a longa estrada da descoberta dos genes da gagueira

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Health & Medicine


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Page 1: A longa estrada da descoberta dos genes da gagueira

hangsoo Kang, Ph.D., pesquisador visitante do Laboratório de Genética Molecular do NIDCD, lembra-se vividamente daquele dia.

Assistindo a uma aula de introdução à ciência bio-médica em seu curso de graduação, na Coreia do Sul, perguntaram a ele que funções os genes de-sempenham nos seres humanos. "Eu disse que os genes também estavam envolvidos em funções relacionadas ao pensamento e à fala, e disseram que eu estava errado." Dezessete anos mais tarde, Dr. Kang e um grupo internacional de pesquisadores liderados por Dennis Drayna, Ph.D., provaram que os genes de fato desempenham um papel importante na fala com a descoberta dos primeiros genes associados à gagueira. A gagueira é uma desordem da comu-nicação que afeta mais de 3 milhões de pessoas nos EUA e cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo. Esta descoberta representa o pri-meiro passo na remoção da espessa nuvem de mistério que encobria a gagueira e abre novos horizontes para seu tratamento. A forma como esta descoberta foi feita nos revela uma história construída com muita engenhosida-de e perseverança, e que só se tornou possível graças à habilidade dos pesquisadores de enxer-gar nos lugares mais inesperados aquilo que pro-curavam. A história começa no Paquistão, com um grupo de famílias com alta incidência de gagueira. Os cien-tistas sempre suspeitaram que havia um compo-nente genético na gagueira, porque ela tende a ocorrer em famílias. Porém, encontrar as famílias certas para estudar, e um número suficiente delas, era um grande desafio. O Paquistão tem sido considerado um dos luga-res mais propícios para o estudo de doenças ge-néticas. “Há uma elevada taxa de casamentos den-tro da mesma família. É frequente que primos se casem com primas, e tem sido assim por muitos séculos”, diz Dr. Drayna, chefe da Divisão de De-sordens da Comunicação do Laboratório de Gené-tica Molecular do NIDCD. Consequentemente, isso estreita o conjunto de genes a ser investigado e torna as mutações mais fáceis de ser encontradas

por meio de estudos de linkage genético, que são as principais ferramentas utilizadas pelos cien-tistas para rastrear a localização de genes. Dr. Drayna já tinha feito estudos de linkage em famílias do Paquistão e descoberto uma promisso-ra região no cromossomo 12 que provavelmente abrigava um gene mutante, mas o progresso da pesquisa provou ser difícil. Há uma razão para essa dificuldade, diz Dr. Kang, que herdou os estudos de linkage quando veio para o NIDCD trabalhar no laboratório do Dr. Drayna. “Algumas pessoas tendem a se recuperar naturalmente da gagueira com o passar do tem-po, então é difícil definir quem é afetado e quem não é afetado pela mutação. Encontrar um gene para a gagueira é uma tarefa complicada, porque não existe nenhuma relação precisa entre o genó-tipo e o fenótipo.” Para um cientista, isso significa que não há um resultado consistente e previsível entre a mutação genética e sua característica ou sintoma. Também significa que a relação biunívo-ca entre o gene e a característica é muito mais difícil de ser provada.

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Março de 2010

A Longa Estrada da Descoberta Primeiros genes relacionados à gagueira foram encontrados nos lugares mais improváveis do genoma humano

Por Robin Latham

National Institute on Deafness and Other Communication Disorders

National Institutes of Health www.nidcd.nih.gov

Meu professor dizia que os genes não tinham nada a ver com a fala. Mas hoje se sabe

que eles têm, e eu fui o responsável pela descoberta

de um deles. É uma coisa

incrível.”

– Changsoo Kang, Ph.D

Changsoo Kang (esquerda), Ph.D., ao lado de Dennis Drayna, Ph.D.: mais de uma década de pesquisa para remover a espessa nuvem de mistério que encobria a gagueira.

gagueira.org.br pág. 1

A história desta descoberta só se tornou possível graças à habili-

dade dos pesqui-sadores de enxer-

gar nos lugares mais inesperados

aquilo que pro-curavam.”

Page 2: A longa estrada da descoberta dos genes da gagueira

Foi esse o ponto no qual Dr. Kang e Dr. Drayna começaram a investigação. Eles recrutaram mais famílias paquistanesas e mais pessoas com ga-gueira nos EUA e na Grã-Bretanha, sem relação de parentesco entre si, para coletar o DNA delas e também do grupo controle recrutado nessas mesmas populações. O grupo controle era forma-do por pessoas que não tinham nenhuma história de gagueira em suas famílias. De volta ao laborató-rio, Dr. Kang começou a trabalhar no sequencia-mento do material genético. Ele verificou que a região de interesse no cromossomo 12 continha 87 genes, o que significava que 87 genes teriam de ser seqüenciados e analisados para ver se al-guma coisa interessante viria à tona. Quarenta e cinco genes e três anos mais tarde, Dr. Kang sentia que estava trabalhando em um proje-to que não estava indo a lugar nenhum. “Eu estava cansado e frustrado, queria desistir e voltar para a Coreia”, ele disse. “Então fui ao escritório do Den-nis e disse a ele como estava me sentindo.” Desde o início, Dr. Drayna sabia que este era um projeto ao mesmo tempo de alta recompensa e de alto risco, e havia uma grande possibilidade de que os dados não rolassem a favor deles. Ele não poderia culpar Dr. Kang por querer desistir. Ele não tinha nada a mostrar depois de três anos de traba-lho duro. O avanço de sua carreira estava em jogo. “Na semana seguinte, não fiz mais nenhum expe-rimento”, diz Dr. Kang. “Fiquei apenas sentado na minha escrivaninha. E então um dia, peguei o meu notebook do laboratório e comecei a organizar as coisas nele, pois teria de entregá-lo ao novo pós-doutorando que ocuparia meu lugar. E aí eu vi uma coisa.” O que ele viu foi uma mutação em um gene que ele tinha observado antes, mas com o qual não tinha se preocupado muito. O gene, GNPTAB, estava relacionado a um grupo de doenças co-nhecidas como mucolipidoses – doenças meta-bólicas que são tão letais que a maioria dos bebês diagnosticados com elas morre nos primeiros anos de vida. Ele duvidava que um gene para uma de-sordem metabólica pudesse ter alguma coisa a ver com uma desordem de fala como a gagueira. Cu-rioso, porém, ele começou a pesquisar na literatu-ra científica para encontrar o que pudesse sobre as mucolipidoses. Foi quando ele se deparou com algo intrigante. Crianças com formas moderadas da desordem, que conseguiam sobreviver à pri-meira infância, tinham atrasos no desenvolvimen-to da fala ou anormalidades de fala. Dr. Kang sabia que ali havia alguma coisa, mas não conseguiu encontrar nenhum artigo na literatura científica que tratasse especificamente dos pro-

blemas de fala nas mucolipidoses. Então ele fez o que qualquer um de nós faria quando precisa de informação rápida sobre alguma coisa – ele pôs no Google. A pesquisa por “mucolipidoses + fala” retornou um site que descrevia um tipo de muco-lipidose na qual as crianças não falavam de jeito nenhum. Nem uma palavra sequer. Com isso, ele agora sabia que estava com os olhos voltados na direção certa. Novos sequenciamentos em amostras de DNA de famílias do Paquistão mostraram que a mutação estava presente em algumas pessoas que tinham gagueira. O sequenciamento adicional também revelou que a mesma mutação era encontrada em membros do grupo teste do estudo de linkage original. Como se sabia que o gene GNPTAB traba-lha em conjunto com outros dois genes – GNPTG e NAGPA – ele os seqüenciou e encontrou muta-ções que estavam presentes em pessoas com ga-gueira e em suas famílias, mas não nas pessoas do grupo controle. Ninguém tinha ainda encontrado qualquer desordem humana relacionada a muta-ções no gene NAGPA. Seu único efeito conhecido até agora é a gagueira. “Este projeto serve como exemplo emblemático da filosofia de pesquisa dentro do NIH”, diz Dr. Drayna. “Levou mais de uma década para conse-guirmos este primeiro grande resultado, e o esfor-ço hercúleo do Dr. Kang finalmente foi recompen-sado, mas a espera foi longa. É um tremendo privi-légio trabalhar em uma instituição que permite a realização de pesquisas de alto risco de longo pra-zo.” Quando Dr. Kang relembra seus dias de estudante de graduação, quando perguntaram a ele sobre o papel dos genes nos seres humanos, ele não con-segue conter a vontade de rir da ironia. “Meu pro-fessor dizia que os genes não tinham nada a ver com a fala. Mas hoje se sabe que eles têm, e eu fui o responsável pela descoberta de um deles. É uma coisa incrível.”

Março de 2010

National Institute on Deafness and Other Communication Disorders

National Institutes of Health www.nidcd.nih.gov

Levou mais de uma década para

conseguirmos este primeiro grande resultado [...]. É

um tremendo pri-vilégio trabalhar em uma institui-

ção que permite a realização de pes-

quisas de alto risco de longo

prazo”

– Dennis Drayna, Ph.D

Traduzido por Hugo Silva, em maio de 2010, para o Instituto Brasileiro de Fluência (www.gagueira.org.br). A matéria original (em inglês) pode ser lida no site do NIDCD através do seguinte link encurtado: bit.ly/longroad O press release do NIDCD com o anúncio oficial da descoberta dos primeiros genes associados à gagueira pode ser lido no site da institui-ção através do link bit.ly/nidcd-release Um resumo do artigo científico que divulgou os detalhes da descober-ta pode ser encontrado em www.pubmed.gov através do indexador PMID: 20147709. Uma entrevista com o Dr. Dennis Drayna, pesquisador chefe do estudo, pode ser lida em bit.ly/drayna-interview. Uma tradução da entrevista para o português encontra-se disponível em bit.ly/drayna-entrevista

gagueira.org.br pág. 2

Ninguém tinha ainda encontrado

qualquer desor-dem humana relacionada a

mutações no gene NAGPA. Seu único

efeito conhecido até agora é a

gagueira.”