educaÇÃo e diversidade Étnico-racial: … · para pesquisa nessa proposta de pesquisa, o foco é...

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: CONSTRUINDO AS TEIAS DE SIGNIFICADOS DOS SABERES E FAZERES DOCENTE A PARTIR DA LEI 10.639/03 NYAMIEN, Francy Rodrigues da Guia (UEM) 1 TERUYA, Teresa Kazuko (UEM) 2 Reflexões Iniciais Neste texto apresentaremos algumas reflexões iniciais sobre o projeto de pesquisa a ser realizada no doutorado em educação, intitulado “ Educação e diversidade étnico-racial: construindo as teias de significados dos saberes e fazeres docentes a partir da Lei 10639/03. O desdobramento da pesquisa dependerá do enredamento de muitas leituras, combinadas com as experiências e explorações da ação investigativa nos caminhos escolhidos para pesquisa Nessa proposta de pesquisa, o foco é a educação para diversidade étnico- racial, pretendemos analisar os significados, implicações e da Lei 10.639/ 03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no contexto escolar, nos processos de formação de professores, no currículo que se realiza no cotidiano das escolas e na ação pedagógica de uma maneira geral. A relevância deste estudo justifica-se pela experiência concreta e historicamente situada, das implicações ou não que a aplicação de uma legislação educacional traz para a escola e seus profissionais no que concerne aos saberes e fazeres gestados na prática docente. Ademais, explorar as contradições, os discursos de aceitação e/ou negação 1 Doutoranda em educação pela Universidade Estadual de Maringá. Membro do Grupo de Pesquisa em Psicopedagogia, aprendizagem e cultura(GEPAC) – UEM. 2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho . Atualmente é pesquisadora colaboradora sênior da Universidade de Brasília e professora Associado da Universidade Estadual de Maringá. Líder do Grupo de Pesquisa em psicopedagogia, aprendizagem e cultura(GEPAC). - UEM

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

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EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL:

CONSTRUINDO AS TEIAS DE SIGNIFICADOS DOS SABERES E

FAZERES DOCENTE A PARTIR DA LEI 10.639/03

NYAMIEN, Francy Rodrigues da Guia (UEM)1

TERUYA, Teresa Kazuko (UEM)2

Reflexões Iniciais

Neste texto apresentaremos algumas reflexões iniciais sobre o projeto de

pesquisa a ser realizada no doutorado em educação, intitulado “ Educação e diversidade

étnico-racial: construindo as teias de significados dos saberes e fazeres docentes a partir

da Lei 10639/03. O desdobramento da pesquisa dependerá do enredamento de muitas leituras,

combinadas com as experiências e explorações da ação investigativa nos caminhos escolhidos

para pesquisa Nessa proposta de pesquisa, o foco é a educação para diversidade étnico-

racial, pretendemos analisar os significados, implicações e da Lei 10.639/ 03 e das

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no contexto escolar, nos

processos de formação de professores, no currículo que se realiza no cotidiano das

escolas e na ação pedagógica de uma maneira geral.

A relevância deste estudo justifica-se pela experiência concreta e historicamente

situada, das implicações ou não que a aplicação de uma legislação educacional traz para

a escola e seus profissionais no que concerne aos saberes e fazeres gestados na prática

docente. Ademais, explorar as contradições, os discursos de aceitação e/ou negação

1 Doutoranda em educação pela Universidade Estadual de Maringá. Membro do Grupo de Pesquisa em

Psicopedagogia, aprendizagem e cultura(GEPAC) – UEM. 2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho . Atualmente é

pesquisadora colaboradora sênior da Universidade de Brasília e professora Associado da Universidade Estadual de Maringá. Líder do Grupo de Pesquisa em psicopedagogia, aprendizagem e cultura(GEPAC). - UEM

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provocados por esta ação afirmativa, constitui-se, ao que tudo indica, numa contribuição

significativa para o debate sobre essa problemática, no contexto escolar, na formação

docente e nas propostas curriculares.

Qual o conhecimento e significados construídos pelos docentes da rede pública

estadual a respeito da Lei 10.639/03 e de suas diretrizes curriculares? Quais as

propostas e/ou projetos realizados nas escolas para o atendimento a essa legislação?

Como ocorreram os processos de formação de professores? Quais as visões dos

professores referentes a essa formação? È preciso um currículo específico que atenda a

cada diferença? Ou essas discussões podem e devem ser incluídas no currículo de uma

maneira geral? Será a aplicação de uma Lei um fator determinante, entre outros, para

promoção de novas relações étnico-raciais?.

A construção destas “pistas” de indagação possibilita-nos a formulação de

suposições que funcionarão como trilhas a serem percorridas, como condição para uma

compreensão melhor da problemática em torno das relações étnico-raciais e os saberes e

fazeres que estejam sendo tecidos no contexto escolar.

A formulação de políticas educacionais que contemplam os afro-brasileiros, a

quem como a seus antepassados, continua sendo negados direitos de cidadania, são hoje

legitimadas por textos legais comprometidos com o combate ao racismo e as

discriminações assumidas pelo Brasil em conferencias mundiais como na convenção da

UNESCO de 1960, relativa a combate ao racismo em todas as formas de ensino;

Conferencia Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e

Discriminações Correlatas, realizada em 2001.

Essas demandas associadas à atuação dos movimentos sociais negros, bem como

muitos intelectuais negros engajados na luta anti-racismo, levaram mais de meio século

para conseguir a obrigatoriedade do estudo da história do continente africano e dos

africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na

formação da sociedade brasileira. Neste sentido, o desenho das Políticas de Ações

Afirmativas que estão sendo implementadas possuem a marca,a compreensão e o olhar

que os militantes das várias entidades e grupos que constituem o Movimento negro

possuem da realidade da população negra brasileira..E uma das prioridades na agenda

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de reivindicações é a educação Assim, o cenário político possibilitou a promulgação da

Lei 10.639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da educação (Lei 9.394/96) e

estabelece que

Ar. 26 – Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Africana; Art. 79 B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como o dia da consciência negra”.

A questão racial permeia toda a história social, cultural e política brasileira e

afeta a todos os grupos étnicos-raciais. O movimento negro brasileiro tem feito

reivindicações e construído práticas pedagógicas alternativas, a fim de introduzir essa

discussão nos currículos. Várias experiências têm sido desenvolvidas em vários estados

e municípios, com apoio ou não das universidades e secretarias estaduais e municipais.

O movimento negro passou a adotar uma postura mais propositiva, realizando

intervenções sistemáticas no interior do Estado. Dessas novas iniciativas, alguns

avanços foram conseguidos. Um deles é a criação da Secretaria Especial de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Esta secretaria, de abrangência nacional, é

responsável por várias ações voltadas para a igualdade racial em conjunto com outros

ministérios, secretarias estaduais e municipais, universidades, movimentos sociais e

ONG’s. Além da SEPPIR, foi constituída no interior da Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), a Coordenadoria de Diversidade e

Inclusão Educacional que tem realizado publicações, conferências e produção de

material didático voltado para a temática.

Nessa nova forma de intervenção do Movimento Negro e de intelectuais

comprometidos com a luta anti-racista, as escolas de educação básica estão desafiadas a

implementar a lei de nº 10.639/03. A partir desta lei, o Conselho Nacional de Educação

aprovou a resolução 01 de 17 de março de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana e o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes

Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de

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História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Nesse sentido, as escolas da educação

básica poderão se orientar a partir de documentos que discutem detalhadamente o teor

da lei, apresentando sugestões de trabalho e de práticas pedagógicas.

A implementação das leis e das diretrizes e plano acima citadas vem somar às

demandas destes e de outros movimentos sociais que se mantêm atentos à luta por uma

educação que articule a garantia dos direitos sociais e o respeito à diversidade humana e

cultural. No entanto, há que se indagar como, e se, esses avanços políticos têm sido

considerados no contexto escolar, na formação de professores e pelo currículo que se

realiza no cotidiano das escolas e pela ação pedagógica de uma maneira geral.

Na pesquisa “Ser negro nas vozes da Escola”. A opção pela temática racial se

deu com o intuito de analisar e discutir os significados do que é ser negro no contexto

escolar. O foco da investigação, inicialmente, centrou-se no entendimento das diversas

vozes a respeito de quem é o ser negro. Logo em seguida, na compreensão do processo

de construção identitária dos sujeitos sociais. Um dos critérios da escolha do campo de

investigação seria duas escolas da rede pública situadas nos bairros da periferia da

cidade de Fortaleza. Até porque entendíamos que ali estavam matriculados, em sua

maioria, alunos e alunas negros. E quanto aos bairros, onde estavam localizadas as

respectivas escolas, estes foram caracterizados por abrigar, predominantemente, estratos

da população de baixa renda, que, por sua vez, era constituída pelos afrodescendentes.

Nestes percursos itinerantes da pesquisa, encontrei respostas para algumas

indagações e, ao mergulhar neste espaço complexo que é a escola, percebi a necessidade

de continuar buscando respostas para perguntas que foram sendo construídas ao longo

da investigação, ao ouvir as vozes dos sujeitos, a olhar em seus olhos brilhantes,

medrosos, surpresos, perdidos, sofridos, sonhadores a procurar na escola o

reconhecimento dos seus saberes como significantes para produzir projetos de vida.

Crianças e jovens negros precisam recuperar outras formas de subjetividades

negras, transformando seu imaginário com imagens e significações positivas de ser e

tornar-se negro. Nesse sentido, vale ressaltar que para o conjunto dos sujeitos sociais,

que vê sua própria identidade étnico-racial comprometida socialmente, o estereótipo a

respeito do negro se constitui em desafio a ser superado como contribuição ao resgate

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de sua identidade. Ao mesmo tempo, coloca-se como necessário reconhecer que a

construção identitária do negro está inscrita nos processos de transformações dos

preconceitos e racismos na sociedade brasileira. São eles, e a partir deles, que se torna

possível compreender os sinais que apontam para que novas relações étnico-raciais se

consolide no imaginário social (Nyamien, 1999).

Educação e relações raciais

As práticas escolares que negam, inferiorizam ou marginalizam a diversidade

étnico-racial são também resultado da própria história da instituição escolar na

sociedade brasileira, marcada pela escravidão, hierarquias raciais e miscigenação.

Considera-se, então, que alguns aspectos de tal história são relevantes para compreender

a realidade vivida hoje nas instituições escolares.

As relações entre a escola e o negro brasileiro estão permeadas de silêncio e

desconhecimento, na medida em que a sociedade revela não estar familiarizada com a

temática racial. Escondem-se as injustiças sociais e as substitui por relações harmônicas,

sem maiores conseqüências.

Os resultados dos estudos, realizado por Henrique (2001)3 apontaram uma

perversa e persistente desigualdade racial no campo da educação. A escolaridade média

de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudos; um

jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3

anos. Essas desigualdades raciais são extremas, sobretudo se considerarmos que se trata

de 2,3 anos de diferença em uma sociedade cuja escolaridade média dos adultos gira em

torno de 6 anos. O referido autor afirma que o mais incomodo na discriminação

observada é que em termos do projeto de sociedade que o país está construindo, o mais

inquietante é a evolução histórica e a tendência de longo prazo dessa discriminação.

Os negros encontram-se em situação desfavorável em relação aos brancos desde

os primeiros anos do Ensino Fundamental, com indicadores mais elevados de repetência

3 HENRIQUES, R. Texto para discussão. N.807. Brasília: Ipea, jul.2001.

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e de evasão. Em decorrência, mantêm taxas mais altas de defasagem escolar –

inadequação entre idade e série – e abandono da escola, além de chegarem mais tarde e

em menor proporção ao Ensino Médio e ao Ensino Superior. As conseqüências se

fazem sentir na forma de acesso ao mercado de trabalho, onde os jovens negros entram

mais cedo do que os jovens brancos e em posições de menor demanda de qualificação.

Entretanto, esse diagnóstico não é consensual no que diz respeito às suas

origens. Uma corrente de análise destaca que a concentração majoritária da população

negra nos extratos de menor renda estaria na base dessa trajetória desfavorável. Ou seja,

identificam nas dificuldades associadas à pobreza as origens de tais insucessos

escolares. Contudo, um número cada vez maior de pesquisadores vem assinalando que

manifestações de preconceito e práticas de discriminação têm estado presentes nas salas

de aula, afetando o cotidiano escolar e a construção positiva da auto-imagem, da auto-

estima e do desempenho de uma parte expressiva dos alunos negros. Tais manifestações

e práticas perpassam os livros escolares e o material didático utilizado, e se expressam

nas relações entre os alunos e inclusive nas relações entre os professores e os alunos.

Sem negar a influência da situação socioeconômica dos alunos no processo de

aprendizagem (MUNANGA, 2005, CAVALLEIRO, 2001), trabalhos recentes vêm

insistindo no fato de que processos de preconceito e discriminação operam nas escolas

brasileiras, com impactos relevantes junto aos seus alunos.

As desigualdades raciais no Brasil apresentam-se como um fenômeno complexo,

constituindo-se em um grande desafio para os governos e para sociedade em geral.

Conforme Jaccoud(2008):

O processo de produção e reprodução da desigualdade racial não corresponde a um fenômeno simples, seja em termos de causalidades ou de conseqüências. Se suas origens remontam ao processo histórico de afirmação da supremacia racial branca durante os quase quatro séculos em que o pai conviveu com a escravidão, esse processo foi reafirmado em novas bases após a abolição. Em um primeiro momento, a chamada teoria do branqueamento reorganizou a leitura da hierarquia racial da sociedade brasileira.

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Nesse sentido, abordar sobre políticas de ações afirmativas e instrumentos de

combate à desigualdade racial implica em discutir um conjunto de fenômenos que estão

na base desse processo. Importa esclarecer que as ações afirmativas têm como objetivo

a promoção de uma maior diversidade social de grupos sub-representados em certos

espaços sociais. “Identificando três inspirações na defesa das ações afirmativas – uma

forma de justiça reparatória ou compensatória, de justiça distributiva e de ação

preventiva” (JACCOUD, 2008, p.141)

O pensamento racista e sua influência no campo educacional

O racismo brasileiro é implícito, não institucionalizado, submetido ao silêncio,

para não chamar atenção e não desenvolver um processo de conscientização, ao

contrário do que acontece nos países de racismo aberto. Os preconceitos existem em

todas as sociedades, culturas e civilizações, porém tornam-se problemáticos quando

utilizados em instrumentos ideológicos para legitimação e justificativa de extermínio,

exploração e exclusão de grupos sociais. A interiorização quase inconsciente da

discriminação racial no Brasil estaria na forma da ideologia racista aqui desenvolvida

pelo segmento dominante da sociedade (MUNANGA,2005)

O racismo pode ser considerado como uma ideologia, uma doutrina referente às

raças humanas, fundamentando-se na existência de raças superiores e inferiores. O

preconceito é apreendido socialmente, isto é, inclui as relações entre pessoas e grupos

humanos e a concepção que o sujeito tem de si mesmo e do outro. Por sua vez a

discriminação racial pode ser compreendida como a prática do racismo e do preconceito

(RIBEIRO, 1995).

É importante trazer a reflexão sobre a influência do pensamento racista no

campo educacional, visto que, ate hoje, essas teorias introjetam-se no imaginário social,

nas representações, atribuições dos sujeitos sociais que transitam no espaço escolar. O

seu efeito foi incorporado no discurso e na prática do cidadão brasileiro e transformou-

se em senso comum, a ponto de ser repetido na escola, como se fosse consenso para

toda sociedade (GOMES, 1995:52).

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Alguns autores4, desde o fim do século XIX e início do século XX., destacam-se

por elaborarem e divulgarem o discurso ideológico sobre o negro, apesar de hoje estes

trabalhos serem bastante criticados. No entanto, ao que tudo indica, ainda, incorporam-

se no discurso atual e influenciam a sociedade e o campo educacional.

Os estudos sobre os negros no Brasil pautam-se no conceito de raça, baseados

nas teses européias do racismo cientifico, como eixo dominante nas discussões sobre a

identidade nacional. E teve como pioneiro Nina Rodrigues que atribuía ao negro uma

herança étnico-racial inferior e um mau caráter patológico e a mestiçagem era um

desequilíbrio mental instável.

Contrário às teses de Nina Rodrigues, Oliveira Vianna acreditava na

miscigenação como possibilidade de purificação étnica, estando no branqueamento da

população a solução para o problema. Já Arthur Ramos afirmava que os negros eram

portadores de uma cultura primitiva e que sua mentalidade infantil ou ilógica não

permitiria que alcançassem o mesmo estágio de civilização dos povos mais avançados

(RIBEIRO, 1995).

A partir da década de 30, o mito da democracia racial, expresso nos escritos de

Freyre, tornou-se uma das formas de manter a ideologia dominante nas relações de

dominação econômica e racial e na imagem diplomática e harmoniosa do país no

exterior. E no contexto brasileiro, essa imagem de “paraíso racial” forjada

ideologicamente, foi reforçada das formas mais variadas e tornou-se muito aceita pela

população brasileira. Através de vários mecanismos ideológicos, políticos e simbólicos,

ela foi introjetada (e ainda é) pelos negros, brancos e outros grupos étnico-raciais

brasileiros (GOMES, 1995).

O pensamento racista influenciou profundamente o pensamento educacional

brasileiro quando apresentaram o negro como pertencente a uma raça inferior ou

portador de uma cultura primitiva, que o impediria de realizar um percurso escolar e

social semelhante ao do branco.

As conseqüências deste pensamento no contexto escolar manifestam-se nos

conceitos sobre a passividade do negro, sua aptidão para trabalhos braçais e outras 4 Dentre os mais destacados temos: Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Oliveira Vianna e Gilberto Freire

que ajudam-nos a compreender historicamente a construção da ideologia racial brasileira.

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difundidas nos conteúdos dos livros didáticos. Desrespeitar aquilo que é especifico,

omitir, o não dito, ou escamotear a questão étnico-racial na escola são também formas

de discriminar.

O silêncio instalado nos discursos educacionais sobre o negro é significativo,

produz o sentido do não dizer e que diz muita coisa significante. Abrange o discurso

sobre o negro e o discurso do negro (RIBEIRO, 1995:34). E no meio desses discursos

forma-se o silêncio do discurso pedagógico sobre o negro.

Os discursos sobre o negro e os saberes construídos por este grupo étnico-racial

no contexto escolar aparecem, geralmente, estereotipados e presentes no chamado

“currículo oculto” e, nesse sentido, podem ser compreendidos como a produção da não-

existência, como uma ausência como afirma Santos (2007, p.28-29).

...muito do que não existe em nossa realidade é produzido ativamente como não-existente, e por isso a armadilha maior para nós é reduzir a realidade ao que existe. Assim,de imediato compartimos essa racionalidade preguiçosa, que realmente produz como ausente muita realidade que poderia estar presente(...)o que não existe é produzido ativamente como não existente, como uma alternativa crível, como uma alternativa descartável, invisível à realidade hegemônica do mundo .

Assim, ampliar a discussão dos currículos escolares para a diversidade étnico-

racial, econômica, social e cultural brasileira implica a abertura de espaço para visões

de mundo africana que é comunitárias, não-patriarcais, coletivas..

Os saberes culturais afro-brasileiros e sua história que não encontram um lugar

definido nos currículos oficiais podem ser compreendidos como uma ausência ativa e,

muitas vezes, intencionalmente produzida.(GOMES, 2007).

Conforme Santos (2007), podemos dizer que há, também, na educação

brasileira, uma monocultura do saber que privilegia o saber científico (transposto

didaticamente como conteúdo escolar) como único e legítimo. Essa forma de interpretar

e lidar com o conhecimento se perpetua na teoria e na prática escolar em todos os níveis

de ensino.

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Educar para a diversidade, provoca questões sobre o conhecimento e sua

presença no currículo que são colocadas principalmente pelos movimentos sociais e

pelos sujeitos em movimento, produtores de saberes. O não reconhecimento dos saberes

e das práticas sociais no currículo tem resultado no desperdício da experiência social

dos sujeitos sociais nas propostas educacionais (Santos, 2006).

... Certos saberes que não encontram um lugar definido nos currículos oficiais podem

ser compreendidos como uma ausência ativa e, muitas vezes, intencionalmente

produzida. A consideração destes e de outros saberes trará novos elementos não só para

as análises dos movimentos sociais e seus processos de produção do conhecimento

como também para a discussão sobre a reorientação curricular.

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