí. Se eles são da mesma equipe que você, porque eles atiraram?

Cristina fez uma pausa e disse quase sem fôlego:

- Porque sou uma agente dupla. Trabalho para o governo Americano e estou infiltrada

como espiã na organização deles há cinco anos.

- Então você é espiã! Por que mentiu para mim?

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- Porque eu estava sendo ouvida. Precisava enganar você para enganar eles também.

Só que neste momento você é mais importante do que meu disfarce.

Desviando-se de árvores e galhos, Apolo e Cristina seguiam correndo. As folhas

espessas e algumas espinhentas rasgavam partes de suas roupas e feriam a pele. Apolo não

parecia cansado, pois jogava futebol freqüentemente e estava em plena forma. Mas Cristina

bufava e respirava rápido, demonstrando despreparo físico.

Já era audível o som de seus perseguidores um pouco atrás e a mata parecia não

acabar. Em último caso, separarmos seria o plano mais viável. Espero que não atirem

novamente. Pensou Cristina.

Alguns tiros foram disparados, mas sem dúvida não foram na direção de Cristina e

Apolo. Eram tiros de advertência. Cristina conhecia bem os procedimentos de seus antigos

parceiros. Além disso, a pequena distância entre uma árvore e outra garantia certa segurança,

caso resolvessem atirar diretamente neles.

Apolo avaliava quem realmente seria inimigo, a espiã americana ou os homens que os

perseguiam. Obviamente esse não era o melhor momento para parar e perguntar.

- Mas porque eu sou tão importante assim? Eu nunca vi nem ouvi falar de nenhum de

vocês. Não tenho nada de especial. Nem sei sobre o que estão falando.

Cristina mais uma vez pensou antes de respondeu:

- Para ser sincera, eu também não sei. Mas fui indicada pela segunda pessoa mais

importante dos Estados Unidos da América, para garantir sua segurança. Contudo, precisei

abandonar uma espionagem de cinco anos que já rendeu excelentes resultados.

Recomendaram-me também a dar minha vida pela sua, se preciso for. Acredite garoto, você é

muito importante.

Cristina e Apolo já avistavam o fim da mata. Árvores mais espaçadas e luz mais forte

evidenciavam o fim do caminho. Só mais alguns metros e estaremos no campo aberto. –

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Pensou Cristina. Um barulho de helicóptero indicava que já havia um resgate a espera.

Apertaram ainda mais o passo, mas Cristina tropeçou e caiu. Apolo parou e voltou.

- Rápido Apolo, corra para o helicóptero. Os perseguidores estão chegando e podem

ser perigosos. Eu torci o tornozelo e não consigo continuar correndo.

- Eu não posso te deixar aqui sozinha.

- Não há tempo, Apolo. Esconda-se atrás de alguma árvore. Eles não me farão mal.

Sou uma deles, lembra.

Instintivamente, Apolo correu para detrás de uma árvore de grande caule. Poucos

segundos depois chegou um homem magro e calvo com uma pistola na mão, apontando para

o corpo de Cristina.

Cristina se levantou com dificuldades:

- Agente Mercúrio, porque atiraram?

O homem magro ignorou a pergunta e esbravejou:

- Largue a arma e me diga onde está o garoto?

Sem muita possibilidade, Cristina largou sua arma e blefou:

- Ele está dentro do helicóptero. Não estou entendendo a perseguição. Onde está o

Agente Marte?

- Ele está posicionado estrategicamente aqui perto. – Mentiu porque seu parceiro havia

fica para trás por ser muito gordo e não conseguir correr. - Comunique com o helicóptero e

peça para trazerem o garoto, senão atiro em você agora.

Ao perceber o perigo, Apolo colocou-se a raciocinar. O perseguidor havia chegado do

sul, exatamente por trás da rota de fuga. Então a possibilidade de haver outra pessoa em

posição estratégica perto deles era remota, principalmente sem ter feito nenhum barulho.

Contudo, a ameaça de atirar parecia muito consistente. Apolo se lembrou da arma guardada

no tornozelo de Cristina. Então ele correu para trás do homem, impossibilitando-o de apontar

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a arma para ele e Cristina ao mesmo tempo e dando a oportunidade dela sacar à pequena e

quase imperceptível pistola.

Em um momento de confusão do Agente Mercúrio, Cristina rapidamente pegou sua

segunda arma e disparou três vezes no peito do Agente. Os tiros perfuraram três partes

diferentes do corpo, em formato triangular, estando todos eles próximos a órgãos vitais.

Apolo percebeu que para fazer isso ela teria que ter tido treinamento especial.

- Corra para o helicóptero Apolo, pode haver outro agente. – Desesperou-se Cristina.

- Não se preocupe, não há outro.

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CAPÍTULO 8

No quartel general de missões secretas da CIA, em Washington D.C., EUA, Ralph

Elliott – Diretor do serviço de espionagem – procura em seu arquivo pessoal o nome “Cristina

Gomes”. Ao encontrar, releu com atenção os últimos relatórios. Ele sabe que Cristina é sua

melhor agente de campo e que nesse momento precisa ajudá-la no mais importante projeto de

todos os tempos. Elliott e Cristina foram parceiros de missões antes dele ser promovido a

diretor. Ele sem nenhuma dúvida era um dos homens mais inteligentes e lógicos do mundo.

Poderia perceber um padrão em qualquer coisa e com isso, raciocinar de forma profunda e

concisa qualquer informação.

Elliott era um homem de trinta e oito anos, tinha cabelos negros e usava-os sempre

penteados para trás. Tinha largos ombros, rosto quadrado, espessas sobrancelhas e mais de um

metro e noventa de altura. Parecia estar sempre mal humorado. Seus colegas o apelidaram de

“Zangado”, se referido ao personagem das estórias infantis dos sete anões. Fez faculdade de

ciências da computação, e mestrado e doutorado em tecnologia da informação e criptografia,

respectivamente.

Passou a manhã toda falando ao telefone, em sua sala. Pegou novamente o celular e

apertou a tecla de rediscagem, direcionando assim para sua última ligação.

- Cristina, onde você está?

- Estou no helicóptero, me dirigindo ao aeroporto para completar a primeira parte da

missão. Um Agente inimigo foi baleado. – Falou Cristina, tapando um dos ouvidos devido ao

barulho do helicóptero.

- Você está com o garoto?

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- Sim, senhor Ralph. No avião terminarei a explicação sobre a Relatividade Restrita.

Ele é realmente muito bom em compreensão de física.

Já em tom de descontração, Ralph Elliott respondeu:

- Hei mocinha, sem essa de senhor. Somos parceiros. Assim que chegarem ao próximo

ponto de encontro eu assumirei a missão.

Nesse momento Cristina perdeu completamente o bom humor.

- Nada disso, senhor. Eu comecei a missão e quero terminá-la. Acabo de estragar uma

espionagem de cinco anos e arriscar minha vida, portanto tenho o direito de concluir o que já

comecei.

- Você sabe que é minha agente favorita. Por isso não discuta comigo. – Berrou Elliott,

desligando o celular na cara de Cristina.

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CAPÍTULO 9

Dentro do helicóptero, Cristina estava sendo atendida por para-médicos enquanto

Apolo observava as montanhas e prédios de Belo Horizonte distanciar-se para trás.

Estavam a bordo de um helicóptero utilitário leve, modelo EC 635. Essa aeronave

biturbina possui oito assentos. Este helicóptero apresenta baixo nível de ruído e segurança na

operação. A cabine espaçosa e desobstruída do helicóptero, acessível através de portas laterais

deslizantes e de duas grandes portas traseiras, é bem adaptada para missões de resgate e

defesa civil.

Furiosa após uma conversa pelo celular, Cristina estava pensativa. Imaginava a

importância de finalizar a missão, os mistérios que não haviam lhe contado e porque aquele

garoto era tão importante. De qualquer forma precisava concluir a explicação sobre a teoria da

Relatividade Restrita de Einstein.

Aproximou-se de Apolo e sorriu passando a mão nos cabelos dele.

- Está tudo bem contigo?

Olhando friamente para Cristina, Apolo afastou-se e respondeu:

- Quero saber agora o que está havendo.

- Tudo bem. – Respondeu olhando fixamente para os olhos de Apolo. - Mas antes você

tem que entender claramente a Teoria da Relatividade Restrita, para compreender exatamente

o que vou lhe dizer.

Sem dizer uma palavra, Apolo acenou que sim com a cabeça, mas suas sobrancelhas

estavam cerradas indicando a pequena fúria que estava sentindo.

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Cristina desviou o olhar para cima e para a esquerda, demonstrando, pelas expressões

corporais, que buscava se recordar de algo. Rapidamente ela lembrou-se de onde parou e

prosseguiu:

- Lembra que o tempo se distorcer com o aumento da velocidade?

Apolo novamente acenou que sim com a cabeça, sem dizer nenhuma palavra. Cristina

continuou:

- O espaço também se distorce com o aumento da velocidade. Agora imagine que a

velocidade da luz seja de apenas trinta quilômetros por hora. Um pedestre parado que

observasse os policiais nos perseguindo, nos veria espremidos como se fosse uma sanfona

fechada, até chegarmos a três centímetros de comprimento embora a altura parecesse à

mesma. O observador acharia que todos dentro dos carros estariam sendo esmagados. Mas

nós, que estávamos dentro do carro, não notaríamos nada de anormal, já que tudo dentro do

carro, inclusive os átomos, estaria sendo espremido por igual. E se olhássemos para fora do

carro, veríamos a situação inversa, ou seja, o pedestre é que estaria comprimido. À medida

que o pedestre observasse o carro parando, ele aumentaria lentamente de três centímetros para

três metros, e nós desceríamos como se nada tivesse acontecido. Então eu te pergunto Apolo,

quem de fato estaria sendo comprimido: nós e o carro ou o pedestre?

- Não sei dizer.

- De acordo com a relatividade, não é possível saber, já que o conceito de

comprimento não tem sentido absoluto. Se réguas métricas e relógios se distorcem com o

aumento da velocidade, tudo que se pode medir com réguas e relógios também devem mudar

inclusive a matéria e energia. E de fato a matéria e energia podem se transformar uma na

outra. E é importante saber que quanto maior a velocidade de um objeto, mais a massa desse

objeto aumenta.

- Mas o que significa isso? – Perguntou curioso Apolo.

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- Significa que a energia do movimento é transformada, aumentando sua massa. Se

você calcular precisamente quanta energia está sendo convertida em massa, em apenas

algumas linhas poderia mostrar que energia é igual à massa vezes a velocidade da luz elevada

ao quadrado (E=mc²), a mais célebre equação de todos os tempos. Como a velocidade da luz é

um número fantasticamente grande, e seu quadrado ainda maior, mesmo uma quantidade

minúscula de matéria poderia liberar uma quantidade fabulosa de energia.

Apolo percebeu imediatamente o que isso implicava:

- Então um pedaço de matéria do tamanho de um carro poderia rachar a Lua ao meio.

E Cristina completou animada:

- E cada torrão de terra, cada pena, cada ponto de poeira é um reservatório prodigioso

de energia inexplorada.

Ao olhar para o lado, Cristina percebeu que todos no helicóptero estavam admirados

com a Teoria de Einstein. Mal sabiam eles que Einstein formulou essa teoria ha cem anos

atrás. Prosseguiu com mais entusiasmo:

- Assim sendo, as teorias de Einstein funcionam não apenas para a luz, mas também

para o próprio universo.

Após a preleção, Cristina fez uma longa pausa, mostrando que já havia finalizado o

conceito. Esperava que surgisse alguma dúvida, que seria sinal de interesse e entendimento.

Nenhum ruído surgiu. Somente o barulho das enormes hélices do helicóptero interrompia o

silêncio. Apolo estava pensativo olhando para o lado de fora. Poderia estar analisando

qualquer coisa.

Até que, finalmente Apolo virou-se para Cristina e estabeleceu:

- Já ouvi o que você tinha a me dizer. Agora quero saber o que está acontecendo

conosco. Porque aqueles homens nos perseguiam? Porque você precisa de mim, enquanto

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existem milhares de pessoas muito mais capacitadas do que eu para te ajudar? Se eu pudesse

mesmo te ajudar, porque você precisaria me ensinar tudo isso?

Cristina respirou fundo. O garoto realmente precisa das respostas. As coisas não

haviam ocorrido exatamente como planejadas, portanto contar o que os levou até ele era uma

boa maneira de ganhar a confiança de novo. Contudo, a conversa precisava ser privativa.

Assim que o helicóptero aterrissou, Cristina arrastou Apolo para um lugar onde

poderiam conversar secretamente.

- Tudo começou quando a CIA recebeu um comunicado de Arecibo, em Porto Rico,

do Projeto SETI. O Projeto SETI, captura sinais de rádio vindos do espaço a procura de

comunicação com prováveis seres extraterrestre. Porém, muitos sinais chegam de perto, como

de satélites, sondas, e até mesmo do nosso próprio planeta. Os sinais que não são

extraterrestre são rapidamente descartados, mas um deles chamou bastante atenção. Esse sinal

era um pedido de socorro claro. Ao recebermos, passamos para o setor de inteligência que

mobilizou uma equipe para decifrar, mas não entenderam o sentido do conteúdo.

Apolo já estava curioso sobre a mensagem:

- Qual era a mensagem?

Cristina mostrou um impresso tirado do bolso interno de seu tailleur. Nele havia as

seguintes inscrições:

“Socorro.

O Projeto Chronos corre perigo. Encontre a única pessoa que pode ajudar.

Na equação de energia relativística, substitua [5, 3, 13]

por [1, 15, 12] e encontre a resposta em e-volt.”

Apolo observou por alguns instantes e devolveu o impresso.

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- Mas você havia me dito que meu nome estava nessa mensagem.

- E está. – Respondeu Cristina, surpreendendo novamente o garoto. – No entanto,

encontra-se implícita. O autor desse texto sabia que não poderia escrever abertamente a quem

procurarmos.

- Pode me explicar isso melhor, por favor?

Os olhos de Cristina se encheram de lagrimas. Ela e Elliott, juntos, haviam

decodificado a mensagem enquanto as mentes mais brilhantes dos Estados Unidos

procuravam soluções mais cientificas e complicadas.

- Em primeiro lugar, aparentemente nenhum ser desse planeta sabia o que era Projeto

Chronos, até que o Vice-Presidente dos EUA manifestou-se. Esse projeto ainda é secreto e já

sabemos o que fazer para manté-lo assim. Uma nave espacial, que foi roubada, é a principal

ferramenta para o funcionamento do projeto. Mas a nave não funciona sem um código de

ativação, que só era conhecido pelo autor dessa mensagem e mais uma pessoa. O autor dessa

mensagem se chama Jack Ousen e está desaparecido há alguns dias. Acreditamos que seja

refém de mercenários conhecidos ou mesmo já esteja morto. E o Vice-Presidente nos

informou que a outra pessoa que conhece esse código não será identificada jamais, por motivo

de segurança.

- Teríamos arquivado o projeto, mas o grupo de mercenários da qual eu espionava, e

que acreditamos serem os responsáveis pelo roubo da nave e seqüestro de Jack Ousen, tomou

conhecimento da mensagem e também a decodificou. Aqueles homens que nos seguiam são

agentes desse grupo.

Apolo ouvia atentamente, mas ainda não entendia o que ele tinha haver com tudo isso.

- Então, - prosseguiu Cristina. – o diretor de missões secretas da CIA me encarregou

de te encontrar e levá-lo em segurança até uma base secreta dos Estados Unidos, antes que os

mercenários te encontrassem.

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- Pode me explicar o que aquela frase tem haver com meu nome? Apolo perguntou

aflito.

- Qual a equação relativística de energia? – Perguntou de volta.

- A celebre equação de Einstein: E=m.c².

- E “encontrar a resposta em e-volt” significa que se deve calcular o valor da Energia,

pois elétron-volt é a unidade de medida de energia, da mesma forma que minuto é uma

unidade de medida de tempo e centímetro é uma unidade de medida de espaço. Assim sendo,

se quero encontrar o valor da incógnita “E” da equação da Einstein, eu preciso conhecer os

valores a substituir nas outras duas incógnitas. Os cientistas e decodificadores substituíram os

valores dados em “m” da equação pelos valores contidos na própria mensagem.

- Mas porque substituir por “m” e não por ”c”?

- Porque “c” é a velocidade da luz. – Cristina respondeu. - Lembra que eu disse que a

velocidade da luz é sempre constante e, portanto, nunca varia. “c” é sempre igual à

aproximadamente trezentos mil quilômetros por segundo. E se a resposta fosse dada em

elétrons-volt, que é a energia, então somente “m” pode variar na equação. Porém, ao

substituírem os valores, nenhum sentido foi encontrado na frase. Nada era revelado.

- Foi quando Elliott, diretor da CIA, e eu percebemos que os números não eram

exatamente valores e sim correspondências ao alfabeto. Ou seja, se substituirmos os números

dados pela letra do alfabeto correspondente, obterá uma solução. Nesse caso, a letra “a”

corresponde ao número 1, “b” a 2, “c” a 3 e assim por diante.

Mesmo entendendo perfeitamente o que foi dito, Apolo percebeu que não resultaria

em nada concreto, pois [5, 3, 13] seria igual a [e, c, m], exatamente as três letras da equação

E=m.c². Trocando os números da próxima matriz por letras [1, 15, 12] obteríamos [a, o, l].

Então substituindo as letras da segunda matriz pelas da primeira, E=M.C² seria equivalente a

A=L.O². Apolo, que já imaginava o grande erro de Cristina, interveio:

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- Isso não faz sentido. Se fizermos essa substituição encontraremos ALO. E isso mais

me aparece uma saudação.

Foi quando Cristina sorriu, complementando o raciocínio anterior:

- Só que a equação E=m.c² somente pode ser usada se a partícula estiver em repouso,

ou seja, tiver velocidade nula. Einstein mostrou que a expressão relativística completa para a

energia de uma partícula de massa é E² = p²c² + m²c4 . Portanto, “E” é igual a “A”; “P” não

tem correspondência de troca na matriz; “C” é igual a “O”; “M” é igual a “L” e o “C” que se

repete, também é igual a “O”. Substituindo teremos: A² = p²o² + l²o4

- “Apolo”. – Espantou-se o garoto dizendo seu próprio nome. – Se Substituir os

elementos da primeira matriz [e, c, m] pelos elementos da segunda [a, o, l], obterá meu nome!

Mas devem existir muitos outros Apolos por aí.

- Sim, existem. - Falou polidamente Cristina, que já esperava por essa questão. – A

principio pensamos no projeto Apollo, que explorou a Lua. Mas logo percebemos que na

mensagem havia algo mais. “Encontrar a resposta em e-volt”, não significava achar a energia.

E também não significava a unidade eletron-volt. Jack estava nos informando o nome e

sobrenome de quem deveríamos achar: Apolo E. Volt. E você se chama Apolo Eugênio Volt.

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CAPÍTULO 10

Enquanto lia seu e-mail pessoal, Elliott tomava um copo de seu Wishie favorito, o

Chivas Regal 18 anos. A cada parágrafo fazia uma pausa e tomava outro gole. Seu escritório

situava-se a 10 andares no subsolo de uma fábrica de perfumes de fachada. A iluminação azul

das luminárias, paredes brancas com ornamentos de mármore branco e divisórias de vidro

levemente azulado davam ao local um aspecto agradável.

Ralph Elliott sempre parecia estar de mau humor devido a suas expressões nada

amigáveis. Não tinha muitos amigos, pois gostava de separar amizade do trabalho. Sua

imparcialidade sobre qualquer assunto ou qualquer ser humano era fruto disso.

Ao terminar a leitura do e-mail, fechou seu laptop, guardou a garrafa de wiskie e

pegou as chaves de seu carro. Vestiu o paletó do terno preto com discretas listras brancas e

saiu abrindo portas a caminho do elevador. Alguns agentes tentaram falar com ele, mas nada

foi ouvido e ninguém recebeu atenção. Seu foco jamais era desviado. Até que o vice-diretor

de operações postou-se a sua frente com um telefone móvel em uma de suas mãos:

- Elliott, o Vice-Presidente dos EUA está na linha. Ele quer falar com você agora. –

Apontando o celular em direção ao diretor.

- Diga a ele que ligo quando voltar. – E abriu caminho deslocando o vice-diretor para

um dos lados.

Acostumado com o mau humor de Elliott, o vice-diretor insistiu:

- Ele disse que é sobre o Projeto Chronos.

Elliott estatelou os olhos. Era uma grande imprudência dizer o nome do projeto para

mais alguém. Apenas um grupo muito pequeno de pessoas sabia que existia esse projeto, mas

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a maioria não sabia o que era o projeto. Elliott tomou o telefone das mãos do vice-diretor e

voltou às pressas para sua sala.

- Ralph Elliott falando. Nunca mais diga o nome Chronos para quem não o conhece.

Acho que o senhor não faz idéia da importância de mantermos isso tudo em segredo.

O Vice-Presidente David Dalson, que não gostava nem um pouco de Elliott, era umas

das únicas pessoas no mundo que não se submetia às grosserias do Diretor do serviço de

espionagem da CIA, respondeu no mesmo tom.

- Quer calar essa matraca e me escutar. Preciso ficar a par de toda a situação

envolvendo esse projeto. O jovem Apolo já está em segurança com algum de nossos agentes?

- Sim senhor. Ele está a salvo e a caminho de uma base segura. Eu estava indo para lá

agora mesmo aguardá-lo.

- Então cancele sua ida. Eu mesmo vou recebê-lo. – Ordenou o vice-presidente. -

Alguma notícia sobre a nave Chronos? E sobre os mercenários?

Elliott estava mais furioso do que nunca. Não gostou da decisão arbitrária do Vice-

Presidente.

- Sinto muito Sr. Dalson, mas eu vou me encontrar com o garoto quer você queira quer

não. Com todo respeito, somente eu sei para onde ele vai. – E desligou o telefone.

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CAPÍTULO 11

O agente Marte comia bolinhos de chocolate e tomava café com chantilly em um dos

bares do aeroporto da Pampulha, que fica situado no bairro Pampulha em Belo Horizonte. Ali

ele esperava por um determinado avião particular pilotado por seus novos parceiros: os

Agentes Urano e Netuno.

Já perdemos dois agentes em um único dia. Pensou ele. Agente Vênus era uma

impostora e o agente Mercúrio foi baleado e está morto. Agora estão me mandando mais

dois. Eu preferia agir sozinho. Sempre prefiro. Pensou o agente Marte enquanto devorava

varias guloseimas.

Seus pertences pessoais estavam espalhados sobre a mesa. Um deles, o celular, tocou

incansavelmente. Sem pressa, o agente Marte tomou mais um gole de café, colocou o copo

sobre mesa, olhou o número para identificá-lo. Na tela estava escrito: Sr. Hélios. Por fim

atendeu ao telefone.

- Agente Marte falando.

Do outro lado da linha uma voz lhe passava instruções:

- Junte-se aos outros agentes e vá pegar o menino. Preciso dele vivo. Se algo acontecer

a ele, o mesmo acontecerá a você. O garoto é de vital importância. Aos que tentarem protegê-

lo não poupe a vida, mas não machuquem o garoto. Passarei as coordenadas da posição deles

quando pararem em algum lugar. Conto com você. – E desligou.

- Desculpe a pergunta, mas como o senhor saberá a posição deles?

- Implantei um chip de localização por satélite no músculo das costas da Agente

Vênus. Eu já sabia que ela era agente dupla.

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- Se sabia, porque não a matamos antes? – Perguntou Marte intrigado.

- Seu idiota, através dela eu sempre soube onde os agentes da CIA estavam e assim

podia prever quando estavam nos espionando.

♦♦♦♦♦

Trinta minutos depois, o agente Marte estava conversando com seus novos parceiros

em um hangar privado. Ambos os novos agentes eram corpulentos, e usavam ternos cinza

com seus respectivos nomes bordados: Urano e Netuno.

- Não temos tempo a perder. Levem-me a essas coordenadas o mais rápido possível. –

Ordenou o Agente Marte, mostrando os números recentemente recebidos em seu Pager.

O agente Urano tomou o aparelho da mão do agente Marte, deslocou os óculos escuros

abaixo do nariz e observou por alguns instantes. Passou o aparelho para seu companheiro que

fez o mesmo procedimento. Olharam um para o outro e um deles disse:

- Estão na América Central. Podemos alcançá-los ainda hoje. Precisamos apenas

reabastecer o avião e esperar a rota.

- Trouxeram as armas que encomendei? – Perguntou o agente Marte.

- Sim senhor. Dois rifles com miras telescópicas, três submetralhadoras, três pistolas

dezoito milímetros, coletes a prova de balas, uma escopeta e muita munição para todas as

armas.

Fazendo cara feia, o agente gordo reclamou:

- Sempre se esquecem de algo. Onde estão as granadas e as bombas de gás?

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CAPÍTULO 12

Quando finalmente desceram do avião, Apolo se recordou de como foi parar ali.

Viajou vinte minutos de helicóptero até um hangar em algum lugar próximo a Belo Horizonte.

Em seguida, embarcou com Cristina e mais três homens em um jato de pequeno porte, mas

extremamente veloz, em direção ao local onde estavam nesse momento. Acreditava estar indo

para o Instituto de Dubna, mas como não sobrevoaram nenhum oceano, não era difícil deduzir

que ainda estava no Brasil ou em suas proximidades.

Depois de viajarem varias horas em silêncio, finalmente perguntou a Cristina:

- Era esse o lugar que pretendia me trazer? Não me parece tão inacreditável assim.

Cristina que já havia falado inúmera vez no celular ao longo da viagem virou-se para

Apolo e respondeu:

- Não. Essa é apenas uma parada de segurança. Dormiremos aqui e amanhã iremos

para o verdadeiro destino.

- O Instituto de Dubna? – Perguntou Apolo recordando-se da conversa no Hotel.

- Não. Não sou do Instituto de Dubna. Inventei essa história para que você viesse

comigo. Sei que você deve estar confuso em relação a isso, mas sua vida corre perigo e eu

estou te protegendo. E além do mais, eu não menti quando disse que precisamos de sua ajuda.

- Então era quase tudo mentira. O que mais é mentira nessa historia toda?

- Não percebe o quanto já te ajudamos? Estamos te protegendo porque você é

importante para nós. Dormiremos hoje nessa base militar americana e aguardaremos uma

pessoa. Estamos na América Central, na Guatemala. Aqui estaremos seguros.

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♦♦♦♦♦

Dentro da base, apos o jantar, um dos soldados indicou um quarto para Apolo. Ele o

acompanhou até seu novo dormitório. O lugar era pequeno e sem nenhum conforto, mas

servia para descansar. O dia foi cansativo e Apolo ainda não havia dormido. Aqui realmente

parecia um lugar seguro.

Em alguns minutos Cristina viria terminar determinada conversa, que já havia sido

marcado para as vinte horas. Conferiu o tempo em seu relógio de pulso. Faltava apenas dez

minutos. De repente, Cristina abriu a porta e entrou.

- Está tudo bem com você? Já liguei para seus pais e avisei que você estaria

participando de uma experiência científica. Mas eles acham que você está em Belo Horizonte.

- Estou bem. – Respondeu Apolo. - Estive pensando sobre a teoria da relatividade

restrita.

Ao ouvir isso, Cristina comemorou em pensamento e abriu um lindo sorriu.

- Imaginei que dois irmãos gêmeos estivessem vivendo na Terra. – Continuou Apolo.

– Um deles é transportado em um foguete, quase a velocidade da luz e, depois, retorna a

Terra. Cinqüenta anos, digamos, podem ter se passado na Terra, mas, como o tempo se

retarda no foguete o irmão viajante envelheceu somente dez anos. Quando os irmãos enfim se

reencontrarem, suas idades não coincidiram mais: o viajante estará quarenta anos mais novo.

É isso mesmo que acontece?

- Sim, é isso mesmo que acontece. – Respondeu. – Agora veja a situação do ponto de

vista do irmão viajante. De sua perspectiva, ele está em repouso, e é a Terra que disparou, de

modo que os relógios do irmão gêmeo da Terra se retardam. Quando os dois gêmeos se

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reencontram, o que ficou na Terra deveria estar mais jovem, e não o irmão do foguete. Mas

como os movimentos devem ser relativos, a pergunta é: qual irmão está realmente mais

jovem?

Apolo coçou a nuca e pensou por alguns segundos.

- Não sei a resposta. Se eu disser alguma coisa estarei tentando adivinhar.

Cristina gostou muito da resposta, pois sabia que ele agora estava pronto para

aprender. Arriscar um palpite realmente não seria uma coisa muito inteligente. Admitir sua

ignorância é uma preparação para o saber.

- O gêmeo viajante é o que fica de fato mais jovem! O foguete tem que diminuir a

velocidade, parar e depois inverter a marcha, o que causa grande tensão sobre o viajante. Isto

é, as situações não são simétricas, já que somente o irmão viajante sofre aceleração.

Nesse momento uma explosão ensurdecedora perturbou o ambiente calmo. Rajadas de

metralhadoras podiam ser ouvidas nitidamente, como se estivessem no quarto ao lado.

Cristina rapidamente abaixou a cabeça de Apolo até o chão para protegê-lo. Minutos

intermináveis de zumbido de projeteis cortavam o ar. Pareciam horas de tortura. Apolo jamais

passara por um momento tão apavorante. Cristina já estava acostumada, mas seu coração

sempre disparava em momentos tensos como esses. Até que o silêncio imperou

completamente. Silêncio perturbador. Significava que alguém perdeu a batalha. O barulho de

portas sendo abertas e derrubadas começou. Estavam longe, mas repetiam-se cada vez mais

perto, e mais perto. Até que a porta do quarto de Apolo foi arrombada bruscamente.

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CAPÍTULO 13

O Vice-Presidente dos EUA, David Dalson, era um homem importante e audacioso.

Um senhor de cabelos grisalhos e fala mansa. Conhecia bem a arte da retórica e jamais perdia

um debate. Achava-se o próprio presidente e gostava de estar à cima de tudo e de todos. Não

tinha muitos amigos verdadeiros, mas sabia convencer grandes multidões. Isso porque era

minucioso e planejava muito bem seu discurso. Sabia manipular pessoas, desde quando ainda

era apenas um garoto.

Mas nesse momento Dalson estava irritado. Como alguém desliga o telefone na minha

cara e ainda por cima se recusa a cumprir uma ordem minha! Pensou. Foi quando, ele

apertou o botão do telefone para se comunicar com a recepcionista da Casa Branca.

- Me ligue com meu secretário de tecnologia, por favor.

Aguardou até que sua ligação fosse completada.

- Sr. Dalson, o que deseja? – Perguntou o secretário.

- Quero que tome as providencias necessárias para interceptar ligações de Ralph

Elliott. Seja à sombra dele. Se ele espirrar quero estar informado. Faça isso o mais rápido que

puder.

- Sim senhor.

- Mais uma coisa. Isso é altamente confidencial, até mesmo para o presidente.

- Já sei disso senhor.

- O tempo está se passando e você ainda não fez nada! – Gritou desligando o telefone.

Dalson gostava de passar horas pensando e planejando. E assim o faria novamente

após essa ligação.

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CAPÍTULO 14

Apolo e Cristina já estavam longe da base militar. Ao perceber que estavam sendo

procurados, Cristina correu com Apolo até o corredor e pulou a janela rumo à pequena cidade

próxima à base. Já se passaram dez minutos de corrida intensa e o vilarejo estava bem à

frente, a menos de duzentos metros. Mas, subitamente, os faróis de um Jipe clarearam a

estrada as suas costas. Olhando para trás, Cristina calculou que não conseguiriam chegar ao

vilarejo antes de serem alcançados. Pegou sua arma e se preparou para atirar quando o Jipe os

alcançasse.

O Jipe parou a cinqüenta metros atrás, e de lá uma voz ordenou:

- Cristina! Sou eu, Elliott. Entrem no Jipe antes que sejamos alcançados.

Aliviada pela ajuda inesperada de Elliott, Cristina pegou na mão de Apolo e correu até

o Jipe. Elliott acelerou rumo à pequena cidade. Ao ver uma placa indicando a capital da

Guatemala a esquerda, não pensou duas vezes, virou bruscamente em direção a seta e

acelerou ainda mais.

Cristina que já havia se recuperado do susto e colocado a cabeça no lugar, perguntou a

Elliott:

- Pensei que você chegaria amanhã.

- Sim, eu só viria amanhã. Mas Dalson está me espionando. Precisei despistá-lo e

antecipar minha viagem. A propósito você fez um excelente trabalho.

- Obrigada. – Agradeceu Cristina ainda cansada. – Como sabia que estávamos

fugindo?

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- Cheguei à Guatemala há uma hora atrás. Já tinha reservado esse Jipe então fui direto

para a base onde combinamos de nos encontrar. Quando cheguei lá, vi que estava sendo

travada uma batalha. Reconheci o Agente Marte do lado de fora. Então percebi que você

deveria estar em apuros. Liguei imediatamente para meu contato aqui na Guatemala e pedi

que preparassem meu vôo de volta.

- Veio sozinho para cá? – Espantou-se Cristina.

- Sim. Essa missão é altamente confidencial. Nem a Casa Branca sabe de sua

existência. Para te ser sincero, nem Dalson sabe onde estamos.

Apolo que já estava atordoado com toda aquela perseguição imaginava se teria alguma

escolha em continuar aquela viagem ou acabar logo com tudo isso. Foi quando ele

interrompeu a conversa e perguntou:

- Não quero mais fazer essa viagem. Será que poderiam me deixar em casa?

Elliott finalmente se apresentou:

- Apolo, meu nome é Ralph Elliott. Sou diretor do serviço secreto americano. A partir

de agora você está sob minha proteção. Cristina será dispensada assim que pisarmos em solo

americano.

Cristina encheu o peito para falar, mas Apolo foi mais rápido:

- Não me importo com que é você, senhor Elliott. Mas sei que Cristina me salvou

varias vezes hoje. Portanto, se ainda querem minha ajuda ou cooperação para qualquer coisa,

nem pense em dispensar ela. Ela foi à única pessoa hoje que demonstrou alguma confiança. E

a propósito, o senhor não respondeu minha pergunta.

Cristina olhou para os olhos de Elliott e deu uma risadinha sarcástica. Apolo já havia

falado por ela. Elliott rapidamente passou sua voz para um tom mais suave:

- Pode me chamar de Ralph. Se eu te levar para a casa de seus pais, todos esses

homens te perseguiram até lá. Além de você próprio, seus pais também estarão em perigo.

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- Ainda falta me responder sobre Cristina, senhor Elliott.

- Tudo bem, ela será sua tutora.

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CAPÍTULO 15

O agente Netuno dirigia uma camionete. Com ele estavam os agentes Urano e Marte.

Seguiam em direção a Guatemala. Sabiam exatamente para onde ir, pois foram instruídos pelo

Sr. Hélios, seu líder e mentor. Os três agentes não se falavam, exceto quando era de grande

importância.

Agente Marte estava no comando. Ele era o mais antigo dos sete membros dos

mercenários. Dedicou toda sua vida a ganhar dinheiro roubando projetos, traficando

informações, extorquindo, torturando e espionando. Não era um homem intelectual, nem

muito ágil, contudo era forte e tinha um diferencial: era determinado, disciplinado e mal.

Raramente ficava nervoso. Sua paciência lhe capacitava a ser o melhor torturador entre todos

os demais membros do grupo. Seu tamanho gigantesco assustava os inimigos. Marte pesava

mais de cento e trinta quilos e tinha um metro e noventa, mas conversava manso e

gentilmente.

- Parem o carro no próximo posto de gasolina. – Ordenou o agente Marte.

- Mas o tanque está quase cheio. E além do mais, se pararmos vamos perder tempo. –

Respondeu o agente Urano, que estava no banco detrás.

Tranqüilamente, o agente Marte desconectou o cinto de segurança, virou para traz e

disse:

- Pare porque estou com fome e mandei parar.

Quase todos os agentes do grupo tinham medo ou respeito por Marte. Além de ser o

segundo no comando, apenas abaixo do Sr. Hélios, ele era incisivo e autoritário. Quem já o

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viu torturar sabe o quanto ele é mal. Por isso os agentes Urano e Netuno nada responderam.

Era melhor engolir o amor-próprio do que confrontá-lo.

Ao se aproximarem do posto de gasolina, a camionete entrou e dirigiu-se até a

lanchonete. Os três desceram. Marte e Netuno foram em direção ao refeitório e Urano para o

lado oposto.

Ao sentarem com sue lanches, o agente Marte escreveu e enviou a seguinte mensagem

em seu celular:

“Agente Saturno, estamos indo para Guatemala. Chegaremos em menos de uma hora.”.

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CAPÍTULO 16

Dirigindo sem muita pressa, o Diretor de espionagens da CIA, Ralph Elliott

conversava em Inglês com Cristina. Apolo não conhecia a língua, portanto nem prestava

atenção na conversa, até que Elliott virou-se para trás e disse:

- Garoto, você precisa saber um pouco mais sobre as teorias de Einstein e como elas

mudaram a forma de ver o mundo.

- Cristina já me explicou.

Foi quando Cristina também se virou para Apolo é o corrigiu:

- Te ensinei a Teoria da Relatividade Restrita. Existe outra muito mais completa e

poderosa: a Teoria da Relatividade Geral.

E Elliott completou:

- A Teoria da Relatividade Restrita descreve os movimentos relativos, enquanto que a

Teoria da Relatividade Geral explica o fenômeno da gravidade.

Nesse momento, eles já haviam entrado na capital do Guatemala. Elliott e Cristina

observavam a cidade em busca de um hotel onde pudessem pernoitar. Cristina apontou o dedo

para um grande prédio sugerindo:

- Aquele ali parece ser bom.

Sem responder, Elliott seguiu em direção a indicação de Cristina.

Ao chegarem, desceram do carro e foram até a recepção. O hotel era antigo e sem

muita beleza, porém espaçoso e confortável. Após concluir a estadia dos apartamentos, eles se

encaminharam ao elevador. Entraram. Cristina apertou o botão referente ao décimo primeiro

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andar, e Elliott apertou o décimo segundo. O elevador começou a subir. Elliott recomeçou a

preleção:

- Apolo, se o cabo desse elevador se rompesse o que aconteceria com nossos corpos

durante a queda?

- Cairia junto com o elevador. – E deu de ombros, já que a resposta era obvia demais.

Cristina interrompeu olhando para Apolo:

- Cairia à mesma velocidade que o chão do elevador e ficaríamos momentaneamente

sem peso, flutuando no ar.

Elliott retomou as rédeas da conversa dizendo:

- Perceba então, Apolo, que isso é o mesmo que acontece com os astronautas que estão

fora do planeta Terra. Dentro da nave especial, tudo inclusive o chão, os instrumentos e os

astronautas, caem à mesma velocidade em volta da Terra. Por isso quando eles olham a sua

volta vêem tudo flutuando. Nessa situação eles têm a ilusão que a gravidade sumiu, pois o

chão está caindo junto com o corpo deles.

Então Apolo interrompeu:

- Mas a gravidade não sumiu?

- Não. – Explicou Elliott. - Observe o caso do elevador. Se caíssemos e ficássemos

flutuando, a gravidade continuaria agindo com a mesma força puxando para baixo.

- Tem razão. - Concordou Apolo. - Mas aprendi na escola que a gravidade desaparece

no espaço.

- Isso é um erro grave. – Interferiu Cristina. – A gravidade do Sol mantém Plutão em

sua órbita a bilhões de quilômetros da Terra. Isso quer dizer que a gravidade não desapareceu.

Ela apenas foi cancelada pela queda do elevador junto com seus pés ou, no caso do

astronauta, pela queda da nave junto com ele.

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- E isso se chama: Princípio da Equivalência. – Concluiu Elliott. - Esse princípio

explica que todas as massas caem à mesma velocidade sob a gravidade.

Nesse momento o elevador chegou ao décimo primeiro andar. Cristina desceu, Elliott

e Apolo continuaram até o andar de cima. Ao chegarem, Elliott observou uma enorme janela

no final do corredor. Com um gesto de mão, convidou Apolo a acompanhá-lo até lá.

- Veja o que é o princípio da Equivalência.

Elliott pegou uma pedra grande e uma pequena dentro de um dos vasos de flores que

ornamentavam o corredor e perguntou:

- Qual dessas duas pedras atingirá o chão primeiro quando eu as soltar daqui do

décimo segundo andar?

Apolo achou que seria uma questão fácil, mas se enganou:

- A pedra maior, claro.

Elliott soltou as duas pedras ao mesmo tempo e ambos acompanharam a queda até o

chão.

- Impressionante. Caíram juntas. – Surpreendeu-se Apolo.

- Principio da Equivalência! – Respondeu Elliott sorrindo. - As Leis da física para um

referencial em aceleração ou para um referencial em gravitação são indistinguíveis. Por isso a

diferença de massa das duas pedras não faz com que uma se acelere mais do que a outra,

porque estão sob a mesma força que as direciona para baixo.

E continuou:

- Então Einstein aplicou essa lei em sua Teoria da Relatividade Geral. Ele percebeu

que o espaço e o tempo não são planos, mas curvos. Desse modo, a massa e a energia

deformam o espaço e o tempo.

- Não entendi muito bem. Pode me explicar melhor?

- É claro. Vamos entrar no apartamento.

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Antes de entrar, Elliott pegou outra pedra grande do vaso de flores do corredor. Andou

até a cama e jogou a pedra no centro, afundando o colchão a sua volta.

- Imagine que essa pedra é o sol e que o colchão da cama é o espaço-tempo.

Elliott foi até o frigobar a procura de objetos que pudessem ilustrar sua explicação.

Viu que as pedras de gelo eram feitas em uma forma redonda. Tirou algumas e jogou na cama

próxima a pedra.

- Observe que as pedras de gelo não se movem em linha reta em direção a pedra

grande, mas em uma trajetória curva, acompanhando a deformação do colchão. Sabe por que

isso ocorre?

- A gravidade da pedra puxa os gelos em sua direção. – Respondeu Apolo se

lembrando de suas aulas de física clássica na qual a gravidade era uma força atrativa.

Balançando a cabeça negativamente, Elliott o corrigiu:

- Parece que Cristina não te ensinou que Newton e sua física clássica estavam errados.

Não existe nenhuma força que atrai os gelos. Existe apenas uma depressão na cama que

determina as trajetórias. Conforme os gelos se movem, a superfície da cama impele-os até

atingir um movimento circular em direção a pedra maior.

- Isso é surpreendente. – Espantou-se Apolo.

- Então agora substitua a pedra pelo sol, os gelos pelos planetas e o colchão da cama

pelo espaço-tempo. Na sua visão anterior, existia uma força invisível chamada gravidade que

atraia a Terra e os planetas ao redor do sol.

Apolo percebeu o que isso queria dizer e completou:

- Essa força gravitacional de atração não existe. A Terra e os demais planetas são

defletidos ao redor do sol porque a curvatura do espaço-tempo está impelindo a isso. Portanto

a gravidade não atrai e sim o espaço impele.

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- Vejo que você é um garoto muito inteligente. – Orgulhou-se Elliott. – Você percebeu

que a força gravitacional é uma ilusão, um subproduto da geometria. Estamos presos na Terra,

mas não porque a gravidade nos puxa para baixo, mas porque a massa da Terra deforma o

espaço-tempo ao redor de nossos corpos, de modo que o próprio espaço nos empurra para o

chão.

- Então é a presença da matéria que deforma o espaço a nossa volta dando a impressão

que existe uma força gravitacional atraindo agente e os objetos para baixo. – Concluiu Apolo.

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CAPÍTULO 17

David Dalson - que havia espionado Ralph Elliott - acabara de chegar à Guatemala.

Veio em avião particular e sozinho. Não podia chamar a atenção. Sua missão era secreta e de

extrema importância: precisava encontrar Apolo.

Dalson conhecia o Projeto Chronos. Ele foi o responsável pela proteção do projeto.

Agora precisava encontrar Apolo. Dalson sabia que Apolo poderia destruir o projeto ou salva-

lo. Ele talvez fosse o único que sabia o segredo por trás de Apolo. Mas a ambição e

indisciplina de Ralph Elliott poderiam colocar tudo a perder.

A única chance encontrar Apolo seria por meio de Cristina. Já sabia como contatá-la.

O vice-diretor de operações de espionagem havia instruído Dalson a manter contato sigiloso

com Cristina. Então, assim que chegou ao aeroporto, ligou para o número dela.

- Cristina Gomes falando. – Atendeu no idioma inglês.

- Aqui é David Dalson, Vice-Presidente dos Estados Unidos da América. Estou na

Guatemala e preciso que me encontre antes de Elliott.

- Tarde demais senhor. Estou com Elliott e Apolo.

Preocupado, Dalson disse:

- Então preciso que me escute. Elliott não foi autorizado a vir para a Guatemala. Ele

está agindo por conta própria e contra os interesses dos Estados Unidos. Ele pode ser

perigoso. Prenda-o e me informe onde estão.

Sem saber o que fazer, Cristina ficou muda na linha. Analisava em quem acreditar. Foi

quando ela percebeu que precisava apurar a verdade. Elliott e Apolo estavam, nesse momento,

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sozinhos. Se ele quisesse já poderia ter seqüestrado o garoto. Não havia nenhuma garantia da

veracidade de Dalson, enquanto que Elliott já era um velho conhecido.

- Lamento senhor, mas terei que verificar se o que me falou é verdade. Entro em

contato logo que tiver a resposta.

Assim que Cristina desligou o celular, Dalson fez outra ligação e ordenou:

- Rastreiem a posição da minha última ligação.

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CAPÍTULO 18

Após a parada na lanchonete do posto, o agente Netuno ainda estava furioso com o

motivo: o agente Marte queria comprar amendoins. Marte parecia não se preocupar com a

missão. Sua barriga cheia vinha sempre em primeiro lugar e ainda assim o Sr. Hélios o

nomeava como líder.

O ronco contínuo do motor do carro era o único som disponível aos passageiros. A

paisagem movia-se rapidamente do lado de fora. O silêncio dentro do carro só era quebrado

quando Marte estraçalhava os amendoins com os dentes. Ele havia comprado seis saquinhos.

Dizia que mastigar o fazia pensar com mais inteligência. O curioso é que sempre dava certo.

- Temos algum plano? – Perguntou o agente Urano.

- Sim. – Respondeu secamente o agente Marte.

- Pode nos dizer qual é? Urano perguntou novamente.

- Saberá quando chegar à hora. O que posso lhes adiantar é que nos separaremos

quando chegarmos à Guatemala. Eu irei me encontrar com alguém muito importante e vocês

dois esperarão em um lugar distante.

Até então, o agente Netuno estava calado. Marte sabia que dizendo isso estariam

provocando os dois outros agentes. Netuno, que era o mais inconformado, parou o carro é

advertiu o agente Marte:

- Saber a identidade de um auto-escalão do governo que vende informações a

mercenários, não é nenhuma vantagem. Você será o primeiro a morrer se a informação vazar.

Marte sabia que Netuno estava certo, mas não hesitou em debochar depois de uma

longa risada sarcástica:

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- Hahaha. A inércia não leva ninguém ao cargo de chefia. Se quiser subir na vida será

preciso ariscar. Acha que sou o líder por quê? Eles confiam em mim.

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CAPÍTULO 19

Assim que desligou o celular, Cristina foi imediatamente até o apartamento destinado

a Apolo. Estava ciente do perigo que Elliott poderia representar. Bateu na porta uma vez e

ninguém atendeu. Bateu novamente chamando Apolo pelo nome. Nada. Isso era preocupante.

Poderia indicar que o vice-presidente estivesse correto. Correu até o apartamento visinho, o de

Elliott. Bateu uma vez e ninguém respondeu. Bateu novamente, mais preocupada ainda. Foi

quando a porta se abriu e Elliott disse sorrindo:

- Você já estava demorando. Sentimos sua falta.

A risada de Apolo pôde ser ouvida lá de dentro. Ainda brava, Cristina empurrou a

porta bruscamente e seguiu em direção a Apolo.

- Apolo, está tudo bem com você? – Perguntou Cristina.

- Sim. Tudo bem. Aprendi a Relatividade Geral de Einstein. Elliott me ensinou que …

Antes que o garoto terminasse a frase, Cristina o interrompeu.

- Agora não, Apolo. Levante-se e vamos embora.

Em tom de brincadeira, Elliott disse:

- Porque não deixa que o garoto escolha o que fazer. Estamos nos divertindo aqui.

Cristina sacou sua arma do coldre e apontou para Elliott.

- Acabo de receber uma ligação do Vice-Presidente dos Estados Unidos pedindo para

prendê-lo.

- Hey, sou seu superior lembra-se. Abaixe essa arma e te explicarei tudo.

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- Nada disso. Hoje já passei por muita coisa e pretendo resolver isso logo. Diga-me

agora porque eu não deveria pendê-lo. – Ordenou Cristina ainda com a arma apontada para o

peito de Elliott.

Apolo olhava a cena sem muito espanto. Já tinha visto de tudo por um dia. Já tinha

sentido todo tipo de sensações hoje. Já conhecia os dois personagens que discutiam a sua

frente. A situação precisava de uma atitude e ele era quem poderia resolver.

- Que tal vocês dois me ouvirem um pouco. Trouxeram-me até aqui e nem me

convenceram ainda se estou seguro ou não. Não faço a menor idéia de quem vocês realmente

são e o que querem e muito menos para onde estão me levando.

Elliott e Cristina não conseguiam acredita na bronca que estavam levando de um

garoto, mas ouviram atentamente. E Apolo continuou em tom dramático:

- Cristina. Você me tirou de Belo Horizonte prometendo uma aventura cientifica, mas

até agora só o que vi foi perseguição e perigo. Que tal me explicar para onde está me levando?

Apollo virou-se para Elliott e continuou:

- E quanto a você, Elliott. Conheço-te há apenas algumas horas e já está tentando me

manipular. Não sou seu amigo e não irei a lugar nenhum sem Cristina. Que isso fique claro.

Se precisarem de mim é melhor começarem a me explicar o que está acontecendo. E não me

venham com mais teorias até que tudo fique claro entre nós três.

Ao terminar seu discurso, Apolo sentou-se no sofá ao lado da cama e ficou olhando

para ambos, esperando uma resposta. Cristina e Elliott ficaram se olhando até que Cristina

abaixou a arma e sentou na cama. Elliott caminhou até Apolo e sentou-se na outra

extremidade do sofá. Cristina começou a explicação:

- Já te expliquei tudo que eu sabia. Acabei de receber uma ligação de alguém muito

importante dizendo que Elliott não está seguindo o protocolo da missão. A minha missão era

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te trazer até uma base americana para te proteger de mercenários que eu mesma espionava.

Mas o homem que me ligou é superior a mim e também a Elliott.

Nesse momento Elliott argumentou:

- Me ouçam, por favor. Tenho razões para acreditar que Dalson e o vice-diretor de

operações do nosso departamento estão corrompidos. Acredito que ambos estejam

trabalhando para o mesmo grupo que você, Cristina, estava espionando. – Fez uma pausa e

continuou. – Me diga Cristina, quantos membros existem nessa organização que você

espionava?

- Sete homens e mais o chefão.

- Perfeito. Agora me diga quantos deles você conhece?

Cristina pensou por um momento é disse:

- Dos sete membros, conheço os agentes Mercúrio, Vênus que era eu, Marte, Urano,

Netuno e Júpiter. O agente Saturno nunca aparecem porque é um informante infiltrado no

governo americano.

E Elliott deu um sorriso dizendo:

- Quase isso. Recebi informações da NSA¹ dizendo que Dalson é o agente Saturno. Ao

perceber que você e Apolo corriam perigo, vim imediatamente aqui protegê-los, com

autorização secreta do presidente dos Estados Unidos. Mas agora Dalson está aqui.

Precisamos ir para um lugar seguro. O governo americano já nos forneceu isso.

- E porque não me disse isso antes?

- Porque eu não tinha autorização. Era uma missão secreta. Se Dalson descobrisse que

sabíamos sobre ele, a missão seria descoberta. Aqui estaremos seguros até amanhã cedo.

Sugiro que voltem aos seus quartos e amanhã pela manhã seremos escoltados até a base

segura.

Ainda desconfiada de Elliott, Cristina perguntou:

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- E como posso ter certeza disso?

Imediatamente Elliott respondeu:

- Ligue para NSA e confirme com o Diretor. Além de mim e do presidente ele é o

único que sabe.

Cristina tirou seu celular do bolso e fez a ligação. Ao atenderem solicitaram a

identificação de Cristina. Depois de verificado pelo programa do governo, transferiram a

ligação para o diretor.

- Senhor, estou ligando a pedido de Ralph Elliott, diretor da CIA. Preciso que me

confirme se ele está em alguma missão secreta em Guatemala.

Elliott estava tranqüilo. Sabia que a confirmação seria feita.

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CAPÍTULO 20

O agente Marte estava no ponto de encontro. Aguardava alguém muito importante.

Sabia que era um encontro diplomático e altamente secreto. Secreto até mesmo para os

demais agentes de seu grupo. O homem a quem aguardava, trazia informações potencialmente

boas aos interesses do Sr. Hélios.

Marte foi quem escolheu o local. Uma sauna. Lá dentro ninguém poderia entrar

armado. A possibilidade de algum nativo saber traduzir a língua inglesa em uma sauna de

baixo poder aquisitivo e em um país de terceiro mundo, era praticamente nulas. Escutas ou

aparelho eletrônicos também não funcionariam ali, pois antes de adentrar no cubículo quente,

havia uma ducha sempre ligada e esguichando uma grande quantidade de água fria. Esse era

um protocolo da organização. Marte apenas comunicou o ponto de encontro alguns minutos

antes da hora marcada.

O enorme corpo nu do agente Marte nem começara a suar quando entrou subitamente

o outro homem.

- Como vai senhor agente Marte. – Cumprimentou em inglês.

- Ora, ora. Quem diria que seria você? - Espantou-se Marte ao reconhecer o homem.

- Não estamos aqui para bater papo. Vamos direto ao assunto.

O agente Marte jamais imaginara alguém tão importante tomando sauna consigo para

tratar de negócios. Esse tipo de encontro costuma ser com pessoas estranhas geralmente

representando seu superior. O homem permanecia em pé, aparentemente tenso, enquanto o

agente Marte estava relaxado, já começando a transpirar.

- O que trouxe para mim? – Perguntou Marte.

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- Quero negociar diretamente com o Sr. Hélios. É muito importante que seja assim. –

Respondeu esnobando a presença do homem gordo.

- Estou autorizado a tomar quaisquer decisões por ele. Sente-se, por favor. – Marte

manteve o tom diplomático que foi proposto previamente.

- Se estou aqui pessoalmente é porque quero dar credibilidade a minha proposta. Mas

de forma algum vou negociar com alguém que não seja ele. – Falou com incisão o homem,

mantendo-se ainda de pé.

Marte quase ficou colérico. Ele odiava quando isso acontecia. Fazia se sentir alguém

sem importância. Mas o homem a sua frente estava longe de ser ninguém. Na verdade era um

dos homens mais importantes e poderosos do mundo e o negócio parecia ser bom. Alguém tão

importante jamais se exporia sem um excelente propósito.

O plano “B” precisava ser colocado em prática. O agente Marte, que hesitava em falar.

Estava escolhendo as palavras corretas. Dalson já dava sinal que sairia da sauna e a

informação não seria mais vendida. Foi quando o agente Marte se levantou e respondeu a

única coisa que o tiraria da situação embaraçosa que poderia surgir:

- Meu caro David Dalson, eu sou o Sr. Hélios!

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CAPÍTULO 21

Apolo acordou lentamente. Sua cabeça doía e seus olhos ardiam. Um barulho de motor

o incomodava fazendo a cabeça latejar. A claridade ofuscava sua visão deixando-o zonzo e

confuso. Reconheceu o lugar onde estava. Era o banco de trás do Jipe de Elliott. Havia apenas

uma pessoa na frente, mas sua visão estava embaçada. Seria Elliott? Onde estaria Cristina?

Porque se sentia assim? Ao tentar esfregar os olhos com as mãos percebeu que algumas de

suas perguntas estavam respondidas. Seus punhos estavam atados. Alguém o dopou. Apolo

recordou que Elliott pediu dois sucos de laranja e uma dose de wiskie ao serviço de quarto.

Depois de beberem, de nada mais se lembrara.

- Porque estou amarrado? – Perguntou Apolo, com a voz fraca.

Nenhuma resposta veio de seu malfeitor. Apenas o barulho do motor do Jipe ecoava.

Por mais desconfortável que tenha sido as situações das ultimas horas, agora sentia que estava

pior. Antes Cristina o acompanhava e o protegia. Sentia-se importante. Agora nenhum

sentimento lhe cabia, exceto o medo e a angústia. Tudo lhe passou pela cabeça, inclusive a

própria morte.

O efeito do calmante ainda não tinha passado completamente. Por mais que lutasse

para ficar acordado, a sonolência era mais forte. Recostou-se no banco e voltou a dormir.

♦♦♦♦♦

Quando Apolo acordou novamente, estava mais sóbrio. Sua visão já não estava

embasada, mas a cabeça ainda doía um pouco. Percebeu que o carro estava parado. Seu

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seqüestrador estava perto. Reconheceu a voz de Elliott, talvez falando ao celular, talvez

conversando com alguém. A situação era crítica. Não sabia o que fazer. Não havia o que

fazer. A porta do Jipe se abriu e Elliott o encarou.

- Fique calmo. Vou te explicar a situação.

Obviamente, calma era a última coisa que Apolo sentia. Se tivesse oportunidade, sairia

correndo. Ficou calado, pois ouvir poderia ser a única ferramenta para negociação. Talvez

Elliott tivesse algo bom para dizer, embora essa opção parecesse a mais absurda diante da

situação.

- Dopei você e Cristina por uma razão muito clara. Cristina iria me prender, mesmo

sem saber o que realmente esta havendo. E a você porque percebi que não viria sem ela.

- Onde está Cristina? – Perguntou Apolo.

Elliott fingiu não ter ouvido. Foi direto ao ponto:

- Vou te levar para quem poderá acabar de uma vez por todas com essa perseguição.

Não é isso que você quer?

Apolo notou que a resposta natural seria a que Elliott queria ouvir. Com certeza

tratava-se de uma manipulação. Restava perguntar quem seria esse alguém? Mas o mais

importante saber era: o que esse alguém queria comigo? Contudo, Apolo sabia que nenhumas

de suas perguntas seriam respondidas.

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CAPÍTULO 22

Ainda entorpecida, Cristina acordou abruptamente. As últimas imagens antes de

desmaiar vieram à sua cabeça. Sentiu-se apavorada. Jamais havia deixado de completar uma

missão desde que foi recrutada pela CIA. Jamais ficou perdida em toda sua carreira, mas

agora tudo isso estava acontecendo. Nada se encaixava. Havia perdido todas as fontes

confiáveis e todo o suporte de sua missão. Havia sido abandonada e traída por seu superior.

Lembrou-se da conversa com Dalson. Era sua única chance. Enfim, descobri que ele tinha

razão, pensou.

Ainda estava no quarto de Elliott. Sua cabeça doía, mas nenhum segundo poderia ser

perdido agora. Nenhuma análise poderia deixar de ser feita. Procurou seu celular em seus

próprios bolsos. Não estava lá. Andou cambaleando até sua suíte. Quando chegou à porta,

lembrou que sua chave havia sido levada por Elliott. Nem adiantava entra para pegar, pois

Elliott deveria ter “limpado” tudo.

Desceu o elevador e chegou à portaria. Reconheceu o recepcionista.

- Que horas são, por favor? – Perguntou Cristina, a fim de verificar quanto tempo

havia se passado desde que desmaiou.

- Onze da noite, senhora. Seu marido e seu filho saíram há pouco.

Era uma boa notícia. Certamente Elliott se passou por seu marido. Talvez haja tempo

para alcançá-los.

- Eles disseram para onde foram ou qualquer coisa?

- Não senhora.

- Posso usar seu telefone?

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- É claro que sim.

Cristina ligou para seu departamento. Seu vice-diretor saberia localizar Dalson. Antes

de digital qualquer número, uma voz disse de longe, em inglês:

- Cristina Gomes, largue esse telefone e levante suas mãos.

Ela seguiu as ordens e virou-se lentamente em direção a voz. Era David Dalson. Não

fazia nenhum sentido ele estar ali, mas compreendia o porquê de sua fúria. Dalson mantinha

uma arma apontada para o peito de Cristina. Ele gritou para o recepcionista, mostrando seu

distintivo:

- Police. – Identificou-se e fechou a porta de entrada do hotel.

O recepcionista bilíngüe entendeu perfeitamente. Cristina respondeu:

- Eu estava ligando para você.

- Onde está Elliott e Apolo? – Gritou Dalson ainda com ira.

- Não estão aqui. Elliott me dopou e seqüestrou Apolo. Precisamos achá-los. –

Respondeu Cristina.

- Precisamos não. Eu preciso. Você já teve sua chance e não tem mais nada a me

oferecer.

- Apolo só confia em mim. Seja lá o que você e o governo precisem dele, ele está

bastante descrente em tudo e todos. Eu posso ajudar quando encontrá-lo e não farei isso se

você não me ajudar agora.

Dalson não tinha como confirmar o que Cristina disse, mas precisava realmente de

alguém em quem Apolo confiasse quando encontrado.

- Tudo bem Cristina. Mas lembre-se que você está sob minha custódia.

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CAPÍTULO 23

Três homens de terno cinza conversavam debaixo de uma ponte abandonada.

Esperavam uma “encomenda”. Um deles, o mais gordo, estava sentado no capô do carro

explicando algo aos outros dois. Olhavam mapas, aparelhos eletrônicos e faziam inúmeras

ligações. O agente Marte deu as últimas ordens antes do encontro. Um dos agentes abriu o

porta-malas do carro, pegou uma maleta e subiu até o alto da ponte, há uns cem metros dali.

Chegando lá, abriu a maleta e começou a montar o seu conteúdo: um rifle com mira

telescópica para longa distância.

Ao mesmo tempo, Marte e o outro agente se posicionaram de frente para a única

chegada até ali. Tratava-se de uma estrada de terra quase apagada pelo desuso. O agente que

acompanhava Marte segurava uma maleta com o pagamento pelo que logo chegaria.

Ao longe um carro levantava poeira. Era alguém do alto-escalão do governo

americano trazendo a encomenda do Sr. Hélios. Ele se vendeu. Homens poderosos muitas

vezes falem ou cometem deslizes que comprometem seu status e seu poder. E muitas vezes

essas falências ou deslizes não são acidentais. Quando precisa de homens com alto poder de

influencia, o Sr. Hélios busca meios para corrompê-los. Nesse caso não foi difícil. O homem

em questão é um jogador e descende de família tradicional nos Estados Unidos. O grupo do

Sr. Hélios pagou a dívida e agora cobra favores a troco do dinheiro. O homem em questão não

tem escolha. Precisa trabalhar para o grupo a troco do perdão de sua dívida.

O carro parou bruscamente logo atrás do veículo dos agentes. Apenas um homem

desceu. Ele caminhou até os agentes e dirigiu sua palavra ao agente Marte.

- Ele está no carro, no banco traseiro.

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O agente Marte apenas olhou para seu parceiro e este entendeu sua tarefa: verificar se

Apolo estava mesmo no carro. Dirigiu-se cautelosamente até a porta traseira do Jipe de Elliott

e viu o menino, exatamente como combinado. Olhou novamente para o agente Marte e fez um

sinal de positivo.

- Sua dívida com o Sr. Hélios está paga, agente Saturno. Ele ainda pediu para te

entregar essa maleta contendo cinqüenta mil dólares como bônus pelo seu excelente trabalho.

– Disse Marte, entregando o presente.

Elliott pegou o dinheiro de cabeça baixa e se sentiu o pior homem do mundo.

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CAPÍTULO 24

Um carro percorria estradas sinuosas em sentido oposto da capital da Guatemala. Nele

estavam Cristina Gomes e David Dalson. Cristina perguntava a Dalson se ele sabia aonde ir e

como achar Apolo, mas Dalson não respondia. Havia muita coisa em jogo e Cristina não era

tão confiável.

- Senhor Dalson, preciso que me diga o que sabe. Eu posso ajudar, acredite. – Persistiu

Cristina.

Dalson imaginava o quanto ela poderia beneficiá-lo. Até que ponto ele poderia contar

para ela.

- Cristina, eu sei quem é o Sr. Hélios. Encontrei com ele há poucas horas em uma

sauna aqui mesmo na Guatemala. Eu fiz um acordo com ele. Menti que precisava da ajuda

dele para conseguir informações da casa branca.

- E o que ele queria em troca? Quem é ele? – Espantou-se Cristina, virando seu corpo

completamente para o motorista.

- Ele queria que eu usasse meus recursos do governo para encontrar Apolo e o levasse

até ele. Ele sabia que eu também tinha interesse em encontrar o garoto e ele também está me

chantageando por causa de alguns deslizes políticos que cometi. Provavelmente alguém da

CIA o tenha informado. Acredito que esse alguém seja Ralph Elliott. Por isso pedi para que

você o prendesse.

- Você tinha razão. Elliott me enganou e fugiu com Apolo. E muito provável que ele o

entregue ao Sr. Hélios. E por falar nisso, quem é o Sr. Hélios? – Perguntou curiosa.

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- Ele é um dos agentes de seu próprio grupo. Não me disse seu nome, mas se

apresentou como agente Marte.

Cristina deu uma risadinha e balançou a cabeça negativamente.

- Lamento, mas ele te enganou. Eu trabalhei infiltrada na organização dele durante

anos, juntamente com o agente Marte. Já conversei com Marte e o Sr. Hélios ao mesmo

tempo. E também já vi o agente Marte se passar por Sr. Hélios mais de uma vez. Isso é um

protocolo da organização. Quando é necessário, qualquer membro da organização tem o poder

de se passar por ele. Eu mesma já fiz isso uma vez.

- Tudo bem. Mas isso não é o mais importante. Ele me deu um endereço para outro

encontro. – Respondeu Dalson.

- Me desculpe senhor, mas esse endereço não tem importância nenhuma. Elliott já

deve ter entregado Apolo aos agentes ou ao próprio Sr. Hélios.

Dessa vez foi o Vice-Presidente dos Estados Unidos que deu uma risadinha no canto

da boca e disse:

- Senhorita Cristina, como foi que você acha que eu te encontrei?

Cristina ainda estava meio zonza, mas agora entendeu tudo. Dalson ainda tem suporte

militar e político. Com isso, sua equipe já deveria estar trabalhando no rastreamento do

celular do agente Marte. Mas uma coisa ainda não estava bem explicada.

- Me desculpe senhor Vice-Presidente, mas porque está neste caso pessoalmente?

- Vai entender quando chegar o momento certo.

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CAPÍTULO 25

Apolo estava entre dois homens no banco traseiro do carro. Um era gordo e parecia

dar as ordens. Eles o chamavam de agente Marte. O curioso é que agora eles não o mantinham

amarrado, nem sedado. Pelo contrario, estava bem à vontade e comendo amendoins

oferecidos pelo agente chefe. Os homens que o levava não conversavam entre si. Nem se quer

se olhavam. Apolo se sentiu um objeto sendo transportado. Aquele ambiente lhe causava

medo. Tentou um diálogo:

- Senhor agente Marte. Incomoda-se em me dizer para onde estamos indo?

O gigantesco homem nem desviou o olhar da direção das paisagens montanhosas que

contemplava. O único gesto do homem gordo foi uma arrumadela nos óculos escuros. Parecia

uma estátua de bronze. Apolo teve uma idéia. Virou-se para o homem forte do outro lado e

perguntou se aceitava amendoins. O agente Marte imediatamente desviou sua atenção para o

evento. Marte era possessivo e autoritário.

- O que quer saber garoto? Perguntou Marte, tornando-se o centro da conversa.

Apolo fez cara de poucos amigos, mas perguntou ainda intimidado pela situação:

- Só quero saber para onde estamos indo.

- Vou te levar direto para quem pode resolver toda essa confusão. Aquelas pessoas

com quem você estava não poderiam realmente te ajudar. O Sr. Hélios pode. – Respondeu o

agente.

Nada do que Marte dizia fazia sentido. Até agora Cristina e seus amigos demonstraram

confiança e salvaram Apolo varias vezes. Em contrapartida, os agentes o perseguiram. Agora

ele estava sendo levado a força para algum lugar. Apolo sabia em quem confiar. Tudo parecia

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muito claro para ele. Mas o agente Marte insistia no contrário. Todavia, Apolo se sentiu mais

aliviado e confiante depois do que Marte lhe disse. Na verdade ele não se sentia coagido.

Notava que precisavam dele, embora eles próprios jamais admitissem. E isso poderia ser

explorado, depois de confirmado.

- Senhor agente Marte, eu não acredito em uma só palavra sua. Se eu tenho alguma

importância para você ou para o tal Sr. Hélios, então acredito que ele não deveria permitir que

me dopassem, atirassem em minha direção ou mesmo me seqüestrassem. Certo? – Apolo

tentou induzir o agente a falar sobre o assunto.

O agente gordo pensou um instante antes de responder:

- Você é importante sim, garoto. Mas sua importância é bastante limitada a uma tarefa

específica. Não pense que você é fundamental, porque ser fundamental é diferente de ser

importante para uma tarefa específica.

Isso absolutamente não era a resposta de Apolo esperava ouvir. O agente Marte não

era um homem que se deixava influenciar. Ele assustava. Utilizava-se da coação para

intimidar. Tudo isso não só pela sua aparência física, mas também de suas duras palavras.

Depois de mais algumas horas, o silêncio foi cortado pelo anúncio da chegada:

- Agente Marte, chegamos ao ponto de encontro. O Sr. Hélios já deve estar lhes

esperando.

- Certo. Vocês conhecem o procedimento de segurança. Protejam todas as chegadas no

raio de cinco quilômetros daqui. Eu e o garoto ficamos. – Ordenou o agente Marte.

Marte e Apolo desceram do carro, que saiu cantando os pneus. Apolo observou bem a

paisagem. Estavam no alto de uma serra, com uma vista de vários quilômetros para todas as

direções. Ninguém conseguiria chegar até ali sem ser notado com muita antecedência.

Caminharam ao mais longe possível da estrada. O calor era intenso. A paisagem era desértica

e avermelhada pela terra dura e sem muita vegetação.

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Ao longe a silhueta de um homem poderia ser percebida contra o sol, que já estava

bem baixo no horizonte. Lentamente, à medida que se aproximavam, a silhueta do homem

distante tomava forma e definia seus detalhes. Já era notório um homem magro, de costas,

com um objeto em uma das mãos. Seria uma arma? Apolo sentiu um frio na espinha e se

lembrou das palavras de Marte: “… sua importância é bastante limitada a uma tarefa

específica“. Caminhando um pouco mais, Apolo pode ter certeza que não se tratava de uma

arma. Agora parecia mais um charuto. Sim era um charuto. O homem vestia-se com um

chapéu panamá e usava um guarda-pó que balançavam suavemente contra a brisa. Nenhuma

cor podia ser distinguida ainda, pois o sol a frente ofuscava a visão.

A poucos metros do homem misterioso, o agente Marte parou e disse em tom audível e

respeitoso:

- Sr. Hélios, aqui está o garoto!

Sem se virar, o homem deu uma tragada no charuto. Parecia não ter ouvido. Enfim,

respondeu ainda de costas:

- Deixe-o aqui comigo e dê o fora.

Marte nem se quer disse uma palavra. Virou-se imediatamente e pôs-se a caminha a

passos largos. Apolo tapou o sol com uma de suas mãos na testa, a fim de poder enxergar

mais detalhes. Manteve o silêncio. Alguns minutos depois, o homem virou-se para Apolo,

jogou o toco do charuto serra abaixo e sorriu.

- É um enorme prazer te conhecer pessoalmente, Apolo. Pode me chamar de Sr.

Hélios. Eu sou a pessoa que pode te esclarecer tudo que aconteceu os últimos dois dias.

- Então, por favor, comece. – O garoto respondeu sério.

- Tenha calma. Ainda aguardo mais um convidado.

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CAPÍTULO 26

Cristina Gomes estava surpresa com a quantidade de ligações que o Vice-Presidente

dos EUA recebeu. Mas o mais surpreendente foi à comunicação completamente secreta. Ele

parecia falar em um código sem padrões. Mesmo um equipamento de criptografia, talvez

demoraria algum tempo para decodificá-lo. Obviamente Dalson não queria que Cristina

soubesse do conteúdo das conversas. Ela esperou o encerramento de uma ligação e perguntou:

- O senhor já sabe para onde irmos?

- Não só sei para onde irmos, mas também como resgataremos Apolo Volt. E para isso

precisarei de sua ajuda. – Respondeu Dalson dirigindo. – Ocorre que você precisa estar ciente

do risco desse resgate.

Agora era hora de Cristina avaliar cada um de seus próximos passos. Ela não tinha

mais a comunicação com a CIA e nenhum outro suporte com o governo ou mesmo com seu

próprio departamento de espionagem. Sua missão com a CIA já estava finalizada. A única

coisa que ainda a prendia a essa nossa tarefa, era a frustração de não ter concluído a missão

anterior e a sensação do dever incompleto. Também se sentia curiosa para desvendar tudo

isso, e esse espírito de aventura foi o motivo de ter ido trabalhar como espiã. Mas realmente

valia a pena correr tamanho risco? Ela sabia que o Sr. Hélios era impiedoso com desertores. E

ela havia o espionado e o enganado por muitos anos. Não valeria a pena, - pensou ela – se

não fosse pela segurança de Apolo. Ela não costumava misturar sentimentos com trabalho.

Mas se sentia a protetora de Apolo, principalmente porque ele não tinha mais ninguém em

quem confiar.

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- Senhor Dalson. Eu trabalho para os Estados Unidos há dez anos e jamais me neguei a

cumprir uma missão oficial. Todas as minhas missões são de risco.

- Não sei se a senhorita está entendendo perfeitamente. – Explicou Dalson. - Essa

missão não é oficial. Se você disser que me ajudou ou mesmo que esteve presente nessa

missão, eu negarei, porque para o Governo americano eu estou de férias no Egito.

Cristina não demonstrou nenhuma reação de espanto. Abriu um pouco o vidro da

janela do carro para tomar um ar fresco e respondeu:

- Me explique seu plano, por favor.

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CAPÍTULO 27

No alto da montanha na Guatemala, o Sr. Hélios e Apolo Volt se olhavam com

respeito. Apolo esperava pela iniciativa, mas o homem de chapéu e jaleco mantinha o olhar

firme e o silêncio. Aparentemente ele estava criando uma grandiosidade psicológica.

Mantinham a mesma distância e posição. O único som audível era o barulho do sussurro do

vento forte e o movimento dos trajes que se agitavam no cume da montanha mais alta da

região. O crepúsculo deixava aquela cena mais sombria. O Sr. Hélios sacou um cigarro e um

isqueiro do bolso interno de seu jaleco marrom. Tranqüilamente fez algumas tentativas para

acender o fumo. O vento o atrapalhava. Quando finalmente acesso, a fumaça foi ligeiramente

assoprada pelo vento em direção a Apolo.

- Se incomoda se eu fumar? – Sr. Hélio pediu com gentileza.

- Se eu dissesse não, faria alguma diferença? – Respondeu esquivando-se e abanando o

gás azulado.

Ignorando a resposta, o Sr. Hélios começou a explicar o que já pretendia:

- Apolo, primeiramente eu quero que você saiba que tudo que aconteceu hoje e ontem

não foi por acaso. Existe alguém que sabe de todos os seus passos. Ele o controla. Não fui eu

que armei tudo isso para você e sim ele.

- E quem é ele? – Perguntou o menino.

Sr. Hélios deu mais uma tragada no cigarro e assoprou para cima. Depois prosseguiu:

- Não se trata de quem e sim por que. Porque ele está fazendo isso com você?

O Sr. Hélios fez uma pausa, como se esperasse que Apolo o perguntasse o motivo,

mas Apolo não o fez. Então Sr. Hélios continuou:

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- A resposta é que ele quer que você seja um produto da inteligência dele. Ele deseja

que você seja o que ele desejar. E eu estou te protegendo disso, por mais que você não

acredite em mim.

- Pode ser mais claro, por favor. Estou cansando de teorias. – E Apolo andou para a

direita do homem, para ver melhor seu rosto.

- Certamente que sim. Já notou que todo mundo está tentando te ensinar teorias

físicas? Sabe a razão disso?

- Eles me disseram que eu poderia saber uma senha. Que só eu poderia descobrir. – E

Apolo ainda acreditava no que acabou de dizer.

- Isso mesmo. De fato isso é verdade. Mas o que não te contaram é que eles não

precisam dessa senha. Sou eu que preciso. Você estava sendo escondido de mim e não

protegido contra mim. Eu não lhe farei mal algum. Ajude-me e te ajudarei em qualquer coisa

que precisar. Dinheiro, informações, estudos, viagens. É só escolher.

Apolo começou a entender tudo que aconteceu. Ele percebeu que o que o Sr. Hélios

dissera fazia sentido. E o Sr. Hélios continuou.

- Tudo começou quando um estranho homem, que hoje conhecemos por Narciso,

procurou Jack Ousen e a mim e nos apresentou um projeto secreto. Ele sabia que nos

poderíamos ajudá-lo. Narciso tinha idéias e conhecimentos que jamais sonhamos que

poderiam existir. Ele conhecia coisas que só poderíamos saber daqui a algumas décadas. Isso

nos assustou, mas também nos encantou. Maravilhado com aquilo tudo, Jack, Narciso e eu

desenvolvemos o projeto de uma nave espacial com tecnologia hiper-moderna e a batizamos

de Chronos.

- Já ouviu falar do Deus mitológico Chronos? – Perguntou.

- Sim. É o deus do tempo. A nave seria também algo relacionado ao tempo?

O Sr. Hélios não respondeu a pergunta mordaz. Ao invés disso, continuou:

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- Para concluir a nave, eu desenvolvi a engenharia, mas não me contaram muito sobre

esse projeto secreto. Queriam que eu ajudasse, mas não queria me ajudar. Fiquei fascinado

com os detalhes técnicos. Mas, até então o projeto Chronos era apenas um monte de papel e

arquivos digitais. O próximo passo era conseguir recursos financeiros para produzi-lo.

Custariam vários bilhões de dólares e ninguém poderia pagar essa quantia, a não ser um país

inteiro, ou alguém excessivamente rico. Foi quando o Narciso nos disse que sabia quem

poderia arcar com as despesas: os apostadores americanos. Jack e eu achamos engraçados,

mas deu certo. Apresentamos o projeto para David Dalson, que na época era senador do

estado de Seattle nos Estados Unidos. Narciso estava convicto que Dalson acreditaria no

projeto, nos apoiaria e em alguns anos seria um dos homens mais poderosos do mundo. Foi

quando percebi que éramos quatro pessoas trabalhando no projeto, mas eu era o único que não

o conhecia.

Nesse momento, o Sr. Hélios interrompeu a narrativa. Fez uma curta pausa. Abaixou a

cabeça e parecia triste. O próprio Apolo chegou a sentir pena pela injustiça que fizeram com

ele. Uma lagrima escorreu do rosto triste do homem à frente de Apolo.

- Eu não sou um criminoso, Apolo. Mas a curiosidade é a fraqueza do homem. Na

época, eu passava por dificuldades financeiras e os outros três membros se beneficiavam com

a fortuna empregada no projeto. Dalson desviava recursos do governo de forma milagrosa

com a ajuda de Narciso e os colocavam nas mãos de Jack. Inconformado com aquilo tudo,

passei a agir por fora, trafegando as informações e me enriquecendo, e ao mesmo tempo

trabalhando na nave Chronos. Quando o projeto finalmente ficou pronto, eu sabia que o

Narciso o levaria embora e Dalson e Jack não fariam nada para termos algum beneficio para

nós. Então, durante o meu turno de trabalho, maquinei o roubo da espaçonave. Meus homens

a roubaram seguindo minhas ordens.

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Apolo ouvia tudo atentamente e ainda tentava deduzir as respostas. Mas o Sr. Hélios

prosseguiu:

- Mas uma coisa saiu errada. A nave possui três senhas, para coisa específica. Uma

para ativação de todos os painéis eletrônicos, outra para a propulsão e outra para abrir a

espaçonave. E como eles nunca me contavam as coisas por completo, eu só conheço duas

senhas.

- E porque o senhor e todo mundo acha que eu sei essa senha que falta? – Apolo

perguntou intrigado.

- Não acho que você saiba. Acho que você pode me ajudar a descobrir.

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CAPÍTULO 28

Duas silhuetas no alto de uma montanha eram visíveis de longe, contra o crepúsculo,

na Guatemala. David Dalson estava sendo acompanhado pelo agente Marte até a parte mais

alta dessa montanha. Dalson havia ligado para o agente Marte e este lhe indicou o caminho

onde se encontrariam. O encontro havia sido combinado em uma sauna na capital da

Guatemala, há um dia atrás. A alguns quilômetros antes de chegar ao ponto de encontro,

Cristina havia descido do carro e seguido a pé, a fim de surpreender seus inimigos. Tudo

estava planejado. Ao chegar ao encontro, o agente Marte revistou David Dalson e certificou

que ele estava “limpo”.

- Já sei que você não é o Sr. Hélios, agente Marte.

- Lamento tê-lo enganado, senhor. Mas era importante trazê-lo aqui. O verdadeiro Sr.

Hélios precisa vê-lo.

Sem mais conversa os dois homens prosseguiram em sua caminhada ao cume da

montanha. Pelo mesmo lugar aonde Marte conduzira Apolo há algumas poucas horas atrás.

Dalson sabia que o sumiço de Jack e John Ousen estava relacionando com o Sr. Hélios. Ele e

o Narciso seriam os próximos. O Narciso era um homem muito precavido. Apenas o próprio

Dalson e Jack Ousen o conheciam pessoalmente. Nem mesmo John Ousen o vira cara a cara.

Dalson já reconhecia uma das figuras no cume da montanha. Era Apolo Volt. O outro

estava de costas e usava chapéu. Certamente seria o Sr. Hélios. O momento era de extrema

tensão, pois a própria vida de David Dalson estava em risco. Enfim chegaram e o homem de

jaleco marrom e chapéu panamá virou-se lentamente. Dalson os cumprimentou:

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- Apolo Volt. John Ousen. Vocês estão bem? – Surpreendeu-se Dalson ao ver o amigo

junto com Apolo. Olhou para John e disse – Pensei que estivesse morto.

John olhou para o agente Marte e deu-lhe um comando:

- Pode ir agente Marte.

- Sim Sr. Hélios.

Espantado, David Dalson não conseguiu pronunciar nenhuma palavra. Até que

esbravejou:

- Seu canalha! Você é o Sr. Hélios. O que aconteceu com Jack? O que você fez com

ele?

- Aconteceu um acidente, David. – Respondeu John cabisbaixo. – Eu o forcei a me

entregar a senha para a Chronos, mas ele se recusou e acabou se matando. Vou passar o resto

de minha vida me culpando por isso. Eu simulei minha própria morte para que meu irmão se

intimidasse e desse a senha. Fui capaz até mesmo de enviá-lo ao espaço. Mas infelizmente

Jack se apavorou e tirou sua própria vida.

- Seu maldito. Então foi você que roubou a nave. – Vociferou o Vice-Presidente dos

Estados Unidos. – O projeto está perdido. Eu não sei a senha e o Narciso não vai te contar a

troco de nada. A nave é para ele, mais importante do que a própria vida. Nada mais poderá

ligar a nave Chronos.

O Sr. Hélios já estava ficando nervoso, mas manteve o tom de voz calmo:

- Eu tenho aqui tudo que preciso. O garoto indicado por Jack para descobrir a senha,

você - que sabe tudo sobre o Narciso – e a própria Chronos. Todos estão sob minha custódia.

- E o que te faz pensar que eu vou te contar algumas coisas? – Acalmou-se Dalson.

- E por acaso você viria aqui arriscar sua vida sem um bom motivo? O que o agente

Marte te disse na sauna e antes, quando você ainda estava nos EUA, não foi um flerte. Você

deve ter verificado, senão não estaria aqui. De fato eu tenho todas as provas que você desviou

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uma fortuna dos EUA para benefício próprio. E posso queimá-las agora mesmo se me disser o

que eu quero saber.

- Seu cretino. Você sabe muito bem que usamos esse dinheiro no projeto da nave

Chronos. – O Vice-Presidente voltou a ficar irritado.

Com um sorriso no rosto, John tirou um envelope pardo do bolso interno do paletó e o

jogou na frente de David Dalson, próximo aos seus pés.

- Aí estão as cópias, caso queira confirmar. Ninguém vai querer saber se construíram

uma nave espacial ou se doaram às nações unidas. O fato é que você fez isso nas costas do

povo americano e de seus próprios aliados políticos. Vão te crucificar.

Dalson sabia que tudo isso era verdade. Apesar de suas boas intenções, a nave

Chronos jamais seria apresentada ao público. Quando o Narciso apresentou o projeto, ele foi

extremante exigente ao impor que a nave Chronos seria usado para uma única missão e

ninguém jamais a veria novamente depois que saísse da gravidade terrestre. Portanto,

nenhuma prova material poderia ser fornecida como justificativa. John sabia de tudo isso e

agora estava usando para chantagear David Dalson.

- Então David, agora você não tem escolha. – Disse John. – Ligue para Narciso e me

passe o telefone. Eu tenho uma coisa aqui que é mais valiosa para ele do que a nave Chronos.

David Dalson e John Ousen olharam juntos para Apolo Volt. Agora não havia mais

dúvidas de que John Ousen sabia de todo o segredo envolvendo o projeto.

- Como sabe sobre o garoto? – Perguntou Dalson. - Confesso que nem eu mesmo sabia

até pouco tempo.

- Eu sempre soube o mesmo que você, David. Sabíamos que ele existia, mas só agora

com a sinalização de Jack é que pudemos saber o nome e onde ele vivia. Mas vamos deixar de

papo furado e ligue logo para Narciso.

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- Acho que você terá que me matar, John. Somente Jack tinha comunicação com

Narciso. Eu sou um mero peão no tabuleiro, assim como você.

John já esperava essa resposta, mas precisava ter certeza. Precisa ouvir do próprio

Dalson. Se ele realmente não poderia ajudar, então só teria mais uma serventia: mostra para

Apolo que isso não era uma brincadeira. John sacou uma pistola de seu coldre, debaixo do

jaleco, e disparou três tiros no peito de Dalson. Dalson cambaleou até perto do precipício e

rolou para baixo.

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CAPÍTULO 29

Cristina corria seguindo orientações de seu GPS portátil. Antes de descer do carro,

introduziram um chip localizador por debaixo da pele de Dalson. Assim, ela poderia espionar

o Sr. Hélios e isso era exatamente o que ela sabia fazer de melhor. Contudo, não era esse o

motivo do desespero de Cristina. Ela também implantou um microfone e ouvira toda a

conversa de Dalson com seu malfeitor. Ouviu também os tiros e a respiração ofegante de

David Dalson. Faltavam ainda uns dois quilômetros para encontrá-lo e se chegasse correndo

seu disfarce certamente seria notado. Mas isso pouco lhe importava agora.

Também estava atônita pelo perigo que Apolo estava submetido. Sentia-se responsável

pelo garoto. Sentia vontade de matar o Sr. Hélios. Mas continuava sua corrida seguindo as

indicações do localizador implantado em Dalson. O chão era duro e a vegetação rasteira

dificultava o percurso. O sol intenso ardia em seu rosto, avermelhando as bochechas e as

costas. Olhar no GPS em pleno movimento deixava Cristina zonza.

Ao longe, quase no fim do horizonte, um pequeno ponto indicava uma presença

humana. Cristina consultou o GPS e certificou-se que aquele era de fato David Dalson. Ela

parou e olhou para cima da montanha. Dois outros pontos eram visíveis lá encima. Pelo que

ouvira, certamente seriam Apolo e o Sr. Hélios.

- Vou correr bem abaixo da montanha, longe das vistas deles. Assim posso socorrer

Dalson, tentar surpreender o Sr. Hélios e salvar Apolo. - Pensou em voz alta e continuou sua

corrida.

Cristina não estava totalmente em forma e sentia dores abdominais e sua coxas

queimavam de dor. Precisava descansar, mas hesitou e continuou a corrida acima do limite de

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seu corpo. Depois de algum tempo, já podia ver claramente Dalson e ouvia em seu microfone

a respiração forçada.

Quando enfim chegou ao local onde Dalson caiu, percebeu que ele se esforçava para

se manter vivo até que ela chegasse. Em um empenho fora do comum, Dalson olhou para

Cristina e disse em pequenos trechos, sempre tomando ar:

- Cristina .... Apolo precisa ... conhecer o Narciso. Ele tem ... as respostas.

Após a exaustiva frase mal pronunciada, Dalson morreu. Um dos tiros havia perfurado

o seu pulmão.

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CAPÍTULO 30

A antipatia de Apolo pelo Sr. Hélios aumentou frente ao terrível assassinato que

presenciara. O temor tomou conta de Apolo. Ele chegou a pensar em sair correndo, mas

depois percebeu que não havia para onde fugir. Olhava para o homem a sua frente e ele não

lhe retribuía o olhar. Ao invés disso, o Sr. Hélios deu as costas para Apolo e acendeu outro

charuto. Olhou para o horizonte sem focar nada. Aquele silêncio sempre era perturbador para

Apolo.

- Isso é o que acontece com quem quer ganhar, mas não quer compartilhar. Você está

na mesma situação que o Sr. Dalson. – Falou John Ousen com o cigarro queimando entre seus

dedos.

O Sr. Hélios caminhou até um grande circulo de cerca de vinte metros de diâmetro,

desenhado no chão. Com um movimento de sua mão esquerda chamou Apolo até ele. Sem

hesitar, Apolo foi de encontro a ele, dentro do circulo. Parecia um heliponto. Quando o chão

começou a afundar, Apolo imaginou que estavam entrando em uma estrutura secreta. O

grande círculo continuou abaixando até atingir uns dez metros abaixo.

- Não se assunte garoto. Isso é um esconderijo de helicópteros. Os satélites americanos

nunca percebem o que acontece aqui. Eles filmam de cima para baixo, e assim o elevador se

desloca parecendo que está parado. Agora só descemos e estamos livres dos espiões do

espaço.

- Se importa em me dizer se a nave espacial está aqui? Perguntou Apolo.

- Sim. Ela está aqui no andar debaixo. Estamos indo para lá agora mesmo.

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O local onde estavam era bastante rústico. As paredes eram de rochas e o chão

exatamente igual ao do lado de fora. A iluminação era fraca e só havia uma porta. Alguns

maquinários e veículos estranhos nos cantos. O lugar era bastante espaçoso. Se for de fato um

esconderijo de helicópteros, cabiam pelo menos uns dez ali.

O Sr. Hélios continuou em direção a única porta. Havia um painel ao lado dela. Ele

parou do lado. Colocou seu polegar em um coletor de impressões digitais e em seguida

digitou uma senha no teclado numérico. A porta se abriu e Apolo pôde perceber que tinha uns

trinta centímetros de espessura de puro aço. Ao mesmo tempo o elevador em que desceram

agora subia, deixando-os no esconderijo mal iluminado. Apolo e Sr. Hélios atravessaram a

porta e se deparam com outro elevador, dessa vez bem menor e bem iluminado. Apenas dois

botões: Sobre ou Desce. Desceram mais de trinta segundos, o que indicava que estavam

bastante profundos. O Sr. Hélios permanecia em silêncio e Apolo também. Nem se olhavam.

Quando o elevador parou e as portas se abriram, Apolo teve uma visão ampliada da

estrutura que ali fizeram, em plena Guatemala. Esse andar era muito maior do que anterior.

Tinha uns dez metros de altura e o triplo do diâmetro do piso acima. Em forma arredondada,

as paredes eram reforçadas com perfis curvos de metal. O cenário parecia uma imensa redoma

de metal. Computadores e máquinas robotizadas decoravam os cantos do ambiente. Havia

também diversas estações de trabalho separadas por vidros espessos e organizadas em

formato hexagonais, como se fosse uma grande colméia. No centro, em um hexágono muito

maior do que todos os demais havia um espaço suspenso em cerca de dois metros de altura,

no mesmo nível de altura que se encontravam agora.

E lá estava uma nave espacial, composta de três partes. A nave era diferente de tudo

que Apolo já tinha visto. Sua frente era uma meia esfera achatada na parte mais à frente e

plana no lado de baixo. Os dois outros compartimentos eram roliços acompanhando o formato

da frente. Suas asas começavam finas e bastante próximas à frente e aumentavam um pouco

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seu tamanho na medida em que chegavam ao final. Não se parecia com as asas de um avião

comum, mas serviam para planar. Havia apenas um par de janelas para cada compartimento e

um pára-brisa muito pequeno. Atrás ficavam oito propulsores, sendo quatro grandes e quatro

pequenas, alternados entre si. A cor era cinza-azulada. Cada módulo tinha uma inscrição

grega, sendo o primeiro “άτοµο”, o segundo era “Λιοντάρι” e o terceiro “δελτίο”.

- Me acompanhe, por favor, Apolo. - Sr. Hélios falou. Andando em direção a nave

Chronos.

Havia algumas poucas pessoas trabalhando em suas estações hexagonais. Todos

olhavam desconfiados, quando Apolo passava. Em seus crachás continham descrições como:

“Dr. Duncan – Astrofísico”, “Dr. Croswell – Engenho de Propulsão a Jato”, entre outros.

Eles ainda passaram por quatro portas com painéis, e em todas repetiu o mesmo

procedimento: pressionar o polegar direito contra um coletor e digitar uma senha em um

teclado numérico. Por fim estavam dois metros abaixo da espaçonave, bem de frente á

plataforma. Sr. Hélios ia sempre à frente. Dessa vez, indicou para Apolo uma escada em

espiral, que terminaria encima da plataforma suspensa onde à nave repousava. Subiram.

Apolo parou diante da magnífica engenhoca. O Sr. Hélios ansiava pelas perguntas que

certamente estavam surgindo na cabeça do menino. Foi quando veio a primeira:

- Para que construíram essa espaçonave se existem tantas outras já? O que essa tem de

especial?

- Excelente pergunta, Apolo. Mas antes de te responder, preciso te falar mais de quem

a projetou. Assim você entenderá com facilidade. – Disse o Sr. Hélios, andando ao redor da

nave. – Há dez anos atrás, o Narciso apareceu com essa idéia, como você já sabe. O

conhecimento dele já seria suficientemente incomum, mas não parou por aí. Para acelerar o

desenvolvimento do projeto, o Narciso utilizou-se de fantásticas aplicações na bolsa de

valores de Wall Street. Quando eu o conheci, ele só tinha cerca de mil dólares, que disse ter

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ganhado assando frangos fritos em uma lanchonete. Morava em um hotel onde nem o meu

cachorro conseguiria dormir. Mas quando precisamos de dinheiro para construir o projeto, ele

começou a ganha-lo. Com esses mil dólares de investimento inicial ele conseguiu uma fortuna

de mais de duzentos milhões de dólares em menos de dois meses. Toda transação que ele fez

deu lucro, em áreas inesperadas dos negócios, o que não pode ser simplesmente sorte. Ele

também apostava tudo, sem poupar nenhum centavo, em jogos de campeonatos mundiais

como futebol, basquete, e outros, sem errar uma única vez. Muitas vezes ele usava bodes

expiatórios1 para não gerar desconfiança sobre sua incrível “sorte”. Assim, cada vez mais o

dinheiro dele multiplicava-se por vinte ou trinta vezes, até atingir bilhões. É curioso também

que ele não fazia questão de poupar um centavinho se quer. Mas o mais intrigante é que não

existe nenhum registro desse homem antes de ele aparecer para Jack e eu. Nunca teve conta

bancária, nunca teve documentos, suas digitais são completamente estranhas para o banco de

dados do FBI e da Interpol.

- Então ele é um extraterrestre? – Perguntou Apolo em tom de descontração.

Sr. Hélios olhou para Apolo sem achar graça. Mas respondeu a pergunta dele:

- Eu também pensaria isso se ele fosse verde e tivesse anteninhas. – Rebateu a

brincadeira. - Mas vou voltar para suas primeiras perguntas. Porque o Narciso investiu todos

os dez últimos anos de sua vida para construir uma nave espacial que atinja altíssimas

velocidades? Porque a nave se chama Chronos?

Um tempo foi aguardado até que a pergunta faça sentido para Apolo. A pergunta foi

bastante manipuladora e a resposta só poderia ser uma:

- Ele construiu a nave para utilizar-se da Teoria da Relatividade Restrita, onde um

objeto em altas velocidades pode retardar o seu próprio tempo, levando o passageiro do objeto

a um futuro relativo.

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- Exato. – Concordou o Sr. Hélios. – Esse efeito já foi observado em testes com

relógios de alta precisão colocados em aeronaves relativamente velozes e poderia, certamente,

ser utilizado por um tripulante da Chronos, viajando à velocidades próximas à da luz,

corresponderia a cinco anos passados no tempo da Terra. Neste caso, se essa viagem durasse

dez anos, teria se passado dez anos para quem está no planeta Terra, mas o tripulante teria

envelhecendo apenas dois anos. O atraso do tempo de quem fica na Terra deve-se única e

exclusivamente ao seu estado de movimento. Não há nenhum segredo aí, Apolo.

Apolo ficou boquiaberto de olhos fitados na máquina do tempo bem diante de seu

nariz. O que há dois dias atrás lhe parecia pura ficção cientifica, agora estava palpável e

esplendoroso a sua frente. Respondida a primeira pergunta, a próxima ficou fácil de entender:

“porque a nave se chama Chronos”?

A empolgação do homem que apresentava as perguntas era notável. As perguntas de

Apolo tomavam o rumo certo para onde o narrador precisava chegar.

- Chronos é o Deus do tempo, na mitologia grega. Ele surgiu no principio dos tempos,

formado por si mesmo. Era um ser incorpóreo e serpentino possuindo três cabeças: uma de

homem, uma de leão e outra de touro.

E imediatamente Apolo fez uma suposição obvia:

- Imagino que essas palavras gregas, gravadas em cada um dos três módulos da nave,

sejam exatamente: homem, leão e touro.

- Sim Apolo. Significa exatamente isso. O primeiro módulo, άτοµο, é o homem. Ele

representa o cérebro da nave, onde estão os computadores e todos os comandos. O segundo

módulo, Λιοντάρι, é o leão, representando a soberania e é onde serão estocadas as comidas,

bebidas, oxigênio e todos os demais produtos que possa garantir a sobrevivência humana. E

no terceiro e ultimo módulo, δελτίο, o touro representando a força. Nele estão armazenados

os componentes e propelentes das turbinas a jato.

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- Então, isso tudo indica que o Narciso é um homem do futuro! – Espantou-se Apolo.

- Ao que tudo indica, sim. E ele pretendia voltar para lá, usando a Chronos. –

Completou o Sr. Hélios.

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CAPÍTULO 31

Quase tudo já fazia sentido para Apolo. Mas ainda faltava o principal: o que ele,

Apolo, estava fazendo ali? Será que Cristina e Elliott ensinaram as Teorias da Relatividade

para ele propositalmente? E por fim, como ele, Apolo, poderia descobrir as tais senhas? As

perguntas poderiam ser resumidas a uma só:

- E onde eu entro em tudo isso, senhor?

- Desde ontem cedo, eu e o Narciso temos travado uma batalha para ficarmos com sua

custódia. Eu enviei a sua busca a agente Vênus, mas ela já era um fantoche do Narciso,

mesmo sem saber.

- Você está se referindo a Cristina, certo? – Perguntou Apolo, já sabendo a resposta.

- Isso mesmo. Mas eu tinha outro às na manga. E este não poderia me trair. Trata-se do

agente Saturno ou Ralph Elliott como você o conhece. Ambos te ensinaram as Teorias da

Relatividade a mando meu e de Narciso. Quando o Narciso soube que Cristina havia

falhando, enviou David Dalson.

Apolo fez uma cara de bravo e disparou:

- Esse o senhor matou.

- Eu não queria que fosse assim, garoto. O meu irmão também se sacrificou pelo

Narciso. Eu fico pensando, será que valeu a pena? Eu sinceramente não queria que as coisas

tivessem sido dessa maneira.

Ambos estavam parados pertos da parte frontal da nave Chronos. O Sr. Hélios

conduziu Apolo até o meio da espaçonave, para poder explicar melhor o problema.

- A Chronos precisa de três senhas para funcionar completamente.

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Sr. Hélios tomou fôlego e continuou:

- Uma das senhas aciona os propulsores e está situada no módulo touro, dentro da

nave. Essa senha é: “Celaeno”. Celaeno é uma das estrelas do grupo de estrelas chamada

Plêiades, que faz parte da constelação de Touro. Eu tive acesso a essa senha durante a

construção da Chronos.

- A outra senha, - Prosseguiu o Sr. Hélios com sua preleção. – abre o módulo leão.

Deve ser digitada no painel dentro da nave. O texto é: “Regulus”, e Regulus é umas das

principais estrelas da constelação de Leão. Essa senha eu roubei do banco de dados do

computador do Narciso.

Percebendo que ambas as senhas lhe pareciam familiares, Apolo interrompeu o

discurso e perguntou:

- As duas senhas são de constelações zodiacais. Certamente o módulo homem também

deve ser.

- Eu também penso que sim. Mas agora, observe que a única entrada para a Chronos

está no módulo άτοµο (homem), e o teclado para digitá-la está bem a nossa frente, do lado de

fora da nave, embutida em uma placa de altíssima resistência contra o calor e a colisão da

reentrada com a atmosfera. Ocorre que eu não sei qual é essa senha, e sem ela não conseguirei

jamais entrar lá dentro. Deste modo, se eu não conseguir essa senha correta, a nave se tornará

sem importância para mim. Somente meu irmão Jack e o Narciso sabem essa senha e ela não

estava no banco de dados do computador de nenhum deles. Meu irmão não pode mais ajudar,

pois morreu há cinco dias atrás e não me revelou esse conhecimento.

- No módulo Leão a senha é proveniente de uma estrela da constelação de Leão e no

módulo Touro da constelação Touro. Já tentou as estrelas mais brilhantes de Gêmeos e

Virgem? Eles também são constelações zodiacais e podem se referir ao homem. – Sugeriu

Apolo.

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- Não tentei ainda, mas já havia analisado a mesma coisa que você. – Respondeu Sr.

Hélios ainda cético em relação à resposta. – Estou impressionado com sua rapidez de analise

lógica. Acontece, caro Apolo, que as estrelas Celaeno e Regulus não são as estrelas mais

brilhantes de suas respectivas constelações. Essas estrelas foram escolhidas, ao que me

parece, aleatoriamente.

- Então é só testar todas as principais estrelas das constelações de virgem e gêmeos.

- Não Apolo, não pode ser assim. O Narciso colocou uma proteção contra erros. Só

podemos errar a senha uma única vez. Se errarmos duas vezes, a proteção libera a antimateria

do terceiro módulo de uma só vez, fazendo com que vários quilômetros de diâmetro ao redor

da nave sejam pulverizados.

Apolo percebeu, portanto, que se alguém digitasse a senha duas vezes errada, esse

alguém não sobreviveria. Então, se mentisse para o Sr. Hélios, afim destruir a nave para

protegê-la, ele também seria morto. Apolo começou a investigar e buscar fontes de

informações:

- Acredito que o senhor já deva ter investigado todos os dados técnicos de cada uma

dessas estrelas e constelações, buscando encontrar algum padrão ou lógica que identifique a

próxima senha. – Perguntou Apolo.

O Sr. Hélios agachou para ficar nivelado com a gaveta abaixo do único terminal da

plataforma. Abriu-a e de lá tirou uma pasta azul. Dentro da pastas havia quatro grupos de

papeis impressos e separados por clipes. Cada um deles era classificado por etiquetas. O

primeiro era touro, seguido por leão, virgem e gêmeos. Antes de entregar a pasta a Apolo, o

Sr. Hélios adiantou:

- Sim, já fiz isso. Tenho impressas todas as informações aqui. Já fiz varias analises,

juntamente com minha equipe, mas nada nos pareceu lógico.

Tomando a pasta das mãos do Sr. Hélios, Apolo disse:

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- Talvez a resposta não seja o que o senhor esteja procurando. – E colocou-se a

averiguar.

Depois de algum tempo de leitura, Apolo marcou as classificação espectral1 das duas

estrelas que já eram conhecidas. Tanto Regulus quanto Celaeno tinham classificações

espectrais do tipo B7. Vendo aquilo, o Sr. Hélios balançou a cabeça negativamente dizendo:

- Acha que seria tão simples assim. A senha do módulo homem é a senha de segurança

e jamais teria um padrão tão lógico assim. Além do mais, nem gêmeos nem virgem possuem

estrelas do tipo espectral B7.

Apolo fingiu não ter ouvido. Assim mesmo procurou na lista de estrelas de virgem e

de gêmeos alguma estrela do tipo espectral B7. Não encontrou. Mas já sabia o que procurar.

Já havia encontrado um padrão lógico implícito. Só lhe restava encontrar qual estrela seguia o

padrão.

- Posso te fazer uma pergunta? - Questionou Apolo.

- Claro. - Respondeu o Sr. Hélios.

- Porque você não foi atrás do Narciso?

- Porque ninguém sabe quem ele é. E mesmo que soubesse, ele jamais me diria a senha

nem mesmo a troco de sua própria vida.

Apolo sentiu que era o momento de virar o jogo a seu favor. Percebeu que o Sr. Hélios

precisava mesmo dele. Então Apolo parou de ter medo do seu seqüestrador e começou a

controlá-lo. Essa era uma atitude de liderança. Caminhou a passos lentos até a turbina a jato.

O Sr. Hélios o acompanhou e ficou observando. O garoto continuou seu passeio, dando mais

uma volta ao redor da nave e trazendo consigo o homem de jaleco marrom que observavam

tudo por trás de seus ombros e em silêncio. Apolo analisou cada detalhe da nave, sendo o

ultimo o coletor de senha.

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- Porque acha que eu sei essa senha? - E essa era a última resposta que Apolo esperava

ouvir hoje.

- Porque o Narciso é alguém muito próximo de você. O meu irmão Jack, antes de

morrer, indicou você como alguém que possa saber essa senha. E ele sabia a verdadeira

identidade do Narciso. Portanto devo concluir que você ainda não sabe, mas que tem todo o

conhecimento necessário para descobrir.

Apolo coçou a cabeça e fez cara de dúvida. Ele estava no controle agora. Tudo

dependia de seu conhecimento. O Sr. Hélios se mostrou agoniado:

- Vamos, me diga. Alguma dessas estrelas é familiar para você? Conseguiu descobrir

alguma pista da senha?

Por incrível que pudesse parecer, todas as estrelas tinham nomes que lhe eram

familiares. E mais, Apolo já sabia exatamente qual a senha a ser digitada no módulo Homem.

Agora restava ganhar tempo para saber o que fazer. Dar a senha ao Sr. Hélios e acabar com

toda a perseguição e ir para casa ou omitir a informação e ajudar o Narciso e Cristina? Se der

a informação, que garantia teria que o Sr. Hélios o libertaria e como isso poderia prejudicar o

Narciso? E por fim: Será que o Narciso é quem ele pensa que é?

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CAPÍTULO 32

Cristina Gomes começou a subir a montanha de onde David Dalson caíra. À medida

que subia mais difícil se tornava o trajeto. Algumas partes precisavam ser escaladas. Essa era

a melhor forma de surpreender o assassino que estava lá no cume. Ela já o espionara antes

sem obter sucesso, mas agora não era mais preciso. A identidade verdadeira do Sr. Hélios já

era conhecida. Ele é o ex-engenheiro da NASA que sumiu há dez dias atrás juntamente com

seu irmão gêmeo Jack Ousen. Prender John implicava em salvar Apolo e concluir sua missão.

Dessa forma poderia se reintegrar ao serviço secreto. Lá encima estaria Apolo Volt e John

Ousen.

Cristina amaldiçoou John por ter matado David, Jack e manter Apolo em perigo. Em

contrapartida estava contente por ter a chance de capitura-lo. A raiva por John era tanta que

passou por sua cabeça a opção de matá-lo ao chegar no topo da montanha. Suas pistolas

estavam carregadas e guardadas onde não atrapalhassem o percurso. A fadiga muscular aliada

à exaustão do turbulento dia começava a incomodar mais do que o habitual. Sua cabeça doía e

seu corpo suplicava por descanso, mas Cristina tinha um foco. Nem o limite de seu próprio

corpo poderia impedir que ela completasse ou que tentasse completar o que tinha sido

determinado por ela mesma.

Quando enfim chegou bastante perto do local onde estaria Apolo e John, Cristina

parou e repassou seu plano mentalmente até se sentir segura do que precisava fazer. Sacou seu

revolver do coldre, destravou-o e saltou rapidamente defronte onde estaria seu inimigo. Para

sua surpresa não havia ninguém lá. Talvez ela tivesse demorado muito. Permaneceu alguns

segundos imóvel, ainda com as pernas flexionadas e com as duas mãos segurando a arma. Ela

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observava tudo ao seu redor tentando imaginar para onde teriam ido Apolo e John. Depois de

analisar os rastros e demais detalhes no chão, notou o circulo branco a poucos metros dali.

Teoricamente seria um heliponto. Mas o que faria um heliponto no meio do nada?

Observando com detalhes, Cristina percebeu que os rastros indicavam que Apolo e John

caminharam até o centro do heliponto e depois até a sua borda e as pegadas acabam

exatamente neste local. Deveria haver uma passagem secreta ali. Cristina foi até o local onde

as pegadas desapareceram e examinou cuidadosamente o chão. Logo notou que o circulo todo

era uma enorme porta de entrada. Mas como entrar? Como abrir esse enorme círculo?

- Fique exatamente onde está, jogue a arma no chão e levante as mãos. – Vociferou

uma voz grave atrás de Cristina.

Ela conhecia aquela voz. Nem precisou olhar para trás para saber que era do agente

Marte. Um plano veio imediatamente à tona: fazer com que o agente a leve até John Ousen e

Apolo Volt. Para isso, deveria obedecer as ordens do agente.

- Olá, agente Marte. Eu nunca pensei que um dia eu seria pressa por você. Sempre fui

mais esperta.

Cristina pôde perceber, mesmo sem olhar para trás, que seu inimigo estava bufando de

ira. Ele odiava ser menosprezado. Mas isso fazia parte do plano. Ela continuou:

- Eu nunca acreditei que você conheceria o Sr. Hélios pessoalmente. – Enfezou ainda

mais o gigante. – Alias, ainda acho que você não o conhece.

- Cale a boca, sua impostora. Já sabemos que você é uma espiã. Sua vida não é mais

nada para nós.

Nesse momento Cristina sentiu um friozinho na espinha. Ela sabia que por mais que o

agente Marte fosse de fato calmo, ele também era impiedoso. Se não encontrasse um jeito de

enganá-lo, certamente seria morta ali mesmo.

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- Eu vim aqui para negociar com o Sr. Hélios. Já sei que ele é John Ousen e sei onde

está o Narciso.

- E o que você quer em troca? – Perguntou o agente Marte.

- Quero dez milhões de dólares. - Mentiu.

O agente deu uma gargalhada. Certamente achou que Cristina tivesse aprendido a ser

uma mercenária de verdade. Tirou um rádio do bolso interno do paletó e ajustou em

determinada freqüência. Alguém atendeu, mas Marte desligou sem responder. Voltou à

atenção para Cristina e disse:

- Eu mesmo resolvo as coisas com você. Levante-se e ande para o centro do circulo

branco.

Cristina deu um sorriso por dentro. Seu plano deu certo. O agente Marte sempre que

considerava uma informação relevante a levava pessoalmente ao Sr. Hélios. Ele com certeza

tentaria forçá-la a revelar o que sabe antes de entregá-la ao seu superior ou matá-la.

Ao chegarem ao centro do circulo, o agente manteve sua arma apontada para a cabeça

de Cristina. Com a outra mão, pegou um minúsculo controle remoto em seu bolso da calça,

apontou para uma moita a trinta metros do circulo e apertou um botão. Imediatamente o

circulo começou a descer.

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CAPÍTULO 33

Apolo Volt, que já sabia qual a senha para entrar na Chronos, analisava um meio para

negociar sua liberdade e garantir a proteção de Cristina Gomes. Pensava também em algum

modo de devolver a nave para o verdadeiro dono, o Narciso.

- Eu já sei a senha do módulo homem. Mas quero que me deixe ir. Também quero

saber de notícias de Cristina Gomes.

- Ora, mas você está muito exigente para quem só tem um simples palpite. Preciso de

algo mais sólido para negociarmos.

- E eu preciso de pelo menos uma notícia de Cristina. – Insistiu Apolo.

Fazendo sinal para que Apolo o aguardasse, o Sr. Hélios pegou seu rádio amador e

ajustou na freqüência do agente Marte.

- Agente Marte. Está na escuta?

- Sim senhor. - Respondeu.

- Tem alguma notícia de Cristina Gomes?

- Sim senhor. Ela está sob minha custódia, indo para a sala de interrogatório. Ela

estava nos espionando e eu a capturei.

- Traga-a aqui imediatamente. - Ordenou ao agente.

- Mas senhor, eu preciso interrogá-la.

- Está se negando a cumprir minha ordem, agente?

- Não senhor. Já estou indo. - Resmungou e desligou.

O Sr. Hélios olhou para Apolo que escutava tudo e disse:

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- Pronto garoto. Sua amiguinha está bem aqui na minha base, sob minha custódia, e

vindo para cá. Agora me diga o seu palpite e a respectiva conclusão lógica que o levou a ele, e

eu os libertarei.

- Vamos aguardá-la e então te direi.

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CAPÍTULO 34

O agente Marte estava indignado consigo mesmo, por ter dito a verdade sobre Cristina

antes de interrogá-la e também com o Sr. Hélios por lhe repreender. Todo o seu mérito por ter

capturado a espiã iria por água abaixo, caso outro alguém a interrogasse.

- Teve sorte, mocinha. - Ele disse para Cristina. - O Sr. Hélios quer te ver.

Cristina absteve-se em responder. Percebeu que estavam em um local deserto dentro

da base. Ela precisava de uma oportunidade para se aproximar do agente, pois em uma curta

distância seria fácil imobilizar Marte ou pelo menos tirar-lhe a arma. Mas ele sempre se

mantinha a mais de cinco metros e com a arma apontada para as costas de Cristina.

- Lembrasse quando alguém injetou tinta azul nos seus bolinhos de chocolate? – Ela

perguntou.

- É claro que me lembro. Todo mundo riu de mim. Não me diga que foi você?

Cristina deu uma risada provocativa e acrescentou:

- Também fui eu que colei o adesivo de “Otário” na parte de traz de seu terno antes de

uma reunião na Colômbia.

O agente Marte ficou furioso. Tremia de ódio. Aproximou de Cristina para dar-lhe

uma pancada na cabeça, mas quando estava a um metro, Cristina saltou girando o corpo no ar

e chutando a mão do agente que segurava a arma. O revolver voou para mais de dez metros

deles. Agora ambos estavam desarmados, frente a frente e em posição de luta. Cristina sabia

lutar muito bem, mas o agente também. Estilos diferentes, mas igualmente mortíferos. Ambos

se estudavam sem mover um único músculo. Joelhos flexionados, punhos cerrados, expressão

de raiva e muita concentração. Cristina sabia que Marte não tinha velocidade como ela, mas

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tinha uma força física descomunal. Precisava atacar sempre à distância. Se ele a agarrasse,

seria o fim da luta e ela perderia.

Marte correu para cima de Cristina, tentando derrubá-la e lutar no solo.

Instintivamente, Cristina esquivou-se e golpeou as costas do agente quando ele passou direto,

que caiu e levantou-se sem pressa. Ela manteve a distância e a atenção na batalha. O agente

parecia ter perdido a vontade em lutar. Ele tirou o paletó do terno e o colocou lentamente no

chão. Ainda com muita paciência, o agente afrouxou a gravata e começou a dobrar as mangas

da camisa. Com isso ele ganharia alguma velocidade e liberdade de movimento.

Cristina não se movia enquanto presenciava todo o ritual de seu oponente. Ele jamais

esperaria uma investida de Cristina, por isso se movia com tanta lentidão. Mais uma vez, ela

pensou rápido e usou a surpresa a favor de si mesma. Cristina correu em direção ao agente,

mas ao se aproximar virou o corpo para a parede ao lado e saltou em sua direção. Bateu um

dos pés contra a parede, usando-os como mola, e tomou impulso para o lado contrario, em

direção ao seu. O agente que estava perdido com a surpresa do ataque e do desvio inesperado

levou outro golpe violento, desta vez na barriga. Ele caiu de costa sentindo muita dor. Ela não

ficou parada, correu em direção à arma que antes estava na posse do agente Marte.

- Você sempre me subjugou, e sempre se deu mal com isso, agente Marte. Sua

fraqueza sempre foi achar que é melhor do que todo mundo.

- Você ainda não venceu. – Ele respondeu murmurando. - Essa base está cheia de

homens do Sr. Hélios. Se sair por aquela porta não conseguirá chegar até o Sr. Hélios com

vida.

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CAPÍTULO 35

Enquanto aguardavam pelo agente Marte e Cristina Gomes, um garoto de dezesseis

anos e um homem de jaleco marrom e chapéu panamá se encaravam. Pareciam duelar. Seus

olhares intimidavam um ao outro. Suas mentes brilhantes calculavam possíveis vitórias. Seus

corpos permaneciam inertes, como se não fizessem parte da batalha. Apolo não sabia o que

fazer ao certo, mas tinha uma vantagem. Ele possuía a informação que seu oponente

precisava. Por isso estava ali.

- Me diga uma coisa, Apolo. Porque acha que sabe a senha?

- Eu nunca disse que acho que sei. Estou convicto que tenho a resposta! – Gabou-se

Apolo ao responder.

O Sr. Hélio fez uma cara de contente. Mas ele ainda não acreditava que Apolo poderia

saber a resposta. Havia milhares possibilidades de respostas. Poderia ser a posição geográfica

das estrelas, mapas estelares ou classes espectrais. Ou ainda o brilho, cor, distância da Terra,

ou alguma outra coisa qualquer. Mas se processadores passaram dias analisando todo o tipo

de combinações e variações e encontraram ou milhares de respostas possíveis ou nenhuma,

dependendo do que estava sendo analisado, porque um garoto conseguiria com tanta

facilidade? Ele só pode estar blefando. Pensou o Sr. Hélios.

- Eu não acredito em você, Apolo. Não sei o que está pretendendo, mas se não me der

um excelente palpite juntamente com uma excelente explicação, vou começar a ficar bravo.

O Sr. Hélios já estava irritado. Quando terminou de fazer sua ameaça, Apolo pôde

percebê-lo mordiscando os próprios beiços e apertando os dedos dentro de sua própria mão.

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Ele tirou o jaleco e procurou algo no bolso. Tirou de lá dois charutos. Pôs um na boca e o

segurou com os lábios enquanto guardava o outro e dizia para si mesmo, em voz alta:

- Esse último é para celebrar a minha conquista.

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CAPÍTULO 36

Cristina não sabia ao certo o que deveria fazer, mas sabia que qualquer coisa que

fizesse seria arriscado. Mantinha a arma apontada para a cabeça do agente Marte enquanto

pensava em como chegar até o Sr. Hélios e Apolo. A base estava cheia de homens. A maioria

eram cientistas e doutores, mas também haviam seguranças. Só havia uma coisa para a fazer.

- Levanta-te, agente Marte. Você me levará até o Sr. Hélios. - Ordenou Cristina,

posicionando-se atrás do agente. - Se fizer algum sinal para qualquer pessoa, eu descarrego

todas as balas dessa pistola nas suas costas.

O agente Marte sabia que Cristina era tão violenta em ação quanto era meiga em

situações descontraídas. A ameaça feita era verdadeira. Ela realmente atiraria se precisasse.

- Não se preocupe garota. Eu te levarei lá, mas te garanto que não sairá daqui com

vida.

- Deixe que com isso eu me preocupe. Agora só preciso que me leve até seu chefe.

O agente guiou sua antiga subordinada pelos corredores da base. Ela não mantinha

distância de seu prisioneiro. A arma estava agora por debaixo do casaco de Cristina, mas

continuava encostada nas costas do agente. Ele sentia o cano fazendo pressão em sua pele e

em seu estado psicológico. De qualquer forma, Marte estava cumprindo as ordens do Sr.

Hélios. Ele estava levando a ex-agente Vênus para o chefão. Mas o que mais preocupava o

agente Marte era a condição de refém. O Sr. Hélios jamais trocaria a vida de Marte pela de

Apolo ou a sua própria. E quando ele não fosse mais útil para Cristina, talvez ela o matasse.

Ele precisava negociar.

- Você vai me matar? Sabe que não sou moeda de troca como refém.

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- Você só é útil para me conduzir até o seu chefe. Se tiver alguma informação

pertinente que possa trocar pela sua vida comece a falar.

O agente Marte antes de tudo era um velho traficante de informações, perito também

em táticas de chantagem e tortura. Agora ele só poderia se safar da morte usando sua

habilidade de vendas de informações. Então começou a relatar tudo que sabia para Cristina.

Ela fazia perguntas em meio ao turbilhão de informações transmitidas pelo seu refém e ele

respondia polidamente sem pensar. Agora ela chegaria até o Sr. Hélios sabendo o porquê

Apolo tinha sido trazido para cá. Quase tudo já fazia sentido.

- Quando chegarmos ao Sr. Hélios, te prendo as mãos e pernas com algemas para não

precisar matá-lo. - Disse Cristina.

O agente Marte sentiu alívio por ter sua vida poupada. Depois se entenderia com o Sr.

Hélios. Agora sua vida era a prioridade.

- Obrigado agente Vênus. Eu não faria o mesmo.

- Não estou fazendo isso por você, agente Marte. Faço pela minha consciência. A

propósito, eu não sou mais agente Vênus. Pode me chamar de Cristina se não quiser que eu

mude de idéia sobre matar você.

Cristina e agente Marte passavam despercebidamente entre os funcionários e

seguranças do local. Era um procedimento comum o agente conduzir os convidados pela base.

Alguns olhavam desconfiados ou curiosos admirando a bela moça que seguia o agente.

Desceram escadarias até chegarem a uma enorme porta de aço. Pararam. O agente pareceu

hesitar em entrar, mas Cristina cutucou suas costas com o metal frio do revolver e ele

começou a digitar uma senha no teclado ao lado da porta. A porta se abriu lentamente fazendo

um ruído ensurdecedor. No centro da sala a frente da porta, Cristina notou uma enorme

espaçonave, cercada por cubículos em formato sextavado. Não era possível reconhecer

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ninguém lá perto da nave, devido à distância, mas pelo tamanho e cor da camisa um deles era

Apolo. O outro certamente seria o Sr. Hélios. Cristina olhou para o agente e disse:

- Seu passeio terminou aqui.

O agente transpirava frio sem saber se Cristina cumpriria sua promessa ou se o

mataria. Olhando para frente, o agente fechou os olhos e esperou pela conclusão de sua antiga

parceira de campo. Eles não se davam muito bem. Alias o agente Marte não se dava bem com

nenhum de seus subordinados. E nesse momento ele arrependeu-se de ter sido tão autoritário e

ditador.

- Você tem um último pedido? - Perguntou Cristina.

O agente permanecia de costas e não respondeu a pergunta. Seus olhos ficaram

vermelhos. Ele estava tremendo.

- Comece a rezar. - Sugeriu Cristina.

- Você sabe que eu sou ateu.

- Eu sei. Só estava brincando. - Cristina desferiu um golpe violento na cabeça do

agente Marte que caiu desmaiado.

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CAPÍTULO 37

No centro da base secreta do Sr. Hélios, a nave espacial Chronos ornamentava o

gigantesco salão principal. Um homem fumando charuto e um garoto estavam inertes,

afundados em pensamentos. Aguardavam que o agente Marte trouxesse sua refém. A refém

seria trocada pela informação que Apolo Volt tinha sobre a senha que abriria a nave.

Enquanto aguardavam, Jonh Ousen – que era também conhecido por Sr. Hélios – investigava

Apolo, a fim de averiguar a autenticidade da informação que Apolo dizia ter.

- Apolo, como foi que você descobriu a senha? Do que se trata?

- Saberá quando Cristina estiver sã e salva.

- Ora, me dê uma dica. Não precisa me contar a senha. Apenas me dê uma dica. Estou

ansioso.

- É simples. Você está procurando de forma errada. Não se trata de configurações, ou

de magnitude, nem de brilho, nem de qualquer aspecto físico sobre estrelas. As estrelas

apenas estão sendo um parâmetro para o criptograma1.

O Sr. Hélios começou a perceber que Apolo tinha razão. A mensagem escrita por Jack

também havia sido um criptograma, enquanto todos que pensavam se tratar de enigmas ou

cálculos. A equipe do Sr. Hélios jamais teria descoberto, se não tivessem comprado a

informação de Elliott.

- Criptograma? Fale mais sobre ele.

Apolo nada respondeu. O Sr. Hélios manteve o silêncio e o olhar penetrante. Parecia

ter entendido que Apolo não queria responder agora.

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CAPÍTULO 38

Cristina Gomes caminhava em direção à nave Chronos. Ela seguiu o caminho sem que

ninguém a impedisse. Ao invés disso, alguns a cumprimentavam achando que fosse alguma

nova contratada, outros a paqueravam passando alguma cantada. Sua arma estava guardada na

cintura, embaixo da blusa. Seu semblante era sério. Seu objetivo era apenas um: salvar Apolo

Volt. Quando se aproximou da plataforma um segurança pôs-se a sua frente impedindo-a

continuar. Passou pela sua cabeça explicar o motivo de sua entrada, mas achou melhor usar a

violência. Sacou sua pistola e apontou para a cabeça do homem a sua frente. O segurança

levantou os braços musculosos e Cristina aproveitou a situação para chutar as partes baixas do

homem. Um golpe inesperado que deixou o grandalhão gemendo de dor no chão. Ela pegou

uma algema na cintura do segurança e o prendeu em uma grande. Agora só restava passar por

uma porta e subir os degraus até o topo da plataforma. E assim o fez.

Quando chegou ao final da escadaria, abaixou-se para não ser vista. Olhou

cautelosamente por toda a área e viu que Apolo estava de costas para ela, do outro lado da

plataforma, atrás da nave Chronos. Mas o Sr. Hélios não estava em parte alguma que pudesse

ser vista. Ela caminhou lentamente, nas pontas dos pés, até a nave para poder olhar onde não

conseguia anteriormente. Começou a contornar a nave sem fazer nenhum barulho que pudesse

denunciá-la. Precisava ser rápida antes que alguém notasse o segurança preso ou o agente

Marte desmaiado. Cada vez sua visão era mais ampla, mas ainda não via o Sr. Hélios em

nenhum lugar. Aproximar-se de Apolo poria tudo a perder. Era mais cauteloso esperar até que

o Sr. Hélios estivesse a sua vista.

Subitamente uma voz ecoa atrás de Cristina:

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- Levante os braços e solte a arma, senão atiro.

Cristina não conheceu a voz, mas certamente seria o Sr. Hélios. Ela sabia que se não

jogasse a pistola ao chão imediatamente, ele atiraria mesmo. Então o fez. Ficou

completamente indefesa e de costas contra seu oponente. Pensou no pior.

Nesse momento entrou dois homens armados a procura de Cristina. Ambos miraram

suas submetralhadoras para ela. A situação era crítica. O Sr. Hélios deveria estar furioso por

descobrir que ela era uma espiã dentro da sua organização.

O Sr. Hélios olhou para os seguranças e ordenou:

- Dêem o fora daqui e não voltem até eu chamar.

Quando os guardas saíram, ele direcionou sua voz suavemente para Cristina:

- Seja bem vinda a minha base de operações secretas, Cristina. Apolo e eu estávamos

te aguardando. Levante e caminhe até o terminal em frente ao garoto, por favor.

A passos lentos, Cristina fez o que o homem ordenou. Passou por Apolo e percebeu

que este estava sentado em uma posição totalmente confortável, com as pernas cruzadas e

braços esticados para trás. Seu semblante também era de despreocupação total, como se ele

desse as ordens por aqui.

O Sr. Hélios foi até o painel de abertura da nave, manteve sua arma apontada para

Cristina e perguntou:

- Apolo, me diga agora a senha da Chronos senão atiro em Cristina e depois em você.

Apolo permanecia sentado em sua cadeira. Levantou-se e aproximou-se do Sr. Hélios.

- Eu disse que só diria quando Cristina estivesse a salvo.

Um projétil foi disparado e passou a menos de um metro da cabeça de Cristina. O

disparo tinha sido só um aviso para Apolo. Cristina agachou-se, fechou os olhos e pôs as duas

mãos na cabeça, demonstrando o medo que sentia. Apolo nem piscou. Disse em alto e bom

tom:

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- A senha é “h-e-z-e“.

- O que significa? - Perguntou o homem apontando a arma para Apolo. - Porque eu

deveria acreditar nisso?

- Heze é uma estrela da constelação de Virgem. - Disse Apolo

- Mas o que essa estrela tem haver com as outras? Como sabe que ela mesma?

- As duas outras senhas possuíam apenas uma coisa em comum, o tipo espectral B7.

Percebi que o tipo espectral B7 na verdade indica um criptograma.

- Ainda não entendi completamente? Falou com impaciência.

- Ora, a letra B, referente às classes espectrais, também pode ser entendida como

segunda letra do alfabeto. E veja que em ambas as senhas, Regulus e Celaeno, as segundas

letras são iguais, ou seja, a letra E. Isso é uma indicação que a segunda letra do alfabeto e das

senhas conhecidas são iguais. Uma analogia em forma de criptograma.

- Mas e o número 7? O tipo espectral era B7. - Questionou.

- Ah sim. Trata-se a uma outra indicação. Quem fez o criptograma preocupou-se em

deixar uma dupla indicação para não haver dúvidas. O número 7 refere-se à quantidade de

letras das senhas conhecidas. Tanto Regulus quanto Celaeno possuem sete letras. Assim B7

refere-se às duas únicas coincidências das senhas conhecidas, ou seja, a segunda letra e a

quantidade de letras.

O Sr. Hélios e Cristina ficaram abismados. O garoto realmente possuía um senso

lógico impressionante.

- Tudo bem, faz sentido. Mas na constelação de Virgem e nem na de Gêmeos, que se

referem ao homem, não possuem nenhuma estrela dessa classificação. - O Sr. Hélios lembrou-

se. – Eu já havia procurado esse padrão, que seria obvio demais. E ainda resta saber como a

palavra “Heze” se encaixava nisso tudo, já que não era da classe espectral B7 nem possuía

nenhuma das coincidências das duas outras senhas.

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- Exatamente. Mas antes de tudo quero que notem que ele pretendia fazer ou fez um

coletor de senha por reconhecimento de voz. Prova disso é que existe um microfone ao lado

do teclado, para receber comando de áudio. - Apolo apontou para o minúsculo receptor de

áudio do lado direito do teclado do lado de fora da nave.

- E qual a relevância disso? – Perguntou o Sr. Hélios.

- A relevância é que ele escreveu a senha Heze sem o “H” pois o “H” não tem valor

algum de som ou ruído no alfabeto português.

- Após um pequena espera até que os ouvintes entendessem perfeitamente o valor do

“H”, Apolo continuou:

- Essa última senha é uma senha de segurança, como o senhor mesmo havia me dito.

Por isso ela segue a mesma lógica das anteriores, mas com uma classe espectral diferente. A

estrela Eze é do tipo espectral A3. Isso quer dizer que possui o mesmo padrão do criptograma

anterior, pois como antes a letra “A” representa a primeira letra do alfabeto. Isso indica que a

primeira letra da palavra “eze” tem que ser igual a segunda letra das outras duas senhas:

Regulus e Celaeno, em função da indicação da letra espectral, ou seja, classe “A” em Eze

indica a letra “E” e classe “B” em Regulos e Celaeno, indicam novamente a letra “E”.

O Sr. Hélios, quando entendeu tudo, conclui o raciocínio de Apolo:

- E o número 3 indica que a senha deve ter 3 letras, E-Z-E, da mesma forma que o

número 7 indicava a quantidade de letras de Celaeno e Regulus.

- Perfeito. - Impressionou-se Cristina.

Apolo apenas observava de braços cruzados, sabendo que não daria certo, mesmo

tendo falado a senha correta.

O Sr. Hélios começou a digitar a senha e apertou o botão “confirmar”. Em uma tela de

cristal líquido apareceu à resposta: “SENHA INCORRETA”. A primeira tentativa havia sido

perdida. Só restava mais uma chance. O Sr. Hélios ficou irritadíssimo. Pegou na gola da

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camiseta de Apolo e o pressionou contra a parede da nave. Encostou o cano da pistola da testa

de Apolo e esbravejou:

- Ta achando que isso é uma brincadeira? Vou te mostrar que não é. - Virou nos

calcanhares e apontou a revolver para Cristina, mas antes de atirar Apolo gritou:

- Espere! Não atire. Eu dei a resposta certa, mas você a usou de forma errada.

Tremendo de raiva pela primeira vez, o Sr. Hélios parou no tempo por um momento.

Parecia estar decidindo se atiraria primeiro e depois ouviria a explicação ou se ouviria

primeiro e depois decidiria o que fazer. Escolheu a segunda opção.

- Então me explique isso melhor. Tem trinta segundos para me convencer. – Ele olhou

para seu relógio de pulso para marcar o tempo.

Apolo precisava ganhar tempo. A resposta estava certa, mas havia uma peculiaridade

que ele intencionalmente deixou passar. Agora se Apolo indicasse uma reposta errada, todos

que estavam naquela estação morreriam e a nave seria destruída. O Sr. Hélios estava nervoso

demais para avaliar isso. O primeiro passo era retomar as rédeas da situação.

- Lembre-se, senhor, que se inserir outra senha errada, a nave explodirá e todos

morreremos.

Um repentino relaxamento tomou conta do Sr. Hélios após uma profunda inspiração

que lhe encheu os pulmões de ar, seguida por uma expiração também longa. Ele já havia gasto

muito recursos para chegar a esse ponto. Agora era hora de finalizar sua batalha. Levou a

outra mão até a parte inferior da pistola e puxou o pente de balas para fora de seu encaixe.

Jogou-o para longe si e guardou a arma em sua cintura.

- Cristina, dê o fora daqui. – Sugeriu o Sr. Hélios. - Leve um walkie-talkie1 para

certificarmos que esteja longe e em segurança. Dar-te-ei trinta minutos para isso e

comunicarei a toda a minha equipe para que lhe forneçam um carro.

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- Eu jamais abandonarei Apolo. Levá-lo aos Estados Unidos faz parte de minha missão

e pretendo completá-la a qualquer custo.

Com um sorriso nos lábios, o Sr. Hélios virou-se nos calcanhares e deu de ombros:

- O que devo fazer, Apolo?

A simples condição calma e aparentemente diplomática que o Sr. Hélios agora

demonstrava já era bom sinal. Poderíamos continuar. A situação já estava controlada.

- A única razão para ter sido tirada a letra H da senha é que ela seja mesmo um

comando por voz. O teclado talvez seja uma segurança no caso de falha do microfone. Mas

agora temos apenas uma chance de inserir a senha certa.

- Não entendo a preocupação. Se estiver certo que a senha é “eze”, basta ... - O Sr.

Hélios fez uma pequena pausa percebendo o grande problema.

- Isso mesmo. Devemos dizê-la ao microfone, mas o grande problema é que muitos

comandos por voz só atendem às combinações de palavras e timbre de voz específicos de

quem o gravou. Teremos que encontrar alguém que tenha o mesmo timbre do Narciso e o

mesmo sotaque, se é que o senhor já o ouviu falar.

- Sim, eu me recordo bem. A voz dele se parece com a minha.

- Receio que isso não seja o bastante. – Falou Cristina em voz alta do fundo da

plataforma. - Qualquer diferença de sotaque na pronúncia será interpretando como erro.

Agora o problema foi dividido em dois. Se antes o Sr. Hélios não sabia a senha, agora

ele a conhecia, mas ele próprio não poderia usá-la. Apesar de falar o idioma português

fluentemente, ainda tinha fortíssimo sotaque inglês. Cristina e Apolo falavam português

fluente, mas seus timbres de voz eram muito diferentes dos de um homem adulto. Precisavam

de alguém com timbre de voz de homem adulto e com pronúncia em português fluente.

Ninguém na base teria as características necessárias. Ninguém era elegível para a missão.

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Subitamente a campainha da plataforma indicava um alerta de emergência. O Sr.

Hélios atendeu rapidamente o interfone:

- Senhor, estamos sendo invadidos. Fuja antes que seja tarde. - Alguém falou ofegante

e desligou a comunicação.

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CAPÍTULO 39

Todos os ocupantes da base estavam alvoroçados. A sirene ensurdecedora agredia seus

ouvidos. Luzes vermelhas piscavam em alerta. Os seguranças punham-se em tocaias,

apontando suas armas para a única entrada. A gigantesca porta de aço fechou-se lentamente,

trazendo algum alivio aos ocupantes da base. Os cientistas se trancavam em seus cubículos

hexagonais, mesmo sabendo que isso não lhes ofereceria nenhuma segurança extra. Alguns

rezavam, outros se armavam, outros apenas se sentavam angustiados aguardando o desenrolar

dos fatos.

Paredes de vidro temperado ergueram-se em volta da plataforma, lacrando

hermeticamente os ocupantes e liberando oxigênio de frestas no chão. Agora ela se parecia

com um enorme aquário de seis lados. Certamente essa era a configuração de segurança da

base e a plataforma seria, de acordo com o que poderia ser observado agora, o lugar mais bem

protegido.

- Avisei o Narciso antes de entrar aqui, através de David Dalson. Essa deve ser a

equipe dele. – Falou Cristina desafiadoramente.

- Sim, certamente é. Mas não creio que ele tenha alguma chance de entrar nessa sala. E

se entrar, jamais atravessará essas paredes de vidro temperado de alta resistência. Ouso a dizer

que esse vidro é mais resistente que o aço.

A guerra do lado de fora do “aquário” estava para iniciar, pois a porta de aço havia

sido aberta pelos invasores. Logo, rajadas de metralhadoras e explosões destruíam todos os

objetos do enorme salão. Alguns projéteis colidiam violentamente contra o vidro do

“aquário”, assuntando seus ocupantes. Uma densa cortina de fumaça arremetia-se de bombas

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de gás, dificultando a visão daqueles que não usavam mascaras e, portanto, tornando a

vantagem dos invasores ainda maior. Muito tempo depois, vários seguranças locais já estavam

mortos, com sangue espalhado por todos os lados, juntamente com seus corpos mutilados. O

barulho da guerra extinguia-se aos poucos. A equipe do Sr. Hélios já estava derrotada e vários

se entregavam, priorizando suas próprias vidas. Outros ainda lutavam por sua honra, mas os

invasores possuíam equipamento muito superior. Quando enfim todo o barulho pereceu, a

equipe do Narciso entrou e tomou conta da base. Prenderam os que se entregaram. O líder do

grupo aproximou-se do vidro da plataforma e olhou com repudia ao Sr. Hélios. Disparou três

tiros no vidro. Os projeteis ricochetearam como se estivessem jogando pedra em uma porta de

aço. Nenhum arranhão. Tirou um rádio de sua cintura e comunicou com seu superior:

- Senhor Narciso, a situação está conforme previu. Aguardo novas instruções.

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CAPÍTULO 40

Ignorando a parte de fora da plataforma, o Sr. Hélios sacou a pistola do coldre

pendurado em seu lombo e correu em direção ao pente de balas que havia jogado fora. Ele

precisava de reféns. A situação havia ficado crítica. Cristina percebeu e correu na mesma

direção tentando impedi-lo. Ela estava um pouco atrás de seu inimigo, portanto, quando se

aproximou o suficiente, saltou em direção ao pente e conseguiram chegar juntos. A poucos

centímetros em sua frente, Cristina esticou-se e pegou o objeto, mas o Sr. Hélios pisou com

força sobre sua mão.

- Eu ainda tenho uma bala na agulha do meu revolver. – Disse ele apontando a arma

para a cabeça de Cristina. – Largue o pente ou mato você e pego do mesmo jeito.

Ela hesitou. Ela sabia que um homem acuado seria realmente capaz de qualquer coisa,

mas se o Sr. Hélios conseguisse o pente com balas, faria Apolo de refém e talvez escapasse

impune. Cristina largou o pente. Parecia saber o que fazer. Impedir seu rival era apenas uma

distração rápida que poderia ter custar a sua própria vida, entretanto isso era imprescindível.

O Sr. Hélios pegou o pente de munição que acabara de cair da mão de Cristina e o

acoplou na parte de baixo de sua pistola. Atirou friamente na perna de Cristina para garantir

que ela não mais o atrapalhasse. Ele estava disposto a tentar abrir a nave a qualquer custo.

Virou sobre seus calcanhares e ficou cara a cara com Apolo, tendo a nave atrás deste. Apolo

era o último obstáculo e sua utilidade espiralou no momento em que revelou a senha.

- Fique quieto, garoto. – Disse o Sr. Hélios com ódio no olhar. Ele apontou sua arma

para o peito de Apolo e caminhou em sua direção, certo de que já tinha seu refém.

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Um barulho ensurdecedor desviou todas as atenções para a parede de vidro do fundo.

O comandante da invasão havia atirado de bazuca contra o vidro da plataforma que agora

jazia em cacos no chão. Uma quantidade enorme de pontos de luz vermelhas, provenientes

das miras laser dos agentes de Narciso, estavam sendo apontadas para o Sr. Hélios, mas este

permanecia parado, olhando para trás de si e apontando sua pistola para Apolo.

- Agora eu não tenho mais nada a perder. – Gritou o Sr. Hélios correndo para detrás de

Apolo fazendo-o de refém.

Curiosamente os pontos lasers dos rifles foram desviados. Um megafone anunciava

um acordo:

- Sr. John Ousen, liberte o garoto e o deixaremos ir. Só queremos a nave de volta e o

garoto vivo, em troca te daremos um meio de transporte veloz para fugir.

Andando para trás, John Ousen conduziu sua vítima até o centro da plataforma, onde

estava a nave. Agachou atrás de Apolo e abriu uma tampa, tendo acesso a um painel de

controles secreto. Puxou uma alavanca e a plataforma começou a se erguer rapidamente.

Alguns soldados tentaram inutilmente pular para alcançá-la. Quando a plataforma atingiu

mais de oito metros de altura, a cúpula superior abriu-se em movimento giratório, permitindo

uma passagem de formato hexagonal, que era o exato formato onde estavam. Apenas Cristina

e Apolo faziam companhia ao Sr. Hélios no seu inusitado elevador. Pararam no andar onde

estavam os helicópteros e a única porta para adentrar esse salão foi lacrada pela própria

plataforma que agora estava exatamente na frente da entrada.

Cristina observou ao seu redor. Percebeu que havia um segurança estirado no chão,

provavelmente morto. Levantou-se com dificuldade e andou puxando a perna baleada na

direção do cadáver. Obviamente ela desejava pegar sua arma. De longe o Sr. Hélios a

advertiu:

- Mais nenhum passo ou atiro em você.

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- Você não tem mais balas. – Ela gritou de volta sem se virar para trás.

O Sr. Hélios puxou o gatilho varias vezes e frustrou-se ao ouvir o som da pistola

desarmada. Ele ficou imóvel, sem acreditar na perspicácia de Cristina. Apolo aproveitou para

golpeá-lo na barriga, derrubando seu antigo seqüestrador e libertando-se.

Ao pegar a arma, Cristina aproximou-se do homem abatido no chão e explicou:

- Quando eu saltei para disputar o pente de balas, eu estava com meu pente vazio na

mão. Apenas empurrei o pente com balas e este caiu no vão perto do vidro da plataforma, mas

você nem percebeu porque foi tudo muito rápido. Aí você me fez o favor de gastar sua última

bala, que estava na agulha da arma, atirando na minha perna, então não sobrou nada.

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CAPÍTULO 41

De volta ao Brasil, na capital do estado de Minas Gerais, em um hangar particular de

onde chegaram a pouco, o comandante da equipe de resgate explicava para Cristina e Apolo

tudo que sabiam e como chegaram a base do Sr. Hélios.

- Somos um grupo de resgate contratados por um homem de codinome Narciso.

Recebemos ordens para ir para Guatemala e aguardar um chamado do vice-presidente dos

Estados Unidos. Ouvíamos e rastreávamos a posição dele e sempre mantivemos uma equipe

por perto. Quando ouvimos o disparo contra ele, avançamos com uma equipe médica e outra

equipe de resgate militar. O senhor David Dalson foi rapidamente socorrido, mas infelizmente

não sobreviveu.

Cristina e Apolo entristeceram-se com a notícia. Contudo, o comandante continuou:

- Após resgatar o Sr. Dalson, recebemos novas ordens para também salvar o garoto

Apolo e prender John Ousen. Sabíamos que ambos estavam juntos, pois ouvimos pelo

microfone de Dalson, e também sabíamos que Cristina Gomes estava nos ajudando. Eles não

poderiam estar longe. Usamos detectores de metais e óculos especiais que nos permite

observar em vários espectros eletromagnéticos diferentes e descobrimos a entrada para a base

militar de John Ousen, mais conhecido como Sr. Hélios. Invadimos, encontramos vocês dois e

os trouxemos a salvos para cá, a pedido do próprio Narciso.

- E onde está esse tal de Narciso? O que ele quer conosco? Qual a ligação dele com

tudo isso? – Perguntou Apolo.

- Ele está na sala ao lado, esperando por vocês. – O comandante disse apontando para

a porta a frente deles todos.

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CAPÍTULO 42

Apolo segurou a maçaneta da porta. Girou-a, mas não empurrou. Dezenas de

possibilidades passavam pela sua cabeça. Tudo parecia estar claro, mas surgiu esse novo

enigma. Quem é ele? Essa era a pergunta mais freqüente que Apolo fazia para si mesmo.

Empurrou a porta e o tempo pareceu passar em câmera lenta. O que era o tempo afinal? Essa

pergunta parecia inda mais complicada de ser respondida agora, depois de ver o interior da

sala. Cristina observava tudo por detrás dos ombros de Apolo. A primeira coisa que viram

ficaria registrada em suas memórias como o momento mais impressionante de suas vidas.

Difícil de acreditar, impossível explicar. Cristina tentou achar uma explicação lógica consigo

mesma. Apolo sabia que era real. Apenas não compreendia como.

- Por favor, entrem e fiquem a vontade. – Disse o homem que estava em pé, de frente

para Apolo e Cristina.

Ninguém se moveu. Cristina estava boquiaberta. Parecia um boneco de cera. Apolo

olhava o homem de cima em baixo, examinando todos os detalhes, principalmente do rosto.

Não era fácil acreditar em quem estava ali, bem a sua frente, conversando com ele.

- Quem é você? – Perguntou Apolo, mesmo sendo obvia a resposta.

- Ora, ora, Apolo. Sou exatamente quem você acha que eu sou.

Foi então que Apolo adentrou à sala e parou a alguns centímetros de seu benfeitor. A

cena chocou Cristina. Ela jamais acreditaria se não estivesse vendo. Estava diante de um

milagre da física. Não se conteve e perguntou:

- Apolo é um clone seu?

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Essa era a justificativa mais plausível para a cena. Apolo estava diante de si mesmo,

porém o outro era mais velho. A mesma fisionomia, o mesmo rosto, a mesma voz, o mesmo

cabelo, o mesmo tamanho. Se o Narciso tivesse sido clonado a dezesseis anos atrás, essa cena

seria perfeitamente possível.

- Não Cristina. É muito menos simples do que isso. Apolo sou Eu e Eu sou Apolo.

Estamos frente a frente nos vendo porque estou a trinta anos atrás de minha idade

cronológica. Em outras palavras, voltei trinta anos no tempo.

- Mas isso é tecnologicamente impossível! Sabemos que ir para alguns nanosegundos1

do futuro é fácil através das altas velocidades ou de campos gravitacionais intensos, segundo

as teorias da relatividade. Mas voltar ao passado é praticamente impossível.

Narciso sorriu e passou um de seus braços sobre o ombro de Apolo girando o corpo

dele para a mesma posição que o seu, ficando assim, ambos de frente para Cristina.

- Observe bem, Cristina, e repita que o que está bem diante de seus olhos é impossível.

Mantendo a posição fraternal, Narciso conduziu Apolo até uma poltrona e lhe ofereceu

o assento. Ele aceitou.

- Sente-se também Cristina. – Narciso sugeriu.

Apolo não sabia o que perguntar, embora isso fosse a coisa mais natural em situações

como essa. Sua cognição lógica o fazia apenas observar atentamente o aspecto físico do

homem ao seu lado. Uma cicatriz e uma pinta no antebraço esquerdo, orelha direita com um

pequeno defeito físico; tudo isso eram comum a ambos, e mostrava evidencias muito forte de

que eram de fato a mesma pessoa.

- Mas como você voltou no tempo? - Apolo e Cristina perguntaram juntos.

- Não vou entrar em questões técnicas nem revelar peculiaridade do futuro. Mas posso

lhes dizer que não vim pra cá em uma nave espacial ou de qualquer maneira que tenha

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interferência do ser humano, e sim o próprio universo me permitiu isso. Não foi também uma

viagem proposital.

Toda a história do Projeto Chronos começava a fazer completo sentido para Apolo e

Cristina.

- Por isso você construiu a máquina do tempo? - Perguntou Apolo. - Você deseja

voltar para o futuro usando a nave espacial Chronos!

- Exatamente. Nesse tempo que estamos agora, a tecnologia disponível já me permite

fazer uma viagem ao futuro sem violar nenhum principio já descoberto. Tive que acrescentar

algum conhecimento tecnológico que ainda não existe, mas o mantenho em completo sigilo.

Não devo de forma alguma criar paradoxos temporais para não interferir no meu futuro

relativo.

Cristina intercedeu imediatamente:

- Mas você já está mudando o seu passado simplesmente estando presente nele. E você

ainda gerou diversos eventos inventando a espaçonave. Seu passado já é diferente e o futuro

tende a ser também.

- Muito bom raciocínio Cristina. Tenho certeza que a primeira vez que isso aconteceu

o futuro de fato foi mudado. Mas todos esses eventos já aconteceram. Quando eu tinha

dezesseis anos de idade, eu estava sentado naquela poltrona tendo essa conversa. - E apontou

o dedo para Apolo. - Vivi exatamente a mesma experiência que Apolo está vivendo agora e

ouvi, pelos ouvidos dele, a mesma coisa que estou falando agora.

- Então você sabia que tudo daria certo? - Perguntou Apolo.

- Sim. E sabia também que você iria perguntar isso. E também sabia o que eu mesmo

iria dizer. Contudo, pode acreditar, tudo parece espontâneo para mim.

- E como fez para construir a máquina e ganhar tanto dinheiro? Perguntou Cristina.

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- Isso foi muito fácil. Quando cheguei nesse tempo me dei conta de tudo. Lembrei

dessa exata conversa e do que o meu eu do futuro havia feito. Trabalhei uma semana fritando

frango e ganhei alguns dólares. Como tenho uma memória fotográfica, forcei minhas

lembranças de jogos de futebol, queda e ascensão de ações na bolsa de valores, e diversos

outros eventos onde eu poderia apostar meu dinheiro e dobra-lo e depois redobra-lo cada vez

mais. Assim sendo, algumas dezenas de dólares viravam centenas e centenas se

transformavam em milhares e depois em milhões em alguns meses. O próximo desafio seria

reunir uma equipe de pessoas que conheciam a tecnologia desse tempo, e que pudesse me

proporcionar recursos políticos para atingir meu objetivo. E assim o fiz. Os gêmeos Jack e

Jonh Ousen coordenavam equipes de tecnologia e engenharia respectivamente, David Dalson

dava suporte político e empresarial e eu ajudava todos com o conhecimento do futuro e

injetava dinheiro no projeto.

- Tudo isso para voltar ao futuro? O que tem de tão especial lá? - Indagou Cristina.

- Minha família precisa muito de mim. Eu jamais voltaria ao passado por conta

própria. Como eu já disse, não tive o propósito de voltar, simplesmente aconteceu.

- Mas, pelo que sabemos hoje, acreditamos em um futuro indeterminado, ou seja, tudo

pode ser mudado. - Cristina estava curiosa sobre as questões filosóficas do tempo.

Narciso não respondeu. Parecia estar esperando algo. Apolo que até então apenas

ouvia, disse:

- Para Narciso o futuro continua sendo indeterminado. Se ele mudar alguma coisa

aqui, o que muda é o futuro a partir dessa data, contudo ele jamais poderia voltar para o futuro

que ele conheceu. Assim sendo, apenas o passado dele está determinado, embora pudesse

sofrer qualquer modificação se ele assim desejasse. Portanto, se alguma coisa fosse

modificada aqui, no passado do Narciso, o futuro dele próprio também seria modificado, mas

o nosso não, uma vez que o nosso futuro ainda não aconteceu. Isso implica que cada

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cronologia segue uma linha de eventos que pode ser diferente para cada individuo, existindo

assim um tempo e uma cronologia de eventos pessoal.

- É isso mesmo, Apolo. Excelentes observações. Vale lembrar também que eu estou no

meu presente e no passado relativo do tempo do universo.

- O que isso quer dizer? - Apolo perguntou de novo.

- Significa que, para mim, não foi o meu tempo que mudou e sim o do universo. E

para o universo, o tempo continua fluindo normalmente, e quem mudou a sua orientação de

fluxo fui eu. Muito parecido com a Teoria da Relatividade Restrita.

A conversa ainda durou alguns minutos. Cristina perguntando da relação aos

paradoxos aparentes e Apolo tirando suas próprias conclusões sobre tudo o que vivera até ali.

Narciso estava consciente que precisava partir. Sua nave foi recuperada e sua volta para o

futuro já tinha data marcada. Narciso interrompeu a conversa. Aproximou de Apolo abriu seus

braços para dar um abraço de despedida.

- Apolo, cuida-te. Quando for fazer suas escolhas, jamais deixe de fazer o que achar

justo, pois o justo é mais importante do que o que as vezes parecer ser certo. Lembre-se

sempre disso.

- O que você quer dizer com isso?

- Apenas me prometa que pensará nisso. Um dia você entenderá completamente. –

Narciso virou-se para Cristina. Abraçou-a e deu lhe um beijo no rosto.

- Cristina, muito obrigado por tudo que fez por mim e por Apolo. Vejo-te no futuro.

FIM

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GLOSSÁRIO

CAPÍTULO 1

1 – Tailleur : Traje feminino composto de casaco e saia; costume.

2 - Isótopos pesados: A palavra isótopo, que significa no mesmo sítio, vem do fato de que os isótopos se situam

no mesmo local na tabela periódica.

O número atômico corresponde ao número de prótons num átomo. Por esse motivo, os isótopos de um certo

elemento contêm o mesmo número de prótons. A diferença nos pesos atômicos resulta de diferenças no número

de nêutrons nos núcleos atômicos.

Isótopos pesados são elementos iguais aos do elemento de mesmo átomo, porém de massa superior.

CAPÍTULO 2

1 - Antimatéria : a antimatéria é a extensão do conceito de antipartícula da matéria, por meio de que a

antimatéria é composta de antipartículas da mesma maneira que a matéria normal está composta das partículas.

Por exemplo, um antielectrón (um pósitron, um elétron com uma carga positiva) e um antipróton (um próton

com uma carga negativa) poderiam dar forma a um átomo de antihidrogênio da mesma maneira que um elétron e

um próton dão forma a um átomo normal do hidrogênio da matéria.

2 - Propulsores iônicos: Um Propulsor de Íons é um dos diversos tipos de propulsão espacial, que utiliza feixe

de íons como força propulsora. Os métodos de aceleração de íons são variados, mas todos utilizam a vantagem

da relação carga-massa dos íons, acelerando-os a velocidades elevadas utilizando campos elétricos elevados.

Dessa forma, um propulsor de íons é capaz de conseguir um impulso específico elevado com pequena massa de

reação. Os propulsores de íons permitem uma eficiência maior que os propulsores a foguete tradicionais de

combustível líquido, porém com baixas acelerações.

O primeiro motor a íon, conhecido como Motor de Íons tipo Kaufman, foi desenvolvido por Harold R. Kaufman,

físico da NASA nos anos 1960, e foi baseado no Duoplasmatron.

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3 - Propelente: é um material que pode ser usado para mover um objeto aplicando uma força.

Pode ou não envolver uma reação química. O material pode ser constituído de gás, líquido ou plasma e antes de

uma reação química, um sólido. Exemplos de propelente são a gasolina, querosene de aviação e o combustível

de foguetes espaciais.

Em balística e em pirotecnia, um propelente é um material que queima muito rapidamente, porém controlável,

para produzir uma força por meio de um gás pressurizado, acelerando um projétil ou um foguete.

Entende-se que as características de um propelente utilizado para foguetes são combustíveis especiais feitos de

perclorato de amônio e borracha sintética.

CAPÍTULO 4

1 - Ionosfera: Região altamente ionizada da atmosfera terrestre, e que tem aproximadamente de quarenta

quilômetros (40km) a setecentos quilômetros (700km) de altitude.

CAPÍTULO 6

1 - Coldre: Estojo de couro para revólver, em geral preso ao cinto

CAPÍTULO 19

1 - NSA: National Security Agency (Agência de Segurança Nacional) criada em 4 de novembro de 1952 é a

agência de segurança americana responsável pela SIGINT, isto é, inteligência obtida a partir de sinais, incluindo

interceptação e criptoanálise. Também é o principal órgão norte-americano dedicado a proteger informações

sujeitas a SIGINT, sendo dessa forma o maior núcleo de conhecimento em criptologia mundial, apesar de

raramente divulgar alguma informação sobre as suas pesquisas.

O NSA é parte do Departamento de Defesa Americano e tradicionalmente comandado por um general de três

estrelas ligado a área de segurança. A NSA é a organização que protege o presidente dos EUA.

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É supostamente a maior agência de segurança dos Estados Unidos da América e do mundo. É responsável por

interceptar e analisar ligações externas para garantir a segurança do país e dos seus aliados. A sede da agência

localizada no Fort George G. Meade, em Marylan.

CAPÍTULO 30

1 – Bode expiatório: Em sentido figurado, um "bode expiatório" é alguém que é escolhido arbitrariamente para

levar a culpa de uma calamidade ou qualquer evento negativo. A busca do bode expiatório é um ato que

determina que uma pessoa ou um grupo de pessoas, ou até mesmo algo, seja responsável de um ou mais

problemas.

CAPÍTULO 31

1 – Classificação espectral: é uma classificação de estrelas baseadas na temperatura da fotosfera e suas

características espectrais associadas, e refinada a seguir em termos de outras características. A espectroscopia

estelar oferece uma maneira de classificar estrelas de acordo com suas linhas de absorção; linhas de absorção

particulares podem ser observadas somente para uma dada temperatura porque somente nessa temperatura os

níveis de energia atômica envolvidos estão povoados.

Verifica-se que o espectro de diferentes estrelas pode apresentar diferenças significativas, mas no geral, verifica-

se que os diversos espectros podem ser classificados em alguns poucos tipos:

O - Poucas linhas na parte visível do espectro; predominam as linhas de hélio, hidrogênio, silício, nitrogênio

ionizados; aparecem as linhas de Balmer do hidrogênio. Possuem cores entre o azul e o violeta.

B - As mesmas linhas do tipo O mas, em lugar das linhas de hélio ionizado, aparecem as do hélio neutro; e todas

as demais num estado de ionização bem inferior que em O; as linhas de Balmer se tornam muito intensas

próximo à A. Possuem cores entre o branco e o azul.

A - As linhas de Balmer do hidrogênio predominam perto de B; aparecem linhas de metais uma vez ionizados.

As estrelas do tipo A são sempre brancas.

F - As linhas de Balmer começam a enfraquecer, mas ainda são fortes;enfraquecem as linhas de metais

ionizados, aumentando a intensidade de linhas de metais neutros; o espectro começa a ficar complexo perto

de G. Possuem cores entre o amarelo e o branco.

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G - As linhas de cálcio ionizado e as do hidrogênio e potássio se tornam bem intensas, enfraquecendo as linhas

de Balmer; Muitas linhas de metais ionizados e neutros. As estrelas do tipo G são sempre amarelas.

K - As linhas mais intensas são as dos metais neutros; aparecem linhas do óxido de titânio; as linhas de Balmer

ainda são visíveis. As estrelas do tipo K são sempre laranjas.

M - As linhas de óxido de titânio predominam no espectro; linhas de metais neutros se tornam bem intensas.

Possuem cores entre o vermelho e o laranja.

A classificação espectral, além da letra correspondente acima, também é dividida em subclasses que foram

numeradas de 0 a 9 para cada tipo. Por exemplo, a classe espectral G passava a ter as subdivisões G0, G1, G2,

G3, G4, G5, G6, G7, G8, G9. Cada uma destas subclasses se caracteriza por mostrar intensidades ligeiramente

diferentes de certas linhas de absorção específicas.

CAPÍTULO 37

1 – Criptograma : Arte de escrever em cifra ou em código. Conjunto de técnicas que permitem criptografar

informações (como mensagens escritas, dados armazenados ou transmitidos por computador, etc.).

CAPÍTULO 38

1 – Walkie-talkie : Emissor e receptor portátil para comunicações radiofônicas a curta distância.

CAPÍTULO 42

1 – Nanossegundo: Unidade de tempo equivalente a um bilionésimo de segundo (10-9).