a natureza da dependência

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A NATUREZA DA DEPENDÊNCIA Recentemente, conversei com uma amiga que teve seu primeiro bebê há seis meses. Essa amiga comentou que iria começar a dar a mamadeira para seu bebê de forma que ele pudesse ter comida sempre que desejasse. O que eu realmente pude sentir foi que ela creditava que poderia, através disso, ensinar seu bebê a ser mais independente e que, por isso, talvez, sentisse que a dependência de sua criança fosse causada por uma deficiência dela. Nota-se que minha amiga partilha das concepções erradas que existem atualmente de que a dependência é ruim e a independência é algo que pode ser ensinado. Mas ai existe um engano. A independência é uma condição que surge da própria relação da criança com a dependência. Nós temos um preconceito cultural muito grande em relação à dependência. Qualquer emoção ou comportamento que indique fraqueza, representa dependência. Isto fica evidente na maneira como nós forçamos nossas crianças a realizarem coisas que estão além de seus limites pessoais. Com isso, estamos afirmando que os padrões externos são mais importantes que a experiência interna da criança. Fazemos isso quando desmamamos nossas crianças em vez de confiar e acreditar que elas possam fazer isso por sua própria conta e na hora certa; quando nós insistimos que nossas crianças se sentem à mesa e comam toda a comida só porque achamos que o alimento que escolhemos é mais saudável e eficiente, em vez de confiarmos, que eles comerão bem, comendo o que está de acordo com o apetite deles; e quando nós os treinamos para a higiene numa idade muito precoce em vez de confiar que eles aprenderão usar o banheiro quando eles estiverem neurologicamente prontos. Quando nós, que somos pais, assumimos que sabemos o que é melhor para nossas crianças no que diz respeito à experiência interna deles, e que somos nós que temos que lhes mostrar quando e como realizar determinadas tarefas características do desenvolvimento humano básico, nós os ensinamos que os padrões externos são mais importantes e mais precisos do que os que eles sentem e pensam.

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A NATUREZA DA DEPENDNCIA

A NATUREZA DA DEPENDNCIA

Recentemente, conversei com uma amiga que teve seu primeiro beb h seis meses. Essa amiga comentou que iria comear a dar a mamadeira para seu beb de forma que ele pudesse ter comida sempre que desejasse. O que eu realmente pude sentir foi que ela creditava que poderia, atravs disso, ensinar seu beb a ser mais independente e que, por isso, talvez, sentisse que a dependncia de sua criana fosse causada por uma deficincia dela. Nota-se que minha amiga partilha das concepes erradas que existem atualmente de que a dependncia ruim e a independncia algo que pode ser ensinado. Mas ai existe um engano. A independncia uma condio que surge da prpria relao da criana com a dependncia.

Ns temos um preconceito cultural muito grande em relao dependncia. Qualquer emoo ou comportamento que indique fraqueza, representa dependncia. Isto fica evidente na maneira como ns foramos nossas crianas a realizarem coisas que esto alm de seus limites pessoais. Com isso, estamos afirmando que os padres externos so mais importantes que a experincia interna da criana. Fazemos isso quando desmamamos nossas crianas em vez de confiar e acreditar que elas possam fazer isso por sua prpria conta e na hora certa; quando ns insistimos que nossas crianas se sentem mesa e comam toda a comida s porque achamos que o alimento que escolhemos mais saudvel e eficiente, em vez de confiarmos, que eles comero bem, comendo o que est de acordo com o apetite deles; e quando ns os treinamos para a higiene numa idade muito precoce em vez de confiar que eles aprendero usar o banheiro quando eles estiverem neurologicamente prontos.

Quando ns, que somos pais, assumimos que sabemos o que melhor para nossas crianas no que diz respeito experincia interna deles, e que somos ns que temos que lhes mostrar quando e como realizar determinadas tarefas caractersticas do desenvolvimento humano bsico, ns os ensinamos que os padres externos so mais importantes e mais precisos do que os que eles sentem e pensam.

Dois estudos cientficos recentes refletem este preconceito cultural que despreza a fraqueza e a dependncia das crianas. Um dos estudos comparou crianas que iam ser e estavam no colo de suas mes e crianas que foram vacinadas sem a presena de suas mes. As crianas que foram vacinados na ausncia de suas mes choraram muito menos. De posse desses dados, os investigadores concluram que seria melhor que os pediatras desencorajarem a presena das mes durante vacinao porque as crianas poderiam controlar melhor suas reaes s injees na ausncia delas. Obviamente, os investigadores deste estudo foram parciais no que diz respeito s expresses emocionais e acreditaram que a expresso emocional das crianas sob tenso era uma forma de fraqueza.

Minha experincia bem diferente. Eu notei que meus quatro filhos comportam-se de formas diferentes quando ns estamos em viagens ou estamos longe de casa. Nas viagens, eles controlam bem coisas, se do bem entre si, e aceitam horas irregulares de sono irregulares ou mudanas na alimentao, mas ao voltar para casa que as coisas mudam. Em casa, eles brigam, choram, e brincam. Eu acredito que esse um comportamento normal para pessoas de todas as idades. comum que as pessoas se unam quando enfrentam uma situao estressante ou ento, isolarem-se e mesmo brigarem quando esto em territrio seguro. Para uma criana, o territrio seguro a casa, a me, ou o pai.Ento, era perfeitamente normal para aquelas crianas que iam ser vacinadas, chorassem sob a tenso da experincia, na presena de suas mes. A presena das mes dava-lhes liberdade e confiana para que chorassem. A concluso deste estudo poderia ser: Que melhor que as mes das crianas estejam presentes quando as crianas forem vacinadas. Assim elas podem controlar melhor a sua experincia de sentir medo, expressando-o.

Um estudo administrado por Margaret Burchinal da Universidade de Carolina do Norte em Chapell Hill, e publicado em fevereiro 1987 na Psychology Today, compararam crianas jovens que foram cuidadas em casa por suas mes desde o nascimento, com outras crianas que haviam ficado em creches desde a tenra infncia. Este estudo concluiu que as crianas criadas fora de casa pareciam menos inseguras do que aquelas que haviam ficado em casa com suas mes. Poderamos discutir que o que "parece" ser insegurana uma avaliao subjetiva que no tem bases cientificas. Minha experincia diz que a insegurana uma resposta absolutamente apropriada e normal. As crianas jovens so especialmente sensveis a pessoas novas em seu ambiente, e esta sensibilidade muda na medida em que seu ambiente se altera. Por exemplo, cada um de meus filhos relaciona-se de forma diferente com estranhos. Esta diferena est diretamente ligada com quantas pessoas ns encontramos fora de nossa casa. Meu quarto filho que cresceu fazendo contato com muitas pessoas que trabalhavam comigo na revista, s vezes parece uma criana mais segura do que minha primeira filha que foi criada num ambiente rural, onde era vivia mais isolada.

s pessoas que estudam animais lhe diro que bebs animais, conhecidos por sua curiosidade, so mais cautelosos que curiosos. Seria a precauo ou a cautela consideradas uma forma de insegurana? s vezes agimos como se desejssemos que nossas crianas surgissem do tero, completamente socializadas, e no aceitamos as experincias que elas tm com o mundo e nem suas personalidades individuais. Mas simplesmente o passar do tempo que desenvolve a socializao. No h como apressar isso sem causar problemas.

Quando rejeitamos as expresses de fragilidade da criana comportamento que ns tambm rejeitamos em adultos - ns criamos uma guerra dentro delas. Em primeiro lugar, ns estabelecemos um padro arbitrrio de comportamento que pretende determinar o que melhor para que eles possam construir a prpria experincia. Por outro lado, ns lhes ensinamos o hbito de rejeitar respostas imediatas e afetivas em favor da razo e do intelecto.

Foi s recentemente que eu comecei a aprender a aceitar as emoes mais frgeis de meus filhos. Quando minha primeira filha (agora com 12 anos) era um beb, eu ficava assustada cada vez que ela se feria. Eu corria para acudi-la porque eu achava que aquela era uma experincia terrvel com qual ela no tinha condies de lidar. Minha resposta exagerada ensinou minha filha a acreditar que se ferir, era uma experincia terrvel e insuportvel. J com meu quarto filho eu agi diferente. Quando se fere, ele faz um tremendo barulho. Mas eu no corro ou fico em pnico. Eu no tento fixar nele idias ou sentimentos que so meus. Ela grita e corre, e eu tive que me treinar para deixa-la se arranjar. A aceitando sua resposta emocionalmente rica, e tratando o dano que ela sofreu com carinho e sem indiferena, observei que sua reao emocional "extrema" normalmente curta. Quando ela pode sofrer sua realidade emocional completa, ela logo fica livre para abandona-la e entrar em contato com outras realidades que vo surgindo nos momentos seguintes.

Certamente, algum controle de nossos impulsos internos necessrio na medida em que vivemos como seres sociais. atravs desse tipo de controle que ns aprendemos o que um comportamento socialmente aceitvel como por exemplo, usar um banheiro, comer com uma colher, e vestir determinadas roupas. Mas quando este controle da experincia interna pelo intelecto torna-se moralista em vez de ser socializada e prtica, quando fica muito extremada, ou quando ns insistimos constantemente em fazer nossos filhos a acreditar que ns sabemos o que melhor para eles, ns lhes roubamos o direito inato e essencial da auto-regulao.

A criana que cresce com essa falta de senso de auto-regulao, desconfiada de si prpria e de sua prpria experincia interna, pode se tornar um adulto vitimado por hbitos ruins. Quando eu olho minha volta e vejo a maioria das pessoas lutando com comportamentos compulsivos - comendo demais, sendo excessivamente responsveis, fumando cigarros, tomando drogas, se matando de trabalhar, se embebedando com lcool ou que vivem em busca de um guru - tentando de algum modo achar a perfeio fora de si prprio ou tentando se esforar obsessivamente para encontrar a perfeio. Eu acredito que estas compulses e hbitos tm suas origens nas represses aparentemente bem planejadas da infncia. Uma criana a quem ensinado exercitar o controle se utilizando padres externos, cria uma diviso interna que gera conflitos entre o que imediatamente experimentado e o que se supe que poderia ser. Aprende a acreditar que h um modo perfeito de ser.

Nossa funo como pais, entender e honrar a natureza de dependncia na criana. Dependncia, insegurana, e fraqueza so estados naturais para a criana. A bem da verdade, estes so estados naturais para todos ns, mas para as crianas - as crianas especialmente jovens - so condies predominantes. E eles sero superados. Da mesma maneira que ns deixamos de engatinhar e comeamos a andar, deixamos de balbuciar e comeamos a falar, passamos da condio assexuada da infncia para a sexualidade da adolescncia, ns atingimos nosso fins. Como humanos, ns nos movemos da fraqueza para a fora. Ns passamos da incerteza ao domnio. Enquanto ns nos recusarmos reconhecer as fases que vem antes do domnio, estaremos ensinamos para nossas crianas a odiar e desconfiar de sua prpria fraqueza, e os introduzimos numa vida cheia de tentativas de reintegrar as suas personalidades.

Eu no posso insistir na importncia de confiar em nossos filhos; de confiar inteiramente neles. Ao aceitarmos as fraquezas deles como tambm as suas foras, suas emoes feias como tambm as suas emoes bonitas, os seus desastres, como tambm os seus triunfos, a dependncia deles como tambm a sua independncia, estaremos lhes dando um presente para uma vida inteira Eles sero pessoas inteiras que no estaro em conflito consigo mesmo e, o que mais importante, no estaro em guerra com outros.

da natureza da criana ser dependente, e da natureza da dependncia ser superada. Odiar a dependncia porque ela no independncia o mesmo que odiar o inverno porque ele no a primavera.A dependncia vai florescer em independncia a seu prprio tempo.

Texto de Peggy O'Mara, Editora da revista Mothering (Maternagem)