a mensuração do Ágio na aquisição de participação societária em pessoa jurídica com...

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EDUARDO MANEIRA IGOR MAUlER SANTIAGO Coordenação FERNANDO DANIEL DE MOURA FONSECA DANIEL SERRA LIMA Organização , O AGIO NO DIREITO TRIBUTÁRIO E SOCIETÁRIO QUESTÕES ATUAIS Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo, primavera de 2015 [email protected] www.quartierlatin.art.br

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EDUARDO MANEIRA

IGOR MAUlER SANTIAGO

Coordenação

FERNANDO DANIEL DE MOURA FONSECA

DANIEL SERRA LIMA

Organização

, O AGIO NO DIREITO

TRIBUTÁRIO E SOCIETÁRIO

QUESTÕES ATUAIS

Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo, primavera de 2015

[email protected] www.quartierlatin.art.br

CAPíTULO 10

Caso Globo - A Mensuração , do Agio na Aquisição de

Participação Societária em PessoaJurídica com

Patrimônio Líquido Negativo

RAMON T OMAZElA SANTOS

Mestrando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Master of Laws

(LL.M.) em tributação internacionaL na Universidade de Viena (Wirtschaftsuniversitat Wien - WU). Advogado em São Paulo.

RAMON T OMAZELA SANTOS - 283

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem o objetivo de analisar o Acórdão nO 1101--00.766, de 05 de junho de 2012, proferido pela 1 a Turma Ordinária da 1 a Câmara da 1 a Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que versa sobre a mensuração do ágio na aquisição de participação societária em pessoa jurídica com patrimônio líquido negativo1• O cerne da controvérsia discutida no processo administrativo em pauta versa sobre o cômputo, ou não, do valor do patrimônio líquido negativo no desdobramento do custo de aquisição, por ocasião da pri­meira avaliação do investimento com base no Método da Equivalência Patrimonial (MEP).

Por envolver o estudo de um caso concreto, o tema será examinado sob o enfoque das regras vigentes à época dos fatos discutidos no processo administrativo, antes da entrada em vigor da Lei nO 12.973/2014, que, ao adaptar a legislação tributária brasileira às novas regras contábeis, al­terou significativamente o tratamento tributário aplicável ao ágio. Como as alterações legislativas serão detalhadas em outras seções do presente livro, o autor optou por manter a exposição integralmente baseada na legislação vigente à época.

Para facilitar a exposição e a leitura, os comentários apresentados em relação às regras jurídicas vigentes à época dos fatos foram feitos no (tempo verbal) presente, tendo em vista que o aproveitamento fiscal do ágio, na forma preconizada pelo Decreto-Lei nO 1598/1977 e pela Lei nO 9532/1995, continuará sendo aplicável a incorporações, fusões e cisões rea­lizada até o final do ano-calendário de 2017, em relação às participações societárias adquiridas até o final de 20142• Para os optantes pela aplica­ção antecipada da nova lei, o tratamento tributário anterior fica mantido para as participações societárias adquiridas até 31 de dezembro de 20133•

Processo nO 12898.002308/2009-68. Este estudo possui finalidade estritamente acadêmica. Os documentos consultados pelo autor são públicos, não havendo qualquer espécie de menção a informações sigilosas.

2 Vide art. 65 da Lei nO 12.973/2014: "Art. 65. As disposições contidas nos artigos 7° e 8° da Lei nO 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e nos artigos 35 e 37 do Decreto-Lei nO 1.598, de 26 de de­zembro de 1977, continuam a ser aplicadas somente às operações de incorporação, fusão e cisão, ocorridas até 31 de dezembro de 2017, cuja participação societária tenha sido adquirida até 31 de dezembro de 2014."

3 Vide art. 22, parágrafo 3°, da Lei nO 12.973/2014.

284 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •••

As críticas apresentadas ao Acórdão nO 1101-00.766 visam ape­nas contribuir com o desenvolvimento acadêmico do tema, não sendo direcionadas aos profissionais envolvidos no julgamento ou ao próprio CARF. Além disso, independentemente das discordâncias em relação aos aspectos jurídicos discutidos, o voto proferido pela conselheira Edeli Pereira Bessa, que foi seguido pela turma julgadora, merece elogios pelo exame estritamente técnico do tema e pela refutação analítica de todos os argumentos invocados pelo sujeito passivo, o que é essencial para o contínuo afeiçoamento do contencioso administrativo no Brasil.

Em virtude do propósito específico do presente estudo, que envolve a mensuração do ágio apurado na aquisição do investimento, a descri­ção dos fatos e da discussão administrativa restringe-se ao estritamente necessário para a análise do tema, sem adentrar em outros elementos do caso concreto que possam ter influenciado no resultado do julgament04•

2. Os FATOS E A ATUAÇÃO FISCAL

Em 010 de julho de 2005, a TV Globo Ltda. (TV Globo) adqui­riu, da Globo Rio Participações e Serviços Ltda. (Globo Rio), 99,90% do capital social da Globo Comunicação e Participações SI A (Globo Participações), representado por 333.666 ações ordinárias e 665.333 ações preferenciais. Em contrapartida à aquisição das ações, a TV Globo efetuou a baixa de um direito de crédito contra a Globo Rio, no valor de R$ 65.549.400,00. No momento da aquisição do investimento, a Globo Participações apresentava patrimônio líquido negativo no valor de R$ 2.344.485.971,48.

Ao avaliar a participação societária adquirida pelo Método da Equivalência Patrimonial (MEP), a TV Globo realizou o registro de ágio na aquisição de investimento no valor de R$ 2.407.690.885,51, correspondente à diferença entre o valor negativo do patrimônio líquido da Globo Participações (- R$ 2.344.485.971,48) e o valor do direito de crédito contra a Globo Rio (R$ 65.549.400,00), que foi baixado no momento da aquisição participação societária.

4 Seria possível conjecturar se as particularidades do caso concreto, que envolve um ágio gerado dentro do mesmo grupo econômico, podem ter influenciado no resultado do julgamento, ainda que sem menção expressa nas razões de decidir e nos votos dos respectivos conselheiros.

RAMON TOMAZELA SANTOS - 285

o ágio foi fundamentado na expectativa de rentabilidade futura da Globo Participações, com suporte em Laudo de Avaliação Econômi­co-Financeira preparado por consultoria especializada, bem como em planilha com a projeção de resultados futuros.

Em 31 de agosto de 2005, a Globo Participações realizou a incor­poração reversa da sua controladora TV Globo, iniciando, a partir do mês seguinte, a amortização fiscal do ágio baseado na sua expectativa de rentabilidade futura.

Em 18 de dezembro 2009, após a conclusão do procedimento de fiscalização,\a Administração Tributária lavrou autos de infração contra a Globo Participações, sob a alegação de dedução indevida, do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) apurados nos anos-calendário de 2005 a 2008, da contrapartida da amortização de ágio constituído em valor superior ao devido. Deixan­do de lado eventuais considerações da fiscalização acerca da existência de abuso de direito em virtude da incorporação reversa e da evolução do patrimônio líquido da Globo Participações, pode-se assentar que o cerne da controvérsia diz respeito à mensuração do ágio na aquisição de sociedade com patrimônio líquido negativo. De acordo com a fiscalização, o valor do ágio corresponde apenas ao efetivamente pago na aquisição do investimento (R$ 65.549.400,00), sem o cômputo do valor negativo do patrimônio líquido da sociedade investida (- R$ 2.344.485.971,48), que não deve ser refletido na escrituração contábil da investidora.

3- A DISCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA

Inconformada com a autuação fiscal, a Globo Participações apre­sentou impugnação contra os autos de infração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e CSLL em foco, alegando, em síntese, que: (i) o reconhecimento contábil do ágio atendeu plenamente as regras contábeis e fiscais em vigor, inclusive o procedimento definido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Ofício Circular nO 1/2004; e (ii) a TV Globo assumiu a responsabilidade pelo valor do passivo a descoberto da Globo Participações, motivo pelo qual o respectivo montante deve ser levado em consideração para efeito de determinação do valor do ágio apurado com base no MEP.

286 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ...

Em primeira instância administrativa, ala Turma da Delegacia da Receita Federal de Julgamento no Rio de Janeiro (DRJlRJO), por unanimidade de votos, julgou a impugnação apresentada integralmente improcedente, mantendo o lançamento de ofício e as exigências fiscais de IRPJ e CSLL formalizadas contra a Globo Participações.

Em 05 de agosto de 2010, a Globo Participações interpôs Recurso Voluntário ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("CARF"), no qual reiterou, basicamente, os argumentos anteriormente arrolados na impugnação.

Em 05 de junho de 2012, a 1 a Turma Ordinária da la Câmara da Primeira Seção do CARF, escorando-se em voto proferido pela con­selheira Edeli Pereira Bessa, negou provimento ao recurso voluntário da Globo Participações, mantendo integralmente a autuação fiscal. A ementa do acórdão, na parte que interessa para o presente estudo, está assim redigida:

"AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. DETERMINAÇÃO. Na aquisição

de investimento em empresa com passivo a descoberto, o ágio limita­

se ao valor pago pela investidora."

Como dito acima, o cerne da discussão diz respeito à correta men­suração do ágio. A fiscalização admite a possibilidade de amortização do ágio no valor de R$ 65.549.400,00, correspondente ao direito de crédito que a TV Globo detinha contra a Globo Rio, que foi extinto com a entrega das ações da Globo Participações. A fiscalização não concorda, porém, com o cômputo do passivo a descoberto na mensuração do ágio, pois o patrimônio líquido da pessoa jurídica investida, utilizado como referencial, deve ficar limitado a zero.

A própria conselheira relatora Edeli Pereira Bessa reconhece que, em virtude da impossibilidade de modificação do lançamento de ofí­cio, não havia a necessidade de examinar a suposta falta de substância econômica da operação, a ausência de independência entre as partes, o curto intervalo temporal entre as operações societárias, entre outros fatores discutidos no curso do processo. O único ponto a ser enfrentado repousava na influência do passivo a descoberto na mensuração do ágio de rentabilidade futura registrado pela TV Globo.

RAMON T OMAZELA SANTOS - 287

Para negar provimento ao recurso voluntário interposto pelo con­tribuinte, a conselheira relatora Edeli Pereira Bessa invocou os seguin­tes argumentos:

(i) o Decreto-Lei nO 1.598/1977 e a Lei nO 6.404/1976 não disciplinam expressamente o procedimento a ser adotado na hipótese em que a sociedade adquirida possui passivo a descoberto;

(ii) o conceito de patrimônio líquido serve para designar os casos em que os bens, os direitos e as demais aplicações de recursos controlados pela entidade são suficientes para qui­tar as suas obrigações com terceiros. Na hipótese em que os ativos são insuficientes para quitar as obrigações da socie­dade, deve-se utilizar exclusivamente a expressão "passivo a descoberto", na forma da Resolução CFC nO 1.049/2005;

(iii) por consequência, a utilização da expressão "patrimônio lí­quido", como referência para a avaliação do investimento ad­quirido pelo MEP, indica que o legislador fez alusão, tanto no Decreto-lei nO 1.598/1977 quanto na Lei nO 6.404/1976, às situações nas quais o investimento apresenta um valor pa­trimonial positivo;

(iv) o art. 12, inciso I, alínea "b" e parágrafo 1°, da Instrução Normativa CVM nO 247/1996, ao determinar a constituição de provisão para a cobertura de perdas na presença de pas­sivo a descoberto, reforça que a avaliação do investimento, com base no MEP, não se presta para a redução do ativo da investidora, em virtude do passivo a descoberto da socie­dade investida;

(v) o resultado negativo da equivalência patrimonial pode, no máximo, anular o valor total do investimento contabilizado, reduzindo-o a zero. Assim, o resultado negativo do MEP não pode exceder o valor pelo qual o investimento está re­gistrado na escrituração contábil, de modo a resultar na con­tabilização de um investimento (ativo) com valor negativo;

(vi) a sociedade investidora não é responsável, perante os credo­res da investida, por valores superiores ao capital investido,

288 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •••

nos termos do art. 1.088 do Código Civil. Logo, o registro de um investimento com valor contábil negativo implicaria o reconhecimento da responsabilidade da sociedade investi­dora pelas dívidas da sociedade investida, em montante su­perior ao capital aplicado;

(vii) a aquisição de uma sociedade com passivo a descoberto não representa a assunção de suas dívidas pela sociedade investidora;

(viii) o resultado positivo do MEP não é tributado pelo IRPJ e pela CSLL, de modo que a dedução da amortização de ágio constituído com base em passivo a descoberto ensejaria um desequilíbrio do campo tributário; e

(ix) a produção de resultados positivos pela sociedade investida, enquanto o seu passivo permanecer a descoberto, não favo­rece os investidores, tendo em vista que a Lei nO 6.404/1976 determina a confrontação de eventuais resultados positivos com os prejuízos acumulados (art. 189, parágrafo único, art. 200, parágrafo 1°, e art. 201, todos da Lei das SI A).

Aos fundamentos acima, o conselheiro Carlos Eduardo de Al­meida Guerreiro acrescenta, em sua declaração de voto, que a assunção de responsabilidade pelo passivo a descoberto, por parte da sociedade adquirente, pode dar ensejo apenas ao registro de provisão para perdas. A aquisição de investimento e a assunção de dívida são institutos jurídicos distintos, sendo que o primeiro conduz ao registro do ágio ou deságio e o segundo à constituição de provisão. As regras fiscais que disciplinam o desdobramento do custo de aquisição, especialmente o art. 20 do De­creto-Lei nO 1.598/1977, não levam em consideração outros negócios jurídicos celebrados entre o adquirente e a adquirida, em paralelo à aquisição da participação societária.

Ainda em relação ao julgamento do CARF, anote-se que o con­selheiro Benedicto Celso Benício Junior, em sua declaração de voto, defendeu que, em operações complexas como a ora examinada, o valor do ágio deve considerar outros arranjos financeiros que demonstram o efetivo sacrifício econômico suportado pela sociedade investidora para adquirir a participação societária na sociedade investida e, em seguida,

RAMON TOMAZElA SANTOS - 289

sanear o respectivo passivo a descoberto. Dessa forma, na visão do citado conselheiro, os aportes de recursos financeiros realizados após a aquisição da participação societária, para o saneamento do passivo a descoberto, perfazem o custo de aquisição da sociedade investidora para efeito de mensuração do ágio.

De todo modo, cabe alertar que, para o enfoque do presente estu­do, não há necessidade de entrar no mérito do argumento acima, tendo em vista que, em relação ao ponto central da discussão, o conselheiro Benedicto Celso Benício Junior perfilha a opinião de que o valor do passivo a descoberto não deve ser levado em consideração no momento da formação do ágio.

Feitas essas considerações gerais a respeito dos principais pontos discutidos no âmbito do CARF, passa-se a examinar, em caráter geral, o procedimento a ser seguido na mensuração do ágio decorrente da aquisição de participação societária em pessoa jurídica com passivo a descoberto, na vigência do Decreto-Lei nO 1.598/1977 e da Lei nO 9.532/1997.

4. ANÁLISE CRíTICA DA DECISÃO E DOS SEUS

FUNDAMENTOS JURíDICOS

De acordo com o art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977, o contri­buinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada de acordo com o método da equivalência patrimonial, deverá desdobrar o custo de aquisição entre o valor de patrimônio líquido e o respectivo ágio e deságio, que será a diferença entre o custo de aquisição do in­vestimento e o patrimônio líquido no momento da aquisição. Veja-se:

''Art. 20. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coliga­

da ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião

da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:

I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado

de acordo com o disposto no artigo 21; e

II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo

de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I.

Parágrafo 1°. O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio

serão registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do

investimento". (destacamos)

290 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •.•

o primeiro aspecto controvertido, que deflui da leitura do texto legal, diz respeito ao conceito de patrimônio líquido a ser considerado para a mensuração do ágio ou do deságio, que corresponde justamente à diferença entre o custo de aquisição e o valor da participação da sociedade investidora no patrimônio líquido da sociedade investida.

A interpretação defendida pela conselheira Edeli Pereira Bessa, que prevaleceu no julgamento do CARF, parte do pressuposto de que conceito de patrimônio líquido serve para designar os casos em que os bens, os direitos e as demais aplicações de recursos controlados pela entidade são suficientes para quitar as suas obrigações com terceiros. Assim, com base na suposta distinção técnico-contábil entre os conceitos de patrimônio líquido e de passivo a descoberto, a conselheira defendeu que o art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977 não permite a consideração do passivo a descoberto no momento do desdobramento do ágio.

A linha de raciocínio acolhida pelo CARF deve ser examinada com maior cuidado, na medida em que parte do pressuposto de que o legislador tributário incorporou um conceito contábil de patrimônio líquido, que supostamente diverge do conceito de passivo a descoberto.

De fato, para a prevalência da interpretação adotada pelo CARF, seria necessário assumir as seguintes premissas, as quais, por si só, são amplamente controvertidas:

(i) o legislador tributário incorporou o conceito de patrimônio líquido da ciência contábil, que deve ser extraído da Lei nO 6.404/1976;

(ii) o conceito contábil de patrimônio líquido, incorpora­do pelo legislador tributário no art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977, não abrange as situações em que os ativos são insuficientes para quitar as obrigações da sociedade;

(iii) o conceito contábil de patrimônio líquido, que não se confunde com o passivo a descoberto, permanece inalte­rado desde a edição da Decreto-Lei nO 1.598/1977, o que dispensa a necessidade de verificar o que deve prevalecer: a interpretação dinâmica do conceito de patrimônio líquido (em vigor no momento de aplicação da lei) ou a interpre-

RAMON TOMAZELA SANTOS - 291

tação estática do conceito de patrimônio líquido (em vigor no momento de edição do Decreto-Lei na 1.598/1977).

Com relação ao primeiro aspecto acima, é conveniente esclarecer que a legislação tributária não prevê um conceito autônomo e distinto de MEP, limitando-se a fazer alusão aos investimentos disciplinados pelo art. 248 da Lei na 6.404/1976. O art. 21 do Decreto-Lei na 1.598/1977 faz expressa referência ao art. 248 da Lei na 6.404/1976, O que indica que o MEP corresponde a um conceito de direito societário incorporado pelo legislador tributário, ainda que com a atribuição de um efeito tributário específico, na medida em que as receitas ou despesas provenientes do MEP devem ser consideradas neutras para fins fiscais5.

A afirmação acima é corroborada pelo art. 384 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), o qual expressamente indica, como sua matriz legal, o art. 248 da Lei na 6.404/1976. Ora, considerando que o RIR/99 representa mera consolidação, em texto único, da legislação do imposto de renda vigente à época de sua edição6, é evidente que a indicação do art. 248 da Lei na 6.404/1976 como a base legal para a utilização do MEP confirma que a lei tributária não contém uma regra autônoma de equivalência patrimonial.

Na qualidade de critério contábil de avaliação de investimento, o MEP tem o objetivo de refletir, no balanço patrimonial da sociedade investidora, o percentual de sua participação no patrimônio líquido da investida. Confirma-se, assim, que o MEP constitui um mecanismo para aferir, sob a perspectiva contábil, a participação societária da pessoa jurí­dica investidora no patrimônio líquido da investida, que foi incorporado pelo legislador tributário.

Passando para o conceito de patrimônio líquido, o art. 178, inciso IH, da Lei na 6.404/19767 estabelece que o patrimônio líquido está subdividido em capital social, reserva de capital, ajuste de avaliação pa-

5 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 795-796.

6 O artigo 212 do Código Tributário Nacional (CTN) prevê que: "Os Poderes Executivos federal, estaduais e municipais expedirão, por decreto, dentro de 90 (noventa) dias da entrada em vigor desta Lei, a consolidação, em texto único, da legislação vigente, relativa a cada um dos tributos, repetindo-se esta providência até adia 31 de janeiro de cada ano".

7 A atual redação do art. 178, inciso 111, da Lei nO 6-404/1976 é determinada pelo art. 37 da Lei nO 11.941/ 2009.

C G OBa - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ••• 292 Asa L

trimonial, reserva de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados. Antes da edição da Lei nO 11.638/2007, o patrimônio líquido também compreendia a conta contábil de lucros acumulados. Atualmente, essa conta contábil tem natureza transitória, tendo em vista que, no final do exercício social, o valor total nela registrado deve ser transferido para as reservas de lucros ou utilizado para as destinações de resultados8•

O patrimônio líquido, utilizado para a aplicação do MEP, corres­ponde a um conceito contábil, cuja expressão numérica está refletida do balanço patrimonial da sociedade. Assim, a despeito das discussões que surgiram na vigência do Regime Tributário de Transição (RTT) acerca da possível existência de patrimônio líquido apurado para fins tributários e refletido no FCONT, em consonância com as regras contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, a verdade é que o patrimônio líquido a ser considerado para o cálculo do MEP é aquele apurado nas demonstrações financeiras, em consonância com as regras contábeis.

Tanto é assim que o art. 21, inciso lI, do Decreto-Lei nO 1.598/1977 estabelece que, na hipótese de ausência de uniformidade entre os critérios contábeis adotados pelas sociedades investida e investidora, esta deverá fazer os ajustes necessários para eliminar as diferenças relevantes decor­rentes da diversidade de critérios. Transcreve-se a redação do texto legal:

''Art. 21. Em cada balanço o contribuinte deverá avaliar o investimento

pelo valor de patrimônio líquido da coligada ou controlada, de acordo

com o disposto no artigo 248 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de

1976, e as seguintes normas:

II - se oS critérios contábeis adotados pela coligada ou controlada e pelo

contribuinte não forem uniformes, o contribuinte deverá fazer no ba­

lanço ou balancete da coligada ou controlada oS ajustes necessários para

eliminar as diferenças relevantes decorrentes da diversidade de critérios."

Ora, ao mencionar os critérios contábeis adotados no balanço pa­trimonial da sociedade coligada ou controlada, o legislador tributário deixou claro que acolheu o patrimônio líquido existente na ciência con­tábil, apurado de acordo com as disposições da Lei nO 6.404/1976. Não há qualquer referência ao passivo a descoberto, tampouco a qualquer

8 Vide item 42 do CPC 13 - "Adoção Inicial da lei nO 11.638/200/'.

RAMON TOMAZELA SANTOS - 293

outro elemento implícito ou finalístico que pudesse impedir o cômputo da situação patrimonial negativa.

Diante da confirmação de que o legislador tributário incorporou o conceito de patrimônio líquido previsto na Lei nO 6.404/1976, a questão que se coloca diz respeito à divergência entre os conceitos de passivo a descoberto e patrimônio líquido negativo.

A investigação acima é necessária porque, no âmbito do CARF, prevaleceu o entendimento de que o conceito de patrimônio líquido previsto Lei nO 6.404/1976, incorporado pelo legislador tributário no Decreto-Lei nO 1.598/1977, alcança apenas a hipótese em que os bens, os direitos e as demais aplicações de recursos controlados pela entidade são suficientes para quitar as suas obrigações com terceiros, o que impediria o cômputo do valor negativo na mensuração do ágio pago no momento da aquisição da participação societária.

N esta linha, o desdobramento do custo de aquisição entre o valor patrimonial e o ágio ou deságio somente deveria levar em consideração o patrimônio líquido, que necessariamente terá uma expressão positiva. Para que o desdobramento do custo de aquisição pudesse compreender os casos em que os ativos são insuficientes para quitar as obrigações da sociedade, o legislador tributário deveria ter feito alusão ao conceito contábil de passivo a descoberto.

O tema em pauta foi um dos pontos centrais da discussão no âmbito do CARF:

o contribuinte alegou que a redação original da Resolução CFC nO 847/1999, vigente à época dos fatos discutidos no processo administrativo, previa expressamente que o valor do patrimônio líquido poderia ser positivo, nulo ou negativo;

a conselheira Edeli Pereira Bessa considerou que a redação original da Resolução CFC nO 847/1999 apresentava uma impropriedade técnica, que somente foi corrigida com a al­teração promovida pela Resolução CFC nO 1.049/2005, se­gundo a qual, na hipótese em que o valor do passivo for maior que o valor do ativo, o resultado é denominado de passivo a descoberto;

294 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •••

• o conselheiro Carlos Eduardo Guerreiro, por sua vez, pro­cura rechaçar a pretensão do contribuinte por meio de uma interpretação estática do conceito de patrimônio líquido, que deveria ser buscado na resolução contábil vigente na data da publicação da regra tributária e não na resolução contábil vigente à época dos fatos. De acordo com o voto do citado conselheiro, "sob o ponto de vista hermenêutico, não há o menor sentido em pretender estabelecer um conceito usa­do em uma regra tributária de 1977, com base em uma de­finição contábil de 1999, que inclusive só valeu por poucos anos, sob alegação que estava vigente na época dos fatos"9.

Com a devida vênia ao entendimento manifestado pelas autorida­des julgadoras, a Lei nO 6.404/1976 não admite, sequer implicitamente, qualquer distinção entre patrimônio líquido e passivo a descoberto. Não há qualquer indicação, na Lei das SI A, de que o patrimônio líquido apenas pode apresentar expressão positiva. Ao contrário, na estrutura da lei societária, o valor do patrimônio líquido pode apresentar valor positivo, nulo ou negativo.

A rigor, a expressão "passivo a descoberto" deve ser compreendida como um simples termo utilizado pelos profissionais da área contábil, que serve para indicar que o valor dos bens e direitos da pessoa jurídica (ativo) é inferior às obrigações contraídas com terceiros (passivo). Tra­ta-se, portanto, de simples nomenclatura utilizada no âmbito da ciência contábil para expressar de forma mais clara a situação patrimonial da sociedade, mas que em nenhum momento foi incorporada ao Direito Societário brasileiro como um conceito técnico específico. Vale dizer, as normas jurídicas que disciplinam a elaboração das demonstrações financeiras, seja na Lei das SI A, seja no Código Civil, não adotam um conceito próprio de passivo a descoberto, que serviria para justificar a sua distinção em relação ao patrimônio líquido.

É justamente por isso que, no balanço patrimonial da pessoa jurídica, recomendava-se a substituição da rubrica "patrimônio líqui­do" pela expressão "passivo a descoberto". De fato, durante a vigência

9 Página 65 do Acórdão nO 1101-00.766, de 05.06.2012.

RAMON TOMAZELA SANTOS - 295

da Resolução CFC nO 1.049/2005, utilizava-se a expressão "passivo a descoberto" para designar a situação patrimonial da pessoa jurídica na hipótese em que o valor das suas obrigações com terceiros é superior ao valor dos seus ativos.

Isso jamais significou, porém, que o conceito de patrimônio líquido previsto na Lei nO 6.404/1976 não pode apresentar valor negativo. In­dependentemente de eventuais discussões a respeito da (suposta) maior adequação técnica da expressão "passivo a descoberto", a verdade é que as normas jurídicas não exigem que o patrimônio líquido sempre apresente situação líquida positiva. Tanto isso é verdade que, a partir da edição da Resolução do CFC nO 1.28312010, não se utiliza mais a nomenclatura "passivo a descoberto" nas demonstrações contábeis, para designar a hipótese em que o patrimônio líquido apresenta valor negativo. Se a diferenciação entre os conceitos decorresse da Lei nO 6.404/1976, é certo que a Resolução do CFC nO 1.283/2010 não poderia efetuar a respectiva mudança sem alteração legislativa.

Acrescente-se que o Código Civil, em seu art. 91, estabelece que "constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico". Na condição de universalidade de direito, o conceito de patrimônio compreende o conjunto de relações jurídicas que envolvem posições patrimoniais ativas (direitos) e passivas (obrigações). Assim, o resultado do amálgama de direitos e obrigações que compõe o patrimônio sob o enfoque civil pode ter expressão final superavitária ou deficitária.

Por tais razões, não há como acolher a tese de que a expressão "pa­trimônio líquido", utilizada na Lei nO 6.404/1976 e no Decreto-Lei nO 1.598/1977, abrange apenas a hipótese em que a situação patrimonial do contribuinte apresenta saldo positivo. O art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977, ao determinar que a diferença entre o custo de aquisição e a participação proporcional no patrimônio líquido da sociedade inves­tida seja registrada como ágio ou deságio (em sub conta específica), não excepcionou a hipótese de patrimônio líquido negativo.

É preciso observar, neste ponto, o princípio basilar de hermenêutica jurídica, segundo o qual "onde a lei não distingue, não cabe ao intér-

296 _ CAso GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •••

prete distinguir" ("ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus")lO.

Com precisão, Carlos Maximiliano ensina que ''quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condi­ções novas, nem dispensar nenhuma das expressas''11. Ora, como não há qualquer justificativa sistemática ou finalística para restringir o alcance do texto legal, é certo que o valor do patrimônio líquido negativo deve ser computado na mensuração do ágio.

Ademais, ainda que se pretenda utilizar as normas técnicas do Con­selho Federal de Contabilidade (CFC) para a interpretação do conceito de patrimônio líquido, é certo que assiste razão ao contribuinte ao utili­zar a redação original Resolução CFC nO 847/1999, vigente à época da aquisição do investimento e do desdobramento do custo de aquisição.

Afigura-se equivocada a ideia, defendida durante o julgamento, de que o conceito de patrimônio líquido deve ser interpretado de forma estática, de acordo com o significado atribuído ao termo em 1977, por ocasião da edição do Decreto-Lei nO 1.598/1977.

Como visto acima, o legislador tributário claramente incorporou, no texto do Decreto-Lei nO 1.598/1977, o conceito de patrimônio líquido apurado de acordo com as disposições da Lei nO 6.404/1976. A remissão do legislador tributário ao conceito de patrimônio líquido existente no direito societário pode ser compreendida de forma estática ou dinâmica 12.

N a interpretação estática, o conceito incorporado pelo legislador deverá ser interpretado de acordo com a sua redação vigente à época da edição da norma de remissão. Assim, presume-se que o legislador pro-

10 ° princípio hermenêutico acima foi recentemente utilizado pela Coordenação Geral de Tributação na Solução de Consulta COSIT nO 258, de 26 de setembro de 2014.

11 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 17a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 247·

12 Como relembra Gilmar Mendes: "A remissão pura e simples a disposições constantes de outra lei pode preparar dificuldades adicionais, uma vez que, em caso de revogação ou alteração do texto a que se faz referência, subsistirá, quase inevitavelmente, a dúvida sobre o efetivo conteúdo da norma". (MENDES, Gilmar. "Questões Fundamentais de Técnica Legislativa': In: Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado nO 11. Salvador: IBDP, 2007, p. 18).

RAMON T OMAZElA SANTOS - 297

curou incorporar, em caráter definitivo, o conteúdo original do conceito jurídico previsto na norma legal remetida (art. 178, inciso IH, da Lei nO 6.404/1976), independentemente da possibilidade de sua posterior modificação. Por outro ângulo, na interpretação dinâmica, o conceito jurídico incorporado deverá ser compreendido à luz da redação e do conteúdo atual da norma legal remetida, com a observância de eventuais alterações promovidas por veículos legislativos supervenientes.

Não há uma solução apriorística para a questão acima. Cabe ao intérprete, à luz da atividade de interpretação, verificar se o legislador pretendeu, ou não, se vincular ao conteúdo original do conceito jurídico incorporado na norma jurídica13•

Entretanto, caso essa verificação reste estéril ou infrutífera, deve­se optar pela interpretação dinâmica. Isso é assim porque não se pode privilegiar a interpretação que conduza a um texto legal perpétuo, ab­solutamente imutável e inalterável, o que contraria frontalmente a sua função precípua de disciplinar a vida de uma sociedade em constante transformação14• A estabilidade do ordenamento jurídico não pode ser confundida com a sua imutabilidade. A realidade social está em cons­tante evolução e as normas jurídicas não podem permanecer alheias a essa situação. Dessa forma, salvo se a interpretação contextual indicar que o legislador pretendeu se enclausurar na redação original da norma remetida, o exegeta deve privilegiar a compreensão dinâmica da norma de remissão e do conceito jurídico incorporado.

Há outro importante fundamento a amparar a interpretação dinâ­mica. É que, se o legislador pretende manter aplicável o conceito jurídico extraído de uma norma que pode ser revogada, mesmo após a cessação

13 Segundo Karl Larenz, "o sentido e o alcance de uma remissão ou restrição hão-de inferir-se em cada caso do contexto e do escopo da lei, e delimitar-se em conformidade com estes." (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6" ed. Tradução: José Lamengo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 369).

14 Neste sentido, lecionaJosé Dias Marques: 'A remissão diz-se estática ou material quando é feita para certa norma, em atenção ao seu conteúdo; e diz-se dinâmica ou formal quando é feita para certa norma, em atenção apenas ao facto de ser aquela que, em certo momento, regula determinada matéria, aceitando-se o conteúdo, ainda que posteriormente alterado, da norma remetida. Por regra, a remissão legal é dinâmica ou formal. Depõem, neste sentido, as razões de fundo que justificam a existência de normas remissivas, a economia de textos e a igualdade de institutos e soluções." (MARQUES, José Dias. Introdução ao Estudo do Direito. Lisboa: Pedro Ferreira, 1979, p. 199).

298 _ CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •••

da sua vigência, não há dúvida de que deve dizê-lo expressamente15, em respeito à segurança jurídica e à certeza do direito. Assim, para que o conceito jurídico do texto legal revogado continue aplicável como se vigente fosse, é necessário que outro dispositivo de lei expressamente o preveja, na medida em que, como regra geral, a lei revogada é expe­lida do sistema, interrompendo o curso de sua vigência. Logo, caso o legislador pretenda refrear esse efeito - o que pode ocorrer na hipótese em que o texto normativo incorpora um instituto jurídico definindo em outro diploma legal, é certo que deverá deixar claro o seu intento. Além disso, a interpretação estática pode trazer inúmeras dificuldades práticas relacionadas à determinação do sentido original do conceito jurídico em vigor à época da edição da norma de remissão, o que poderá ser incompatível com a evolução e a adaptação do ordenamento jurídico às novas exigências SOClaIS.

Por último, considerando que o intérprete deve, em caso de dúvida, privilegiar a compreensão dinâmica do conceito jurídico incorporado na norma jurídica de remissão, é razoável concluir que o legislador deve ser expresso e categórico quando, por qualquer razão, decidir incorporar o conteúdo estático do instituto jurídico disciplinado na norma remetida.

Com base nas considerações precedentes, pode-se assentar que, a todo rigor, não há necessidade de utilização das normas técnicas do CFC para a interpretação do conceito de patrimônio líquido, que deve ser examinado sob o enfoque da Lei nO 6.404/1976.

De qualquer forma, caso se pretenda utilizar as normas técnicas do CFC para a interpretação do conceito de patrimônio líquido, deve-se reconhecer que assiste razão ao contribuinte ao utilizar a redação original Resolução CFC nO 847/1999, vigente à época da aquisição do investi­mento e do desdobramento do custo de aquisição.

Firmada a premissa de que o conceito de patrimônio líquido deve ser interpretado à luz da Lei nO 6.404/1976, que não faz qualquer distinção

15 A título de curiosidade, relembre-se que o ordenamento jurídico brasileiro apenas admite a repristinação expressa, como se depreende da cláusula "salvo disposição em contrário". Neste sentido, conferir o parágrafo 3° do art. 2° da antiga lei de Introdução do Código Civil (Decreto­lei 4.657/1942), hoje lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (lei 12.376/2010): "§ 3°. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência."

RAMON TOMAZELA SANTOS - 299

entre patrimônio líquido e passivo a descoberto, pode-se retornar à análise do art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977.

O art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977 estabelece que a pessoa jurídica investidora tem a obrigação de desdobrar o custo de aquisição na sua escrituração contábil, com a segregação do valor patrimonial do investimento e do respectivo ágio. Assim, na primeira avaliação do inves­timento pelo MEP, o contribuinte deve desdobrar o custo de aquisição, indicando o valor do patrimônio líquido e o valor do ágio ou deságio (diferença entre o valor do patrimônio líquido da sociedade investida e o custo de aquisição).

Destaque-se que o caráter mandatório do procedimento acima de­corre diretamente da Lei nO 6.404/1976 e do Decreto-Lei nO 1.598/1977, sem manter relação de dependência com o regime jurídico introduzido pela Lei nO 9.532/1997, que disciplinou o tratamento tributário do ágio

ou deságio na hipótese em que a pessoa jurídica que absorver patrimônio da sociedade controlada ou coligada, em virtude de incorporação, fusão ou cisão. Isso significa que o exame do procedimento a ser adotado pelo contribuinte na mensuração do ágio ou deságio, no momento da primeira avaliação do investimento pelo MEP, não deve ser influenciado pela eventual possibilidade de amortização do ágio baseado em expectativa de rentabilidade.

A advertência acima é necessária porque a fiscalização, em seu relatório fiscal, apresentou elevada preocupação com a possibilidade de amortização fiscal do valor correspondente ao patrimônio líquido negativo da Globo Participações, concentrando parte dos fundamentos jurídicos do lançamento de ofício na questão do regime jurídico previsto na Lei nO 9.532/1997, sem observar que, na realidade, a mensuração do ágio ou deságio deve seguir estritamente o procedimento estabelecido na Lei nO 6.404/1976 e no Decreto-Lei nO 1.598/1977, independentemente

da eventual possibilidade de amortização do ágio baseado na expectativa de rentabilidade futura, em caso de incorporação, fusão ou cisão.

No regime do Decreto-Lei nO 1.598/1977, o contribuinte deve, na primeira avaliação do investimento pelo MEP, desdobrar o custo de aquisição, indicando o valor do patrimônio líquido e o valor do ágio ou deságio. Se, no momento da aquisição do investimento, o valor do

300 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •••

patrimônio líquido da sociedade investida apresentar valor negativo, o valor do ágio será obtido por meio da diferença entre o custo de aquisição e o valor patrimonial negativo.

Como exemplo, suponha-se que a pessoa jurídica ALPHA adqui­ra, mediante o pagamento de R$ 100.000,00,50% do capital social da sociedade BETA, cujo patrimônio líquido apresentava, no momento da aquisição, o valor negativo de (-) R$ 500.000,00. O valor do ágio a ser registrado pela ALPHA, no momento da avaliação do investimento pelo MEP, corresponderá à diferença entre o valor pago (R$ 100.000,00) e o valor proporcional do patrimônio líquido negativo (50% de (-) R$ 500.000,00, que corresponde a (-) R$ 250.000). O registro simplificado da avaliação do investimento pode ser assim representado:

Caixa

ITOo.ooo,oo

Investimento

(250.000,00)

Á io

35°·000,00

Observe-se que a conta contábil de registro do investimento apre­senta saldo credor, em virtude do patrimônio líquido negativo da socie­dade investida. O procedimento contábil em questão encontra amparo no item 20.1.9 do Ofício Circular nO 0112005, emitido pela CVM e em

RAMON T OMAZELA SANTOS - 301

vigor à época dos fatos discutidos no acórdão ora examinado, cuja re­dação, na parte que interessa a este estudo, está a seguir reproduzida:

"Se, no momento da aquisição do investimento, o valor do patrimô­

nio líquido da investida já for negativo, o saldo inicial da equivalência

patrimonial deve ser negativo, com o ágio representando a diferença

entre esse resultado e o custo de aquisição. O investimento total inicial,

é claro, será positivo, representando o valor efetivo pago. Esse ágio deve

ser registrado e amortizado de acordo com o seu fundamento econômico

(mais-valia de ativos, expectativa de rentabilidade futura ou recuperação

de prejuízo e direitos de exploração/concessão). Essa prática permite um

reconhecimento melhor dos resultados futuros da investida, através da

combinação do resultado da equivalência patrimonial se contrapondo à

amortização do ágio com base no seu fundamento econômico, bem como

permite uma melhor apresentação do patrimônio líquido consolidado".

Essa forma de contabilização, que continuou a ser adotada pela CVM no Ofício Circular nO 1/2007, permite uma evidenciação mais apropriada do reflexo dos futuros resultados positivos da investida na sociedade investidora. Isso porque, caso a sociedade investidora não registre o valor negativo (saldo credor) na conta contábil de registro do investimento, as oscilações positivas no valor patrimonial da sociedade investida não serão refletidas até que o investimento atinja o valor zero. Daí se dizer que a evidenciação do saldo credor na conta contábil de registro do investimento está mais alinhada com a própria finalidade da ciência contábil, na medida em que permite um maior controle do resultado econômico do empreendimento, fornecendo informações mais adequadas e transparentes ao mercado de capitais, aos órgãos reguladores, aos sócios ou acionistas (inclusive os minoritários), aos credores, bem como aos demais usuários das demonstrações contábeis.

Como exemplo, imagine-se que, em virtude da apuração de lu­cros durante determinado ano-calendário, o patrimônio líquido da sociedade investida, que incialmente apresentava valor negativo de (-) R$ 500.000,00, passe a apresentar o valor negativo de apenas (-) R$ 100.000,00. Sem dúvida, a participação societária adquirida passa a apresentar um valor patrimonial superior ao registrado no momento da aquisição, o que deve ser evidenciado nas demonstrações contábeis da sociedade investidora. É preciso, portanto, registrar o valor negativo

302 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ...

do patrimônio líquido no balanço patrimonial, a fim de evidenciar aos usuários das informações contábeis a evolução da real situação patrimo­nial do investimento. Esse procedimento mostra aos agentes do mercado que a gestão econômica da atividade empresarial está sendo conduzida de maneira adequada, pois, mesmo que o patrimônio líquido continue a apresentar expressão negativa, houve sensível melhora em relação ao momento inicial.

É justamente por isso que os professores Eliseu Martins e Natan Szuster consideram que o valor do patrimônio líquido negativo da sociedade investida deve ser refletido na escrituração contábil da investidora como ágio, por ocasião do desdobramento do custo de aquisição do investimento. O procedimento acima encontra amparo na própria essência do MEP, cujo objetivo consiste em identificar e registrar, com base no regime de competência, as mutações patrimoniais da sociedade investida e os seus reflexos na sociedade investidora 16. O procedimento contábil em questão ainda evita a existência de dispari­dades entre o ativo da investidora e o patrimônio líquido da investida, bem como a subavaliação do verdadeiro ágio suportado pela sociedade investidora na aquisição da participação societária1?

Cabe esclarecer que o procedimento contábil acima não se confun­de com aquele a ser adotado na hipótese em que o patrimônio líquido da sociedade investida passa a apresentar valor negativo em momento posterior ao da aquisição do investimento. Neste caso, a sociedade inves­tidora deve registrar normalmente o resultado negativo da equivalência patrimonial, diminuindo o valor contábil do investimento somente até zerar o respectivo saldo contábil.

É o que prevê o art. 16, parágrafo único, da Instrução CVM nO 247/1996, ao estabelecer que "o resultado negativo de equivalência pa­trimonial terá como limite o valor contábil do investimento". Isso ocorre porque, como o patrimônio líquido passou a apresentar expressão nega­tiva em momento posterior a aquisição do investimento, o valor máximo

16 MARTINS, Eliseu; SZUSTER, Natan. "Compra de empresa com Passivo a Descoberto Patrimônio Líquido Negativo -1 a Parte". Boletim Temática ContábillOB nO 13. São Paulo: IOB, 2004, pp. 3-4.

17 MARTINS, Eliseu. "Equivalência patrimonial em investida com patrimônio líquido negativo". Caderno de Temática Contábil e Balanços nO 28. São Paulo: 10B, 2000, pp. 1-7.

RAMON T OMAZELA SANTOS - 303

que o investidor pode perder corresponde ao valor total do investimento realizado. Logo, quando o valor do investimento avaliado pelo MEP atingir o marco zero, pode-se concluir que a sociedade investidora terá reconhecido a perda do valor total do investimento realizado18•

Por isso, caso o patrimônio líquido da sociedade coligada ou con­trolada fique negativo após a aquisição, o saldo contábil da participação do investidor será reduzido somente até zero, sem o registro de saldo credor na conta de investimento. Eventuais perdas adicionais podem ser reconhecidas mediante a constituição de passivo no balanço patrimonial da sociedade investidora, somente na extensão em que o investidor tiver incorrido em obrigações legais ou construtivas (não formalizadas) ou em que tiver feito pagamentos em nome da investida19•

Neste ponto, é oportuno consignar que, embora a competência da CVM, na condição de autarquia responsável pela fiscalização e con­trole do mercado de valores mobiliários do país, esteja concentrada na verificação das práticas contábeis adotadas pelas companhias abertas na elaboração de suas demonstrações financeiras, sem maiores preocupações com os eventuais impactos tributários, a proposta de registro contábil descrita no Ofício Circular nO 0112005 está integralmente alinhada com a redação do Decreto-Lei nO 1.598/1977.

De fato, sob o ponto de vista jurídico, o procedimento contábil descrito acima é mera consequência do art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977, que impõe à pessoa jurídica investidora a obrigação de des­dobrar o custo de aquisição na sua escrituração contábil, com a segregação do valor patrimonial do investimento e o respectivo ágio ou deságio. É irrelevante, para esse fim, se o patrimônio líquido da sociedade investida apresenta valor positivo ou negativo. O contribuinte, na primeira ava­liação do investimento pelo MEP, deve desdobrar o custo de aquisição, indicando o valor do patrimônio líquido e o valor do ágio ou deságio.

A lei não excepcionou os casos em que a sociedade investida tem patrimônio líquido negativo, tampouco limitou o valor do ágio ao

18 DOS SANTOS, Ariovaldo; MACHADO, Itamar Miranda. "Investimentos Avaliados pelo Método da Equivalência Patrimonial- Erro na Contabilização de Dividendos Quando Existem Lucros Não Realizados". Revista Contabilidade & Finanças nO 39. São Paulo: USP, 2005, p. 13.

19 Vide parágrafos 38 e 39 da Resolução CFC nO 1.424/2013.

304 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ...

preço efetivamente pago. Ao contrário, o MEP pode ser considerado um sistema específico de avaliação de investimentos, que não leva em consideração o custo incorrido como única base de valor. Trata-se de regra específica de avaliação de investimento, que considera a diferença entre o custo de aquisição e o patrimônio líquido para efeito de registro de investimentos relevantes em participações societárias.

Isso significa que, independentemente da existência do Ofício Cir­cular CVM nO 01/2005, a sociedade investidora é obrigada a considerar o valor do patrimônio líquido negativo no momento do desdobramento do custo de aquisição, para efeito de registro do ágio. Daí não se concordar com a afirmação, contida no acórdão ora examinado, de que o cômpu­to do patrimônio líquido negativo, por ocasião do desdobramento do custo de aquisição na primeira avaliação pelo MEP, está respaldado em "pressupostos que não podem ser admitidos no âmbito tributário para fins de dedutibilidade da amortização do ágio"20.

Ao contrário do que se sustentou, ainda que a contabilidade adotasse pressuposto distinto, o art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977 determina que a pessoa jurídica investidora deve registrar a participação societária adquirida em duas subcontas contábeis distintas:

(i) o valor contábil do investimento, determinado pela multi­plicação do patrimônio líquido da sociedade investida pelo percentual da participação societária adquirida;

(ii) o ágio ou deságio, representado pela diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor determinado na for­ma do item (i) acima.

Observe-se que, na primeira avaliação do investimento pelo MEP, o custo de aquisição corresponde ao valor efetivamente incorrido. A questão é que o valor do ágio ou deságio, que será mantido em subconta contábil distinta da conta investimento, equivale à diferença entre o custo de aquisição e o valor do patrimônio líquido, que pode ser positivo, nulo ou negativo.

Não há lógica, portanto, na afirmação da fiscalização de que o ágio passível de amortização deve ficar limitado ao preço efetivamente pago

20 Vide página 45 do Acórdão nO 1101-00.766, de 05.06.2012.

RAMON T OMAZELA SANTOS - 305

pelo contribuinte pela aquisição do investimento. O ágio corresponde à diferença positiva entre o custo de aquisição e o valor da participação adquirida no patrimônio líquido da sociedade investida, assim como o deságio representa a diferença negativa entre o custo de aquisição e o valor da participação adquirida no patrimônio líquido da sociedade investida. Em ambos os casos, ágio ou deságio, a lei tributária afastou-se da regra geral, que consiste no simples registro do investimento com base no custo de aquisição, atribuindo um tratamento tributário específico aos investimentos avaliados pelo MEP.

Vale destacar, ainda, que o art. 7° da Lei nO 9.532/1997 estabelece expressamente que o vruor passível de amortização, para fins fiscais, corresponde ao ágio ou ao deságio, que equivale à diferença entre o custo de aquisição e o valor do patrimônio líquido, que pode ser positivo, nulo ou negativo. Logo, não é exatamente o preço pago na aquisição do investimento o valor a ser considerado pelo contribuinte no momento da amortização, mas, sim, a diferença positiva (ágio) ou negativa (deságio) entre o preço pago e o patrimônio líquido da sociedade investida.

Além de decorrer da própria sistemática legal de desdobramento do custo de aquisição, é importante frisar que o tratamento tributário descrito acima também encontra amparo na noção de que o ágio, na condição de parcela integrante do custo de aquisição do investimento, tem a finalidade principal de permitir o adequado confronto entre receitas e despesas.

Sabe-se que o registro do ágio ou do deságio na aquisição do investimento deve ser acompanhado da indicação de seu fundamento econômico. Na redação vigente à época dos fatos aqui discutidos, o art. 20, parágrafo 2°, do Decreto-Lei nO 1.598/1977 admitia que o con­tribuinte indicasse os seguintes fundamentos econômicos, sem impor qualquer ordem de alocação ou precedência entre as opções disponíveis na legislaçã021 • Veja-se:

(a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;

21 A falta de uma ordem hierárquica dos fundamentos econômicos enumerados em lei é destacada no seguinte trabalho: OLIVEIRA. Ricardo Mariz de. "Os Motivos e os Fundamentos Econômicos dos Ágios e Deságios na Aquisição de Investimentos, na Perspectiva da Legislação Tributária". Revista Direito Tributário Atual nO 23. São Paulo: Dialética, 2010, pp. 454; 481.

3 06 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ..•

(b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros;

(c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas22•

A fundamentação econômica deve ser a mais adequada, conforme avaliação do negócio jurídico em si, considerando o objeto da aquisição e as características específicas da participação societária. Assim, no âmbito do direito tributário, a alocação do ágio dependerá do motivo determinante do agente no momento da aquisição do investimento. Assim, caso o objetivo do adquirente seja explorar a capacidade de geração de lucros da participa­ção societária adquirida, o ágio poderá ser integralmente justificado com base em rentabilidade futura, sem a necessidade de observância de qual­quer ordem de alocação. Vê-se, portanto, que a atribuição de fundamento econômico ao ágio é ato de qualificação jurídica que deriva da escolha do sujeito passivo, desde que guarde correspondência com a realidade fática.

Como regra geral, as contrapartidas da amortização contábil do ágio ou deságio não geram impactos tributários23, motivo pelo qual o contri­buinte deve, por meio de lançamentos de adição ou exclusão, neutralizar os efeitos eventualmente produzidos na apuração do lucro líquido do pe­ríodo-base, para fins de determinação do lucro real ou da base de cálculo da CSLU4• Tais contrapartidas devem ser controladas na Parte B do Livro de Apuração do Lucro Real, para a posterior determinação do ganho ou perda de capital em caso de alienação ou liquidação do investiment025 •

22 É de se observar que, após a edição da Lei nO 12.973/2014, o art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977 passou a prever, de forma expressa, que o preço pago na aquisição de participações societárias será registrado na seguinte ordem: (i) valor do patrimônio líquido na época da aquisição, confor­me a legislação societária; (ii) mais-valia ou menos-valia de ativos, que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos (ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos) da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor de que trata o item acima; e (iii) valor residual, que pode ser ágio por rentabilidade futura (se positivo) ou ganho proveniente de compra vantajosa (se negativo).

23 Art. 25 do Decreto-Lei nO 1.598/ 1977, art. 1°, inciso 111, do Decreto-Lei nO 1.730/1979, eart.391 do RIR/99. 24 Com relação à CSLL, vale lembrar que há precedentes no sentido de que não há base legal para vedar

a dedução das contrapartidas relativas à amortização do ágio, para fins de determinação da base de cálculo da citada contribuição. Neste sentido, cite-se, como exemplo, o Acórdão nO 1102-000.875, de 12.06.2013 ("Caso Columbian Chemicals"), cuja ementa está assim redigida: 'TRIBUTAÇÃO REFLEXA OU DECORRENTE. CSLL. Não há previsão em lei para a adição ao lucro líquido das despesas com a amortização do ágio que, corretamente registradas na escrita comercial, afetam o valor do resultado do exercício, ponto de partida para o cálculo da contribuição social sobre o lucro."

25 Art. 33 do Decreto-Lei nO 1.598/1977 e artigo 1°, inciso V, do Decreto-Lei nO 1.730/1979. O proce­dimento de apuração de ganho ou perda de capital na alienação ou liquidação de investimento avaliado pelo MEP está previsto no art. 426 do RIR/99.

RAMON T OMAZELA SANTOS - 307

N O entanto, caso a pessoa jurídica investidora absorva o patrimônio da investida em virtude de incorporação, fusão ou cisão, os efeitos fiscais decorrentes da operação poderão variar de acordo com o fundamento eco­nômico do ágio. Para o presente trabalho, interessa-nos, particularmente, o tratamento tributário do ágio baseado na expectativa de rentabilidade futura.

Neste caso, o art. 7°, inciso IV, da Lei nO 9.532/1997 determina que a pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária ad­quirida com ágio baseado em expectativa de rentabilidade futura, poderá amortizar o valor do ágio à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração posterior ao evento. A regra acima também é aplicável quando a pessoa jurídica incorporada, fusionada ou cindida é aquela que detinha a propriedade da participação societária ("incorporação reversa"), como ocorreu no caso ora examinad026 .

Na rentabilidade futura, o ágio representa o pagamento antecipado por um lucro que o comprador espera obter no futuro com a atividade. Logo, os avaliadores calculam o valor da participação societária a ser adquirida com base na previsão dos resultados que a empresa investida poderá obter em determinado período de tempo. A lógica por trás da norma introduzida pela Lei nO 9.532/1997 é de que, a partir da reunião da pessoa jurídica investidora e da pessoa jurídica investida em uma única sociedade, os lucros proporcionados pela agregação dos fatores de produção integrados na pessoa jurídica investidora, por meio da opera­ção societária, devem ser reduzidos (contrapostos) pela amortização do ágio pago na aquisição do seu investimento. Assim, a amortização do ágio deve seguir o reconhecimento dos lucros esperados (emparelhamento de receitas e despesas), na hipótese em que o fundamento para o seu pagamento é a expectativa de rentabilidade futura. Daí se afirmar que a amortização do ágio para fins fiscais deve observar o prazo constante do laudo de rentabilidade futura, desde que respeitado o prazo mínimo de 5 (cinco) anos previsto na legislação tributária.

Com isso, permite-se a amortização fiscal do ágio pago para a aqui­sição da rentabilidade futura, uma vez que o fundamento lógico para a

26 Art. 386, parágrafo 6°, inciso 11, do RIR/99.

308 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •••

dedução do respectivo custo é precisamente a tributação de tais receitas futuras (expectativa de rentabilidade).

A lógica que justificou a edição da Lei nO 9.532/1997, que permite tanto o emparelhamento entre receitas e despesas quanto a apuração da real capacidade contributiva, é integralmente mantida na hipótese em que o patrimônio líquido da sociedade investida apresenta valor negativo.

Isso porque, após a absorção do patrimônio da sociedade extinta por incorporação, fusão ou cisão, a sociedade remanescente não obterá novo lucro, passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL, enquanto os resultados positivos gerados não ultrapassarem os passivos assumidos em virtude da sucessão universal. Ainda que, após a junção dos patrimônios, a escrituração contábil da sociedade. sucessora apresente lucro líquido contábil, é certo que o efetivo acréscimo patrimonial, resultante do inves­timento adquirido, somente será verificado quando os lucros gerados pela respectiva atividade ultrapassarem as obrigações contratuais assumidas.

Daí a importância do cômputo do valor negativo na mensuração do ágio. Como as sociedades sucedida e sucessora passam a compor uma única pessoa jurídica, sem a possibilidade segregação dos respectivos resultados econômicos, a amortização fiscal do ágio, incluindo a parcela correspondente ao patrimônio líquido negativo assumido, acaba sendo o único mecanismo viável para permitir a adequada tributação dos lucros apurados. A amortização do ágio permitirá que a sociedade sucessora apenas tribute o acréscimo patrimonial auferido após a superação das obrigações transferidas por ocasião da incorporação, fusão ou cisão.

Note-se que a sociedade sucessora pode efetivamente apurar lucro passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL nos anos-calendário subsequentes. Porém, a verdade é que, na essência, não há autêntica manifestação de capacidade contributiva enquanto o resultado positivo gerado pelo empreendimento econômico adquirido não ultrapassar as obrigações assumidas. Antes disso, os valores positivos obtidos, em virtude da sucessão empresarial, correspondem à mera recomposição patrimonial, que tem o propósito de anular as obrigações assumidas.

Como o valor que a sociedade sucessora recebe para compensar as obrigações assumidas da sociedade sucedida não deve ser submetido à tributação, por representar, na sua essência, mera recomposição patrimo-

RAMON T OMAZELA SANTOS - 309

nial, afigura-se correto o procedimento de emparelhar os lucros futuros da atividade empresarial com as contrapartidas da amortização fiscal do ágio, sendo que, para que haja equilíbrio entre os valores, o ágio deve incluir o valor do passivo a descoberto, que corresponde justamente à

parcela do passivo que supera o ativo.

Nesta altura da exposição, cabe ressaltar que a lógica econômica de emparelhar receitas e despesas também confirma a necessidade de computar o valor do patrimônio líquido negativo na mensuração do ágio, mesmo antes da operação de incorporação, fusão ou cisão.

Com efeito, antes da integração patrimonial, as contrapartidas dos ajustes positivos ou negativos no valor do investimento com base no MEP são neutras para fins tributários, assim como os resultados da amortização do ágio ou do deságio. Assim, a lógica do emparelhamento entre receitas e despesas é mantida na apuração dos resultados, mas sem afetar o lucro tributável da sociedade investidora, tendo em vista que a eventual amortização da parte do ágio correspondente ao passivo a descoberto não afeta o lucro real e a base de cálculo da CSLL.

Contabilmente, o resultado positivo de equivalência patrimonial será objeto de lançamento a débito na conta contábil do "investimento permanente - MEP", com contrapartida a crédito em conta de receita "ganho de equivalência patrimonial". Assim, a contrapartida do ajuste do valor do investimento avaliado pelo MEP transitará pelo resultado do exercício, aumentando, por consequência, o lucro líquido do perío­do. O saldo credor da conta de investimento permanente, que reflete o patrimônio líquido negativo, será reduzido em virtude do resultado positivo de equivalência patrimonial. Entretanto, o efeito do lançamento a crédito em conta de receita, que aumentou o lucro líquido do período, deve ser anulado pela amortização contábil do ágio, cuja contrapartida será lançada em conta de despesa.

Embora o resultado positivo do MEP e a amortização contábil do ágio sejam fiscalmente neutros antes da incorporação, da fusão ou da cisão, o sistema de emparelhamento explicado acima é essencial para anular o efeito no lucro líquido do período base em questão. Isso porque, na ausência de amortização do ágio (o qual, por questão de paridade, deve abranger o valor do patrimônio líquido negativo), o resultado positivo

310 - CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ...

de equivalência patrimonial, contabilizado em conta de resultado da so­ciedade investidora, pode servir de base para distribuição de dividendos aos seus sócios ou acionistas.

É bem verdade que o art. 197 da Lei nO 6.404/1976 permite que o resultado de equivalência patrimonial seja tratado como lucro não realizado, com a destinação do respectivo valor para a reserva de lucros a realizar, o que pode servir para evitar a sua distribuição aos sócios ou acionistas. Confira-se a redação do texto legal:

"Art. 197. No exercício em que o montante do dividendo obrigató­

rio, calculado nos termos do estatuto ou do art. 202, ultrapassar a

parcela realizada do lucro líquido do exercício, a assembléia-geral

poderá, por proposta dos órgãos de administração, destinar o excesso

à constituição de reserva de lucros a realizar.

§ 1°. Para os efeitos deste artigo, considera-se realizada a parcela do

lucro líquido do exercício que exceder da soma dos seguintes valores:

I - o resultado líquido positivo da equivalência patrimonial (art.

248); e

II - o lucro, rendimento ou ganho líquidos em operações ou con­

tabilização de ativo e passivo pelo valor de mercado, cujo prazo de

realização financeira ocorra após o término do exercício social seguinte.

§ 2°. A reserva de lucros a realizar somente poderá ser utilizada

para pagamento do dividendo obrigatório e, para efeito do inciso

III do art. 202, serão considerados como integrantes da reserva os

lucros a realizar de cada exercício que forem os primeiros a serem

realizados em dinheiro."

Entretanto, o art. 197 da Lei nO 6.404/1976 determina que somente pode ser destinado à reserva de lucros a realizar o valor correspondente ao montante dos dividendos obrigatórios que exceder a parcela realizada do lucro líquido do exercício. Logo, a sociedade pode dispor de lucros financei­ramente realizados em montante suficiente para o pagamento do dividendo obrigatório, sem destinar qualquer valor à reserva de lucros a realizar.

Daí a importância do cômputo do patrimônio líquido negativo na mensuração do ágio, como forma de preservar a adequação do resulta­do contábil da pessoa jurídica, ainda que os seus efeitos, antes da inte­gração patrimonial, sejam neutros para fins tributários.

RAMON TOMAZELA SANTOS - 311

Vale destacar, ainda, que a consistência jurídica da interpretação ora preconizada também pode ser confirmada por meio da análise do tratamento jurídico a ser aplicável ao ganho ou perda de capital apurado na hipótese em que a sociedade investidora decide alienar ou liquidar o investimento na sociedade investida com patrimônio líquido negativo.

Ao tratar do tema, o art. 33 do Decreto-Lei nO 1.598/1977 estabelece que, para efeito de determinar o ganho ou a perda de capital na alienação ou liquidação do investimento sujeito ao MEP, o valor contábil será a soma algébrica dos seguintes valores: Ci) valor de patrimônio líquido pelo qual o investimento estiver registrado na contabilidade da investidora; e Cii) ágio ou deságio apurado na aquisição do investimento, ainda que tenha sido amortizado na escrituração contábil da pessoa jurídica. Para facilitar a compreensão, é oportuno retornar ao exemplo hipotético mencionado nas linhas anteriores: imagine-se que a sociedade investidora, que pagou R$ 100.000,00 na aquisição do investimento com patrimônio líquido negativo, decida aliená-lo por R$ 120.000,00 antes de qualquer alteração na situação patrimonial da sociedade investida. A soma do patrimônio líquido negativo C - R$ 250.000,00) com o ágio de R$ 350.000,00 totalizará exatamente o valor de R$ 100.000,00, anteriormente despendido pelo contribuinte na aquisição do investimento. A diferença entre o custo de aquisição CR$ 100.000,00) e o preço recebido CR$ 120.000,00) será submetido à tributa­ção como ganho de capital, em conformidade com a capacidade econômica manifestada na realidade social. Essa simples constatação demostra que a interpretação jurídica ora defendida é absolutamente compatível com o regime jurídico aplicável ao ágio.

É oportuno esclarecer, neste ponto, que a sucessão universal dos direitos e obrigações é um efeito legal das operações societárias de in­corporação, fusão ou cisão que acarretam a consolidação integral dos patrimônios das sociedades envolvidas, que independe da vontade das partes. A sucessão universal não se confunde, portanto, com a hipótese em que a pessoa jurídica investidora assume, por meio de arranjos con­tratuais, a responsabilidade patrimonial por obrigações contraídas pela sociedade investida perante os seus credores.

A elucidação acima é importante porque, no acórdão ora examina­do, houve ampla discussão a respeito da inexistência de responsabilida-

312 - CASO GLOBO A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQuIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ...

de da sociedade investidora por obrigações da sociedade investida, em montante superior ao capital aplicado.

De fato, na página 40 da decisão proferida pelo CARF, consta que "admitir que um investimento apresente valor contábil negativo significa reconhecer a responsabilidade da investidora pelas dívidas da investida para além do capital social nela aplicado ( ... )". Na visão adotada pela turma julgadora, como a sociedade investidora não é responsável civil­mente por dívidas da sociedade investida, nos termos do art. 1.088 do Código Civil, o valor do passivo a descoberto não deve ser levado em consideração na mensuração do ágio. A evidenciação de saldo credor na conta de investimento indicaria que a pessoa jurídica investidora responde por dívidas da sociedade adquirida, de forma incompatível com a lei civil.

Adiante, a decisão acrescenta que, na hipótese em que a sociedade investidora tem responsabilidade contratual sobre o passivo a descoberto ou manifesta a sua intenção de manter apoio financeiro para a solvência do passivo, o procedimento correto envolveria a constituição de provisão para a cobertura de perdas, na forma do art. 12, inciso I, alínea "b" e pará­grafo 1 0, da Instrução Normativa CVM nO 247/1996, a seguir transcrito:

"Art. 12. A investidora deverá constituir provisão para cobertura de:

I - perdas efetivas, em virtude de:

( ... )

b) responsabilidade formal ou operacional para cobertura de pas­

sivo a descoberto.

( ... )

Parágrafo 1°. Independentemente do disposto na letra 'b' do inciso

I, deve ser constituída ainda provisão para perdas, quando existir

passivo a descoberto e houver intenção manifesta da investidora

em manter o seu apoio financeiro à investida."

Em primeiro lugar, deve-se reiterar que o cômputo do valor do pa­trimônio líquido negativo, por ocasião da mensuração do ágio, é mera decorrência do art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977, que impõe à pes­soa jurídica investidora a obrigação de desdobrar o custo de aquisição na sua escrituração contábil, com a segregação do valor patrimonial do investimento e o respectivo ágio ou deságio. Não há, portanto, qualquer

RAMON TOMAZELA SANTOS - 313

relação direta entre o cômputo do valor do patrimônio negativo e a assunção de eventual responsabilidade contratual.

Em segundo lugar, o art. 12 da Instrução Normativa CVM nO 247/1996, ao tratar da constituição de provisão para perdas, arrolou especificamente as hipóteses em que a sociedade investidora assume responsabilidade formal ou operacional para cobertura do passivo a descoberto ou, ainda, manifesta a sua intenção de manter apoio finan­ceiro à investida.

Ainda que, para efeito da qualidade da informação contábil, a cons­tituição de provisão para perdas possa apresentar efeito semelhante ao registro de saldo credor na conta contábil de registro de investimento, é certo que o pressuposto para o seu registro não se verifica na maioria das aquisições de participações societárias. Isso porque, como visto acima, a constituição de provisão para perdas apenas deve ocorrer na hipótese em que a sociedade investidora efetivamente assume obrigação contratual pelo passivo a descoberto.

Embora a questão do reconhecimento de provisões esteja afeita à ciência contábil, arrisca-se a dizer que a provisão para perdas disci­plinada pelo art. 12 da Instrução Normativa CVM nO 247/1996 está intimamente ligada com a hipótese em que o patrimônio líquido da sociedade investida fica negativo em momento posterior à aquisição do investimento. É o que se depreende da sua leitura em conjunto com art. 16, parágrafo único, da própria Instrução CVM em referência, cuja redação está a seguir transcrita:

"Parágrafo único. Não obstante o disposto no art. 12, o resultado

negativo de equivalência patrimonial terá como limite o valor con­

tábil do investimento, que compreende o custo de aquisição mais

a equivalência patrimonial, o ágio e o deságio não amortizados e a

provisão para perdas."

O art. 16 da Instrução Normativa CVM nO 247/1996 claramente trata da hipótese em que o patrimônio líquido da sociedade investida ficou negativo após a aquisição da participação societária, na medida em que impõe um limite para o resultado negativo da equivalência patrimo­nial, que não deve ultrapassar o valor contábil do investimento. Além disso, o texto normativo menciona o ágio e o deságio não amortizados, o

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que indica que a sua hipótese normativa não trata do próprio momento de aquisição do investimento.

A interpretação acima é reforçada pelo Ofício Circular nO 01/2005 emitido pela própria CVM, segundo o qual, no momento da aquisição do investimento, o valor do ágio será obtido por meio da diferença entre o custo de aquisição e o valor patrimonial negativo. Ora, não faria sentido pressupor que a CVM adotou interpretações dissonantes em seus atos nor­mativos, o que reforça a ideia de que a provisão para perdas mencionada na Instrução Normativa CVM nO 247/1996 trata especialmente da situação em que o patrimônio líquido da sociedade investida passa a apresentar valor negativo em momento posterior à aquisição do investimento.

Aliás, em certas circunstâncias, soaria até estranho a sociedade investida justificar o ágio na perspectiva de rentabilidade futura e, ao mesmo tempo, efetuar o registro de provisão para futuras perdas. Ora, a constituição da provisão depende, em certa medida, da maior ou menor convicção da entidade quanto a probabilidade de ocorrência da perda. Assim, na maior parte das situações, seria no mínimo curioso justificar o pagamento do ágio na expectativa de rentabilidade futura (geralmente com base em laudo de avaliação preparado por empresa especializada independente) e, concomitantemente, efetuar o registro de provisão para eventuais perdas, no mesmo momento que houve a aquisição do inves­timento. Logo, até por uma questão de coerência, o registro da provisão para perdas parece ser mais adequado quando o patrimônio líquido da controlada ou coligada fica negativo em momento posterior à aquisição do investimento e a sociedade investidora assumiu responsabilidade pela cobertura do passivo a descoberto ou, ainda, manifestou a sua intenção de manter apoio financeiro à investida.

Em terceiro lugar, o valor credor da conta de investimento não significa que a sociedade investidora assumiu responsabilidade pelas obrigações da investida perante terceiros. Além do fato de que o valor total do investimento, somado ao ágio, apresentará valor positivo, não se pode perder de vista que o MEP, na condição de método de avalia­ção de investimentos, não faz surgir direitos e obrigações para a pessoa jurídica investidora. O valor refletido no balanço patrimonial da pessoa jurídica investidora em razão do MEP não representa direito adquirido

RAMON TOMAZELA SANTOS - 315

sobre os resultados positivos ou negativos da controlada ou coligada. Os acréscimos ou diminuições do valor do patrimônio líquido das investidas são meramente potenciais, na medida em que podem variar ao longo do tempo, representando mera expectativa de direito. O cômputo do valor do patrimônio líquido negativo, além de decorrer do regime jurídico preconizado pelo Decreto-Lei nO 1.598/1977, é uma simples forma de refletir, na sociedade investidora, a verdadeira situação patrimonial da sociedade controlada ou coligada, sem gerar obrigações efetivas.

Com base nos fundamentos acima, percebe-se que a turma jul­gadora laborou em equívoco ao sustentar que o cômputo do valor do patrimônio líquido negativo na mensuração do ágio implica a assunção de responsabilidade pelas obrigações da sociedade investida, bem como que o procedimento contábil correto a ser seguido envolveria o registro de provisão para perdas no balanço patrimonial da sociedade investidora.

Ademais, como verificado acima, os argumentos invocados no acórdão ora examinado estão diretamente relacionados às hipóteses em que o patrimônio líquido passa a apresentar expressão negativa em momento posterior a aquisição do investimento. Assim, além de partir do pressuposto de que o patrimônio líquido sempre apresentará expres­são positiva (o valor negativo seria chamado de passivo a descoberto), o que, por si só, é questionável, o voto vencedor acolhido por maioria pela turma julgadora também invoca diversos argumentos que, a rigor, estão restritos aos casos em que o patrimônio líquido fica negativo após a aquisição da participação societária, sem qualquer influência, portanto, na mensuração do ágio.

5. CONCLUSÕES

Com base nos fundamentos jurídicos expostos acima, é possível concluir que a decisão proferida pelo CARF não está infensa a críticas, a despeito do excelente voto lavrado pela conselheira relatora Edeli Pe­reira Bessa, que procurou examinar e refutar, analiticamente, os diversos argumentos invocados pelo contribuinte em sua defesa administrativa.

Deixando-se de lado as demais particularidades do caso concreto, conclui-se que, no momento da primeira avaliação do investimento com base no MEP, o valor do patrimônio líquido negativo deve influenciar na

3 16 _ CASO GLOBO - A MENSURAÇÃO DO ÁGIO NA AQUIsiçÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM •..

mensuração do ágio, como consequência direta da aplicação do regime jurídico previsto no art. 20 do Decreto-Lei nO 1.598/1977, segundo o qual a pessoa jurídica investidora tem a obrigação de registrar, em sub conta distinta, a diferença entre o custo de aquisição e o valor da participação adquirida no patrimônio líquido da sociedade investida, que pode ser positivo, neutro ou negativo.