a lei 10.63903 e a educação Étnico-cultural racial reflexões sobre novos sentidos na escola

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    A LEI 10.639/03 E A EDUCAO TNICO-CULTURAL /RACIAL:REFLEXES SOBRE NOVOS SENTIDOS NA ESCOLA

    Rute Martins ValentimMestranda em Educao UCDB

    Jos Licnio BackesDoutor em EducaoProfessor do Mestrado em Educao - UCDB

    GT:Educao e identidade /diferena negra

    RESUMO:

    Este artigo discute a questo da educao tnico-cultural/racial, ressaltando aimportncia e a necessidade da desconstruo social do preconceito e da discriminaoracial que so atribudos populao negra. Procura suscitar reflexes sobre asrepresentaes sociais negativas colocadas a populao negra por meio de estigmas eesteretipos, abordando particularmente a questo da educao tnico-racial no espaoescolar a partir da Lei Federal N 10.639 de 09 de janeiro de 2003 que alterou a Lei deDiretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei 9.394/96 estabelecendo a obrigatoriedadedo ensino sobre Histria e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensinofundamental e mdio, oficiais e particulares.

    Palavras-Chave: Identidade Diferena Negra Cultura Discriminao Racial

    Consideraes Iniciais O Problema do sculo XX o problema da barreira racialW.E.B.Du Bois

    A diversidade tnico-cultural est presente diariamente no contexto brasileiro,

    expressando-se na msica, na dana, na culinria, na nossa lngua portuguesa e entre

    inmeras atividades em nosso cotidiano. O que se faz necessrio lembrar, que para

    tratar dessas questes preciso ir alm da constatao, da contemplao e da

    folclorizao que muitas vezes se faz em torno das diferenas existentes.

    O processo educativo emanado pela escola algo que a sociedade no podeprescindir. Ao contrrio, a educao fundamental no processo de aprendizagem e na

    compreenso necessria para que se possa ver o diferente em suas complexidades de

    formas de relaes humanas e suas afirmaes e significaes/ressignificaes.

    As relaes existentes no processo de construo e significaodas diferenas

    na sociedade precisam ser muito bem compreendidas. A necessria valorizao da

    diferena que buscamos se d no sentido de reconhecer e afirmar positivamente a

    pluralidade e a singularidade de cada diferente cultura e da no aceitao das

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    desigualdades, muitas vezes, justificadas equivocadamente pela diferena cultural/racial

    e que resultam na inferiorizao dos seres humanos.

    De acordo com Gomes (2003 p. 161), necessrio:

    [...] uma maior compreenso do que significa a produo dasdiferenas. Seria importante debatermos mais e compreendermos queas diferenas fazem parte de um processo social e cultural e que noso, simplesmente, mais um dado da natureza. Pensar a diferena mais do que explicitar que homens e mulheres, negros e brancos,distinguem-se entre si; , antes, entender que ao longo do processohistrico, as diferenas foram produzidas e usadas socialmente comocritrios de classificao, seleo, incluso e excluso.

    Mesmo hoje no contexto dos tempos ps-coloniais (BHABHA, 2005), tempos

    da heterogeneidade, sabemos que a escola ainda move-se pelos antigos moldes

    educacionais, (CAVALLEIRO, 2001; MUNANGA, 2005) de acordo com as regras e

    normas sociais universalistas. Mesmo que muitas vezes a escola perceba que est

    tratando com sujeitos que possuem em suas efetivas particularidades, valores e demais

    constructos sociais diferentes, o que prevalece a prtica monocultural. Portanto, o

    sistema educacional escolar baseado numa viso eurocntrica, que reproduz

    preconceitos na sala de aula e no espao escolar.

    Dessa forma, compreendendo a educao na perspectiva multicultural, Candau(2002, p. 9) observa:

    A instituio escolar est construda sobre a afirmao da igualdade,enfatizando a base cultural comum a que todos os cidados e cidadsdeveriam ter acesso e colaborar na sua permanente construo.Articular igualdade e diferena, a base cultural comum e expressesda pluralidade social e cultural, constitui hoje um grande desafio paratodos os educadores.

    Por essa razo, a escola se defronta com pontos de tenso entre diversidade e

    homogeneidade e precisa pensar na necessria abordagem e articulao entre educao

    e a perspectiva multicultural, para que os educadores possam assumir a responsabilidade

    de desconstruir s atitudes e posturas discriminatrias e preconceituosas do pensamento

    hegemnico.

    Nesse sentido, Canen (2004 p. 113) salienta que na perspectiva multicultural

    busca-se superar a valorizao da diversidade cultural como mero folclore, tentando

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    articular essa valorizao com o desafio s desigualdades e a construo das diferenas

    a elas associadas.

    Neste contexto, faz-se necessrio ressaltar a Lei N.10.639/03, que constitui-se

    em elemento essencial no processo de construo/reconstruo,

    conhecimento/reconhecimento e valorizao de diferentes perspectivas e compreenses

    concernentes a formao e s configuraes da sociedade brasileira contempornea, no

    sentido de desconstruir as significaes e representaes preconceituosas e racistas que

    tem se configurado nos contedos didticos e no espao da escola.

    Lei N. 10.639/03: Perspectivas e Possibilidades

    A atual implementao da Lei Federal n 10.639/03, nas unidades escolares

    oficiais e particulares nos nveis de ensino fundamental e mdio, instituindo a

    obrigatoriedade do ensino da Histria da frica e dos africanos bem como, o estudo do

    processo de efetiva participao e contribuio do povo negro brasileiro no contexto da

    histria do Brasil, tem provocado inquietaes no sistema escolar.

    Muitas vezes, os professores utilizam-se do argumento da no preparao, da

    no formao em questes referentes diversidade tnico-racial. Embora seja real em

    parte, isso no pode servir para justificar a opo pelo silenciamento e o no

    questionamento das questes de excluso, preconceito e discriminao racial presentes

    na sociedade, que atribuem s diferenas da populao negra descendente de africanos

    representaes e sentidos que os desqualificam e os inferiorizam.

    Os educadores tm a frente um caminho que trata propositivamente as questes

    referentes ao povo negro, apontado por meio da Lei n 10639/03, necessitando ser

    percorrido por todos na escola. Que estes no fiquem apenas a esperar que se faam

    antes as grandes transformaes e mudanas, pois acreditar unicamente nesta opopode representar a manuteno e a continuidade do sistema de excluso scio-racial.

    Nunca demais lembrar que a sociedade traz consigo de forma muitas vezes

    velada, os anacrnicos malefcios do racismo, que tm provocado disparidades sociais

    nas quais os ndices mais baixos tm sido destinados aos negros, quando comparados

    aos brancos. oportuno observar que o modelo econmico social existente tem sido

    muito injusto com a populao menos favorecida economicamente e que em grande

    parte dentre os mais alijados do processo social encontram-se os negros.

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    necessrio observar que a educao multicultural tem por objetivo contribuir

    para a desconstruo desse sistema. Portanto, a escola no pode compactuar com os

    ditames sociais sedimentados na seletividade, na discriminao racial e na injustia.

    Ao longo da histria da educao, desenvolveram-se na sociedade processos denaturalizao do racismo. A escola, no tem conseguido desfazer essa naturalizao e

    por vezes opta pela afirmao e manuteno dos preconceitos raciais quando no prope

    contnuos dilogos, debates e reflexes sobre as posturas e prticas dos seres humanos a

    esse respeito.

    Nesta perspectiva torna-se necessrio questionar as concepes etnocntricas e

    eurocntricas que de modo explcito ou implcito esto presentes na escola. Neste

    sentido, questionamos:

    Se alm da escola, na sociedade existem prticas sociais e culturais que mantm

    a cultura hegemnica e atribuem populao negra uma viso inferiorizada, como a

    escola pode se contrapor e oferecer possibilidades para que crianas, adolescentes e

    jovens negros construam uma justa imagem de si mesmo e do outro?

    Como promover a construo dos valores multiculturais numa sociedade que se

    tem pautado pela excluso e discriminao?

    Como decorrncia desse caminho a ser percorrido pela escola e por demais

    instituies educativas da sociedade, no se pode deixar de destacar as lutas e

    reivindicaes que h tempos vm sendo realizadas por meio do Movimento Social

    Negro no sentido de transformar os mecanismos e desconstruir ideologias e

    mentalidades discriminatrias e preconceituosas que regem a organizao social em que

    vivemos.

    Diante do perverso processo histrico, sutil e dissimulado do racismo, existenteem nossa sociedade, que impede e dificulta o acesso das pessoas negras s reais

    condies de igualdade e de direito, no acesso e permanncia aos espaos sociais,

    historicamente visto pela cultura hegemnica, como restritos a sociedade branca, a

    escola no pode silenciar. Neste sentido, que ressaltamos a necessidade de se

    dispensar novos olhares sobre a africanidade brasileira por meio da Lei N. 10.639/03

    que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, incluindo no currculo do

    ensino fundamental e mdio das escolas pblicas e particulares, a temtica da histria e

    Cultura da frica e dos negros no Brasil, entendendo ser imprescindvel tal propositura

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    para se construir novas concepes de educao que possam ser inteiramente

    comprometidas no combate a todas as formas de preconceito e discriminao.

    Alheios s questes de excluso e discriminao raciais vivenciadas pelos

    negros brasileiros, muitos, frutos da escola monocultural, ainda se perguntam:

    H necessidade da educao da diversidade tnico-racial nas escolas?

    Para qu ensinar sobre a Histria e Cultura Africana?

    A frica tem Histria?

    Certamente essas perguntas carecem de respostas, e dentre elas podemos iniciar

    pontuando a necessidade de compreendermos a questo referente ao ensino da histria

    da frica, citando alguns tpicos, embasados em nossas discusses e leituras pelos

    quais se sustentam e se justificam:

    ? A importncia de suscitar na escola discusses, reflexes e debates

    referentes predominncia da histria e do pensamento dominantes no

    sistema educacional.

    ? A necessidade de reconhecer e enaltecer a imprescindvel sabedoria

    cultural africana, e o seu legado histrico para a humanidade.

    ? A necessidade de desconstruo dos sistemas e dos mecanismos de

    produo do racismo existente na sociedade e no espao educacional.

    ? A desconstruo da viso ideolgica negativa com que so vistos os

    africanos e seus descendentes e que foi construda ao longo desses cinco

    sculos no Brasil.

    ? Ressaltar positivamente a efetiva participao do povo negro no processo

    histrico brasileiro.

    ? Apresentar uma nova forma de produo e difuso do conhecimento,

    rompendo com a lgica eurocntrica / etnocntrica vigentes.

    ? Garantir que a populao negra tenha acesso e permanncia bemsucedida na escola rompendo com as desigualdades no sistema

    educacional.

    ? Outro aspecto a ser assinalado, compreende que o ensino da Histria

    Africana no se refere exclusivamente a deter-se e ensinar a histria em

    si, como um contedo escolar a mais. com relao aos preconceitos

    adquiridos num processo de informao distorcida sobre a frica e sobre

    os africanos que esta histria necessita ser questionada e ensinada nasescolas.

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    Vale lembrar que no Brasil costuma-se dizer que h uma grande mestiagem

    humana; que basicamente todos somos mestios, portanto somos todos iguais. Essa

    afirmativa repetidamente reforada na sociedade desenvolvendo a crena de que est

    tudo bem e que no h preconceito ou discriminao racial no Brasil, pois aqui no h e

    jamais houve intolerncia, segregacionismo ou discriminao racial ao menos de forma

    ostensiva e sistemtica.

    Assim, aparentemente mostra-se uma situao racial muito harmnica da

    sociedade brasileira. Esta viso foi se construindo atravs do Mito da Democracia

    Racial e por causa dessa perspectiva, observa-se a contradio na percepo da maioria

    dos brasileirosque embora percebam a existncia e a manuteno do racismo, no se

    percebem ou se reconhecem com posturas ou atitudes racistas.

    Ainda envolto por essa ideologia do mito da igualdade racial, admite-se que a

    discriminao e o preconceito raciais so atribudos s pessoas negras, unicamente

    devido a sua classe social (baixo poder aquisitivo), argumentando-se que no h relao

    com a raa /cor.

    Lei N. 10.639/03: A populao Negra e a Educao Escolar

    Aos africanos escravizados, considerados objetosde uso antes de seres humanos, foi praticamentevedada a possibilidade de acesso aprendizagemdo ler e escrever.(Petronilha Beatriz Gonalves eSilva).

    oportuno lembrar que em um determinado perodo na histria do Brasil os

    negros escravizados eram proibidos de freqentar a escola, havia o impedimento na

    forma de lei que proibia que os negros/ escravos estudassem.

    Romo(2000), citando Cunha (1999, p.87), observa que o acesso educao dos

    escravizados e dos africanos era proibido pela Lei nmero 01, de 04 de janeiro de 1837,

    que assim determinava no seu artigo terceiro:

    So proibidos de freqentar as escolas pblicas:

    1 Todas as pessoas que padecem de molstias contagiosas

    2 Os escravos e os pretos Africanos ainda que sejam livres ou

    libertos.

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    Esta contribuio oferecida pelo estudo de Perses Maria Canellas Cunha, Da

    Senzala sala de aula: como o negro chegou escola nos faz reportar ao to vil

    processo de evidenciada excluso e racismo, sofrido pelos negros ao no terem o direito

    do acesso educao.

    Quando refletimos seguindo uma perspectiva multicultural, observamos que

    ainda nos dias atuais h uma invisibilidade em relao s pessoas negras no que se

    refere permanncia e ao sucesso escolar e quase no as vemos exercendo as profisses

    consideradas de ponta como, por exemplo, nas funes de juzes, promotores,

    desembargadores, diplomatas, mdicos, cientistas, astronautas entre outras.

    A existncia dessas questes implica rever o rumo assumido pelas concepes

    educacionais brasileiras adotadas, exigindo que estas sejam transformadas de modo que

    se caracterizem pela busca de alternativas e prticas necessrias que possam possibilitar

    o avano no debate, e na compreenso das contradies e das presses das mais

    diferentes ordens que remete os seres humanos para alm da desigualdade e da excluso

    social.

    Por tudo isso, apostamos que as possibilidades e perspectivas emanadas por

    meio da Lei 10639/03 podem estabelecer novos marcos de reflexo na educao escolar

    brasileira. A educao voltada para as relaes tnico-raciais e para o ensino de histria

    e cultura afro-brasileira e africana, pode promover a igualdade tnico-racial/social e a

    no discriminao das pessoas negras. Assim, num futuro prximo, os negros podero

    participar de forma efetiva em condies de direito e em condies de igualdade com as

    outras pessoas, no acesso s universidades, a cargos e funes em todos os setores na

    sociedade.

    Para tratar das questes da diversidade tnico-cultural/racial, pertinente

    destacar que a escravido sofrida pelos negros no Brasil foi uma ao criminosa,

    indesculpvel e injustificvel. Muitas vezes, como nos lembra Valente (1987), ainda nosdeparamos com argumentos equivocados, que procuram dar justificativas de natureza e

    razes econmicas e de colonizao, para o horrendo processo de escravizao imposta

    ao povo negro, durante mais de trs sculos.

    Ademais, as concepes e informaes de carter preconceituoso, no podem

    dificultar ou impedir que sejam colocados na histria da humanidade, novos

    conhecimentos e descobrimentos sobre o continente africano.

    A escola precisa considerar outras imagens que se mostrem diferentes dasimagens histricas e habituais que sempre foram atribudas aos negros, atravs das

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    representaes destes, como meros seres humanos marcado pela inferioridade,

    miserabilidade e doenas no continente africano.

    Portanto, um dos argumentos cabais que se reflete no estudo da histria africana,

    no est no ensino pelo ensino desta histria, mas sim na desconstruo das ideologias

    racistas brasileiras e do modo equivocado como a frica e os africanos foram vistos

    pela histria oficial.

    ainda comum que nos livros didticos o povo africano aparea em condies

    isoladas, de desvantagem, de inferioridade ou de submisso, construindo esteretipos no

    imaginrio dos alunos. Com isso, so eliminadas do conhecimento da cultura

    considerada civilizada as informaes sobre o povo africano, reduzindo-o,

    simplesmente, a um esteretipo de primitivo e incapaz; desrespeitando-se assim as

    origens da populao negra e mestia. E neste contexto, Nascimento, (2003 p. 208)

    destaca ainda:

    E sempre se incluiu a africanidade nesse hegemnico ocidental deacordo com os termos por ele definidos, ou seja, uma africanidadeidentificada de forma irredutvel com a escravido, eliminando-se aidia de povos africanos soberanos, atores no palco da histria dacivilizao humana. Trata-se daquela africanidade ldica, limitada sesferas da msica, da dana, do futebol e da culinria.

    Partindo dessas consideraes, afirmamos que no existe explicao cabvel paraa escravido e que esta, alicerada pelo poder econmico, mostrou a que ponto pode

    chegar decadncia dos princpios humanos se fundados num horizonte etnocntrico.

    A proposta de educao tnico-racial luz do ensino do que estabelece a Lei

    Federal N 10.639, nos currculos escolares traz uma nova abordagem do tema histria

    africana e dos escravizados, quando busca apresentar e investigar uma histria que no

    foi contada, estudada, e que quando por vezes, esta foi mencionada, foi vista sob uma

    tica eurocntrica.

    Nesse sentido que as vises oficiais (brancas) sobre o continente africano, os

    africanos e seus descendentes necessitam ser desconstrudas.

    Reafirmando o acima citado, Wedderburn (2005, p. 160), ressalta os novos

    desafios e assim afirma:

    O (A) professor (a) incumbido (a) da misso do ensino da matriaafricana se ver obrigado (a) durante longo tempo a demolir osesteretipos e preconceitos que povoam as abordagens sobre essamatria. Tambm ter de defrontar com os novos desdobramentos da

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    viso hegemnica mundial que se manifesta por meio das novasidias que legitimam e sustentem os velhos preconceitos.

    Neste contexto, imprescindvel reiterar que se revelam tambm muito

    importantes os movimentos sociais negros na busca por essa insero e viabilizao daaplicao da Lei N 10.639/03 nos currculos escolares.

    Frente ao cenrio descrito, cabe a todos, particularmente aos educadores, a busca

    e a promoo de mudanas e transformaes na realidade educacional.

    Consideraes finais

    A forte marca inscrita no passado histrico de escravizao sofrido por milharesde homens negros, mulheres e crianas negras, seqestrados na frica e destitudos de

    sua humanidade para serem aqui vendidos como se fossem mercadorias, animais ou

    objetos, deixou para os seres humanos uma herana que em nada pode servir para

    dignificar a sociedade e a humanidade.

    A cruel opresso da escravido imposta ao povo negro africano foi alicerada e

    engendrada por foras racistas e discriminatrias e por vezes, mantida sob o argumento

    de que tal escravizao do povo negro era necessria e regimentada pela prpria

    naturalidade das coisas.

    Procurava-se justificar as muitas atrocidades praticadas, atribuindo assim aos

    negros estigmas inferiorizantes para conden-los a condio de escravos e manter dessa

    forma, a supremacia das pessoas brancas.

    Gobineau (apud MOUTINHO, 2003, p.58) pode ser apontado como a sntese do

    pensamento da elite branca em relao presena do negro na sociedade brasileira. No

    sculo XIX ele afirmou: medida que as raas se distanciam do tipo branco, seus

    traos e membros adquirem incorrees de forma, defeitos de proporo e feira

    exagerada.

    Joseph Arthur Gobineau1, esteve no Brasil no ano de 1876, em misso

    diplomtica e declarou que no prazo de 270 anos a nao brasileira chegaria ao fim, em

    1Esteretipos atribudos aos seres humanos por Gobineau: Negros: seu carter de animalidade aparece impresso na forma da suaplvis e na fronte estreita - Tm capacidade intelectual medocre ou nula no tm averso a nenhum alimento ou odor comemcom excesso - possuem instabilidade de humor e pouco apego vida alheia matam por gosto de matar possuem menos vigormuscular suportam menos a fadiga. Amarelos : so a anttese dos negros, possuem escasso vigor fsico e propenso a apatia.Possuem desejos dbeis, vontade mais obstinada que extrema, so mais exigentes do que os negros em relao aos alimentos,embora tendam a mediocridade possuem compreenso fcil para aquilo que no demasiado elevado ou profundo possuemamor ao til, respeito regra, so pessoas prticas, no sonham, no amam as teorias, inventam pouco seus desejo so: viver o

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    virtude da miscigenao aqui existente. Na argumentao de suas idias racistas e na

    manuteno do racismo, ele foi um dos anunciadores do racismo cientfico e da

    degenerescncia (enfraquecimento das foras fsica e intelectual dos seres humanos),

    que seria causada pela miscigenao brasileira.

    Com Bhabha (2005), entendemos que a estratgia utilizada para inferiorizar o

    outro, est articulada a criao de esteretipos. Este validado pela ambivalncia

    atravs da qual o criador do esteretipo controla as atribuies negativas inerentes a este

    processo por meio de estratgias discursivas e subjetivas, justificando a opresso e a

    discriminao. Os esteretipos servem para definir as fronteiras representativas entre o

    normal e o anormal, o bem e o mal, entre os que seguem as regras sociais e aqueles, a

    quem as regras excluem. Devido ao jogo de poder, controlado pelo criador do

    esteretipo, os estereotipados sempre canalizam as caractersticas negativas do ser

    humano.

    necessrio compreender que o processo de escravizao se deu fortemente

    sustentado pelo uso de esteretipos negativos e sempre alicerado em particular, pelo

    racismo e pelas relaes etnocntricas e de poder.

    Considerando desse modo as questes apresentadas neste texto, compreendemos

    que os paradigmas e pressupostos existentes necessitam ser questionados e enfrentados

    a partir de seus processos sociais, culturais e histricos e dessa forma buscarmos

    continuamente o desfazer de esteretipos que sustentam as formas de preconceito e

    discriminao.

    Entendemos com Gomes (2005), que o racismo no Brasil manifesta-se muitas

    vezes de maneira no declarada, sendo camuflado e negado, havendo, portanto, uma

    contradio entre a existncia do racismo e a sua negao. Esta autora menciona ainda

    que as pesquisas de opinio pblica revelam que 87% da populao reconhecem que

    h racismo no Brasil. Mas 96% dizem que no so racistas. (GOMES, 2005 p. 46).Inserida pela necessidade de novas perspectivas que visem a descontruo dos

    preconceitos e discriminaes raciais na educao, e na sociedade brasileira temos a Lei

    N. 10.639/03 regulamentada por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

    mais cmoda e tranqilamente possvel. Brancos: possuem inteligncia enrgica e reflexiva; sentido de ordem e gosto pelaliberdade sentem hostilidade pela organizao formalista do tipo da dos chineses e igualmente contra o despotismo caractersticodos negros (seu nico freio) possuem amor singular pela vida quando so cruis o so com conscincia ao contrrio dos negrosque no possuem discernimento suficiente para classificar seus atos do ponto de vista moral -so capazes de morrer por um ideal.Possuem noo de honra e de ideal civilizador atributos abso lutamente desconhecidos pelos amarelos e negros. Teriam sensibilidadee sensaes menos desenvolvidas, seriam menos absorvidos pela ao corporal ainda que sua estrutura seja muito mais vigorosa.

    (Apud MOUTINHO, 2003, p. 59).

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    Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-

    Brasileira e Africana que certamente podem subsidiar as aes pedaggicas no sentido

    de nos libertarmos dos paradigmas de silenciamento diante das posturas, atitudes e

    concepes preconceituosas e racistas.

    Assim desse modo, a histria do continente africano, e as questes vivenciadas

    pelos povos negros, vistas com estranhamento e sob uma viso criada de dominao e

    desumanizao em que a frica denominada como inferior primitiva e subjugada,

    deixaro de ser assim compreendidas. Finalizamos com Nascimento (2003, p. 395), que

    escrevendo sobre a associao que existe entre frica e misria, faz a seguinte

    observao: Se a frica mesmo uma misria, cumpre identificar essa misria como

    resultado, em grande parte, do legado do jugo colonia lista que levou e continua levando

    sua riqueza para o Ocidente.

    Referncias

    BHABHA Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Belo Horizonte: UFMG. 2005.

    CANDAU, Vera Maria. Sociedade, educao e Culturas. Petrpolis. RJ: Vozes. 2002.

    CANEN, Ana. Novos olhares sobre a produo cientfica em educao superior:contribuies do multiculturalismo. So Paulo: Cortez, 2004.

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