a invenção do brasil

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A INVENÇÃO DO BRASIL - O NASCIMENTO DA PAISAGEM BRASILEIRA SOB O OLHAR DO OUTRO Sandra Jatahy Pesavento 1 analisar a pintura paisagística holandesa sobre o Brasil, no momento da invasão, conquista e estabelecimento da dominação do nordeste brasileiro no século XVII; observar como, pela paisagem, se fez a “invenção do Brasil”. 2 o Brasil nesta época não se pensava: era objeto do pensamento de um outro. Antes de se representar, era representado; 3 No século XVII, o Príncipe Maurício de Nassau Von Siegen, da casa de Orange, trouxe para o nordeste brasileiro uma comitiva de sábios e artistas, composta por geógrafos, engenheiros, arquitetos, pintores, humanistas. Uma vida cultural intensa se organizou em torno do príncipe e sua corte, como uma espécie de transposição da Europa para o meio tropical da Nova Holanda. Entre eles, pintores, gravuristas e cartógrafos como Frans Post, Gillis Peters, Zacharias Wagener, Georg Macgraf e Albert Eckhout. Neste olhar desde fora, desejo, curiosidade, atração e repulsa, cobiça e sede de saber se mesclavam, fazendo da natureza a representar um mosaico de significados. As referências deste olhar estavam, sem dúvida, ancoradas na Holanda e na Europa, padrões de referência para a sua sensibilidade estética. 4 mesclavam os saberes científicos, as lendas e os relatos do maravilhoso, os preconceitos e as utopias, que inscreviam nas representações sobre a nova terra conquistada, de forma metafórica e alegórica, múltiplos sentidos. século XVII vivenciava os efeitos de uma globalização em escala internacional, em um mundo unificado pelo mercado e pelas trocas culturais, pela mestiçagem e pelos contatos entre os povos, pela difusão dos saberes. O Brasil estava, ao mesmo tempo dentro, mas distante do mundo ocidental, como lugar de exposição de uma alteridade que levava a Europa a repensar a sua própria trajetória e valores. Gillis Peters. Vista do Recife e do seu porto. Óleo sobre tela, 49,5 x 84,5cm, 1937, Coleção Gilberto Daccache, SãoPaulo, Brasil.

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Resumo de :A INVENÇÃO DO BRASIL - O NASCIMENTO DA PAISAGEM BRASILEIRA SOB O OLHAR DO OUTRO

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  • A INVENO DO BRASIL - O NASCIMENTO DA PAISAGEM BRASILEIRA SOB O OLHAR DO OUTRO

    Sandra Jatahy Pesavento

    1 analisar a pintura paisagstica holandesa sobre o Brasil, no momento da invaso, conquista e

    estabelecimento da dominao do nordeste brasileiro no sculo XVII;

    observar como, pela paisagem, se fez a inveno do Brasil.

    2 o Brasil nesta poca no se pensava: era objeto do pensamento de um outro. Antes de se

    representar, era representado;

    3 No sculo XVII, o Prncipe Maurcio de Nassau Von Siegen, da casa de Orange, trouxe para o

    nordeste brasileiro uma comitiva de sbios e artistas, composta por gegrafos, engenheiros,

    arquitetos, pintores, humanistas. Uma vida cultural intensa se organizou em torno do prncipe e sua

    corte, como uma espcie de transposio da Europa para o meio tropical da Nova Holanda. Entre

    eles, pintores, gravuristas e cartgrafos como Frans Post, Gillis Peters, Zacharias Wagener, Georg

    Macgraf e Albert Eckhout.

    Neste olhar desde fora, desejo, curiosidade, atrao e repulsa, cobia e sede de saber se mesclavam,

    fazendo da natureza a representar um mosaico de significados. As referncias deste olhar estavam,

    sem dvida, ancoradas na Holanda e na Europa, padres de referncia para a sua sensibilidade

    esttica.

    4 mesclavam os saberes cientficos, as lendas e os relatos do maravilhoso, os preconceitos e as

    utopias, que inscreviam nas representaes sobre a nova terra conquistada, de forma metafrica e

    alegrica, mltiplos sentidos.

    sculo XVII vivenciava os efeitos de uma globalizao em escala internacional, em um mundo

    unificado pelo mercado e pelas trocas culturais, pela mestiagem e pelos contatos entre os povos,

    pela difuso dos saberes.

    O Brasil estava, ao mesmo tempo dentro, mas distante do mundo ocidental, como lugar de

    exposio de uma alteridade que levava a Europa a repensar a sua prpria trajetria e valores.

    Gillis Peters. Vista do Recife e do seu porto. leo sobre tela, 49,5 x 84,5cm, 1937, Coleo Gilberto

    Daccache, SoPaulo, Brasil.

  • Os holandeses, senhores do territrio, dominadores que impem sua cultura, esto, a rigor,

    ausentes da pintura, dentre os personagens que nela figuram. Mas este ator ausente se faz presente

    no plano do simblico, se nos pusermos a analisar o quadro em suas partes ou cenas constitutivas

    Em um primeiro plano, temos Olinda, a cidade conquistada em 1630 e destruda no ano seguinte

    pelos invasores holandeses. O que vemos o espetculo de uma cidade arrasada pela violncia da

    guerra, que nos mostra os restos de uma destruio. Olinda est em runas, onde a vegetao cresce

    entre os escombros dos prdios abandonados.

    A runa, bem o sabemos, alegrica e metafrica, como imagem que faz pensar e que revela alm

    daquilo que exposto. A runa um cronotopo, uma unidade de tempo e de espao portadora de

    sentidos.

    runas de Olinda representam o passado. Olinda a cidade que foi e no mais , pela ao dos

    invasores holandeses. Olinda testemunho no espao de uma superao no tempo: o nordeste ,

    agora, holands. Enquanto runa, Olinda paisagem no sentido clssico: paisagem campestre, com

    animais que pastam em meio aos escombros e vegetao e com camponeses a tratar do rebanho e

    a conversar entre si, nesta cidade que um dia foi cultura e volta agora a ser natureza. Alheios ao

    drama da vida que ali um dia existiu, eles se entregam a outras atividades. Mais do que isso, os

    personagens que a povoam no a habitam. Esto ali de passagem, e pode-se mesmo ver que as

    pedras da cidade em runas esto a serem retiradas para reutilizao em outras construes.

    tais pedras servem para a edificao da segunda cidade, aquela do tempo presente: Recife, a cidade

    em diagonal que se estende na estreita faixa de terra que avana no mar. Recife, com seu porto, seu

    comrcio, seus numerosos navios, sua fortaleza la Vauban, com seus tpicos arrecifes ao longo da

    costa, exibe o desenvolvimento e a extrema concentrao populacional que se verifica nesta cidade

    erguida em estreita faixa de terra, dando a ver, ao fundo, seus prdios agrupados.

    Resultado do crescimento de um modesto burgo porturio, ocupado pelos holandeses aps a

    destruio de Olinda, Recife centro de uma atividade febril, progresso, vida urbana que atesta

    o sucesso de uma dominao no tempo do presente.

  • Mas uma terceira cidade se insinua e se exibe no terceiro plano da paisagem. a moderna e

    planificada Cidade Maurcia, obra do prncipe Nassau e onde se constri o futuro da Nova Holanda.

    Uma cidade inusitada, uma utopia e um sonho a concretizar-se em terras americanas, uma cidade

    absolutamente diferente nos quadros do Brasil colonial, a sugerir o que se poderia esperar da Nova

    Holanda no futuro.