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Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 1

ORGANIZADORES ORGANIZADORES

Claudio Antonio Di Mauro

Wilson Akira Shimizu

COLABORADORES

Tatiana Silva Souza

Paulo Roberto Garcia

Leonice Seolin Dias

Diálogos A legislação do sistema nacional de recursos hídricos

Possíveis avanços e recuos

1ª Edição

ANAP

Tupã-SP

2018

2

EDITORA ANAP

Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista

Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.

Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.

Contato: (14) 99808-5947

www.editoraanap.org.br

www.amigosdanatureza.org.br

[email protected]

Editoração e Diagramação da Obra: Leonice Seolin Dias

Revisão Ortográfica: Smirna Cavalheiro

Índice para catálogo sistemático

Brasil: Geografia

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 3

ORGANIZADORES

Cláudio Antonio Di Mauro Bacharel e Licenciado em Geografia pela Faculdade de Filosofia de Lins - FAL. Mestrado e Doutorado em Geografia Física pela Universidade de São Paulo - USP. Trabalhou no Projeto RADAM - RADAMBRASIL, foi docente nos programas de Graduação e Pós-Graduação da UNESP - Rio Claro. Fez parte das equipes que criaram os Encontros de Geógrafos da América Latina e do Simpósio de Geografia Física Aplicada. Foi Prefeito de Rio Claro (SP) tendo sido eleito - 1996 e reeleito - 2000-2004. Foi Presidente dos Comitês de Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (paulista e federal). Trabalhou na Agência Nacional de Águas – ANA. Publicou dezenas de artigos e livros nas áreas da Geografia e de Recursos Hídricos. Atualmente é Docente no Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia é credenciado no Programa de Pós-Graduação da UNESP - Presidente Prudente e no Prof Água.

Wilson Akira Shimizu

Graduado em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP; é Especialista em Planejamento

Socioambiental e mestre em Geografia pelo Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia –

UFU. Foi Prefeito Universitário da UFU de 2000 a 2008; foi Assessor Especial da Reitoria de 2015 a 2016. É

membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais e do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio

Paranaíba, onde representa as Organizações Técnicas de Ensino e Pesquisa. Presidiu o CBH Araguari por dois

mandatos; foi coordenador geral do Fórum Mineiro de CBHs; foi Coordenador da Câmara Técnica de

Planejamento Institucional do CBH Paranaíba; foi membro da Câmara Técnica Institucional e Legal do CNRH

ocupando a suplência. É Engenheiro Civil lotado na Faculdade de Engenharia Civil da UFU.

COLABORADORES

Tatiana Silva Souza Geógrafa pela Universidade Federal de Uberlândia, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia - UFU.

Paulo Roberto Garcia Economista, servidor técnico de nível superior no Instituto de Geografia da Universidade Federal de

Uberlândia - UFU.

Leonice Seolin Dias Bióloga, com Doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista-UNESP, Mestrado em Ciência Animal

pela Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE. Membro participante do Grupo de Pesquisa em Biogeografia e

Geografia da Saúde (BIOGEOS) da UNESP de Presidente Prudente-SP.

4

COMISSÃO CIENTÍFICA NACIONAL

Prof. Dr. Adriano Severo Figueiro – Universidade Federal de Santa Maria/UFSM

Prof. Dr. Antonio Cezar Leal – Universidade Estadual Paulista/UNESP/Presidente Prudente

Profa Dra Arlete Maria da Silva Alves – Instituto de Economia Relações Internacionais da UFU/Uberlândia

Prof. Dr. Armando Gallo Yahn Filho – Instituto de Economia Relações Internacionais da UFU/Uberlandia

Prof. Dr. Carlos Alexandre Leão Bordalo – Universidade Federal do Pará/UFP

Prof. Dr. Carlossandro Carvalho de Albuquerque – Universidade do Estado do Amazonas/UEA

Profa Dra Cláudia Maria Tomas Melo – Universidade Federal do Triângulo Mineiro/UFTM

Profa Dra Maria Antunes Suertegaray – Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS

Prof. Dr. Edson Vicente Silva – Universidade Federal do Ceará/UFC

Prof. Dr. Edvaldo Cesar Moretti – Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD

Prof. Dr. Ernane Miranda Lemes – Universidade Federal de Uberlândia/ICIAG/UFU

Prof. Dr. Fábio Tonissi Moroni – Universidade Federal de Uberlândia/UFU

Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento – Universidade Federal Fluminense/UFF

Profa Dra Ivanise Maria Rizzatti – Universidade Estadual de Roraima/UERR

Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues – Universidade Estadual Paulista/UNESP/Presidente Prudente

Prof. Dr. José Geraldo Mageste – Universidade Federal de Uberlândia/ICIAG/UFU

Profa Dra Larissa Marques Barbosa Araujo – Universidade Federal de Uberlândia/UFU- Monte Carmelo

Prof. Dr. Laurindo Elias Pedrosa – Universidade Federal de Goiás/UFG/Catalão

Profa Dra Nara Cristina de Lima Silva – Instituto Federal do Triângulo Mineiro/IFTM Campus Uberlândia

Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha – Universidade Estadual Paulista/UNESP/Presidente Prudente

Prof. Dr. Paulo Henrique Kingma Orlando – Universidade Federal de Goiás/UFG/Catalão

Prof. Dr. Paulo Bretas Salles – Universidade de Brasília/UnB/ADASA

Prof. Dr. Sidnei Bohn Gass – Universidade Federal Pampa/UNIPAMPA

Prof. Dr. Wagner Costa Ribeiro – Universidade de São Paulo/USP

COMISSÃO CIENTÍFICA INTERNACIONAL

Profa Dra Bogumila Lisocka-Jaermenn – Universidade de Varsóvia – Polônia

Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez – Universidade de Havana - Cuba e UFGD

Prof. Dr. José Esteban Castro – Universidade NewCastle – Reino Unido

Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba

Prof. Convidado Jorge Manuel Roque Baptista Fael – Lisboa – Portugal

Prof. Dr. Leandro Del Moral Ituarte – Universidade de Sevilla – Espanha

Prof. Dr. Lucio José Sobral da Cunha – Universidade de Coimbra – Portugal

Profa Dra Nora Elena Villegas Jimenez – Universidade de Antioquia – Colômbia

Prof. Dr. Oscar Buitrago Bermúdez – Universidade do Valle – Colômbia

Prof. Dr. Ramon Garcia Marin – Universidade de Murcia - Espanha

Prof. Dr. Rui Jacinto – Universidade de Coimbra - Portugal

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 5

SUMÁRIO

__________________________________________________________________________

Prefácio 07

Apresentação I 09

Apresentação II

11

PARTE I - Palestras, PowerPoint e Debate do período da manhã

Capítulo 1

O ESTADO DO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE

RECURSOS HÍDRICOS – SINGREH

17

1. 1 Palestra - Aplicação da legislação, base para avanços

Heitor Soares Moreira

17

1. 2 Palestra - Desafios legais e Institucionais da gestão de recursos hídricos

Sergio Gustavo Rezende Leal

25

1. 3 Palestra - Gerente de planejamento e apoio ao sistema de gestão de recursos hídricos

João Ricardo Raiser

31

Capítulo 2

POWERPOINT DAS PALESTRAS 41

2. 1 PowerPoint - Aplicação da legislação, base para avanços

Heitor Soares Moreira

41

2. 2 PowerPoint - Desafios legais e Institucionais da gestão de recursos hídricos

Sergio Gustavo Rezende Leal

53

2. 3 PowerPoint - Gerente de planejamento e apoio ao sistema de gestão de recursos hídricos

João Ricardo Raiser

63

Capítulo 3

DEBATE DO PERÍODO DA MANHÃ

Heitor Soares Moreira; Sergio Gustavo Rezende Leal; João Ricardo Raiser

85

PARTE II - Palestras, PowerPoint e Debate do período da tarde

Capítulo 4

O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS: avanços e recuos

4. 1 Introdução das atividades

101

101

4. 2 Palestra - Pensando o futuro da gestão dos recursos hídricos: o arcabouço legal é adequado?

Carlos Alberto Valera

105

4. 3 Palestra - A legislação do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos: possíveis

avanços e recuos

Júlio Thadeu Silva Kettelhut

113

4. 4 Palestra - O sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos: avanços e recuos

Éldis Camargo Santos

121

6

Capítulo 5

POWERPOINT DAS PALESTRAS 133

5. 1 PowerPoint - Pensando o futuro da gestão dos recursos hídricos: o arcabouço legal

é adequado?

Carlos Alberto Valera

133

5. 2 PowerPoint - A legislação do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos:

possíveis avanços e recuos

Júlio Thadeu Silva Kettelhut

141

5. 3 PowerPoint - O sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos: avanços e recuos

Éldis Camargo Santos

145

Capítulo 6

DEBATE DO PERÍODO DA TARDE Carlos Alberto Valera; Júlio Thadeu Silva Kettelhut; Éldis Camargo Santos

157

PARTE III - Capítulos

Capítulo 7 SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS: aplicação e legislação, bases para avanços do instrumento de gestão outorga Heitor Soares Moreira

179

Capítulo 8

GESTÃO DAS ÁGUA, UMA DECISÃO João Ricardo Raiser; Wilson Akira Shimizu

197

Capítulo 9

QUAL A NATUREZA JURÍDICA DA FUNÇÃO DE CONSELHEIRO DOS COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICAS? E DEPOIS Carlos Alberto Valera; Mayara Cristina de Mello Vieira Valera; Caroline Fávaro Oliveira

209

Capítulo 10

20 ANOS DA POLÍTICA E DO SITEMA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS Julio Thadeu Silva Kettelhut

217

Capítulo 11

PENSANDO O FUTURO DA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS: o arcabouço legal é adequado? Éldis Camargo Santos

247

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 7

PREFÁCIO

__________________________________________________________________________

José Geraldo Mageste1 Hudson Carvalho2

Uma das faces mais visíveis da mudança climática global dos últimos tempos é a mudança da

segurança hídrica. Mas também é verdade que existem muitos temas integradores relacionados a esta

questão que o mundo científico está ligado e vem tentando entender. Esse entendimento passa pelos

mais variados aspectos da vida humana, como a produção de alimentos e a segurança alimentar;

geração de energia e segurança energética; os recursos hídricos e os muitos aspectos de saúde e

vulnerabilidade da população; os impactos das mudanças climáticas e os extremos climáticos nos

grandes biomas do Brasil e os serviços ecossistêmicos; a escassez de água nas grandes cidades (como

ocorrido em São Paulo recentemente) e os riscos associados à vulnerabilidade das populações mais

pobres em áreas mais expostas aos extremos de tempo e clima. Estas últimas são as mais frequentes

vítimas dos consequentes desastres naturais.

Mas pouco ou nada adianta para o nosso presente navegarmos em desenvolvimento de

cenários de clima futuro derivados de complexos modelos globais. Certamente, será a discussão dos

diversos atores e a divulgação dessas ideias deste momento que ajudarão nesta caminhada. Este

livro é um bom exemplo de divulgação deste conceito. São atores de diversos segmentos que

demonstraram seus excelentes conhecimentos e propósitos no auxílio à melhoria da gestão dos

recursos hídricos, em um país onde a situação de gerenciamento desses recursos é muito desigual

nas diversas regiões. Ainda existem aquelas onde inexiste qualquer ferramenta de gerenciamento.

A melhor governança ambiental deve ser pensada para os limites de uma bacia hidrográfica.

É dentro desses limites, com intensos estudos de todos os impactos ambientais e as várias

ferramentas de mitigação, de avaliações de vulnerabilidade e de adaptações, que existem as

condições necessárias para maior acerto do planejamento regional para o uso dos recursos hídricos

e satisfação plena de todo sistema terrestre.

1 Engenheiro Florestal pela Universidade Federal de Viçosa, MS em Solos e Ph.D em Forest Management. Foi Gerente de Meio

Ambiente da Organização Bahia Sul Celulose (hoje Suzano Celulose Papel). Atualmente é Professor da Universidade Federal de

Uberlândia, nas cadeiras de Política e Legislação Ambiental e Manejo de Solos Tropicais. Possui inúmeros trabalhos publicados dentro

do tema Política Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, como também problemática de ocupação territorial do

Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. E-mail: [email protected] 2 Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Uberlândia, MS em Irrigação e Drenagem pela Universidade Federal de Lavras

(UFLA) e Dr. em Irrigação e Drenagem pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo (ESALQ/USP).

Atualmente é Professor da Universidade Federal de Uberlândia, nas disciplinas de Hidrologia em Bacias Hidrográficas e Recursos

Hídricos, para o curso de Graduação em Engenharia Ambiental; e Hidrologia e Recursos Hídricos para o Curso de Pós-Graduação em

Qualidade Ambiental (PPGMQ/UFU). Possui diversos trabalhos e projetos acerca da hidrologia, da gestão e monitoramento de bacias

hidrográficas e da cobrança pelo uso da água de irrigação no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográficas. E-mail: [email protected]

8

Existe uma convergência entre os vários cenários de mudanças climáticas para um futuro breve.

Em todos eles haverá menor disponibilidade hídrica em grande parte do território brasileiro. Isto já é uma

realidade e esperam-se efeitos diretos na produção de alimentos e no abastecimento humano e de

animais. Destacam-se as projeções de mudanças nos padrões regionais de chuvas para todo país, com

sensível diminuição do potencial hidráulico para as bacias hidrográficas do sul e sudeste da Amazônia,

exatamente onde se concentram planos de expansão da capacidade de geração de energia.

Neste momento em que comemoramos vinte anos da implantação da Política de Recursos

Hídricos no Brasil e nos preparamos para o 8° Fórum Mundial das Águas a ser realizado em Brasília,

em 2018, uma reflexão clara, concisa e bem alicerçada é apresentada neste livro.

Tudo isto apontado, valoriza-se o conteúdo, fruto da transcrição de um excelente encontro

técnico-científico, ocorrido na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em dezembro de 2017,

sob a égide de promover e exaltar o diálogo entre aqueles que atuam nas bacias hidrográficas, tanto

que se chamou DIÁLOGO SINGREH (Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos).

Nesse encontro pode-se identificar uma perfeita valorização do trabalho de campo como estratégia

para promoção do patrimônio hídrico brasileiro, um grande incentivo ao diálogo entre saberes e

investigadores visando a alargar redes de conhecimento e consolidar parcerias entre as diversas

organizações de ocupação da bacia hidrográfica, identificando e valorizando os recursos do

território, naturais e humanos, materiais e intangíveis, como também identificar fatores críticos e

estratégicos do desenvolvimento (patrimônio cultural, paisagem, recurso hídrico e cultura, etc.).

Agradecemos a todos os organizadores, nas pessoas do professor Cláudio Di Mauro e do

engenheiro Wilson Akira Shimizu, pelo convite para prefaciarmos este documentário, que sabiamente

deve ser tratado como um documento, coerente com a riqueza de seu conteúdo. São iniciativas como

esta aqui registrada que promoverão a coesão econômica, social e territorial deste imenso país.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 9

APRESENTAÇÃO I

__________________________________________________________________________

A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS (PNRH)

José Machado3 É uma das mais bem engendradas políticas públicas no Brasil. Passados vinte anos desde a

aprovação da lei que a instituiu, pode-se celebrá-la como uma política efetiva, que se constrói

progressivamente no quotidiano através de um sistema participativo e descentralizado que

incorpora uma expressiva quantidade de pessoas (de governos, usuários de água, sociedade civil,

setores acadêmicos, etc.) nas várias regiões do país. Nesse sentido, é cabível sustentar que a PNRH

hoje é mais que uma mera promessa.

Não obstante, como soi acometer as políticas públicas em geral, obstáculos de toda ordem

se antepõem à sua implementação, exigindo dos atores que a protagonizam um diuturno esforço

de superação. Esse esforço será tanto mais passível de êxito quanto mais bem preparados e

motivados estiverem esses atores.

Revestem-se, assim, de grande relevância estratégica iniciativas como a tomada pela

Universidade Federal de Uberlândia, com o decisivo apoio da Agência Nacional de Águas, em

promover o VI Workshop Internacional Sobre Planejamento e Desenvolvimento Sustentável de

Bacias Hidrográficas que culmina com o DIÁLOGO sobre o SINGREH e a consequente publicação

desta obra, voltados à capacitação, sobretudo, dos atores que atuam nas abordagens sobre a

legislação de recursos hídricos e na implementação dos seus instrumentos de gestão, mormente

em tempos e espaços que se caracterizam pelos riscos de crise hídrica com a emergência de

conflitos pelo uso da água.

3 Ex-prefeito de Piracicaba, Deputado Estadual, Deputado Federal e Diretor Presidente da Agência Nacional de Águas (2005 a 2009).

10

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 11

APRESENTAÇÃO II

__________________________________________________________________________

Claudio Antonio Di Mauro4

No mês de julho de 2017 foi realizado, sob liderança da Universidade Federal de Uberlândia

(UFU), o VI Workshop Internacional Sobre Planejamento e Desenvolvimento Sustentável de Bacias

Hidrográficas, no qual se inscreveram mais de 700 pessoas entre profissionais do serviço público em

geral, entre os quais Universidades, órgãos de gestão de recursos hídricos, usuários de água e

representantes da sociedade civil. Comitês de Bacias Hidrográficas tiveram muitos participantes e o

CBH Paranaíba foi um dos organizadores, juntamente com a Agência Nacional de Águas (ANA).

O Workshop contou com recursos financeiros provenientes de CAPES, FAPEMIG, ANA,

CBH Paranaíba, Ministério Público de Minas Gerais e inscrições de participantes. Os relatórios

das atividades foram publicados, juntamente com duas centenas de Resumos Expandidos, que

poderão ser acessados no endereço: O Relatório do IV Workshop Internacional sobre

Planejamento e Desenvolvimento Sustentável em Bacias Hidrográficas (PDSBH), disponível no

site do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia:

<http://www.ig.ufu.br/PDSBH>, que também poderá ser acessado pelo seguinte endereço,

contendo a programação ilustrada que foi desenvolvida, bem como todos os Resumos

Expandidos: <https://drive.google.com/file/d/0B1K90UeSl3Q4SDBseDVBTmNyVWs/view>.

Foram selecionados alguns dos mais completos textos para publicação na Revista

Caminhos de Geografia, v. 18, n. 64, 2017, Edição Especial, Gestão de Bacias Hidrográficas: da

teoria à práxis. Esses artigos poderão ser acessados pelo seguinte link:

<http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/issue/view/1530>.

Algumas questões ficaram para ser aprofundadas em outras oportunidades. Por isso houve a

necessidade de se desenvolver uma atividade específica para tratar da legislação de recursos hídricos

no Brasil. Essa foi a motivação para que o Workshop se desdobrasse no evento que denominamos de

DIÁLOGOS SOBRE O SINGREH: Avanços ou Recuos com a Atual Legislação. O fato de que a Agência

Nacional de Águas é um LEGADO da legislação de Recursos hídricos e a realização no Brasil, em Brasília,

do 8º Fórum Mundial da Água foram componentes importantes para que em dezembro de 2017

realizássemos na UFU este DIÁLOGO sobre o SINGREH.

4 Docente no Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia é credenciado no Programa de Pós -Graduação da

UNESP - Presidente Prudente e no ProfÁgua. E-mail: [email protected]

12

Esses DIÁLOGOS sobre o SINGREH foram realizados sob a coordenação do professor doutor

Cláudio Antonio Di Mauro e do engenheiro civil Wilson Akira Shimizu, contando com a indispensável

colaboração da geógrafa Tatiana Silva Souza.

Gravamos as palestras e os debates, fizemos literalmente suas transcrições, que foram

devidamente corrigidos pelos seus autores, os quais ainda nos ofereceram um capítulo

complementar para fazer parte desta publicação. Nas transcrições contamos com o trabalho do

professor doutor Cláudio Antonio Di Mauro, professor doutor José Geraldo Mageste e do técnico

da UFU, Paulo Roberto Garcia.

Nas palestras e nos debates ficou bastante acentuada a compreensão da importância da

Lei 9.433/1997 e seus desdobramentos. Esteve presente a preocupação de não encaminhar

alterações que poderiam ter oportunistas no Senado Federal e na Câmara dos Deputados com

interesses sub-reptícios capazes de promover muitos prejuízos e perdas na legislação vigente.

O exemplo dos impactos negativos produzidos no Código Florestal foi referenciado como

comprovação importante dos referidos riscos.

Há uma nítida sensação de que, apesar de ajustes necessários e possíveis, a legislação sobre

recursos hídricos ainda não está efetivamente aplicada. Foram destacados pontos como:

- A importância de fortalecer a participação das mulheres como protagonistas na aplicação

da legislação;

- Criar as condições para que entidades dos movimentos sociais, a exemplo de

assentamentos rurais, indígenas, quilombolas tenham condições de participar desse processo para a

construção da governança das águas;

- A necessidade de fortalecer e capacitar os participantes dos CBHs que ainda não estão

atuando com a determinação e com a qualidade oferecida pela legislação;

- A necessidade de fortalecer os órgãos dos sistemas federal e estadual que não estão

efetivamente cumprindo suas responsabilidades, tendo em vista o enfraquecimento a que

estão confinados;

- A inclusão da Educação Ambiental como instrumento de capacitação para a atuação da

sociedade civil e demais componentes do SINGREH, bem como a fiscalização reconhecida como

instrumento de gestão;

- A conquista dos espaços nos quais os entes estaduais, especialmente os governantes,

compreendam a importância das águas como fator de qualidade de vida e para o estabelecimento

de políticas de desenvolvimento com sustentabilidade ambiental, nela incluída a sustentabilidade

social, cultural e econômica;

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 13

- A necessidade de os diversos órgãos e instâncias de governos dialogarem e se integrarem

na atuação de valorização da importância da água para a qualidade de vida e políticas de

desenvolvimento sustentável;

- Conforme explicitam em capítulo deste livro o doutor Carlos Alberto Valera, doutora

Mayara Cristina de Mello Vieira Valera e doutora Caroline Fávaro Oliveira sobre“... a grande

importância que os comitês de bacias hidrográficas possuem dentro das Políticas Nacional e Estaduais

de Recursos Hídricos. Se assim o é, resta evidente que os conselheiros dos comitês de bacias hidrográficas

possuem poderes e interferem direta ou indiretamente na gestão dos recursos hídricos, logo, também

podem ser responsabilizados em razão das respectivas atuações.”

Assim é que os conselheiros dos CBHs devem ser capacitados para não cometerem erros em

suas participações ou omissões e, por fim, sofram tais consequências.

- A importância do enquadramento como instrumento de gestão e que sob a égide da falta

de componentes técnicos e informações há negligência em operacionalizá-los, aparentemente,

atendendo interesses não muito saudáveis. Algo está travando a aplicação da Lei, aparentemente para

atender setores de usuários;

- A falta que os Planos de Bacias identifiquem áreas de conflitos ou aquelas que são

potencialmente sujeitas a conflitos e que mereceriam atuação imediata por parte dos CBHs;

- Destaque-se a afirmação neste livro do capítulo escrito pela professora doutora Éldis

Camargo Santos, quando, entre outros pontos importantes, afirma:

“... a Lei das Águas agrega fundamentos contemporâneos ao se fixar na gestão, trazendo

todos os atores interessados para a administração participativa, amenizando os ritos voltados para

instrumentos e comando e controle.”

- A aquiescência da Carta de Uberlândia como material de ampla divulgação e de

fundamento para que a água seja reconhecida como um bem comum e que seu acesso seja

garantido para todos os seres vivos e que todos os corpos de água tenham respeitadas suas funções

ecológicas. A Carta de Uberlândia está publicada neste livro com o compromisso de que seja

orientadora para as pesquisas e práticas dos participantes no Workshop referido.

Assim, fica entendido que os cuidados com as águas são responsabilidade não apenas dos

entes envolvidos diretamente no SINGREH, mas de todos os atores que são usuários de águas,

bem como dos consumidores.

14

Está expresso o oferecimento de contribuições para que se dê a efetiva aplicação da Lei

9.433/1997 com possibilidade de seu aprimoramento, adotando-se providências pelo Conselho

Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), tendo em vista as apresentações e participações do engenheiro

civil Júlio Thadeu Silva Kettelhut, do gestor governamental do Estado de Goiás, o mestrando João

Ricardo Raiser, do gestor diretor de Operações e de Eventos Críticos do IGAM, Heitor Soares Moreira,

do presidente da Agência ABHA, Sérgio Leal, a participação de muitos presentes no 8° Fórum Mundial

da Água, assim como no Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA).

Nossa expectativa é que com os conteúdos deste livro tenhamos o estímulo para muitos

debates que contribuirão com a dialética na evolução do Sistema Nacional de Gerenciamento

dos Recursos Hídricos.

Tupã-SP, 2018.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 15

PARTE I

Palestras, PowerPoint e Debate do período da manhã

16

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 17

CAPÍTULO 1

__________________________________________________________________________

PALESTRAS DO PERÍODO DA MANHÃ

O ESTADO DO FUNCIONAMENTO DO O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS

HÍDRICOS - SINGREH5

1. 1 Palestra - Aplicação da legislação, base para avanços

Heitor Soares Moreira6

Bom dia a todos. Meu nome é Heitor e atualmente estou designado a responder pela Diretoria

Geral do IGAM, pois nossa Diretora está afastada para licença-maternidade.

E atendendo aos convites do Wilson Akira Shimizu e do Professor Cláudio Di Mauro, estamos

aqui para discutir, e para nós do IGAM é um momento assim brilhante, pois vamos expor nossos

trabalhos e aprender com a Academia e com todos os outros palestrantes que estarão falando e vocês,

que estão participando como ouvintes. Nessa troca de ideias a gente sempre leva para casa alguns

conselhos e algumas ideias e começa a difundir isso internamente para crescer. Preparei minha

apresentação pautada da seguinte forma: trago algumas situações recentes vividas no Estado de

Minas Gerais, são dados técnicos constatados por nossa equipe técnica para que depois possamos

discutir como este arcabouço legal contribui ou dificulta para sairmos sair dessas situações. Assim,

trago algumas situações depois apresento alguns desafios que temos na nossa interpretação e os

avanços que conseguimos e conquistamos nesse período, comemorando os vinte anos de Política

Nacional e o IGAM comemorando os seus dezessete anos de vida. Para nós isso é importante.

Então, falando um pouquinho sobre disponibilidade hídrica em MG, o desafio nosso é que

são muitas Minas Gerais. Quando olhamos o Mapa das Vazões Específicas, vazão específica seria

a quantidade de água que eu tenho por unidade de área, daí posso olhar essa vazão máxima, a

média e algumas vazões mínimas também que possam ser medidas. Eu trouxe aqui a vazão

mínima, ou seja, o Q7 10 por unidade de área. Isto dá ideia do desafio que temos enquanto órgão

gestor de recursos hídricos. Não somente o IGAM, mas todos aqueles atores que fazem parte do

sistema estadual de recursos hídricos. Aqui na parte de cima está um azul um pouco mais claro,

onde vemos uma região mais árida do Estado de Minas Gerais. Às vezes, vemos uma vazão

5 Transcrição das Palestras e Debates: Prof. Dr. José Geraldo Mageste. Engenheiro Florestal, Ph.D. Professor do Instituto de Ciências Agrárias - ICIAG, da Universidade Federal de Uberlândia - Uberlândia - MG. E-mail: [email protected] 6 Mestrando em Tecnologias e Inovações Ambientais – UFLA, Diretor de Operações e Eventos Críticos – IGAM – Cidade Administrativa de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

18

específica, às vezes de 0 a 2, rios até intermitentes. Neste caso, a Q710 talvez não seja o melhor

instrumento para aplicar nessas regiões. Mas são regiões em que naturalmente temos uma

quantidade de água menor e temos que aprender a conviver com isto. Ninguém vai conseguir

produzir água com fartura para plantar o que quiser nesta região. Nós temos é que aprender a

conviver. Naturalmente, pelo menos neste ciclo, em tempo não geológico, mas humano. Isso aqui

é seco e temos que conviver com isto. Como fazer uma gestão que consiga desenvolver

economicamente esta região? Que consiga dar uma qualidade de vida para esta população?

E outras regiões, como a Zona da Mata, região de Juiz de Fora, onde temos maior

quantidade de água maior com maior disponibilidade hídrica. O conflito para acesso à água é

menor, por conta da boa quantidade de água. E a região aqui do triângulo mineiro, tem aqui a

bacia do rio Grande e do rio Paranaíba, em que temos boa disponibilidade. Mas temos grande

demanda de água, principalmente por causa da vocação agrária da região em que a demanda por

irrigação é grande por ser um dos maiores consumidores que temos. Temos que trabalhar vários

extremos. E fazer gestão de recursos hídricos de extremos é um desafio, não é fácil. Gestão de

recursos hídricos da média seria voar em céu de brigadeiro, muito mais fácil. Agora trabalhar a

falta ou o excesso da água é um desafio muito grande em que temos que começar a focar esforços.

Lá no IGAM já começamos a vislumbrar estas situações as quais já temos atacado e pretendemos

melhorar, aprimorar nestes aspectos.

Agora vamos entender aqui e eu trouxe alguns dados por bacia e também por setor. Vamos

entender como é o consumo de água é MG. É um número muito direto, é um somatório bem simples

que fizemos. Só em termos de curiosidade, mas que ajuda a entender muito o que tem acontecido.

Quando olhamos o consumo de água em Minas Gerais, o setor agropecuário é o maior demandante.

Quando fazemos a soma das vazões outorgadas lá, temos 248329 litros/segundo outorgado para

este setor. Isso em todo o Estado. Aí vem o setor do abastecimento humano, mineração, consumos

industriais e os outros diversos usos que podemos ter. Assim, temos 425855 litros/segundo

outorgados em todo o Estado. Quando olhamos as bacias que demandam, a Bacia do Rio São

Francisco é campeã. Ela tem uma demanda maior de 238724. É uma bacia que tem uma diversidade

de demanda muito grande. A cabeceira tem uma vocação para atuação minerária na região de Ouro

Preto, Mariana. Ela passa pela região metropolitana de Belo Horizonte onde o setor de saneamento

é um grande usuário da Bacia do Rio São Francisco, tanto para captação como para abastecimento

no Rio das Velhas, que abastece 60% dos municípios da região metropolitano de Belo Horizonte,

como também para diluição do efluente remanescente. Após o tratamento, temos que usar aquela

água para assimilar aquela substância que eu não consegui retirar do meu processo de tratamento.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 19

E na parte mais baixa da bacia, isto olhando em Minas Gerais, temos uma vocação mais agrária,

onde há o Projeto Jaíba e vários outros projetos de irrigação. Então é uma bacia bem diversificada.

Depois temos a bacia do Rio Paranaíba, com mais de 100 mil litros. A bacia do Rio Grande e por

aí vai, até chegar à bacia do rio Paraíba do Sul. Então, onde tínhamos maior disponibilidade de água são

as bacias onde temos os maiores usuários. Aí vem a questão da oferta e da demanda. Se eu tivesse a

maior demanda onde tenho a maior oferta, talvez os meus problemas pudessem ser resolvidos com

muito mais facilidade. Mas, feliz ou infelizmente, na prática isto não acontece.

E aqui, por último, uma curiosidade na questão do uso insignificante, que uma tecnologia

advinda da Política Nacional de Recursos Hídricos da Lei 9.433/1997 que fala dos usos outorgáveis,

que são os usos que alteram regime de quantidade e qualidade da água e eximem da outorga os

usos considerados insignificantes. Em Minas Gerais, temos a Normativa 9 de 2004, que estabelece

o que é uso insignificante e a gente trata isto como um modelo diferente. São processos mais

simplificados. É mais um cadastro que uma análise técnica do uso. Aqui a gente trouxe um número

também: são mais de 105 mil usos considerados insignificantes, que são, geralmente, para

subsistência, ou pequena agricultura ou dessedentação de animais ou pequena quantidade para

consumo humano, subterrâneo 42 mil, um pouquinho mais e superficial 28 mil considerados

insignificantes. Quando se traz para a questão das bacias, a do São Francisco continua sendo a

campeã e com os usuários considerados insignificantes, seguido do rio Grande, rio Paranaíba, rio

Doce, Paraíba do Sul e em sequência outras bacias.

Aqui já é um mapa que trata a questão do comprometimento daquilo que podemos outorgar.

Em tem um mapa mostrando o comprometimento. Nesta área verde, eu tenho um comprometimento

de 0 a 50% da vazão que eu posso outorgar. Em amarelo eu tenho de 50 a 100% e em vermelho eu

tenho acima de 100%. Mas, como assim, Heitor, você tem 100% da Q710 outorgada? Essa situação Minas

Gerais, trabalhamos em determinadas bacias com a fração de 50% daquela vazão de referência

chamada Q710 para poder outorgar e outras atividades para planejamento e gestão são 30%. Aqui ela

existe porque neste mapa aqui. O objetivo é a gente mostrar que em algumas situações a capacidade

de outorga não é suficiente para atender à demanda. Então, em algumas situações temos tem o

reservatório que é uma infraestrutura que nos dá esta possibilidade de reservar água na época do rio

cheio para ser utilizada na época de estiagem. Então eu tenho a capacidade de regularização deste solo

artificial e aí eu consigo outorgar mais do que a natureza me oferece. Então, nesta situação, não estão

computados os reservatórios. Por isso que outorgamos mais do que isto. É só para reforçar a

necessidade que nós, seres humanos, podemos contribuir com essas situações.

Cláudio Di Mauro pede que Heitor explique para as pessoas o significado de Q710.

20

A Q710 é uma vazão estatística, o 7 significa a média móvel de 7 dias de duração, que faz com

que caso eu tenha uma leitura errada na vazão essa leitura não possa majorar meu cálculo. Então

quando eu faço a média, isto é, dirimido que eu tenho um cálculo. Então se realmente eu tivesse

tido esse evento atípico, geralmente isto se repete dois, três, quatro dias, então eu não perderia

totalmente esta informação. Então este 7 é a média móvel que a gente faz. O 10 significa o período

de retorno, isto é, a frequência que eu espero. Então quando eu pego Q710 eu pego uma vazão

mínima móvel de 7 dias de duração e trabalho ela estatisticamente para entender em qual

frequência aquela vazão vai acontecer uma vez a cada 10 anos. Ela terá que ser suportada a cada

10 anos. Então quando eu tenho uma Q710 de 100 mil litros por segundo, o que isto significa?

Significa que eu espero que aquela vazão ocorrerá, em média, uma vez a cada dez anos. Na maioria

do tempo eu vou ter uma disponibilidade hídrica superior àquele fator. Então eu trabalho num

cenário pessimista de uma vazão que eu espero acontecer uma vez a cada dez anos. Pode acontecer

este ano? Pode. Ano que vem? Também pode. Tentei resumir aqui. É uma vazão fictícia, tá? Ela

pode acontecer, mas na maioria do tempo espera-se que tenhamos um valor superior a ela.

Aqui na água subterrânea, que é um subterfúgio quando falta água superficial, para onde eu

corro, para o solo. Eu vou perfurar e espero ter água. O problema é que temos visto as pessoas

dizerem que antigamente aqui a gente perfurava e a 60 m e tinha água, hoje a 100 metros já não se

consigue resultado com a mesma quantidade de água. Por quê? Há uma demanda e uma exportação

de água subterrânea maior que a capacidade de resposta. Então no mapa nós podemos ver que

quanto mais forte for a cor marrom, maior é o consumo. E aqui eu tenho as áreas em conflito. Aqui

em Minas Gerais o que seria essa área de conflito? É exatamente onde eu tenho mais demanda do

que disponibilidade de água. Então a gente pode perceber nas áreas onde a gente tem agricultura

mais intensa irrigada é onde estão situadas as nossas áreas de conflito. Essas áreas aqui trabalhamos

de forma diferente. A outorga, em vez de ser emitida uma a uma a cada solicitação e demanda, a

gente reúne as pessoas naquela área e emite uma Portaria Única, fazendo a dotação que seria a

distribuição daquela quantidade de água que podemos outorgar para aquelas pessoas. E aí se utiliza

de diversas técnicas. Na medida do possível eu vou distribuir em tempo, horário, dias, para dentro

do possível atender o pleito de cada um. Esse outro mapinha aqui é o nosso monitoramento em

Minas Gerais. Neste ano a gente viveu eventos extremos de estiagem e aqui nós temos as áreas dos

pontos onde monitoramos onde a vazão ficou menor do que a Q710. Isso porque temos uma Deliberação

Normativa que estabelece que, quando chegar a um cenário inferior àquele outorgado, deve ser emitida

a restrição de uso. E essa restrição pode ser total ou parcial. No primeiro momento restringimos

parcialmente, por exemplo, 20% para o setor agrário, 30% para a indústria, e aí vai se fazendo a

diminuição daquele valor outorgado. Então aqui conseguimos ver cenários em que tivemos conflitos.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 21

Falando em climatologia, fizemos algumas análises este ano com relação à quantidade que tem

chovido: se tem chovido mais ou se está chovendo menos. Então pegamos pegou os dados observados.

A climatologia é uma informação que a gente faz de trinta em trinta anos. Pegamos a média que chove,

fazemos aquela média bruta e temos: o clima aqui da região é que chova 2.000 mm por ano e depois

vamos para as estações do IMNET ou próprio IGAM, e vemos quanto choveu e cruzamos com este dado

da climatologia, que é um dado mais consolidado com o qual fazemos a revisão. A próxima revisão

climatológica vai sair em 2021, e gera estes mapas que a gente chama de anomalia.

Então aqui conseguimos perceber que quanto mais puxado para amarelo é porque choveu

menos 20 a 30% do que se esperava chover, que é a climatologia. Então, desde 2012 até o ano

passado, em raríssimas situações que é onde está o verde tivemos chuva acima da climatológica.

Estamos vindo de períodos recorrentes de chuvas abaixo do esperado e isso tem intensificado as

crises porque os reservatórios entram no período de seca cada vez mais baixos. E aí eu trouxe

algumas ações para adotarmos em temos de seguranças hídricas.

Precisamos de governança e regulação; é imprescindível isto.

- Gestão de dados e informações. Como é que vamos fazer gestão sem conhecer as

questões postas?

- Gestão do custo da água – precisamos conhecer qual é o valor da água até em termos de

insumo produtivo.

- Intervenções de infraestrutura – o que podemos fazer em termos de performance e

melhoria de sistemas de água.

- Gestão da variabilidade; armazenamento superficial; uso sustentável da água subterrânea.

Tudo isto é necessário para a gente ter uma segurança hídrica.

- Desenvolvimento de novas fontes e fontes alternativas eficiência do uso, reabilitação

ambiental de áreas degradadas de conservação da bacia hidrográfica.

Então são medidas necessárias e aí vamos avaliar onde temos apoio da legislação atual e

onde ela acaba dificultando a vida.

- Uso eficiente de água minimizando das perdas do setor de saneamento.

- Aproveitamento de água de chuva, tudo isto em termos de gestão de demanda. São

situações que podemos fazer para melhorar nossa situação.

- Em termos de gestão de demandas: potencializar o reuso da indústria e da agricultura.

Temos legislações para isto? Se eu quiser fazer reuso hoje o que me resguarda?

- Uso de tecnologia e apoio. Com relação à disposição de oferta, infraestrutura hídrica,

barragens, construção de adutoras, transposição e perfuração de poços. Claro levando em

consideração todo aspecto ambiental que é superimportante. Mas são ações que conseguimos

tanto para trabalhar questões dos extremos: a chuva em excesso ou a falta dela.

22

- Continuando a gestão de ofertas: pagamentos por serviços ambientais. Hoje temos uma

política muito pautada para questão de corrigir uma situação já existente e não uma gestão de

produção de água. Isto é importante.

- Plano de conservação de bacias hidrográficas, cobertura vegetal, manejo do solo, isso

acreditamos ser importante.

Para concluir: os desafios que estamos contando aqui. Identificação dos mecanismos que

permitam maior efetividade dos recursos financeiros do Singreh. Aí está todo o Sistema Nacional de

Recursos Hídricos. Como podemos fazer com que o recurso arrecadado chegue à mão de quem vai

conseguir aplicar isto na bacia para uma conservação e hoje é um desafio para nós. Esses recursos

existem, mas não conseguimos fazer com que a coisa aconteça. Então, em função do tema das

mudanças climáticas, na política de 1997 pouco se falava em mudança climática. Hoje é uma

situação latente, como incorporar isto?

Gestão compartilhada de riscos fronteiriços, importante isto. A legislação de São Paulo e MG

nem sempre é a mesma. Nas legislações de Minas Gerais e de São Paulo o assunto é tratado de

forma diferente e temos de entregar água para São Paulo. Como compatibilizar essas políticas?

Capacitação de agentes públicos – de agentes do CBH e atores do processo de gestão dos recursos

hídricos. Nessas áreas temos uma rotatividade muito grande. A pessoa fica boa de serviço ali e daqui a

pouco ela é incorporada no mercado de trabalho ou na iniciativa privada. A gente tem que começar do

zero e ficamos enxugando gelo sempre. Como trabalhar este aspecto?

Atualização efetiva e pagamento dos corpos d’água. Hoje temos enquadrado quase

automaticamente.

Definição de critérios de outorga para diferentes situações. Como ter um arcabouço legal

que permita isto. Aqui na região os produtores já vão plantar abacaxi. O cara me pede uma outorga

hoje. Se eu for levar um tempo razoável para dar esta resposta – 90 dias – daqui a pouco ele já está

mudando para outra propriedade. E ele quer levar esta outorga junto e isto não é possível. Como

trabalhar com serenidade para atender a essas demandas?

Integração do I Plano Estadual de Recursos Hídricos. Com esse plano, política que orienta o

usuário de Recursos Hídricos. Plano não pode ser plano de gaveta. Na hora que o governo for definir

qual é a matriz energética do Estado de Minas Gerais ele tem que levar em consideração o plano

estadual, porque senão este plano não terá cumprido o seu papel.

Assimetria na participação dos membros de comitê – há setores que têm condições de levar

um técnico, tem condições de pagar uma passagem com uma diária para uma reunião itinerária e,

às vezes, outros setores não têm. Então existe esta assimetria.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 23

Participação popular na definição do enquadramento indo além do aspecto técnico inicial. O

enquadramento hoje, como eu disse, é feito de forma direta, induzida, pela falta do

enquadramento. Às vezes ele é um dificultador porque você não consegue, por exemplo, instituir

outras ferramentas de gestão como outorga de diluição de lançamento porque ninguém vai

conseguir cumprir porque ali tem um rio de classe 2 que está no meio de uma cidade que não

comporta um rio de classe 2. Por mais que todo mundo queira, tem todo um risco lá. Mas é inerente

à nossa existência essa contaminação.

Cobrança tratada como meio em nível financeiro para recuperação de cursos e

financiamento da gestão e não como um instrumento econômico para racionalizar uma efetividade

de consumo. É realmente dar à água aquele valor que ela tem e que a cobrança seja em nível de

induzir a pessoa racionalizar o seu uso. Não como uma fonte de arrecadação para a bacia.

Mas que aí é melhor eu economizar porque vai ficar mais barato para mim. É melhor eu

investir num sistema mais eficiente porque vai ficar mais barato para mim do que ficar pagando esta

quantidade de água a mais que eu utilizo.

Avanços – consolidação da importância da gestão participativa na gestão de RH. Temos

notado isto, cada vez mais as pessoas têm a real noção do papel do Comitê dentro do possível

pretendido participar.

Mais, aprimoramento dos modelos que auxiliaram na gestão dos conflitos da água. A bacia

do São Francisco teve uma gestão fantástica agora com o problema de escassez. Um foro discutindo

diretamente o que ia ser tomado, com antecedência. Claro, ninguém conseguiu fazer chover, mas

conseguimos dirimir vários problemas. Se não tivesse esse foro esses problemas iriam acontecer.

Esperamos que isso se replique aí pelo Brasil afora.

Poder de polícia aos órgãos gestores. Isto nos deu autonomia.

Aumento de melhoria técnica na rede de monitoramento quantitativo. Hoje a gente tem as

informações que nos favorecem muito em tempo real. Estamos tentando ampliar isto.

Ampliação dos CBHs do Território – Minas Gerais tem avançado neste aspecto.

Start da cobrança em bacias – por mais que tenhamos mencionado alguns problemas, foi

bom conversarmos.

Aprimoramento dos modelos de uso – hoje a fiscalização tem a proposta de ser uma

fiscalização eficiente com uso de tecnologia.

Consolidação do instrumento de outorga como algo necessário para uso.

24

Quando eu comecei a trabalhar no IGAM, só para exemplificar, em 2006. Eu chegava para

fiscalizar no Norte de Minas, na região de Montes Claros e me apresentava. Eu sou Heitor, do IGAM,

e vim aqui verificar o seu uso da água. Ah! Vamos entrar, e aí ele me apresentava para a esposa dele

e falava que eu era do INGA, da água mineral InGÁ. Então, ninguém conhecia o IGAM e conhecia a

água Mineral INGA. Hoje a pessoa pode até fazer opção pelo uso irregular. Mas ela sabe que para

fazer aquele uso ela tem que ter ou o Cadastro do uso significante, isto de forma geral. Pode ter um

ou outro aí que escapa disso que estou falando aqui. Que ela tem que ter o cadastro de uso

insignificante ou outorga, isto já é mais e muito mais bem difundido.

Desculpe-me pelo avanço, professor. Estaremos à disposição para aos debates.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 25

__________________________________________________________________________ 1. 2 Palestra - Desafios legais e institucionais da gestão de recursos hídricos

Sergio Gustavo Rezende Leal 7

Bom dia a todos. O Heitor já fez alguns desafios que eu vou falar também deles. Ele foi numa

linha que eu vou também. Pensamos parecido.

Vou falar dos mesmos problemas e a legislação, o que podemos melhorar ou desafios que

podemos enfrentar como Agência de Bacias. Como o Wilson Akira Shimizu já falou, trabalhamos no

Araguari, no Paranaíba, no Grande e no Paranapanema. Eu foquei mais no Araguari, onde começou

a cobrança desde 2010, onde temos experiência há mais tempo e os problemas acabam sendo mais

consolidados. Então, quem somos:

Somos uma Associação de Usuários de Recursos Hídricos, amparada pelo Conselho Estadual de

Recursos Hídricos para ser Agência de bacia do Araguari. Temos também equiparação do Conselho

Nacional das Agências de Bacias do Paranaíba e temos um título de utilidade pública e ganhamos um

edital de OSCIP para ser Secretaria Executiva do Grande e do Paranapanema. A nossa missão é trabalhar

para excelência da Política Nacional de Recursos Hídricos e bacias e o que couber nos órgãos gestores

para promover o progresso e a sustentabilidade hídrica. Ontem fizemos junto com a ANA um

planejamento estratégico nosso e neste Planejamento Estratégico estamos revendo, trabalhando,

parece que o Wilson Akira Shimizu até trabalhou nessa missão, o Ronaldo até comentou comigo. É uma

missão muito grande. A gente quer colocá-la mais sucinta e mais objetiva. Hoje estamos pensando em

atuar de forma mais integrada na gestão de Recursos Hídricos, visando assim à sustentabilidade do seu

uso. Na sustentabilidade do uso, o grande foco. A gestão de recursos hídricos é uma das formas de

garantir a sustentabilidade de Recursos Hídricos. Tem outras formas como a gestão, por exemplo, dos

Fóruns, há outras leis ambientais de modo geral. O Heitor Soares Moreira, do IGAM, colocou, por

exemplo, apoiar as redes de usuário nos casos da gestão de demandas.

Um dos nossos problemas é a situação financeira. Eu não sei se cabe aqui, eu queria saber

de vocês. Conhecem todos os instrumentos de gestão? Vocês querem que eu faça uma introdução

muito rápida sobre os instrumentos de cobrança?

7 Mestre em Gerenciamento de Conflitos de Recursos Hídricos (UNESCO-IHE, Holanda), Mestre em Engenharia Ambiental (UFOP), Bacharel em Economia (UFMG, Brasil). Especialista em Gestão de Negócios (FDC, Brasil). Diretor Presidente da ABHA - Gestão de Águas - Agência de Bacia e Secretaria Executiva dos Comitês de Bacia dos Rios Paranaíba, Araguari, Grande e Paranapanema. E-mail: [email protected]

26

Então vamos lá. O Heitor falou muito da outorga, né? Ele falou da demanda da gestão hídrica,

da Q710. Tudo isto são subsídios para você fazer outorga. O que é outorga?

É o direito que o cara tem de usar água durante um determinado tempo. Se não me engano

todos os usos são de até cinco anos, podendo ser até 35 anos.

Outorga é um instrumento de comando e controle. O Estado garante o direito daquele usuário

usar água durante determinado tempo e ao mesmo tempo está sendo controlado para que todos os

usuários daquela bacia tenham água disponível na hora em que precisarem.

Baseado nas outorgas como instrumento de gestão, temos o plano de Recursos Hídricos. O

Plano de Recursos Hídricos traz todas as diretrizes como aumentar a oferta hídrica, diminuir a

demanda pelo uso da água, falar quais são as ações que devem ser feitas na bacia para aprimorar a

qualidade e a quantidade de Recursos Hídricos. Temos o Sistema de Informações que são as estações

de monitoramento, por exemplo, para medir a qualidade e quantidade de água para mostrar quais

são os tipos de uso que tem em cada lugar. Então a outorga, por exemplo a outorga e o

monitoramento subsidiam o Sistema de Informações. O enquadramento do rio nas diferentes classes.

Aquele rio tem classe x, então varia de especial a 4, sendo a 4 a pior classe de todas. Então,

dependendo do enquadramento, você pode colocar certos tipos de usos ali. Dependendo não pode

colocar. Quando você enquadra o rio, você tem dois tipos de enquadramento. O enquadramento real

como o rio hoje está enquadrado na classe x e enquadramento desejado. Quando você enquadra o

rio numa classe melhor, você obriga todos os usuários da bacia que não estão adequados àquele

enquadramento a se adaptarem. Ou fazer um planejamento ou até mesmo ter que fechar a sua

unidade ali não podendo mais usar água pelo menos daquele trecho do rio.

E existe a cobrança do uso da água que induz ao uso racional. Você usa a água que outorga e

você paga por isto. Quando você paga pelo uso da água, a ideia ou o conceito é quanto mais você

pagar mais racional você vai querer usar. A água é como um insumo econômico mesmo. Então, por

exemplo, a luz, a energia elétrica, o produtor rural quer melhorar hoje. Ele pensa muito mais em

melhorar a eficiência da irrigação dele em função do que gasta da energia que quanto gasta de água.

Principalmente se não tiver conflito na região. Energia é cara e a água não, a água é muito barata. E

quanto da cobrança vai ser implementada e no Araguari está implementada desde 2010 é um

processo da implementação da cobrança é um dos grandes desafios é que a cobrança não é

corrigida. Quando foi implementada num valor muito abaixo do que é real, ela foi colocada mais

para mostrar que a água tem um maior valor econômico e o Comitê precisa mostrar que a água

possa chegar a um uso mais racional com um valor real, mais altos do que os atuais. Esse assunto é

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 27

muito polêmico. Quem decide o valor da cobrança é o Comitê de Bacia que é composto pela

sociedade civil e usuários de água e o poder público. Então é assim, os usuários em especial veem a

cobrança não como uma coisa ruim. Mas eles querem ver o resultado da cobrança na prática da

bacia. Quando eles pagam, querem ver mais água, mais quantidade e qualidade. Isso hoje não

acontece e esse é nosso grande desafio. Por isso, em nossa missão a gente visa muito à

sustentabilidade dos recursos hídricos. Independente de seguir a gestão dos recursos hídricos ou de

alguma outra política pública. Voltando-se para cobrança, quando foi implementada não tinha

nenhum índice de correção. Tivemos anos, como 2015 onde a inflação foi de 10%. Em 2014 teve a

crise hídrica, principalmente em São Paulo, mas também teve em Uberlândia. O que aconteceu que

o DMAE fez uma campanha aqui em UDI para o uso racional da água. Ele é o maior pagador. A

arrecadação o DMAE caiu e a arrecadação da cobrança da Bacia do rio Araguari também caiu. Então

além de não ter correção monetária a arrecadação na bacia caiu.

Só como exemplo, o DEMAE que tem uma arrecadação de 5 milhões. Só o DEMAE representa

2,1 milhões. Isto em 2012. Em 2015 foi de 1,750 milhão. Reduziu 350 mil, um valor considerável. A Vale,

segunda maior arrecadação, caiu. A arrecadação caiu muito em função desses dois grandes usuários.

Eu não vou entrar muito neste entendimento financeiro, mas o sistema pode usar 7,5%. Eu

quero entrar é nos custos nossos.

A gente só pode usar na manutenção e custeio da agência, pagar funcionário, pagar aluguel,

pagar telefone, etc. só com 7,5% do valor arrecadado. Ou seja, se o valor arrecadado diminui, o meu

recurso para contratar pessoal diminui e então a minha receita cai. Porém, os custos não diminuem,

eles sempre aumentam em função da inflação e também de outras questões. Então, os nossos

custos que em 2010, foi muito isso, que a gente começou muito no final do ano, então nem vale a

pena considerar 2010 como um real. Então, em 2011 que teve um custo de 423 mil, subiu para

quase 700 mil em 2016. O QUE CRIA UMA INSUSTENTABILIDADE FINANCEIRA. A LEI FALA que só

pode gastar 7,5% do recurso com custeio Administrativo, que não está bem definido. Hoje tanto a

união quanto o Estado entendem que é tudo que é com dinheiro. Parece que é tudo com custo

rotineiro. Por exemplo, salários. Eu tenho um técnico que está ali para implementar uma ação do

plano, ou seja, usa 92% do recurso. Por que este cara é 92%? Tem uma portaria do Ministério do

Planejamento que fala que custeio administrativo dos órgãos de federais é despesa rotineira da área

administrativa. Então não entra a folha de pessoal, nenhum pessoal, a não ser que o pessoal seja da

área administrativa mesmo, da instituição, que não é terceirizado. Funcionário público não entra

como custeio administrativo. Aí eu liguei para o Ministério do Planejamento e eles disseram que

tem meta de redução de custeio administrativo e aí salário não entra. Uai, é o mesmo caso nosso.

Mas, enfim, isto não permite então que a gente... No frigir dos ovos temos dois problemas aqui, ou

28

se aumenta a cobrança, põe correção monetária para se conseguir pelo menos cobrir custos ou se

rediscute o que é o custeio administrativo, de forma que faça a gestão funcionar. Hoje a gente

arrecada 5 milhões por ano com a cobrança e temos 30 milhões em caixa. É claro que temos

correção monetária aí. Então o que a gente gastou ao longo desses anos somados dá, se muito, 9

milhões. Então a gente acaba criando um estereótipo para a sociedade. Porque vou implementar a

cobrança se o recurso não retorna para a bacia.

Temos outro problema que agravou com a crise do Estado. A partir de 2015 o Estado foi

ficando ruim das pernas e hoje está com dificuldade de pagar o 13º, imagine para você. E para as

agências de Minas, como um todo está devendo 58 milhões. Para a ABHA não é isto tudo não, é

torno de 7 milhões ou só 5. Além dos 30 milhões que tenho em caixa, tenho os 7 milhões que o

Estado não me repassou. Aí a gente tem outro problema para ser equacionado; é só gerando

problema. Eu que só posso gastar 7,5% do recurso arrecadado.

Se o Estado não repassa eu não tenho estes 7,5% para gastar. Aí é o custo de 92 que eu

preciso pelo menos manter o pessoal. Mas isto é legal, eu posso fazer isto? Creio que sim, mas isto

é uma questão.

Só tenho mais 6 minutos, vou tentar ser mais breve então. Acho que vou ficar somente na

parte funcional, eu tinha a parte institucional, a questão de 8666, que não vai dar tempo. Eu não

vou entrar nisso não. Vou ficar só no financeiro.

O que a gente está pensando então para aumentar a receita e reduzir despesas?

Vamos entrar na parte dos cadastros de usuários. É uma parte muito complicada da gestão.

O Sistema que eu uso de outorga não é o mesmo sistema para cadastro. Ou seja, o usuário que for

outorgado não é cobrado imediatamente. Ele só é cobrado quando é jogado no sistema de cadastro.

A outorga do IGAM não conta com o lançamento de efluente e a cobrança não integra essa

informação. O cadastro e a cobrança não conversam entre si. Isto o IGAM está tentando resolver

até acho que o sistema de cadastro ficou pronto, deve ter uma interface melhor entre cadastro e

outorga. Mas ainda assim existem questões vão para cobrança que a outorga não pede. Por

exemplo, o lançamento de efluente. Sempre este dado também tem que ser complementado para

chegar à cobrança. Quem vai fazer isto hoje é a Agência de Bacia. Não sei se vai continuar assim,

mas hoje é agente de Bacia. Eu preciso de ter gente ali para fazer este cadastro. É uma coisa que eu

não sei se é interessante. Isto no Estado é bom, na União nem tanto. No Estado é permitido você

aplicar dinheiro em qualquer fundo. Dependendo da época aumenta o seu rendimento financeiro.

Em relação à poupança. A União só aceita poupança. A poupança, rende muito pouco.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 29

Hoje não é tanto, pois os juros estão mais baixos e a poupança não está tão ruim em relação

aos outros fundos, mas na época que estava uma inflação de quase 10% a gente conseguiria aí uns

600 mil reais a mais só de mudar a aplicação financeira.

Rever a metodologia de cobrança é um assunto muito polêmico e muito complicado. Para a

associação de usuários incentivar a rever a metodologia da cobrança é um assunto polêmico, ao

mesmo tempo que é necessário. A gente tenta de todas as formas mostrar para o Comitê que isto

é um assunto importante. É bom para eles.

A gente ter um mínimo de fôlego suficiente para fazer as ações do Plano da Bacia, todo

mundo ganha. A gente também está buscando parcerias. Não sei o que o Carlos Alberto Valera vai

falar. Nós temos uma parceria muito interessante como Ministério Público. O Ministério Público,

vendo esta dificuldade nossa de aplicar os recursos da cobrança, colocou um dinheiro para a gente

ter em “factoring” específico para saneamento e em contrapartida comprometemos a gastar 5

milhões de reais em um ano. Esse é um projeto superinovador. Se der resultados e já está dando,

tenho certeza de que está acabando ele vai ser replicado no Brasil todo. Tenho certeza. Passa um

pouco pela Legislação. A legislação não coloca, dentro dos atores da gestão, o Ministério Público

não é um dos atores. Mas eu já vejo um dos pontos mais importantes, porque o Ministério Público

me ajuda de várias formas. Por exemplo, a gente tem projeto lá de recuperação de Indaiá e agora

está tendo em Indianópolis. Estamos fazendo em Indianópolis. Cercando nascentes da região. Antes

de fazer este projeto, acordamos com os produtores rurais e eles concordaram em cercar das

propriedades deles. Quando eles foram ver na prática o que era isto, “não pera aí”, não é bem assim.

Olha a gente já fez o projeto e contratou a empresa. Não queremos ter problema em termos de

gestão. E tenho certeza de que se não conseguirmos resolver numa boa, seremos obrigados a

acionar o Ministério Público. Enfim, faz parte de um acordo e faz parte de recuperar a gestão dos

Recursos Hídricos na região. Eu vou ficar por aqui para não estourar meu tempo.

A gente vai apresentar a cota de contribuição. Fazer a homologação. Este é um ponto

importante e é questão de Legislação. Na legislação, a cobrança é decidida pela sociedade. Todos

os usuários são meus associados, DMAE, Vale, etc. O DMAE e a Vale pagam quase um milhão de

reais cada um. Eles vão pagar cota também. O que me intriga é que esses usuários estão no Comitê,

estão na ABHA, eles decidiram pela cobrança. Eles pagam pela cobrança, mas a partir do momento

que pagam esse dinheiro deixa de ser deles e passa a ser público. A partir daí eu tenho que seguir

toda legislação pública. Então 8666, tem prestação de contas, você amarra toda contratação numa

30

lei rígida e cara de ser fazer isto. Por exemplo, bem simples, talvez a coisa mais banal na iniciativa

privada. A Bacia do Araguari tem 20 municípios, a grande maioria tem menos de 20 mil habitantes.

Você contratar um lanche num município de menos de 20 mil habitantes você tem que suar a

camisa. Um ganhador tem que ter todas as certidões negativas de débito com os Estados, com a

União e Municípios. Isto acaba gerando uma dificuldade que às vezes não existe. Primeiro a lei

precisa de três orçamentos, às vezes não existem três orçamentos neste caso. Aí tem que ir na

cidade vizinha, o que fica supercaro. Enfim, resumindo, a gente do nosso jeito. Mas acaba sendo um

jeito demorado, que gasta hora do meu funcionário. Se tivesse uma legislação mais flexível, pelo

menos para valores menores, isso gastaria menos tempo do meu funcionário e o dia a dia poderia

ser feito com menos gente do que faço hoje. E melhor parar e esperar o Debate. Obrigado!

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 31

__________________________________________________________________________ 1. 3 Palestra - Gerente de planejamento e apoio ao sistema de gestão de Recursos Hídricos

João Ricardo Raiser 8

Bom dia. Trabalho no Estado de Goiás e atualmente estou como Gerente de Apoio de Gestão de

Recursos Hídricos dentro desta grande instituição que é a SECIMA, que é o órgão gestor de RH em Goiás.

Vamos falar sobre os avanços da atual legislação. Vou tentar falar sobre a Gestão de uma

forma geral e mais ampla e um pouco do foco também na atuação dos comitês.

A gestão de água é uma decisão e nós temos que decidir fazer a gestão das águas. E aí aqui

dois exemplos: Nova York, após uma série de mortes, catástrofes e prejuízos, etc., decidiu que a

disponibilidade hídrica para os seus usos deveria proteger e conservar suas bacias. Assim, foi buscar

água a 160 km de distância. Primeiro a 60 e depois a 160 km de distância. Isto gerou uma economia

de 6 a 8 bilhões de investimentos na década de 1990 e 300 milhões anuais. Só que esta decisão não

é recente, ela foi tomada em 1800.

Brasil, para não dizer que a gente não está usando um exemplo daqui também, para mostrar

que não é uma coisa nova. D. Pedro II após déficit de água no Rio de Janeiro decidiu recuperar as

fontes de água da cidade. Assim, ele criou uma floresta protetora e determinou a execução deste

projeto. Ele é o atual Parque Nacional da Tijuca. Reconhecido hoje como maior floresta urbana.

Muito comentado neste sentido de biodiversidade, etc. Só que a origem disto é a preocupação com

a água. E esta decisão foi tomada em 1861.

E nós, como estamos fazendo isto hoje?

O que temos feito e atuado e as nossas decisões hoje? Como temos pensado, planejado,

gerido hoje? Protegido as nossas águas pensando nessas mesmas questões?

Então isto desmistifica um pouco. Às vezes a gente passa ou vê alguém de gestão de água e

ouve: já está com uma coisa nova aí, toda hora criando alguma coisa. Não isto não é fazer e pensar

na água como recurso não é coisa nova. A forma como a nossa sociedade se estabilizou deixou de

ser nômade tem uma íntima ligação com a água. Nós instalamos nossas casas, as nossas cidades

próximas à água. Só que com o tempo isto foi esquecido. E nós, aqui no Brasil, temos algumas

relações mais impactantes ainda.

8 Administrador (UNEB, 2000), Gestor Governamental do Estado de Goiás (2002) e mestrando em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos-PROFÁGUA, pela UNESP. Atua na implementação e funcionamento dos instrumentos e componentes do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos de Goiás, representa o Estado em Comitês de Bacias e Conselhos Estadual e Nacional de Recursos Hídricos. Exerceu cargos de gerência ligadas à área e atualmente é Secretário Executivo dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (CEMAm) e de Recursos Hídricos (CERHi). E-mail: [email protected]; [email protected].

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Como temos tratado as questões que têm impacto na qualidade e na quantidade de água?

As demais políticas públicas que têm mais impactos nesta questão. Como essa gestão de

água tem sido percebida. Isto é um questionamento importante. Conversávamos mais cedo aqui,

uma colega da [...] MS esteve no Fórum mundial da Coreia e viu a apresentação de um artigo onde

a gestão de água está ligada no mundo a três áreas, planejamento e desenvolvimento. A área de

saneamento, no sentido de atender às demandas da sociedade de água para o abastecimento

público e está ligado também à questão ambiental. Em duas áreas a gestão de RH é reconhecido e

é chamada a exercer suas funções. Numa terceira área ela é vista, conforme está previsto na

legislação brasileira, em vez de ser integrada é vista como submissa. E aí ela não consegue exercer

suas funções e que isto vai nos levar a ter problemas com esta percepção.

Professor Tundise escreveu um artigo sobre RH do futuro, problemas e soluções, a

importância de reconhecermos a água como um problema central em relação aos diversos

processos. Essa percepção é que parece ter sido perdida pela nossa sociedade. Deixar de

entender a água como base de sustentabilidade como geração de energia, base do clima, base

da produção de alimentos, base da biodiversidade, mudanças globais e todas essas questões.

Essa visão brumada parece que foi sublimada e foi esquecida e isto tem gerado sérios problemas

neste processo. Outra questão é sobre o uso múltiplo da água. Tudo que a gente faz tem água

como matéria-prima ou base do processo. Todas as atividades, geração de energia, não terão se

não tiver água no seu processo. Eu já estou há quinze anos tentando achar e não consegui. A

gente conversava sobre isto numa apresentação e alguém falou “eu não tomo água eu não, eu

não tomo. Eu tomo refrigerante”. Não tem água?

Nós precisamos acabar com esta percepção ou esta visão de abundância, porque é um

recurso limitado necessário a todas as atividades. [...] Que termina com uma boa razão dos recursos

hídricos. É um fator de produção como matéria-prima de todos os processos. É um recurso escasso

e mal distribuído. É um dos principais fatores de restrição ao desenvolvimento. Quando se fala é

uma guerra por água, não é água para abastecimento público, infelizmente. Porque hoje já mais de

um bilhão de pessoas tem restrição de acesso à água e não tem guerra por causa disto. É água para

o desenvolvimento para todas as atividades. Isto gera então um [...] o somatório disto gera prejuízo

aos usuários, restrição ao desenvolvimento econômico e social, prejuízos ambientais também.

Então por isto fazer gestão de águas, que é regular, planejar e controlar os usos, proteger os recursos

hídricos em qualidade e quantidade. Então para se garantir o desenvolvimento econômico e social

e os usos e desenvolvimento das atuais e futuras gerações.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 33

Aqui, no Estado de Goiás, o impacto que isto tem. Fala-se como o Hudson apresentou, que

no Brasil temos uma distribuição água e uso semelhante e peculiar aos países em desenvolvimento,

onde se tem em média 70% da água captada para irrigação, em torno de 15% para indústria, 15%

para abastecimento e usos gerais. Mas em cada região há uma peculiaridade diferente. A bacia do

Meia Ponte é a bacia do rio das Velhas aqui de Minas Gerais, onde se tem aproximadamente 50%

da população goiana concentrada em 3,5% do Estado. Se considerarmos que esta população está

toda concentrada aqui, a gente tem mais ou menos 50% da população do Estado em 1% do território

do Estado. Isto gera um impacto no setor de abastecimento, a bacia do Meia Ponte consome 34%

da Bacia como um todo. A população que está a montante de Goiânia consome 70% da vazão

disponível. A gente tem também outras realidades, como a bacia do rio São Marcos, na divisa de

Goiás com Minas Gerais, onde está o maior conflito instalado hoje no Brasil, onde 95 a 96% da água

é usada para irrigação. Isto é uma mera constatação que temos de pensar. Esse é o atual mapa da

água disponível no Estado onde Goiás e este aqui é o mapa futuro. Em azul onde se tem até 50% da

vazão outorgável já utilizada. Em vermelho acima de 100% da vazão outorgável utilizada. Isto é bom

ou ruim? A princípio é ruim, mas a constatação que faço é que quesito não é bom nem ruim.

Depende da nossa capacidade de gestão. Se tivermos uma boa capacidade de gestão, isto é

fantástico porque representa um bom uso da água de forma integrada, uso múltiplo e racional. Se

não tivermos boa capacidade de gestão, isto é um caos ou muito ruim porque é muitas e muitas

vezes pior do que foi enfrentado no Estado de São Paulo, no caso do atendimento à região

metropolitana. Aquilo já tinha sido apontado pelo sistema de gestão de recursos hídricos no final

da década de 1990 ou início dos anos 2000 a necessidade de preparação de uma estrutura caso

viesse um novo período de seca, eles conseguiriam atender. Eles não se prepararam e fizeram uma

opção, tomaram uma decisão e sofreram com isto.

Existem então alguns desconhecidos na gestão dos RH como mudanças climáticas ou

variações climáticas, que me parece mais confortável dizer variação que mudança e ciclo

hidrológico. O que a gente está passando hoje é colocado como mudança climática, mas pode ser

simplesmente a variação do ciclo hidrológico – o que para nós é um desconhecido.

Desafios – Efetiva a gestão da água, integrar as políticas públicas setoriais. Como fazer isto?

Planejar, regular a evolução dos usos. Isto que vamos tentar tratar um pouco agora. A temos

passado, principalmente nesta região central do Brasil, uma situação de bastante estresse

relacionada com essas variações do ciclo hidrológico.

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Mas esse é o mapa do histórico de precipitações no dia 23 de outubro, com o que era

considerado o início do período de chuvas, quando estava chovendo mais de cinco dias, com

precipitações diárias de no mínimo 3 mm. Isto é o que aconteceu no dia 23 de outubro de 2017. Há

quatro anos, esta região central, principalmente do Brasil, tem sofrido bacia do Tocantins e Araguaia

com redução da precipitação média de 30 a 35%. Qual é o resultado disto? Esse é o gráfico do histórico

das médias de vazões. Esse é o gráfico onde as barras representam o que choveu. Percebe-se o tanto

que reduziu as chuvas neste período. De 2015 até outubro de 2017. O reflexo direto disto aqui são as

vazões na região de Serra da Mesa, as vazões naturais. O ano 2017 veio batendo todos os recordes de

menores vazões. O impacto disso, a usina de Serra da Mesa, o maior reservatório da América Latina e

um dos maiores do mundo. Se não me engano 42 ou 43 milhões de litros de água chegou a 5%. Estava

entrando em Serra da Mesa em torno de 65-70 metros por segundo estava defluindo em torno de

320 m/s. E foi Serra da Mesa que segurou a bacia hidrográfica do Tocantins inteira, da nascente em

Goiás até Tucuruí. Isto tem que ser pensado de uma forma muito séria. Só que passado aqui os 3 ou

4 anos de chuva, Serra da Mesa chegou a 5% e não tem condições de garantir o ano que vem. Então,

estavam sendo pensadas estratégias para reduzir a defluência de Serra da Mesa caso as precipitações

continuem abaixo do esperado, talvez se consiga manter também 2018 com esta chuva. Pensa-se em

desligar turbina. O Estado de Goiás passou por um estado bastante severo também, essa redução se

refletiu também na bacia do Meia Ponte, com uma redução de 10% nos últimos dez anos e redução

de 25 a 30% nos últimos três anos. Como resultado, faltou água em Goiânia e aí tem uma frase dita

por um colega que é do Comitê do São Francisco: Falta habitação, professor, escola, giz e o Governo

não faz nada. Mas falta saúde, médico, remédio, hospital e o Governo não faz nada. Mas deixa faltar

água para ver. Goiânia faltou água e a população invadiu os reservatórios. Só que isto comprometeu

ainda mais o sistema porque a água não tinha mais segurança e aí este volume de água que estava

reservado nesta parte do sistema foi perdido.

Integração de políticas públicas. Existem muitas políticas, várias políticas de diversas

situações. Sistemas distintos, com princípios, funções e objetivos diferentes, mas que devem atuar

de forma integral. A responsabilidade para a integração de todos estes sistemas tanto de recursos

hídricos como de meio ambiente e quanto ao uso do solo. Só que, particularmente, o que me parece

deste processo. Será que todas as ações apresentam impacto na quantidade e qualidade da água?

Essa integração é cobrada de todos os sistemas?

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 35

Na comemoração dos vinte anos da Política Nacional de Recursos Hídricos em Brasília, um

seminário nacional todos os setores bateram, dentro do ministério de Meio Ambiente, na

integração da gestão dos Recursos Hídricos. RH estava falhando na integração. Eu nunca ouvi

cobrança, particularmente, desses dois aqui sobre integração. Integrar, quando dois não querem,

um não briga. Meu pai me ensinou isto. Isto precisa ser repensado.

Entrar rápido aqui na 9433. Os objetivos de usar em qualidade e quantidade. Só para

pensarmos nestas questões para as futuras gerações. Uso racional integrado, prevenção contra

controles hidrológicos críticos, ou seja, que se consiga planejar e prever esses eventos tanto de

cheias quanto de secas. Minas Gerais está com problema de excesso de chuvas aqui na bacia do

Doce, causou uma série de estragos. MS o sistema de gestão gerou esta situação. Geraram os alertas

necessários à atuação da Defesa Civil, prevenindo danos e problemas morte, etc. Porque não se

consegue entender o que choveu e o que isto vai impactar a vazão, o quanto isto vai impactar o rio

e quanto vai afetar a população das cidades. Então trabalhar neste sentido.

Gestão sistemática de quantidade e qualidade. Isto é um problema muito sério ligar

qualidade à quantidade. Hoje o foco é mais para quantidade a políticas pública e a grande

dificuldade de quantidade. Como nós estamos ligados a tudo, temos de integrar todos os interesses

e todas as funções e todas as perspectivas.

Sistema Nacional de RH não é um sistema federal. Então é o sistema nacional, conselho

nacional. Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas. Essa mesma estrutura se

rebate em todos os Estados da Federação ou deveria se rebater. Por isso que o pessoal fala: tudo

meio ambiente. Não é isto. O Conselho Nacional de RH é par e passo ao Conama. Deveriam ser

integrados e não um subordinado ao outro.

Entrando ainda um pouco nos instrumentos, o Sérgio Falou um pouco, não há porque não

entrarmos nisto. Todo mundo conhece os instrumentos de RH e aí copia do Paulo Libâneo somente

com mais algumas informações. Temos diferenças no Brasil. Aqui nós temos um pedaço da Região

Sudeste e Centro-Oeste problemas de poluição hídrica, na região existem também problemas de

quantidade, mas a poluição é o que tem afetado mais. Existe uma boa disponibilidade, pelo menos

mais constante. Problemas de déficit hídrico tanto no Nordeste quanto no Sul. Alguns acham que

está sobrando no Sul. Mas lá tem um problema seríssimo de chuva. Problema talvez ligado ao solo.

Se ficar dois meses sem chover vira um caos.

Expansão da fronteira agrícola com integração com as políticas públicas uso do solo, etc.

Expansão com geração hidrelétrica. O setor hidrelétrico fala que no Brasil existe um grande potencial

a ser explorado, mas aqui na bacia do Paranaíba nós já temos em torno de 85% do potencial já

explorado. Ou seja, o que eram os grandes aproveitamentos já foi. Agora o que resta são pequenos

aproveitamentos que vão entrar em choque, por exemplo, com a expansão da fronteira agrícola.

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Então, isto precisa ser pensado. Este único de gestão que a gente tem é suficiente é suficiente para

tratar essas diferenças regionais todas? Na minha opinião, sim. Mas lógico que enquadramento

pensado aqui em Minas Gerais e aqui em Goiá. Ou mesmo pensando em Goiás, o enquadramento na

região da bacia do Paranaíba, tem que ser pensado de uma forma diferente do nordeste goiano. Porque

aqui no Meia Ponte as vazões são muito mais equilibradas, enquanto aqui no nordeste goiano você tem

[...] não dá para pensar da mesma forma, mas enquadramento é um instrumento para se trabalhar.

Outorga não dá para se pensar da mesma forma de unir. Mas a estrutura do instrumento dá

para isto. Desde que ele seja pensado para enfrentar cada uma dessas realidades. Nós temos no Brasil,

antes da constituição de 1988, que trouxe os princípios da 9433, um sistema que era vigente pelo Código

de Águas. Um sistema centralizado e setorial. Passamos a ter um sistema descentralizado, participativo

que pulou para o lado de lá. Qual que é melhor de todos. O anterior ou o atual?

Questão que tenho colocado muito é se este sistema está preparado para enfrentar a gestão

das águas. Eu percebo que o atual ele tem uma melhor condição para enfrentar. Mas depende tudo

daquela questão inicial, que é aquela questão da decisão. As mudanças que nós tivemos anterior ao

atual são mudanças geradas principalmente por questões ligadas a um pensamento isolado. O que no

sistema novo mudou e passou a ser integral e tem que resolver uma série de problemas.

O Sistema Nacional de RH é capaz de dar segurança aos usos e usuários? Isto é um

questionamento. Os usos múltiplos e integrados, ele é capaz de garantir isto também? Aqui uma

decepção, há um abismo entre estrutura e excelência da atuação da Agência Nacional de Águas e a

maior parte dos sistemas Integrados. A ANA tem estrutura e condição de trabalhar. Em GO, por

exemplo, não chega a 30 servidores lotados na Secretaria de RH, dos quais 26 estão lotados ou

pensando na função outorga. Mas será que essa mesmo a percepção? é isto mesmo que

precisamos? Qual a estrutura do IGAM, poucos estados brasileiros tem uma estrutura para

conseguir enfrentar os desafios que são propostos.

Aqui então estão disponibilizados os recursos e instrumentos para ter condições necessárias

para executar as atribuições previstas?

Hoje existe um questionamento e vamos mudar a 9433 porque ela vai não está resolvendo.

Tudo bem tem 20 anos para uma política pública é muito pouco tempo para mudar o pensamento

ou a forma da sociedade agir. Mas, então vamos mudar primeiro a política de Meio Ambiente

porque ela é da década de 70 para 80. E até hoje o Licenciamento Ambiental, por exemplo, não

conseguiu operacionalizar as suas questões. Então que foi dado a condição para que este sistema

funcionasse para que a gente questionasse se ele é efetivo ou não?

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 37

Os Planos e estudos têm origem orientados por investimentos e orçamentos públicos?

O Plano do Paranaíba foi incorporado pelo IGAM? Todos os planos de bacia foram

incorporados pelos órgãos públicos no sentido de definir e orientar a aplicação dos orçamentos. A

percepção que eu tenho que os planos de bacia têm orientado a atuação dos comitês de bacia, mas

em relação aos estados há uma lacuna entre o que decidido por estes e o sistema participativo,

integrado e etc. então o que é o que é muito feito pelo poder público. Os planos são considerados

pelos próprios concorrentes do sistema.

Quando o Plano da Bacia do Paranaíba dá diretrizes para aplicação da outorga, por exemplo,

essa diretriz é incorporada ou ainda persistem alguns problemas com algumas ingerências dentro

deste sistema. Os planos têm oferecido subsíduos para atuação em momentos de crise? Para

efetivação dos instrumentos de gestão? Tem no plano uma diretriz clara que o órgão gestor coloca

na mesa e diz que não vou conceder esta outorga porque o plano diz que a diretriz é outra. Porque

é função do plano trazer esta diretriz.

Tem contribuído para articular ou melhoria das condições de água na bacia? Esse sistema

tem conseguido fazer isto? E essa questão da integração, né, o plano nacional de segurança das

barragens ou diretamente de saneamento básico. Política nacional de M.A. Como estão os

municípios e os usuários? Como estão os planejamentos dos setores dos usuários? Como está esta

questão toda para que consigamos fazer esta integração.

A regulação reflete a realidade dos usos? Ou está como um mero instrumento burocrático

cartorial? A percepção que eu tenho, pelo menos em GO, é que está faltando dos usuários onde é

que eu tiro outorga. Por quê? Porque precisa para o licenciamento. É essa a percepção em muitas

áreas. Eu brinco que a gestão das águas só vai funcionar quando o usuário chegar e pedir outorga

rápido ou outorga para o licenciamento, ele chegar e pedir, escuta, está aqui meu projeto. Senta-se

direitinho e veja se vai ter agua para eu funcionar pelos próximos seis anos ou pelos próximos doze

anos. Porque é isso que está acontecendo hoje. Os projetos estão sendo instalados somente com

essa percepção cartorial e está dando problema porque não temos o sistema todo organizado. As

outorgas são capazes de mostrar a realidade do balanço hídrico?

Será que aquela realidade que eu mostrei naquele mapa de Goiás é a verdade? Considerando

que temos uma grande quantidade de desconhecidos para o sistema de Gestão que são os usuários

irregulares ou pequenos usos que estão todos à margem da legislação. Como planejar? Como pensar e

com organizar isto? Somos capazes de garantir o uso múltiplo?

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Somos capazes de garantir uso prioritário na questão da regulação? Como estamos na

questão de conflitos? E usos críticos? Minas Gerais tem alguns avanços em que há uma análise por

bacia. Isto precisa avançar em outras regiões. Mas será que é suficiente para atendermos isto?

Cobrança para atender ao sistema, aos investimentos previstos e principalmente, uma das

grandes funções dela que é direcionar o uso racional. Será que temos conseguido fazer isto mesmo,

cobrando não só um centavo por metro cúbico?

Isto precisa ser pensado e aí vem também essa aqui eu copiei do Dr. Paulo Varela, não sei se

é de outro. Mas num evento sobre o fortalecimento da gestão pública. Gestão de crise nós temos

atuado de forma reativa, soluções emergenciais e toques em obras. Precisamos mudar para atuar

de forma preventiva e soluções planejadas, medidas estruturadas e não estruturadas. A gestão dos

recursos hídricos no Brasil é definida com base nisto daqui, é o que está na Lei. Mas temos que

mudar esta forma de agir.

Para isto, isto vem um pouco da reflexão que fizemos no Mestrado Profissional de Gestão e

regulação de Recursos hídricos, numa matéria que foi do Prof. Cláudio Di Mauro: Governança das

águas. Agente precisa trabalhar em três linhas de atuação. Preventiva, relativa e corretiva. Cada

parte do sistema tem uma responsabilidade sobre as outras e sobre o processo.

Aprimorar instrumentos para casos de prioridades regionais para enfrentar aquelas

realidades diferentes.

Outorga – Tem que começar a entrar numa outorga sazonal, coletivas, integradas. Isso não é

mudança da 9433. É um aprimoramento dos órgãos, às vezes através de um decreto, alguma mudança

neste sentido. Principalmente mudar e tomar uma decisão de começar a agir desta forma.

Monitoramento – Estatal e em articulação com a sociedade. Existe a rede estatal? Precisa

ser ampliada e precisa ser organizada. Mas tem que começar a inserir o usuário neste processo,

porque é a garantia da sua condição de funcionamento. [...]

Cobrança pelo uso da água – O real valor da água pensando no uso racional e dos recursos

necessários à manutenção do sistema. Existe uma legislação sendo discutida, que para mudar do

7,5 para 15 vai dar um grande fôlego para as agências de regulação. Possivelmente para orientar

estas questões, isto precisa ser imprimido da forma correta.

Enquadramento – Trechos prioritários de investimento. Foi comentado que se você vira para

todo mundo e pergunta: Como é que você quer o rio? Todo mundo tem aquela imagem bucólica do

riozinho, de água cristalina, com peixinho passando para lá e para cá. Banhar, levar o filho para

pescar etc. Tudo bem, não tem problema com isto. Só que aí a gente não pode estar adentrado na

bacia. Porque não tem condição de manter naquela condição.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 39

O Sistema de informação – disponibilização de dados. Precisamos começar a passar dados e

informações para a sociedade. Temos esses dados encarcerados dentro do sistema que precisam

ser disponibilizados à sociedade para que os usuários se apropriem disto e realmente comecem a

utilizar esses dados na gestão.

Plano de Bacia tem que começar a trabalhar de uma forma muito mais séria. Atualmente

tem sido um só compilado de projetos e obras, em torno de 92 a 95 % é relacionado a obras de

saneamento. Pensa-se muito pouco na organização e estruturação do sistema, investimentos em

outras áreas. Diretrizes claras aos instrumentos de gestão tanto para área de recursos hídricos

quanto para área ambiental. Isto porque se o licenciamento licencia alguma atividade que tem uso

de água, quem vai dizer se aquele investimento será instalado ou não, não é o licenciamento, mas

se tem água para isto. O licenciamento vai dizer como ele vai funcionar.

Fontes reais dos recursos. Já existem nos orçamentos dos planos uma infinidade de fontes

de recursos das quais não se consegue tirar um centavo de lá.

Interferências e reflexos nas áreas – como é que a gente vai conseguir interferir nas áreas e

começar a colocar estas diretrizes em funcionamento. Aprimorar e ampliar a integração do Sistema

nacional com os sistemas estaduais. A Ana tem feito um esforço muito grande em várias linhas pró-

gestão, pró-comitês, vale águas, para a gente conseguir estruturar e mudar. Mas os Estados

precisam começar a avançar neste sentido.

Efetivar os componentes e instrumentos como fontes de recursos de obrigatoriedade da

compensação financeira pelo uso de recursos hídricos. Está em discussão a mudança dela agora a

pouco no Congresso Nacional, mas o que é da área de RH deveria ser aplicado nela. A gente tem no

Estado de Goiás algo em torno de 80 milhões da compensação financeira pelo uso de RH da geração

de energia. Isto já financiou veículos leves sobre trilhos, já financiou uma série de outras áreas e

tem feito muito pouco, mesmo com os Codemas com o que é feito aqui em Minas Gerais. Parte

deste recurso é destinado para pesquisa e desenvolvimento e para ações na bacia. Eu atribuo isto,

em parte, aos Codemas, que têm feito este esforço, que perceberam e decidiram utilizar isto, mas

isto precisa ser constantemente reforçado.

Rede de monitoramento tem sendo citado de uma forma dramática no país. Integrar gestão

de água subterrânea de forma que se consiga fazer uma gestão nacional. Mesmo sendo a

responsabilidade dos Estados, pode ser uma diretriz nacional.

Apoiar pesquisas e desenvolvimento dessas questões. Fortalecer a representação e

representatividade. Não pode ser um teatro um Comitê de Bacia. Não estamos lá para brincar. Tem que

ter representatividade efetiva dos setores. E elaborar Planos de Contingências, detalhando áreas

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prioritárias, situações de conflito, regras, articulação com outras políticas públicas que precisam ser

integradas ou precisam se integrar à gestão de RH. Infraestrutura hídrica, integrando os investimentos

dessas diversas políticas públicas e aí os principais focos são os planos de manejo, planejamento,

controle do uso e ocupação do solo. Precisa ser percebido que o foco como nós usamos o solo impacta

na quantidade de água. Por mais absurdo que isto seja, não é percebido ou não é considerado. Como as

atuações ativas num momento de crise elas devem já estar predefinidas. Estourou a crise ou vai estourar

daqui a dois meses, não adianta reunir Comitê de Bacia. Isto deveria ter sido feito há um ano. Para que

esta questão já tivesse sido percebida, articulada, toda organizada para que agora ela funcionasse.

Então, que todas as questões ligadas a isso façam usos prioritários, usos de escassez, organizados em

alocação dessa água. O abastecimento público se fia muito nesta questão do uso prioritário, não faz

qualquer tipo de planejamento e aí quando falta água ou ele quer expandir, ele fala: olha eu sou uso

prioritário. Mas, é prioritário em situações de escassez, não na totalidade das ações.

Racionamento também é um objetivo que precisa ser regulamentado. Avaliar os resultados

disso depois e aí poder modernizar, fazer revisão desses instrumentos e condicioná-los ao processo.

Isso aqui é uma reflexão dos resultados. Eu estava estes dias às 3 horas da manhã caçando sobre

um trecho do processo, eu vou falar sobre cobrança do uso da água. O tempo destina para mim,

como pensar na cifra [...] como pensar, integrar e gerir. A água é de disponibilidade limitada sem

substitutos ou alternativas. Existe uma brincadeira de que não há um plano B para água. Necessária,

praticamente, a todas as atividades do processo e afetada por diversas variáveis. É só isto aqui que

a gente tem que fazer, para conseguir fazer gestão de RH.

E aí, de novo, gestão das águas é uma decisão que a gente precisa tomar, sob a pena de

inviabilizar o nosso próprio futuro. Aí vai uma frase do mineiro Carlos Drummond de Andrade, em

confidências de um Itabirano, onde ele faz uma reflexão sobre Itabira, sobre o Código Minerário,

essas interferências todas, que aí no final ele fala que Itabira é apenas um retrato na parede, mas

como dói. Que a gente não permita que isto aconteça com as águas. Para que não seja apenas um

retrato na parede, porque vai doer muito. Esse processo é muito complexo, que precisa ser

entendido e trabalhado de uma forma muito sério.

Obrigado pela atenção e desculpe-me por ter excedido o tempo.

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CAPÍTULO 2

__________________________________________________________________________

POWERPOINT DAS PALESTRAS

2. 1 PowerPoint - Aplicação da legislação, base para avanços

Heitor Soares Moreira9

9 Mestrando em Tecnologias e Inovações Ambientais – UFLA, Diretor de Operações e Eventos Críticos – IGAM – Cidade Administrativa de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

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__________________________________________________________________________ 2. 2 PowerPoint - Desafios legais e institucionais da gestão de recursos hídricos

Sergio Gustavo Rezende Leal 10

10 Mestre em Gerenciamento de Conflitos de Recursos Hídricos (UNESCO-IHE, Holanda), Mestre em Engenharia Ambiental (UFOP), Bacharel em Economia (UFMG, Brasil). Especialista em Gestão de Negócios (FDC, Brasil). Diretor Presidente da ABHA - Gestão de Águas - Agência de Bacia e Secretaria Executiva dos Comitês de Bacia dos Rios Paranaíba, Araguari, Grande e Paranapanema. E-mail: [email protected]

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__________________________________________________________________________ 2. 3 PowerPoint - Gerente de planejamento e apoio ao sistema de gestão de Recursos Hídricos

João Ricardo Raiser 11

11 Administrador (UNEB, 2000), Gestor Governamental do Estado de Goiás (2002) e mestrando em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos-PROFÁGUA, pela UNESP. Atua na implementação e funcionamento dos instrumentos e componentes do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos de Goiás, representa o Estado em Comitês de Bacias e Conselhos Estadual e Nacional de Recursos Hídricos. Exerceu cargos de gerência ligadas à área e atualmente é Secretário Executivo dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (CEMAm) e de Recursos Hídricos (CERHi). E-mail: [email protected]; [email protected].

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CAPÍTULO 3

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DEBATE DO PERÍODO DA MANHÃ

Heitor Soares Moreira12; Sergio Gustavo Rezende Leal 13; João Ricardo Raiser 14

Wilson Akira Shimizu – Então agora nós passamos à Fase B – os debates, e eu vou chamar

então os membros das mesas.

Cláudio Antonio Di Mauro – Pede autorização dos membros das mesas para encaminhar os

slides, PowerPoint das apresentações aos participantes do Diálogos. O que houve concordância.

Wilson Akira Shimizu – informa que serão encaminhados pelos e-mails. Esta parte da manhã

nós vamos dedicar a compreender as possibilidades e os entraves, muitos deles já apontados pelos

palestrantes e algumas saídas como para a sustentabilidade financeira e os normativos para

contratação de serviços. Esses parecem que são os principais nós das Agências. No problema da

Gestão há a assimetria que os Estados têm sobre disponibilidades hídricas e como o clima afeta isso.

Mas eu senti falta e acho que poderíamos enfocar agora, o aspecto dessa realidade perante o

arcabouço legal que a gente tem. Não só a 9433-97, mas as Resoluções dos Conselhos, os

normativos dos órgãos gestores. Isso choca ou é impeditivo, é um fator que facilita. Poderíamos

também abordar essas coisas. Essa é uma ideia para a gente poder avançar na temática da questão

da legislação. Bom, está aberta aí a palavra para o plenário.

12 Mestrando em Tecnologias e Inovações Ambientais – UFLA, Diretor de Operações e Eventos Críticos – IGAM – Cidade Administrativa de Minas Gerais. E-mail: [email protected] 13 Mestre em Gerenciamento de Conflitos de Recursos Hídricos (UNESCO-IHE, Holanda), Mestre em Engenharia Ambiental (UFOP), Bacharel em Economia (UFMG, Brasil). Especialista em Gestão de Negócios (FDC, Brasil). Diretor Presidente da ABHA - Gestão de Águas - Agência de Bacia e Secretaria Executiva dos Comitês de Bacia dos Rios Paranaíba, Araguari, Grande e Paranapanema. [email protected] Mestrando em Tecnologias e Inovações Ambientais – UFLA, Diretor de Operações e Eventos Críticos – IGAM – Cidade Administrativa de Minas Gerais. E-mail: [email protected] 13 Mestre em Gerenciamento de Conflitos de Recursos Hídricos (UNESCO-IHE, Holanda), Mestre em Engenharia Ambiental (UFOP), Bacharel em Economia (UFMG, Brasil). Especialista em Gestão de Negócios (FDC, Brasil). Diretor Presidente da ABHA - Gestão de Águas - Agência de Bacia e Secretaria Executiva dos Comitês de Bacia dos Rios Paranaíba, Araguari, Grande e Paranapanema. [email protected] 14 Administrador (UNEB, 2000), Gestor Governamental do Estado de Goiás (2002) e mestrando em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos-PROFÁGUA, pela UNESP. Atua na implementação e funcionamento dos instrumentos e componentes do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos de Goiás, representa o Estado em Comitês de Bacias e Conselhos Estadual e Nacional de Recursos Hídricos. Exerceu cargos de gerência ligadas à área e atualmente é Secretário Executivo dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (CEMAm) e de Recursos Hídricos (CERHi). E-mail: [email protected]; [email protected].

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Kátia Gisele – Bom dia, eu sou a professora Kátia Gisele, da Geografia do Pontal, e há

algum tempo tenho estudado um pouco esse Sistema e a 9433-97. E gostaria de perguntar se o

Sistema de Gestão é mesmo um Sistema e se vocês acreditam fielmente que ele é um verdadeiro

sistema de Recursos Hídricos tratando da água. E principalmente como fica a questão da

decisão. Se a decisão é um instrumento para a gestão de águas, como é que isso ocorreria. Pelo

que eu tenho visto é só quando o colapso acontece. O que seria realmente eficiente ou mesmo

“problematizador” para que os Comitês ou mesmo onde não há conflito ainda não permita

chegar à situação do colapso. E a outra coisa é o Planejamento versus a Questão Política. Ou

seja, a questão técnica versus a questão política. Obrigada.

Éldis Camargo Santos – Bom dia a todos e todas, meu nome é Éldis. Focando no que o Wilson

Akira Shimizu falou, eu penso que precisamos conversar um pouquinho sobre a dupla

dominialidade, que é uma grande questão que temos de enfrentar. Nós temos processos de gestão

geopolíticos na Federação, mas ao mesmo tempo temos a unidade da bacia hidrográfica. É uma

grande questão que temos. Outro ponto é saber qual é a opinião do pessoal da ABHA a respeito de

ajustes e como tem sido dado e, embora tendo sido sinalizado, falar um pouquinho de como está

essa integração de águas subterrâneas com as águas superficiais. Como está andando com base na

Resolução do Conselho Nacional que muitas vezes a gente vê que as outorgas e os planejamentos

não estão levando em conta. Obrigada e parabéns pelas palestras de vocês.

Joana – Discente do doutorado e parabenizo todos os palestrantes que compartilham seus

conhecimentos e experiências. Minha questão está mais voltada para a primeira fala do Heitor,

quando você traz a questão da demanda de água em Minas Gerais, e o terceiro colocado em relação

a essa demanda entra a mineração com 41.830/2016, visto em seus slides, e chama atenção a

questão da mineração porque minha pesquisa no município de Paracatu. Lá temos uma mineradora

de ouro a céu aberto e recentemente tivemos um episódio, divulgado pelo Mídia Ninja sobre a

escassez de água para a população. Aí eu pergunto: É mito ou realidade quando diz que não guarda

nenhuma relação com o consumo da mineradora que usa essa água? E de fato pelo que estou

estudando e também vi na reportagem fica a população meio à margem dessa discussão. E fica mais

pautando numa questão natural e previsível como a escassez da água nesse momento em relação

às questões climáticas. Então eu lhe pergunto: O que a bacia tem trabalhado em termos de

monitoramento, porque a representação política e a força que se tem da população local em relação

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 87

à mineradora em termos desse fundo político e econômico, a diferença é muito grande em termos

de posicionamento. Como a bacia trabalha essas situações? Obrigada.

Wilson Akira Shimuzu passa a palavra para as respostas.

Heitor Soares Moreira – Vou começar de trás para a frente. Eu perdi um dos

questionamentos e só consegui anotar dois. Bom, a pergunta da Joana é mais específica de rios

mineiros. Os dados que eu trouxe aqui são da nossa Base de Dados e somamos os usos consuntivos.

Eu trouxe aqui, como curiosidade, só para vermos como está a situação, mas não é nada que nos dê

condições de tomar uma decisão. E também não é possível trazer essa informação e replicar para

todas as bacias ou sub-bacias. Mas ali o que acontece, é uma bacia onde tem um curso com

mineração compartilhando com o uso para irrigação. Tem diversos usuários irrigantes na bacia e

com recorrência de problemas em comum. Inclusive é uma bacia em que temos trabalhado há

algum tempo, há vários anos o IGAM tem trabalhado ali. E eu posso lhe dizer com conhecimento de

causa que é uma das bacias em que temos maior controle. Inclusive em toda a região ali tivemos

problema de escassez hídrica. O Paracatu quase teve seu fluxo interrompido, e as outras fontes

hídricas, principalmente para abastecimento para a cidade de Paracatu, teve seu fluxo

interrompido. Inclusive a Concessionária Pública, de modo emergencial nos pediu autorização para

captar em outros cursos hídricos, para poder abastecer a cidade. Teve que pegar água com

caminhão pipa em municípios vizinhos para uma situação bem crítica mesmo, que a gente

reconhece. Com relação [...] se a mineração teve uma responsabilidade mais efetiva sobre esse

cenário ou se viria dos outros usuários para irrigação, nós, do IGAM, entendemos que a mineradora

não tem essa responsabilidade inteira com o que está acontecendo, porque o uso dela é um uso

autorizado por nós, onde foi feito todo estudo e avaliação técnica e se ele estiver usando dentro

daquilo que foi autorizado então a gente entende que não seria de responsabilidade dela, inclusive

a empresa ali localizada recentemente nos solicitou uma autorização para uso sazonal. O que seria

isso, nos meses em que a gente teria maior disponibilidade de uso ela iria captar essa água para

reservar e na época da estiagem ela usaria da reserva dela e não da água que estaria na calha do

rio. A gente vê com ótimos olhos, só que aí entraria naquilo que a gente está propondo aqui. De

imediato o órgão público fica um pouco engessado em relação ao atendimento e à variação dessa

demanda. No primeiro momento entendemos que a vazão sazonal é propícia para uma gestão mais

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eficiente, só que temos no Plano Estadual de Recursos Hídricos que a vazão de referência nossa é a

Q710, na base anual, então nós teríamos que levar isso ao Conselho Nacional para que fosse avaliado

para aí sim podermos outorgar nessas condições. Então não estou dizendo se o arcabouço é melhor

ou pior. O arcabouço requer cumprimento de etapas que não nos dão condições de em pouco

intervalo de tempo para nos manifestarmos em relação a isso, por mais que se acredite que

tecnicamente é uma situação que pode contribuir com a gestão dos recursos hídricos da bacia.

Nesse caso, não dependeria somente do IGAM. O IGAM pode até se manifestar através de notas

técnicas, subsidiar o Conselho diante da avaliação, mas teríamos que ampliar essa discussão para

que pudéssemos atender. Então ali há sim um uso intensivo, inclusive os próprios usuários para

irrigação chegaram à conclusão de que não era possível plantar em três safras e diminuíram o

consumo deles nesse sentido e é uma bacia que a gente carrega até como exemplo do modelo de

gestão e reconhecemos que ainda não é o modelo ideal, mas é um modelo onde os próprios usuários

fiscalizam o uso da bacia. É uma bacia que a gente tem o monitoramento muito mais amplo que as

demais bacias. Então, por mais que eles tenham vivenciado esse tipo de problema, sabemos que se

isso não tivesse sido construído, teríamos com certeza uma situação muito pior. Então é um case de

sucesso. Agora, é uma demanda considerável de maneira geral. Não sei se deixei de responder

alguma coisa. Eu não conseguiria falar se há alguma interferência política nesse meio, pelo menos

para nós no IGAM não chegou nada disso, a não ser o pleito da própria empresa mesmo quando ela

apresentou essa alternativa que eles estão propondo e com toda cautela que deve ter, estamos

analisando para ver como conseguimos aprimorar essa gestão. Então as perguntas da professora

Kátia Gisele a questão dela sobre o sistema eficiente, eu considero que o nosso Sistema ainda não

foi testado em sua totalidade, assim para avaliar se ele é realmente eficiente ou não penso que

ainda é um pouco cedo. O que tentamos fazer em termos de exercícios é comparar um pouco do

que foi adotado no Brasil, em particular, em Minas Gerais, com as outras alternativas em outras

partes do mundo. E acredito piamente que esse é um dos modelos melhores que a gente poderia

adotar porque ele é um modelo mais participativo. Os outros que conhecemos são mais

estabelecidos pelo órgão gestor e não acredito que esse seja o caminho não. Apesar de reconhecer

que o nosso modelo é o mais difícil de ser conquistado. Uma política de comando-controle é muito

mais fácil, afinal ou você cumpre ou será penalizado. O nosso é mais difícil, mas seria o modelo ideal.

Contudo, reconhecemos que nossos rios, aos poucos estão morrendo. Então o que está

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 89

acontecendo? Esse modelo que eu considero ideal não está surtindo efeito? Recorrentemente,

temos notícias de rios que não secavam estão secando. São eventos que não estamos conseguindo

mapear? São situações em que com a técnica não conseguimos identificar com uma certa

previsibilidade? Isso aí tudo a gente tem que avaliar com um pouco mais de calma. Então estamos

nessa situação, onde temos rios piorando até mesmo em sua qualidade, outros em termos de

quantidade também e, ao mesmo tempo, um sistema no qual acreditamos, mas que teremos que

aplicá-lo em sua plenitude para depois para ter melhor condição de saber se ele está funcionando

ou não. Na gestão de Recursos Hídricos, infelizmente acontece mais a situação da escassez e

esperamos acontecer para ir atrás. Não temos um poder de resposta que nos permita ser mais

proativos e prevenir, isso é uma realidade. Apesar de reconhecer que deveríamos ser mais proativos

e preventivos e não só reativos. Mas, infelizmente, a gente está todo dia tendo que apagar um

incêndio, porque como as coisas vão surgindo a gente vai trocando pneu em pleno voo. Então não

dá tempo de termos informações para ter uma política mais estratégica. E a interferência da política

na Técnica eu acredito que falta mesmo é um reconhecimento, principalmente quando estamos

falando de políticas públicas, sobre a importância da Gestão dos Recursos Hídricos. Não adianta ser

definido lá na Casa Civil, seja lá onde for, que a política de desenvolvimento é uma política é baseada

em política energética X e depois o plano estadual e o plano de bacia estabelecer outras

características. Assim, o órgão de gestão não será capaz de frear isso. Então eu acho que falta essa

integração e no mínimo ou então o reconhecimento desse estudo, para que na hora que for

estabelecer as Políticas de Desenvolvimento que seja levado em conta e consideração. Eu não sei

se deveríamos construir os Planos e lá na hora de estabelecer a regra e a Política de

Desenvolvimento ou se estabeleceríamos os Planos e depois eles utilizariam as nossas informações.

Mas o fato é que eu acho que falta isso sim, e por isso é que os planos ficam muito mais engavetados.

Quanto aos órgãos de gestão de Recursos Hídricos, a gente sempre atende a outorga, o Plano

estabelece esta regra e sempre a cumprimos, mas eu acho que o que extrapola o que está no

SINGREH é que nem sempre consegue essa integração.

João Ricardo Raiser – Respondendo para a professora Katia Gisele, que pergunta se o

sistema é realmente o sistema. Eu penso que sim ele uma estrutura e tem todas a condições para

atender às necessidades. Mas aí enfrentamos os problemas que enfrentamos em várias áreas. O

Brasil tem ótimas legislações, mas tem um péssimo processo de implementação. Olhando de

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maneira efetiva, o Sistema de Gestão dos Recursos Hídricos, conforme a Agência Nacional de Águas,

temos a outorga implementada, mas ela ainda não consegue atingir sua totalidade e por isso não

atende a todas as suas funções. Você tem um pouco de Planos que também não estão adequados

para cumprir a missão mais nobre da Gestão, como ela está nos Comitês de Bacias e Órgãos

Colegiados e eles precisam começar a efetivamente assumir essas funções. Eu até dialoguei sobre

isso no Encontro Nacional de Comitês de Bacias (Encob), a parte mais nobre a Gestão está nas mãos

dos Comitês que é apresentar as diretrizes para os instrumentos de gestão. Mas se fizermos uma

análise bastante crítica desse processo poucos comitês têm apresentado diretrizes para a gestão.

Poucos Comitês têm enfrentado realmente essas questões. Nós atuamos em uma complexidade

grande de áreas onde você vê Comitês fazendo programas de recuperação ambiental, programas

ligados à área de saneamento. Todas áreas que têm impacto na gestão de Recursos Hídricos, mas o

principal de sua atuação, que é dar diretrizes para os instrumentos de gestão, que é onde

poderemos mudar as Políticas Públicas, isso está muito frágil ainda. Agora parece que está tendo

uma mudança nessa perspectiva, mas os Planos de Bacias são grandes compilações de obras de

saneamento. Quando mais você vai olhar o que tem de atuações específicas de como a gestão pode

atuar e influir nas outras políticas, isso ainda é muito frágil e muito incipiente. Então é um Sistema

com perspectivas, mas que ainda não atingiu essas necessidades. Eu penso que a grande questão é

a falsa percepção de abundância que temos. É onde as pessoas imaginam que tem muita água e

onde tem fartura fica sem um planejamento adequado. É uma falsa visão de abundância. Com isso

a gente polui o rio, a gente instala empreendimentos sem pensar na disponibilidade de água. Diz,

tem água ali no rio é só instalar a indústria e não tem problema. Então isso precisa mudar. E parte

dessa mudança é compreender se é política ou técnica. E gestão de recursos hídricos não é técnica.

Ela tem um peso muito grande da política. Tanto é que essas diretrizes são políticas. Não é política

partidária. Mas é a política de pensar como desenvolver. As decisões nos comitês são baseadas em

informações técnicas, mas elas tomam decisões que são políticas. No sentido de alocação de águas,

de desenvolver um setor em uma região, ou um outro setor e outra região. Ou restringir, ou dar

uma prioridade de uso. Essas são decisões técnicas, mas são políticas com implicações em outras

áreas. Vamos ter que trabalhar e saber como organizar isso na gestão e passa por de fato implantar

e fazer com que esse sistema funcione. Quanto à questão da dupla dominialidade, é um problema

bastante sério. Mas eu não sei se o problema é a dupla dominialidade ou se são as outras questões

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 91

que você colocou, a questão da geopolítica de integridade, a percepção da bacia como um todo na

aplicação das políticas. Eu acho que se a gente conseguisse superar a visão da Bacia hidrográfica

como uma unidade de Planejamento e Gestão os Sistemas Nacional e Estadual conseguem se

equilibrar. Agora hoje não se consegue superar o limite do município. Então a percepção que eu

tenho é que a legislação precisa evoluir em algumas questões, mas, de maneira geral, conseguimos

trabalhar isso, como exemplo, o São Marcos aqui na divisa de Goiás com Minas Gerais. Está havendo

uma articulação maior da ANA com os órgãos de gestão estaduais. Há conflito causado pela falta de

conversar e falta também de instalar o Sistema de forma adequada. Os usos irregulares ou usos que

estavam à margem da legislação. Falta de pensar no futuro, emitindo outorgas que já não condiziam

com os usos da água na bacia. E não se pensava na bacia com a projeção de usos que pode chegar

a 200 mil hectares irrigados, que já tem hoje 80 mil e se fosse mantida a proposta do que estava

teria que reduzir para 50 mil hectares irrigados. A somatória do prejuízo de não poder chegar a 200

mil hectares implica em valores que parecem absurdos, pois as contas ainda foram feitas em papel

de pão, mas a diferença de não poder irrigar a montante da usina de Batalha pode chegar só no

diferencial, a depender do produto que seria cultivado e produzido de 400 milhões para o milho que

tem valor mais baixo a até 5 ou 6 bilhões por não poder irrigar. Destaco que em 37 culturas

diferentes que têm altíssimo valor agregado. Isso faz parte da gestão das águas e a gente não pensou

nisso hoje o conflito está instalado, existe uma usina lá e a gente vai ter que pensar em como

organizar isso. E a gente está integrando, juntando essa questão da dupla dominialidade. Como fazer

isso. Eu penso que é através do sistema. Na época em que foi emitida a outorga no caso de Batalha

tínhamos sistemas estanques, eram os Estados de Goiás ali, Minas acolá, a Ana aqui, e cada um

fazendo por si o que queria. Não existia um sistema integrado em que a gente percebesse como

cada um estava operando, pensar em vasão de entrega. Enfim, como vamos trabalhar essas

questões. Isso acho que não se pensava e são problemas que estamos enfrentando. Essa ideia de

abundância no sistema avança quando existem os conflitos. Ou seja, como dito, em céu de

brigadeiro a gestão de Recursos Hídricos nem aparece. Mas não significa que ela não seja

importante, pois na hora que vier o temporal precisamos ter o sistema estruturado para fazer essas

coisas. Então, quando vêm essas nuvens no caminho, como o caso de Batalha ou em Goiânia que

agora faltou água na cidade, o caso de Correntina aqui na Bahia que está sendo discutido, isso tudo

vai fazer com que a gente avance [...] e vamos ver como resolver esse problema.

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Éldis Camargo Santos fala sobre a questão da dominialidade chamando atenção de que o

Sistema é Nacional frente o dispositivo Constitucional. Esse parece ser o coração da maneira como

vamos tratar esse assunto. Mesmo porque muitos Estados não reconhecem a responsabilidade

exclusiva da União para o sistema nacional, os Estados não acompanham isso. O legislador reconheceu

que a água é um elemento essencial para o Brasil, por isso a água é nacional e não federal.

Julio Tadeu Kettelhut - Eu continuo Engenheiro Civil. [...] É uma diretriz para que o sistema

seja funcional. Há uma normatização nacional com relação a isto. Existe questionamento quanto à

parte jurídica para isto. Como eu ia dizer hoje, eu continuo como engenheiro civil dando furos na

parte de regimes hídricos. Eu sempre achei que tem que ser nacional, porque senão o sistema não

funciona. A lei é nacional, o sistema é nacional, está na Constituição. Há união no caso, para

entender o Conselho como um órgão de Estado ou de governo, deveria legislar sobre recursos

hídricos, nem sempre legislar, mas dar sua opinião sobre recursos hídricos. Eu acredito que tem que

ser nacional. Muito das resoluções do Conselho foram assumidas pelos estados. Agora, na hora que

se envolver cobrança, envolve recursos a coisa tem uma complicação maior.

Éldis Camargo Santos – inclusive uma questão que Carlos Alberto Valera vai apoiar, em

termos do que a gente chama de competência formal, ou seja para legislar, que é o artigo 22 da

Constituição, fala que é competência privativa da União. Só que até hoje não temos esta lei

complementar ou que poderia ajustar tudo isto. Isto é importante. Então em tese, sobra só a 24,

então, ou seja, não temos a Lei complementar onde poderia ajustar tudo isto. Isto aí é importante.

A gente vem falando isto há muito tempo. Então, com a questão ambiental, teremos outra dimensão

que é recurso hídrico. Aí já é outro tema a ter que discutir. É importante saber que precisamos desta

Lei Complementar porque inclusive se as pessoas forem muito doidas. Com muito doidas. Todas as

resoluções dos Estados não valiam, porque os estados não podem legislar. Então é muito

importante colocar isto aí. A regulamentação da Lei complementar do parágrafo único do artigo 22.

Não temos a Lei Complementar que poderia ajudar tudo isto.

Heitor Soares Moreira – Assim, eu sou do IGAM, da área de planejamento e apoio ao sistema.

Estou há algum tempo nesta história. O que eu tenho e perpassa todas estas questões é a falta de

reconhecimento da água, falta de reconhecimento da gestão de recursos hídricos de forma geral. Foi

abordada pelo Professor Cláudio a questão do Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Foi extinto sem

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 93

que a área de RH fosse ouvida. E quando foi levantado isto no Comitê do Paranaíba, os setores dos

usuários quando questionados sobre buscar esta pauta junto ao Governo não junto ao órgão gestor, na

sua função de desenvolver política pública, a superintendência do órgão gesto. Mas junto ao Governo,

eles disseram, não, não vamos envolver com isto não, porque a nossa pauta com o Secretário e com o

Governador é outra. Então, me incomoda um pouco quando, por exemplo, mas o órgão mais ausente

dos comitês é o poder público por isso brinquei com o Sérgio do Senepal, porque eu estou em todas

reuniões do Paranaíba, não só no plenário, mas nos grupos de trabalho. Nossa estrutura, apesar de ser

composta dentro da Superintendência dos Recursos Hídricos lá em Goiás, a gerência tem quatro

servidores comigo. Estamos todos em todas as reuniões dos comitês e dos grupos de trabalhos. Lá no

Estado de Goiás, a superintendência tem duas gerências, uma de outorga e a outra é do resto. E nós

ainda damos apoio à Gerência de outorga. O poder público está faltando, a sociedade está faltando, a

percepção do que é a Gerência de Recursos Hídricos. Se nós perguntarmos para os membros dos

Comitês de Bacias, quais são as funções dos Comitês de bacias? É difícil chutar número, mas vai ter um

número grande de pessoas que vão falar que a função do Comitê de Bacia é fazer a recuperação

ambiental da bacia, que é uma coisa, na minha percepção que é muito mais de articulação com quem é

responsável por fazer isto que a Gestão de águas. Tem impacto na água, sim, mas tem pai e tem mãe

para cuidar dessas outras áreas. Então é assim, há um grande desconhecimento do que é gestão dos

recursos hídricos, não há a cobrança da sociedade por gestão e nem dos usuários, para mim isto está na

base desse processo como um todo. Então quando você vai discutir, por exemplo, o plano de bacia. A

agricultura acha que tem que fazer o planejamento deles, não se envolve neste processo. Em Goiânia

faltou água no rio que é usado para abastecer a cidade. Metade da população que é a metade da

população, não tinha água no rio. A primeira pessoa que o governador convocou para resolver o

problema foi o presidente da companhia de saneamento. Onde é que está a Gestão de Recursos Hídricos

neste processo? Isso tudo é uma coisa que, para mim, afeta todas as outras questões que nós estamos

discutindo. Para mim é basilar desse processo. A gente pergunta para o representante do município qual

a função do Comitê de Bacia, ele fala que é plantar muda. Uma representante do Ministério Público

questionou isto num evento. Ela falou que os Comitês em Goiás não funcionam, eu não vi um comitê

plantar uma muda até agora. Então tem muita coisa que precisa avançar. Eu acho que a primeira coisa

que a gente tem que fazer, e aí o João Vinha, o Júlio conhece bem a figura, ele faz um questionamento

que é muito interessante: Nós temos dentro da Agência de Recursos Hídricos uma religião, só nós

conhecemos e só nós entendemos sobre essa nossa religião, os nossos dogmas e dos nossos conceitos.

A sociedade, praticamente de uma forma geral, ignora ou desconhece a gestão, as suas funções e suas

atribuições. Na minha análise pessoal, isto é inclusive um dos problemas por que a gente não consegue

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atingir a tal da famosa da sustentabilidade. Porque ela é pensada em todos os eixos, menos neste eixo

da organização dos usos, da gestão, da locação, e aí as coisas viram uma baderna. Gestão avança onde

falta água. Exemplo do país onde falta água é no Ceará. Tem até uma piadinha que ouvi e é engraçada:

quando se coloca uma pessoa de cada Estado do Brasil, se você quiser descobrir o cearense abre uma

torneira e a deixa pingando, o cearense é o que vai levantar primeiro e vai lá fechar a torneira, porque

falta água para ele. E só para quem falta água é que sabe da importância deste recurso. Por que que não

avançamos, de uma forma geral, em Goiás? Há uma percepção de abundância. Uma ilusão de

abundância, na minha opinião. Os usuários da bacia do rio são Marcos, onde tem esse conflito e não é

responsabilidade só da Ana, a Ana emitiu a outorga, mas foi com base em informações prestadas pelo

Estado. Porque ela consultou tanto o IGAM quanto consultou na época a SEMARH. Isto eu sei de

conversa, mas eu estava lá na época quando chegou uma consulta perguntando quantos usos existiam.

Só que houve uma falha de planejamento, porque usou dados para projeção para evolução do setor de

96, do senso agropecuário, mal projetados, calculou que ia crescer 1% e estava crescendo não sei

quanto, mas muito mais. Achou que tinha 5.000 ha irrigados porque era isso que as outorgas

mostravam, mas já tinha 15.000 instalados não havia fiscalização porque, porque, por exemplo, posso

falar do Estado de Goiás, não há fiscalização dos recursos hídricos no Estado de Goiás. Porque a

superintendência tem os seus técnicos que emitem outorga e tem a outra gerência que cuida do resto.

E a fiscalização é exercida pela área ambiental que no máximo o que ela faz é perguntar se tem

outorga. E tem perguntado se tem outorga de pouco tempo para cá. Porque antes sequer isto fazia.

Então isso precisa mudar, gente, é começar a repensar estes processos. Os usuários na bacia do rio

São Marcos é a Associação de Irrigantes do Estado de Goiás tem se manifestado sempre na imprensa

que o problema ou que a água na bacia do rio São Marcos tem, e que o problema está no órgão gestor

que não emite as outorgas e a Associação dos Irrigantes participa de todas as reuniões do Paranaíba,

participa de todas as reuniões do grupo de trabalho, participa do lado mineiro do PN1 e do lado

goiano, a associação goiana representa e participa no Comitê de Bacia do Rio São Marcos. Então, o

problema não é só outorga e eles sabem muito bem disso. Mas será que a sociedade e os irrigantes

sabem? Será que a sociedade sabe que é função da gestão organizar os usos, planejar e pensar nos

usos futuros? A participação do poder público, tirando os órgãos gestores e tirando nós, lá dentro da

gerência, a maior parte dos técnicos não tem essa percepção. Os técnicos do nosso lado dentro do

sistema da gerência de outorga acham que a função mais importante que tem é o do comando e

controle e que o comando e controle vão resolver todos os problemas, que dirá fora do sistema? O

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 95

principal objetivo nosso é mostrar para a sociedade e conseguir reverter essas questões. Desculpe-

me se prolonguei. Acho que consegui colocar tudo que precisava.

Wilson Akira Shimizu – Vamos passar para os outros.

Heitor Soares Moreira – Bom a minha fala de fechamento aqui é com relação a dois pontos que

foram abordados. Um da professora Kátia e um da nossa procuradora, Dra. Éldis, é com relação onde

funciona e onde não funciona. Eu acho que a gente tem de tudo um pouco. Em algumas bacias

hidrográficas temos exemplos de algo que funciona mais ou menos e em outras bacias as coisas

funcionam por si só. E infelizmente conseguimos apontar no dedo os as coisas funcionam por conta da

aplicação das ferramentas de gestão ou arcabouços de gestão. Isto falamos com muito pesar. É pontual.

Às vezes, há situações onde não tem vida porque as coisas andam por si só. Até quando a gente não se

sabe. Mas, por outro lado, temos também conquistas que precisamos celebrar. Eu acho que pelas falas

aqui, todo mundo comunga da mesma opinião que o nosso sistema de recursos hídricos merece mais

uma oportunidade ele ainda não foi aplicado em toda sua totalidade. Então ele merece dar mais uma

oportunidade, ao mesmo tempo a gente sabe que tem algo que não está funcionando. E a gente tem

que atacar isto sob o risco de perder credibilidade. Então, o que não está funcionando? Acho que o

caminho inicial para se inverter essa situação que não está funcionando é fortalecer os órgãos gestores

e os comitês de bacias hidrográficas. Não dá para fazer gestão de RH como órgãos com gestores

enfraquecidos. Onde as tomadas de decisão elas vêm, por exemplo, de produtos, de estudos por setores

que têm interesse no processo. Seja uma concessionária pública de abastecimento, seja uma empresa

de energia elétrica, ou seja, uma própria indústria de mineração elabora o estudo para que o órgão

gestor tome decisão em cima daquele. Nós temos que ser realmente os originários dessas informações,

porque aí teremos poder de convencimento e eu vou conseguir chegar à secretaria de Agricultura e falar

a eles: aqui estão as informações. Eu estou mostrando para você que esse caminho que você está

tomando daqui a pouco vai ter conflito de água e é aí que conseguiremos reverter essa situação. E

quando a informação vem de lá para cá é o setor de produção de florestas que vai me falar o que está

certo e o que está errado nós nunca vamos reverter essa situação. Eu acho que é o órgão isento, com

autonomia e fortalecido que a gente vai ter poder de convencimento e trazer todos os atores que são

necessários para ter uma política realmente descentralizada e participativa. Então, eu gostaria de

finalizar isto e em atenção em atenção a Dra. Éldis. Ela mencionou a questão da água subterrânea e

superficial. E hoje, em Minas Gerais temos uma carência das informações da água subterrânea, o que é

aquífero permanente, o que é aquífero renovável para tomarmos as decisões. E muitas dessas

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informações nos são repassadas em forma de condicionante de Licenciamento Ambiental. Vai lá, faça

este estudo para depois eu tomar esta decisão. Por mais que você tenta estabelecer uma RT para

representar aquele estudo, esse processo fica sob suspeita de alguma forma. Porque não é um ator

isento. Mas, do outro lado, a gente tem que reconhecer as limitações, e não tem, por exemplo condições

de elaborar um estudo dessa magnitude e também você não pode ficar sentado em cima de uma

situação sem se posicionar, porque pode estar pecando por excesso ou por omissão. Eu acho que o

caminho é este e a temos que dar mais uma chance para o nosso sistema. Ele merece.

Sérgio Gustavo Rezende Leal – A fala do Heitor do IGAM foi muito importante. Eu quero

fazer apenas algumas considerações finais. É sempre no sentido de fortalecer os órgãos gestores.

Eu acho assim, que se a lei fosse aplicada, pelo menos aqui no Sudeste. Vejam o caso da ANA, ela

tem garantidos os 0,75. A União tem passado por graves crises financeiras, mas a ANA continua.

Não é 100%, mas continua até hoje. O futuro, não sabemos. Mas até hoje, talvez com um pouquinho

menos do que o orçamento que tinha, mas está com um quadro de pessoal fantástico. A Agência

Nacional de Águas ainda hoje, infelizmente para a gestão de recursos hídricos, essa é minha visão, ela

está muito acima de qualquer outro órgão gestor. Você pode somar todos os órgãos gestores dos

Estados e não dá o nível de excelência que a ANA tem. E isso é ruim, pois há um nível de desnivelamento

que chamaríamos de uma “ANAdependência”. Ficam técnicos excelentes em um lugar só e eles acabam

querendo que a visão que eles têm, que já foi discutida vá para os Estados que não estão preparados.

Cláudio Antonio Di Mauro – Mas não é a ANA que tem que descer. São os Estados que

precisam crescer.

Sérgio Gustavo Rezende Leal – Mas é isso que eu estou falando, a lei para mim tinha que ser

cumprida, pois a ANA tem o 0,75 e os Estados têm um percentual muito maior que o 0,75, por

exemplo a SECIMA que o João falou poderia ter 80 milhões. Mas não precisa ter 80 milhões o

orçamento da SECIMA, se fosse 40 milhões.

João Ricardo Raiser – A SECIMA não, a arrecadação do Estado de Goiás com a compensação

financeira são 80 milhões. São 80 milhões para o governo Estadual e mais 80 milhões que são

distribuídos para os municípios. Só que esses recursos que são fundamentalmente da gestão de

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 97

Recursos Hídricos são desviados para outras ações. O orçamento da área de Recursos Hídricos

dentro da SECIMA diz respeito praticamente somente à taxa de outorgas. E o mesmo acontece com

a compensação dos municípios.

Sergio Gustavo Rezende Leal – Então se a Legislação fosse cumprida, a SECIMA teria aí 80

milhões. E se quisesse ainda ir ao fundo. Teria um outro recurso de 40 milhões. E 40 milhões de

orçamento seria fantástico, teria uma equipe muito maior do que tem hoje. Então esse ponto é

importante ir no Relatório. Precisaríamos dar um encaminhamento, quem sabe nisso o Carlos Alberto

Valera poderá nos ajudar a forçar os Estados e os municípios a cumprirem o que a legislação já

determina, acho que isso é muito importante. Algumas outras coisas que para as Agências são

importantes seria a normatização da cobrança e a conscientização. Conscientização não é o foco aqui,

então eu vou focar mais na legislação. O que é mesmo esse 7,5%? A questão da correção monetária. A

correção monetária da cobrança pelo uso da água tem um lado bom que é garantir que os custos das

Agências não tenham menos dinheiro real no ano seguinte em relação ao ano anterior. Por um outro

lado, na minha visão, existe um medo de que os recursos da cobrança nunca mais aumentem. Só a

correção monetária e pronto. Essa discussão poderá morrer e aí com tristeza será necessário recorrer ao

Judiciário, o que seria uma pena, lamentável. Também um assunto que parece pacificado, mas que

também é interessante é a definição se esse recurso é público ou é privado. O quanto a gente pode tornar

a aplicação desse recurso mais fácil para as Agências de Bacia. Não no sentido de tirar a transparência na

aplicação do recurso, mas no sentido de facilitar a aplicação, principalmente de baixo montante. Essas

são as minhas considerações. Obrigado, eu aprendi muito aqui hoje e eu agradeço a todos.

João Ricardo Raiser – Só mais uma questão. Eu escrevi um artigo nestes dias, pois temos

vivenciado um problema bastante sério no Estado de Goiás. As ausências de implementação do sistema

todo mundo começa a ter ideias geniais. E aí, de repente o Judiciário resolve [...] eu vou resolver isto

aqui [...] A Federação das Indústrias resolveu formar um Grupo de Trabalho para resolver questões

também. E aí um deputado resolveu dizer que se o problema é a falta de água entre agosto, setembro,

outubro e novembro, então vou fazer uma proposta de lei para todos os usos ficam proibidos de captar

nesse período. Então ficam querendo resolver uma série de questões sem saber que tem um Sistema

para resolver essas questões. Então a gente tem que dar prioridade e pôr esse Sistema para funcionar

de forma adequada e seja capaz de dar essas respostas. A resposta que nós demos ao deputado que

pensou nessa proposta é que será que somos tão incompetentes? Então para que fazer gestão de

águas? Pois se é para captar de dezembro até abril não precisa gestão de águas, pois aí o rio está cheio.

98

Então a gente tem que entender o sistema, colocá-lo para funcionar e parar com essas questões que

estão orbitando e colocar para funcionar e cumprir suas funções que são claras. Estão expressas na

legislação. Precisa de alguns detalhamentos, regulamentação de um item, uma Lei Complementar? Mas

a gente tem que entender isso e colocar para funcionar. Obrigado.

Wilson Akira Shimizu – Pessoal, então é agradecer aos membros da Mesa. Fizemos um

chamamento e parece que é um acordo entre todos os que participam na Mesa aqui para que

elaborem um texto de 15 a 20 laudas, até o final de janeiro, para ser entregue, tratando dos

assuntos que vocês abordaram, pois nós pretendemos publicar um livro. Era dia 15 de janeiro

agora passou para o final de janeiro. Então é isso, nós retornaremos às 14 horas quando

impreterivelmente iniciaremos a sessão da tarde. Então muito obrigado.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 99

PARTE II

Palestras, PowerPoint e Debate do período da tarde

100

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 101

CAPÍTULO 4

__________________________________________________________________________

PALESTRAS DO PERÍODO DA TARDE

SISTEMA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS: avanços ou recuos com a atual legislação?

4. 1 Introdução das atividades

Wilson Akira Shimizu cumprimenta a todos os presentes anuncia presenças do Magnífico Reitor

Professor Doutor ValderSteffen Júnior e do Pró Reitor de Extensão Professor Doutor Helder Eterno Silveira.

Informa que a Mesa Redonda será coordenada pelo Professor Doutor Cláudio Antonio Di Mauro.

Inicia os trabalhos convidando para usar da Palavra o Magnífico Reitor Professor Doutor

Valder Steffen Júnior.

Palavra do Reitor Professor Doutor Valder Steffen Júnior: Muito obrigado, boa tarde. Eu

gostaria de saudar a todos os presentes em nome da Universidade Federal de Uberlândia. Estou

acompanhado do Professor Helder Eterno Silveira, que me deu notícias sobre o andamento de um

projeto extremamente importante que irá tramitar nos Conselhos Superiores da Universidade a respeito

de Recursos Hídricos e Bacias Hidrográficas e isso certamente corrobora com todas as atividades que

são realizadas nesse campo. A Universidade Federal de Uberlândia tem diversas interfaces

extremamente importantes com a sociedade externa. Talvez a mais visível seja aquela que acontece na

área da Saúde e isso em a ver com todos nós de uma maneira muito significativa. Mas existem outras

áreas com as quais nós temos interfaces importantes e essa é uma delas. A Universidade Federal de

Uberlândia como instituição pública tem uma enorme responsabilidade social; com isso, essa temática

voltada para recursos hídricos, sustentabilidade e bacias hidrográficas são temas extremamente

preciosos e nós temos sentido, a cada dia, o peso e a importância da responsabilidade que nós temos

enquanto Universidade pública na discussão desses vários assuntos. Eu não poderia também, num

evento desta natureza, ocorrendo no interior da Universidade deixar de mencionar (e a pouco fui

perguntado sobre isso) como está Indo a Universidade neste ano difícil. Então, do ponto de vista das

atividades que exigem recursos de custeio, eu diria que nós temos conseguido realizar tudo aquilo que

havia sido programado. Entretanto, como o corte para os recursos de capital e investimentos foi muito

drástico, isso cortou nossos sonhos e cortou também a possibilidade de atendermos agora a nossos

compromissos, especialmente nos campi fora de Uberlândia, onde nós temos edificações e obras em

102

andamento, ou seja, projetos assumidos, mas não concluídos. Então, com relação aos projetos que

temos em Monte Carmelo, Ituiutaba, Patos de Minas e até mesmo em Uberlândia no Campus do Glória,

nós temos muita preocupação e estamos trabalhando para superar estas dificuldades. Assim como

aconteceu outras vezes, nós temos a firme convicção de que venceremos, o povo brasileiro e a

Universidade sairão vitoriosos. E, desta forma, poderemos dar continuidade a nossos projetos e nossos

sonhos, cumprindo nossas responsabilidades institucionais e nosso papel social. Creio que o papel social

mais importante da Universidade é trabalhar nos sonhos das pessoas, particularmente das novas

gerações. Então, como oferecemos várias oportunidades aos jovens e, neste sentido, tratando-se de

uma Universidade pública, onde mais de 50% das vagas são de estudantes vulneráveis, então

entendemos que temos uma enorme responsabilidade diante da sociedade. Contamos para isso com o

financiamento público, garantido pelos brasileiros, começando pelos mais sofridos até aqueles que têm

muito mais e que, por isso mesmo, deveriam contribuir mais do que têm contribuído até aqui. Talvez a

legislação tributária vigente deveria ser revista a este respeito. Finalizando, eu gostaria de cumprimentar

a todos, desejar uma boa continuidade das discussões em curso e dizer que estamos sempre a

disposição para ajudar em todas as demandas relacionadas a temas tão importantes. Obrigado

professor Cláudio Di Mauro, Wilson Shimizu, bom trabalho a todos... Aplausos.

Palavra do Pró Reitor de Extensão da UFU Professor Doutor Helder Eterno Silveira: Eu só quero

cumprimentá-las, cumprimentá-los e dizer que a Universidade não é uma ilha. Nós não damos conta

sozinhos de pensar a complexidade e resolver as questões complexas que estão na sociedade como um

todo. Quando eu vejo um evento desta natureza em que estão juntos ANA, Ministério Público e

diferentes agentes, diferentes entidades juntos com a Universidade, isto me soa, neste momento, como

responsável pela pasta, me causa muita alegria, pois uma maneira que nós temos de reforçar a nossa

posição institucional quando sofremos tantos ataques orçamentários de tantas ordens é exatamente se

congregar entre as diversas instituições para que a gente discuta os assuntos que são de urgência

nacional tal qual este assunto dos recursos hídricos, das bacias hidrográficas que é de interesse destas

instituições e outras tantas. Nós vivemos um grande momento e é de reforçar essas instituições,

justamente no momento em que sofremos alguns ataques em que tantas legislações são modificadas,

alteradas, para a gente avaliar se de fato os passos que nós estamos dando, são passos legais e reais de

manutenção, de concretização daquilo que nós defendemos e daquilo que nós acreditamos que é o

melhor para o desenvolvimento social, desenvolvimento humano, das pessoas em situações

vulneráveis, como disse o Professor Valder e tantas pessoas que precisam. Então eu parabenizo o

Professor Cláudio o Shimizu que estão aí à frente. Estamos trabalhando já nessa Comissão de Bacias

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 103

Hidrográficas que é muito importante, tendo em vista que já temos um Centro de Extensão, de

Pesquisas e de Ensino que possa dialogar com os diferentes setores da sociedade e possa se afinar com

os diferentes setores em prol daquilo que nós acreditamos.

E por isso meu muito obrigado. Assim como eu falava para o Cláudio agora pouco. eu gosto

de Eventos um pouco menores, pois a Universidade tem um acúmulo de debates e discussões, muito

grande e nós precisamos sair só do debate e ir para a proposição, indução de novas políticas

públicas, com melhoramento daquilo que já existe e esse diálogo com outras entidades é para nós

fundamental. Então eu espero muito, que saia deste Evento, deste Grupo de Trabalho, vamos

chamar assim, que saiam posições em níveis reais, para que a gente possa de fato, não só discutir

Avanços e Retrocessos de Legislação, mas que se possa fazer apontamentos de novas legislações,

para melhoramento dessas que estão e desenvolvendo outras. Então muito obrigado e felicidades

para vocês no evento. Obrigado. Aplausos....

Fala do professor Cláudio Antonio Di Mauro - Eu não gostaria de iniciar as atividades do Debate

sem antes fazer um agradecimento à nossa Reitoria na pessoa do Professor Valder, ao nosso Pró Reitor

Professor Helder, dizendo que a participação da Reitoria foi decisiva para a realização do VI Workshop

Internacional Sobre Planejamento e Desenvolvimento sustentável de Bacias Hidrográficas, realizado no

mês de julho aqui na Universidade Federal de Uberlândia. A Reitoria se esforçou para dar continuidade,

destinou os recursos que tinham sido planejados, com isso tivemos cerca de 800 inscritos,

aproximadamente 250 trabalhos aprovados, dos quais nós selecionamos 35 que serão publicados ainda

no mês de dezembro na Revista Caminhos da Geografia, do Instituto de Geografia da UFU. É um material

riquíssimo que certamente será referências para diversas atividades. Ressalto aqui as presenças do

professor José Geraldo Mageste, do Wilson Akira Shimizu, da professora Kátia Gisele, a Professora Nara

Lima do IFTM- Campus Uberlândia que foram organizadores do Workshop, em conjunto com um

número muito grande de discentes. A participação dos estudantes foi decisiva para o sucesso das

atividades do Workshop, destaco o nome da Tatiana de Souza que está presente. Naquele evento ficou

uma lacuna que estamos buscando resolver agora. Ficou a necessidade de se estabelecer a discussão

sobre as questões jurídicas. Naquele momento nós não incluímos esse tema para ser debatido pois

entendíamos que esse debate deveria ser feito com um grupo menor. Daí, nós montamos este evento

para cerca de quarenta (40) pessoas e convidamos pessoas chaves para o tratamento das questões do

Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SINGREH. Senão vejamos, a Professora

Éldis Camargo que é da procuradoria Jurídica da Agência Nacional de Águas – ANA, com papel decisivo

na emissão de Pareceres de emitir notas. Eu continuo a utilizar de seus pareceres, emitidos na época

em que trabalhei na ANA, O Doutor Júlio Tadeu Kettelhut que é Coordenador do Conselho Nacional de

Recursos Hídricos e por isso mesmo tem um papel decisivo na hora de tomar decisões, na hora de pautar

104

os temas para serem tratados no CNRH. Hoje pela manhã já levantamos uma questão para ele, a

necessidade de resolver o enquadramento dos corpos de água na Bacia do Paranaiba. Pois, se não

resolvermos o problema do Enquadramento, não adianta muito fazer Planos de Bacias. O Plano tem que

nos ajudar a chegarmos no Enquadramento pretendido para os Corpos de água (rios, represas, lagos ).

Sabemos que o enquadramento não é uma coisa simples, principalmente e tendo em vista os interesses

dos usuários de água que possuem um certo medo, receio de serem submetidos a maiores exigências.

Então nós precisamos tomar os cuidados para realizarmos um processo de enquadramentos que seja

ótimo. Então eu me referia à doutora Éldis e ao nosso amigo doutor Júlio Kettelhut que desde os tempos

em que eu era Presidente dos CBHs Piracicaba, Capivari e Jundiaí nós convivemos e sabemos da

importância que eles têm dentro do Sistema de Recursos Hídricos do Brasil. Convidamos também o

Doutor Carlos Alberto Valera que tem enorme dedicação ao tema Recursos Hídricos e tem sido

fundamental, com atitude e envolvimento com os Comitês de Bacias Hidrográficas e precisamos

aproveitar do conhecimento jurídico e das práticas que ele tem sobre estes assuntos. E são eles que

iremos ouvir nesta Mesa Redonda que tratará principalmente dos temas legais envolvendo os Recursos

Hídricos. Depois, teremos os Debates e concluiremos com o fechamento das providências que em

conjunto poderemos adotar. Quais as propostas que vamos levar e para quem vamos encaminhar?

Este nosso DIALOGOS SINGREH, reuniu esses personagens importantes e mais o atual Diretor Geral do

IGAM, portanto o Estado de Minas Gerais, o Presidente da ABHA, Agência que é entidade delegataria e

Agência dos CBH regionais, o representante da SECIMA de Goiás e do CBH Paranaiba. Portanto, temos

representantes de parcelas muito significativas do SINGREH, componentes de destaques desse Sistema,

o que nos permitirá chegarmos a bons resultados. E para que todos saibamos, já solicitamos aos

debatedores para nos prepararem um Capítulo abordando os temas e trazendo as propostas

apresentarem para compormos um Livro. Convidamos também o Professor Doutor Paulo Afonso Leme

Machado que é um dos precursores dos Estudos sobre as Bacias Hidrográficas no Brasil e comparadas,

para preparar um capítulo. Ele que é o autor do Livro Direito Ambiental Brasileiro, com sua 24ª. Edição

em 2016 e publicado em diversos idiomas. Quero por final destacar a importância da tarefa que o

Professor Helder está encarregado que é a criação do Centro de Recursos Hídricos da Universidade

Federal de Uberlândia. Nos próximos dias teremos uma reunião para confirmar o Regimento

Interno do Centro que será criado pela Reitoria. Será um Centro fundamental, tendo em vista que

a Universidade tem muitos pesquisadores nas mais diversas áreas que realizam pesquisas sobre

recursos hídricos, em suas mais matizes. Reunir esses pesquisadores e construir um espaço para

essas atividades em conjunto permitirá o desenvolvimento de pesquisas integradas.

Em seguida é Formada a Mesa Redonda composta pelos palestrantes.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 105

__________________________________________________________________________ 4. 2 Palestra - Pensando o futuro da gestão dos recursos hídricos: o arcabouço legal e adequado?

Carlos Alberto Valera 15

Boa tarde a todos. Queria agradecer, meus sinceros agradecimentos ao professor Cláudio Di

Mauro, guerreiro na defesa dos recursos hídricos. Eu particularmente já conheço o Professor

Cláudio a algum tempo, também me sinto filho desta casa, fiz créditos aqui na Geografia, onde

colecionei muitos amigos. Bom, eu estou no meio ambiente não só no meio acadêmico, mas

também no trabalho e, por isso, por favor, eu vou dizer algumas coisas aqui, mas não se ofendam,

não se sintam constrangidos, mas eu tenho que trabalhar com a verdade do cotidiano. Eu tenho

uma obsessão, minha filha está aqui para não me deixar mentir, mas eu sou um pragmático na

essência. Eu até brincava com o Shimizu, de manhã, mas a expressão é essa mesmo, desculpem,

mas estou com o saco cheio de papel. São Planos, é plano para lá, para cá, é Workshop, é Seminário

e o mundo fático não se altera. Então a minha análise é mais pragmática, é fazer uma análise do que

nós temos e o que temos que fazer. Nós já temos o instrumental legislativo, o que falta, e eu aqui

vou me apropriar da fala do João Ricardo Raiser, o que falta é vontade política é vontade social é

isso que nos falta, porque quando o “bicho pega” aí damos um jeito. Ora, se eu tenho instrumentos

de gestão, não é Heitor, porque eu tenho que chegar ao caos? Mas, muito bem.

Eu aqui, professor Cláudio Di Mauro, acolhi integralmente as suas provocações, no bom

sentido obviamente, e as transcrevi literalmente, a partir do e-mail que trocamos, eu disse ao

professor Cláudio que nesse assunto Recursos Hídricos nós poderíamos fazer um curso de pós-

doutoramento dada a amplitude do assunto. Eu queria entender o que o público precisa eu vou tentar

traduzir em linguagem jurídica. Eu começo com uma polêmica, temos alguns problemas que foram

objeto na parte da manhã. Em primeiro lugar: Na dupla dominialidade, União, Estados e Distrito

Federal tem havido responsabilidade compartilhada? Como funciona se eu me deparar com uma

situação de crise? A resposta está na Lei, nós já temos os mecanismos postos na Lei Federal

9.433/1997 e fazendo o recorte para o Estado de Minas Gerais, nós já temos também soluções na Lei

Estadual 13.199/1999. Olhem só: “Constituem diretrizes gerais para implementação da Política

Nacional de Recursos Hídricos a articulação do Planejamento de Recursos Hídricos com os setores dos

usuários e com os Planejamentos Regional, Estadual e Nacional. Então como eu dizia, a leitura tem

15 Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande. Doutor em Agronomia (Ciência do Solo) pela UNESP/FCAV. [email protected]

106

que ser constitucionalizada, tem que seguir as regras de competência, com base na Constituição. A

professora Éldis já fez a referência na parte da manhã. Então a União vai tratar de aspectos gerais,

nacionais, o Estado de aspectos regionais e porque não dizer os municípios de aspectos locais. Aí,

Júlio Tadeu Kettelhut não foi em nenhum momento eliminada da participação regional ou diminuída

a participação dos Estados, agora tem um sistema que é Federal. Eu não tenho um sistema

provincial. A autonomia dos Estados é uma autonomia regrada que se submete às regras gerais, ou

seja, a questão já está equacionada, basta os atores entenderem essa dimensão. Só que nós,

brasileiros, latinos que somos, não gostamos de cumprir regras, e esse é o nosso problema. Então o

governo é do PMDB e eu sou do PSDB aí eu digo assim: Não, eu não vou cumprir pois esse Presidente

do PMDB quer mandar aqui na minha “paróquia”, que é do PSDB. E ficam aí esses conflitos

interfederativos que, invariavelmente, como é o caso de São Paulo que vão desaguar no Supremo

Tribunal Federal. E isso chama atenção para a reflexão, por que isso acontece? Já foi tangenciado

aqui por que o poder não encontra vácuo e havendo vácuo no poder, se alguém não ocupa uma

esfera de competência, seja ela administrativa ou legislativa outro vai ocupar. Em muitos casos o

Ministério Público ou o Judiciário, ou, ainda, o que é pior, o poder econômico, o poder da corrupção,

enfim, alguém vai ocupar esse vácuo. E mais, a União, articular-se-á com os Estados tendo em vista

a gestão dos recursos hídricos. Afinal, o interesse é comum, todo mundo precisa de água, de

desenvolvimento regional, desenvolvimento econômico e como se faz isso? Bom, só tem um jeito...

Planejando e estudando. E aí a importância dos Planos. E em situação de crise? Nessa situação já foi

dito aqui pela manhã o pacto e a relação está na norma que é, em primeiro lugar, o consumo

humano e a dessedentação animal. Mas isso tem que ser detalhado. Vou dar um exemplo bem do

meu dia a dia para vocês. Profissionalmente, eu trabalho com fatos, logo, tendo uma situação de

crise hídrica aí eu vou cortar água da UFU ou do hospital? Isso deve estar definido, pois na hora que

houver necessidade de implementar eu preciso de um instrumento legítimo que já foi discutido.

Nós não fazemos isso. Ficamos rezando, fazendo a dança da chuva para ver se São Pedro nos ajuda.

Então situações como essas precisam ser enfrentadas e o caminho está posto. Eu estou otimista,

afinal as nossas Leis tanto a Federal como a Estadual merecem um voto de confiança. Outra reflexão:

Os colegiados existentes no Sistema têm cumprido devidamente suas funções? Isto aqui é o rol, não

precisamos nos ater a leitura. E eu aqui vou fazer uma pergunta. Vou inverter o constrangimento –

eles têm cumprido? Tem, professor Cláudio? Tem? Não tem!! Longe disso, não estão cumprindo, por

uma razão muito simples, eu agora há pouco conversei com o Júlio Tadeu Kettelhut, a sociedade

brasileira é extremamente heterogênea, extremamente desigual e extremamente inculta. Esse é o fato,

afinal temos 40 milhões de brasileiros analfabetos, outro tanto de semianalfabetos. A massa crítica está

aqui, só que essa massa crítica melhorou um pouquinho. Na década de 1990 eram 2%, agora chega aos

4% o percentual de pessoal que tem acesso ao curso superior, se forma e efetivamente se qualifica.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 107

Então é evidente que na hora que eu vou instituir o Comitê de Bacia Hidrográfica, por exemplo o

Araguari, eu vou captar pessoas do extrato social desta região, onde terei pessoas com pós-

doutorado, mas a maioria tem até a 4ª série. Então qual é a discussão? E eu me preocupo com isso

todo dia. Temos um problema de gênese. Eu posso citar pessoas que entendem o que estão

fazendo, afinal não é isso que a iniciativa privada faz? Quando eu contrato um funcionário para uma

empresa privada eu não dou uma capacitação para ele? Por que os participantes dos nossos Comitês

não podem ser capacitados? Então essa é uma situação, reflexão que nós temos que fazer. E

devemos capacitar todos, obviamente sob a coordenação do Estado ou da União que são órgãos

que integram esses entes federados. E onde se forma o conhecimento? É no Google? Não, o

conhecimento sempre vai estar aqui dentro. Tem que pôr a “bunda na cadeira”, é assim que se

aprende. A tecnologia nos traz as facilidades para chegar ao conhecimento. Mas eu tenho que

buscar onde a informação está disponível e devo conhecer pelo menos os princípios das bases.

Então nós temos que avançar nessa discussão. O IGAM começou a duras penas um trabalho de

capacitação e parece que parou. E o argumento é sempre o mesmo, I don´t have money. Muito bem,

avançamos mais um pouquinho. A decisão dos órgãos colegiados tem sido incorporada pelas

instâncias do Estado brasileiro, com especial atenção pelos órgãos federados? Mais uma vez, com

sinceridade, TEM? Absolutamente não, NÃO! Por quê? Como nós ainda estamos engatinhando e

não temos consistência nessas estruturas, tem o poder econômico que se alia com o poder político

e literalmente nos “tratoram”. Literalmente nos “tratoram”. Eu até comentei com o Heitor do IGAM,

na segunda-feira tive que ir para Tupaciguara participar de uma reunião da Comissão de Justiça da

Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, porque se concedeu uma outorga e em sequência

uma licença para uma PCH e agora não tem água para rodar. O empreendedor está lá com prejuízo

de 17 milhões. Mas eu tenho certeza absoluta, vou falar em público aqui, que se o Comitê tivesse

exercido seu papel poderia ponderar de maneira respeitosa, não teríamos esse quadro. Então o que

aconteceu? É um registro, não tinha um ser humano do Comitê de Bacia Hidrográfica numa

discussão da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia legislativa do Estado de Minas Gerais

onde estavam presentes três deputados e uma profusão de outras pessoas. Então a resposta é

evidente que não, e infelizmente eu falo por mim, realidade cotidiana até o Estado a União e outros

entes federados, pelos mais variados interesses desconsidera, retarda e até contraria as decisões

dos colegiados. O professor Cláudio Di Mauro mencionou aqui sobre o enquadramento de Cursos

de água [...] isso não avança. Outro no caso do IGAM, áreas de restrição de usos, nós não avançamos

nessa discussão. Outra que nós estamos tentando trabalhar a perda física na distribuição de água.

Outra a legislação diz que até o final do ano os municípios de até 20 mil habitantes devem estar com

estações de saneamento licenciadas, implantadas e operando. E nós não avançamos?! Por quê?

Porque o poder econômico se alia ao poder político e nós ficamos para trás. Então nós temos que

108

nos articular de forma mais consistente. Outra questão: As outorgas concedidas refletem a

realidade ou são meros instrumentos burocráticos? E os Planos de Bacias com a seleção de

prioridades são respeitados? Mas eles não são instrumentos legais? Então vamos entender com

todo respeito. Afinal, há técnicos muito comprometidos e eu tenho uma relação fraterna com o

Heitor e com a Marília Melo que, que é uma pessoa que eu respeito e admiro. Mas as outorgas, não

apenas em Minas Gerais não... é no Brasil, são uma vergonha. Porque, em primeiro lugar Júlio Tadeu

Kettelhut, para você levar para seus pares. Por exemplo, nós estamos em um ambiente acadêmico,

quer ver: Professor José Geraldo Mageste, como é que eu resolvo um problema? Professor

MAGESTE responde: estudando o problema. Isso!!! Eu só resolvo um problema e digo isso todos os

dias para minha filha que está começando agora... Só resolvo um problema se eu o conheço. Nós

conhecemos os nossos recursos hídricos? Conhecemos? É evidente que não. Eu até comentei com

o Heitor do IGAM, fui buscar nas minhas anotações uma entrevista do Tiago, que era Gerente de

Outorgas e ele disse no Estado de Minas parece-me que 2014, que a cada outorga expedida em

Minas Gerais há potencial para uma (1) ilegal ou 3. Pois então... Como é que eu posso trabalhar

com esse cenário? Outra discussão que nós colocamos na segunda-feira: eu considero os usos

insignificantes na metodologia para definir as outorgas? NÃO. Então vejam só o sistema que nós

temos... Então eu tenho a deliberação 4 que diz o seguinte: que na minha região até 1 m por

segundo eu faço o cadastro. Só que vejam bem, eu tenho uma profusão de 1l/s pela bacia

hidrográfica, então eu tenho 100 mil usuários nessas condições. Então eu tenho 1 mil vezes 100 mil,

ou seja, 100 mil litros por segundo que não entram no cálculo da outorga da Q710 e da vazão do

curso de água. Com isso se torna um mero instrumento burocrático. Nós não emitimos outorga, nós

emitimos papel. Com todo respeito, esse é um problema, ou seja, cartorial. Heitor Esclarece que a

questão do uso insignificante, o cadastro não entra no balanço hídricos, mas no direito de acesso a

água ele tem que ser levado em consideração. Ou seja, tem a vazão bruta e você desconta o que é

uso insignificante. Menos mal. Mas nós temos que avançar nesta discussão. Afinal, a tecnologia de

informação e as geotecnologias podem dar resposta para isso. Simples assim. É uma questão de

vontade política. Mas, vamos ver, eu pergunto para o Heitor do IGAM: Qual é o orçamento do

IGAM? A SEMAD inteira é 300 milhões. E arrecada 1 bilhão. E o orçamento do IGAM é cerca de 40 a

50 milhões. Então vejam só as outorgas são meros instrumentos burocráticos; os Planos de Bacias

não avançam nas discussões sobre áreas prioritárias. E aí eu venho aqui neste assunto que é uma

briga que provavelmente vai acabar estourando lá na ANA, que quando se licita não se coloca nos

termos de referência. Ou quando se coloca nos termos de referências o produto não traz

adequadamente essas hipóteses, por exemplo, prioridades para emissão de outorgas; diretrizes

para cobrança; propostas de áreas para restrição de usos com vista à proteção no uso dos recursos

hídricos. Outro assunto: A institucionalidade vigente e os instrumentos de gestão são suficientes

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 109

para a gestão dos usos múltiplos com garantia de segurança hídrica? Pela nossa avaliação, os

instrumentos sim... Só que o que acontece: eles não foram implementado. Eu não sei se são

suficientes e funcionam em sua plenitude porque sequer foram implementados. Tem uma

implementação seletiva e capenga. Eu vejo, por exemplo, na Bacia do Paranaíba em Minas Gerais,

dos três Comitês só um tem, por exemplo, a implantação da cobrança pelo uso da água. Plano de

Bacia só um tem o Plano. Como é que vai funcionar? E pode parecer estranho, mas exatamente

onde a cobrança está implantada é o Comitê que tem mais efetividade. Eu tenho uma avaliação de

que os instrumentos funcionam. Mas, está faltando informações, pois o Sistema não está

implantado e está capenga. Precisaríamos ter uma quantidade com efeito amostral, indicador de

eficiência. Portanto, tanto no Federal como no Estadual os instrumentos de gestão devem ser

aplicados pela metodologia constitucional. E aqui eu quero fazer uma provocação: Quero que vocês

levem lá para todos os integrantes dos Comitês de Bacias sejam eles estaduais ou federais a

pergunta final que é a seguinte: Como o Ministério Público Federal e Estadual pode colaborar para

sanar as dificuldades do sistema? Os desafios para implantação do SINGREH que passam por

algumas grandes dificuldades como: especificidades regionais; a não apropriação dos instrumentos

de gestão pelos tomadores de decisão; garantia de respeito para a gestão descentralizada, integrada

e participativa, entre muitos outros? A exemplo de garantir que as prioridades dos Planos de Bacias

sejam incorporadas pelos entes federados e usuários.

A legislação federal e a estadual, especificamente na Estadual no artigo 43 dizem que as

decisões do CBH Estadual são deliberativas e mais, normativas. Há muito tempo a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal vem reafirmando o imperativo de Lei de que se a gestão seja

compartilhada as decisões vinculam os gestores. E por que não funciona? Vou dizer os porquês com

base na minha experiência pessoal: O Ministério Público é visto com certa incompreensão, pois eu

já fui acusado de querer mandar no Comitê, querer ser deputado, querer me apropriar do Comitê,

eu já fui acusado de tudo. Venho trabalhando intensamente para convencer os integrantes do

Sistema, em especial os integrantes que não são originários do setor público, que ao integrarem

quaisquer das instâncias ou órgãos dos sistemas distrital, estadual ou federal e dos municípios de

recursos hídricos, passam a ostentar a situação de servidores públicos, na Administração Pública.

Devem obedecer aos princípios da Administração Pública, ou seja, a legalidade estrita. Se eu não

integro a Administração Pública eu posso fazer tudo o que a Lei não me proíba. Mas se eu integro a

Administração Pública em qualquer categoria eu só posso fazer o que a Lei me determina. Olha só!

Considera-se como funcionário público, para os efeitos penais e para outras questões, quem,

embora transitoriamente, exerça função de servidor público. Então é evidente, se houve uma

deliberação do Comitê Estadual estará vinculado. Se não for vinculado recorrerá ao Ministério

Público, enquanto responsáveis pela ordem jurídica no Regime Democrático. Somos obrigados a

110

fazê-lo e estamos fazendo. Para efeito de exemplo, nós temos uma ação com liminar em face do

Estado por que o governador contingenciou 200 milhões de reais da Lei do SNUC, artigo 36. O

problema é que a Liminar não está sendo cumprida e nós não conseguimos avançar nessa discussão.

E nós devemos sim chegar ao governador ou ao secretário e explicar: Olha meu amigo, tem essa

deliberação aqui e você tem que cumprir. O não cumprimento acarreta todas as consequências,

como improbidade administrativa, crime responsabilidade administrativa. Enfim no Comitê deve

haver o sentido de impessoalidade e a decisão não pode ser para atender este empreendedor, mas

o segmento daquele empreendedor. Moralidade é outro componente exigido da ação

administrativa. Temos que reforçar esse discurso. Tem que oferecer a publicidade e eu tenho uma

frase pronta, dizendo assim: A transparência é que dá blindagem ao gestor honesto. Até para fazer

besteira temos que ser transparentes. Quando estamos na Administração somos obrigados a fazer

determinados atos que ensejam interpretação. Posso exemplificar com um exemplo. Quando

tínhamos um empreendimento de 250 milhões de reais, onde havia interpretações diferentes,

fomos ao Conselho onde o assunto é deliberado e dissemos, esta providência é equivocada, mas

fazendo uma comparação entre o investimento, o emprego e o procedimento administrativo, eu

vou optar por acolher o empreendimento e assim foi feito, a licença foi expedida. Mas de forma

transparente, em Ata, com gravação para que as coisas possam ser julgadas pela sociedade. Como

nós fazemos na condição de servidores públicos, nas instâncias administrativas. Aliás, é o que está

faltando no Brasil. O cara quer ser servidor público, mas não quer tomar decisão. No exercício de

nossas responsabilidades em qualquer quadrante nós temos que tomar decisões. Mas as pessoas

não querem tomar decisões e aí fica aquele vácuo. E você pode ter certeza que o poder econômico

e o poder político vão adentrar. E, por fim, a pérola, ou a cereja do bolo que é o que todos nós

queremos nessa discussão, é a eficiência. Tanto os da União, dos Estados e Municípios devem primar

pela eficiência. E eu sou eficiente quando planejo e me capacito. Fora desse cenário, vamos

continuar gestando crises. E aqui temos que falar sobre a história das Universidades. No Ocidente

começou na Europa onde os padres queriam educar seus fiéis e passaram a montar ao lado da igreja

locais para ensinar cursos de leitura e escrita, sempre foi da gênese da Universidade trazer para

dentro de si os problemas sociais e gestar as soluções sobre a melhor ótica técnica e de

conhecimento e exportar esse conhecimento. Por isso é comum, e uma das Pró-Reitorias mais

sofisticadas e mais aparelhadas é a Pró-Reitoria de Extensão. Temos que lembrar que a Universidade

faz ensino, pesquisa e extensão. Extensão é, portanto, nós termos massa crítica e expertise para

vencer, falta como bem disse o João Ricardo Raiser, vontade de fazer. Bom, desta forma, isto é,

quando se aceitar que os órgãos integrantes do Singreh são órgãos públicos e se submetem ao

quadro da legalidade estrita, cumprindo fielmente a legislação aplicada, o plano é vinculante para o

gestor. E o problema é que vocês não vão para o embate. Mas eu estou aqui para dizer que nós

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 111

temos obrigação de fazer esse embate, como eu tenho feito, claro, com todas as dificuldades e a

falta de estrutura que é uma marca carimbada das diversas estruturas no Brasil. Então aqui eu vou

abrir um parênteses, doutora Éldis, há quinze anos conseguimos o primeiro recurso do Ministério

do Meio Ambiente, o Zequinha Sarney era o ministro, o então procurador era o Jarbas, eles

arrumaram meio milhão de reais e nós montamos a primeira promotoria de Bacias no São Francisco,

com sede em Divinópolis e depois se fez uma profusão pelo Estado, a minha foi a penúltima a ser

instalada, nós somos em onze, a minha foi em 2011 e na sequência, em 2012 instalou em Valadares,

fechando todo o Estado. Eu assumi a minha Coordenadoria olha o cargo que eu tenho Coordenador

Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas dos Rio Paranaíba

e Baixo Rio Grande. O Comitê nunca me chamou para ir lá. Eu então provoquei uma reunião lá na

SUPRAM e chamei a turma lá e falei, meus amigos, nós somos parceiros. Há, não sei por que, as

pessoas acham que nós somos o diabo, eu falei, mas não é possível que vocês tenham essa visão.

É, vocês prendem a gente, Lava-Jato e outras coisas. Aqui não é Lava-Jato é lava água. Pois,

companheiros, aqui todo mundo é Servidor Público. Minha função é mais espinhosa que a de vocês,

porque eu fui incumbido pelo texto Constitucional por cobrar a aplicação das regras. Tirando essa

discussão, somos todos iguais. Aí, conseguimos a duras penas fazer um trabalho de aproximação e

atualmente estou dentro do Comitê e dentro da Agência, a ponto de assinarmos um termo de

compromisso, que é um termo bonito para TAC, onde o Ministério Público está acordando e pondo

recursos na Agência Executiva, para montagem de uma estrutura, conforme disse o Sérgio da ABHA,

tendo em vista que o dinheiro não é suficiente e vou receber um produto. Eu sou um órgão que

quer receber o produto. Como o professor Cláudio Di Mauro me apresentou, um Workshop com

800 inscritos, um livro. E é isso que queremos e ai, no CBH Araguari, vamos liberar algo em torno de

5 milhões de reais para ações efetivas. É a história da árvore, vamos plantar árvores, mas dentro de

critérios. E o critério para liberação dos recursos é o Plano de Aplicação democraticamente

discutido. Então nós pegamos o recorte do Plano que foi saneamento e falamos: O que você precisa

para liberar 5 milhões... E eu preciso disto, disto e daquilo. Os projetos vão custar 160 mil reais e

pegamos os recursos de políticas compensatórias, o técnico já está contratado o Edital já foi para

discussão na Câmara de Planejamento e hoje foi para a Plenária. E isso está avançando. Desculpem,

mas nós vamos ter o Edital e está liberado algo em torno de 5 milhões de reais. Então fechado,

lembro que os componentes dos comitês estão submetidos a cumprir estritamente a lei, a legislação

aplicada, os desafios serão reconhecidos e a gestão será mais eficiente. Então estamos discutindo a

alteração em uma Lei que não sabemos se funciona, o que nos leva a concluir que o arcabouço legal

ainda que seja adequado deve ser cumprido em sua integralidade. O que dependerá de ter

permanentemente a cobrança social. E aqui eu abro um novo parêntesis para elogiar esta iniciativa.

Pois é nesses foros que se pode discutir e cobrar. Até quero dizer que os três Deputados que

112

estavam em Tupaciguara eu cobrei dos três. Não podemos estar num estado de coisas sem decisão

política, por exemplo, como o IGAM pode ter 40 milhões de orçamento, isso é um absurdo. Porque,

em dados gerais, em 2016 a Secretaria do Meio Ambiente arrecadou 1 bilhão e 300 milhões. Sabem

quanto foi o orçamento? É de 300 milhões, o que nos permite concluir que o arcabouço legal, ainda

que adequado não é cumprido em sua integralidade. Precisamos da cobrança social e vigorosa

vontade política. Pessoal, muitíssimo obrigado e me perdoem as verdades inconvenientes. Mas eu

queria dar em primeira mão, que já pude mostrar para o professor Cláudio Di Mauro para

demonstrar o compromisso que a minha instituição tem com a questão do Recurso Hídrico. No

Diário Oficial do dia 6 de dezembro, lembrem-se que hoje é dia 7 de dezembro, o Procurador-Geral

de Justiça Ambiental deste Estado, que é o doutor Antônio Sérgio Tonet, editou a Resolução 25 da

procuradoria de Justiça de Minas Gerais e nós acabamos e criar uma Estrutura dentro da esfera da

questão ambiental o Núcleo Integrador para o Tema da Água (NUTA) no âmbito do Centro de Apoio

Operacional de Defesa do Meio Ambiente. Ou seja, essa visão holística que eu ouvi hoje de manhã

também, nós levamos para dentro da nossa Instituição. Então nós queremos discutir a questão

Ambiental, a questão dos Recursos Hídricos, a questão dos Licenciamentos, enfim, tudo de forma

holística, por que eu tenho visto nas minhas incursões, pois eu atuo na questão do agronegócio que

tem pujança econômica, que, por coincidência ou não, é o maior consumidor de recursos hídricos

que as discussões não passam por um viés puramente técnico, tem seus apelos políticos e aí ficamos

com o cenário que pude vivenciar na segunda-feira, dia 4, em Tupaciguara. Ali eu vi um processo

autofágico de procurar culpados, porque de fato não há recursos e cada um levando seu papelzinho

e dizendo: Eu tenho outorga. Eu quero, tenho outorga. Mas aqui foi dito, a outorga é uma

autorização precária e aí havendo conflito nós temos que buscar uma solução. Então eu agradeço

ao professor Cláudio Di Mauro ao Wilson Akira Shimizu e todos reconheço que foi uma honra,

aprendi muito mais que contribui e quero me colocar à inteira disposição para aprofundarmos mais

estas discussões. Muito obrigado.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 113

__________________________________________________________________________

4. 3 Palestra - A legislação do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos:

possíveis avanços e recuos

Júlio Thadeu Silva Kettelhut16

Em primeiro, quero agradecer o convite para participar deste evento e falar sobre Recursos

Hídricos, o que é um imenso prazer que tenho. Agradecer o convite que o Cláudio Di Mauro e o

Wilson Akira Shimizu fizeram para eu participar do mesmo. É uma grande satisfação compor a Mesa

com a Éldis Camargo e com o Carlos Alberto Valera.

Um esclarecimento inicial: o Cláudio Di Mauro foi muito generoso na minha apresentação, hoje

a coordenação-geral que estou ocupando, chama-se Coordenação-Geral do Conselho Nacional de

Recursos Hídricos, que é responsável pela parte administrativa das reuniões do CNRH e suas Câmaras

Técnicas, devido ser a Secretaria de Recursos Hídricos e de Qualidade Ambiental a Secretaria Executiva

do CNRH. Em consequência, às vezes, nós recebemos convites para representar o Conselho. O Conselho

não tem representante. O Conselho se manifesta através de Resoluções e Recomendações. Então, por

meio desses atos é que são feitas as suas manifestações. Até o Presidente do Conselho pode vir falar,

mas não vai dizer que é uma palavra do Conselho. Então, todas as minhas palavras aqui serão pessoais,

técnicas, de uma pessoa que está há muito tempo na área de Recursos Hídricos. Nesse período, tive

muitas oportunidades de discutir a Lei das Águas, a lei que criou a ANA e outras legislações sobre

recursos hídricos, além de minha experiência de Engenheiro Civil há bastante tempo trabalhando na

área de Recursos Hídricos. Nesse ano, fui escolhido para ser o Presidente da CTAP, sendo que

anteriormente, durante muitos anos, fui Presidente da CTIL. Então nestes quase 23 anos tenho atuado

no CNRH, o que me proporcionou certa experiência dentro deste Conselho, sobre esse órgão.

Eu preparei parte de minha apresentação para falar sobre o histórico, não vou entrar em

detalhes pois todos os senhores devem conhecer bem este tema. Mas quando nós discutimos a Lei, um

aspecto que me incomoda é que parece, às vezes, que algumas pessoas, o que não é o caso aqui neste

auditório, dão a entender que os fatos ocorridos não foram estudados o suficiente, que as coisas

aconteceram assim..., que não foi bem pensado e aí... vamos ter modificar. Então é sempre bom lembrar

alguns fatos históricos que contrapõem essas afirmativas. O Brasil tem uma tradição longa em gestão

16 Engenheiro Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (EESC-USP); MSc pelo Masschusetts Institute

of Technology – MIT. E-mail: [email protected]

114

dos recursos hídricos, por exemplo, o Código de Águas aprovado em 1934, cuja discussão iniciou no final

do século XIX, demorando, portanto, de 30 a 40 anos para ser aprovado. Depois, veio a Constituição

(1988), em seguida a Lei das Águas. Essa Lei teve sua origem em um Projeto de Lei do Executivo em

1991, cuja discussão começou em 1990, onde eu tive a oportunidade de participar de reuniões que

ajudaram a elaborar este PL. Não existia ainda a Secretaria de Recursos Hídricos, eu cuidava da área

ambiental de outro Órgão, quando fui convidado pela Casa Civil a participar da discussão do Projeto de

Lei, que, infelizmente, resultou em um texto que podemos chamar de “Chapa Branca”. Depois veio o

Substitutivo do Deputado Fábio Feldman que melhorou o PL original, seguido pelo substitutivo do

Deputado Aroldo Cedraz, o qual foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Passando em seguida pela

aprovação do Senado e finalmente promulgado pelo Presidente da República. Portanto, durante toda

essa discussão cada um dos seus artigos foi muito estudado, discutido e consensado. Eu comentei com

a Éldis Camargo agora há pouco que cada artigo desses tem uma história por trás, não foi uma coisa que

aconteceu ao acaso, sem muito pensar. Vou só dar um exemplo, para animar um pouco, contando uma

dessas histórias. O porquê de que a maioria de membros no Conselho Nacional de Recursos Hídricos ser

do Governo Federal. Existe muito questionamento quanto a isso. Existia, na época da discussão da Lei

das Águas, um ministério setorial que era o responsável pela gestão dos recursos hídricos no Brasil. Era

o Ministério das Minas e Energia, que tinha um espírito corporativo muito forte. Então se posicionava

contra os princípios da Lei, tendo um trânsito muito forte na Casa Civil, que era responsável pelos

encaminhamentos a serem dados. A proposta inicial era que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos

deveria ter caráter consultivo. Aí criou um impasse, pois se esta alternativa fosse aceita, tiraria todo o

empoderamento do mesmo. O Grupo que estava trabalhando neste PL, para sair dessa situação,

discutiu muito e concluiu, como alternativa, colocar que o Governo Federal teria maioria, 50% mais 1

dos votos, podendo, nesse formato, ser deliberativo. Nós conseguimos colocar na forma escrita, a

expressão até 50% mais 1, já prevendo que no futuro essa proporção pudesse ser mudada, o que hoje

se está tentando fazer. Portanto, existe toda uma história dos motivos para ter sido estabelecido a

expressão “até 50% mais 1”, o que resultou em uma composição não definitiva, que poderia ser

alterada, por meio de um Decreto. Então, por trás de cada um dos artigos da Lei da Águas existe uma

história, comprovando que eles foram muito refletidos e estudados. Quando estamos discutindo hoje

mudanças na Legislação, temos, também, que identificar os avanços que tivemos. Eu tenho como certo

que estamos mudando paradigmas muito fortes e enraizados na nossa sociedade. O promotor Carlos

Alberto Valera citou aqui a nossa cultura Latina, nessa cultura esse o paradigma de centralização das

decisões está muito enraizado, no sentido negativo, na nossa sociedade. Para mudar isso, não se muda

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 115

em dois anos, em cinco ou, muitas vezes, nem em vinte anos. É um processo que tem que ir avançando

em um ritmo próprio, dependendo de condições culturais, econômicas, regionais, físicas, etc. Então para

se analisar nossa política de recursos hídricos, precisa se fazer uma comparação de como era a situação

antes e a que temos agora. Estaria terminada a fase de implementação dos Instrumentos? Estaria em

um nível ideal? Não. Qual a situação da gestão dos recursos hídricos anterior à Lei das Águas? Era

muito precária, relativamente as necessidades do país, quase nada. Por exemplo, a concessão de

outorgas. Tinham poucas outorgas concedidas, menos de cem, em rios de domínio federal. Em nível

estadual, a situação era pior, quase todos os Estados não concediam outorgas em rios de seus

domínios. Planos de Recursos Hídricos, como hoje conhecemos, não existiam. Quando existia algum

planejamento por bacia hidrográfica, era chamado de Plano Diretor, no máximo Plano Diretor de

Bacia, voltado sempre para o setor de irrigação ou para o setor elétrico. Cobrança nem se falava. O

Sistema de Informações – SINGREH, não existia. Antes de 1997, a situação de gestão de recursos

hídricos no Brasil era muito fragilizada.

Hoje temos mais ou menos 220 Comitês instalados no Brasil, na última reunião da ABRH, na

semana passada, um participante da mesma mesa-redonda em que estive, mencionou o número

de 240, mas os dados que nós temos são 220. Temos Planos Estaduais de Recursos Hídricos em

todos os Estados, com exceção do Amapá. Alguns desses planos estão sendo atualizados. Outorgas,

todos os Estados têm previsto em suas respectivas legislações, sendo que, em alguns casos, ainda

não operando ou funcionando com dificuldades. Conselhos Estaduais todos os Estados possuem,

embora em alguns esses conselhos também tratam de outros temas como Meio Ambiente,

Saneamento e outros. Porém, existe um Conselho que trata de Recursos Hídricos, às vezes, sem

exclusividade, mas existe. Isso não existia anteriormente à Lei 9.433. Dados mais atualizados

deverão estar disponíveis no próximo Relatório de Conjuntura, emitido pela ANA, mostrando a

situação neste ano, deixando ainda mais claros os avanços conseguidos neste período. A situação

nossa está muito melhor do que estava no início, não está ideal, mas avançou. Eu vejo este ritmo

de evolução com uma certa paciência, como um processo, considerando que se trata de mudanças

indispensáveis de paradigmas enraizados em nossa sociedade, porém não podemos nos acomodar

em não buscar os melhoramentos necessários. Mas eu não fico desesperado.

Mudança na Legislação – Quando tenho a oportunidade de comentar sobre mudanças na

legislação sobre recursos hídricos, em discussões em grupos ou com uma ou outra pessoa

separadamente, a primeira pergunta que eu hoje faço é a seguinte: Você acredita que em

democratização e descentralização? Se a pessoa acredita vamos discutir como aperfeiçoar a Lei. Agora,

se não acredita então, o que se está querendo é uma outra lei diferente. Ou seja, teríamos um órgão

116

nacional para tocar todos os assuntos relacionados com recursos hídricos, para planejar e tudo o mais?

Como seria o modelo? Então essa é uma outra alternativa que a Lei das Águas não contempla. Se

acredita nos princípios da Lei das Águas, vamos discutir e tentar aperfeiçoar a legislação existente.

Porém, nas tentativas de aperfeiçoamento da Lei, temos que fazer uma grande avaliação da relação

benefício – custo em se fazê-las. Para toda sugestão de mudança da legislação, tem que ser feita uma

avaliação, muito tranquila, sobre os benefícios e custos que a mesma poderá trazer. Por exemplo, existia

ou existe, uma proposta de criação de um outro instrumento de gestão, a Educação Ambiental. Há cerca

de dez anos, escrevi um artigo, que chamei de Sétimo Instrumento, que discorria sobre o fato da

Educação Ambiental voltada a recursos hídricos, não ter sido incluído como instrumento de gestão. Eu

achava naquela época e continuo achando, que foi uma falha da Lei 9.433, essa omissão. Hoje, se

quisermos mudar a Lei para que isso ocorra, a pergunta que se deve fazer é se a relação custo-benefício

é significativamente positiva. Este é um tema que tenho certeza que iria para o Congresso e seria

aprovado sem restrições. O problema é o risco de ocorrer outras mudanças, em outros aspectos da Lei,

os chamados “jabutis”, que possam descaracterizá-la. Vou dar um exemplo disso, que foi incluído em

2001, e que só agora foi percebido, pelo menos para nós do Sistema, pois somente neste ano veio à

tona. Um ano depois da Lei da ANA, foi promulgada uma Lei para regulamentar estruturação do DNOCS.

A mesma estabeleceu que faz parte das receitas do DNOCS, uma percentagem da cobrança pelo uso da

água onde este órgão possui atuação ou obra hídricas. Isso passou, sem definir percentual, mas passou.

Vejam, nós, no Ministério, pois a Administração Direta é a responsável pelas políticas setoriais no

Governo, recebemos para conhecimento e possíveis sugestões, projetos de Lei tratando de gestão de

recursos hídricos, que estão tramitando no Congresso. De dez projetos de PLs que tomamos

conhecimento, pode-se afirmar que, aproximadamente, sete ou oito tratam de como fazer ou aplicar

os recursos oriundos da cobrança pelo uso da água. Então, existe uma grande possibilidade de inclusões

de artigos tratando deste tema, descaracterizando o mesmo, em quaisquer PLs que tratem de

alterações na Lei 9.433. Na época da aprovação da Lei 9.433/1997 as pessoas interessadas em sua

aprovação estavam preocupadas com o teor das possíveis emendas, houve negociações para tirar ou

dirimir dúvidas e obter consensos para diminuir o número as emendas. Porém, uma delas teve uma

dificuldade grande para ser retirada antes de entrar em votação, finalmente conseguimos, mas não foi

fácil. Como era a emenda? A Lei de Recursos Hídricos é válida e aplicada para todo o Território Nacional

menos para a Bacia do Rio São Francisco. A razão era o instrumento da cobrança. Essa era a Emenda e

foi uma enorme dificuldade. O maior risco era que se o tema fosse levantado para o São Francisco,

haveriam outros Deputados pedindo o mesmo para “sua” Bacia, o que inviabilizaria o PL, pois corria o

risco de não valer para mais nenhum lugar. Então, esse tipo de análise de custo-benefício tem que ser

feita com muita frieza quando se propõe essas mudanças. Quando for necessário fazer alterações, deve-

se procurar fazê-las, por meio de dispositivos infralegais. À época da Regulamentação da Lei 9.433, que

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 117

poderia ser feita por meio de um Decreto, foi criado um Grupo de Trabalho para propor o seu texto.

Esse GT chegou à conclusão que seria melhor que a regulamentação fosse feita por meio de Resoluções

do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Assim os assuntos seriam discutidos por pessoas que tinham

conhecimento e vivência sobre os mesmos, com vínculos com a temática, com pluralidade de

representantes. Atualmente, existe uma proposta de PL alterando a Lei das Águas, que está tramitando

na Câmara dos Deputados. Cerca de 70% das mudanças que estão sendo propostas trata-se de matérias

que podem ser feitas por meio de Resoluções do CNRH. Por exemplo, matérias referentes à Resolução

5, que trata de Comitês, estão incluídas como mudanças na Lei. Bastaria fazer ajustes na Resolução e

não “engessar” estes temas com o peso de uma Lei. Então essas necessidades de aperfeiçoamento

quando existirem devem ser estudadas nos âmbitos do Conselho Nacional, dos Conselhos Estaduais e

dos Comitês de Bacia Hidrográfica, respectivamente, de acordo com suas funções deliberativas, já

aprovadas em leis. Agora, ressalta-se o que todos os que me antecederam nas falas desta mesa,

expressaram a necessidade de como empoderar e fazer valer as Resoluções e Deliberações desses

Órgãos Normativos; também sobre o empoderamento da ação de gerenciamento. Existe necessidade

de adaptação do arcabouço legal? Ressalvando o que mencionei anteriormente, sobre a necessidade

de se fazer uma análise, para identificar onde e quando mexer, e de que forma mexer, pode ser que seja

necessário fazer alguma mudança, afinal o mundo evoluiu. Hoje, por exemplo, trabalha-se com imagens

de satélites, a ANA já utiliza desta ferramenta, que facilita a identificação e localização de usuários e, por

conseguinte, a necessidade de outorgas e sua respectiva fiscalização. Com utilização de satélite você

pode inclusive estimar a vazão de um rio. Enfim, existem atualizações tecnológicas úteis. Existe uma

modernização prevista para o CNRH, que hoje, a sua Secretaria Executiva está iniciando sua concepção.

Trata-se de um problema importante, que foi mencionado anteriormente, que é a questão da

representatividade no CNRH. Sobre este assunto, existe, por um lado, em alguns casos, a falta de

preparo técnico do representante, o que é um problema que pode ser tratado com capacitação, porém,

por outro lado, existe a falta de representatividade real deste cidadão dentro dos seus respectivos

segmentos. Neste último caso, nos segmentos de órgãos públicos federais e de Conselhos Estaduais de

Recursos Hídricos, o representante é designado pela sua respectiva chefia ou nos Conselhos Estaduais

pelos seus respectivos Regimentos. Mas a escolha dos representantes no CNRH, da Sociedade Civil e dos

Usuários, é feita por Assembleias de cada segmento, geralmente em Brasília. Qual é o processo que hoje

temos? É permitido o uso de procurações de participantes do segmento no Sistema, a pessoas que irão

estar presentes nas respectivas Assembleias. Por exemplo, as ONGs. Aquelas que atenderem aos

requisitos do edital, com atividades relacionadas com a questão dos Recursos Hídricos, podem participar

das Assembleias, ou diretamente ou por meio de procurações. Ressalta-se que esse procedimento vale

para todos os segmentos da sociedade civil e de usuários. A razão disso se deve ao fato que neste caso

das ONGs uma entidade que está situada, por exemplo, numa região distante de Brasília, possivelmente

118

não teria recursos financeiros para participar da Assembleia e votar. Então, a procuração é utilizada.

Porém, este processo tem causado distorções e sido motivo de várias críticas. Mas até a presente data,

esta foi a forma mais viável de garantir uma participação democrática de todos os interessados. Com o

objetivo de melhorar esse procedimento, o CNRH aprovou em sua última reunião, a alteração de

resoluções anteriores que tratavam sobre o assunto. Foi aprovado, como primeira etapa desta

renovação, as diretrizes para se fazer um cadastro das organizações civis de recursos hídricos, pelo qual

os interessados vão se habilitar para participarem das Assembleias. Está previsto, como continuidade

desta ação, em uma fase posterior, implantar a votação eletrônica, por meio da internet, para escolha

dos seus representantes. Para que isto aconteça, serão necessárias alterações ou aprovações de novas

normas infralegais, como Resoluções do Conselho. Outros temas como: Fiscalização, Monitoramento,

Comunicação são assuntos necessitam buscar formas de melhoras. Porém, ao se fazer essas

considerações, ressalto os cuidados que se deve ter em analisar e observar onde vamos mexer e,

principalmente, em que fórum, que local e quando, isso deve acontecer, para não haver retrocesso no

preconizado na atual legislação. Incentivos econômicos, isso é um outro tema que também vem sendo

discutindo há muito tempo. Os recursos oriundos da cobrança pelo uso de Recursos Hídricos devem ser

aplicados na Bacia Hidrográfica. Parte desses recursos é aplicado por meio de órgãos públicos,

principalmente na área de saneamento. Aí está uma distorção nos princípios da lei, ou seja, cobrança

pelo uso de recursos hídricos não é imposto, portanto não deve substituir recursos para investimentos

que deveriam ser realizados com recursos oriundos de impostos, sejam eles municipais, estaduais ou

federais. Podem existir casos em que a aplicação de recursos da cobrança nessas áreas sejam

necessários, porém é uma exceção à regra geral, e que deve ser muito bem analisada. Ou seja, não é

uma obrigação, mas sim uma exceção. Hoje, a maioria das aplicações é realizada a fundo perdido. O

outro aspecto deste procedimento é que usuários privados não têm acesso a esses recursos da

cobrança, por serem considerados públicos. Então, como melhorar esta situação? No meu modo de ver,

seria importante que os recursos financeiros que chegam a cada comitê, sejam aportados em um fundo

específico. Está previsto na Lei que os mesmos podem ser destinados, a critério do Comitê, a um agente

financeiro, portanto, já existe uma base legal. O Comitê irá decidir não somente a destinação desses

recursos, como também decidirá por quanto tempo serão feitos os empréstimos, suas taxas de juros,

condições, etc. Podendo até considerar que, minimamente, o total dos recursos serão reembolsados, a

valores históricos. Portanto, o Comitê pode administrar esse Fundo, que poderá, em tese, ser acessado

pelos usuários privados ou mesmo pelo setor público, por meio de empréstimos reembolsáveis. Esta

situação pode causar uma nova sensibilidade aos usuários com relação à cobrança, pois poderão

concluir que para se ter a oportunidade de acesso a esses recursos, vale a pena pagar os valores de

cobrança estabelecidos para os mesmos. Aumentará o interesse do usuário em participar do Comitê,

pois estará vendo uma “cenourinha” para melhorar sua eficiência nos usos dos recursos hídricos.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 119

Portanto, não há necessidade de mudar a Lei da Águas, pois isto já está previsto, basta que haja uma

regulamentação sobre o tema. Ainda com relação ao tema cobrança, gostaria de fazer um comentário

adicional sobre o segmento usuário do setor de saneamento. Todos nós sabemos que a cobrança, como

um dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos, tem como objetivo a otimização de seu uso, ou

seja, melhorar sua eficiência. Ao se cobrar dos setores privados, com exceção do setor elétrico, que tem

uma legislação própria, todos deveriam buscar esse aumento de eficiência, inclusive para diminuir seus

custos operacionais. Para recuperarem os custos dos pagamentos que têm referentes a Cobrança todos

tentam transferir as despesas para o consumidor final, porém, esbarram-se nas leis de mercado. Ou

seja, não é apenas a vontade deles que decide, mas é o mercado quem vai definir se pode ou não

absorver o custo dessa transferência. O saneamento, por sua característica monopolista, em geral,

podem fazer essa transferência aos consumidores finais. Este fato causa uma distorção no objetivo da

cobrança, pois o que deveria acontecer é a procura, pelo setor, da diminuição de suas perdas, que no

Brasil, em algumas regiões, alcançam valores altíssimos. Então, o setor deveria compensar os valores

que está pagando ao Comitê, com a melhoria dos percentuais de perdas, aumentando, portanto, a sua

eficiência do uso dos recursos hídricos. Finalmente, vou fazer um comentário em relação à questão dos

7,5% destinados ao custeio das Agências de Bacias. É importante dar um destaque sobre este assunto.

No meu modo de ver, essa discussão sobre o valor do percentual 7,5% não tem sentido. Quando se

apresenta um percentual, obviamente, o mesmo se refere a uma base. Portanto, o problema está ou na

base de arrecadação, ou no gasto desproporcional do custeio da Agência em relação ao arrecadado. Se

o Comitê decidiu cobrar preços irrisórios dos usuários, é claro que o valor oriundo dos 7,5%, também

será baixo. Hoje, se discute aumentar esse percentual para 15% (porque não 10% ou 20% ou qualquer

outro valor?). Porém, o Comitê poderá alcançar os mesmos valores ao aumentar, por exemplo, o valor

de R$0,001/m³ para R$ 0,002/m³ ou aumentar o número de usuários pagantes ou diminuir seus custos

operacionais. O valor de 7,5% não foi um número que apareceu do nada. Na época em que foi discutido

este tema, foram tomados como base os custos anuais estimados para operação e manutenção de obras

hídricas, como canais de irrigação, drenagem, energia etc., que eram usualmente calculados como 5%

do valor da obra. Se os recursos destinados ao custeio da Agência são, por exemplo, 100 mil reais por

mês e o Comitê não quer aumentar o valor da cobrança por algum motivo, então o que se deve fazer

ao invés de ter 7 técnicos, passa ter 5 técnicos, ou ao invés de pagar 15 mil reais por mês aos dirigentes,

devem ser pagos 10 mil reais por mês. Portanto, o valor destinado a custeio da Agência está

diretamente associado com a arrecadação do Comitê, ou seja, com o montante a ser aplicado na bacias

e, por conseguinte, com a quantidade de ações a serem realizadas que, por sua vez, refletem a

expectativa dos atores da Bacia na eficiência da aplicação dos recursos arrecadados. Se o percentual de

recursos destinados ao custeio é aumentado, significa que menos recursos serão destinados à

implementação das ações previstas pelo Comitê, sendo que os pagantes são muito conscientes disto. E

120

pode-se afirmar que, se não se corrigir este modo de pensar, daqui alguns anos o pedido será um

aumento de 15% para 30% e por aí seguirá no futuro até inviabilizar o objetivo da cobrança. A maior

preocupação inicial, quando se estabeleceu este percentual limite, era de não tornar a Agência uma

entidade “cabide de empregos”, sem controle de número de funcionários e respectivos valores de

salários. Portanto, a discussão não deveria ser dada sobre o valor do percentual 7,5%, e sim sobre a base

arrecadatória e respectivas despesas de custeio das Agências, não sendo preciso alterar a Lei da Águas

em um tema dos mais sensíveis, se não for o mais sensível da mesma. Este procedimento também é

uma forma de incentivar o Comitê/Agência de melhor articular com os usuários, não ficando em uma

posição cômoda, fazendo a cobrança em valores muito baixos. Este é um tema que eu queria comentar

pois, para mim, é uma questão de desvio de finalidades. Basicamente, são essas as questões e

contribuições que eu queria trazer para os debates, quero também agradecer aos colegas que me

antecederam, pois, além de concordar com as suas considerações, facilitaram muito a minha

apresentação. Sim, para encerrar, um último comentário que considero importante, temos que ficar

mais preocupados com os possíveis retrocessos que com modificações nas Leis. Como mencionei, a toda

hora aparecem propostas de PLs contendo sugestões que podem causar retrocesso nos princípios da

Lei, especialmente na questão da democratização. E lembrando o que foi falado pela manhã pelo

Cláudio Di Mauro, o maior problema nosso é tornar eficiente e eficaz o que já existe. O que nós temos

de base legal é suficiente, mais que suficiente, para que as coisas ocorram. Agora, precisam ocorrer.

Precisa ter essa determinação, apoio e vontade de que as coisas aconteçam. Vou parar por aqui....

Obrigado.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 121

__________________________________________________________________________

4. 4 Palestra - O sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos: avanços e recuos

Éldis Camargo Santos17

Boa tarde. Agradeço muito ao Cláudio Di Mauro, que foi meu colega na ANA, pessoa muito

dedicada e batalhadora e que agora traz esses debates para dentro da Universidade, aqui que é

mesmo o local onde o tema tem que ser tratado com o rigor adequado. Agradeço também ao Wilson

Akira Shimizu, cumprimento os colegas de Mesa de Debate. O Júlio Tadeu Kettelhut, que é

Coordenador, mas que está saindo, eu aprendi bastante com ele, tendo em vista que eu sou

advogada e ele é técnico e essa interseção entre o técnico e o legal é muito importante.

Cumprimentar o Doutor Carlos Alberto Valera, representante do Ministério Público e dizer

que eu estou na área de Recursos Hídricos há aproximadamente 30 anos, eu já sou vovó,

literalmente. A gente reconhece e elogia o Ministério Público por toda essa preocupação com o

tema ambiental, a questão das águas e reconhecer que muitas conquistas foram obtidas em

conjunto com o Ministério Público. E saudar a todos que até esta hora estão escutando a gente

falar. E eu gostaria de saudar em nome de uma pessoa especial, que é a Cláudia Jesus Di Mauro, que

me conquistou e está sempre presente. Não ao lado do marido, mas sempre presente junto ao

marido em suas batalhas.

Minha missão, dada pelo Wilson Akira Shimizu, foi falar sobre o projeto Legado. Mas eu

tinha também que falar sobre a Legislação. Então eu peguei alguns temas tratados no Projeto

Legado e trouxe para a abordagem da questão legal, mostrando para vocês o que são as tendências

e o que está sendo discutido a respeito. Assim se obtém uma crítica, não ao projeto Legado ao que

está sendo proposto, mas contando para vocês o que está de positivo e de negativo. Então vamos

ver o nosso sumário, vamos falar um pouco do que está sendo tratado, inclusive algumas

abordagens internacionais de Direitos Sociais, de Direito Constitucional e a questão da Participação

Pública. O Legado contém vinte (20) propostas e hoje está saindo a versão 5. Eu estou aqui com a

versão 4 e quem tiver interesse e quiser dar uma lida, está aqui comigo. E depois vamos falar um

pouquinho de tendências quando falarei um pouco da cobrança e isso em termos de legislação.

Muitas das nossas falas na área jurídica as pessoas não entendem, então, por favor, quem não é

17 Advogada; Especialista em Educação Ambiental pela Universidade da Fundação Santo André e em Derecho del Ambiente pela Universidad de Salamanca; Mestre em Direitos das Relações Sociais, subárea: Direito Ambiental; Doutora em Energia Elétrica pela Escola Politécnica da USP; Pós-Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Servidora Pública. E-mail: [email protected]

122

da área jurídica e se sentir incomodado, precisando saber o conceito, fique à vontade, estamos

aqui com o promotor que poderá também nos ajudar, assim como o Júlio Tadeu Kettelhut, o

Cláudio Di Mauro. Fiquem à vontade.

Certamente todos conhecem a Estrutura da Política Nacional de Recursos Hídricos que tem

uma nova abordagem com novos paradigmas de construção.

Por isso, não nos cabe dizer se o que vem no Legado é bom ou ruim. Mas sempre será bom

pensar em como aperfeiçoar. Então vamos tratar do nosso paradigma. Mas, afinal, o que é Projeto

Legado? Não sei se todos já leram, mas está no site da ANA. Trata-se de uma proposta de

aperfeiçoamento de todo o arsenal legal que envolve a Política Nacional de Recursos Hídricos. Na

semana passada nós fechamos o texto de propostas do Legado, no evento da ABRH e me parece

que vocês ainda vão tratar de alguns desses assuntos aqui na Universidade. Esse Legado tem a

contribuição de mais de 150 pessoas, passou por todos os grupos e alguns dos temas que vou falar

aqui foram tratados nos Grupos de Direito, tanto do Federal como do Estadual então isso foi tudo

muito discutido, inclusive a questão da natureza jurídica da cobrança, essa discussão também

esteve nesse grupo de juristas. Inclusive algumas instituições mandaram contribuições, como aqui

da Universidade. Foram recebidas contribuições orais e escritas nos quatro grupos de propostas ou

de mudanças, ou projeto de lei ou resoluções que a gente fala sobre Segurança Hídrica, Modelo de

Governança, Instrumentos de Gestão e um quarto Grupo que trata de questões e propostas que

ainda devem ser desenvolvidas, não tendo as propostas reais ainda. Sobre Segurança Hídrica e

Modelo de Governança já têm proposta. Agora alguns dos assuntos que vamos falar sobre eles, não

têm propostas ainda. Então primeiro tema que eu trago para vocês trata do Direito Universal à Água

e seria uma proposta de incluir aí a questão de acesso à água e saneamento básico como direito

universal à água. Esse tema já vem sendo desenvolvido desde a Resolução da ONU, em 2010. É um

dos objetivos das Metas de 2003 da ONU e como é um debate muito grande e a gente acabou

fechando depois da Reunião com os Ministros. É um direito social ou um direito Fundamental e qual

a diferença? Os Direitos Fundamentais estão no artigo 5º enquanto os Direitos individuais de todos

os brasileiros e estrangeiros residentes no país e têm vigor pleno, ou seja, não precisam

regulamentar. Os direitos sociais são aqueles que estão no artigo 6º, a exemplo de moradia,

trabalho e têm eficácia contida, ou seja, precisam ser regulamentados. Essa foi a grande questão

nas discussões para elaborar a proposta e o que foi fechado em Florianópolis é que entraria no

artigo 5º, como Direito Fundamental.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 123

Tem ainda duas questões no ponto de vista Constitucional que teremos que discutir. Em vários

países, eu tenho esse levantamento feito, vários países já têm esse acesso como Direito Humano,

fundamentado em seus diplomas legais e até em suas Cartas Constitucionais. Na Colômbia por exemplo

define que tem 50 litros de água para a população. Tem o caso do Uruguai, em que o acesso à água é

direito fundamental. Temos o caso da Bélgica, que é bem interessante que determina uma quantidade

mínima de água para cada pessoa. Então é um assunto que precisamos conversar.

Tem outros países e qual é o fundamento jurídico disso? Na verdade, tem uma Resolução da

ONU que é uma fonte de Direito Internacional, mas é um princípio e costume, que é uma fonte do direito

Internacional, parece-me que tem sido uma prática da sociedade. Parece que é passível disso, ou que

seja abraçado. Então é um primeiro ponto. O segundo tema que eu trago para vocês é essa proposta de

incluir a importância da mulher na Gestão das Águas que foi totalmente aprovada também. E de onde

vem isso aí? Trata-se de um princípio internacional que foi pautado desde 1992 em Dublin, dizendo a

respeito da importância da mulher, questão de gênero, na Gestão das Águas, lembrando que um

princípio de direito é uma fonte de Direito Internacional totalmente passível de ser absorvida e ficaria

assim incluiria no artigo 1º, da Lei nº 9.433, de 1997, que as mulheres exercem um papel central no

processo de gestão das águas. Lembrando que nos princípios de Dublin que são quatro deles, três foram

abraçados pela política Nacional de Recursos Hídricos. O único princípio que não foi abraçado foi esse

das mulheres. E que é um princípio que vem desde a Rio 92, até as Metas de 2030, nas Metas da ONU.

Então você tem na Declaração do Rio 92, tem na Agenda 21 e quais são as pendências sob o ponto

jurídico? Do ponto de vista de inclusão desse inciso foi totalmente unânime. Anteriormente a essa

proposta de quórum para participação das mulheres e essa parte foi muito contestada. Agregar a

importância da mulher foi aceito por unanimidade. Mas Cotas em Conselhos e Comitês, nos Grupos nos

quais o assunto foi tratado, foram totalmente contra.

A questão da dupla dominialidade a gente volta a conversar. Propõe a revisão da Lei em casos e

medidas excepcionais. Então o que foi proposto aqui? Que a ANA, como órgão gestor poderia declarar

em situação crítica. Isso foi muito difícil, pois na época da Crise em São Paulo, a ANA poderia falar da

situação, mas não Declarar a situação Crítica Especial, pois a Declaração é da União, Estado e Município.

Então precisamos que o Decreto emitido pela ANA seja cumprido. A ANA poderá declarar corpos de

água em regime racionamento, A ANA faria a Declaração, mas em conjunto com os Estados e Municípios

envolvidos. Eu me lembro até a situação a exemplo daquela já referida pelo doutor Carlos Alberto Valera

de que precisa se articular com os Estados, em vista de ser um bem de uso comum. Uma bacia

hidrográfica é compartilhada, uma zona costeira é compartilhada. Então nós temos problemas de ordem

vertical e horizontal. Ou seja, União, Estados e Municípios em uma situação geopolítica e estamos

124

falando de um espaço territorial que é a bacia hidrográfica. E temos as questões horizontais, dentro dos

Estados e eu chamo isso de arquitetura Jurídica. E esse é um paradigma do uso também no qual muitas

vezes estamos presos ainda a concepções tradicionais do direito, muito presos. Precisamos romper com

essa arquitetura jurídica e colocá-la sobre uma nova base. Então temos a questão de domínio e uma

questão importante que também é a questão da água subterrânea. Por exemplo as águas subterrâneas,

dentro de aquíferos transnacionais, transestaduais seria de domínio dos Estados ou seria da União? Essa

dificuldade volta a todo momento. Ou seja, a quem são essas águas subterrâneas? Temos que trabalhar

no Legado, com isso também. A questão das competências, e aí entra uma definição importante: O que

é água? O que é Recurso Hídrico? Então até hoje não se definiu o que é Recurso Hídrico, nesse caso, a

água pelo artigo 3º, inciso V, art. 3º, Lei nº 6.938/1981, diz que as águas superficiais e as águas

subterrâneas são recursos ambientais. Nesse caso, ela se submete às competências do artigo 23 e do

artigo 24, que é a competência material de quem trata da competência dos Estados e a competência do

interesse local. Só que parece que o legislador separou isso. Separou a água de preservação da água de

uso, definindo duas competências. A água de uso fica nos artigos 21 e 22, ou seja, compete

exclusivamente à União, é exclusivo da União não pode delegar, instituir o Sistema Nacional de

Gerenciamento dos Recursos Hídricos e critérios gerais de outorga. E aí tem questões difíceis. Como

exemplo, alguns Estados têm legislação anterior à Política Nacional, como é o caso do Estado de São

Paulo. Aí vocês vão ver os componentes desse Sistema Nacional, como, por exemplo, São Paulo. Temos

União, Estados e Municípios em situação diferente da Política Nacional de Recursos Hídricos. Precisa

haver um estudo específico sobre isso e poderá produzir um “vácuo”, chegando a questões que

precisam se adaptar para competências exclusivas da União, pois compete à União privativamente

legislar sobre águas. Para delegar precisaria de uma Lei Complementar que não foi ainda

regulamentada. Então, em tese, todas as legislações dos Estados estariam ilegais, a não ser que eu

entenda isso como um componente ambiental. Então nós vimos aqui a proposta do Legado, a situação

crítica em articulação com os Estados, a possibilidade de poder fazer isso com urgência. E outro

problema que a gente colocou aqui é referente à entrega de água que também está ligada com esse

Decreto. Ou seja, como é que a gente faz para que esse Decreto seja ouvido a atendido. Vocês vejam

que (no caso do Rio Doce) tudo começou em um curso de água estadual, passou para um Curso de Água

da União e aí se envolvem os entes federados, vários tipos de instituições, com vários tipos de

legislações, tudo isso envolvido com esse desastre e vários outros desastres que acontecem. Então é

importante, no caso da União, que exista uma legislação que diga como eu quero que sejam entregues

as águas dos cursos dos Estados para os cursos da União. Se eu tenho no rio de domínio da União como

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 125

classe 2 e a água que chega do rio de domínio do Estado com Classe 4, como vai ficar? Quem vai

responder por isso? No caso do sistema Cantareira, só para vocês terem uma ideia, tem água do Estado,

Água Federal em uma Bacia que é Federal. Vejam como é difícil essa gestão. Nosso modelo foi feito

espelhado na França, inclusive onde há um Estado Unitário, mesmo com diversos países. Só que na

França, em Portugal e na Europa há uma Diretiva que regulamenta de forma federativa. Então é possível

fazer isso em um país onde se fala a mesma língua, pelo menos. Então aí está um exemplo de como a

ANA trata a questão da dupla dominialidade, onde há muitos projetos, a exemplo do Pró-Gestão que a

ANA põe recursos financeiros e fortalece institucionalmente os Estados e eles não precisam fazer tudo

o que a ANA manda, mas eles escolhem em qual tipologia eles se enquadram. Em cada tipologia eles

têm missões a cumprir e eles recebem uma determinada quantidade de dinheiro. Outro ponto

importante no caso de conflito é a locação de água, que é muito simples entre aspas. Se eu tenho 10

águas para 5 pessoas eu vou ter que fazer um acordo para que todo mundo tenha uma determinada

quantidade de água, sempre priorizando o consumo humano.

Tem que ter muito critério e tomar muito cuidado para garantir a participação do Poder

Público, dos usuários e da sociedade civil, enfim, de todos os envolvidos. Em muitos casos passa-se

um bom tempo lendo as Atas para saber se tudo foi realizado a conforme. Em muitos casos o

Ministério Público participa fazendo o acompanhamento. Estes slides estão à disposição para vocês.

Outro tema que eu trago para vocês entre os vários é a representatividade nos órgãos de decisão

do Sistema nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Então qual é a proposta do Legado? É

ampliar a participação dos Estados, dos usuários e das organizações civis. Então na proposta ficaria a

ANA e mais 15 Ministérios, todos os Estados e 16 representantes de usuários e da sociedade civil e

teríamos um Decreto para o funcionamento do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Hoje em dia,

conforme meu diálogo com o Julio Tadeu Kettelhut, é uma maioria “chapa branca”. Mas às vezes as

pessoas votam com certa independência em temas polêmicos. Mas estamos falando em participação

pública ativa na administração de um bem ambiental que é a água. Mas tem uma Moção pedindo para

ser alterada a proporcionalidade na composição do CNRH e de certa forma, será alterada.

Júlio Tadeu Kettelhut lembra que em 2006, ou seja, há 11 anos, o CNRH fez uma Moção à

Casa Civil, pedindo para que fosse alterada a composição. E até agora está lá.

Éldis Camargo Santos chama atenção para quem está começando na área para ficar esperto

nessa questão da composição de representação e participação.

126

Quem é quem, inclusive uma participação mais inclusiva, com pessoas que devem ser

capacitadas e lembrando por exemplo que a ANA tem diversos Cursos de Capacitação. Inclusive

com Mestrados na área de Recursos Hídricos. É preciso divulgar isso para que as pessoas saibam

e se aproveitem dessas oportunidades. Mais uma vez ressalto que alguns Estados não estão

obedecendo a esse Sistema Nacional.

Agora outros temas que a gente vai conversar são temas eu tenho aqui como foram

regrados, se houver interesse poderão ver, falamos um pouquinho de cada um deles. Primeiro a

questão da Amazônia. Vai ter Comitê aqui, como vamos fazer? Uma das propostas e criar Comitês

interministerial de segurança hídrica, nesse caso a ANA seria a Secretaria Executiva. Poderiam ser

Comitês Modulares. Isso aconteceu com a construção das Usinas Santo Antonio e Girau, no rio

Madeira. Aí a ANA, nesse caso histórico, teve que fazer um Plano de Bacia Estratégica em local onde

não tem comitê. Preparou uma Resolução que dá para os órgãos Gestores fazerem. Prevendo isso,

há formatação do comitê interministerial.

Assim quando se tiver essas situações conflitantes, como é o caso de Belo Monte onde além

da hidrelétrica tem a questão minerária, indígena, então começa a montar especificidades. Pois você

imagina que a gestão é por Bacia Hidrográfica, então imagina a Bacia Amazônica. Muitas vezes, o

deslocamento demora dias para chegar em uma cidade, isso seria o caso de mudar até o nome, se for

o caso que seria mais interessante. Na questão da Classificação das Águas uma proposta no

enquadramento, uma dúvida é que muitas vezes tínhamos cursos de água que não estavam

enquadrados e quando vamos dar a outorga, tem quatro (4) compromissos na outorga, ou seja,

verificar os usos múltiplos, os planos de bacias, enquadramento e se tiver tudo legalizado na área. O

enquadramento, a outorga não seria possível pois o corpo de água não estava enquadrado. Então

quem dá o enquadramento são os órgãos ambientais. E aí, na Resolução 357 do Conama que tratava

disso, então todas essas águas que não estão enquadradas ficarão como classe 2 que é bom e é ruim.

Se você tem um rio especial com cachoeiras maravilhosas seria classe 2 e um rio todo “ferrado” teria

que virar classe 2. Então a proposta aqui é modificar o artigo 42 e todas as águas ficariam classe 1.

Consideração do Heitor Soares Moreira – Mas não tem uma previsão no 357? Não tem as

exceções, que é classe 2, desde que haja entendimento. Depois vem caso o órgão ambiental não

consiga avaliar o uso preponderante e a qualidade ficaria classe 2.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 127

Éldis Camargo Santos – Pois é, e aqui tem uma questão jurídica também que é importante

falar, pois se as classes são dadas pelo órgão ou entidade ambiental, ela poderá ser dada tanto pelo

Conama, pelos órgãos estaduais como pelos Municípios. Pois no tema ambiental o Município tem

competência legal. Parece que ninguém pensou nisso. Ou seja, se eu tenho um Município com toda

estrutura montada para emitir Licença Ambiental ele poderá fazer valer o princípio de valer o mais

protetor (protetivo). Aí, como o município pode tratar do meio ambiente ele poderá ser mais

protetivo com maiores restrições.

A questão do artigo 21 sobre competência material se incluiria os usos múltiplos. E no artigo 25

se incluiria o dever do poder público de controlar a qualidade da água.

Na questão da sustentabilidade financeira, há uma proposta de aumentar os 7,5% para

15%. Ampliar a possibilidade de pagamento por Resultados, tem o pro-gestão, tem o produtor de

água. Então isso tem que ser ampliado. A compensação ambiental e recursos hídricos então isso

tem que ser ampliado.

Temos também a referência à Universidade da Água. Muita gente falou na Educação Ambiental,

capacitação de Recursos Hídricos. Isso tudo seria interessante também, o aperfeiçoamento da cobrança.

Incluir a fiscalização como instrumento de gestão. Conseguimos incluir, até foi o Mauricio Andrés que

fez esta proposta comigo, seria um kit de proteção de Água, parece relevante. Seria mais ou menos

como os espaços protegidos lá do inciso terceiro do artigo 25. Ou seja, incluir os cursos de água também.

Cabe ao Poder Público definir espaços de proteção, isso no inciso 7 também os cursos de água.

Carlos Alberto Valera argumenta que a legislação já estabelece essa necessidade e que o Estado

de Minas entende que os órgãos ambientais devem definir tais espaços. Estamos avançando nessas

discussões, pois há lugares em que você não pode afetar, são áreas de recarga, áreas de extrema

fragilidade, cabeceiras. Como o professor Cláudio Di Mauro falou aqui nos topos temos áreas com baixas

declividades, mas não podemos plantar lavouras indiscriminadamente, aplicar agrotóxico e contaminar

solo e água. Isso estamos tratando com o IGAM são áreas que devem ter usos restritos.

Professora Kátia Gisele chama atenção que cuidar dessas áreas significa cuidar também das

biodiversidades vegetais e animais.

128

Éldis Camargo Santos reitera que isso é de fato a mudança de paradigma necessário. Nós

temos uma visão antropocêntrica ou biocêntrica? Essa é uma grande discussão que se precisa fazer.

Nossa Constituição tem uma visão antropocêntrica. Mas o professor Herman Benjamin considera

que o artigo 225 considera a visão biocêntrica. Afinal, a base da vida é o ecossistema.

Éldis Camargo Santos – Aqui então temos alguns pontos que chamam a atenção no Legado,

mas que não foram desenvolvidos como as relações de águas subterrâneas com águas superficiais.

Aí tem a Resolução 16, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que trata de águas meteóricas.

A questão de Terras Indígenas temos no artigo 231, parágrafo terceiro da Constituição Federal,

dizendo que o uso de terras indígenas exige a oitiva das comunidades e autorização do Congresso

Nacional. Até hoje isso não está sendo resolvido. Quando uma dessas demandas vem para a ANA

vem com uma autorização do Estado. Foi por exemplo ocaso de Belo Monte. Ali aconteceu

exatamente isso: Na audiência pública a gente ouviu [...] Mas é preciso destacar que a audiência

pública foi para tratar de questão ambiental e não da água. Esse é um tema que a gente vai ter que

começar a pensar e deixo aí para vocês fazerem uma proposta legal.

A questão da articulação das políticas setoriais, meio ambiente, águas minerais. Com o meio

ambiente eu tenho diversos trabalhos acadêmicos que mostram como compatibilizar os

instrumentos, ou seja, a outorga tem que conversar com a licença e já temos uma Portaria que foi

assinada na época da ministra Marina Silva. Depois temos a 357, que também que fala que alguns

temas são conexos entre o CNRH e o Conama. E aí se criou um Comitê que, em verdade, nunca foi

instituído. Então essa gestão tem que ser começada.

No que diz respeito à Agenda Internacional, há uma discussão de como cuidar dos cursos de

água que são fronteiriças e transfronteiriços. Há uma dificuldade de o Brasil abraçar os princípios os

costumes internacionais e tratados internacionais. Esses Tratados Internacionais entram abaixo da

Constituição com Decretos Presidenciais e isso muda tudo. Então se o Brasil, por exemplo, assinou

Tratado de Direitos Humanos, isso não significa nada. Mas tem um texto Constitucional que diz que

dois terços do Congresso para ratificar aquilo para ganhar status Constitucional, então não ficará mais

abaixo de lei. É muito importante a gente conhecer esses caminhos legislativos. Como é que eu faço

para chegar, que esses Tratados cheguem ao status constitucional?

Por exemplo, na Argentina, um Tratado tem status Constitucional. Ou seja, depende de

cada sistema jurídico de cada país. A ANA tem desenvolvido alguns trabalhos internacionais, mas

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 129

sob o ponto de vista técnico, por exemplo, quanto eu solto de água? Mas acho que temos que ir

além. Precisamos que toda aquela comunidade que está envolvida participe. Então temos que ir

além nessas questões internacionais.

Júlio Tadeu Kettelhut – As águas urbanas, acho que agora vamos começar a assumir o

saneamento na Agência Nacional de Águas e aí teremos muitas histórias para contar para vocês e

vamos chorar juntos.

Cláudio Antonio Di Mauro – E aí entra o reuso da água. A ANA vai precisar de mais recursos,

gente técnica para tratar de todos esses assuntos.

Éldis Camargo Santos – A Agenda do Saneamento é muito específica e ao mesmo tempo

diversificada. Aqui também foi pontuado que deve haver regras diferenciadas para rios

intermitentes e rios efêmeros. A necessidade de que para esses temas você poderiam mandar

recomendações. Aqui só está pontuado, mas não tem as regras que vão reger.

Há ainda dois temas vistos fora do Legado para a gente comentar, no que diz respeito às

tranversatilidades e registrar o recuo na lei complementar 140 que regulamenta o parágrafo do

artigo 23 que trata da coordenação da União Estados e Municípios na questão ambiental. A gente

insistiu, falou, por favor, aproveitem para fazer a integração das ações em recursos hídricos. Ali se

poderia fazer, pois ali tem vários pontos inconstitucionais, mas era o momento de trazer à luz os

recursos hídricos e todo o sistema para fazer a integração. Por isso eu entendo que foi um recuo

que causou espécie para todo mundo que trabalha com recursos hídricos. E a natureza jurídica da

cobrança. Antes disso devemos falar da natureza jurídica da água, que já falamos um pouquinho.

Mas a água, na 9433-97, diz que é um bem público, mas se ela tiver um teor ambiental ela

não é um bem público, ela é um bem coletivo. Hoje em dia temos um novo paradigma de

classificação de bens. São bens públicos, bens difusos e bens privados. Então a água é um bem difuso

[...] ou seja, é de todos. Chamamos isso de “coisa de todos”. O bem público seria o caso de coisas

de ninguém. Em outras palavras, o Estado cuida de coisas de ninguém. Olha a necessidade que eu

tenho de entender o sentido do recurso hídrico, pois ele vai determinar o conteúdo jurídico. O que

é a natureza jurídica? É o pertencimento, ele é um bem público, é um bem difuso, é um bem

privado? E só aí eu vou para a cobrança. Na lei fala-se a cobrança pelo uso da água. É uma água de

recurso ambiental ou de recurso hídrico? E aí vem a necessidade da definição da natureza jurídica.

Hoje em dia qual é a concepção? Como a Lei diz que é um bem público, então ela é um preço público,

130

então a maioria das pessoas entende como preço público. E surgiu na reunião dos juristas na ANA

para tratar do Legado que a cobrança da água teria uma função condominial e aí foi uma confusão,

todos os juristas brigando, porque e aí eu perguntei: Não é preço público? Veio a resposta: É preço

público condominial. Com isso ela fica pública e privada ao mesmo tempo. Essa discussão vai

considerar essa natureza. Para mim (pensamento da Éldis Camargo, não é o pensamento da ANA),

não existe ainda instrumento legal que fale o que é essa natureza Jurídica. Para mim, é muito

parecida com um caso de Redevance. Uma coisa mais de tutela direitos coletivos.

Existe uma figura jurídica que a gente tem que criar, mas condominial também não existe como

figura jurídica. Então seria uma água pública e privada ao mesmo tempo? Na Argentina eles usam o que

se chama de cânone, usada para o petróleo com a dimensão de bem de todos. Isso talvez facilitaria esse

caminho de dinheiros, de licitações. Mas hoje em dia é unânime como preço público.

Julio Tadeu Kettelhut – Nós não estamos fazendo a cobrança? Com todas as dificuldades

nós estamos fazendo, estamos exercendo daí minha questão [...]. Para que vamos mexer nisso?

Éldis Camargo Santos – Porque estamos mexendo não [...] Eu estou falando do Legado e o que

foi levantado inclusive por juristas. Bom aquilo que eu já falei a adequação da legislação dos Estados ao

Sistema de Gerenciamento e alguns assuntos que não foram trazidos para o Legado como a Mudanças

Climáticas que tem tudo a ver. As áreas úmidas, aliás teve no Conselho de Recursos Hídricos uma

questão sobre o conceito de Recurso Hídrico que a gente não consegue dizer o que é.

Cláudio Antonio Di Mauro chama atenção para exemplos de áreas úmidas que são muitos

(são os casos dos Covoais que se localizam nos topos das nossas Chapadas).

Éldis Camargo Santos – As zonas costeiras, vocês estão longe aqui, mas a maioria dos

brasileiros mora nas zonas costeiras, onde a competência é da União, dos Estados e Municípios. Os

Municípios podem fazer seus Planos das Áreas Costeiras que nem sempre levam em conta as Áreas

que são da União e teriam que ser conversadas com a União para planejar o uso dessas áreas, a

exemplo das Restingas, e aquelas áreas onde tenho pequenas bacias hidrográficas que são prainhas.

Por exemplo, a Mata Atlântica que no fim quem está fazendo são os Estados, sem que a União saiba

o que está sendo feito, acontecendo.

Kátia Gisele chama atenção para as áreas com efeitos das tectônicas. Não são muito

estudadas, mas têm efeitos da neotectônica, por exemplo.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 131

Éldis Camargo Santos chama atenção para essas concepções que precisam ser consideradas.

E já terminando pensando no futuro da gestão que é nossa função. Então quais são os avanços?

Bom, a 9.433 é um avanço perante o Código de Águas. Afinal, antigamente tinha inclusive água

particular; rompeu com a prioridade de um único usuário que era o setor elétrico. Então tivemos

avanços. E a gente sempre foi muito focado, a cabeça de advogado é muito focada nisso do

comando-controle e mudamos para gestão. Para mim, essa legislação é linda, é muito novinha, tem

apenas vinte anos essa legislação diante do direito romano, ainda é um bebezinho. Mas nós temos

que aprender. Talvez a gente não vai ver isso, mas os nossos jovens precisam implementar. A Política

Nacional é uma lei bem didática, mas é política. E o futuro? Em relação ao Legado, as legislações

junto aos Executivo e Legislativo. O Executivo junto aos Comitês, aos Conselhos Nacionais e

Estaduais. E no Parlamento, por exemplo, essa questão das mulheres, a gente já está atuando junto

a deputadas que estão agindo. É importante que cada um tome o seu tema para agir.

Provavelmente muitas dessas questões vão estourar no Judiciário. Com relação à capacitação

eu acho que a Educação Hídrica não é exclusiva e tem que incluir a Educação Jurídica. Lá na Câmara

Técnica de Assuntos Institucionais e Legais (CETIL) temos advogados e pessoas que não são advogados.

Diferente do Conama, onde são todos advogados. Então nós precisamos que os não advogados

conheçam a sistêmica jurídica, pois, às vezes, isso cria uma imensa dificuldade. Eu lembro que um dia

alguém argumentou que Direito Difuso não existe. Mas é claro que existe. Todos precisam ter algum

conhecimento jurídico, desde aquele Intendente. Uma vez eu fui dar aulas e houve a pergunta, mas o

que é Poder Judiciário? O que é Poder Executivo? Então é preciso ensinar, ter paciência. O certo é que

a questão é complexa e instigante. E tem muitos temas que a gente ainda precisará tratar, como, por

exemplo, os rios como personalidade de direito, que está sendo agora a novidade. Não sei se vocês

estão acompanhando. Vários cursos de água como pessoa de direito. Há países que agregaram isso à

sua Constituição. Mas aí vocês podem ver por onde está andando a coisa.

Com os recursos a Natureza Jurídica da Água, essa arquitetura jurídica que a gente tem que

montar, voltada para a Gestão de Recursos Hídricos tanto no sentido vertical quanto horizontal. E

eu penso que talvez a minha geração não consiga dar uma resposta a isso, pois fomos criados num

mundo cartesiano, de caixinhas. Mas o pessoal que vai fazer teses, essas novas gerações precisam

começar a pensar nisso tudo. Montar essa arquitetura jurídica. Estudos inter e multidisciplinares.

Quando você trabalha com Recursos Hídricos, precisa saber sobre Direito Ambiental, Direito do

Consumidor, Direito Internacional, Direito Civil, até, Direito Comercial, Direito Penal. Muitas vezes

está mexendo em propriedades. E tem a questão multidisciplinar. Quando eu comecei a trabalhar

132

na ANA havia dificuldades de entendimento com engenheiros, biólogos e outros. Mas aos poucos

vai se construindo um relacionamento de qualidade. É preciso estudar, pois a visão é holística e

sistêmica. Isso tudo deve entrar para as Universidades, a Geografia tem muito a contribuir com essa

visão integrada, sistêmica e holística na abordagem do espaço e do território. Sistêmica, holística,

ambiental, ecológica. Eu digo que essa palavra socioambiental não existe, pois o ambiental já é

social. De onde vem a palavra meio ambiente? Envolta de alguma coisa, e o espaço, meio. Daí não

existe o socioambiental. É ambiental que inclui o social ou pode ser socioecológico.

E o tema tem que ser inclusivo. Incluir as categorias sociais. Quem são os setores sociais em

que não estamos pensando? Por exemplo, os Caiçaras. A gente fez uma reunião que precisava de

uma porção de informações que eles conhecem. Os Quilombolas que estão nesta região toda.

Enfim, todas essas comunidades tradicionais devem ser trazidas para conhecimento do que está

acontecendo e envolvendo duas vidas para entender o tema. E eu deixo aqui um pensamento que

ele falou sobre a efetividade da legislação. Que vem da sabedoria indígena em que quando não

cumprimos aquilo que prometemos o fio da nossa ação, ainda que esteja concluída em algum lugar,

fica solto. Com o passar do tempo eles vão se enrolando em nossos pés e impedem que caminhemos

livremente. Ficamos amarrados as nossas próprias palavras. E as leis são palavras que nós fizemos

em audiências coletivas, principalmente a Constituição. Então o que a gente tem que fazer é pôr a

palavra para andar que é um compromisso que a gente tem. E aqui então eu termino, agradecendo

bastante e fico à disposição de vocês.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 133

CAPÍTULO 5

__________________________________________________________________________

POWERPOINT DAS PALESTRAS

5. 1 PowerPoint - Pensando o futuro da gestão dos recursos hídricos: o arcabouço legal é adequado?

Carlos Alberto Valera18

18 Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande. Doutor em Agronomia (Ciência do Solo) pela UNESP/FCAV. E-mail: [email protected]

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Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 135

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__________________________________________________________________________

5. 2 PowerPoint - A legislação do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos: possíveis avanços e recuos

Júlio Thadeu Silva Kettelhut19

19 Engenheiro Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (EESC-USP); MSc pelo Masschusetts Institute of Technology – MIT. E-mail: [email protected]

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__________________________________________________________________________ 5. 3 PowerPoint - O sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos: avanços e recuos

Éldis Camargo Santos20

20 Advogada; Especialista em Educação Ambiental pela Universidade da Fundação Santo André e em Derecho del Ambiente pela Universidad de Salamanca; Mestre em Direitos das Relações Sociais, subárea: Direito Ambiental; Doutora em Energia Elétrica pela Escola Politécnica da USP; Pós-Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Servidora Pública. E-mail: [email protected]

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CAPÍTULO 6

__________________________________________________________________________

DEBATE DO PERÍODO DA TARDE

Carlos Alberto Valera 21; Júlio Thadeu Silva Kettelhut22; Éldis Camargo Santos23

Paulo Henrique Kingma Orlando – Eu quero primeiro parabenizar a Mesa. Professor, a

escolha dos membros foi interessantíssima e eu considero que o senhor os cutucou e as falas

também responderam às cutucadas. Eu gostaria de falar algumas coisas e ouvir da mesa sobre os

assuntos. Pessoalmente, tenho uma visão muito crítica sobre esse processo. Se

começássemos pelas questões que o Promotor colocou, indo buscar as causas e pensando naquela

pergunta: A gestão dos Recursos Hídricos no Brasil está funcionando? A resposta é clássica... Não

está! Se olharmos o painel de degradação do nosso país é drástico. É de amedrontar qualquer um.

Nós estamos desde 2011 sem a possibilidade de fazer fiscalização ambiental, com o novo código

(florestal). Sistemas e sistemas etc. Cada propriedade tem que mostrar o que tem em sua terra, mas

isso ainda não existe. Ela é autodeclaratória. E aí também jogou para os Estados uma competência

(fiscalização e controle), a exemplo de Goiás. Pergunte ao João Ricardo Raiser que está presente,

mas a quantidade de fiscais é mínima. Então, como é que vai fiscalizar? Na prática, a questão

ambiental está entregue à sua própria sorte. Se tivesse que fazer essa mesma pergunta ao meu

colega da Universidade Federal de Goiás, em Catalão, o professor Laurindo, aí ele vai dizer: Vamos

perguntar para a onça pintada, aos peixes que estão em nossos rios. Parece que a gente fica fazendo

um exercício de contorcionismo, para justificar uma legislação que até agora não surtiu efeito. Essa

é a verdade. Agora, algumas outras coisas, óbvias, como suposição (por exemplo) temos uma outra

questão que nos inquieta, parece que a legislação flutua acima da sociedade. Eu vejo a dificuldade

de contextualizar essa legislação no Brasil, na nossa formação sociocultural. Nós somos um país que

tem alguns traços característicos como exemplo o de um país que tem o traço patrimonialista,

excludente, estamental (estatutário), uma elite, lá como diria nosso amigo Darcy Ribeiro, atrasada,

preconceituosa e vai por aí. E a história do Brasil é formada pela dilapidação de nossos recursos.

21 Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande. Doutor em Agronomia (Ciência do Solo) pela UNESP/FCAV. E-mail: [email protected] 22 Engenheiro Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (EESC-USP); MSc pelo Masschusetts Institute of Technology – MIT. E-mail: [email protected] 23 Advogada; Especialista em Educação Ambiental pela Universidade da Fundação Santo André e em Derecho del Ambiente pela Universidad de Salamanca; Mestre em Direitos das Relações Sociais, subárea: Direito Ambiental; Doutora em Energia Elétrica pela Escola Politécnica da USP; Pós-Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Servidora Pública. E-mail: [email protected]

158

O Brasil, colonial o Brasil império e ainda hoje temos essa mentalidade. Os estoques territoriais são

para ser ocupados e degradados. Essa é a história do Brasil. E ainda mais como diz a professora Éldis

Camargo, as populações tradicionais para serem exploradas. Aí a legislação tem esse formato, e é

óbvio que ela tem a sua lógica e seu sistema de funcionamento, mas sabemos que o Brasil não é a

França. E aí eu acho que temos que colocar os pingos nos is. Aí, vão saltitando coisas, e vem a grande

pergunta: Como se faz a articulação entre os entes federados neste país? E agora tem mais um ente

federado que é a bacia hidrográfica que também virou uma unidade administrativa, ou

seja, Município, Estado e Distrito Federal, União e Bacia Hidrográfica. E você tem que fazer a

integração das políticas horizontais, dentro da Unidade Federativa, e a integração vertical. É um

desafio monstro. Então eu acho que nós estamos em uma situação delicada e muito delicada.

Olha, conhecer a sociedade brasileira é muito importante, senão a gente vai ficar discutindo a

legislação das águas, sem qualquer nexo com a sociedade brasileira. Os Comitês de Bacias hoje

representam em escala menor, o jogo de forças políticas que estão na sociedade brasileira. É uma

sociedade que não é unitária, os interesses, inclusive os difusos são representados por poucos,

valentes como o professor Cláudio Di Mauro e aí vem a pergunta que agora eu faço: Será que essa

Política Nacional de Recursos Hídricos não tirou do Estado a gestão das águas e jogou na mão da

iniciativa privada? Pois quem manda nos Comitês de Bacias são os grandes usuários. Será que não

ocorreu isso ¿ E os instrumentos de gestão de Bacia que não são incrementados, por quê? Por mexer

com interesses, especialmente com interesses setoriais. O senhor mesmo sabe, professor Cláudio

Di Mauro, quando o senhor falou em segurança de barragem no Comitê de Bacia, o pessoal deu

pulo. Então a gente precisa pensar na questão das águas acima da Política Nacional de Recursos

Hídricos enquanto norma legal. O que nós queremos para nossas águas? Sabe! E aí sim, nós vamos

refletir sobre essas aspirações na legislação, que, por sua vez, tem alguns traços dramáticos. A água

é um bem de domínio público dotada de valor econômico. O valor social, cultural, ambiental foi

tudo para o espaço. Aí com essa lei fazemos muito contorcionismo. Eu sei que é uma provocação.

Fica aí para os senhores da Mesa ver onde podemos chegar. Muito obrigado.

Professor José Geraldo Mageste – Eu, de coração, quero parabenizar as exposições de vocês.

Muito boas. A professora Éldis falou algo que eu tenho dito nas minhas aulas da disciplina Solos:

uso, aptidão e sustentabilidade, que ministro para Engenharia Ambiental. Eu começo de trás para

a frente, falando primeiramente Sustentabilidade e depois Aptidão e Usos do solo. Eu confesso que

na ocasião da promulgação dessa Lei 9.433/97 eu até achava que não precisava. Era uma ignorância

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 159

minha maior que de hoje, graças a Deus. Agora eu vejo quanto nós ainda estamos perdidos nesse

horizonte de Gestão dos Recursos Hídricos. Por isso eu lhes parabenizo. Tenho dito em casa o que

doutor Carlos Alberto Valera falou com muita mais propriedade aqui. Eu não consigo colocar toda

essa veemência. Em certa ocasião, num ambiente mais executivo que legislativo eu ouvi o colega,

Engenheiro Florestal Dr. José Carlos Carvalho (que Deus o tenha em bom lugar – ele não morreu,

mas fez tanto mal para o ambiente do nosso país, que quase acabou com os nossos “meio” e

“ambientes”) falar assim: "Nós, da Secretaria do Meio Ambiente, recolhemos, este ano, Senhor

Governador, mais de um milhão de reais". Aí eu perguntei para o colega do lado: E quanto ficou lá

na Secretaria (SEMAD)? Como foi a distribuição desse dinheiro? E ele continuou: Arrecadamos mais

que o setor cafeeiro [...] Sim, e para o meio ambiente não ficou nada? Se tivesse repassado parte

deste recurso lá para o IGAM, tudo bem... mas, nada, nada, nada. Por isso que eu falei para ele,

naquela ocasião: "Olha, você vai para o inferno de cabeça para baixo, pagaremos muito caro por

este ponto de sua fala". Sim, por que na hora que ele acabou de falar isso o representante da CNA

em seguida ponderou: "Isso vai mudar, nós vamos mudar esse negócio. Nós vamos cercar esse

pessoal do Meio Ambiente”. Ele queria dizer: “vamos acabar com essa fiscalização”. E isso

aconteceu. Minas é o Estado que mais cobra impostos e menos fiscaliza agressões ambientais.

Eu fico ouvindo essas coisas assim e convido meus alunos a refletirem. Na semana passada,

no Bom Dia Brasil, eu vi o Chico Pinheiro dizer assim: "Toda essa água que caiu por aí não ajudou o

Reservatório de Brasília a aumentar nem 0,1% de volume". Aí eu falei... Graças a Deus, tomara que

essa água esteja infiltrando no solo, é ou não é? Mas ele passou a ideia de que essas águas deveriam

encher os reservatórios. E parece que exatamente isso que a nossa sociedade está pensando, isso

que os repórteres estão falando. E aí eu me senti na obrigação de cutucar mais ainda a conversa

com o Doutor Carlos Alberto Valera. Nós temos pesquisa, ensino e extensão na Universidade, não

é? E aí vem uma dúvida: O que é extensão? Como exercitar este tripé da Instituição? Há poucos

dias, conversando com a Reitora de Viçosa, veio um questionamento à Reitora, contemporânea e

amiga de muitas ocasiões: Mas professora, é uma vergonha, a menos de 10 km da UFV, se chover 1

mm a argila vai toda embora. E não tem nada feito sobre isso, nem uma ação de extensão, a menos

de 10 km da Universidade Federal de Viçosa. Cobrei dela, mas nós, aqui da UFU, não somos

diferentes não. Então, eu fico pensando: E a nossa extensão? Estou muito interessado em praticar

o que ouvimos e vamos fazer muita divulgação boa do que vocês escreverem. Nós temos que

trabalhar na sociedade e para a sociedade. O livro com os textos de vocês será bem difundido.

Espero que vocês coloquem em seus capítulos coisas que precisamos contar para nossa sociedade.

Meus parabéns.

160

Cláudio Antonio Di Mauro – Vocês ouviram o professor José Geraldo Mageste, que será o

apresentador do livro. Mais alguém quer falar algo? E os estudantes?

Heitor Soares Moreira – Eu gostaria de parabenizar todos os palestrantes. Foi superprodutivo.

O que eu aprendi hoje significa o aprendizado para uma disciplina de 40 a 80 horas. Então eu acho

que foi muito proveitoso. Eu tenho uma pergunta diretamente para o Júlio Tadeu Kettelhut; tenho

uma colaboração a fazer no que a professora Éldis Camargo comentou na palestra dela; e uma defesa

para fazer da outorga com o Promotor de Justiça, Carlos Alberto Valera. Porque eu acho que a

ferramenta de Gestão da Outorga, às vezes, colocamos nas costas dela um peso que ela não consegue

carregar sozinha. E aí temos uma expectativa que não comporta e ela fica como se fosse o patinho

feio. A outorga só vai funcionar plenamente quando tivermos também outros instrumentos de gestão

funcionando plenamente. Essa questão de não conhecermos os usuários passa por uma fiscalização

mais presente, pois se a pessoa não vier a nós não teremos esse conhecimento. O instrumento de

gestão que vamos inserir agora, a fiscalização que em Minas Gerais nós já temos como instrumento

da nossa Política Estadual, ela é importante, está funcionando. A questão do enquadramento

também para a gente conseguir emitir uma outorga e poder avançar em algumas outorgas, como

exemplo a outorga de lançamento também é importante e termos um enquadramento bem-feito,

não automaticamente, como foi referido aqui, mas algo discutido com a sociedade que se predispõe

a pagar o preço daquele enquadramento, pois tem um preço para a gente chegar àquela meta. A

questão do plano que não pode ter diretrizes muito amplas e vagas. Eu acho que ele tem que ser

mais incisiva para o órgão poder priorizar usos, para conseguirmos realmente dentro de critérios

técnicos mais favoráveis e aplicáveis e também a questão do monitoramento. Se eu não tenho uma

rede de monitoramento representativa, o estudo da regionalização e da quantidade de água será

com erro embutido maior e a chance de eu errar na hora de falar que que X água em vez de Y,

também vai aumentar. Se eu tenho estações bem empregadas, com séries históricas consistentes

com um mínimo de anos de dados, aí vamos precisar de 30, 35 anos para obter essa questão, então

é logo que na situação dos meus estudos, eu vou ter uma condição muito melhor. E eu vou dizer

que aqui eu tenho X ou Y de água e você poderá acreditar. Muitas vezes, a regionalização é uma

ferramenta que utilizaremos, não tem como monitorar todos os cursos, todos os trechos, mas, às

vezes, a gente pega para fazer estudos de regionalização de áreas homogêneas e são duas ou três

estações, com 8 ou 9 anos de dados. E para preencher os dados, séries sintéticas, enfim, tudo isso

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 161

vai gerar erros. Mas, às vezes, é o que podemos fazer ali para poder conseguir indicar uma

quantidade de água que pode ter naquele ponto. Então a outorga por vezes carrega um peso que

não é só dela, pois se não trabalharmos essas outras quatro esferas, o monitoramento como

ferramenta de gestão que não é instrumento, mas que é tão importante quanto os demais... não

teremos mais uma outorga que poderá às expectativas plenamente. Então essa é a defesa que eu

queria fazer da ferramenta de outorga. Ela é importante, é um cadastro que temos e que cabe

aprimoramento. A questão regional, a outorga de lançamento, e outros aspectos em que temos que

avançar. Eu não estou falando que é que está 100% e não tem onde melhorar.

Para o Júlio Tadeu Kettelhut – A questão é quando você mencionou o setor do saneamento

que teria a prerrogativa de ser um monopólio, que ele poderia passar o custo da cobrança para o

usuário então, a minha pergunta é: O papel da Agência Reguladora não poderia evitar essa situação?

Uma Agência Reguladora na hora de computar o custo para emitir um valor para ser cobrado, não

seria o papel dessa Agência Reguladora levar isso em consideração? Teria alguma questão legal que

permitiria ela fazer isso ou teríamos de achar que é um monopólio e não tem o mercado para fazer

o controle, e agora? Até a própria ANA com essa nova missão? E, por último, só queria reforçar o

que a Éldis falou com relação à dominialidade; aqui em Minas Gerais temos problemas em duas

situações: geralmente pensamos na situação da dominialidade em relação aos tributários, que vão

impactar a calha, porque a gente tem a divisão, a gestão é por bacia e a União faz a gestão da calha

Federal e os Estados fazem a gestão dos tributários e nem sempre a gente fala a mesma língua. Isso

é de fato tem que ser integrada, colocamos ali no legado e é um avanço, mas eu queria só lembrar

que a gente tem que olhar todas as outras situações, que talvez não tenha tanta relevância quanto

essa, mas que aproveitando a oportunidade poderíamos trabalhar que é a questão das estruturas

hidráulicas que são financiadas pela Federação e deveríamos discutir se isso não seria competência

dos Estados outorgas, que têm o conhecimento da lâmina, qual seria a vazão, a defluência daquele

reservatório, seria importante. E uma consideração que é de um engenheiro. Então, se eu estiver

falando bobagem, vocês me perdoem e poderão me corrigir. Mas, a Constituição fala que as águas

em suas estruturas são de competência da União, então, essas pequenas áreas que cortam a

Universidade Federal de Uberlândia, o São Bartolomeu, lá em Viçosa não seriam de competência da

União, por estar na dominialidade do Estado? E se isso não seria dar mais autonomia para a União

por estar em seus domínios. Eu não vejo o menor sentido em que a União faça vista grossa para

esses casos. A outra questão é sobre a Lei Complementar 140, que eu achei importantíssima, pois

162

eu trabalhei muito tempo com fiscalização e eu consigo fiscalizar para o Ibama, mas não consigo

fiscalizar para a ANA. Quando a gente fazia trabalho em conjunto com a equipe da ANA, eu tenho

que preencher uma denúncia qualificada e tenho que mandar para a equipe da ANA para eles

emitirem o auto de infração enquanto a 140 me possibilita essa fiscalização concorrente. E aí uma

pergunta: Se a gente enquadrar a água com o artigo 5º da Constituição como direito humano e

acesso universal, a natureza jurídica não facilitaria a utilização da Lei Complementar 140? Acho que

é só essa questão da Lei Complementar 140, das áreas indígenas e a questão da dominialidade e

desses dois outros pontos que a gente está envolvido. Muito obrigado.

Discente de Geografia que não se identificou – Agradeço as falas, foram muito proveitosas.

Eu sou Graduando de Geografia e venho da Geopolítica. Então se eu disser alguma bobagem vocês,

por favor, me desculpem. Mas, é assim, mas o que foi falado pelo Professor Paulo é que o atual

sistema não está funcionando. Ou seja, a lei escrita não está sendo implementada de fato e isso não

é só na legislação hídrica, a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade... O Estatuto, mas eu faço

aqui essa reflexão o da Cidade foi um algo que não está sendo feito. Por exemplo, prioridade para

pedestre... Onde isso está sendo feito? E a minha pergunta é: Levando isso por base, é a Legislação

que tem que ser mexida, de fato? Não seria outro caminho? Eu não sei qual é, mas até agora não

só aqui, mas em todas as palestras que dizem respeito à legislação, demonstra-se que ela não está

sendo cumprida totalmente, ou mesmo satisfatoriamente. Então, eu me sinto desacreditado da lei,

pois ela não está sendo cumprida e a gente está mexendo nela. Não é outro caminho a ser tomado?

E outra pergunta, indo para um outro lado que é mais uma questão de esclarecimento mesmo, pois

não tenho conhecimento disso, mas se falou da crise hídrica de São Paulo em 2013 e eu tive a

felicidade de conhecer o INPE lá em São Paulo em 2015, a gente conheceu os projetos e tudo o mais

e lá eles falaram que essa previsão da crise hídrica tinha mais de dez anos, que tinha sido mandada

para São Paulo e por uma questão de correlação de forças e política, não foi feito nada. A mesma

coisa em relação a Mariana. Há mais de sete anos que se sabia que a barragem iria estourar e seria

em pouco tempo. Então eu gostaria de saber como ocorre essa integração. Os Institutos se falam?

Por exemplo, aqui temos o IGAM, tem a ANA, o Ministério Público tem essa conversa? Há correlação

de forças políticas? O que move isso, o que que trava isso? No mais é isso.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 163

Mayara Valera – advogada – Boa tarde a todos, quase boa noite. Eu estou começando a advogar

agora, estou até um pouco perdida. Porque há alguns dias atrás eu estava em um Congresso de

Advogados Ambientalistas no Rio de Janeiro, eu até fiquei um pouco assim assustada e preocupada

porque acho que a solução é muito simples, mas ninguém quer tomar. Ninguém tem vontade para fazer

isso e até me deixa um tanto frustrada, pois eu acho que o Sistema Jurídico no Brasil não funciona, que

a nossa Justiça é um desastre, mas muitas pessoas trabalham e batalham por isso. Se alguém ficar calado

aparentemente ninguém quer tomar decisão. Então por isso que eu acho que tem leis muito boas, mas

não funciona, pois ninguém toma a decisão e aí parece que pensam: Não vou tomar a decisão para

evitar que fulano se sinta ofendido, ou não vou tomar decisão, senão terei problemas com o fazendeiro

ou com o usineiro. Então assim fica aquela coisa, na qual ninguém conversa, não tem aquela liberdade,

parece que as visões são separadas. Não posso ir à reunião lá no Sindicato Rural porque vão pensar que

eu vou multar eles, então bloqueia a conversação. Diversas pessoas não têm como entrar em harmonia

para resolver o problema. E quando se tenta resolver o problema fica aquela disputa por poder. Aquela

história de: Ahhh, você está querendo vir mandar aqui, não, aqui você não manda. Aí fica cada um no

seu canto e não se faz a discussão. Às vezes, parece que é tão fácil. É só sentar todo mundo e decidir:

vamos resolver o problema. E quando se vê que estão discutindo, estão decidindo quem manda mais,

quem tem atribuição, quem não tem atribuição. E aí, alguns que querem resolver decidem: Quer saber,

não vou me meter nesse meio porque não vai resolver nada. Então fica essa baderna e não se resolve

absolutamente nada. E assim o ambiente está aí, as coisas estão cada vez mais degradadas, os recursos

estão acabando e eu acho que realmente é um problema. Deve-se ter uma conversa sincera entre todos

e tentar solucionar o problema, porque meu pai pega muito no meu pé, você não pode mostrar só uma

parte do problema, não pode fazer o discurso que só lhe convém. O seu discurso tem que ser em todas

as ocasiões. E aí ele fala eu acho ruim os advogados e os fazendeiros defenderem o lado deles, pois eles

têm que produzir e ganhar dinheiro. Mas o problema é que eles só dão a versão deles, não dão a outra

versão. Então é assim, quando você está dando uma palestra, explicando para as pessoas você tem que

ser sincero, tem que falar todos os complementos. Eu também considero que a Justiça o Ministério

Público também têm que reconhecer que a outorga é só um papel. Se é para ficar só no papel não

deveriam ter concedido. Cada um deve assumir os seus erros e encontrar os caminhos viáveis, de modo

a ficar bom para todos. Aí talvez seja uma solução. Então a lei também são papéis. Não adianta mudar

a Lei se você nunca vai executar aquilo. Vai ficar no papel a vida inteira. Ainda mais quando se trata do

meio ambiente que é algo que que precisa ter solução.

164

Cláudio Di Mauro: Muito bom, muito obrigado. Os componentes da Mesa foram anotando

e falarão sobre os temas que foram levantados.

Carlos Alberto Valera – Aqui dá uma dissertação de mestrado.

Doutoranda – Eu tenho bastante preocupação. Gostaria de ver com a Mesa. Como resolver

o problema dos desencontros interinstitucionais, pois vocês abordaram muito as relações

horizontais e verticais e muitas vezes essa relação passa por vontade política sentido lato sensu e

então eu gostaria que vocês avaliassem se temos algum caminho de superação à medida que, pelo

que percebi, todos nós aqui temos a predisposição em trabalhar se necessário com quebra de

paradigmas, com essa visão sistêmica, holística e de preservação no fundo da vida humana. Então

eu gostaria de saber de vocês quais são as opiniões a esse respeito?

Cláudio Antonio Di Mauro – Então agora vamos passar para a mesa e, claro, primeiro as damas.

Éldis Camargo Santos – Muito obrigada pelas perguntas e pelo que foi colocado. Primeiro

gente, eu queria falar, aliás eu acabei de falar sobre o que abordou o Promotor de Justiça Carlos

Alberto Valera a respeito das responsabilidades dos colegiados. É muito importante e tem a ver

com o que vocês estão falando. Eu teria responsabilidade em status de pessoa jurídica? Eu digo

SIM. Então Júlio Tadeu Kettelhut, nós que trabalhamos no Conselho estamos “errados”? Nos

Comitês também. E isso teria também a responsabilidade do Colegiado. Aliás, eu tenho um

parecer que dei sobre isso no qual eu montei exatamente esse raciocínio e tinha a questão da

pessoa física e da pessoa jurídica juntas. Talvez convenha ainda melhorar essa abordagem que é

um ponto importante. Afinal, até que ponto é responsabilidade civil administrativa? Na questão

da dominialidade, está no artigo 26 a competência para os rios estaduais, aqueles que nascem e

morrem dentro do Estado, as águas subterrâneas e na forma da lei as obras hidráulicas custeadas

pela União. Então, isso é um problema grande, gente. Só para ter uma ideia, por exemplo, o Lagoa

Paranoá é obra com fundos da União. Mas para descobrir isso foi extremamente difícil. Dentro da

Procuradoria Jurídica da ANA também há dúvidas sobre isso. Eu dei aquele parecer falando que é

de competência da União. Mas nós temos o Procurador-chefe (Federal) que entende que é isso

mesmo, que é da União. Tivemos um Procurador que argumentava que se está dito que é na forma

da Lei, depende de regulamentação. Se não está regulamentado, não está resolvido. Então nessas

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 165

dúvidas vocês devem instar o Poder Judiciário através de Ação Declaratória para resolver. Nem

sempre seremos nós a resolver, muitas vezes, com mais dificuldades que tenham. Como é o caso

do Código Florestal e as ADINs. Talvez a solução eu nem veja, mas tem que resolver pelo Judiciário.

Sobre o domínio em terrenos da União, diz o artigo 20: isso também foi problemático, mas

conseguimos resolver. Então vamos ver, temos um rio estadual que passa dentro de uma zona

federal. Então naquele lugar é da União. Aí a gente cumpre estritamente o que está na

Constituição. O caso de terras indígenas, também tivemos esse problema. Inclusive em Brasília,

muitas das águas que recebemos vêm do Parque Nacional da Floresta Nacional de Brasília. Muitas

águas estão dentro de terrenos da União e aí quase todas as águas eram da União. Quando o

assunto chegou a ADAS veio a discussão, essa água é nossa, tendo em vista que isso tem a ver

com a cobrança pelo uso da água. E isso deu um debate danado. As direções entraram nisso e

precisamos dar parecer. E essas águas são em terrenos da União. O que se resolveu foi delegar

para o Distrito Federal, pois isso tem a ver com as questões de outorga e cobrança. Então são

questões que dependem de acordos. No caso da questão indígena, às vezes, eu tenho de um lado

as terras indígenas e do outro as terras particulares. Isso tem muito a ver com águas fronteiriças,

para definição do uso que se tem o talvegue para dividir. Então tenho que saber a natureza. Parto

do assunto abordado, se é um bem público, o Poder Público vai resolver e pronto, sem poder até

haver arbitramento. Um bem público não pode arbitrar, pois toda questão da arbitragem seria

ilegal. Você só pode arbitrar direito disponível. Isso é uma questão que eu falo com a Mayara...

ou seja, é excelente trabalhar com a mediação. Nas minhas aulas eu dou um capítulo sobre a

Mediação Ambiental. Eu dou um capítulo sobre isso. Ocorre que não sabemos conversar. Não

aceitamos trocar, nós somos competitivos. E aí eu quero mais uma vez destacar a importância da

mulher dentro da gestão. Nós, mulheres, somos cooperativas e não competitivas. Sim, senhora.

Isso seria discriminação? Eu quero chamar atenção sobre a importância da cooperação, para

trabalhar com a mediação. Outra coisa importante é sobre o discente que falou sobre a fragilidade

da lei. Existe um jargão jurídico que fala “onde está a sociedade está a lei, a Justiça”. E dentro do

Estado Democrático de Direito não temos muito como encaminhar isso. Temos dois sistemas

importantes no mundo jurídico: Que é a Comuló (acumulação) e a Simuló (simulação).

A Comuló é mais para os países anglo-saxões que trabalham mais com os costumes. E nós

trabalhamos mais com a Simuló, que segue o modelo alemão. Existem alguns modelos que trabalham

essa dualidade que são os países Islâmicos onde a religião é a própria justiça. A Rússia também é um

166

tanto diferente. Mas não tem como escapar dentro do Estado Democrático de Direito. Claro que a gente

tem que avançar, eu gosto muito de trabalhar com conceitos. Por exemplo, o que é Democracia?

Democracia não é vontade da maioria. Democracia é a vontade de todos. Por isso a gente tem que rever

esse nosso pensar. É o rés – a coisa de todos. Eu acho que respondi a todos. Agradeço.

Júlio Tadeu Kettelhut – Bom, tentando ser breve, eu quero falar para o professor Paulo...

bom eu acredito muito no Sistema de Recursos Hídricos. Essa lei eu acho que ela está numa condição

de apresentação que é um processo e mexe em paradigmas e isso não mexe em curto prazo, dois,

dez ou vinte anos. Agora, o Sistema de Recursos Hídricos não é o Sistema Ambiental. O Sistema de

Recursos Hídricos é para otimizar e controlar o uso dos Recursos Hídricos. As questões ambientais

são consideradas como insumos para que a decisão seja tomada. Então, por exemplo, você tem um

rio onde tem que ser preservado então ele já entra na hora que você for utilizar, você já entra

dizendo que 100% da água não está disponível. Então esse rio tem que guardar 30% dele para

preservar as diversas espécies (tal, tal e tal). Portanto, tem que partir desse princípio que 30% dessa

água não está disponível. Os Recursos Hídricos usam desses insumos, dessas informações, para

gerenciar a distribuição melhor a água perante todos os interessados. Então eu vejo com essa visão

a gestão de recursos hídricos, tem que levar em conta não só as leis ambientais, mas as leis sociais,

econômicas. E, a questão econômica, o valor econômico da água, deve considerar que a questão

ambiental tem valor econômico, difícil de calcular, mas tem valor econômico. A questão social

também tem valor econômico, também difícil de calcular, talvez menos difícil que a ambiental, mas

tem valor econômico. Então a questão do valor econômico não é só aquela coisa de quanto custa,

mas é questão de jogar nessa equação de como distribuir melhor a água, levando em conta esses

valores econômicos que são difíceis de calcular, ambiental, social, mas que também têm valor

econômico. Heitor, eu gostei de sua colocação, tive oportunidade de ser gestor para tentar

identificar o que seria o melhor indicador para saber se houve desenvolvimento na gestão dos

Recursos Hídricos na Bacia Hidrográfica. Depois de discutirmos bastante entendo que o melhor

indicador tem que ser algo muito simples de ser medido e que as pessoas entendam. Não adianta

você falar assim: Ver a satisfação da sociedade, de tantos em tantos anos para levar a uma certeza.

Para mim, o melhor indicador é o número de outorgas e cadastros. Veja, a outorga e o cadastro

significam muito, pois com essas informações você pode fazer o Plano, pode fazer a cobrança, enfim,

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 167

pode fazer muito. O número de outorgas mostra realmente o grau desenvolvimento de uma bacia

hidrográfica. Indica se os órgãos estão funcionando ou não. Trata-se de um indicador muito bom

para dizer como está a gestão dos Recursos Hídricos.

Heitor Soares Moreira faz o comentário – a outorga como cadastro. Mas ela tem um papel

até mais amplo, da modelagem entre outros.

Júlio Tadeu Kettelhut – Então, ela se for dada seguindo os planos de bacia, seguindo tudo

isso, o enquadramento. E esses indicadores também podem mostrar a qualidade da outorga. Sobre

a questão do saneamento, eu não tenho conhecimento profundo ou tenho pouco conhecimento da

Medida Provisória e Projetos de Lei que estão sendo preparados sobre essa questão do

saneamento. E o outro projeto seria com relação à Agência de Saneamento que dizem que tem

alguma coisa a ver com a ANA. Essa Agência, seja ela qual for o que eu estou entendendo, mas

certamente a Éldis Camargo está acompanhando melhor, ela tem competência limitada, pois é

competência do Município gerenciar o saneamento. Então ela não tem competência para dizer o

que o Município deve fazer ou não. Ela é uma Agência Federal e não teria toda competência em

relação ao Município. O que está sendo proposto é que ela gerencie a aplicação dos recursos

federais que vão ser colocados. Daí sim, ela vai gerenciar se os recursos federais estão sendo

aplicados e eu não sei como será feito esse contrato de gestão. Mas os municípios que não tomarem

os recursos federais poderão continuar fazendo o que está sendo feito.

Heitor Soares Moreira – Então ela não teria a mesma função semelhante à da ANEEL. Ou

seja, ela que vai avaliar os reajustes de tarifas? Por exemplo em Minas tem a Agência para a

cobrança não poderá atuar?

Júlio Tadeu Kettelhut – Mas a ANEEL é diferente, ela tem competência para todo o território

nacional. Não tem produção de energia elétrica de domínio do Estado ou dos Municípios. Mas eu não

tenho resposta para essa questão com mais profundidade. Isso tem que ser mesmo melhor estudado.

O Mateus fez uma pergunta sobre o Sistema, sobre o Fórum. Você tem que medir se o Sistema está

funcionando na questão dos Comitês, dos Conselhos, dos Fóruns. Está em desenvolvimento essa

questão toda que eu mencionei. Tem alguns bem avançados, como o Piracicaba, tem outros que

estão começando neste ano. Enfim, é um desenvolvimento processual. Agora outra coisa que mais

168

visível, mas que a gente nem sempre vê são os órgãos de Recursos Hídricos, tanto o Federal, no caso

a ANA como os Estaduais, precisamos saber se esses órgãos estão funcionando. E isso é competência

dos órgãos do Poder Público. Então quando falamos do sistema, tem que ser analisado sob esses

dois pontos de vista. Um tem influência no outro, mas são de responsabilidades diferenciadas. E

como foi falado pelo Carlos Alberto Valera, como fazer a Lei nós já temos, agora é como fazer

funcionar. Esse deve ser o maior objetivo e a melhor coisa que poderemos fazer é arrumar caminhos

para fazermos o que tem, funcionar, antes de procurar outras coisas que podem causar retrocessos.

A não ser que essas outras coisas sejam imprescindíveis e que estão impedindo as coisas de andar.

Mas se não for imprescindível vamos deixar para um momento melhor e agora vamos fazer com

que funcione. A Mayara comentou sobre a harmonização. Existe um problema, não só com relação

aos recursos hídricos, mas eu vou dar um exemplo que são os nichos de poder, que são essa coisa

de descentralizar você está mexendo com nichos de poder. E no nosso caso tem a questão do

corporativismo. Um exemplo clássico é que nós temos a Associação Brasileira de Águas

Subterrâneas e a Associação Brasileira de Recursos Hídricos. Uma de Engenheiros e outra de

Geógrafos. E isso é no ambiente técnico. Portanto, nós mesmos, e eu também faço parte disso, nós

mesmos, e a questão administrativa. Nós temos diferentes órgãos que emitem outorgas

relacionadas com Recursos Hídricos e isso dificulta essa harmonização que você falou. Mas é claro

que essa harmonização precisa ser feita, é difícil mas temos que ir sempre buscando. Uma história

nessa evolução é que antes da 9.433/1997, tinha o DNAE, da energia elétrica, que criou os Comitês

Executivos, por exemplo na Bacia do São Francisco, eram quatro ou cinco somente. Eram totalmente

chapa branca, mas foi um avanço para a época pois ali sentavam os órgãos públicos que mexiam

com recursos hídricos. Tanto no setor da União quanto estaduais. Isso começou na época dos

militares, vendo-se a época histórica do negócio. É preciso ter alguma coisa onde tenha o lócus onde

as pessoas sentem e discutam os temas. E como falou seu pai, o Carlos Alberto Valera falou é um

jogo de forças. E realmente se você não ocupar o espaço, alguém ocupa. Com relação à questão

colocada pela Joana, esse custo social é importante, a democracia tem custo e mais, é algo que eu

já mencionei, há uma quebra de paradigmas e você mesma mencionou e sabemos que uma quebra

de paradigma em uma cultura como a nossa demora. Agora tenho um negócio para a Éldis Camargo

só para fazer um comentário, quero dizer que o Comitê é um órgão de Estado, pois foi criado por

Decreto... portanto, é um órgão de Estado. Éldis Camargo concorda com isso e confirma sim, é um

órgão de Estado. O que nós estávamos falando é da responsabilidade do Comitê, órgãos colegiados.

Então está tudo bem.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 169

Carlos Alberto Valera – Pessoal, é uma profusão de situações, que eu vou tentar falar

rapidamente, pelo adiantado da hora e eu tenho um compromisso em Uberaba. Primeiro para o

Professor Paulo Henrique Kigman Orlando. Essa sua questão se transformou em uma obsessão para

mim. O Código Florestal foi um divisor de águas para mim. Tanto é que estou fazendo minha tese

de Doutoramento sobre o Código Florestal em Ciências do Solo. Isso de tanto eu ver a ciência ser

espezinhada, jogada de lado, maltratada nessas discussões. De fato, têm dois trabalhos

maravilhosos e eu recomendo para todos lerem, um que foi feito pela Sociedade Brasileira de

Ciência e outro da Associação Brasileira de Ciência e depois, na sequência, saiu um trabalho do

Professor Raoni Rajão da UFMG onde ele identifica o que é Código Florestal em termos de custos

ambientais brasileiros. Então, para vocês terem uma noção de dimensão... são 40 milhões de

hectares de áreas protegidas, APPs e Reservas Legais que não serão recuperadas. Bom, mas muito

bem, e aí tem uma premissa básica que nós cansamos de falar que é o princípio da proibição do

retrocesso, que o Direito Fundamental é Cláusula Pétrea, artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição

eu tenho muito material sobre isso, depois se vocês quiserem eu disponibilizo. Eu escrevi sobre a

Crise da Legalidade, onde o legislador, em vez de interpretar a Constituição para a Lei

infraconstitucional, que é a visão de Kelsen, ele interpreta a Lei, com desculpa, mas não tem outra

forma de dizer, “estuprando” a Constituição. Esse é o fato, a regra primária que é a Constituição,

para diferentes interesses, acaba cedendo espaço. Mas isso é uma característica do Direito. O

Direito se apoia na dialética, então nós adoramos sofismas, nós adoramos eufemismos. Filho de

pobre=bandido. Filho de rico=adolescente em conflito com a Lei. Nós adoramos isso que é da nossa

gênese. Nós temos uma colonização complicada, uma profusão de etnias e uma desigualdade

abissal que nos transformou em estamentos. Nós vivemos em uma sociedade “estamental”. Quem

está no topo da cadeia produtiva, ou no topo da “cadeia trófica” quer “devorar” os debaixo, sem o

menor pudor. E o Ministério Público, por isso tenho muito orgulho da minha profissão, tenta

combater essas mazelas. Bom, e nós não falamos aqui, eu até esqueci de falar sobre isso na minha

fala, que é uma homenagem aos biólogos, eu sei, nossos queridos amigos biólogos, nós esquecemos

enquanto juristas, enquanto engenheiros, enquanto qualquer profissão um conceito básico que é o

conceito da resiliência, que nada mais é do que uma tradução aprimorada do conceito de

sustentabilidade. O que que é sustentabilidade? É usar o ecossistema de forma racional que permite

que eu use e a próxima geração possa usá-lo, isso é resiliência. Tem um livro muito legal do Enrique

Leff, o povo tem que ler. Ele começa a falar sobre entropia e vem fazendo todo um discurso sobre

170

essa questão. Como eu disse, a legislação nos causa perplexidade porque é interpretada. Eu vejo o

voto do Ministro Fux por ser o primeiro a votar nas ADIs, aquilo é esquizofrenia, bipolaridade.

Porque ele fala assim, olhe o meio ambiente é Direito fundamental: Aqui diminuiu a proteção, mas

aqui não é inconstitucional, mas ali em cima é. Isso sob o aspecto da ciência jurídica, isso é um

escárnio. Ou a norma é inteiramente constitucional porque parte do princípio que é direito

fundamental e o legislador não poderia reduzir, não, mas o Supremo, e nós sabemos como se dão

as decisões no Supremo, e esta é uma crítica respeitosa, é uma Corte Jurídica-Política. Então nós

convivemos com essa idiossincrasia em que duas situações ontologicamente iguais receberem

solução jurídica diversa. Na Política Nacional de Recursos Hídricos, retirou-se propositadamente o

Estado para se beneficiar preponderantemente o poderio econômico. E eu vou antecipar a

colocação, eu que já tenho um bom tempo de carreira e convivo com todos os quadrantes e

segmentos sociais, pois o Ministério Público atende desde os desvalidos das ruas até o Presidente

da República em ações de corrupção, enfim, em ações públicas muito variadas. O problema para

nós é um só. Tudo o que estamos falando aqui reside em uma única expressão: educação. Essas

esferas acabam sendo tomadas por aqueles que têm empoderamento. E, quem tem

empoderamento? Vamos responder aqui, abertamente, o empoderamento vem em primeiro pelo

capital econômico que gera relações promíscuas com o poder político. E qual é a terceira forma de

empoderamento? É o conhecimento. Então, como eu disse, nós somos uma elite de 4% da

população brasileira que tem acesso a curso superior. Isso se reflete nas estruturas de poder. Por

que nós temos uma bancada ruralista de 300 deputados? Porque o agronegócio representa 10% do

PIB brasileiro. Então, esse povo tem grana para fazer política e se eleger. E assim continua. E aí

temos o custo social, que é o custo da democracia. Outro dia eu estava em uma discussão depois

de algumas taças de vinho, e dizíamos: Como dizia o Churchill... A democracia é o pior dos regimes,

excluídos todos os demais. Porque não tem outro modelo. Nós não podemos voltar para a Grécia

antiga onde vamos para uma praça e vamos votar diretamente. Então nós temos que eleger uma

turma. Daí se elege um Tiririca. Então? Ele obteve no Estado de São Paulo dois milhões de votos.

Agora, por que a sociedade brasileira deu dois milhões de votos para ele? Porque a sociedade

brasileira não tem cultura, não tem educação, não se empoderou. E por que essa dificuldade de

empoderamento? Porque o político que está gestando a educação básica, a educação média e a

educação superior não quer um povo qualificado. Porque um povo qualificado pega o gestor e

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 171

literalmente faz como fez, eu acho que na Holanda e jogam dentro de uma caçamba de lixo. É isso

que é um povo civilizado faz. Nós fazemos o quê? Nós elegemos o Maluf sistematicamente. Nós

elegemos o Jader Barbalho sistematicamente. E nada contra, mas é somente para apontar fatos

históricos. E vamos reeleger o Lula. Então não dá, essa conta não vai fechar. Mas avançando aqui,

outra coisa que precisa ficar muito clara e por isso fui fazer meu doutoramento na área técnica.

Pessoal, a lei não muda a natureza das coisas. Até existe piada sobre isso, o professor Cláudio Di

Mauro foi Prefeito e sabe disso: “o Prefeito falou para um determinado cidadão que precisava fazer

determinada obra, aí o Engenheiro falou: Mas Prefeito isso contraria a Lei da Natureza. E aí o

prefeito falou, revogue-a”. É um anedotário sobre políticos. Não adianta colocar no Código Florestal,

Professor Paulo Kigman Orlando, que uma faixa de cinco metros vai cumprir função de APP, nem de

oito metros, nem de 15 metros. E isso eu falo com propriedade que faz parte do meu doutoramento

em APP, vegetação ripária, pois ali tem que ser de 50 metros. Então isso aí também precisa ser

pensado, o legislador precisa ser mais humilde. Dentro do seu quadrante, tudo bem deve exercer o

poder. Mas o que não lhe compete “dizer” a função dos ecossistemas, os sistemas naturais, precisa

das expertises necessárias para isso. E esse é um trabalho que procuramos fazer todo dia. E sabe o

que eu escuto? Escuto: dispute a eleição, você quer mandar aqui, quer a chave da Prefeitura? Quer

a chave da Assembleia? Por causa do argumento da autoridade. São argumentos dos déspotas, dos

canalhas. Então a questão da extensão, olha eu não sei se vocês perceberam, mas são tantas coisas

em tanto tempo eu acabei não falando, mas tem uma logomarca na minha apresentação, ali em

baixo, POLUS, Política de Uso do Solo, isso é um Grupo que nós criamos na UNESP de Jaboticabal,

com o professor Fernando Pacheo da UTAD – Universidade de Trás dos Montes e Alto Douro de

Portugal, para discutir essas questões. Então, qual é a proposta nossa? Eu tinha uma dificuldade

terrível na questão técnica e fui lá me inteirar. Aprendi o que é hematita, goetita, caolinita, gipsita,

aprendi sobre ciclo hidrológico, aprendi sobre erosão laminar, diferença entre sulco e voçoroca.

Aprendi tudo isso e Planejamento Conservacionista Aptidão do uso do solo, Classe. Aprendi a mexer

com Arcgis, aprendi, eu precisava aprender. Só que eu cheguei lá, para minha surpresa, eu entro em

uma casa Agronômica como a UNESP de Jaboticabal que é uma referência Internacional e pergunto

assim no primeiro Seminário que eu fui fazer: Quem daqui já leu a Constituição? Todo mundo se

enfia em baixo das carteiras. Quem daqui já leu a Política Nacional de Meio Ambiente? Se enfiaram

embaixo das carteiras. Quem daqui já leu a Lei de Florestas? Aí eu falei, Pelo amor de Deus, em que

país vocês estão vivendo, na Venezuela? Como é que vocês desenvolvem o Sistema Produtivo sem

172

o conhecimento da legislação? Ou seja, esse é um problema que nós vamos ter que enfrentar. Nós

temos que sair da caixinha. Aqui, eu peguei aquela criatura que está iniciando o sofrimento da vida

jurídica, vai começar a fazer uma pós. Sabe onde? No IFTM sobre sustentabilidade. O Direito já está

posto na Legislação e eu sou capacitado então vai aprender agora a questão técnica. Vai poder

chegar no seu cliente com segurança e falar, não faça com cinco metros pois você vai jogar seu

dinheiro fora e o sistema aquático não estará protegido. É isso que precisa fazer, ou seja, o discurso

tem que ser qualificado pela ética. É o que eu tenho dito para a Mayara Valera e ela está até

publicizando isso: A coisa mais difícil que nós temos para fazer é viver de acordo com o discurso.

Porque nós somos seres falaciosos e preguiçosos, e aí eu coloquei até lá no slide: Menos falácia e

mais labor, vamos trabalhar mais e falar menos, vamos implementar outros instrumentos. Heitor,

você sabe o apreço que eu tenho por você e pela Marília Melo, e toda a turma do IGAM. E aqui a

crítica não é para debilitar a outorga. E aqui vocês me permitam fazer outro desabafo: não é só a

outorga, não. O licenciamento é só um papel. Professor Cláudio Di Mauro foi nosso companheiro

de COPAM, participou de Grupos de Trabalho e contribuiu enormemente para a melhoria do

sistema ambiental do Triângulo Mineiro, nós colocamos em todos os licenciamentos o

monitoramento. O empreendedor cumpre, manda para o órgão e nós analisamos. Então é nesse

sentido que eu falo. As coisas, depois que eu fui para a área técnica e comecei a me aperceber,

quantos EIA-RIMA nós temos na Região, feitos? Só das Usinas de Cana e Álcool nós temos 26, mas

nós não temos um sistema de cruzamento, para apreciar é estranho pois alguns vêm com dados

primários. Alguns de ambientes aquáticos, lênticos, SIG. Então a crítica é no sentido do

aprimoramento, mas hoje é papel, porque ela não é efetiva. Ela tem que ser efetiva. A questão da

Política e Espaço, Mateus, já foi bem colocada, não adianta, a sociedade é desigual e as estruturas

vão reproduzir essas desigualdades e isso é fato. Pode reparar. Olhe em todos os quadrantes... é

assim que funciona, então qual é o desafio? É quebrar o paradigma, e então como é que eu quebro

o paradigma? Educando esse povo. Agora tem um senão, que é o nosso dia a dia, tem pessoas que

não querem e aí? Estão exercendo livremente a democracia, quero ser ignorante. Fiz a opção de ser

ignorante. E nós temos que respeitar. Só que quando vem fazer a crítica também tem que ser

qualificada. Isso é para quem teve oportunidade e não realizou. É como a convenção de

condomínio... Se você não foi e o condomínio combinou, agora pague. Nisso vem a dificuldade. Tem

Lei, seja em forma de princípio, tem a equidade, tem a analogia, enfim, nós temos que entender

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 173

que o nosso modelo de sociedade, vem lá do século XVIII, quando Rousseau escreveu o contrato

social. Então, quando eu nasço em solo brasileiro, eu entre aspas faço uma adesão tácita ao sistema

jurídico posto. Muito bem, e se eu não concordo com esse sistema jurídico posto, tenho que mudar

de país, me submeter a uma nova identidade e assim me submeter. Mas o grande problema do

Brasil é o que mais chateia que é a percepção do jogo que eu tenho todo dia. Todo mundo acha que

o Brasil é uma superpotência ambiental que nós podemos destroçar as nossas áreas protegidas,

usar o recurso hídrico da forma que ele quer. E isso traz o conflito. E a preponderância para resolver

o conflito não é o que foi pregado na Revolução Francesa com a queda da Bastilha em 1789 que é o

poder Econômico. Por que que na Europa funciona? Eu estive lá, fui fazer uma pesquisa e fiquei na

UTAD que tem uma parceria muito boa, fiquei lá na Região do Porto, na Região de Vila Real, na

Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro e conversei com as pessoas, com os professores, sabe o

que eles disseram? É simples, duas guerras mundiais. Simples assim... A Europa é o que é hoje

porque sofreu com duas guerras mundiais. A população quase foi dizimada, passou fome e aí

começa a entender que se não cumprir regras, num sistema de Contrato Social onde o

representante faz a norma, porque eu outorguei a ele um voto e eu tenho que me submeter a

norma. Simples assim. Então o que eu vejo no Brasil e é muito sintomático isso, eu vou muito a São

Paulo de onde eu sou do interior, de Sorocaba, aí tenho muita interface com o Ministério Público

do Estado de São Paulo, enfim, mudou. O paulistano mudou, a relação do paulistano com a água,

em decorrência do evento Cantareira é outra. É o nosso caso? Aí o que eu tenho dito, eu não preciso

queimar a minha mão se eu posso só olhar o fogo e saber que vou me queimar. Então vejam, se eu

não consigo vender essa ideia e eu acho que o ponto de discussão é esse, pois nós não estamos aqui

para gerenciar crise hídrica. Estamos para gerenciar Planejamento. Eu quero uma Política de

Recurso Hídrico. Eu não quero viver de crise, já chega a da Segurança Pública, já chega a Saúde, já

chega na Educação. Eu quero um Comitê de Planejamento e Gestão. Aliás, não é assim que chama

Unidade de Planejamento e Gestão de Recurso Hídrico? Mas as pessoas não conseguem entender

por que em tese nós temos, entre aspas, abundância. E nós sabemos também que eles agem, e até

nós agimos, não vamos aqui usar um pudor que nós não temos, e eles trabalham nas nossas

omissões. Veja, Heitor, veja, você participou daquela fiscalização do rio Bagagem em Irai. Pessoal só

para encerrar, em Irai de Minas, a reclamação era que secou a água do rio Romaria, aí instala-se a

fiscalização. Não conseguíamos pegar e aí se instalou e eu nem sei quem estava à frente da

fiscalização (aqui foi o Vanderlei e a Ivone – falou o Heitor), foram lá as duas horas da manhã e aí

174

pegamos. O que ele fazia? De madrugada fechava a residual, enchia o reservatório dele, depois

ligava a bomba e soltava a residual e quem estava a jusante morria à míngua. Muito bem, então o

que nós fizemos foi detectado, foi emitido auto de infração e fomos sanar essa questão. E é possível

que no ano que vem, tenha de novo. No outro ano também. Ou se para de fazer de conta que o

problema está resolvido ou vamos enfrentar. E virou um CASE legal. Fizemos 38 TACs com medidas

compensatórias para todos. Parte dessas medidas foram para o ZAP, Zoneamento Ambiental

Produtivo. Por quê? Porque meio ambiente não é fatiado. No tema meio ambiente não posso dizer,

olha este é o quadradinho da água... aqui é o quadradinho da vegetação... aqui é o quadradinho da

fauna... aqui é o quadradinho da atmosfera. Não dá. Ou eu tenho, e fico muito feliz que a proposta

de vocês é nesse sentido, ou eu tenho uma visão holística de Unidade de Gestão, se vocês quiserem

eu mando um “paper” que tenho sobre isso, e adota aquela Unidade de Gestão para todas as

variáveis, pois há determinadas áreas em que não vamos poder mexer. O Brasil é continental e

temos áreas que não poderemos mexer. Não vamos poder fazer atividades antrópicas nessas áreas.

Essas áreas devem ser para conservação para que assegurem a resiliência dos ecossistemas para

permitir a esta geração e as futuras, utilizar o meio ambiental. Ahh!!! Mas tem o direito de

propriedade. Não tem problema nós demos a solução, uma coisa boa que a lei 12.650/2012 fez, é o

artigo 41. Eu era contra. Mas depois de tanto sofrer eu me convenci, o artigo 41 criou o Pagamento

de Serviços Ambientais – PSA, a discussão é essa, é madura, você tem uma área de restrição então

eu vou lhe indenizar. O modelo foi exposto aqui com o caso de Nova Iorque. Aquelas áreas a 169

km de Nova Iorque, expostas pelo João Ricardo Raiser, são públicas. O Estado foi lá e essa terra aí

nos é importante, vamos pagar por ela.

Então, meus caros, eu queria encerrar e pedir a autorização para poder ir, pois eu estou

realmente espremido pelo meu tempo e agradecer imensamente essa oportunidade. Quero

reafirmar que eu tenho um apreço pela Educação, pois a Educação fez que minha condição social e

econômica melhorasse. E tudo isso veio de uma casa como esta. Isso tudo veio porque eu me

convenci que a educação era a salvação.

E eu sempre fecho as minhas falas quando estou com um público mais qualificado que tem

condição de entender o que estou tentando passar é que a Educação a exemplo da Fé, seja ela

qual for, Salva. Muito obrigado.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 175

Cláudio Antonio Di Mauro – Eu não gostaria de deixar passar neste momento uma referência

ao estado difícil pelo qual a Universidade brasileira está passando. Aquilo que aconteceu em Santa

Catarina e mais recentemente na Bahia e em Belo Horizonte é algo desastroso. Temos que nos

manifestar e denunciar sempre. Estamos caminhando para uma situação que poderá ser pior que o

que aconteceu em 1964. Estão boicotando atividades. Nesta semana um Professor das Ciências

Sociais da UFU tinha uma palestra para fazer em Uberaba e a Direção do IFTM proibiu que ele

falasse. Estão acontecendo situações como fruto da tal escola sem partido, que, na verdade, é uma

escola com partido, pois escolhe quem pode e quem não pode falar. Então eu queria chamar

atenção para isso. E a outra coisa o sorteio para saber quem ganhará os livros. Os participantes das

Mesas já ganharam. Vamos distribuir sete (7) livros sobre Planejamento e Gestão de Recursos

Hídricos, exemplos mineiros. Esse livro foi resultado do curso de Especialização.

Muito obrigado para todos e todas.

176

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 177

PARTE III

Capítulos

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Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 179

CAPÍTULO 7

__________________________________________________________________________

SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS: aplicação e legislação, bases para avanços do instrumento de gestão outorga

Heitor Soares Moreira24

INTRODUÇÃO

O homem utiliza os recursos hídricos para múltiplas finalidades. A água é empregada no

abastecimento público e no abastecimento industrial, nas atividades agropastoris, incluindo a

irrigação e a dessedentação animal, na preservação da fauna e da flora aquática, além de outras

atividades, como recreação, geração de energia elétrica, navegação, atividades de lazer e, ainda, a

diluição e o transporte de efluentes.

Atender aos usos múltiplos e garantir a todos o acesso à água são um desafio para toda a

sociedade. Para atender a tal provocação foram estabelecidos, em 1997, a Política Nacional de

Recursos Hídricos (PNRH) e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH),

por meio da Lei no 9.433, denominada Lei das Águas (BRASIL, 1997).

O Estado de Minas Gerais conta com o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH), o qual foi

fundamentado na PNRH. Além dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos já previstos na lei

federal, “a PERH trouxe mais dois instrumentos, o rateio de custos das obras de uso múltiplo, de

interesse comum ou coletivo, e as penalidades” (MOREIRA, 2009, p. 18; IGAM, 2011).

O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) é a autarquia responsável pela gestão de

recursos hídricos no Estado, sendo o órgão responsável pela emissão das autorizações e das

concessões de direito de uso dos recursos hídricos, desde 1999.

A outorga de direito de uso das águas é um instrumento estratégico para a PERH. Com ela, os

órgãos gestores de recursos hídricos têm a possibilidade de controlar quantitativa e qualitativamente

os recursos hídricos, garantindo os usos múltiplos e, quando não for possível, os prioritários.

Tendo em vista a Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos como instrumento de

gestão previsto no inciso V do artigo 9º da Lei no 13.199/1999 (MINAS GERAIS, 1999), neste capítulo

busca-se avaliar o instrumento de gestão outorga no Estado de Minas Gerais. Para isso são

abordados os aspectos relativos à outorga como instrumento de gestão e a condução de processos

de outorga junto ao IGAM.

24 Mestre em Tecnologias e Inovações Ambientais (UFLA). Diretor de Operações e Eventos Críticos (IGAM), Cidade Administrativa de Minas Gerais – Prédio Minas, Rodovia Papa João Paulo II, 4143 - Serra Verde CEP 31630-900 – Belo Horizonte – MG. E-mail: [email protected]

180

INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS - IGAM

Em Minas Gerais estão as nascentes de alguns dos principais rios federais, como, por

exemplo, o rio São Francisco. Assim, é possível ressaltar a importância que o Estado tem para os

recursos hídricos (IGAM, 2006).

O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) foi criado em 17 de julho de 1997, sendo vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD). No âmbito federal, a entidade integra Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SINGREH) (Figura 1). Na esfera estadual integra o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA) e o Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SEGRH). Disponível em: http://www.igam.mg.gov.br/instituicao. Acesso em: 30 jan. 2018.

Figura 1: Matriz e funcionamento do SINGREH.

Fonte: Brasil (2017b).

A Lei no 21.972, de 21/01/2016, dispõe sobre o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos

Hídricos (SISEMA) e estabelece a finalidade e a estrutura orgânica da autarquia (MINAS GERAIS, 2016).

Quanto ao dispositivo legal que regulamenta as competências do IGAM, o Decreto no 47.343, de

23/01/2018, contém o regulamento da Autarquia (MINAS GERAIS, 2018).

O IGAM é responsável por planejar e promover ações direcionadas à preservação da quantidade e da qualidade das águas de Minas Gerais. O gerenciamento é feito por meio da outorga de direito de uso da água, do monitoramento da qualidade das águas superficiais e subterrâneas do Estado, dos planos de recursos hídricos, bem como da consolidação de Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) e agências de bacia. O Instituto tem como diretriz uma administração compartilhada e descentralizada, envolvendo todos os segmentos sociais. Disponível em: <http://www.igam.mg.gov.br/sistema-de-gerenciamento/igam>. Acesso em: 29 jan. 2018.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 181

Em Minas Gerais, o IGAM é responsável pela gestão de recursos hídricos, sendo a concessão

de direito de uso dos recursos hídricos estaduais o instrumento mais importante.

O IGAM integra o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, juntamente com

o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), a SEMAD, os comitês de bacia hidrográfica, os

órgãos e as entidades do poder estadual e dos municipais, cujas competências se relacionam com a

gestão de recursos hídricos e as agências de bacias hidrográficas.

Outorga de Direito de Uso das Águas

Conhecer as leis e as normas nacionais e estaduais que regulamentam a gestão das águas é

imprescindível para que um embasamento sobre como gerir os recursos hídricos. Portanto,

descrever e analisar a fundo cada instrumento de gestão são ações fundamentais para garantir uma

boa gestão dos recursos hídricos.

Em 1997 foi publicada a Lei no 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos

(PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGRH). Dentre os

objetivos desta política destacam-se aqueles previstos nos incisos I e II, do art. 2º, os quais

asseguram a sustentabilidade do uso, ou seja,

a necessária disponibilidade de água, à atual e às futuras gerações, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos e a utilização racional e integrada dos recursos hídricos. (BRASIL, 1997).

Este diploma legal estabelece os instrumentos da política de recursos hídricos. Um dos

instrumentos de gestão que constam na PNRH é a outorga de direito de uso desses recursos.

A outorga é, talvez, o instrumento mais importante na atual fase, pois é o meio pelo qual se faz a repartição dos recursos hídricos disponíveis entre os diversos usuários que, eventualmente, disputam recursos escassos para as suas necessidades. (MINAS GERAIS, 2005, p. 50).

Para atender às mais diversas finalidades em uma bacia hidrográfica e dirimir eventuais conflitos

pelo uso que possam surgir, é necessária uma autorização, ou outorga, emitida pela União ou pelos

Estados e Distrito Federal. A outorga de direito do uso das águas tem o objetivo de assegurar o controle

quantitativo e qualitativo dos usos da água e, assim, garantir o efetivo direito ao seu acesso.

Segundo a PNRH e PERH, são passíveis de outorga os usos e intervenções em recursos hídricos

que alterem o regime, qualidade e/ou quantidade. A título de exemplo, estão sujeitos à outorga a

captação ou derivação direta de água em coleções hídricas superficiais e subterrâneas, o lançamento de

efluentes tratados, o aproveitamento hidrelétrico, barragens e outros usos que possam alterar o regime

hídrico como canalizações, desvios totais ou parciais e travessias rodoferroviárias.

182

Estrutura legal

A Constituição Federal de 1988 deu um novo entendimento para a questão do uso e da

intervenção em recursos hídricos no Brasil, que deixaram de ser bens particulares para serem

considerados bens públicos de domínio da União ou dos Estados (BRASIL, 1988). Esse cenário muda a

forma como os recursos hídricos são analisados. A água, que era vista como farta, inacabável e barata,

passou a ser vista de forma mais racional e sustentável, mudando a gestão dos recursos hídricos.

O referido diploma legal tratou e deu destaque aos recursos hídricos e à outorga, quando, em

seu artigo 21, inciso XIX, estabeleceu que “compete à União instituir o sistema nacional de

gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”. Vale destacar

que a Constituição Federal tem dispositivos constitucionais que apresentam interfaces com os recursos

hídricos. Um desses dispositivos estabelece os bens da União e dos Estados. A título de informação,

são de domínio estadual as águas subterrâneas e as águas superficiais dos cursos de água que escoam desde sua nascente até a foz, passando apenas por um estado. São de domínio da União as águas dos rios e lagos que banham mais de um estado, e cursos de água que fazem limite entre Estados. Disponível em: <http://www.meioambiente.mg.gov.br/images/stories/termos_referencia/termos2010/25-tr-orientacao-do-processo-outorga.doc>. Acesso em: 29 jan. 2018.

Atendendo ao artigo 21 da Constituição Federal, em janeiro de 1997 foi aprovada a Política

Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), contida na Lei no 9.433. Os fundamentos da PNRH são os seguintes:

a água é um bem de domínio público; a água é um bem limitado, e dotado de valor econômico; em situação de escassez, os usos prioritários dos recursos hídricos são o consumo humano e a dessedentação animal; a gestão de recursos hídricos tem que proporcionar o uso múltiplo das águas; a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação do Plano Nacional de Meio Ambiente e Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. (BRASIL, 1997).

Em 20 de junho de 1994, Minas Gerais criou a Lei nº 11.504, que dispunha sobre a Política

Estadual de Recursos Hídricos, sendo condicionada aos princípios constitucionais (MINAS GERAIS, 1994).

Esta foi revogada e entrou em vigor a Lei nº 13.199, em 29 de janeiro de 1999, fundamentada na Política

Nacional de Recursos Hídricos (PERH) (MINAS GERAIS, 1999). Essa nova legislação “promoveu melhor

estruturação da disposição sobre o gerenciamento dos recursos hídricos, suas estruturas e seus

organismos” (MATOS; DIAS, 2012, p. 22).

O dispositivo legal que estabelece os procedimentos para a regularização do uso de recursos hídricos do domínio do estado de Minas Gerais é a Portaria IGAM nº 49, de 1o de julho de 2010. (INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS, 2010, p. 6).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 183

Com o objetivo de regulamentar o § 1º, do artigo 18, da PERH (IGAM, 2011), que trata

sobre os usos e intervenções que independem de outorga, foi publicada a Deliberação Normativa

do Conselho Estadual de Recursos Hídricos nº 09, de 16 de junho de 2004 (MINAS GERAIS, 2004).

A Portaria IGAM nº 28, de 24 de maio de 2017, estabelece normas para a regularização on-line do

uso de recursos hídricos considerados insignificantes em Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2017).

Instrumentos de gestão

Em âmbito estadual, o Estado de Minas Gerais aprovou a Lei no 13.199, de 29 de janeiro de

1999, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH) (MINAS GERAIS, 1999). Para

uma gestão de recursos hídricos eficiente, o dispositivo legal apresenta nove instrumentos de

gestão, a saber, segundo Moreira e Luz (2011, p. 36):

4. Plano Estadual de Recursos Hídricos; 5. planos diretores de recursos hídricos de bacias hidrográficas; 6. Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos; 7. enquadramento dos corpos de água em classes, segundo seus usos preponderantes; 8. outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; 9. cobrança pelo uso de recursos hídricos; 10. compensação a municípios pela exploração e restrição de uso de recursos hídricos; 11. rateio de custos das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo; 12. penalidades.

Os instrumentos elencados são interdependentes, de modo que a Política de Recursos

Hídricos somente será plenamente efetiva com a implementação de todos eles. Esses instrumentos

devem ser utilizados integrados aos instrumentos da Política de Meio Ambiente, a exemplo do

zoneamento ambiental, da avaliação de impactos ambientais, do licenciamento ambiental, da

criação de reservas de espaços protegidos, dentre outros estabelecidos pela Lei nº 6.938, de 31 de

agosto de 1981, que instituiu essa política para o meio ambiente brasileiro (BRASIL, 1981).

A necessidade de gerir os recursos hídricos é relativamente nova, quando comparada com a

utilização do recurso pela humanidade. O aumento da pressão de utilização dos recursos hídricos e

a utilização nada racional desse bem exigiram da coletividade regras para a utilização das águas.

Nesse momento, a outorga de direito de uso das águas ganha relevante papel na gestão de

recursos hídricos. Com ela, os órgãos gestores de recursos hídricos têm a possibilidade de controlar

quantitativa e qualitativamente os recursos hídricos, garantindo os usos múltiplos e, quando não

for possível, os prioritários.

184

Outorga: conceitos e práticas

Vazão de cursos d’água

Durante a estação da seca, os cursos d’água apresentam redução significativa de profundidade

e velocidade, conduzindo, portanto, a condições de vazões mínimas. Nessas condições podem surgir

problemas relacionados ao abastecimento humano e industrial, à capacidade de autodepuração dos

cursos d’água e à navegação, entre outros, gerando conflitos de uso.

A utilização de cursos d’água em longos períodos de estiagem pode sofrer restrições, ou até

mesmo ser inviabilizada, dependendo da severidade e da frequência de ocorrência dessas vazões

mínimas. Portanto, a utilização dessas vazões de estiagem passa a ser de suma importância para a

gestão dos recursos hídricos.

Atualmente, os órgãos ambientais, como o IGAM em Minas Gerais, utilizam a Q7,10 como

vazão mínima de referência, que é mais restritiva, e outros órgãos gestores utilizam a Q90 ou a Q95,

como, por exemplo, a Agência Nacional das Águas (ANA).

A Q7,10 é a vazão mínima obtida pela média dos sete menores valores diários consecutivos

de vazão para cada ano da série de dados e com um período de retorno de dez anos. Período de

retorno pode ser entendido como “o período de tempo médio em que um determinado evento

(neste caso, vazão) é igualado ou superado pelo menos uma vez” (CARVALHO; SILVA, 2006, p. 100).

A Q90 ou a Q95 podem ser entendidas como a vazão em que em 90 ou 95% do tempo se obtêm

vazões iguais ou superiores a ela.

Para determinar essas vazões de referência utiliza-se uma série de dados de vazões medidas

em estações fluviométricas.

Para estimar as vazões mínimas de referência em trechos e cursos hídricos que não são

monitorados, utiliza-se da técnica de regionalização de vazões. Dessa maneira, é possível ter

estimado ou monitorado as vazões de referência em qualquer ponto de qualquer curso hídrico do

Estado de Minas Gerais.

Na Tabela 1 apresentam-se alguns critérios para a outorga do uso de água superficial,

estabelecidos por diferentes órgãos gestores no Brasil. Foram selecionados os Estados da federação

em que Minas Gerais é fornecedor de água, além da regra da ANA.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 185

Quadro 1 – Critérios para o uso das águas superficiais.

Fonte: Do autor (2018).

Regionalização de vazões

A inexistência de registros fluviométricos em muitas áreas onde são solicitadas outorgas

não permite a determinação das vazões mínimas de referência pelos métodos descritos

anteriormente. Para contornar este problema, a regionalização de vazões apresenta-se como um

método alternativo para a determinação dessas vazões.

A regionalização de vazões é um método utilizado para conhecer a disponibilidade hídrica

para todos os cursos de água presentes em uma bacia hidrográfica por meio da interpolação dos

dados da rede fluviométrica existente. É uma técnica utilizada para suprir a carência de informações

hidrológicas em locais com pouca ou nenhuma disponibilidade de dados, sendo considerada uma

ferramenta de suma importância no gerenciamento dos recursos hídricos, principalmente no que

concerne à concessão de outorgas.

Esta técnica permite estimar as vazões mínimas para locais onde não se tem medição a partir

de informações espacializadas obtidas de bacias com características similares às da área em estudo.

O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM, 2012, 1015) adota o estudo de

regionalização “Deflúvios superficiais no Estado de Minas Gerais”, realizado por Souza (1993). Em

2012, o IGAM, em parceria com a Universidade Federal de Viçosa, publicou o estudo de

regionalização denominado “Estudo de regionalização de vazão para o aprimoramento do processo

de outorga no estado de Minas Gerais”.

25 Sempre que possível, a ANA procura adotar vazões sazonais, como a Q95% de cada mês, como vazão de referência, e compará-las com a demanda acumulada outorgada mês a mês. 26 Até 20% para cada usuário. 27 Até 20% para cada usuário.

Órgão gestor Máxima vazão

Outorgável Legislação referente à vazão máxima outorgável

ANA 70% da Q95%25

Não existe, em função das peculiaridades do país,

podendo variar o critério

AGERH - ES 50% da Q90%

Instrução Normativa IEMA nº. 019, de 4 de

outubro de 2005

INEMA - BA 90% da Q90%26 Decreto 6.296, de 1997,

DAEE - SP 50% da Q7,10%27 Lei Estadual no 9.034, de 1994

SECIMA - GO 50% da Q95% Instrução Normativa no 04 de 2015

INEA - RJ 50% da Q7,10 Portaria SERLA n° 307 de 2002

IGAM - MG 30% ou 50% da Q7,10

dependendo da UPGRH

Resolução Conjunta SEMAD/IGAM nº 1.548, de 29

de março de 2012, e Portaria IGAM no 49 de 2010

186

Insta informar que ambos os trabalhos citados são estudos de regionalização na base anual,

metodologia adotada atualmente no Estado nas emissões das outorgas.

Assim, faz-se necessário que o Estado de Minas Gerais promova estudos de regionalização

de vazões na base sazonal, os quais podem servir como base de informação durante as

construções e as atualizações dos planos de bacias, sendo propício ser indicado como vazão de

referência para as outorgas.

Avaliação do instrumento de gestão outorga

A cultura de que a água é um bem gratuito e inesgotável perdura até os dias atuais. Difundir

a necessidade de se ter uma autorização/concessão para uso e/ou intervenção em recursos hídricos,

entre os usuários, é um grande desafio para os órgãos gestores de recursos hídricos.

O conceito de outorga de direito de uso da água, de acordo com Granziera (2001, p. 36), pode ser

definido como “o instrumento pelo qual o poder público atribui ao interessado, público ou privado, o

direito de utilizar privativamente o recurso hídrico”. Já Antunes (2002, p. 15) a definiu como

instrumento jurídico administrativo que foi instituído pelo legislador ordinário para definir as condições pelas quais o usuário dos recursos hídricos poderá captá-lo ou nele lançar efluentes, dentro dos critérios técnicos que assegurem a sustentabilidade do recurso (ANTUNES, 2002, p. 15).

Segundo definições do IGAM,

a outorga de direito de uso ou interferência de recursos hídricos é um ato administrativo, de autorização ou concessão, mediante o qual o Poder Público faculta ao outorgado fazer uso da água por determinado tempo, finalidade e condição expressa no respectivo ato. (IGAM, 2018, on-line).

Assim, a outorga pode ser entendida não somente como o instrumento de alocação de

recursos hídricos, mas também como o instrumento que garante a qualquer usuário o acesso à água.

De acordo com a – PNRH (BRASIL, 2017a),

o regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.

É importante salientar que a concessão não constitui alienação parcial das águas, que são

inalienáveis. Em outras palavras, as águas não estão sujeitas à venda, mas sim à autorização do

seu uso por parte de particulares. Segundo o art. 13 da PNRH,

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 187

toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso”. (BRASIL, 1997, on-line).

O parágrafo único do referido artigo estabelece que “a outorga de uso dos recursos hídricos deverá

preservar o uso múltiplo destes” (BRASIL, 1997, on-line).

A Portaria Administrativa IGAM 049/2010 estabelece critérios e procedimentos para concessões e

autorizações de outorga no Estado de Minas Gerais. É neste diploma legal que constam as vigências das portarias

de outorga, assim como a vazão outorgável no Estado, entre outras (MINAS GERAIS, 2010b).

O IGAM tem como procedimento para outorgar pontos da bacia hidrográfica onde a demanda a

montante, somada aos usos imediatamente à jusante, usos consuntivos por recursos hídricos que ultrapassem a

vazão outorgável no ponto em análise, é declarado a área como área de conflito e os usuários que estão inseridos

naquela área são outorgados através de um processo único de outorga, denominado outorga coletiva.

A vazão mínima de referência adotada em Minas Gerais é a Q7,10. O somatório das vazões a serem

outorgadas corresponde a uma percentagem fixa de 30 a 50% da vazão mínima de referência, dependendo

da UPGRH de que se quer fazer o uso (MINAS GERAIS, 2012). Na Figura 2 estão ilustrados os limites máximos

a serem outorgados e as áreas declaradas em conflito no Estado.

Figura 2: Limite máximo outorgável nas UPGRHs e áreas de conflito.

Fonte: IGAM (2017).

188

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável estabeleceu a

integração dos processos de licenciamento ambiental, outorga de direito de uso de recursos hídricos

e autorização para exploração florestal, por meio da Resolução SEMAD nº 146, de 5 de junho de

2003 (MINAS GERAIS, 2003). Assim, as licenças e as autorizações supracitadas são tratadas em um

processo único pelos três órgãos ambientais, que são a Fundação Estadual do Meio Ambiente

(FEAM), o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e IGAM.

O Decreto nº 45.824, de 20 de dezembro de 2011, dispõe sobre a organização da SEMAD e,

em seu art. 38, estabeleceu que as Superintendências Regionais de Meio Ambiente (SUPRAM) têm

a finalidade de analisar e conceder outorga do direito de uso dos recursos hídricos no âmbito de

atuação de URC de sua área de abrangência (MINAS GERAIS, 2011a). Assim, desde então, em Minas

Gerais a outorga é emitida pela SEMAD, com supervisão e orientação técnica do IGAM.

Na Figura 3 estão ilustradas as outorgas consuntivas emitidas por setor, em Minas Gerais. O

setor que mais obteve outorga foi o de agropecuária, totalizando 248.329,37L/s, seguido pelo de

abastecimento público, 91.840,83 L/s, e o de mineração, 41.841,16 L/s. Atualmente, na base de

dados de outorga em Minas Gerais constam 35.909 portarias emitidas28.

Figura 3: Demanda de água outorgadas por setor, em Minas Gerais.

Fonte: Dos autores (2017).

28 Dados obtidos por meio do Sistema SIAM, consultado em 30/09/2017.

21,57%

58,31%

6,43%

9,83%

3,87%

Abastecimento humano

Agropecuária

Consumo industrial

Mineração

Outros

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 189

Percebem-se avanços, em termos quantitativos, das portarias de outorga. As exigências do

mercado consumidor internacional e interno, as certificações ISO, as exigências para empréstimos

bancários, a fiscalização e a educação ambiental são fatores que contribuíram para esse processo.

Entretanto, existem alguns pontos que devem ser aprimorados na estrutura atual de outorga.

Alguns modos de uso pouco avançaram, desde 1997 até a presente data. A título de exemplo, a

outorga de lançamento ou outorga para diluição só é exigida em uma sub-bacia do rio São Francisco.

A outorga para lançamento de efluentes ou diluição foi criada pela Deliberação Normativa

(DN) nº 26, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), em dezembro de 2008 (MINAS

GERAIS, 2008). Assim, águas residuárias, efluentes agropecuários, de aquicultura, efluentes

industriais e outros resíduos líquidos que possam alterar a qualidade das coleções hídricas,

necessitarão de outorga do Estado para serem lançados. No entanto, até a presente data, somente

usuários da bacia do ribeirão da Mata, região central do Estado, em caráter piloto, têm seus

lançamentos outorgados.

Insta informar que a outorga para diluição é um uso consuntivo e de grande relevância para

a gestão de recursos hídricos. Contudo, a falta do efetivo enquadramento dos corpos de água em

classes, segundo seus usos preponderantes, é um dificultador para se difundir a outorga de diluição

para outras bacias hidrográficas.

Outra modalidade que nunca foi colocada em prática é o Plano de Utilização da Água (PUA).

A Deliberação Normativa CERH nº 37, de 4 de julho de 2011, “estabelece procedimentos e normas

gerais para a outorga de direito de uso de recursos hídricos relativa a atividades minerárias,

diretrizes para elaboração do – PUA” (MINAS GERAIS, 2011b).

O PUA consolida os usos não consuntivos e consuntivos, superficiais e subterrâneos, com o

balanço hídrico do empreendimento minerário. O PUA é o documento que descreve as estruturas

de barramentos nos corpos hídricos destinadas à acumulação de água para atender a demandas de

captação, lançamentos de efluentes ou disposição de rejeitos que serão objeto de avaliação pela

autoridade outorgante, para efeitos de regularização dessas interferências. Assim, torna-se uma

importante ferramenta para uma visão holística do empreendimento no que se refere ao ciclo

hidrológico na planta minerária. No entanto, a DN CERH 37, de 2011, até a presente data não foi

regulamentada e o PUA não está sendo exigido pelo IGAM.

Outro aspecto importante a ser trabalhado são as informações de base para a emissão de

outorga, tanto superficial quanto subterrâneo. Nesse sentido, estudos de regionalização de vazões

e mapeamento hidrogeológico atualizados, são importantes para a tomada de decisão.

190

A regionalização de vazão é uma técnica utilizada para estimar a quantidade de água em

trechos que não têm monitoramento. A regionalização de vazões mínimas de referência na base

sazonal pode ser uma aliada no processo de outorga, viabilizando abstrações maiores no período

de cheias e uma redução no período de estiagem.

“As vazões de referência, adotadas pelos órgãos gestores de recursos hídricos, influenciam

diretamente o total disponível para outorga” (SILVA, SILVA; MOREIRA, 2014 p. 624). Como apenas

parte da vazão de referência é outorgável, há a limitação do uso das águas, principalmente no

período de maior disponibilidade hídrica. Estudos na bacia do rio Paraopeba demonstraram que a

aplicação dos critérios sazonais pode propiciar aumento de até 126% no período de cheias para a

vazão Q7,10. Para Q90 e Q95, 99% período chuvoso e redução no período de estiagem de até 24,5%

(SILVA; SILVA; MOREIRA, 2015).

Outorga subterrânea

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 26, estabeleceu que são de domínio dos estados

as coleções hídricas subterrâneas (BRASIL, 1988). A Lei nº 13.771, de 11 de dezembro de 2000,

“dispõe sobre a administração, a proteção e a conservação das águas subterrâneas em Minas

Gerais” (MINAS GERAIS, 2000).

O procedimento para a obtenção de outorga para exploração de água subterrânea, por meio

de poço tubular profundo, difere dos demais modos de uso. Antes de perfurar o poço é necessária

uma licença de perfuração emitida pela Autarquia. Se for viável a exploração, o requerente entrará

com pedido de outorga. Caso não seja viável a utilização do poço, o usuário terá que tamponá-lo,

de acordo com a Nota Técnica do IGAM 01/2006 (IGAM, 2006).

Usos insignificantes

De acordo com a Política Estadual de Recursos Hídricos, Lei nº 13.199/1999, art. 18, § 1º,

independem de outorga pelo poder público, conforme definido em regulamento, o uso de recursos hídricos para satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais distribuídos no meio rural, bem como as acumulações, as derivações, as capitações e os lançamentos considerados insignificantes. (BRASIL, 1999).

Os usos considerados insignificantes são as capitações diretas em cursos hídricos superficiais

ou de águas subterrâneas, os lançamentos e as reservações consideradas insignificantes pelos

comitês de bacia hidrográfica ou, na falta destes, pelo IGAM, devendo constar no Plano de Recursos

Hídricos da respectiva bacia.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 191

Os usos e as intervenções considerados insignificantes no Estado de Minas Gerais, são

regulamentados pela Deliberação Normativa do Conselho Estadual de Recursos Hídricos nº 09/2004

(MINAS GERAIS, 2004). Desde então, esses usos/intervenções são cadastrados e o requerente

recebe a Certidão de Registro de Uso da Água, que é válida pelo prazo de até três anos. Quanto aos

pequenos núcleos populacionais distribuídos no meio rural, a Resolução Conjunta SEMAD/IGAM nº

1913, de 4 de setembro de 2013, define os pequenos núcleos populacionais rurais que independem

de outorga (MINAS GERAIS, 2013).

Os usuários que utilizam água dos rios, lagos, córregos, ribeirões e riachos (superficial) na

bacia do rio Doce e até 1,0 L/s (um litro por segundo), ou seja, 84.600 litros retirados ao longo de

um dia estão dispensados de outorga e se regularizarão por meio de um Cadastro das Águas.

Aqueles que possuem barramentos (açudes) com volumes de acumulação de 5.000 m3, também se

enquadram na condição de uso insignificante. Usuários que utilizam água de nascentes (surgências)

ou poços manuais, e exploram uma vazão menor ou igual a 10.000 litros por dia, também se

regularizarão por meio do cadastro de uso insignificante.

As Unidades de Planejamento e Gestão UPGRHs SF6, SF7, SF8, SF9, SF10, JQ1, JQ2, JQ3, PA1,

MU1, rio Jucuruçu e rio Itanhém, têm valores de enquadramento do uso insignificante diferente das

demais UPGRHs. Para acumulações, o volume máximo a ser considerado como uso insignificante

será de 3.000 m³. Para captações ou derivações, a vazão máxima será de 0,5 litro por segundo. Para

as captações em nascentes, cisternas ou poços manuais, os valores são os mesmos das outras

unidades, ou seja, 10.000 litros por dia.

Via de regra, não é considerada insignificante a captação em poço tubular. A exceção foi

trazida pela Deliberação Normativa CERH nº 34, de 17 de agosto de 2010, e se aplica às UPGRHs

UPGRH SF6, SF7, SF8, SF9, SF10, JQ1, JQ2, JQ3, PA1 e MU1 (MINAS GERAIS, 2010a).

Atualmente, na base de dados de outorga em Minas Gerais constam, aproximadamente,

105.000 cadastros de uso insignificante29, sendo as bacias hidrográficas dos rios São Francisco,

Paranaíba, Paraíba do Sul e rio Doce as bacias hidrográficas com mais usuários cadastrados. Na

Figura 4 está ilustrada a distribuição dos cadastros por bacia hidrográfica.

29 Dados obtidos através do Sistema SIAM, consultado em 30/09/2017.

192

Figura 4: Distribuição dos cadastros de uso insignificante por bacia hidrográfica.

Fonte: Dos autores (2017).

Ao se dispensar, do processo formal de outorga, os usos que alteram qualidade, quantidade e regime,

mas que são considerados insignificantes, o objetivo é o de não sobrecarregar os balcões dos órgãos gestores

e, assim, proporcionar celeridade aos processos mais relevantes, os considerados passíveis de outorga. Em

outras palavras, a maioria dos usos de recursos hídricos não é significativa para a gestão, podendo, assim,

existir e não irá provocar conflitos entre os usuários. Em contrapartida, a outra parcela tem que ser estudada

e trabalhada com mais rigor, pois impacta significativamente as águas, podendo provocar conflitos entre os

usuários e o impedimento do acesso à água por parte dos usuários. Seria uma espécie de Princípio de Pareto,

que afirma que, para muitos eventos, aproximadamente 80% dos efeitos vêm de 20% das causas.

Os valores e critérios a serem considerados insignificantes devem constar nos planos diretores de

bacias hidrográficas, após estudos sobre a bacia hidrográfica. Há de se considerar nesses estudos a

disponibilidade hídrica, a vocação econômica da região, os aspectos ambientais, o solo, o clima, o acesso a

tecnologias pelos usuários, a interferência dos efeitos originários do aquecimento global na bacia e a

sazonalidade dos usos.

Contudo, em regiões consideradas áreas de conflito pelo uso das águas, o uso insignificante deve ser

reavaliado, ponderando-se até mesmo sobre o fato de se considerar todos os usos como passíveis de

outorga, pois uma concentração de pequenos usos “insignificantes” pode se tornar significativa em área

em que está ocorrendo disputa por água.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 193

Outro aspecto relevante e que deve ser avaliado é a quantidade de usos consuntivos por

empreendimento. É comum, em ações fiscalizatórias, deparar-se com usuários que fragmentam seu

uso consuntivo para poder evadir do processo formal de outorga. Assim, uma limitação de cadastro

de uso insignificante por empreendimento pode ser um inibidor dessa prática.

Quanto aos usos insignificantes de águas subterrâneas é necessário avaliar as condições de

acesso a essa água. Por se tratar, em sua maioria, de águas de aquífero livre, existe uma

probabilidade maior de contaminação.

Atualmente, o procedimento de regularização do uso insignificante difere da outorga de

direito de uso das águas. O cadastro de uso insignificante pode ser obtido por meio do link

<http://usoinsignificante.igam.mg.gov.br/mrhi/login.xhtml>. Essa prática trouxe ganhos

consideráveis no processo de regularização do uso e intervenções de recursos hídricos considerados

insignificantes, pois não tem custos, melhora a base de dados e, consequentemente, promove sua

utilização, além de evitar deslocamento até os balcões de atendimento e não requerer nenhum tipo

de análise pelo órgão gestor, a não ser pelas regras de “inteligência” do próprio sistema, o que

possibilita maior celeridade no efetivo cadastramento.

REFERÊNCIAS

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194

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Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 195

MINAS GERAIS. Lei nº 21.972, de 21 de janeiro de 2016. Dispõe sobre o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - Sisema - e dá outras providências. Belo Horizonte, 2016. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=40095>. Acesso em: 10 out. 2017. MINAS GERAIS. Portaria IGAM nº 28, de 24 de maio de 2017. Estabelece normas para a regularização online do uso de recursos hídricos considerados insignificantes de domínio do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2017. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=44378>. Acesso em: 10 out. 2017. MINAS GERAIS. Portaria IGAM nº 49, de 1 de julho de 2010. Estabelece os procedimentos para a regularização do uso de recursos hídricos do domínio do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2010b. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=13970>. Acesso em: 10 out. 2017. MINAS GERAIS. Resolução Conjunta SEMAD-IGAM nº 1548, de 29 de março 2012. Dispõe sobre a vazão de referência para o cálculo da disponibilidade hídrica superficial nas bacias hidrográficas do Estado. Belo Horizonte, 2012. Disponível em: http://www.igam.mg.gov.br/images/stories/CTIG/4-r-c-semad-igam-no-1548-versao-publicada.pdf. Acesso em: 15 dez. 2017. MINAS GERAIS. Resolução Conjunta SEMAD/IGAM nº 1.913, de 4 de setembro de 2013. Define os pequenos núcleos populacionais rurais que independem de outorga. Belo Horizonte, 2013. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=31315>. Acesso em: 10 out. 2017. MINAS GERAIS. Resolução SEMAD nº 146, de 5 de junho de 2003. Estabelece normas para a integração dos processos de licenciamento ambiental, de outorga de direito de uso de recursos hídricos e de autorização para exploração florestal - APEF e dá outras providências. Belo Horizonte, 2003. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=5101>. Acesso em: 10 out. 2017. MINAS GERAIS. Relatório de Monitoramento das Águas Superficiais na Bacia do Rio Jequitinhonha em 2004. Instituto Mineiro de Gestão das Águas. --- Belo Horizonte: IGAM, 2005 167p. MATOS, F.; DIAS, R. A gestão dos recursos hídricos no Estado de Minas Gerais e a situação da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba. Gestão & Regionalidade, São Caetano do Sul, v. 28, n. 83, p. 21-34, maio/ago. 2012. MOREIRA, H. S. Identificação das possíveis dificuldades que os usuários de recursos hídricos, em Minas Gerais, registrados na Campanha: “Água: Faça o uso Legal” terão, quando da regularização formal do uso da água. 2009. 53 p. Monografia (Especialização em Recursos Hídricos e Ambientais) - Universidade Federal de Minas Gerais, Montes Claros, 2009. MOREIRA, H. S.; LUZ, W. V. Outorga de direito de uso de recursos hídricos: uma questão de sustentabilidade. Ouro Preto: Ed. UFOP, 2011. Apostila. SILVA, D. D.; RAMOS, M. M. Planejamento e gestão integrados de recursos hídricos. Brasília, DF: ABEAS; Viçosa, MG: Ed. UFV/DEA, 2001. SILVA, B. M. B. da; SILVA, D. D. da; MOREIRA, M. C. Índices para a gestão e planejamento de recursos hídricos na bacia do rio Paraopeba, Estado de Minas Gerais. Ambiente e Agua - An Interdisciplinary Journal of Applied Science, v. 10, n. 3, p. 685-697, 2015. Disponível em: <http://doi.org/10.4136/ambi-agua.1597> SOUZA, S. M. T. Deflúvios superficiais no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Hidrosistemas, 1993. TUCCI, C. E. M. (org.) Hidrologia: ciência e aplicação. 4. ed. Porto Alegre: ABRH/UFRGS, 2007.

196

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 197

CAPÍTULO 8

__________________________________________________________________________

GESTÃO DAS ÁGUA, UMA DECISÃO

João Ricardo Raiser 30; Wilson Akira Shimizu31

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Em julho de 2017, a Universidade Federal de Uberlândia, o Instituto Federal do Triângulo Mineiro

– campus de Uberlândia e o CBH Paranaíba realizaram o VI Workshop Internacional sobre Planejamento

e Desenvolvimento Sustentável em Bacias Hidrográficas. Foram cinco dias de atividades de conferências,

mesas-redondas, minicursos, mostra de trabalhos e visitas de campo com cerca de 650 participantes,

dentre os quais pesquisadores da Polônia, Espanha, Portugal, Reino Unido, Cuba, Argentina, Colômbia,

além de pesquisadores das universidades brasileiras. Na oportunidade, sentiu-se a necessidade de um

debate em que fosse possível abordar também aspectos legais e institucionais da gestão de recursos

hídricos do país, considerando os componentes do Sistema, seus instrumentos e a integração com os

demais Sistemas. No ano em que se comemoraram os vinte anos da Lei das Águas, que instituiu a Política

Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e configurou as feições do Sistema Nacional de Gerenciamento

de Recursos Hídricos (SINGREH), um evento que focasse também este aspecto da implementação do

PNRH e a institucionalização do Sistema se colocava como uma importante contribuição ao

aperfeiçoamento da gestão de recurso hídricos.

No transcurso destes vinte anos, importantes passos foram dados pelos diversos atores do

Sistema. Atualmente, são cerca de duzentos Comitês de Bacia Hidrográfica em funcionamento no

país, sendo que um número significativo conta com seu Plano de Bacia, que é o instrumento de

planejamento por meio do qual os comitês orientam os investimentos para a melhoria da qualidade

e quantidade de água na bacia. Um novo arranjo de gestão territorial, com fundamento em bacias

hidrográficas como espaço privilegiado de atuação está sendo implantado. Entretanto, e apesar dos

avanços verificados, o Sistema não tem mostrado efetividade, a se ver no exemplo do

enfrentamento da crise hídrica dos últimos anos. O que dizer então dos desafios de se projetar o

futuro e preparar, desde agora, as medidas para aumentar a resiliência das bacias hidrográficas

30 Administrador (UNEB, 2000), Gestor Governamental do Estado de Goiás (2002) e mestrando em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos-PROFÁGUA, pela UNESP. Atua na implementação e funcionamento dos instrumentos e componentes do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos de Goiás, representa o Estado em Comitês de Bacias e Conselhos Estadual e Nacional de Recursos Hídricos. Exerceu cargos de gerência ligadas à área e atualmente é Secretário Executivo dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (CEMAm) e de Recursos Hídricos (CERHi). E-mail: [email protected]; [email protected]. 31 Engenheiro Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos – EESC-USP; mestre em Geografia pela UFU. Participa/participou de Plenários, Câmaras e Grupos Técnicos do CNRH, CERH-MG, CBHs e presidiu o CBH Araguari. É servidor técnico na Faculdade de Engenharia Civil – UFU. E-mail: [email protected]; [email protected].

198

quanto à disponibilidade hídrica, em qualidade e em quantidade, suficiente para essas futuras

demandas? O que devemos fazer e como fazê-lo para garantir a Resolução de julho de 2010 da ONU,

que declara a água potável como um direito humano fundamental? Quais são os fatores que

dificultam ou impedem a implementação do Singreh no país? Em qual, ou quais dimensões (legal,

institucional, técnica, cultural...) estão os nós? O arcabouço legal sobre o qual o Singreh se organiza

é um desses fatores dificultadores? Ou é suficientemente avançado para auxiliar as outras

dimensões a alavancar e superar o estágio atual do Sistema? Essas são questões importantes que

os atores precisam responder para implementar os necessários passos para o seu aperfeiçoamento.

Em dezembro de 2017 foi, destarte, realizado o Seminário Diálogos Singreh, avanços ou recuos

com a atual legislação? com a participação de representantes debatedores da Agência Nacional de

Águas; da Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente;

do Ministério Público Estadual; do Instituto Mineiro de Gestão das Águas; da Secretaria de Meio

Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e assuntos Metropolitanos de Goiás; do CBH

Paranaíba; e da ABHA - Gestão de Águas. Registra-se que é dominante o pensamento de que neste

momento não é oportuno se demandar uma alteração da Lei nº 9.433/1997 porque há efetivamente

um risco de retrocesso diante do perfil retrógrado do Congresso Nacional, embora se levantem alguns

aspectos que aperfeiçoariam o singreh, com destaque para aqueles que se encontram elencados no

Projeto Legado, coordenado pela Agência Nacional de Águas. A regulamentação, no entanto, é um

dos caminhos a trilhar buscando este aperfeiçoamento.

ORIGEM DO ARCABOUÇO LEGAL BRASILEIRO. HOJE ELE É ADEQUADO ÀS NOSSAS

NECESSIDADES E CARACTERÍSTICAS?

O Brasil possui características singulares, sua dimensão continental traz consigo diferentes

realidades, perspectivas e necessidades. Essas peculiaridades e diferenças precisam ser percebidas

e trabalhadas à luz das políticas públicas.

Apesar da existência de diretrizes que visam a organizar e garantir os usos dos recursos hídricos

e que constam do arcabouço legal brasileiro desde o período do Império, elas estavam relacionadas

principalmente à proteção das fontes utilizadas para abastecimento da população e para a mineração.

Foi a mudança na estrutura da economia brasileira, ocorrida principalmente a partir no início do

último século, que impulsionou a evolução da gestão das águas no Brasil, em função da alteração do

modelo de produção, de base agrícola para industrial, onde foi necessária “maior quantidade de energia

para dar suporte aos processos produtivos” (SANTIN; GOELLNER, 2013, p. 204).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 199

O primeiro grande marco desse processo foi o Código das Águas, Decreto-Lei nº 24.643, de

10 de julho de 1934 (BRASIL, 1934), a partir do qual “o Brasil, e as suas águas, passaram a contar

com uma estrutura especificamente voltada para a sua gestão, aproveitamento e proteção dos

recursos hídricos” (VENANCIO; KURTZ, 2009, p. 158).

Conforme Melo, Maracajá e Neto (2012, p. 2), existem três períodos distintos, ou etapas, do

desenvolvimento da legislação nacional: 1ª – fase fragmentária, que vai do descobrimento até 1930,

com "objetivo de assegurar a preservação dos recursos"; 2ª – fase setorial, início do controle da

água como um recurso, quando os interesses emergem, direcionando para o atendimento das

demandas, com clara prevalência do setor hidrelétrico; 3ª - fase holística, que incorpora a percepção

da integração e dos usos múltiplos, a preocupação com as questões ambientais, a articulação e a

integração das diversas políticas.

Também segundo Venancio e Kurtz (2009, p. 157), no Brasil o desenvolvimento da legislação

que trata das águas “segue em paralelo com a evolução social, econômica e tecnológica”. Muito em

razão disto, percebe-se no Código das Águas uma forte prevalência do setor de geração de energia

e de transporte sobre os demais setores usuários.

O crescimento dos múltiplos usos, como a irrigação, iniciada na década de 1950 e o aumento da

complexidade das questões enfrentadas, com destaque para os conflitos relacionados à escassez física

e/ou relativa dos recursos hídricos, foram a força motriz da evolução da legislação. Outro fator que

impactou de forma considerável essa evolução foi a diretriz de planejamento setorial fortemente

presente no Código de Águas, e que gerou a falta de integração entre os usos e os planos setoriais.

Concomitante a esse processo, ocorreram diversos movimentos e discussões internacionais,

com destaque para o Relatório “Nosso Futuro Comum”, conhecido também como Relatório Brundtland

(ONU, 1987), que tratou de sustentabilidade, da água como um bem público, do reconhecimento de

seu valor econômico e da importância do uso múltiplo e racional dos recursos hídricos.

Inspirado por esses paradigmas, acompanhando a evolução mundial da questão hídrica e

buscando fazer frente aos seus próprios desafios, o Brasil consolidou na Constituição Federal de

1988 (BRASIL, 1988) as diretrizes e bases para a gestão das águas.

Para além dos objetivos de proteção e conservação, da visão de elemento natural, da estreita

relação com as funções ambientais, do bem-estar e garantia de direitos humanos fundamentais, a

Constituição reconheceu também a função do recurso hídrico. Determinou a instituição de um

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, um dos poucos sistemas nacionais com

criação definida em seu corpo da Carta Magna. Constituição que tratou de forma direta

principalmente de diretrizes de planejamento, critérios de outorga de direitos de seu uso dos

recursos hídricos, da competência exclusiva para legislar sobre água e da dominialidade das águas,

dando assim as linhas gerais para a criação da Política Nacional de Recursos Hídricos.

200

Menos de uma década depois, após a realização de diversas ações de pesquisa, articulação,

negociação e discussão no Congresso Nacional, foi aprovada e sancionada a Lei Federal nº

9.433/1997, que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos (BRASIL, 1997). Após ser

sancionada, foi seguida por grande parte das Unidades da Federação que ou criaram ou adaptaram

seu arcabouço legal à nova realidade.

É notório que a nossa Lei das Águas foi largamente inspirada no modelo francês de gestão,

entretanto, não foram previstas ou observadas todas as adaptações necessárias daquele modelo à

nossa realidade (CERQUEIRA; FADUL; VITÓTIA, 2016, p. 234; SILVA; HERREROS; BORGES, 2017, p.

112), essas imprecisões ficam mais evidentes quando analisamos os reflexos do Pacto Federativo,

das atribuições da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, da figura da bacia

hidrográfica como unidade de planejamento e gestão e da dupla dominialidade União e

Estados/Distrito Federal. Destaca-se que essas questões colocam em rota de colisão as premissas

da Política Nacional de Recursos Hídricos principalmente com a lógica municipal de gestão

(CARDOSO, 2003, p. 71), baseada no território municipal, e a integração com outros Sistemas,

dificultando a implementação da GIRH.

Embora alguns preceitos e regras sejam consensuais na gestão, é importante ter como

premissa que o arcabouço legal está sempre em evolução, e que o amadurecimento e

preenchimento dessas lacunas faz parte desse processo, ainda mais para uma Política Pública tão

relevante e nova como é a gestão integrada dos recursos hídricos. Apesar do receio de possíveis

deformações ou distorções que possam nos distanciar dos princípios e diretrizes da Política Nacional

de Recursos Hídricos, parece estar claro aos componentes do Sistema a necessidade de

regulamentação e adequação de vários de seus dispositivos, devendo ser pensado também na

integração com as demais políticas públicas.

Em uma avaliação da legislação brasileira, é essencial reconhecer a inteligência dos

legisladores quando moldaram esta Lei, delimitando seus princípios e diretrizes, bem como os

componentes desse Sistema e seus instrumentos. Cada qual com funções e atribuições específicas,

mas tendo sempre em seu cerne a gestão integrada, descentralizada e participativa.

É preciso destacar que a integração, presente na gestão das águas no Brasil, não está ligada

somente em relação aos demais Sistemas, como ambiental, uso do solo ou políticas públicas com

interesse ou impacto nas águas. A integração proposta pela gestão das águas é presente também um

movimento para dentro, voltado para os seus instrumentos, responsáveis por materializar as intenções

e diretrizes emanadas dos órgãos colegiados, com destaque para os Comitês de Bacias Hidrográficas.

É latente a percepção que apenas um ou outro instrumento, de forma isolada, não é capaz de

alcançar os objetivos e diretrizes da política. Emergindo aí, mais uma vez, a marca da integração na

gestão das águas, como caminho imperativo para atingir os objetivos propostos desde a Constituição.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 201

Em virtude das características brasileiras, tão dispares entre si, e diante exemplos de sucesso

na implementação desse sistema e de seus instrumentos, uma análise do arcabouço legal brasileiro

permite perceber que ele é adequado, desde que receba, recepcione essas diferenças, atendendo

às especificidades de cada região ou situação a ser enfrentada.

Temos como premissa um Sistema Nacional - o que é conceitualmente diferente de um

Sistema Federal. Esse Sistema Nacional é composto pelos Sistemas Estaduais, e estes pelas bacias

hidrográficas, como as unidades territoriais onde se concretiza o planejamento e a gestão das águas,

com participação direta e imprescindível do poder público dos usuários e da sociedade na definição

das diretrizes para o uso e conservação dos recursos hídricos dessas bacias. É evidente e inegável

que essas características da gestão integrada dos recursos hídricos elevam o grau de complexidade

desse Sistema, com implicações diretas no compartilhamento do território das bacias e dos

mananciais, na dupla dominialidade, na alocação negociada de água, critérios de gestão, vazões de

referência, entre outros. Mas isso não inviabiliza o Sistema ou reduz sua capacidade ou importância.

Entre tantos desafios da gestão das águas, existem alguns menos conhecidos técnica e

cientificamente, recheados de incógnitas, como as mudanças climáticas e as suas consequências no

ciclo hidrológico. Como enfrentá-las? Como integrar políticas públicas e setoriais? Como garantir a

multiplicidade dos usos? O arcabouço legal atende aos desafios colocados para a GIRH?

Nem sempre é possível ter todas as respostas, mas uma coisa parece certa, que o processo

democrático, descentralizado e participativo, com o envolvimento de todos os interessados, é um

caminho que precisa ser fortalecido.

CONCLUSÕES DO DIÁLOGOS SINGREH

Das apresentações feitas durante o evento Diálogos Singreh, avanços ou recuos com a atual

legislação?, e dos debates que se seguiram, foram colhidos apontamentos que, sistematizados,

consolidaram-se em três grandes eixos:

POLÍTICA E SISTEMA DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS: contém as diretrizes voltadas para

o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos, relacionadas ao seu funcionamento,

fortalecimento, responsabilidades, atuação, aprimoramento, entre outras;

INSTRUMENTOS DE GESTÃO: diretrizes voltadas para os instrumentos de gestão,

considerando a sua aplicação, integração e efetivação; e

202

INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: diretrizes voltadas para a Gestão Integrada dos

Recurso Hídricos, em uma visão ou perspectiva holística desses processos, seja entre os

componentes diretamente ligados ao Singreh e à gestão das águas, na Bacia, nos Estados e

Distrito Federal, na União, entre as políticas públicas com interesse ou impacto nas águas,

notadamente Meio Ambiente e Uso e Ocupação do Solo e políticas setoriais dos usuários.

Alheios a essa estruturação, destacam-se dois apontamentos gerais, que permearam todas

as atividades:

- Que é preciso reconhecer e efetivar a gestão das águas, com a estrutura e recursos suficientes

para que essa política pública possa cumprir suas funções e apresentar os resultados esperados, o

que, de forma geral, ainda não foi feito pelo poder público, pela sociedade e pelos usuários; e

- Que o Sistema, seus componentes e instrumentos são suficientes para cumprir suas

funções e atender às demandadas da gestão integrada de recursos hídricos; entretanto, são

necessárias complementações ou regulamentação dos componentes e instrumentos já existentes,

de forma a facilitar a sua efetivação;

I. POLÍTICA E SISTEMA DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

- Reconhecimento do papel, a importância e as funções da Gestão e do Singreh, seus

componentes e instrumentos

É necessário o reconhecimento do papel e das atribuições da gestão integrada de recursos

hídricos para que seja ela possa ser efetivada e tenha condições de apresentar os resultados esperados

pela sociedade.

- Aprimoramento dos processos de comunicação e conhecimento da gestão de recursos

hídricos pela sociedade, usuários e poder público

A comunicação e a geração de conhecimento são processos fundamentais para o

fortalecimento e estruturação da gestão das águas. Percebe-se que somente por meio da difusão

de informações e de conhecimento é possível fazer com que esse sistema seja reconhecido pela

sociedade, usuários e poder público.

- Estruturação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, União, Estados e

Distrito Federal, visando ao fortalecimento dos componentes (Conselhos Nacional, Estaduais e

Distrital de Recursos Hídricos, Órgãos Gestores, Comitês de Bacias Hidrográficas e Agências de

Bacia) e a implementação e dos instrumentos, visando o efetivo exercício de suas atribuições

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 203

Para que o Singreh possa atuar, cumprir suas atribuições legais de garantir o direito de

acesso à água, em quantidade e qualidade, mediação e resolução de conflitos, enfrentamento a

eventos hidrológicos críticos, planejamento, diretrizes para a gestão, entre outros, é necessário que

o sistema conquiste um patamar mais elevado nas condições de estrutura e de pessoal, recursos

financeiros e apoio político.

- Atuação sistêmica da gestão e do Singreh

São claros os avanços na gestão e no Sistema, entretanto, é preciso consolidar esses avanços

por meio de uma atuação sistêmica, integrando os componentes do Singreh, os sistemas estaduais,

a sociedade, usuários e poder público, com a formalização e estruturação das ações, mudando a

forma de atuação de um processo reativo para uma atuação integrada e planejada, articulada com

as demais políticas públicas com interface em recursos hídricos.

- Fortalecimento do Sistema de Gestão aproveitando a exposição gerada pelas recentes

crises hídricas

As recentes crises hídricas vivenciadas no país precisam ser aproveitadas para demonstrar

os resultados que já foram gerados pelo Singreh, bem como para ampliar o conhecimento do

Sistema pela sociedade, favorecendo seu fortalecimento e apresentação e articular propostas para

resolver os problemas e conflitos gerados por essa escassez, em quantidade e qualidade.

- Avaliação da implementação do Singreh como forma de apresentar à sociedade seu

processo de implementação e os resultados produzidos

Apesar dos vinte anos da PNRH, ela está em diferentes estágios de implementação no país,

nos Estados e nas bacias, com diferentes necessidades de aprimoramento. A construção de um

processo de avaliação democrática do Singreh, com indicadores transparentes, demonstrando os

avanços na implementação do Sistema, dos seus componentes e dos seus instrumentos, bem como

os resultados atingidos e os potenciais de contribuição para a resolução dos problemas enfrentados

pela sociedade e usuários.

- Ampliação da capacitação dos componentes e representes do Sistema e da sociedade

A capacitação é fator decisivo para o efetivo exercício das atribuições do Singreh, para que

os representantes dos diversos setores que atuam nesse Sistema ganhem em efetividade, eficácia

e eficiência e tomem boas decisões quanto às diretrizes para a implementação dos instrumentos de

gestão. A capacitação tem resultado direto na qualidade das decisões tomadas pelos colegiados.

204

- Necessidade dos Comitês devem exercerem suas atribuições, ligadas à definição de

diretrizes para a gestão

Os Comitês de Bacias Hidrográficas devem estar atentos para o cumprimento de suas

atribuições, relacionadas diretamente à definição de diretrizes para a aplicação dos instrumentos de

gestão, contribuindo para o aprimoramento desses instrumentos, além das atribuições de articulação

com as demais políticas públicas, visando à integração dessas políticas e interesses que tenham

impacto na quantidade e qualidade das águas. É recorrente os Comitês se ocuparem de pautas de

outras políticas públicas, deixando de cumprir seu papel na efetivação dos instrumentos de gestão.

- Reconhecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas como colegiados consultivos,

normativos e deliberativos

Os Comitês de Bacias Hidrográficas representam a base da gestão descentralizada e

participativa e precisam atuar de forma incisiva para que assumam suas funções consultivas,

normativas e deliberativas, elaborando, articulando e definindo diretrizes para o Sistema, conforme

preconizado pela Política Nacional de Recursos Hídricos.

Os demais componentes do Sistema precisam também, num processo sinérgico, avançar

nesta direção, o que trará como consequência, o fortalecendo o Singreh como um todo.

- Diversidade dos modelos para a implementação do Sistema e da Gestão

Fortalecer e consolidar os múltiplos arranjos, modelos, formatos e complexidades ligados à

implementação da gestão e do Sistema. Essa perspectiva é necessária para que seja possível avançar

e atender às necessidades locais e/ou regionais, tendo como base os instrumentos e diretrizes da

Política Nacional, mas adequando-os ou aprimorando-os de acordo com essas necessidades.

- Definição clara das fontes de financiamento do Singreh e a disponibilização dos recursos

Existem diferentes procedimentos no tratamento dos recursos financeiros para o

financiamento do Singreh, notadamente de seus componentes Estaduais, Distrital, dos Comitês de

Bacias Hidrográficas e suas Agências de Bacias ou Entidades Delegatárias das funções de Agência.

As referências são em relação a: cobrança pelo uso dos recursos hídricos versus orçamentos

públicos, CFURH; taxas, entre outras. Além da definição clara das fontes e da tramitação até o órgão

aplicador, é necessária a disponibilização dos recursos, para que seja possível a atuação do Sistema,

de seus componentes e instrumentos de gestão.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 205

Os recursos da cobrança, por exemplo, chegam às bacias geradoras de maneira diferenciada:

enquanto nas bacias interestaduais o repasse é praticamente imediato, nas bacias afluentes (de domínio

estadual) eles têm sido utilizados para resolver problemas de caixa dos Tesouros Estaduais. Se este não

é o motivo, como explicar, por exemplo, os atrasos constantes do repasse dos recursos pelo Estado de

Minas Gerais às Agências Equiparadas das bacias? Os recursos da CFURH constituem os Fundos

Estaduais de Recursos Hídricos em algumas Unidades Federativas, mas o tratamento não é uniforme

dentre eles. Em Minas Gerais, por exemplo, o FHIDRO tem sido pouco efetivo, financiando uma

quantidade de projetos muito aquém de sua arrecadação e das necessidades das bacias. O saldo do

FHIDRO, mais uma vez, tem servido mais ao Caixa do Tesouro que às bacias. Nas unidades em que não

há um Fundo Estadual com essa destinação, não há garantia de que sejam destinados para o

financiamento do Sistema, sendo utilizados para pagamento de outras obrigações dos Estados.

- Aprimoramento das estratégias, diretrizes e instrumentos relacionados à integração da

gestão e dos componentes do Singreh

Os conflitos na atuação e integração dentro do próprio Singreh é um dos fatores que

interferem na implementação dos instrumentos e no atingimento dos resultados da gestão. Esta

falta de integração, notadamente entre os órgãos gestores, é fruto principalmente da pouca

governança dos recursos hídricos nos Estados, agravado pela assimetria entre os Sistemas Estaduais,

e entre esses e o Sistema Nacional. Isto tem impacto direto na resolução de conflitos e organização

dos usos, além da geração de dados e informações.

II. INSTRUMENTOS DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

- Aplicação e aprimoramento dos instrumentos

É preciso implementar os instrumentos de gestão para enfrentar os desafios de garantir os

usos, o desenvolvimento econômico e social sustentável. Para essa implementação, é necessário

aprimorar esses instrumentos de acordo com as características e as necessidades locais, o que deve

ser feito por meio de diretrizes dos órgãos colegiados, os Conselhos apresentando as grandes linhas

de atuação desses instrumentos, e os Comitês de bacias hidrográficas apresentando as diretrizes

necessárias ao exercício de suas atribuições, à efetivação desses instrumentos e ao alcance dos

resultados esperados.

A cobrança pelo uso da água, mesmo com mais de duzentos comitês instituídos no país,

ainda não avançou na maioria das bacias. Há uma dificuldade de os Comitês avançarem nesta pauta,

seja por comodidade em não ter que enfrentar debates que trazem à tona interesses setoriais muito

206

fortes permanecendo o colegiado numa situação de conforto, seja pela baixa capacitação dos

conselheiros ou da ausência de uma atuação mais propositiva e determinada dos órgãos gestores e

da direção dos CBHs. Na verdade, esses fatores não ocorrem isoladamente, sendo correto admitir

que aconteçam de maneira combinada.

- Vinculação dos planos de bacia quanto aos recursos e ações definidas

Como órgãos normativos e deliberativos, as diretrizes apresentadas tanto pelos Conselhos

de Recursos Hídricos quanto pelos Comitês de Bacias Hidrográficas, por meio dos Planos de

Recursos Hídricos, devem ser respeitados como instrumentos que vinculem a aplicação de recursos,

orçamentos, execução de projetos, entre outras ações efetivas, com aplicação prática, não somente

pelos componentes do Singreh, mas também pelos demais sistemas ou setores com interesse ou

impacto na quantidade e qualidade das águas.

As ações previstas no Plano da Bacia e seu Plano de Aplicação terão que ser consignados na

LDO e detalhadas na LOA, em suas respectivas esferas públicas.

- Contribuição e participação ativa dos municípios no Singreh e nos Planos

É preciso ampliar a participação dos municípios em todas as atividades do Singreh e na

elaboração das diretrizes dos Planos de Recursos Hídricos. Os municípios são os grandes responsáveis

pelas políticas de saneamento ambiental (captação de água, diluição de efluente, drenagem urbana e

resíduos sólidos), de uso e ocupação do solo, além de serem diretamente impactados pelas diretrizes

quanto ao enquadramento, aos usos da água e aos investimentos apontados nos planos de recursos

hídricos. Portanto, têm grande relevância e interesse na construção desse instrumento. Há muito que

avançar neste aspecto, primeiro porque a Política Nacional de Recursos Hídricos não contemplou o

município como uma instância do Singreh e, segundo, porque, como consequência, a pauta de recursos

hídricos inexiste na maioria da agenda dos prefeitos.

- Aplicação plena dos pressupostos da cobrança

Os instrumentos devem ser aplicados visando à totalidade de suas funções. A cobrança da água

tem como objetivos, conforme definido na legislação: reconhecer a água como um bem dotado de valor

econômico, demonstrando ao usuário o seu valor real; incentivar o seu uso racional; e obter recursos

para financiar os programas e ações definidas nos Planos de Recursos Hídricos das Bacias.

Atualmente, somente o terceiro componente dos objetivos tem sido cumprido. Avançar na

implementação deste instrumento onde já está sendo praticado é um grande desafio, induzindo o

usuário ao uso racional em toda a sua dimensão.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 207

- Ampliação das diretrizes e instrumentos econômicos

É preciso ampliar a atuação das diretrizes e instrumentos econômicos relacionados ao uso e

conservação dos recursos hídricos, como a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, o pagamento

por serviços ambientais.

- Estudos tendo como diretriz a integração dos instrumentos e das Políticas Públicas

É necessário que os estudos e o conhecimento buscado em relação aos recursos hídricos

considerem de forma efetiva a integração como base para sua realização. Essa integração deve

levar em conta a política, os objetivos, as metas e os instrumentos das demais políticas públicas

tais como a de meio ambiente, florestal, de uso e ocupação do solo, agrícola, de desenvolvimento

regional, entre outros.

III. INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

- Reconhecimento da água e da sua gestão como base para os processos

A água e a gestão integrada dos recursos hídricos precisam ser reconhecidas e começar a

influenciar na tomada de decisão das políticas públicas e setoriais com interesse ou impacto na

quantidade e qualidade das águas.

- Articulação e envolvimento com as demais políticas públicas relacionadas às águas

Para que o processo de articulação e de integração com as demais políticas públicas tenha a

efetividade necessária, é preciso que o Singreh esteja em condições de executar este processo,

sendo necessário o bom funcionamento de seus componentes, a começar pelos Comitês de Bacias

Hidrográficas, pressupondo-se também que os principais atores dentro desses organismos possuam

capacidades para desempenhar seu papel e atuem na construção de pontes que articulem o Sistema

com as demais políticas.

Os órgãos gestores precisam conquistar musculatura, melhorando sua governança tanto no

aspecto de suas capacidades estatais, no qual o reconhecimento dentro da agenda governamental

é fundamental, ao lado da consolidação de um corpo técnico suficiente e qualificado. Carece

também de uma articulação qualificada entre a Sociedade e o Estado que tem acontecido quase

exclusivamente por intermédio dos Conselhos Estaduais, a despeito de sua importância. Recursos

como conferências estaduais, consultas públicas, audiências são canais que deveriam ser utilizados

para aproximar a atuação governamental das aspirações e interesses da sociedade.

208

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora não esgotem as possibilidades dos cenários que o SINGREH deverá enfrentar para o

seu próprio desenvolvimento, as medidas apontadas constituem uma trama articulada de diretrizes

e ações que certamente colocam a gestão integrada dos recursos hídricos num patamar mais

evoluído. Este avanço é crucial para que o sistema se consolide e se constitua numa ferramenta

efetiva do planejamento articulado, democrático e participativo do nosso território, com referência

nas bacias hidrográficas.

REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto-Lei nº 24.643, de 10 jul. 1934. Código de Águas. Rio de Janeiro, 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm>. Acesso em 01 out. 2017. ______. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 25 set. 2017. ______. Lei nº 9.433, de 8 de jan. de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Brasília: DOU, 1997. CARDOSO, Maria Lúcia de Macedo. A democracia das águas na sua prática: o caso dos comitês de bacias hidrográficas de Minas Gerais. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Faculdade de Antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. CERQUEIRA, Lucas Santos; FADUL, Elvia; VITÓRIA, Fabrício. Produção científica em gestão de recursos hídricos no Brasil no período de 2002 a 2011: uma análise da sua contribuição para o setor. Revista Gestão & Planejamento, v. 17, n. 2, p. 232-250, 2016. MACHADO, José. 10 anos da Lei nº 9.433: avanços e dificuldades. Agência Nacional de Águas. XVII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 2007. Disponível em <http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/artigos/20071126_ArtigoJoseMachadoABRH.pdf>. Acesso em: 15 out. 2017. MELO, Geórgia Karênia Rodrigues Martins Marsicano de; MARACAJÁ, Kettrin Farias Bem; NETO, José Dantas. Histórico evolutivo legal dos recursos hídricos no Brasil: uma análise da legislação sobre a gestão dos recursos hídricos a partir da história ambiental. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11606> Acesso em: 15 out. 2017. ONU. Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre a Água. (Mar del Plata, 14-25 de março de 1977). Cap. I. Resolução II, 1977. ______. Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Nosso Futuro Comum. Relatório Brundtland. Genebra: ONU, 1987. SANTIN, Janaina Rigo; GOELLNER, Emanuelle. A gestão dos recursos hídricos e a cobrança pelo seu uso. Sequência, Florianópolis, n. 67, p. 199-221, dez. 2013. SILVA, Mayane Bento; HERREROS, Mário Miguel Amim Garcia; BORGES, Fabrício Quadros. Gestão integrada dos recursos hídricos como política de gerenciamento das águas no Brasil. Rev. Adm. UFSM, Santa Maria, v. 10, número 1, p. 101-115, jan.-mar. 2017. VENANCIO, Diego Luiz; KURTZ, Fabrício Charão. Evolução da legislação sobre o meio ambiente e o processo de valoração econômica da água no Brasil. Ambiência, Guarapuava, v. 5, n. 1, p. 155-171, abr. 2009.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 209

CAPÍTULO 9

__________________________________________________________________________

QUAL A NATUREZA JURÍDICA DA FUNÇÃO DE CONSELHEIRO DOS COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICAS? E DEPOIS

Carlos Alberto Valera32; Mayara Cristina de Mello Vieira Valera33; Caroline Fávaro Oliveira34

INTRODUÇÃO

A Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, inseriu no cenário jurídico brasileiro a Política

Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Dentre os vários instrumentos de gestão previstos na lei acima mencionada, neste espaço

abordaremos o comitê de bacia hidrográfica previsto nos artigos 37 a 40 da Lei Federal nº 9.433/1997.

O comitê de bacias hidrográficas, modelo repetido pelo Estado de Minas Gerais, nos artigos

35 e 36, da Lei Estadual nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999, visa à democratização na gestão dos

recursos hídricos e é composto por representantes do poder público estadual e municipal, de forma

paritária e, ainda, de representantes de usuários e de entidades da sociedade civil ligadas aos

recursos hídricos de forma paritária com o poder público35.

Afere-se, então, que integram os comitês de bacias hidrográficas pessoas já vinculadas ao

poder público federal, estadual e municipal e pessoas da sociedade civil e representantes de

usuários, estes, em regra, integrantes de empresas e empreendimentos privados, de forma paritária

em um ou em outro caso.

Diante desse cenário é de se indagar: Qual a natureza jurídica da função de conselheiro de

comitê de bacia hidrográfica? E depois de fixada a natureza jurídica, quais consequências ou

responsabilidades advêm em razão do exercício dessa função?

O presente opúsculo, sem a pretensão de exaurir o tema, traz essa discussão.

32 Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande. Doutor em Agronomia (Ciência do Solo) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/FCAV), campus Jaboticabal/SP. E-mail: [email protected]. 33 Advogada. Discente do programa de pós-graduação lato sensu do curso de Gestão Ambiental: diagnóstico e adequação ambiental do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), campus Uberaba. E-mail: [email protected]. 34 Bióloga. Mestranda do programa de pós-graduação stricto sensu do curso de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), campus Uberaba. E-mail: [email protected]. 35 Art. 36 - Os comitês de bacia hidrográfica serão compostos por: I - representantes do poder público, de forma paritária entre o Estado e os municípios que integram a bacia hidrográfica; II - representantes de usuários e de entidades da sociedade civil ligadas aos recursos hídricos, com sede ou representação na bacia hidrográfica, de forma paritária com o poder público.

210

DA NATUREZA JURÍDICA DOS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

Como dito alhures, no âmbito do Estado de Minas Gerais, os comitês de bacias hidrográficas

restaram instituídos por força da Lei Estadual nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999, nos artigos 35 e

36, os quais têm a seguinte redação:

Art. 35 - Os comitês de bacia hidrográfica terão como território de atuação: I - a área total da bacia hidrográfica; II - a sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia ou de tributário desse tributário; III - o grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas. Parágrafo único - Os comitês de bacia hidrográfica serão instituídos por ato do Governador do Estado. Art. 36 - Os comitês de bacia hidrográfica serão compostos por: I - representantes do poder público, de forma paritária entre o Estado e os municípios que integram a bacia hidrográfica; II - representantes de usuários e de entidades da sociedade civil ligadas aos recursos hídricos, com sede ou representação na bacia hidrográfica, de forma paritária com o poder público. (MINAS GERAIS, 1999).

Da análise sistêmica da Lei Estadual nº 13.199/1999 verifica-se que a seção referente aos

comitês de bacia hidrográfica está inserida do Capítulo IV, que trata do Sistema Estadual de

Gerenciamento de Recursos Hídricos – SEGRH/MG, o qual possui como órgão gestor máximo o

conselho estadual de recursos hídricos que tem os seguintes objetivos:

Art. 32 - O SEGRH-MG tem os seguintes objetivos: I - coordenar a gestão integrada e descentralizada das águas; II - Arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; III - implementar a Política Estadual de Recursos Hídricos; IV - planejar, regular, coordenar e controlar o uso, a preservação e a recuperação de recursos hídricos do Estado; V - promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos. (MINAS GERAIS, 1999).

Esse cenário legal denota, de forma clara, que o comitê de bacia hidrográfica integra a

própria estrutura do Estado de Minas Gerais, e, embora não possua personalidade jurídica, insere-

se no conceito amplo de Administração Pública.

Sobre o tema, Granziera leciona que:

Os comitês de bacias hidrográficas são órgãos colegiados dos sistemas de gerenciamento de recursos hídricos. Como órgãos, não possuem personalidade jurídica. Mas não há dúvida quanto a sua natureza de ente integrante da Administração Pública, vinculando-se aos Poderes Públicos federal, estaduais ou distrital, no que se refere ao vínculo de natureza administrativa. (GRANZIERA, 2003, p. 157).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 211

DIFERENÇA ENTRE CARGO, EMPREGO E FUNÇÃO

Assentada a premissa de que indubitavelmente o comitê de bacia hidrográfica integra a

administração pública necessário, neste passo, fazer a distinção entre cargos, empregos e funções.

Já restou anotado que os servidores públicos dos quatro entes federados (União, Estados,

Distrito Federal e Municípios) que integram o comitê de bacia hidrográfica permanecem com a

respectiva natureza jurídicas de seus cargos, empregos e funções, pois ao integrarem o comitê

representam seus respectivos entes federados, autarquias, etc.

No caso, importante é a distinção, pois o comitê também é integrado por representantes da

sociedade civil e usuários dos recursos hídricos, em regra, empresas privadas.

Bandeira de Mello ensina-nos:

Cargos públicos são as mais simples unidades e indivisíveis unidades de competência a serem expressas por um agente, prevista em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei, salvo os serviços auxiliares do legislativo. (BANDEIRA DE MELLO, 2008, p. 251).

Segundo Di Pietro, como ainda existe a

possibilidade de contratar servidores sob o regime da legislação trabalhista, no caso a Consolidação das Leis do Trabalho, a expressão emprego público passou a ser utilizada, também para designar uma unidade de atribuições, distinguindo-se pelo tipo de vínculo contratual, ou seja, as regras aplicadas estão sob regência da CLT, enquanto o ocupante de cargo público tem o denominado “vínculo estatutário”, e este está contido na lei que instituiu o regime jurídico único. (DI PIETRO, 2008, p. 357).

Em arremate:

No conceito de função podemos verificar que aquela corresponde ao conjunto de atribuições as quais não corresponde nem a cargo nem a emprego, isto é, trata-se de um conceito residual. (BITTENCOURT, 2005, p. 74).

Da dicção da Lei Estadual nº 13.199/1999 os conselheiros dos comitês de bacia hidrográficas

atuam por designação do Chefe do Executivo Estadual, logo, ante a classificação acima indicada

insere-se na categoria de particulares que colaboram com a administração pública.

São, na lição de Mello, pessoas físicas:

que sem perderem a qualidade de particulares e sem existir vínculo de trabalho entre a administração pública de forma remunerada ou não, mas existindo sim, uma execução de um trabalho em benefício do interesse público e do particular, ou seja, não existe entre o particular e a administração um vínculo jurídico, mas existe sim uma prestação de atividade pelo particular em benefício do interesse público. Importante destacar que os particulares atuam em nome próprio, limitando-se a administração a fiscalizar o desempenho dessas atividades. (MELLO, 2001, p. 223).

212

Na classificação ou categoria acima indicada, podem-se encontrar, basicamente,

três tipos de particulares ou pessoas naturais que podem colaborar com a administração: os particulares que agem por delegação; particulares que atuam por convocação, nomeação ou designação decorrente de ato de autoridade pública; e pessoas ou agentes necessários ou gestores, pessoas naturais, de negócios públicos. (MELLO, 2001, p. 223).

Em reforço de argumento temos a peremptória redação do artigo 327, do Código Penal de 1940:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (BRASIL, 1940).

Não há dúvidas, pois que tanto os servidores públicos dos quatro entes federados como os

particulares da sociedade civil e representantes dos usuários ao serem indicados ou designados

passam a integrar uma estrutura da administração pública exercendo, cargo, emprego ou função,

todos, de natureza pública.

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Neste passo há necessidade de esclarecermos o que são princípios e quais foram positivados

pelo constituinte de 1988 sobre a Administração Pública.

Os princípios constitucionais, segundo Barroso (1999) são

as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie [...] Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. (BARROSO, 1999, p. 147-149).

O artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 tem a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte. (grifo nosso).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 213

De forma extremamente sintética podemos dizer que o princípio da legalidade impõe a

todos os integrantes da Administração Pública a observância estrita do que está posto na legislação

em sentido amplo (Constituição Federal, Leis Federais, Leis Estaduais, etc.).

O princípio da impessoalidade, como a própria etimologia indica, obriga a todos os integrantes

da Administração Pública a buscarem o fim público em todos os seus atos, tratando a todos de forma

igualitária seja com benesses ou ônus, em termos coloquiais, as pessoas naturais ou jurídicas sejam elas

quem for devem ser tratadas igualmente, isto é, os mesmos ônus e os mesmos bônus.

Já o princípio da moralidade se baseia no pressuposto da “boa administração”, o que nos

remete à ética e à moral no trato da coisa pública e sua gestão, ou seja, uma gestão proba.

O princípio da publicidade requer que, como regra, todos os atos praticados por integrantes

da administração pública sejam realizados de forma transparente e possibilitem o controle social,

ou seja, devem ser publicizados para a população em geral através de portais, diários oficiais, dentre

outras formas de divulgação.

E, por fim, e não menos importante, temos o princípio da eficiência, o qual exige de todos os

integrantes da Administração Pública que labutem com eficiência, isto é, ajam com presteza,

perfeição, obtenham bons rendimentos funcionais e atendam de forma adequada, rápida e efetiva

as necessidades da população.

Todos os princípios acima indicados, por força do artigo 37, caput, da Carta Política de 1988

se aplicam, de forma indistinta, a todos os integrantes da Administração Pública incluídos, por óbvio,

os conselheiros dos comitês de bacia hidrográfica sejam eles federal ou estaduais.

DA RESPONSABILIDADE PELO DESCUMPRIMENTO DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Há uma regra básica do Direito: com o poder surge a responsabilidade.

Vamos além e invocamos a célebre frase citada em um clássico dos cinemas – Homem

Aranha episódio 1 - da Marvel Comics: Com grandes poderes surgem grandes responsabilidades.

Anotamos acima a grande importância que os comitês de bacias hidrográficas possuem

dentro das Políticas Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos. Se assim o é, resta evidente que os

conselheiros dos comitês de bacias hidrográficas possuem poderes e interferem direta ou

indiretamente na gestão dos recursos hídricos, logo, também podem ser responsabilizados em

razão das respectivas ações e omissões.

214

A responsabilidade administrativa e criminal não será tratada neste espaço, trataremos da

responsabilidade civil decorrente de eventual dano causado – civil ou ambiental – e de eventual ato de

improbidade administrativa. Com relação ao dano, há expresso regramento no Código Civil brasileiro:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2002).

De se registrar que no caso do dano civil vigora a denominada responsabilidade ou culpa civil

subjetiva, isto é, que a ação ou omissão seja dolosa, com intenção, ou decorra de culpa nas

modalidades negligência, imprudência ou imperícia.

Já com relação a eventual dano ambiental, aplica-se a chamada responsabilidade ou culpa

civil objetiva, por força do artigo 14, § 1º, da Lei Federal nº 6.838/1981:

Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: ... omissis ... § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (BRASIL, 1981).

No caso da responsabilidade civil ambiental objetiva há necessidade tão somente da prova

do nexo de causalidade, ou seja, o vínculo ou o liame que liga a ação ou omissão ao evento danoso,

independentemente da existência de dolo ou culpa.

Por fim, ainda remanesce para os conselheiros integrantes dos comitês de bacias

hidrográficas a responsabilidade decorrente da prática de atos de improbidade administrativa, na

forma do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal.

O dispositivo constitucional acima invocado deu ensejo à criação da Lei Federal nº 8.429, de

2 de junho de 1992, que disciplina:

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. (BRASIL, 1992).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 215

Notem que o conceito do artigo 2º, ora transcrito se insere nos argumentos alhures

pontuados e evidenciam que as pessoas que ostentam a condição de conselheiros se inserem na

regra legal.

No mesmo diploma legal estão os conceitos e as modalidades de atos de improbidade nos

artigos 9º, 10 e 11.

No caso em discussão, interessa-nos o teor do artigo 11, da Lei Federal nº 8.429/1992:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação. (BRASIL, 1992, grifo nosso).

O dispositivo legal acima transcrito deixa expresso e claro que o mero descumprimento dos

princípios que norteiam a Administração Pública já enseja a responsabilidade por ato de

improbidade administrativa.

Importante registrar que para que ocorra a punição por ato de improbidade administrativa

definido no artigo 11, da Lei Federal nº 8.429/1992 há necessidade que o agente público, incluído neste

conceito o conselheiro do comitê, tenha agido com dolo, ou seja, vontade em praticar o ato ímprobo.

Resta evidente, assim, que para que os conselheiros se acautelem durante o desempenho das

suas funções os entes federados – União, Estados e Distrito Federal – ao instituírem os comitês de bacias

hidrográficas, de forma prévia, o façam de maneira planejada, eficiente e com alto grau de capacitação.

Há necessidade que antes mesmo da assunção da função de conselheiro de comitê de bacia

hidrográfica, todas as pessoas ligadas ao poder público ou da iniciativa privada e da sociedade civil

sejam devidamente preparadas e capacitadas, devendo, ainda, ser informadas sobre as

consequências e responsabilidades que advêm do desempenho da importante função.

216

CONCLUSÕES

Os comitês de bacia hidrográfica, embora não possuam personalidade jurídica, integram a

Administração Pública do ente federado a que estão vinculados.

Os conselheiros dos comitês de bacia hidrográfica que representam a sociedade civil e os

usuários, estes de caráter privado, pessoas físicas, mesmo sem remuneração, passam a ostentar a

condição de servidor público, em sentido amplo, pois desempenham função pública.

O artigo 37, caput, da Constituição Federal 1988 traz um rol de princípios que regem a

administração pública e se aplicam à função de conselheiro de comitê de bacia hidrográfica.

Os conselheiros possuem responsabilidade administrativa, penal e civil e esta última pode

decorrer de dano civil ou dano ambiental.

Os conselheiros possuem, ainda, responsabilidade por atos de improbidade administrativa,

em especial, pelo descumprimento dos princípios constitucionais conforme artigo 11, da Lei Federal

nº 8.429/992 e desde que os atos ímprobos sejam praticados com dolo.

Os entes federados, para evitar e prevenir que ocorra a responsabilidade civil por dano

ambiental ou improbidade administrativa, antes da instalação do comitê de bacia hidrográfica

devem desenvolver política pública que preveja a eficiente capacitação dos membros a serem

indicados para o comitê, detalhando todas as respectivas atribuições e responsabilidades.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BITTENCOURT, M. V. C. Manual de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2005. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: DOU, 1988. BRASIL, Lei Federal nº 10.406, de 22 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Brasília: DOU, 2002. BRASIL. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Brasília: DOU, 1981. BRASIL. Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Brasília: DOU, 1992. DI PIETRO, Maria Zylvia Zanela. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GRANZIERA, M. L. M. Direito de águas: disciplina jurídica das águas doces. São Paulo: Atlas, 2003. MINAS GERAIS. Lei Estadual nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999. Belo Horizonte: DOE, 1999

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 217

CAPÍTULO 10

__________________________________________________________________________

20 ANOS DA POLÍTICA E DO SITEMA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS

Julio Thadeu Silva Kettelhut 36

INTRODUÇÃO

A legislação brasileira sobre recursos hídricos é considerada uma das melhores e mais completas

do mundo. O aparato legal disponível criou uma oportunidade única para a sociedade brasileira se

organizar e gerenciar um bem natural de suma importância, a água, de uma forma descentralizada, com

a participação de todos os atores interessados, sejam eles públicos ou privados.

Este capítulo contém uma seleção trechos de textos redigidos pelo autor em diversos

documentos que escreveu ou em que foi coautor ao longo destes vinte anos de existência da Lei nº

9.433/1997 (Lei das Águas), acrescidos de outras novas observações, contendo comentários sobre

diferentes dispositivos deste instrumento legal. Apesar dos conteúdos das reflexões anteriores

terem sido atualizados, nota-se que algumas das preocupações identificadas infelizmente ainda

permanecem atuais. O presente texto não pretende esgotar toda a gama de assuntos referentes ao

processo de implementação e/ou adaptação do previsto nesse instrumento legal, mas apresentar

alguns pontos que, na opinião do autor, são relevantes para a sua continuidade.

Inicialmente apresenta-se um histórico da legislação brasileira sobre recursos hídricos,

seguido de comentários sobre a Política e o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e, finalmente,

considerações sobre alguns de seus dispositivos.

HISTÓRICO

Quando se pensa em possíveis aperfeiçoamentos na atual legislação brasileira sobre recursos

hídricos, deve sempre ser levada em consideração a experiência nacional neste tema. O Brasil tem

uma tradição neste tipo de legislação desde 1580, quando da promulgação das "Ordenações

Filipinas", que possuía itens específicos sobre recursos hídricos referentes ao Brasil. No final do século

XIX começaram os entendimentos iniciais para a elaboração do que foi chamado de Código das Águas.

Em 1907, foi elaborado o primeiro projeto de seu texto, sendo que somente em 10/7/1934, por meio

36Engenheiro Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (EESC-USP); MSc pelo Masschusetts Institute of Technology – MIT. E-mail: [email protected]

218

do Decreto nº 24.643, tornou-se lei. Esse documento legal, apesar de, sob o ponto de vista atual sobre

gerenciamento de recursos hídricos, possuir alguns aspectos considerados ultrapassados, como o da

gestão centralizada, é considerado uma das mais completas legislações sobre o tema já produzidas,

contendo inclusive dispositivos que previam a cobrança pelo uso da água, o conceito do poluidor-

pagador, além de ter sido um dos primeiros atos legais, em nível mundial, a considerar os aspectos

ambientais em empreendimentos de desenvolvimento (KETTELHUT, 1997).

Após a promulgação desse Código, foram elaboradas diversas legislações setoriais e ambientais

relacionadas com a gestão de recursos hídricos, tanto em nível federal como estadual e municipal.

Nesse período, a maioria dos textos legais existentes sobre o assunto previa instrumentos

de gestão do tipo comando-controle, de uma maneira centralizada sem participação direta da

sociedade. Na mesma época, a sociedade brasileira estava experimentando mudanças de caráter

social as quais direcionavam para uma participação maior dos vários segmentos que a compõem,

nos processos decisórios governamentais.

Soma-se a esses fatos que as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por diversas iniciativas

de entidades relacionadas com recursos hídricos (ABRH, ABES, etc.), que reivindicavam o

estabelecimento de uma política para o setor. Técnicos e profissionais ligados à área acadêmica

começaram a discutir a necessidade de se conseguir um sistema de gerenciamento de recursos

hídricos em nível nacional, criando uma base conceitual inicial para a apresentação de uma proposta

que refletisse as dimensões do Brasil, seu regime hidrológico diversificado, as características sociais,

econômicas, demográficas de cada região ou Estado brasileiro, assim como propiciasse condições

para mitigação dos potenciais conflitos pelo uso da água, já previsíveis, dada a utilização

descontrolada pelos diferentes setores usuários.

Essa visão participativa de uma forma sistêmica teve um papel preponderante durante a

elaboração da Constituição Federal (CF) de 1988, refletindo em diversos de seus artigos. Esse marco

legal estabeleceu vários dispositivos relacionados com gestão de recursos hídricos, como: instituir

a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos; definir que

“são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a territórios estrangeiros ou que deles provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais" (BRASIL, 1988);

compete à União:

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 219

Explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; os serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites do estado ou território; definir critérios de outorga de direitos de uso das águas. Que são bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósitos, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União. Constituem competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; promover a melhoria das condições e fiscalizar as concessões de direitos de exploração de recursos hídricos em seus territórios; legislar concorrentemente sobre defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, responsabilidade por dano ao meio ambiente e proteção e defesa da saúde. (BRASIL, 1988)

No período pós-promulgação da Constituição de 1988 foram criados diversos organismos de

gestão de recursos hídricos, como comitês estaduais e federais, consórcios intermunicipais e

associações diversas, além de órgãos públicos estaduais com atribuições específicas sobre gestão

de recursos hídricos.

Após uma série de manifestações de entidades governamentais e ONGs, da sociedade civil e de

usuários da água sobre a necessidade de regulamentar o previsto na Constituição e estabelecer um

sistema de gerenciamento integrado, racional, participativo, democrático e descentralizado, o Poder

Executivo, na década de 1990, resolveu criar um Grupo de Trabalho, junto à Casa Civil com a finalidade

de estudar e estabelecer uma proposta de Projeto de Lei sobre a política nacional de águas.

A proposição, discussão, elaboração e aprovação da Lei nº 9.433/1997, de 8 de janeiro de 1997,

levou aproximadamente dez anos para ser concretizada. Essa demora deu-se ao fato das intensas

negociações entre os diversos setores envolvidos que de alguma forma seriam afetados pelo

estabelecimento dessa legislação. Ressalta-se que, nesse período existia a pulverização de ações

relacionadas com a gestão dos recursos hídricos entre setores governamentais responsáveis pelas

políticas setoriais consideradas como usuárias, como: irrigação, hidroenergia, navegação, saneamento.

Soma-se a isto o fato de o órgão do Governo Federal responsável pela gestão dos recursos

hídricos, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), que pertencia à estrutura

administrativa do Ministério de Minas e Energia (MME), priorizava as suas ações de obtenção,

tratamento e fornecimento de informações sobre gerenciamento de recursos hídricos no Brasil para

seu setor, considerado estratégico na política de desenvolvimento nacional. Essa situação foi

agravada quando do estabelecimento do Ministério da Irrigação, em 1989, com atribuições para

outorgar o uso da água para irrigação, setor que é o maior usuário consuntivo e com potencial de

poluição e degradação ambiental. Esta dicotomia no comando de concessão de outorgas em nível

federal tornou o funcionamento do sistema quase impraticável devido à pouca ou inexistência de

comunicação entre esses órgãos outorgantes.

220

O Grupo de Trabalho (GT), composto, basicamente, de representantes de órgãos

governamentais federais com interesse no tema, foi criado pelo Decreto nº 99.400/1990 com o

objetivo de apresentar proposta de texto da lei para implantar a Política Nacional de Recursos

Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Foram discutidos,

exaustivamente, temas gerais sobre os procedimentos necessários para se promover a gestão dos

recursos hídricos e específicos, como: qual entidade deveria ser o órgão gestor federal, suas

atribuições, principalmente quanto à concessão das outorgas; onde se localizaria a Secretaria

Executiva do Sistema e a inclusão de conceitos ambientais. A proposta final do GT mantinha a

situação institucional gerencial existente no Governo Federal, ou seja, os órgãos outorgantes seriam

o Ministério da Irrigação para o seu segmento e o DNAEE para os demais, sendo que este órgão

também seria a Secretaria Executiva do futuro Conselho Nacional. Essa proposta, se aprovada,

manteria os problemas operativos, como as diferenças entre a quantidade e qualidade de

informações disponíveis, o aparato institucional, técnico e administrativo das entidades envolvidas

e, principalmente, seus interesses setoriais conflitantes, além de não prever a participação dos

usuários e sociedade civil.

A discussão e aprovação dessa proposta, encaminhada em 14 de novembro de 1991 à

Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, sob o nº 2.249/1991, durou cerca de cinco anos. Seu

texto original foi modificado por uma proposta substitutiva, que foi aprimorada pelo segundo

relator. A redação final foi conseguida após intensas negociações presenciais entre todos os

interessados governamentais ou não, com realização de audiências públicas, seminários, viagens,

trabalhos técnicos e, principalmente, conciliações dentro do aparelho administrativo do Governo

Federal. Ressalta-se que durante esse período, em março de 1995, foi criada a Secretaria de

Recursos Hídricos, no então Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal

(MMA) que recebeu as atribuições de gestão dos recursos hídricos no Governo Federal,

incorporando, no modelo administrativo federal, o conceito de uso múltiplo da água.

A proposta resultante elaborada pelo GT espelhava os anseios gerais da sociedade, adotando

princípios previstos na Agenda 21 e na Declaração de Dublin, estabelecendo conceitos de

democratização e descentralização, que o uso prioritário dos recursos hídricos é para o consumo

humano e a dessedentação animal; os usos múltiplos da água; o reconhecimento da água como

bem econômico e estabelecendo a localização institucional do Conselho Nacional de Recursos

Hídricos – CNRH e sua Secretaria Executiva no MMA. Esse Projeto de Lei foi aprovado em 2 de

novembro de 1996.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 221

Em seguida, o PL foi encaminhado ao Senado Federal, onde recebeu o nº PLC 70, que o

aprovou em 16 de dezembro de 1996, sem modificações no texto encaminhado pela Câmara do

Deputados. Após o que, foi submetido à Presidência da República, onde, apesar de ter sofrido alguns

vetos que não interferiram em seus fundamentos, decorrentes de solicitações feitas por setores

governamentais que ainda se julgavam prejudicados e de outras oriundas da sociedade civil, foi

sancionado pelo Presidente no dia 8 de janeiro de 1997, como Lei nº 9.433/1997.

Desde a data da publicação da Lei até dezembro de 1998, o MMA, por meio da Secretaria de

Recursos Hídricos (SRH), concentrou-se na tarefa de preparar uma proposta de regulamentação dos

seus dispositivos. Foi consensado entre os participantes do SINGREH que essa normatização deveria

ser dada no âmbito do Sistema, para evitar que ocorressem distorções que pudessem comprometer

seus princípios fundamentais de funcionamento.

Inicialmente, tratou-se da redação do Projeto de Lei das Agências de Água, tendo em vista o

disposto no art. 53 da Lei nº 9.433/1997, que estabeleceu o prazo de 120 dias para seu

encaminhamento, pelo Poder Executivo, ao Congresso Nacional. Em sequência, foram elaboradas

minutas de projetos de decretos para os diferentes aspectos da lei (instrumentos de gestão,

Conselho Nacional de Recursos Hídricos, comitês de bacias hidrográficas - CBHs, etc.), as quais foram

amplamente discutidas, por meio de seminários, workshops, reuniões técnicas e disponibilizadas,

no período entre março e setembro de 1998, para recebimento de sugestões. Nesse processo, foi

priorizada a regulamentação do CNRH, que resultou na edição do Decreto nº 2.612, de 3 de junho

de 1998. Com a criação do Conselho, optou-se por fazer a regulamentação geral da Lei por meio de

resoluções deste órgão, o que tornaria sua implementação mais ágil e facilitaria as mudanças e

adaptações futuras que fossem necessárias.

Durante todo o período que durou o processo procurou-se evidenciar a necessidade de que

a implementação da Lei ocorresse de forma a trazer credibilidade ao sistema de gerenciamento,

através de publicidade de seus atos, da escolha democrática dos representantes setoriais nos órgãos

colegiados decisórios e da integração entre os setores público, privado e sociedade civil. Essa forma

de conduta induziu um aumento na predisposição dos diferentes atores, a participar e contribuir

para a sua legitimidade.

Em 17 de julho de 2000, foi criada a Agência Nacional de Águas, pela Lei nº 9.984/2000, com

a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos,

integrando o Sistema Nacional de Recursos Hídricos.

222

Desde da promulgação da Lei das Águas muito se avançou na gestão dos recursos hídricos

no Brasil. Além da criação do CNRH e ANA, foi elaborado e aprovado o Plano Nacional de Recursos

Hídricos em 2006, passando agora pelo segundo processo de atualização; foram criados cerca de

240 comitês de bacias hidrográficas, dos quais 10 são em bacias de rios federais; a cobrança pelo

uso dos recursos hídricos está sendo implementada em diversos desses comitês; o Sistema Nacional

de Recursos Hídricos está em operação, disponibilizando para toda a sociedade dados e informações

sobre esse recurso natural; todos os Estados possuem Conselhos Estaduais e Secretarias ou órgãos

responsáveis pelo gerenciamento dos recursos hídricos de seu domínio; um aumento significativo

do número de outorgas para uso dos recursos hídricos, tanto em nível federal como estadual; houve

um grande aumento na percepção, pela sociedade, da importância da preservação e do uso racional

dos recursos hídricos; entre outros avanços.

IMPLEMENTAÇÃO DA LEI

A Política Nacional de Recursos Hídricos do Brasil está fundamentada em princípios aceitos

mundialmente, estabelecidos em itens constantes da Agenda 21 e na Declaração de Dublin, como

básicos para o gerenciamento de recursos hídricos, que também espelham os desejos da grande

maioria dos atores envolvidos na elaboração da Lei das Águas. (KETTELHUT; BARROS; 2001)

Entre eles, os que mais se destacam em termos administrativos são os da democratização e

da descentralização do poder decisório e de execução das ações, admitindo a bacia hidrográfica

como unidade de planejamento. Esse processo deve ocorrer por intermédio dos fóruns

participativos do Singreh, em particular os CBHs e Agências de Água, de forma democrática, com

ampla participação da sociedade e dos usuários.

Por outro lado, esses princípios embora teoricamente aceitos, têm dificuldades em serem

realmente praticados, por irem de encontro com paradigmas a muito enraizados na sociedade

brasileira. Paradigmas do tipo socioculturais, político-institucionais e econômicos causam

resistência natural de alguns atores à implementação dos dispositivos da lei ou por os conhecerem

suficientemente ou por terem seus interesses pessoais, corporativos ou tecnocráticos contrariados

ou reduzidos. Por exemplo, técnicos e dirigentes de órgãos públicos em aceitarem os processos de

descentralização e democratização, os usuários em reconhecerem que a cobrança não é mais um

imposto, e em identificarem os benefícios diretos e indiretos que receberão como resultados de

uma gestão racional dos recursos hídricos, ainda, a sociedade civil e entidades públicas locais em

recearem perder os apoios financeiros vindos de esferas administrativas superiores.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 223

Para o Brasil, devido às suas dimensões territoriais, suas diversidades regionais no que tange

a aspectos culturais, sociais, econômicos, demográficos e físicos, torna-se muito clara a necessidade

de utilizar esse modelo de gerenciamento. Pode-se tomar como exemplo a dificuldade de exercer

de uma forma centralizada, em uma maneira efetiva e eficaz, a fiscalização da utilização correta dos

usos dos recursos hídricos devido ao grande número de usuários, sua distribuição geográfica e de

todas as diversidades apontadas anteriormente.

Por conseguinte, a melhor alternativa é que a gestão dos recursos hídricos ocorra em nível

da bacia hidrográfica, ou seja que as decisões sobre as ações que devam ser feitas, sejam tomadas

localmente pelos CBHs e executadas/gerenciadas pelas respectivas agências de bacias, quando

existirem. Esse tipo de procedimento não impede ou reduz as ações e atividades dos órgãos gestores

nos temas que são de suas competências e responsabilidades, devendo a atuação ser conjunta e

complementar. Eventuais conflitos de interesses em alguns temas comuns a diferentes comitês de

bacias, ou com atividades de interesse nacional, como, por exemplo, a instalação de uma

hidroelétrica, devem ser discutidas nos respectivos planos de recursos hídricos, em nível de bacia

hidrográfica, estadual ou no Plano Nacional de Recursos Hídricos.

É importante notar que entre as ações descentralizadoras, deve ser incluída a referente à

construção técnica das soluções. Propostas, estudos e respectivas implementações devem contar

com uma participação efetivas dos atores locais. O estilo “nós temos os melhores técnicos e,

portanto, sabemos o que é melhor para vocês”, não ocasiona o envolvimento da sociedade local na

solução dos problemas, não facilitando sua implementação.

Outro princípio fundamental associado ao anterior é o da democratização na tomada de

decisões. A Lei das Águas e outras leis estaduais sobre o tema, preveem que essas decisões

aconteçam no âmbito dos seus órgãos colegiados, ou seja, nos CBHs , nos conselhos estaduais de

recursos hídricos - CERHs e no CNRH , de maneira a criar condições para haver uma parceria entre

o setor público e a sociedade civil no que se refere à gestão de um bem público. Apesar de

apresentarem, em alguns casos, diferenças relacionadas aos percentuais de representantes por

segmento participante, todas asseguram, além da presença de representantes dos órgãos públicos,

a participação da sociedade civil e dos usuários.

Portanto, a implementação desses conceitos é fundamental para alcançar os objetivos da

gestão dos recursos hídricos no Brasil, sendo necessário que sejam realmente entendidos e

absorvidos não só pelos dirigentes os órgãos e entidades responsáveis pelo controle e utilização dos

recursos hídricos, como também pela sociedade como um todo com relação a seus benefícios e

responsabilidades. Este é um procedimento lento, de longo prazo, com duração e velocidade

224

variada de acordo com as características regionais brasileiras, que vem sendo conduzido de uma

forma natural, sem pressões, por meio de um processo de autoaprendizagem e adaptação às

condições locais, regionais e nacionais, dos vários fatores que influenciam a gestão dos recursos

hídricos. Todavia, ao se avançar deve sempre se ter um cuidado especial quanto à preservação dos

princípios, "do espírito da lei", que deram origem à Lei das Águas e ter um alto grau de coerência e

transparência nos seus propósitos. O sucesso desse processo está baseado no grau de credibilidade

do mesmo perante os atores envolvidos.

INSTRUMENTOS DE GESTÃO

Para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos foram previstos na Lei da

Água, seis “instrumentos de gestão: os Planos de Recursos Hídricos; o enquadramento dos corpos

de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; a outorga dos direitos de uso de

recursos hídricos; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; o Sistema de Informações sobre

Recursos Hídricos e a compensação a municípios” (BRASIL, 1997). Todos esses instrumentos, com

exceção do último, que foi vetado pela Presidência da República, fazem parte dos mecanismos

operacionais legais constantes da Lei nº 9.433/1997, necessários para promover o gerenciamento

dos recursos hídricos. Em seguida, serão feitas algumas considerações específicas para cada um

desses instrumentos de forma a seguir os princípios que gerou a Lei das Águas.

Cobrança pelo uso de recursos hídricos

O Código de Águas havia estabelecido desde 1934, que "o uso comum das águas pode ser

gratuito ou retribuído, conforme as leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que

pertencerem", porém, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos nunca foi realmente implementada

até que Lei das Águas, em 1997, deu um tratamento específico para este tema.

A Política Nacional de Recursos Hídricos enfatiza que a água é um bem esgotável, dotado de

valor econômico. Ao reconhecer isso, a Lei nº 9.433/1997, indica a sua importância e a necessidade

de otimizar o seu uso. Os seus artigos sobre a cobrança, deixam claro que não se trata da criação de

mais um imposto para a sociedade brasileira. Os princípios que a estabeleceram estão mais

próximos de uma participação (contribuição) dos usuários para, complementarmente aos recursos

financeiros oriundos dos impostos, resolver ou mitigar problemas relacionados com recursos

hídricos na bacia hidrográfica, (KETELHUT; BARROS; 2001) buscando promover financiamentos das

ações previstas nos respectivos planos de bacias e, com um percentual de 7,5%, o custeio

administrativo da Agência de Água.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 225

Define que cabe ao respectivo CBH as decisões sobre quanto será cobrado, como será o

procedimento de cobrança, quem irá pagar e quando e onde os recursos serão aplicados, devendo,

prioritariamente, serem aplicados na bacia hidrográfica onde ocorreu a arrecadação. A sociedade

local se reúne no comitê para identificar e propor ações por meio do seu Plano de Recursos Hídricos,

para melhoria da gestão dos recursos hídricos na bacia, decidindo qual será o custo para

implementá-las, qual será sua capacidade de pagamento e quais serão os horizontes de

implementação do planejado. Esses custos deverão ser divididos entre os usuários, não

necessariamente de forma igualitária. Poderá haver valores diferenciados entre os diferentes usos

ou dentro de um mesmo segmento, em empreendimentos localizados em diferentes pontos da

bacia hidrográfica. É importante ressaltar que a Lei das Águas prevê que a cobrança será utilizada,

em financiamento de estudos e ações. O pagamento da somatória das despesas de operação e

manutenção do sistema (gastos com a agência de água, operação do comitê, etc.) têm de obedecer

ao limite de 7,5% do valor total arrecadado.

X A Lei das Águas também estabelece em seus Arts. 35 e 38 que os mecanismos e valores a

serem cobrados, sugeridos pelos Comitês de Bacia, deverão ser submetidos ao respectivo Conselho

Estadual ou Conselho Nacional de Recursos Hídricos para validação, de acordo com o domínio do

corpo d'água em questão.

A implementação da cobrança em algumas bacias hidrográficas avançou bastante desde quando

ocorreu pela primeira vez na bacia do rio Paraíba do Sul, principalmente no que se refere às formas de

calcular os valores a serem cobrados, participação dos usuários nos processos, agilidade na aceitação e

definição da cobrança pelos respectivos comitês de bacias. Talvez o maior avanço tenha sido a

superação dos problemas relacionados ao contingenciamento dos recursos arrecadados em rios de

domínio federal, representando não somente um significante avanço e ordem administrativa, mas,

principalmente, o reconhecimento pela administração direta federal da existência de um recurso

extraorçamentário com características diferentes dos arrecadados por meio de impostos.

Porém, um outro conceito de grande importância relacionado a este instrumento,

estabelecido no art. 22 da Lei das Águas, ainda não foi praticado. Ele se refere ao acesso de todos

atores aos recursos financeiros arrecadados. Estabelece este artigo, em seu inciso l, em conjunto

com o inciso II do art. 19, respectivamente, que os valores arrecadados serão utilizados "no

financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos"

em "ações que incentivem a racionalização do uso da água". Está previsto, também, no inciso IV,

art. 43, que compete às Agências de Água "analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a

serem financiados pela cobrança pelo uso de recursos hídricos e encaminhá-los à instituição

financeira responsável pela administração desses recursos". (KETTELHUT; 2011).

226

Ou seja, cabe ao Comitê, por meio de sua respectiva agência de água, decidir sobre onde e

qual a maneira de aplicação dos recursos arrecadados, podendo, por exemplo, constituir um fundo

financeiro em que todos os atores poderiam ter acesso, sejam eles públicos ou não. A forma como

as operações financeiras se daria, com ou sem juros, valor desses juros, prazos, etc., seria definida

pelo Comitê, em conjunto com a entidade financeira que o apoiará. Todavia, no art. 22, o

entendimento mais importante que dele consta é que esses recursos são reembolsáveis e que as

aplicações "a fundo perdido" somente "poderão acontecer em projetos e obras que alterem, de

modo considerado benéfico a coletividade” conforme expõe o seu § 20 e, é claro, se o respectivo

Comitê de Bacia decidir por essa excepcionalidade que, por ser uma exceção à regra geral, deve ser

muito bem analisada.

Como atualmente a grande maioria desses recursos, senão sua totalidade, está sendo

aplicada a fundo perdido, consequentemente, por implicações legais, somente órgãos e entidades

públicas têm acesso aos mesmos, salvo algumas raríssimas exceções. Como exemplo, parte desses

recursos são aplicados por esses órgãos principalmente na área de saneamento que é de

competência municipal. Esta é uma distorção nos princípios da lei, ou seja, como a cobrança pelo

uso de recursos hídricos não é configurada como imposto, ao substituir recursos para investimentos

que deveriam ser realizados com recursos oriundos de tributos, sejam eles municipais, estaduais ou

federais, acaba, na prática, ser considerada como tal.

A criação de um mecanismo de financiamento reembolsável seria a maneira de viabilizar o

acesso de todos os atores aos valores arrecadados pela cobrança. Esta providência pode ocasionar

uma nova sensibilidade dos usuários com relação a esse instrumento, pois, para ter oportunidade

de acesso ao mesmo, devem estar com suas condições administrativas regularizadas com o Sistema

e participarem do respectivo CBH. Servirá, também, como um “incentivo” para melhorar sua

eficiência nos usos dos recursos hídricos.

Outro aspecto importante relacionado à Cobrança como um dos instrumentos de gestão, é

o que deve ser vista como uma ferramenta para melhor distribuir, dentro de uma bacia hidrográfica,

a utilização espacial desses recursos. Os valores cobrados não necessariamente devem ser iguais

para todos os usuários, podendo ser inclusive diferenciados dentro de um mesmo segmento, em

função da localização do empreendimento na bacia. É evidente que, em um rio, as águas situadas a

montante têm valor intrínseco maior que as de jusante, pois poderiam ser utilizadas ou reutilizadas

por outros usuários. Ao se aplicar valores diferenciados, baseados em estudos constantes do plano

de recursos hídricos da respectiva bacia hidrográfica, a cobrança poderá induzir, por meio da

localização dos usuários, que se consiga maior racionalidade do uso dos recursos hídricos.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 227

Outorga pelo uso dos recursos hídricos e cadastro de usuários

A outorga pelo uso dos recursos hídricos é um instrumento fundamental para a gestão,

consistindo no instrumento legal que garante o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.

Segundo o que preconiza a Lei das Águas em sua Secão III e a Resolução nº 29 do CNRH, a mesma é

concedida através de ato administrativo de autorização do poder público, mediante o qual é

permitido ao outorgado o uso de recursos hídricos, conforme exigências estabelecidas neste

documento, de acordo com diretrizes e prioridades estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos

da bacia hidrográfica aprovados pelo(s) respectivo(s) Comitê(s) de Bacia Hidrográfica. . (KETTELHUT;

BARROS; 2001). Esses procedimentos vão ao encontro dos princípios básicos da Lei nº 9.433/1997

aplicáveis à concessão da outorga, relacionados com o controle pelo setor público, a gestão

participativa e descentralizada, a gestão por bacia hidrográfica e o gerenciamento integrado dos

aspectos quantitativos e qualitativos.

Durante as negociações para a aprovação da Lei da Águas, dentre as dificuldades

encontradas, uma bastante significativa foi a que dizia respeito ao convencimento do antigo órgão

outorgante federal, o DNAEE, da importância que o procedimento de outorga se desse em uma

entidade independente de interesses setoriais, garantindo uma igualdade de acesso à água a todos

os interessados, preservando os seus direitos. Esses conflitos estavam cada vez mais claros e

frequentes, principalmente entre os setores elétrico, de navegação e de irrigação. Depois desse

período ocorreu uma fase de transição na qual a outorga para o setor de irrigação era concedida

pelo Ministério da Irrigação e os demais usos pelo DNAEE, passando, posteriormente, para a Agência

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Em seguida, o procedimento foi unificado, cabendo à

Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente essa responsabilidade. Finalmente,

com a promulgação da Lei nº 9.984, em 2000, qualquer outorga pelo uso dos recursos hídricos de

domínio da União passou a ser emitida pela Agência Nacional de Águas (ANA). A concessão de

outorgas para os rios de domínio estadual ou distrital é de competência de seus respectivos órgãos

ou entidades estaduais ou distritais gestores de recursos hídricos. Está prevista a possibilidade de

delegação pela ANA aos órgãos estaduais para emissão de outorgas em rios de domínio da União, o

que reforça a iniciativa de se fazer uma gestão descentralizada dos recursos hídricos. Por outro lado,

em uma bacia hidrográfica com rios de diferentes domínios, é necessário que haja um trabalho

interligado entre todas as autoridades outorgantes operando na mesma (gestão integrada), de

modo que nenhuma delas comprometa usos já outorgados pelas demais, assegurando os direitos

dos usuários e reduzidas as possibilidades de conflitos de uso.

228

Segundo a Lei das Águas, estão sujeitos à outorga os seguintes usos:

derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; extração de água de corpo de água subterrâneo; lançamento de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; outros que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d'água. (BRASIL, 2014).

A Lei atribui ao Comitê de Bacia propor ao respectivo Conselho, de acordo com o domínio do

corpo de água, os usos que podem ser considerados insignificantes e, portanto, independem de outorga.

É importante ressaltar que o fato de determinado uso não necessitar de outorga não significa

que o mesmo não deva ser registrado pelo órgão outorgante. É fundamental que esses órgãos

mantenham um cadastro de todos os usuários de uma determinada bacia hidrográfica, para

conhecer a real demanda existente, a qual é base para todos os cálculos necessários para a

concessão das outorgas solicitadas para essa área.

Em decorrência dos princípios que embasam os procedimentos para a sua emissão, a outorga,

além de ser um instrumento fundamental para a gestão, pode servir, juntamente com o cadastro dos

usuários, como indicador da qualidade da mesma em determinada bacia hidrográfica. A Lei nº

9.433/1997 prevê uma relação direta entre a outorga e os demais instrumentos de gestão, assim como

a dependência de sua operação com a qualidade do funcionamento dos diferentes órgãos e entidades

do Singreh. Uma análise desses dados pode qualificar e monitorar o nível da implementação do

gerenciamento de seus recursos hídricos e as ações necessárias para melhorá-los.

Enquadramento de corpos de águas em classes, segundo os usos preponderantes da água

Conceitualmente, o enquadramento de corpos de água, no que se refere a Política Nacional

de Recursos Hídricos, constitui em metas a serem atingidas em uma bacia hidrográfica, de acordo

com seu plano de recursos hídricos, devidamente consensadas entre os atores que constituem o

respectivo CBH. (KETTELHUT; BARROS; 2001).

O enquadramento dos corpos d'água constitui, conforme definição da Resolução nº 20/1986,

do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), no "estabelecimento do nível de qualidade

(classe) a ser alcançado ou mantido em um segmento de corpo d'água ao longo do tempo".

A Lei das Águas estabelece em seu art. 10 que “as classes dos corpos de água serão

estabelecidas pela legislação ambiental”, o que robustece a necessidade da implementação do

previsto em seu art. 3º., inciso III, que estipula como uma de suas diretrizes gerais a integração da

gestão dos recursos hídricos com a ambiental.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 229

Planos de recursos hídricos (nacional, estadual e de bacias hidrográficas)

Conforme os art. 6 º e 7 º da Lei nº 9.433/1997, “0s planos de Recursos Hídricos são planos

diretores que visam fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos

Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos” em nível nacional, estadual e de bacias

hidrográficas, São ‘planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o

período de implantação de seus programas e projetos”.

Esses instrumentos de gestão devem ser dinâmicos, incluindo todas as particularidades

sócio-econômicas e ambientais da respectiva área em estudo, com nível de detalhe compatível com

sua escala. Devem apresentar, segundo o art. 7 ºt, .“as prioridades para outorga de direito de uso

dos recursos hídricos e as medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos

a serem implantados, para o atendimento das metas previstas”. Não parece ser legislação. Além

disso melhor não começar seção com citação direta.

A elaboração do Plano Nacional é de responsabilidade da Secretaria de Recursos Hídricos e

Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (SRHQ), e a sua aprovação do Conselho

Nacional de Recursos Hídricos. Os Planos Estaduais deverão ser elaborados pelos órgãos ou

entidades gestoras estaduais e aprovados pelos respectivos Conselhos Estaduais de Recursos

Hídricos. Finalmente, a elaboração do Plano de Bacia Hidrográfica é de responsabilidade da Agência

de Águas (ou de Bacia) ou, na sua ausência, do órgão gestor, de acordo com a dominialidade do rio,

devendo ser aprovado pelo respectivo CBH.

O CNRH aprovou em 2001, a Resolução nº 17, que foi reformulada pela Resolução nº 145 de

2012, estabelecendo diretrizes para elaboração de planos de recursos hídricos para bacias

hidrográficas, pela qual, em seu art.3º determina que cabe ao CBH, “promover a articulação do

arranjo técnico, operacional e financeiro necessário `a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos”.

No art.4º dá a responsabilidade de sua elaboração a agências de águas ou entidades delegatarias,

com apoio da respectiva entidade gestora de recursos hídricos. Sendo que essa última poderá

elaborar esses planos no caso da não existência dos entes executivos dos Comitês.

Sistema de informações sobre recursos hídricos

O Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH) é definido na Seção VI

da Lei nº 9.433/1997 como um "sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de

informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão".

Os objetivos desse Sistema são:

230

reunir, dar consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Brasil; atualizar permanentemente as informações sobre disponibilidade e demanda de recursos hídricos em todo o território nacional; e fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos. (BRASIL, 2014).

Esses objetivos permitiram o avanço em um dos temas mais relevantes relacionados à gestão

dos recursos hídricos, à sistematização e publicidade das informações e dados gerados pelos órgãos

responsáveis pelas suas coletas e tratamentos. No período anterior à Lei da Águas, a disponibilização

e obtenção pela sociedade dessas informações não era um procedimento fácil e objetivo, pois os

órgãos geradores atendiam primeiramente os seus interesses corporativos, tornando difícil o acesso

dos demais interessados, com trâmites burocráticos demorados e, em alguns casos, impossíveis,

por serem considerados sigilosos. Com a promulgação da Lei nº 9.433/1997, a publicidade dos

mesmos foi um dos primeiros atos realizados, no sentido de democratizar o processo de gestão.

Atualmente, todos os dados e informações produzidos por órgãos públicos estão disponibilizados à

sociedade. A Lei da ANA estabeleceu a esta entidade a tarefa de "organizar, implantar e gerir o

Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos".

FÓRUNS DO SISTEMA

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), previsto na

Constituição brasileira, em seu art. 20, criado pela Lei das Águas, regulamentado parcialmente pelo

Decreto nº 2.612, de 3 junho de 1998, tem como objetivos os de:

coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos; planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; e promover a cobrança pelo uso dos recursos hídricos. (BRASIL, 2014)

O sistema criado não conflita com a estrutura administrativa existente, mantendo suas

competências originais. Cria somente os organismos necessários à execução de atividades que têm

a bacia hidrográfica como unidade territorial, que é diversa da divisão político-administrativa do

país, para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Singreh.

O Sistema deve atuar de forma descentralizada, participativa e democrática. O Sistema é

integrado por:

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 231

Conselho Nacional de Recursos Hídricos — órgão deliberativo e normativo, instância

administrativa mais elevada da hierarquia do Sistema que cabe definir as diretrizes nacionais da Política Nacional de Recursos Hídricos;

Agência Nacional de Águas — ANA — autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, cuja finalidade é implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos;

Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal — órgãos deliberativos e normativos mais elevados na hierarquia dos respectivos sistemas Estaduais ou Distrital de Recursos Hídricos;

Comitê de Bacia Hidrográfica — órgão destinado a atuar como, instância deliberativa e normativa, no âmbito de uma bacia ou sub-bacia hidrográfica;

Agências de Água ou Entidade Delegatária– atuam como secretaria executiva do Comitê de Bacia Hidrográfica, diretamente subordinada ao mesmo, sem fins lucrativos, com estrutura administrativa, financeira e personalidade jurídica própria;

Órgãos e entidades dos serviços públicos federal, estaduais, distritais e municipais, com relevante atuação na gestão dos recursos hídricos.(KETTELHUT; BARROS; 2001).

Os órgãos colegiados do Sistema são compostos por representantes do Poder Público, dos

usuários e da sociedade civil organizada.

Como cabe a esses órgãos a regulamentação, implementação e aplicação dos instrumentos

de gestão previstos na Lei (outorga, cobrança, sistema de informações, planos de recursos hídricos

e enquadramento dos corpos de água) para atingir os seus objetivos propostos, é necessário que

possuam estruturas administrativas compatíveis com suas atribuições.

Conselho Nacional de Recursos Hídricos

Diante da importância e complexidade do processo de regulamentação da Lei das Águas, optou-

se por regulamentar primeiro o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), devido ao fato de ser

a última instância administrativa na hierarquia do Sistema, sendo suas atribuições fundamentais para a

sua operacionalização. Foi também considerada como estratégica a sua criação imediata, na expectativa

de que a sua instalação serviria de estímulo à criação dos Conselhos Estaduais, dos Comitês de Bacias

Hidrográficas e, consequentemente, agilizaria a implementação do Singreh.

O CNRH como o principal fórum nacional de discussão e deliberação sobre gerenciamento

dos recursos hídricos, tem o papel de agente integrador e articulador das políticas públicas

relacionadas com a gestão desses recursos, particularmente, quanto a harmonização do

gerenciamento de águas de diferentes domínios.

O CNRH foi criado pelo Decreto nº 2.612, de junho de 1998, e instalado em novembro do

mesmo ano. É o órgão máximo normativo e deliberativo do Singreh com atribuições de:

232

Promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários; arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados; deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica; analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos; estabelecer diretrizes complementares para implementação desta Política, aplicação de seus instrumentos e atuação do Singreh; aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso; zelar pela implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB); estabelecer diretrizes para implementação da PNSB, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB); apreciar o Relatório de Segurança de Barragens, fazendo, se necessário, recomendações para melhoria da segurança das obras, bem como encaminhá-lo ao Congresso Nacional. (BRASIL, 2014).

Entre as atribuições do CNRH previstas no texto original da Lei, havia a do inciso VIII, do art.

35, que foi vetado pela Presidência da República. Este item dispunha que o PNRH deveria ser

encaminhado, na forma de projeto de lei, ao Congresso Nacional pelo Conselho, após sua

aprovação. Caso este procedimento fosse obrigatório, poderia comprometer a natureza dinâmica

do Plano, devido à necessidade de ocorrer alterações e adaptações de ordem técnica, econômica e

administrativa, ao longo de sua execução, sendo que os tempos necessários para a aprovação de

mudanças em legislação e a complexidade que caracteriza o processo legislativo, inviabilizaria sua

implementação. O Decreto nº 2.612/1998 estabeleceu que compete a este Conselho a aprovação

final do referido Plano.

Um tema que foi muito discutido na elaboração da Lei das Águas foi o que se referia à

definição da competência do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, se deveria ser de caráter

deliberativo ou consultivo. Existiu uma grande pressão corporativa de órgãos governamentais

setoriais, para que o mesmo fosse somente consultivo. Essa sugestão criou um impasse, pois se

fosse aceita, tiraria todo o empoderamento desse Conselho, inviabilizando os princípios básicos

de democratização e descentralização que embasam a Lei. Para sair deste impasse, o Grupo de

Trabalho que estava preparando este PL, após muita discussão, sugeriu estabelecer que na

composição do CNRH, o Governo Federal teria maioria, 50% mais 1 dos votos, podendo, nesse

formato, ser consultivo e deliberativo. O grande avanço foi que na forma escrita do PL, ficou a

expressão “até” 50% mais 1, o que resultou em uma composição não fixa, que poderia ser

alterada, no futuro.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 233

Em 2003 o Plenário do Conselho visando atender as demandas de garantir uma maior

participação dos diversos segmentos da sociedade, de usuários, de representantes dos Conselhos

Estaduais de Recursos Hídricos e de vários órgãos e instituições federais com atividades afins,

aprovou o aumento do número de conselheiros, passando de 29 para 59, que é a sua composição

atual. Esta medida possibilitou uma maior capacidade de articulação entre representantes de todos

os segmentos interessados na gestão dos recursos hídricos, oriundos de diferentes regiões

brasileiras, de agentes locais e regionais, em benefício do interesse nacional. Atualmente, está em

estudo no CNRH uma outra proposta de composição, que prevê a alteração dos percentuais de

representantes por segmento representado.

O CNRH é composto por 59 representantes, dos quais, 29 são do governo federal, 10 dos

Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, sendo que o suplente necessariamente deve ser de um

Estado diverso do titular, 12 dos usuários e 6 das organizações civis de recursos hídricos.

Os usuários são representados por 2 membros do setor de irrigantes; 3 pelo setor indústrias,

sendo que um deles indicado pelo setor minerometalúrgico; 2 pelas concessionárias e autorizadas

de geração hidrelétrica; 1 pelos pescadores e usuários de recursos hídricos com a finalidade de lazer

e turismo; 2 pelos prestadores de serviço público de abastecimento de água e esgotamento

sanitário; e 2 pelos hidroviários, sendo que um deles pelo setor portuário.

Dentre as organizações civis de recursos hídricos foram definidos: 2 representantes para os

consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas, sendo que um deles é indicado

pelos Comitês de Bacias Hidrográficas; 2 pelas organizações técnicas e de ensino e pesquisa com

interesse na área de recursos hídricos, com um deles é indicado pelas organizações técnicas e outro

pelo de ensino e pesquisa; 2 pelas organizações não governamentais com objetivos de defesa de

interesses difusos e coletivos da sociedade.

Segundo o art.36 da Lei nº 9433/1997, a Presidência do CNRH é exercida pelo Ministro de

Estado do Meio Ambiente (MMA) e a Secretaria Executiva pela Secretaria de Recursos Hídricos e

Qualidade Ambiental do MMA.

Com o objetivo de discutir com maiores detalhes os temas em pauta no CNRH e assessorar

o seu Plenário foram criadas Câmaras Técnicas (CTs), que inicialmente eram compostas por 7

Conselheiros ou representantes, sendo, posteriormente modificadas para o total de 17. Os

representantes possuem mandato de dois anos, podendo ser renováveis, caso o CNRH decida, por

outros períodos de igual prazo. As reuniões dessas Câmaras são públicas, podendo participar

qualquer pessoa interessada no tema em discussão, porém, as decisões somente podem ser

tomadas pelos seus respectivos representantes. É prevista também a participação de convidados

relacionados aos segmentos pertencentes ao Conselho, ou especialistas interessados no tema.

234

Essas Câmaras são consultivas, devendo suas recomendações sobre as matérias em análise

ser encaminhadas primeiramente para a Câmara Técnica Legal e Institucional para análise da

viabilidade legal das mesmas e, posteriormente, para o Plenário do Conselho, para a deliberação

final. O Plenário do CNRH é soberano para acatar ou não os textos propostos pelas Câmaras

Técnicas, modificá-los ou devolvê-los para as mesmas para melhor detalhamento. Foram criadas 10

CTs permanentes (quantidade máxima prevista no Regimento Interno do CNRH) cujas atribuições

abrangem todo o espectro dos temas relacionados com a gestão de recursos hídricos. As CTs em

funcionamento são: Plano Nacional de Recursos Hídricos (CTPNRH); Assuntos Legais e Institucionais

(CTIL); Integração de Procedimentos, Ações de Outorga e Ações Reguladoras (CTPOAR); Análise de

Projetos (CTAP); Águas Subterrâneas (CTAS); Gestão dos Recursos Hídricos Transfronteiriços

(CTGRHT); Ciência e Tecnologia (CTCT); Cobrança pelo Uso dos Recursos Hídricos (CTCOB);

Educação, Capacitação, Mobilização Social e Informação em Recursos Hídricos (CTEM); Integração

da Gestão das Bacias Hidrográficas e dos Sistemas Estuarinos e Zona Costeira (CTCOST).

Desde sua instalação até o final do ano de 2017, o CNRH realizou 39 reuniões ordinárias e 39

extraordinárias, onde aprovou 192 Resoluções e 68 Moções.

Secretaria Executiva do CNRH

A Medida Provisória de reestruturação da Administração Federal atribuiu ao Ministério do

Meio Ambiente as competências de planejamento, coordenação, supervisão e controle das ações

relativas às políticas nacionais do meio ambiente e dos recursos hídricos.

A Lei das Águas, em seu art. 36, inciso II, estabelece a previsão de “um Secretário Executivo, que

será o titular do órgão integrante da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos

e da Amazônia Legal, responsável pela gestão dos recursos hídricos”. Com as alterações administrativas

que ocorreram neste intervalo de tempo, cabe, hoje, esta atribuição à Secretaria de Recursos Hídricos

e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, com as seguintes competências:

Prestar apoio administrativo, técnico e financeiro ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos; instruir os expedientes provenientes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e dos Comitês de Bacia Hidrográfica e elaborar seu programa de trabalho e respectiva proposta orçamentária anual e submetê-los à aprovação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. (BRASIL, 2014).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 235

Conselhos Estaduais e Distrital de Recursos Hídricos (CERH)

Atualmente todos os Estados brasileiros, mais o Distrito Federal, contam com Conselhos de Recursos

Hídricos já instalados, que tratam do tema de gerenciamento em seus respectivos domínios.

Esses órgãos, apesar de terem sido criados por meio de diferentes leis, possuem alta semelhança em

suas competências, entre eles e com a Lei das Águas, principalmente quanto as suas composições, onde

preveem a participação não só de órgãos públicos, como também de usuários e da sociedade civil. .

(KETTELHUT; BARROS; 2001)

Com o objetivo de fortalecer o SINGREH o CNRH, por meio da Resolução nº 159, estabeleceu que,

para participarem do Conselho Nacional, os CERHs devem estar regulares em seu funcionamento, com no

mínimo duas reuniões anuais.

Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH)

O Brasil possui em sua estrutura administrativa, desde 1976, a figura “Comitê de Bacia”,

como órgão de gestão de recursos hídricos, quando foi criado o Comitê Especial para a Região

Metropolitana de São Paulo, envolvendo as bacias dos rios Tiete e Cubatão. Em 1978, o DNAEE criou

diversos comitês para integração das ações de órgãos públicos no âmbito de algumas bacias

hidrográficas estratégicas. Esses órgãos foram chamados de Comitê Especial de Estudos Integrados

de Bacias Hidrográficas, os CEEIBH. Destacaram-se os comitês das bacias hidrográficas dos rios

Paraíba do Sul, São Francisco, Doce, Grande, Paranapanema, Guaíba, Jaguari-Piracicaba, entre

outros (KETTELHUT, 1997).

Em 1988, após a promulgação da Constituição Federal, diante da necessidade de não haver

interrupção no processo de gerenciamento de bacias hidrográficas, assim como da forte solicitação

da sociedade civil e dos governos estaduais, foram tomadas algumas medidas, em caráter de

urgência, em três das grandes bacias hidrográficas federais: Paraíba do Sul, Alto Paraguai-Pantanal

e Piranhas-Açu. Nessas bacias foram implementados os Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica

do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Alto Paraguai

Pantanal (CIBHAPP) e o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Piranha-Açu (CIBHPA),

conhecidos como Comitês de Integração de Bacias Hidrográficas (CIBH), que substituíram os que

existiam anteriormente. Todos esses comitês tinham caráter consultivo, o que diminuía suas

eficácias, principalmente devido ao fato da limitação da participação da sociedade civil e dos

usuários na tomada de decisões e que o princípio federativo também não estava sendo

corretamente contemplado na composição de seus membros.

236

Por outro lado, como resultado do estabelecido na CF referente à dominialidade dos corpos

de água, alguns Estados brasileiros começaram a implementar suas leis de recursos hídricos, como

o Estado de São Paulo, em 1991, quando criou comitês de bacia em diversas regiões hidrográficas e

do Rio Grande do Sul que, em 1994, iniciou o processo de implementação de sua lei.

Com a mudança institucional ocorrida no Governo Federal do Brasil, em 1995, a Secretaria

de Recursos Hídricos do MMA, dentro de uma política de descentralização e democratização dos

processos decisórios, promoveu a reformulação desses antigos CIBH, adicionando aos três

existentes o CIBH Alto Paraguai-Pantanal. Nesses comitês renovados, cujas existências tinham

caráter provisórios até a aprovação da Lei que estava sendo discutida, foi privilegiada a participação

dos usuários com um mínimo de cinquenta por cento do total dos participantes, da sociedade civil,

dos Estados e municípios. A União não tinha direito a voto nas decisões, ficando na condição de

somente intervir no processo quando houvesse impasse entre os representantes. Esses comitês

também tinham o caráter consultivo.

Com a promulgação da Lei nº 9.433/1997, em 8 de janeiro de 1997, foram estabelecidas

novas atribuições aos Comitês de Bacias Hidrográfica, com a participação da sociedade civil

organizada, dos usuários, e dos poderes público no gerenciamento dos recursos hídricos no âmbito

da bacia. Devido as suas características de ser um colegiado participativo, o CBH desempenha uma

função fundamental, por ser o principal fórum para debater e consensar sobre os diferentes

interesses locais relacionados com a gestão dos recursos hídricos.

Entre as atribuições previstas destacam as de:

promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; aprovar, acompanhar e sugerir providências necessárias ao cumprimento de suas metas do Plano de Recursos Hídricos da bacia; propor ao CNRH e aos CERHs as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo. (BRASIL, 2014).

A Lei das Águas prevê em caráter geral, que

os CBHs são compostos por representantes: da União; dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação; dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; dos usuários das águas de sua área de atuação; das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia; (BRASIL, 2014).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 237

A lei determina ainda que:

o número de representantes de cada setor, bem como os critérios para sua indicação, serão estabelecidos nos regimentos dos comitês, limitada a representação dos poderes executivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios à metade do total de membros”, o que demonstra o “espírito da Lei” no tocante aos princípios da democratização e descentralização. Para os casos de rios fronteiriços ou transfronteiriços, a representação da União deverá incluir um representante do Ministério das Relações Exteriores e em bacias cujos territórios abranjam terras indígenas devem ser incluídos representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e das comunidades indígenas ali residentes ou com interesses na bacia. (BRASIL, 2014).

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, por meio da Resolução nº 05, de 10 abril de 2000,

no seu art. 8º estabeleceu diretrizes complementares para formação e funcionamento dos CBHs,

definindo a proporcionalidade entre os segmentos. Prevê que:

o número de votos dos representantes dos poderes executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecido o limite de quarenta por cento do total de votos; número de representantes de entidades civis, proporcional à população residente no território de cada Estado e do Distrito Federal, cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação, com pelo menos, vinte por cento do total 3 de votos, garantida a participação de pelo menos um representante por Estado e do Distrito Federal; (NR) Resolução CNRH nº 24, de 24 de maio de 2002, artigo 1º III ; número de representantes dos usuários dos recursos hídricos, obedecido quarenta por cento do total de votos; e (NR) Resolução CNRH nº 24, de 24 de maio de 2002, artigo 1º (BRASIL, 2014).

Essa resolução apresenta um claro avanço da participação da sociedade civil nos Comitês, pois

dependendo das negociações em cada bacia hidrográfica, a presença da mesma poderá ser aumentada.

Em alguns Estados, como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o percentual de participação

do poder público foi estipulado em 20%. Todavia, nem todos os Estados possuem dispositivos em

suas leis estaduais que contemplem essa participação privilegiada da sociedade. Algumas leis

estaduais, não preveem essa proporcionalidade, privilegiando setores públicos. Uma das

consequências negativas mais previsíveis da ausência de setores não governamentais no processo

decisório, diz respeito às dificuldades para a implantação dos instrumentos de gestão, em particular

o da cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

O Brasil dispõe, atualmente, de cerca de 240 comitês de bacias hidrográficas, sendo 10 em

bacias cujo rio principal é de domínio da União e o restante em rios de domínio dos Estados. Esses

comitês se encontram em diferentes estágios de implementação, desde os que ainda estão em suas

reuniões iniciais até os que têm todos os instrumentos de gestão em funcionamento.

O processo para que os comitês atinjam seu pleno funcionamento envolve uma gama

elevada de ações e atividades que possibilitarão sua efetiva operação. Dificuldades que geralmente

atrasam o processo de implementação são do tipo: real predisposição da entidade pública gestora

238

de descentralizar e democratizar a gestão dos recursos hídricos; mudança conceitual pelos

responsáveis pelo planejamento público, em seus diferentes níveis, na definição da bacia

hidrográfica como área de intervenção, principalmente no tocante as suas competências

administrativas; diminuição da dependência financeira, técnica e institucional da sociedade frente

aos poderes públicos, diminuindo um vínculo, muitas vezes problemático; aumento do

conhecimento e percepção por parte de todos os atores, da importância da existência de um comitê

de bacia para a gestão dos recursos hídricos; participação efetiva, no caso de bacias de rios da União,

dos estados envolvidos, minimizando as suas possíveis diferenças socioeconômicas, culturais ou

políticas; questões logísticas para realização de suas reuniões, como por exemplo as relacionadas

com transporte dos representantes.

Em alguns comitês, principalmente naqueles que estão iniciando suas atividades, existem os

problemas de pouca participação da sociedade civil e o de descrédito pelos usuários nos resultados

do órgão. A participação da sociedade civil e dos usuários nos processos de implementação e operação,

está diretamente relacionada com os benefícios que estes poderão receber do Sistema, em uma relação

benefício-custo favorável. Essa relação não diz respeito somente a aspectos econômicos, mas, também,

aos de caráter social, político ou ambiental. Caso os benefícios não aconteçam rapidamente, a

implementação do Comitê poderá cair no descrédito. O primeiro indício dessa situação é a diminuição

da participação dos interessados nas reuniões do Comitê. Como exemplo desse tipo de problema, pode

se citado funcionamento dos antigos CEEIBHs que, por não possuírem caráter deliberativo e serem

compostos, basicamente por órgãos públicos, com raras exceções (CEEIVASF e CEEIVAP), não

conseguiram despertar o interesse da sociedade no seu trabalho.

A cooperação entre entidades públicas estaduais e federais é uma necessidade para o sucesso

do Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, principalmente naqueles comitês que possuem

rios de domínios federal e estaduais. Apesar de a maioria dos Estados dispor de políticas sobre

gerenciamento de seus recursos hídricos, muito semelhante à exercida pela União, a existência de

diferenças entre elas pode dificultar ou até impossibilitar a gestão integrada por bacia hidrográfica em

razão de poder gerar conflitos de ordem legal e/ou administrativa entre atores públicos.

Um outro aspecto que dificulta a implementação de um Comitê de Bacia diz respeito à

artificialidade da real necessidade de sua existência. Um CBH, quando em operação, terá um poder

decisório administrativo e político significativo. Decidirá, entre outros assuntos importantes, sobre

o conteúdo do Plano de Recursos Hídricos daquela bacia hidrográfica, o que implica a concessão de

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 239

outorgas e cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Esse potencial já foi claramente percebido por

pessoas e entidades. No passado, ocorreram fatos onde, em período eleitoral, por motivos políticos,

candidatos a cargos públicos que incentivavam e participavam ativamente do processo de criação

de um Comitê, diminuíam ou mesmo encerravam suas atuações assim que terminava o processo

eleitoral, tendo sido eleitos ou não. Como outros exemplos desse tipo artificial de interesse podem

ser citados aquele relacionado com a perspectiva de oportunidades de trabalho para técnicos ou

pequenas entidades, no processo de implementação e/ou na futura Agência de Água, e,

principalmente, o que diz respeito a criação desses órgãos por decisão centralizada, “de cima para

baixo”, que pode não refletir o interesse coletivo de todos os atores que vivem no local. A Resolução

nº 5 do CNRH procura minimizar esse tipo de problema, ao estabelecer critérios mínimos para a

solicitação de criação de um comitê de bacia em rios de domínio federal.

Um Comitê em seu processo de formação e logo após, quando instalado e em

funcionamento, irá necessitar de recursos financeiros para atingir suas metas e custear suas

despesas de operação e manutenção. Uma vez que ainda não dispõe dos recursos oriundos da

cobrança, é conveniente que o órgão gestor aporte uma quantia suficiente para as despesas iniciais,

até que Comitê se torne autossustentável. Existem pormenores neste tipo de ação que precisam ser

avaliados com cuidado. O principal deles diz respeito ao estabelecimento de uma dependência

financeira do Comitê com o órgão gestor, de uma relação paternalista que, além de estar sujeita a

todos os problemas inerentes à administração pública, tais como mudanças econômicas,

institucionais e políticas, fica difícil a extinção deste apoio no futuro.

Finalmente, uma questão que ainda deve ser mais bem estudada e regulamentada é como

proceder nos casos da convivência administrativa de comitês de rios de diferentes dominialidades

em uma mesma bacia hidrográfica. A existência de comitês de bacias de rios estaduais localizadas

dentro de um comitê de bacia de rio federal, ou vice-versa, implica um arranjo institucional,

acordado entre os mesmos com vistas a se conseguir um gerenciamento racional. Os entendimentos

entre esses órgãos às vezes são bastante complexos devido a interesses corporativos, políticos e

econômicos respaldados por entendimentos legais sobre as competências dos Estados e da União

referentes à dominialidade dos rios contida na Constituição brasileira de 1988. Com referência a

este tema, existe um excelente exemplo positivo de compatibilização administrativa entre os entes

federados sendo aplicada nos Comitês das Bacias Hidrográficas do Piracicaba, Capivari e Jundiaí,

que poderá ser replicado a outras bacias hidrográficas nas mesmas condições.

240

Agências de Águas

A Lei nº 9.433/1997 prevê, em seu arts. 41 e 42, a existência de entidades denominadas Agências

de Água, para exercerem a função de Secretaria Executiva dos Comitês de Bacia Hidrográfica.

“As Agências de Água serão as responsáveis pela cobrança pelo uso de recursos hídricos em

sua jurisdição e exercerão a função de Secretaria Executiva de um ou mais Comitês de Bacia

Hidrográfica”, podendo atuar somente na(s) mesma(s) área(s) do(s) mesmo(s). A criação dessas

agências, que deverá ser “autorizada pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos ou pelos

Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos mediante solicitação de um ou mais Comitês de Bacia

Hidrográfica”, está condicionada, em cada bacia hidrográfica, “à prévia existência do(s) respectivo(s)

Comitê(s) de Bacia e sua viabilidade financeira, que poderá ser assegurada pela cobrança pelo uso

de recursos hídricos”.

Compete às Agências de Água, no âmbito de sua área de atuação:

manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos; manter o cadastro de usuários de recursos hídricos; efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com recursos gerados pela cobrança “e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela administração desses recursos; acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos em sua área de atuação; gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos; celebrar convênios e contratar financiamentos e serviços para a execução de suas competências; elaborar a sua proposta orçamentária e submetê-la à apreciação do(s) respectivo(s) Comitê(s) de Bacia Hidrográfica; promover os estudos necessários para a gestão dos recursos hídricos; elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do(s) respectivo(s) Comitê(s); propor ao(s) respectivo(s) CBH(s): o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao CNRH ou respectivo CERH, “de acordo com o domínio destes, os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos, o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos e o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo. (BRASIL, 2014).

A Lei das Águas estabeleceu que o Poder Executivo deveria encaminhar ao Congresso

Nacional projeto de lei dispondo sobre a criação dessas agências. Para tanto, o GT, criado pela

SRH/MMA, para propor a regulamentação da Lei, promoveu reuniões com a participação de

representantes de entidades públicas e privadas para discutir a elaboração de uma proposta para

este dispositivo legal. Este Grupo buscou identificar condições mínimas essenciais para o

funcionamento de uma Agência de forma a atender de uma maneira eficiente e eficaz o previsto na

legislação. Como resultado, foi a obtenção do consenso de que essas entidades deveriam ter

agilidade administrativa, não ter fins lucrativos, serem instituídas e controladas pelos Comitês, dar

publicidade às suas ações, possibilitar uma gestão participativa e descentralizada, poder assumir,

por delegação do órgão competente, o exercício da cobrança pelo uso da água, e também a

submissão das suas contas aos órgãos públicos de controle.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 241

Resultado de uma análise técnico-jurídica, em conjunto com o então Ministério da

Administração, de todas as possíveis alternativas existentes no ordenamento jurídico à época, que

poderiam ser adequadas a um novo modelo de instituição capaz de atender aos condicionantes e

princípios básicos idealizados para essa instituição, o GT, a princípio, sugeriu que a natureza jurídica

mais indicada para a agência deveria ser uma fundação de direito privado. Porém, apesar de que

para alguns Estados essa alternativa fosse possível, ela apresentava dificuldades quanto a sua

viabilidade legal para outros e para a União.

Diante do tempo dispendido para tentar resolver esta situação e da necessidade premente

de se ter um órgão que apoiasse o funcionamento dos CBHs em rios de domínio da União, mantendo

aqueles princípios básicos estabelecidos pelo GT necessários para o funcionamento de uma Agência,

o governo federal editou a Medida Provisória nº 165, de 11 fevereiro de 2004, transformada na Lei

nº 10.881, em 9 de junho de 2004, estabelecendo que a ANA pode firmar contratos de gestão, por

prazo determinado, com entidades sem fins lucrativos que se enquadrem no disposto pelo art. 47,

da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e que recebam delegação do CNRH para exercer funções

de competência das Agências de Água, previstas em seus arts. 41 e 44, relativas a recursos hídricos

de domínio da União. Esses órgãos, que são conhecidos como Entidades Delegatárias, deverão

assumir as atribuições previstas para a Agência de Águas até a sua respectiva criação.

Os contratos de gestão deverão estabelecer, entre outros dispositivos, “o programa de

trabalho proposto, as metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como

previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação a serem utilizados, mediante indicadores

de desempenho”.

O art. 2º da Lei nº 10.881 determina que “a obrigação de a entidade delegatária deverá

apresentar à ANA e ao(s) respectivo(s) Comitê(s) de Bacia Hidrográfica, ao término de cada

exercício, relatório sobre a execução do contrato de gestão, contendo comparativo específico das

metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e

receitas efetivamente realizados, independentemente das previsões mencionadas no inciso II do

caput deste artigo”.

Também, no art. 3º que “a ANA constituirá comissão de avaliação, composta por

especialistas da ANA, da SRHQ do Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos e entidades do

governo federal, que analisará, periodicamente, os resultados alcançados com a execução do

contrato de gestão e encaminhará relatório conclusivo sobre a avaliação à SRHQ e ao(s)

respectivo(s) CBH(s)”.

242

Agência Nacional de Águas (ANA)

A ANA foi criada, pela Lei № 9984/2000, de 17 de julho de 2000, a Agência Nacional de Águas

(ANA), autarquia sob regime especial com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao

Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de implementar a Política Nacional de Recursos

Hídricos nas áreas de sua responsabilidade.

Cabe à ANA, em corpos de água de domínio da União:

supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da

legislação federal pertinente aos recursos hídricos; disciplinar, em caráter normativo, a

implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política

Nacional de Recursos Hídricos; outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de

recursos hídricos observado o disposto nos arts. 5°, 6°, 7° e 8° da Lei nº 9.984/2000;

fiscalizar os usos de recursos hídricos; elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição,

pelo CNRH, dos valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos, com base nos

mecanismos e quantitativos sugeridos pelos CBH(s), na forma do inciso VI, do art. 38, da Lei

nº 9.433/1997; estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de Comitês de Bacia

Hidrográfica; implementar, em articulação com os Comitês, a cobrança pelo uso de recursos

hídricos; arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas por intermédio da cobrança, na

forma do disposto no art. 22, da Lei nº 9.433/1997; planejar e promover ações destinadas

a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações, no âmbito do SINGREH, em

articulação com o órgão central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados

e Municípios; promover a elaboração de estudos para subsidiar a aplicação de recursos

financeiros da União em obras e serviços de regularização de cursos de água, de alocação e

distribuição de água, e de controle da poluição hídrica, em consonância com o estabelecido

nos planos de recursos hídricos; definir e fiscalizar as condições de operação de

reservatórios por agentes públicos e privados, visando a garantir o uso múltiplo dos

recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos das respectivas bacias hidrográficas;

promover a coordenação das atividades desenvolvidas no âmbito da rede hidro-

meteorológica nacional, em articulação com órgãos e entidades públicas ou privadas que a

integram, ou que dela sejam usuárias; organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de

Informações sobre Recursos Hídricos; estimular a pesquisa e a capacitação de recursos

humanos para a gestão de recursos hídricos; prestar apoio aos Estados na criação de órgãos

gestores de recursos hídricos; propor; ao CNRH o estabelecimento de incentivos, inclusive

financeiros, à conservação qualitativa e quantitativa de recursos hídricos; participar da

elaboração do PNRH e supervisionar a sua implementação (Vide Medida Provisória nº

2.049-21, de 2000) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001); regular e

fiscalizar, quando envolverem corpos d'água de domínio da União, a prestação dos serviços

públicos de irrigação, se em regime de concessão, e adução de água bruta, cabendo-lhe,

inclusive, a disciplina, em caráter normativo, da prestação desses serviços, bem como a

fixação de padrões de eficiência e o estabelecimento de tarifa, quando cabíveis, e a gestão

e auditagem de todos os aspectos dos respectivos contratos de concessão, quando

existentes. (Redação dada pela Lei № 12.058, de 2009); organizar, implantar e gerir o

Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB); (Incluído pela Lei

№12.334, de 2010); promover a articulação entre os órgãos fiscalizadores de

barragens; (Incluído pela Lei № 12.334, de 2010); coordenar a elaboração do Relatório de

Segurança de Barragens e encaminhá-lo, anualmente, ao CNRH, de forma

consolidada. (Incluído pela Lei № 12.334, de 2010). (BRASIL, 2014).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 243

CONSIDERAÇÕES

A implementação da Lei das Águas implica modificações profundas em certos paradigmas

culturais administrativos brasileiros. Os princípios nela contidos, fundamentais para a execução da

gestão dos recursos hídricos, como descentralização e democratização do gerenciamento e a

adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento devido às suas características, requer

um processo de adaptação que, em geral, é demorado.

Um dos principais vetores para o aumento da velocidade da implementação dos preceitos

previstos nessa Lei, é o de estabelecer uma relação e confiança entre os atores envolvidos por meio da

publicidade e transparência dos seus atos e ações, gerando credibilidade para dar continuidade ao

processo. Proceder desta forma favorece a criação de um sentimento de "predisposição a participar"

nos segmentos envolvidos, o que virá a facilitar a aceitação dos dispositivos da Lei, principalmente no

que se refere à implementação dos seus instrumentos de gestão, bem como promover a integração

institucional entre entes federados presentes em determinada bacia hidrográfica.

A deficiência na disponibilidade de recursos tanto os de caráter financeiro como

administrativo, humano ou técnico consiste em um fator relevante de influência na rapidez da

implementação do previsto para a Política e para o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Nesses

casos, é necessário que sejam desenvolvidas estratégias inovadoras para instigar os decisores

governamentais e não governamentais a acelerar o processo. Uma delas, diz respeito a promover o

aumento do conhecimento com relação aos benefícios sociais, econômicos, administrativos e

ambientais que uma gestão integrada dos recursos hídricos trará à coletividade. Questões

referentes a estes temas ainda não foram completamente entendidas e aceitas. A razão disso pode

ser atribuída pela comunicação deficiente a sociedade em geral, ocasionando a muitos, que não têm

o conhecimento básico necessário para sua compreensão, a impressão de que o que está sendo dito

e feito não é o que estão aspirando, resultando em falta de apoio aos processos de implementação.

Essa difusão de conhecimento necessita ser estabelecida de uma forma sistemática, para todos

atores, sejam eles oriundos da sociedade civil, dos usuários ou dos poderes públicos. Ao se conhecer

mais sobre o que preconiza a Lei, seus benefícios e obrigações, aumentará a participação nos fóruns

interativos existentes no Sistema, consequentemente, tornando mais fácil a aceitação das

mudanças de paradigmas necessárias para a sua implementação

Outra ação importante é o estabelecimento de monitoramento e acompanhamento

sistemático da implementação da política. Os órgãos gestores de recursos hídricos estaduais, a ANA,

o CNRH, os CBH(s), os usuários da água e a sociedade civil, cada um em sua esfera de atuação, devem

proceder de uma forma sistematizada a coleta e análise de dados e difusão da informação

resultante, objetivando proporcionar o conhecimento atualizado da situação dos recursos hídricos

244

tanto no âmbito nacional, como regional ou por bacia hidrográfica. A disponibilidade dessas

informações facilitará o planejamento macro pelos órgãos nacionais, estaduais e locais pelos

respectivos Comitês de Bacias.

Existe um aspecto nos atuais procedimentos de concessão de outorgas que pode gerar, no

futuro, problemas relacionados com conflitos de interesses para a sua obtenção. A atual sistemática

de emissão de outorgas prevê que, após análise de sua pertinência e da disponibilidade hídrica, a

prioridade de emissão da outorga, de acordo com a Resolução nº 16 do CNRH, é dada pelo interesse

público e/ou data de protocolização do requerimento. Este último tipo de procedimento tem

origem em aspectos históricos e culturais (conceito de que os recursos hídricos eram inesgotáveis,

falta de planos de bacias e de organismos de gestão na bacia hidrográfica, órgãos gestores com

pouca capacidade técnica e operacional, etc.), que levaram à não necessidade de haver uma

prioridade na seleção dos interessados, por tipo de uso e respectiva eficiência tanto em termos de

quantidade ou, no caso de efluente, da qualidade. Talvez, em futuro próximo, para determinadas

bacias hidrográficas críticas, possam ser estabelecidos outros critérios adicionais, podendo,

inclusive, haver um tipo de licitação pública, com critérios de escolhas referentes a usos mais

eficientes. Todavia, deve ser ressaltado que, apesar da sistemática hoje utilizada, o procedimento

atual prevê a divulgação pelo Diário Oficial da União dos nomes dos outorgados e as respectivas

características da outorga, para possíveis questionamentos dos que se sentirem prejudicados. A

este respeito, o art. 80, da Lei nº 9.844/2000 diz que "a ANA dará publicidade aos pedidos de outorga

de direito de uso de recursos hídricos de domínio da União, bem como aos atos administrativos que

deles resultarem, por meio de publicação na imprensa oficial e em pelo menos um jornal de grande

circulação na respectiva região”.

Com relação ao conceito de que a cobrança é um instrumento de gestão cujo objetivo

principal é o de buscar otimizar o uso dos recursos hídricos, melhorando sua eficiência, existe uma

distorção no segmento usuário do setor de saneamento com relação a este entendimento. Ao se

cobrar dos diferentes usuários dos setores privados, com exceção do setor elétrico, que tem uma

legislação própria, todos deveriam buscar o aumento de eficiência da utilização dos recursos

hídricos visando a compensar em seus custos operacionais os valores pagos a cobrança. O setor de

saneamento, por sua característica monopolista, em geral, pode transferir aos consumidores finais

esses encargos. Este fato causa uma distorção no objetivo da cobrança, pois o que deveria acontecer

é a procura, pelo setor, da diminuição de suas perdas que, no Brasil, em algumas regiões, alcançam

valores altíssimos, compensando os valores que está pagando ao Comitê, com a melhoria dos

percentuais de perdas, aumentando, portanto, a sua eficiência do uso dos recursos hídricos. Este é

um tema que merece análise sobre a possibilidade do estabelecimento de regras para o setor que

evitem que ocorra transferência automática de custos ao consumidor final.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 245

A questão da real representatividade dos participantes nos diferentes fóruns do Singreh é

um tema que tem sido motivo de discussão dentro do Sistema. Esse tipo de problema, apesar de

não ser de exclusividade somente do Singreh, uma vez que se repete na grande maioria dos órgãos

colegiados nacionais, tem causado ao Sistema problemas de ordem operacional.

Se pelo lado governamental exercer representatividade deveria ser mais fácil, devido à "cadeia

de comando", peca, às vezes, pelo fato de os respectivos representantes não possuírem o poder de

decisão necessário, podendo comprometer o real envolvimento do seu órgão na implementação do

que é deliberado no respectivo fórum em que está atuando. Com relação aos segmentos não

governamentais (usuários e sociedade civil), a questão é mais complexa, uma vez que está relacionada

com a efetiva representação dos interesses gerais do respectivo segmento em um país como o Brasil,

onde existem diversidades socioeconômico-culturais. Para minimizar este tipo de problema, está

sendo analisada pelo CNRH a implantação de um sistema eletrônico para escolha desses

representantes, o que possibilitaria maior participação dos interessados, mais transparência e

eficiência nas mesmas. Por outro lado, também iria facilitar o acompanhamento e monitoramento

pelos representados das atividades e posições assumidas pelos seus representantes. A participação

democrática requer que sua prática seja transparente e pública. (KETTELHUT; 2011).

Um tema importante concernente à gestão dos recursos hídricos é o referente aos

aquíferos, que apresenta uma diferenciação de qualidade técnica e administrativa em relação às

águas superficiais. Este fato está relacionado, principalmente, com as suas características físicas e a

diferença da quantidade de dados e informações disponíveis referentes a ambas. A maioria dos

corpos de água superficiais possuem informações, obtidas durante dezenas de anos, que permitem

estimar a sua oferta, tanto em quantidade como em qualidade. Este fato não se repete para todos

os aquíferos. Como a gestão dos recursos hídricos subterrâneos, na maioria das vezes, tem uma

forte característica local, os dados e informações disponíveis para a área a ser gerenciada, não são

suficientes, sendo que sua obtenção é uma atividade, em geral, com custos significativos.

As diferenças entre as características físicas desses corpos de água influenciam quando se busca

uma gestão integrada entre eles, que, apesar de não a impossibilitar, irá requerer uma gestão mais

complexa que necessita de informações e monitoramento específicos. Entre essas diferenças podem

ser citadas, por exemplo, as relacionadas com a velocidade do seus respectivos fluxos de água, que

influência nos tempos e prazos de planejamento (enquanto para uma mesma distância, a velocidade de

escoamento superficial pode ser estimada em segundos ou minutos, a subterrânea, muitas vezes é dada

em horas, dias, anos ou décadas); a gestão para corpos de águas superficiais é regional, sendo que para

os subterrâneos tem uma forte característica local; os processos de recuperação de possíveis

contaminação são mais complexos e caros para os aquíferos, sendo muitas vezes inviáveis.

246

Finalmente, os dispositivos sobre gestão de recursos hídricos constantes na CF, assim como

os da Lei nº 9.433/1997 são produtos de uma extensa negociação política e técnica entre os atores

públicos e não governamentais relacionados com a utilização desses recursos. Elas trazem em seus

textos conceitos modernos e fundamentais para que ocorra uma gestão integrada, descentralizada

e democrática, por bacia hidrográfica.

Ao tentar contemporizar os interesses envolvidos, os textos de alguns desses dispositivos,

que na opinião de alguns juristas seriam contraditórios ou não claros, podem ocasionar

interpretações diferenciadas que poderiam redundar em demandas judiciais, dificultando a sua

implementação. Nesse contexto, têm surgidos algumas iniciativas e/ou sugestões para a alteração

desses textos. No entanto, ressalta-se que, as definições e princípios contidos nos mesmos têm uma

estreita ligação entre si, sendo que uma modificação/ exclusão em um deles poderá alterar o

sentido de outros, podendo inclusive, correr o risco de descaracterizar a legislação no que concerne

a seus princípios fundamentais, como descentralização, democratização e o valor econômico dos

recursos hídricos. Soma-se a isto, o risco de ocorrer modificações em outros dispositivos que não

aqueles em discussão. Portanto, é importante que se faça uma avaliação criteriosa da relação

benefício-custo em iniciar processos desta natureza. O caminho mais sensato para promover

mudanças/adaptações no aparato legal, necessárias para melhorar a implementação da Política

Nacional de Recursos Hídricos, é por meio de dispositivos infralegais, como resoluções dos

conselhos e/ou comitês de bacias e/ou dos órgãos governamentais responsáveis pela gestão e

utilização dos recursos hídricos, de acordo com suas competências.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição 1998. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1999. BRASIL. CONJUNTO DE NORMAS LEGAIS. 8. ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente – Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, 2014. KETTELHUT, J.T.S. Espírito da Lei. REVISTA DIÁLOGO INTERBACIAS. São Paulo SP. Governo Estado de São Paulo. Julho de 2011. KETTELHUT, J.T.S; Barros F.G. Os avanços da Lei das Águas. III ENCUENTRO DE LAS AGUAS: AGUA, VIDA Y DESARROLLO. Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA. Anais: Santiago – Chile. Outubro de 2001. KETTELHUT, J.T.S. Implementação da Lei dos Recursos Hídricos no Brasil. III SIMPÓSIO DE HIDRÁULICA E RECURSOS HÍDRICOS DOS PAISES DE LINGA OFICIAL PORTUGUESA. Associação Moçambicana para a Ciência e Tecnologia, Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, Associação Brasileira de Recursos Hídricos. Anais Maputo – Moçambique. Abril de 1997.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 247

CAPÍTULO 11

__________________________________________________________________________

PENSANDO O FUTURO DA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS: o arcabouço legal é adequado?37

Éldis Camargo Santos38

“Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo"

(Pero Vaz de Caminha)39

INTRODUÇÃO

A partir da realização do evento em Uberlândia Diálogos – Sistema Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos: avanços e recuos com a atual legislação, os palestrantes foram

chamados para escrever a respeito das considerações aportadas, tendo como norte o necessário

aperfeiçoamento do modelo de gestão das águas no Brasil. A vertente apresentada foi direcionada

para tratar dos passos futuros que poderão ou deverão ser enfrentados para a gestão das águas, no

que concerne aos normativos jurídicos.

Na primeira seção, o leitor poderá iniciar sua reflexão a respeito das questões hídrico-

jurídicas que devem ser enfrentadas, a partir da leitura do estado da arte das normas jurídicas que

regem a proteção legal da água.

O objetivo é retratar o papel ecológico e social da água frente as necessidades humanas no

Brasil, que vão desde a água voltada para a manutenção da vida, até seus usos para processos

produtivos (aqui já como recurso hídrico). Também serão abordadas questões a partir da leitura do

complexo modelo do sistema de gestão das águas, composta por diversos atores (públicos), com

atribuições correlatas em relação à administração da água, sob a égide de um Estado federativo,

que rege a sua política hídrica em um modelo espacial e não geopolítico, ou seja, tem como unidade

de gestão a bacia hidrográfica, trazendo a necessária articulação dos entes públicos da Federação e

exigindo modelos contemporâneos e participativos.

37 O artigo reproduz opinião pessoal da autora. 38 Advogada, Especialista em Educação Ambiental pela Universidade da Fundação Santo André e em Derecho del Ambiente pela Universidad de Salamanca; Mestre em Direitos das Relações Sociais, subárea: Direito Ambiental; Doutora em Energia Elétrica pela Escola Politécnica da USP; Pós-Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Servidora Pública. E-mail: [email protected]

39 Caminha, Pero Vaz de. A Carta. Literatura Brasileira. Textos Literários em meio eletrônico. São Paulo: Edição Base, Carta El Rei D. Manuel, Dominus, 1963. Carta escrita em 1º de maio de 1500, em Porto Seguro. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/zip/carta.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2008.

248

Com vistas ao aperfeiçoamento do modelo de gestão das águas, ou mesmo à concretização das

normas nacionais e internacionais, no segundo capítulo o leitor poderá acompanhar as propostas do

Projeto Legado, iniciativa da Agência Nacional de Águas (ANA), que procurou receber dos usuários,

comunidades e Poder Público, sugestões para traçar caminhos mais aptos para a gestão.

Por fim, são apresentados alguns temas não tratados no Projeto Legado, ao menos de forma

explícita, mas que merecem reflexões e arranjos jurídicos, incluindo, ainda, comentários a respeito

dos recuos e avanços da legislação disposta para a gestão de recursos hídricos.

APORTES CONCEITUAIS

Considerações Iniciais

Segundo Camargo (2008, p. 37),

A água é um líquido incolor e inodoro, composto de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, sua fórmula química é H2O. É encontrada em diversos estados: (1) físico: líquido nos mares, rios, lagos e também no subsolo; (2) sólido, no gelo, granizo e neve; e (3) gasoso, em estado de vapor visível, na atmosfera, e invisível, sempre no ar. Presente na atmosfera, a água se precipita em estado líquido, como chuva, orvalho e nevoeiro.

A água é “um componente abiótico envolvido em um ciclo biogeoquímico, sua ciclagem

envolve processos bióticos, geológicos e químicos que transitam na atmosfera, hidrosfera e

litosfera” (CAMARGO, 2008, p. 37). “Este processo induz uma visão sistêmica para observar os

caminhos da água, envolvendo legislações referentes a outros bens ambientais: solo, florestas,

atmosfera, dentre outras. Dentre suas características físicas está a temperatura, a turbidez, a cor,

o gosto e o sabor” (CAMARGO, 2008, p. 37?). Ainda segundo a autora,

os seres vivos são compostos de água e seus processos biológicos dependem deste elemento

para sua sobrevivência: no caso do ser humano, 70% de seu corpo é composto de água. De

acordo com a conformação biótica, os seres vivos utilizam-se da água, necessitando que este

elemento, sob o ponto de vista biológico, físico e químico, seja próprio e específico para cada

ser, dando continuidade a seu modus vivendi.

Por outro lado, a água é utilizada em diversas atividades e necessidades do ser humano:

alimento, higiene pessoal, vestimenta, moradia, trabalho, e também como insumo dos mais

variados processos produtivos: industrial, agrícola e pecuário, geração de energia elétrica, além

de seu uso em atividades de lazer e recreação.

Não obstante considerar que a contribuição da água para a conservação e a preservação da vida

de todos os seres, por si só já deva ser louvada, mesmo sem considerar o valor ecocêntrico ou

biocêntrico da vida e o perfeito equilíbrio dos diversos seres que habitam o planeta, a sua

proteção traduz-se em vantagens para o ser humano (CAMARGO, 2008, p. 57).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 249

A par da sua importância para a vida presente e futura, a água está ligada a práticas culturais,

envolvendo atividades religiosas, folclóricas, sociais, populares, dentre outras. Não podemos olvidar

os aspectos urbanos nos usos da água. A água, nesses locais, é usada, em sua maioria, para o

abastecimento público e esgotamento sanitário, para o lazer, para as atividades industriais

(CAMARGO, 2008). Com o uso da água é possível gerar as riquezas para o crescimento de qualquer

comunidade ou país, mas, por outro lado, os cursos de água sofrem os impactos negativos

resultantes do mau uso e da má administração da água.

No Brasil, além da lei de recursos hídricos, a água é um bem protegido por diversos

documentos legais e aportes constitucionais. O seu uso é regido por um complexo esquema de

gestão, envolvendo vários órgãos, entidades e agentes da federação. Nesse aspecto, não há mais

como dissociar os encaminhamentos técnicos para exploração de recursos ambientais, como é o

caso da água, das aspirações sociais embasadas em regras e normas jurídicas.

As novas práticas jurídicas brasileiras, notadamente a partir da edição da Política Nacional

do Meio Ambiente (PNMA) e da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), e da promulgação

da Constituição Federal (CF) de 1988, são encaminhadas e reverenciadas com medidas preventivas

e coercitivas e notadamente de organização dos agentes cuidadores desse bem. A absorção deste

novo modelo requer para as atividades que se utilizam de recursos ambientais (dentre eles as águas

superficiais e subterrâneas) a adoção, de uma vez por todas, de posturas de gestão e planejamento

integrado no trato do bem comum de todos, de forma sustentável.

Aspectos Constitucionais

Histórico

Os corpos de água foram ao longo do tempo fazendo parte do domínio das gentes tal qual a

terra. Na Idade Média, por exemplo, as águas de importância estratégica eram de domínio do

Senhor Feudal, que as distribuía conforme os privilégios.

No que concerne à gestão de recursos hídricos, o Brasil passa inicialmente por uma situação

de liberdade total para o uso da água. A seguir, com a vinda dos portugueses, a gestão segue a

trajetória legal daquele país, passando, após o advento da República, a consignar um

encaminhamento liberal, na era de Getúlio Vargas, época em que foi editado o Código das Águas.

Após a década de 1970, e notadamente com a edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,

250

em 1981, e a edição da Constituição Federal em 1988, o Brasil incorpora para os bens ambientais

uma visão mais contemporânea, seguida, finalmente, a partir de 1997, de uma política voltada

especialmente para a gestão hídrica.

Domínio e competência

A Constituição Federal divide entre a União e os Estados o domínio da água, da seguinte forma:

(1) são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (CF, art. 20, inciso III); (2) são bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, na forma da lei, as decorrentes de obras da União (CF, art. 26, inciso I).

É preciso destacar que

a noção de domínio público é mais extensa que a de propriedade, pois se trata de uma relação de poder que o “Estado” exerce sobre os bens públicos ou particulares de interesse público que merecem sua proteção, tendo vista o interesse da sociedade. Ao conjunto de poderes desta soberania apontada dá-se o nome de domínio iminente (CAMARGO, 2008, p. 57).

Segundo Fiúza (2003, p. 643),

domínio iminente é o poder político pelo qual o Estado submete à sua vontade todas as coisas que se achem em seu território. Seus limites se fixam em lei. Trata-se de uma das manifestações de soberania interna; não é direito de propriedade. Os bens públicos, nos termos estabelecidos pelo Código Civil, são classificados em bens: (1) de uso comum: mares, rios, estradas, etc.; (2) de uso especial: edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal; e (3) dominicais: constituem patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios, como objetivo de direito pessoal ou real da entidade pública. Sem entrar no mérito da divisão acima, uma vez que não é o tema do presente estudo, necessário destacar que os bens de uso comum, por força do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor e art. 225 da Constituição Federal são bens metaindividuais40. (FIORILLO, 2002, p. 50-53).

40 “Sobre este enfoque surge a Lei nº 8.078, de 1990, que, além de estabelecer uma nova concepção vinculada aos direitos das relações de consumo, cria a estrutura que fundamenta a natureza jurídica de um novo bem, que não é público nem privado: o bem difuso. Criado pela Carta de 1988, o direito difuso passou a possuir definição legal, com evidente reflexo na própria Constituição, configurando nova realidade para o intérprete do direito positivo. Não se pode olvidar, como critério diferenciador, que o bem público tem como titular o Estado (ainda que deva geri-lo em função e nome da coletividade), ao passo que o bem de natureza difusa repousa sua titularidade no próprio povo. O art. 225 da Constituição Federal, reitere-se, ao estabelecer a existência jurídica de um bem que se estrutura como sendo de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, configurou nova realidade jurídica, disciplinando bem que não é público e, muito menos, particular”.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 251

Esta constatação é ratificada pelo Dr. Paulo Afonso (2002, p. 25) ao indicar que “o domínio

público, afirmado na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, não transforma o Poder Público Federal

e Estadual em proprietário da água, mas o torna gestor desse bem, no interesse de todos. Citando

Giannini, Afonso (2002, p. 25) afirma que o ente público não é proprietário, senão no “sentido

puramente formal (tem o poder de autotutela do bem), na substância é um simples gestor do bem

de uso coletivo”.

A forma de Estado determina o exercício do poder político em função do território em que

exerce sua soberania. Como assegura o Prof. José Afonso (2000, p. 98/99):

Se o poder se reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de poderes), gerando uma multiplicidade de organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de uma forma de Estado composto, denominado Estado federal ou Federação de Estados. É o caso brasileiro.

As competências41 são fixadas em três segmentos:

(1) material, trata da execução de tarefas administrativas determinadas aos diversos entes

da administração pública;

(2) formal, refere-se ao poder outorgado a cada ente federado para elaboração de normas

jurídicas; e

(3) jurisdicional, relativa ao juízo competente para dirimir conflito de teor jurisdicional.

Estamos tratando aqui das duas primeiras modalidades: competência material e formal.

No que tange à competência material, a Constituição Federal, em seu art. 21, inciso XIX,

estabeleceu a competência exclusiva (não pode delegar) da União para instituir o

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e definir critérios de outorga

de direitos de seu uso.

No que concerne à competência formal, a União detém a competência privativa para

legislar sobre águas, conforme indica o art. 22, inciso IV, de nossa Carta Maior. Em seu

parágrafo único consta que Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar nas

matérias relacionadas. Como se vê, a competência privativa de legislar da União exclui a

intervenção legislativa dos entes federados. Aos Estados a permissão para legislar sobre

águas somente se dará por meio de autorização indicada por Lei Complementar, fato, até o

momento, não concretizado.42

Adicionalmente, os Estados não podem administrar as águas de seu domínio apenas com

regras próprias. A limitação deriva da Constituição, que atribui à União a responsabilidade de

implementar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e, em particular,

definir critérios de outorga de direitos de uso. Portanto, mesmo quando um corpo hídrico for

de domínio do Estado, o correspondente Governo Estadual está impedido de emitir outorgas

de direito de uso em desacordo com os critérios estabelecidos pela União.

41 Competência: de forma simples pode se dizer que trata da medida de atribuição para exercer o domínio. 42 Segundo o § único deste artigo, Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias ali relacionadas.

252

Nesse escopo, seriam as legislações de recursos hídricos já aprovadas nos Estados,

inconstitucionais?

É preciso estar bem claro que o sistema de competência instituído para legislar sobre as águas e administrar este bem é diverso daquele instituído para legislar e administrar as águas em sua vertente ambiental. Neste caso, teremos a competência comum de todos os entes federados para proteger o meio ambiente, e competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislarem sobre a defesa dos recursos naturais.

Nesse sentido, explica o Prof. Paulo Afonso (2002, p. 20) que:

Em matéria de águas a competência privativa (art. 22 da CF) e a competência concorrente (art. 24) cruzam-se e permanecem entrelaçadas.43 Os Estados podem estabelecer, de forma suplementar à competência da União, as normas de emissão dos efluentes lançados nos cursos de água, visando a controlar a poluição e defender o recurso natural (art. 24, VI, da CF), mas dependem do que dispuser a lei federal, à qual cabe definir os padrões de qualidade das águas e os critérios de classificação das águas de rios, lagos e lagoas.

Interfaces na Constituição Federal

É preciso ressaltar que a água, na condição de recurso ambiental (art. 3º, V, da Lei nº 6.938,

de 1981), recebe a proteção de outros dispositivos constitucionais que devem ser referenciados,

tais como: A água é essencial à vida, nomeada, nesta condição, como um direito fundamental, tal

qual referido no art. 5º, caput; os municípios podem legislar sobre interesse local ou mesmo

suplementar legislação federal ou estadual, como dita o art. 31, I e II (ressalvadas as competências

da União e dos Estados); a Administração Pública, em sua atuação, deve referenciar os princípios do

art. 37 caput; cabe ao Conselho de Defesa Nacional, segundo o art. 91, § 1º, III, opinar sobre o uso

de recursos naturais na faixa de fronteira quando relacionado com a preservação e a exploração de

qualquer tipo; incumbe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos,

nos termos do art. 129, III; o art. 170, IV, nomeia, dentre os princípios gerais da atividade econômica,

a defesa do meio ambiente; o meio ambiente do trabalho está protegido por meio do art. 200, VII;

e os arts. 215 e 216 falam sobre a proteção aos direitos culturais e ao patrimônio cultural

(lembramos que em várias culturas o significado da água vai além de simples produto de consumo).

43 O art. 3º, inciso III, da Lei nº 9.433, de 1997, dispõe, dentre as diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos, a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 253

No art. 225, se encontra o arsenal constitucional que subsidia os usos e a proteção da água.

Inscrevem-se ali princípios norteadores e caminhos obrigatórios para o Poder Público, além de um

contemporâneo sistema de responsabilização da pessoa física e jurídica por danos e defesa dos

Biomas expressivos no Brasil. Os princípios estabelecidos no caput do art. 225 ensejam novos

direcionamentos para os bens ambientais:

(1) são de titularidade difusa; (2) natureza jurídica dos bens ambientais: bem de uso comum do povo; (3) patamares ambientais constitucionais: equilíbrio ecológico e sadia qualidade de vida; (4) princípio da participação pública: o dever de defender e preservar são do Poder Público e da Coletividade; e (5) princípio do desenvolvimento sustentável: os bens devem ser preservados para as presentes e futuras gerações.

O art. 231, § 3º, determina que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os

potenciais energéticos em terras indígenas, somente poderá ser efetivado com a autorização do

Congresso Nacional e ouvidas as comunidades afetadas.

Recursos hídricos

Desta feita, após um longo período de discussão no âmbito do Congresso Nacional, passou

ter vigência em 8 de janeiro de 1997 a Lei nº 9.433, que institui a Política Nacional de Recursos

Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), também

conhecida como a Lei das Águas. Essa lei quebrou a hegemonia do setor energético no uso da água,

consolidando os usos múltiplos.

A Política Nacional de Recursos Hídricos foi instituída pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de

1997, criando também o Singreh (regulamenta o art. 21, XIX, da CF).

Em seu artigo 1º, nomeia dentre seus fundamentos, a água como um bem de domínio

público (este artigo é considerado, por alguns juristas, inconstitucional, pois a água é um bem de

uso comum do povo de titularidade difusa). Dita que a água é um recurso natural limitado e dotado

de valor econômico, cuja gestão deve proporcionar seu uso múltiplo. Prioriza, em situações de

escassez, o consumo humano e a dessedentação de animais. Aponta que a gestão dos recursos

hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das

comunidades. Nomeia a bacia hidrográfica como a unidade territorial para implementação da PNRH.

254

Esta Lei tem como meta a disponibilidade de água para as atuais e futuras gerações em

padrões de qualidade para o seu uso, sua utilização racional e integrada (inclusive o transporte

aquaviário) e a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos de origem natural ou por uso não

adequado dos recursos naturais.

Na implementação da PNRH, os agentes responsáveis, em especial os tomadores de decisão,

devem primar pela gestão das águas, contabilizando sua qualidade e quantidade diante das

diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do

país. Deve compatibilizar a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental,

articular o planejamento do seu uso e descarte com os demais projetos adotados para os diversos

usuários da água e com os planos traçados: regionais, estaduais e nacionais e o uso do solo. A gestão

das bacias hidrográficas deve ser operacionalizada de forma articulada com a administração dos

sistemas estuarinos e zonas costeiras.

Para implementar a PNRH, o legislador pátrio aponta os seguintes mecanismos: os planos

de recursos hídricos; a outorga de direito de uso de recursos hídricos; o enquadramento dos

corpos de água em classes, segundo seus usos preponderantes; a cobrança do uso de recursos

hídricos e a informação sobre os recursos hídricos. O modelo conta também com um sistema de

fiscalização administrativa.

Cumprindo o propósito da gestão participativa das águas, fixada na Política de Recursos

Hídricos, a Lei das Águas estabelece um interessante Sistema Nacional de Gerenciamento que conta

com os seguintes componentes:

(1) Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH): composto de representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República, de representantes dos Conselhos Estaduais, dos usuários e das organizações civis44 e com as seguintes competências, dentre outras: promover a articulação do planejamento, analisar alterações na legislação e diretrizes complementares para gestão; (2) os Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH): integram os representantes da União, Estados e do Distrito Federal, dos Municípios, dos usuários e entidades civis e têm competências próprias, como, por exemplo, promover os debates das questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia, aprovar o Plano de Recursos Hídricos e estabelecer mecanismos de cobrança; (3) a Agência de Água tem como função, manter balanço sobre a disponibilidade hídrica de recursos hídricos em sua área de atuação, acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança, promover estudos para gestão, etc.; (4) a Agência Nacional de Águas45 (ANA) é competente para implementar, em sua esfera de atribuição, a PNRH e integrar o Singreh; (5) e os órgãos dos poderes públicos, federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos.

44 O parágrafo único do art. 34 determina que o número de representantes do Poder Executivo Federal não poderá exceder a metade mais um do total dos membros do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. 45 Vide Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 255

Ao final, a Lei nº 9.433, de 1997, indica uma série de infrações e penalidades administrativas

referentes à utilização inadequada de recursos hídricos superficiais e/ou subterrâneos. A lei dispõe,

ainda, das porcentagens destinadas à compensação financeira pela exploração de recursos hídricos

PROJETO LEGADO

Passados vinte anos da edição da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos e tendo em

vista a realização do 8º Fórum Mundial da Água em 2018, no Brasil e pela primeira vez na América

do Sul, foi pensando, no âmbito de especialistas na área, em levantar e analisar alguns temas que

devem ou podem ser revisitados, tendo em vista as práticas relacionadas a relatórios, diagnósticos,

planos sobre a governança da água.

Trata-se de uma agenda propositiva para aperfeiçoamento da política e do sistema de

gerenciamento da água.

As reflexões iniciaram-se na Agência Nacional de Águas (ANA), compilando nas diversas

áreas da entidade, os principais desafios para a efetividade da Política de Águas no Brasil. A partir

daí, vários setores foram ouvidos, usuários, sociedade civil, representantes dos governos federais e

estaduais, comitês de bacia, associações técnicas, conselhos de recursos hídricos, instituições de

ensino e pesquisa, juristas, dentre outros, bem como contribuições escritas foram disponibilizadas.

O levantamento foi concluído em novembro de 2017, após um ano de oitivas e discussões,

com novas propostas, revisões, críticas e debates. Por fim, o documento foi aprovado, devendo ser

endereçado aos órgãos e instâncias de governo, no âmbito das suas competências, sendo, também,

apresentado ao conjunto da sociedade durante o 8º Fórum Mundial da Água que ocorrerá em

Brasília, quando serão discutidas as estratégias para sua implementação.

As questões identificadas com propostas formuladas dividem-se em quatro grandes temas,

que por sua vez, conta com subtemas, assim dispostos:

(1) segurança e infraestrutura hídrica;

(2) modelo de governança frente à GIRH (Gestão Integrada de Recursos Hídricos);

(3) instrumentos de gestão de recursos hídricos; e

(4) questões com propostas a serem desenvolvidas.

Desses temas, no escopo do presente trabalho, serão apresentadas essas propostas,

contextualizando-as frente as discussões que se dão no âmbito jurídico. Outros temas não incluídos

no documento também são relacionados e contextualizados como forma de contribuição para as

reflexões a respeito da gestão das águas no Brasil.

256

Temas em Discussão (Propostas Acordadas)

Segurança e infraestrutura hídrica

A primeira proposta visa a acrescentar ao art. 4º da Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000,

parágrafos tratando sobre a possibilidade de a ANA declarar situação crítica em bacias hidrográficas,

em atendimento aos usos múltiplos da água, em articulação com os Estados. A inclusão tem como

objetivo aperfeiçoar a gestão de recursos hídricos, notadamente em áreas onde se interlaçam bacias

hidrográficas de domínio da União e dos Estados, restando um vácuo na tomada de decisão.

De certa forma, o Decreto nº 3.692, de 19 de dezembro de 2000, já estabelecia a

possibilidade de a ANA realizar tal declaração (inciso XII, do art. 2º, do Decreto). O acréscimo em lei

dará maior eficácia à iniciativa.

Outra iniciativa propõe acréscimo aos parágrafos do art. 4º da lei da ANA, com a inclusão de

dispositivo, onde a agência exerceria o papel de Secretaria Executiva do Comitê Interministerial de

Infraestrutura Hídrica. Tal instituição teria o papel de aperfeiçoar o Certificado de Sustentabilidade

de obras hídricas, na etapa de planejamento dessas obras. O Comitê seria criado por meio de

Decreto Presidencial.

Nesse caso, a proposta merece uma reflexão maior, no que tange à exclusão de parte dos

representantes do âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e ausência

de usuários e comunidades, na composição.

No que tange à classificação das águas para determinar seu enquadramento, o art. 10 da

Lei nº 9.433, de 1997, estabelece que as classes sejam indicadas pela legislação ambiental. A

Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 357, de 2005, tratou de

regulamentar essa classificação.

O que se tem é que muitos corpos de água ainda não foram enquadrados, sendo que o art.

13 da Lei nº 9.433, de 1997, exige que para autorização do uso da água, devem ser observados os

critérios de classificação. À época, foi fixado no art. 42 da Resolução 357, de 2005, que, enquanto

não aprovados os respectivos enquadramentos, as águas doces serão consideradas classe 2 (exceto

se as condições forem melhores)46.

46 As águas doces, classe 2: águas que podem ser destinadas: a) ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho, conforme Resolução Conama nº 274, de 2000; d) à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto; e e) à aquicultura e à atividade de pesca.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 257

Na proposta do Legado, mais restritiva que anterior, ficou estabelecido que enquanto não

aprovados os enquadramentos, as águas doces (também, salinas e salobras), seriam consideradas

classe 1, ou seja, maior proteção ao curso de água.

Fica registrado ainda, que se trata de um endereçamento da União, ou seja, direcionamento

de normas gerais, onde os Estados poderão, conforme o art. 24 da Constituição Federal e de forma

restritiva, legislar a respeito. Não obstante, por conta do inciso I do art. 30 da Constituição Federal,

também, os Municípios poderão proceder, por interesse local, tal iniciativa. Fato que leva a um

necessário arranjo entre as entidades federativas, para que as restrições “ambientais” sejam

acopladas, notadamente nos Planos de Recursos Hídricos e levantamentos necessários para a

concessão de outorga de direito do uso de recursos hídricos.

Nesse bloco consta ainda a proposta de aperfeiçoamento da Lei nº 12.334, de 2010, que

trata da Segurança de Barragens, com a criação de uma Comissão Nacional de Segurança de

Barragem e manutenção do papel do CNRH no que concerne às barragens de acumulação de água

para usos múltiplos.

Modelo de Governança frente à Gestão Integrada de Recursos Hídricos

A ideia da Gestão integrada de Recursos Hídricos tem como princípio a visão sistêmica de todo

complexo espacial que rege a bacia hidrográfica, computando a visão social e ecológica, a

interdependência entre águas superficiais e subterrâneas, agregando uma administração inter e

transdisciplinar, transversa entre os diversos agentes envolvidos nos usos da água, mirando a sua

acessibilidade, com segurança para todos e todas e regida por uma governança democrática. Dentre as

propostas desse capítulo, destacam-se as referenciadas quanto a alteração do texto constitucional.

Nesses vinte anos de experiência, alguns pontos, no entendimento dos especialistas, podem

ser revistos, como é o caso da sugestão do projeto de emenda constitucional para alterar os artigos

5º, 21 e 225, da Constituição Federal.

No que tange ao art. 5º, a sugestão seria acrescentar um dispositivo, assegurando o acesso

à água e ao saneamento básico como um direito humano. O art. 5º da nossa Carta Maior trata dos

direitos fundamentais. Houve discussões a respeito, se a proposta entraria como um direito

fundamental (art. 5º), ou um direito social (art. 6º). Optou-se pela primeira tese, tendo em vista e

eficácia plena do dispositivo em contraponto com a necessária regulamentação, caso a opção fosse

a segunda proposta. O texto reproduz a os termos da Resolução aprovada pela Assembleia Geral da

ONUN n° 64/A/RES/64/292, em 28 de julho de 2010.

258

Outra proposta fiz respeito à competência exclusiva da União (acréscimo no inciso XIX, do

art. 21, da CF) para que promova a segurança hídrica, observando os usos múltiplos da água. Esse

acréscimo já está relacionado com o disposto nos fundamentos da Lei da Política Nacional de

Recursos Hídricos, mas sempre é bom ratificar princípios caros, como é o caso da disponibilidade

de água para todos.

E, por fim, o acréscimo ao art. 225, que trata do capítulo relacionado ao meio ambiente, que

determina como incumbência do Poder Público a promoção da preservação dos processos que

envolvam a água desde as áreas de recarga de aquíferos e nascentes até os exutórios dos corpos de

água. Como se lê, a proposta casa-se muito bem com a ideia da gestão integrada de recursos

hídricos. Nesse ponto, cabe referenciar a ausência de discussão a respeito da natureza jurídica da

água. Uma vez inserida sob os auspícios do tema ambiental, o inciso I, do art. 1º, da Lei nº 9.433, de

1997, tornar-se-ia inconstitucional, pois a água não seria um bem público, como declinado pela CF,

e sim um bem coletivo e difuso.

No que concerne ao papel e funcionamento do CNRH, para o seu aperfeiçoamento o Projeto

Legado propõe ampliar a representação dos Estados, de usuários e organizações civis, revendo o

estabelecido no inciso IV, do art. 34, da Lei nº 9.433, de 1997, e o Decreto nº 4.613, de 2004

(regulamentação do CNRH). Esse tema, vem sendo discutido no CNRH, após a edição da Moção nº

36, de 2006. Tudo indica que nesse ano esse tema será objeto de discussões desse colegiado. Há

que se tomar todo cuidado para não ferir o princípio da lei da Política Nacional de Recursos Hídricos,

conforme o enunciado do inciso VI, do art. 1º, ou seja, a participação dos três segmentos de forma

justa e equitativa: Poder Público, usuários e comunidades.

Pela proposta do legado, esse norte ainda está aquém de abraçar o princípio da participação

pública de forma equânime, pois a composição sugerida seria da seguinte forma: 1 representante

da ANA, 15 dos Ministérios, dos 26 Estados e as restantes 16 vagas, para usuários e sociedade civil.

Outro tema bem pontual do Projeto Legado, refere-se à adoção de comitês incrementais, ou

seja, implantação de comitês de bacia feita por recortes geográficos diferentes da totalidade da área

de uma bacia hidrográfica, pontuando especificidades regionais e até ecossistêmicas, notadamente

no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Em parte vem resolver problemas estruturais na

gestão de recursos hídricos em locais de difícil acesso, notadamente em relação à participação de

todos os segmentos sociais. Esse direcionamento seria identificado e aprovado pelo CNRH.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 259

Quanto à sustentabilidade financeira dos organismos de bacia, o que se tem hoje é que o

custeio das entidades delegatárias das funções de Agência de bacia têm se mostrado aquém das

necessidades das instituições para execução de suas atividades. Dessa forma, a proposta seria a

ampliação de custeio de 7,5% para 15%, alterando o disposto no art. 22 da Lei de Recursos Hídricos.

O Projeto Legado indica, também, o atendimento à Moção do CNRH nº 58, de 29 de julho de

2011, estabelecendo a Conferência Nacional das Águas como um mecanismo de consulta à

sociedade brasileira, além dos trâmites que se dão nas representações junto aos organismos do

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

A ANA tem desenvolvido exitosa experiência no que concerne ao pagamento por resultados

por meio de metas avençadas com os interessados. É o caso do PRODES, PROGESTÃO, PROCOMITÊS,

QUALIÁGUA. Desta feita, a proposta visa a ampliar essas possiblidades, alterando Decreto nº 6.170,

de 25 de julho de 2007 (trata de transferência de recursos da União).

Por fim, nesse capítulo, o Projeto Legado propõe um tema há muito reivindicado, como

indicativo para os países durante o evento preparatório da Rio 92 (II UNCED), que é a adesão pelo

Brasil ao Princípio 3 da Declaração de Dublin, pautando que as mulheres desempenham um papel

central no fornecimento, gestão e proteção da água, como um dos fundamentos da Lei da Política

Nacional de Recursos Hídricos, levando em conta que foi o único princípio não abraçado no

normativo brasileiro, a partir da Declaração.

Instrumentos de Gestão de Recursos Hídricos

Em relação aos mecanismos para administração dos recursos hídricos, o Projeto Legado

propõe que seja implementada uma rede nacional de qualidade de água no sentido de agregar

dados que devem ser disponibilizados para ações da ANA, sugere-se a utilização do Sistema Hidro

pelas unidades federativas do país e troca de informações. A Resolução nº 13, de 25 de setembro

de 2000, do CNRH, já nomeia, para ANA, como coordenadora a organização e disponibilização à

sociedade de informações. A proposta aqui está mais específica para o monitoramento da qualidade

de água, por meio de uma Resolução do CNRH.

Outra proposição diz respeito a uma revisão de um dos instrumentos de gestão da Política

Nacional de Recursos Hídricos. Trata-se do Plano de Recursos Hídricos. Aqui, sob o argumento de

que esses planos não têm consequência regulatória e não orientam o processo orçamentário do

Singreh, sugere alterar a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, no caso, a Lei nº 8.001, de

1990, e alterar a Resolução do CNRH nº 145, de 2012, estabelecendo alterações legais para tornar

os planos vinculantes e indutores, atribuindo caráter mais estratégico e operacional.

260

Com vistas à capacitação dos membros do Singreh, o Projeto Legado aponta a criação da

Universidade Aberta da Água, colocando ainda a capacitação como um instrumento de gestão dos

recursos hídricos, no art. 5º, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, tendo a ANA como

coordenadora em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente.

Sobre a cobrança pelo uso de recursos hídricos, outro mecanismo de gestão enunciado no

art. 5º, da Lei nº 9.433, de 1997, o Projeto Legado ratifica a Resolução nº 190, de 2017, aprovada

pelo CNRJ, prevendo reajuste dos preços públicos frente à inflação. Esse tema foi palco de muitas

discussões, uma vez a possibilidade da proposta de reajuste ser feito pelo CNRH. Dentre os

argumentos contrários, argumenta-se que os Comitês perderiam sua função, conforme

estabelecido no inciso VI do art. 38 da Lei da Política Nacional de Recursos hídricos, desobedecendo

os fundamentos da mesma lei que se pauta pela descentralização. Porém, nesse sentido, está claro

no texto constitucional que cabe ao CNRH, segundo o inciso X, do art.35, estabelecer critérios gerais

para a cobrança. Nesse sentido, na proposta do Legado, os Comitês poderiam estabelecer

mecanismo, desde que respeitados os limites dos valores unitários da cobrança, segundo critérios

técnicos estabelecidos pelo CNRH, a partir de cálculos da ANA, conforme determina o inciso VI, do

art. 4º, da Lei nº 9.984, de 2000.

A outorga de direito de uso de recursos hídricos também compõe um dos temas do Projeto

Legado, visando a aprimorar a definição de diretrizes para análise de outorgas, para diluição de

efluentes domésticos urbanos. A sugestão é acrescentar ao inciso V, do art. 12, da Lei da Política

Nacional de Recursos Hídricos, o reuso direto e indireto. Ainda, propõe perante ao CNRH minuta de

Resolução que estabelece diretrizes para análise e emissão de outorgas de lançamento de efluentes

de esgotos sanitários urbanos, para fins de diluição.

Prevê a inclusão de mais um inciso no art. 5º (instrumentos de gestão de recursos hídricos):

incentivos econômicos para gestão sustentável dos recursos hídricos e a conservação de água e solo.

Nessa linha, a inclusão da fiscalização como mecanismo de gestão, propondo a inclusão de outro

inciso no art. 5º.

Por fim, com vistas à proteção de áreas hídricas relevantes de valor histórico, paisagísticos,

artístico, arqueológico e científico, a proposta junto ao CNRH é regulamentar como esses espaços

terão uma proteção especial.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 261

PROPOSTAS A SEREM DESENVOLVIDAS

Outros temas foram suscitados durante as discussões e debates, mas acabaram não

apresentando propostas objetivas.

É o caso da interdependência de águas superficiais e subterrâneas já está prevista no § 4º,

do art. 1º, da Resolução do CNRH nº 16, de 8 de maio de 2001, para as análises das outorgas de

direito de uso de recursos hídricos. Tal prática está aquém do que apregoa o normativo. Mas, além

da interdependência, a integração no âmbito dos instrumentos de gestão dessas águas precisa ter

a adesão normativa.

Nesse tema, resta ainda o enfrentamento a respeito da dominialidade das águas

subterrâneas. Pelo disposto no inciso I, do art. 26, da Constituição Federal, essas águas incluem-se

como bens dos Estados. Porém, nesse aspecto, surge uma controvérsia frente ao inciso III, do art.

20, pois aqui não vem descriminado, dentre os bens da União, se o texto trata de águas superficiais

ou subterrâneas. Fala em quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, que banhem

mais de um Estado ou faça fronteira com outro país ou se estendem ao território estrangeiro. A

questão seria: Nesses casos, as águas subterrâneas seriam de domínio da União?

No escopo da Constituição Federal, urge regulamentar o § 3º, do art. 231, ou seja, o

aproveitamento de recursos hídricos e os potenciais energéticos, em terras indígenas, só poderão

ser efetivadas após a oitiva da comunidade, bem como autorização do Congresso Nacional.

A integração e articulação da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental, zonas

costeiras, água minerais e demais políticas setoriais (saneamento, energia, águas urbanas, dentre

outras), constituem uma das metas mais desafiadoras na gestão das águas. A proposta já está

consignada na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, em seu art. 3º, com diretriz para gestão.

Mas são muitos os impasses para a real concretização desse caminho, que deve permear

objetivamente a gestão das águas.

No âmbito de um sistema federativo, onde se confunde gestão das águas (recurso ambiental),

nos termos do inciso V, do art. 3º, da Lei nº 6.938, de 1981), com a gestão de recursos hídricos, o primeiro

problema está posto, não só a respeito da natureza jurídica da água, para a área ambiental, que é um

bem difuso, e para área hídrica, um bem público. Também na seara das competências a gestão fica

complexa. De um lado, a competência ambiental admite os municípios com sujeitos para atuar na

qualidade da água, não compartilhada a ideia na seara da gestão hídrica. Veja-se que em vários Estados

os órgãos e entidades unificaram ambos os temas em só organismo de gestão.

262

Tem-se assim, a ausência de transversalidade, tanto vertical, como horizontal. O mesmo

acontece, na medida das atribuições, com outros setores. Algumas tentativas, nesse sentido foram

propostas, como é o caso da Resolução do CNRH nº 65, de 7 de dezembro de 2006, que estabeleceu

diretrizes de articulação dos procedimentos para obtenção da outorga de direito de uso de recursos

hídricos com os procedimentos de licenciamento ambiental. Veja que a lei de recursos hídricos (art.

3º), fala em integração! Articulação e Integração são conceitos diferentes. Outra proposta foi feita

por meio da Portaria do Ministério do Meio Ambiente nº 357, de 18 de novembro de 2006,

instituindo Comissão Permanente com a finalidade de sugerir procedimentos para articulação e

integração das ações e temas conexos do CNRH com o Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Para exemplificar, o quadro a seguir mostra algumas harmonizações necessárias da gestão

integrada no âmbito dos Instrumentos de Gestão:

.........Quadro 1: Interfaces do Sistema de gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental

Fonte: Autora

A Resolução do CNRH nº 76, de 16 de outubro de 2007, estabelece diretrizes para a integração

entre a gestão de recursos hídricos e a gestão de águas minerais, termais, gasosas, potáveis de mesa ou

destinadas a fins balneários. Na área da articulação com o setor hidrelétrico, a Resolução Conjunta

ANEEL/ANA nº 1.305, de 20 de novembro de 2015, estabelece diretrizes e procedimentos para outorga

de direito de uso de recursos hídricos para empreendimentos hidrelétricos.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 263

No campo da integração com as áreas urbanas, não há dúvidas da necessária articulação. A

complexidade se dá uma vez que os municípios não têm domínio sobre as águas, mas podem legislar

por interesse local, embora fique difícil conceituar a expressão, para concretização da predominância

de interesse. Os municípios se submetem a normas próprias, como o Estatuto da Cidade, Lei de Uso e

Ocupação do Solo, saneamento básico, meio ambiente, dentre outras. Essas normas devem ser

compatibilizadas com as normas municipais. Nesse sentido, o art. 31, da Lei da Política Nacional de

Recursos Hídricos, determina que cabe aos municípios essa integração das políticas locais. Um dos

pontos mais complexos para articulação se dá entre a Política Nacional de Recursos Hídricos, com a

Política Nacional de Saneamento, estabelecida pela Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007.

O tema envolve o lançamento de efluentes. O art. 15 da Resolução nº 16 do CNRH, de 8 de

maio de 2001, diz que para o lançamento de efluentes será dada em quantidade de água necessária

para diluição da carga poluente, com base nos padrões de qualidade da água correspondentes à

classe de enquadramento do corpo receptor. Nesse sentido, a Resolução do CNRH nº 91, de 5 de

novembro de 2008, dispõe sobre os procedimentos gerais para enquadramento dos corpos de água

superficiais e subterrâneos.

A Agenda Internacional ainda está aquém das necessidades. Primeiro, mesmo considerando

os tratados internacionais, no caso de forma macro, para o Brasil tanto o Tratado Amazônico quanto

o Tratado da Bacia do Prata não conseguem alavancar uma harmonização quanto aos usos da água,

levando em conta os instrumentos da gestão de recursos hídricos. Para o Brasil, os tratados não

recebem status constitucional, devendo os acordos passarem por um imbricado caminho de

ratificação do Congresso e promulgação do Poder Executivo, passando a valer, no cômputo da

hierarquia normativa, abaixo das normas constitucionais, complementares e ordinárias47. Salienta-

se que a América do Sul é uma região possuidora de vastos recursos hídricos, apresentando o maior

complexo mundial de água fluvial e subterrânea do mundo. Nesse campo, destaca-se, dentre outros

aquíferos, o Guarani, que permeia quatro países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, assinado em

2 de agosto de 2010, foi aprovado pelo Senado, por meio do Decreto Legislativo nº 24/2017. Ratifica

o direito soberano para gestão dos recursos do Sistema do Aquífero Guarani, desde que não cause

prejuízo sensível às demais partes do acordo. O art. 19 do tratado chama a atenção quando

47 Nesse sentido, verificar a possibilidade de Acordos Internacionais receberem o status de norma constitucional, conforme o parágrafo terceiro do art. 5º da CF.

264

recomenda o procedimento arbitral para resolução de controvérsias. Tal direcionamento, no Brasil,

ficará comprometido tendo em vista que a arbitragem somente atinge direitos disponíveis. Como é

cediço, a água é um bem indisponível!

Chama a atenção que muitos organizadores dos instrumentos legais não se valem de uma

análise jurídica mais profunda e acabam por introduzir em regras legais, normas muitas vezes

ilegítimas e algumas ocasiões inconstitucionais.

Um tema importante que poderá resolver muitos conflitos pelo uso da água está inscrito nos

marcos regulatórios que vêm sendo desenvolvidos pela ANA, compatibilizando os usos, por meio da

alocação de água. A Resolução ANA nº 1.938, de 30 de outubro de 2017, que dispõe sobre os

procedimentos para solicitações e critérios de avaliação das outorgas preventivas de direito de uso

de recursos hídricos, trata de definir os conceitos. Nessa normativa se encontram também regras

referentes à avaliação dos pedidos de outorga no que tange ao lançamento de efluente e

esgotamento sanitário.

DESAFIOS PARA O FUTURO NÃO CONTEMPLADOS NO PROJETO LEGADO

Avanços

O certo que é que com a edição da Lei da Política Nacional de Recursos foi rompida uma

velha dinâmica de prioridade somente para um setor usuários, no caso, o setor hidrelétrico. A

adição, como fundamento da lei, para que a gestão dos recursos hídricos deve sempre priorizar o

uso múltiplo da água, consolidou a tendência mundial e democrática no uso da água.

A Lei das Águas agrega fundamentos contemporâneos ao se fixar na gestão, trazendo todos

os atores interessados para a administração participativa, amenizando os ritos voltados para

instrumentos e comando e controle. Não há como deixar de citar alguns projetos voltados para a

efetivação dos instrumentos de gestão de recursos hídricos, como é o caso do Programa de

Consolidação de Pacto Nacional pela Gestão das Águas (PRÓGESTÃO) incentivo financeiro aos

sistemas estaduais (voltado ao fortalecimento institucional e de gerenciamento de recursos

hídricos). Em caminho similar, o Programa de Desenvolvimento do Setor Água (INTERÁGUAS) que

visa a “criar um ambiente onde os setores envolvidos com a utilização da água possam se articular

e planejar suas ações de maneira racional e integrada” (BRASIL, 2018).

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 265

No que concerne à participação dos diversos atores na gestão das águas, mesmo o

mecanismo da outorga de direito de uso de recursos hídricos se submete a requisitos que advêm

de pautas participativas, ou seja, conforme o art. 13, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos,

a outorga depende dos Planos de Bacia (ao CNRH, cabe aprovar o Plano Nacional e aos Comitês,

aprovar o Plano de Recursos Hídricos); os trâmites, tanto para cobrança como para o

enquadramento são sujeitos à aprovação de colegiados (CNRH e CONAMA). O Programa Nacional

de Fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas vem contribuir para o aperfeiçoamento da

capacidade operacional dos Comitês de Bacia no que diz respeito ao seu funcionamento,

capacitação, comunicação e implementação dos instrumentos de gestão.

Por fim, há que ser considerado que a Lei de Recursos Hídricos, mesmo contando com um

viés político, é didática, fato que facilita a leitura e os arranjos para encaminhamentos. Leve-se em

conta que se trata de um novo porvir que foge aos aspectos tradicionais das normas jurídicas,

compondo, ainda, um aspecto técnico e inovador, que deve ser abraçado com atenção, tanto para

os legisladores, como para a população em geral. Desta feita, a necessária educação hídrica.

Recuos

Alguns assuntos sequer foram abordados nas diversas reuniões e outros ainda não foram

enfrentados, como é o caso de se decifrar a natureza jurídica da água, ou mesmo a conceituação do que

vem a ser recurso hídrico. A gestão das águas requer, para área jurídica, uma verdadeira arquitetura

jurídica, pois envolve vários órgãos e entidades, de forma vertical (no âmbito de diversos organismos

relacionados ao tema da água), e vertical (levando em conta o Estado federativo e as competências

relacionadas). O estudo jurídico, além disso, não pode se furtar a agregar conhecimentos de diversos

ramos do direito e também outras áreas do saber, pois sua dimensão sistêmica exige conhecimento de

cunho inter e multidisciplinar. É essencial a educação e capacitação.

Uma ótima oportunidade foi perdida na regulamentação do parágrafo único do art. 23, da

Constituição Federal, que teve como objetivo fixar normas de cooperação entre a União, Estados,

Distrito Federal e Municípios. A Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que

regulamentou o dispositivo constitucional, não agregou a necessária transversalidade,

notadamente de instrumentos de gestão entre os agentes ambientais e da área hídrica.

Por fim, outros agentes não estatais devem ser incluídos na dinâmica participativa da gestão

das águas, notadamente as minorias sociais: comunidades tradicionais e mulheres.

Alguns temas estão ainda muito aquém nas análises e estudos necessários. É o caso das

mudanças climáticas, urge que se criem grupos no âmbito de bacias hidrográficas (principalmente

as mais vulneráveis) tratando de adaptações, sistemas de alerta e monitoramento (trabalhando

266

temas, como: chuvas mais intensas e secas mais severas, aumento do nível dos oceanos – que de

certa forma causa intrusão salina, etc.). Nesse cenário, já é cediço que a hipótese da

estacionariedade já não disponibiliza informações com segurança. Outras intercessões devem ser

desenvolvidas, como a água e cultura, água e biodiversidade, água e floresta, uso de agrotóxicos,

integração da gestão de recursos hídricos com os sistemas estuarinos e costeiros.

Desafios

No exame da situação hídrica do país, sob a ótica legal, mesmo considerando que as normas

voltadas para proteção e cuidado da água, ainda são muito recentes frente as práticas costumeiras

que se deram no Brasil até então, crê-se um bom momento para rever e aprimorar os normativos.

Além de todos os pontos abordados, dois temas chamam a atenção.

Para contribuição e aprimoramento da Política de Recursos Hídricos, vale referenciar o

pedido feito pelo Comitê Nacional de Zonas Úmidas, junto ao CNRH, para definir o termo “recursos

hídricos”. Até aqui, as águas superficiais e subterrâneas são consideradas, pelo inciso V do art. 3º

da Lei nº 6.938, de 1981, como recursos ambientais. Portanto, nessa perspectiva, o bem se submete

aos normativos dessa política. Veja que no âmbito da lei da política hídrica, só na leitura dos seus

fundamentos, a água é um bem de domínio público, se contradiz com a natureza da água no ponto

de vista ambiental e a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, também se

curva aos auspícios das normas ambientais (nesse último caso ligado ao inciso VI, do art. 170, da

Constituição Federal). Pelo exposto é imprescindível conceituar a expressão “recursos hídricos”,

que, ao que parece, trata dos usos antrópicos da água.

E, por fim, a recente abordagem considerando o curso de água como sujeito de direito,

ganhando voz e autonomia, não como um recurso natural, mas pelo direito de existir por si próprio,

direito de manter seus ciclos naturais, trará uma profunda discussão acadêmica, social, jurídica e

política. O instituto de Mediação será um bom caminho para as harmonizações.

CONCLUSÃO

Percorrendo o aparato constitucional e legal, pode-se notar a priori que o direcionamento

para administrar as águas no Brasil migrou de uma visão patrimonialista e beneficiária de um setor

(elétrico) para uma visão de distribuição equitativa do recurso; de um modelo pautado em comando

e controle, para a gestão, que tem como pilar aspectos da governabilidade e governança. A proposta

ainda não foi concretizada conforme as dimensões encaminhadas, mas já sinaliza uma necessária

revisão, com vistas ao seu aperfeiçoamento.

Diálogos – A legislação do sistema nacional de recursos hídricos, possíveis avanços e recuos - 267

O que se vê, entretanto, é a falta de aparato administrativo moderno, que consolide, a

contento da lei, as novidades trazidas pelo novo direito das águas, como a integração de políticas,

ações transversas e trato da bacia hidrográfica, como um ecossistema que desafia o aparato de um

Estado federativo. São deveres futuros que serão enfrentados pelos poderes da República.

Ressalta-se a importância da participação pública inclusiva para que se faça a

governabilidade sustentável. Do ponto de vista técnico, ainda está por vir a concretização da visão

holística em torno da água, desmitificando uma ciência cartesiana pouco apta para enfrentar os

desafios do século XXI.

Desta feita, mais e mais desafios se avolumam. A educação ambiental e hídrica deve incluir

saberes jurídicos, disponibilizando as novidades legais e notadamente abraçando aí as

contemporâneas visões científicas, elevando o Direito ao nível solicitado pela Constituição Federal,

que se traduz em direcionamentos ecológicos e sociais viáveis para a futura gestão das águas.

O certo é que se descortina uma nova fase para o Direito, que encontra nas propostas de

aperfeiçoamento a oportunidade de estar a serviço do ser humano e de todos os seres de forma

gentil, fraterna e solidária, elevando para todos(as) dois preceitos básicos para a harmonia

planetária: a responsabilidade por seus atos e o respeito à vida.

AGRADECIMENTO

Ao Dr. Emiliano Ribeiro, pela leitura e acompanhamento do artigo.

REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Meio ambiente. Interáguas. Disponível em: http://www.mma.gov.br/informma/itemlist/category/8-agua?start=14>. Acesso em: jun. 2018. CAMARGO, E. Os usos da água para geração de energia elétrica e a sustentabilidade jurídica-ambiental. 2008. Tese (Doutorado em Energia Elétrica), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. FIÚZA, C. Direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. MACHADO, P. A. L. Recursos hídricos - direito brasileiro e internacional. São Paulo: Malheiros, 2002. SILVA, J. A. Curso de direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000.

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