a influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

21
A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA - A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E DA LINGUAGEM DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Inês Astreia Almeida Marques – Prof. PDE RESUMO Este artigo trata da relação entre comunicação e educação, e das contribuições ao processo ensino-aprendizagem que a presença dos meios de comunicação podem trazer para o processo ensino-aprendizagem. Situando ambas as ciências num contexto histórico atual, aponta os benefícios que o trabalho com os meios pode trazer à ação pedagógica do professor, no sentido de formação de cidadãos críticos e reflexivos. Palavras-chave: Educação; Comunicação; Meios de comunicação; Processo ensino-aprendizagem; Língua Portuguesa. 1 INTRODUÇÃO A revolução tecnológica trouxe mudanças profundas e radicais no modo de organização do trabalho e nas relações sociais. Na área do conhecimento essas mudanças, estimuladas pela incorporação de novas tecnologias, determinam transformações nas formas de se pensar e de se fazer educação e fazem emergir uma nova compreensão teórica sobre o papel da educação em sua relação com a comunicação. Constituindo-se em um novo campo, pesquisas nessa área apresentam uma configuração bastante definida, instigante. Isso porque a aproximação desses campos pressupõe uma colaboração estreita entre ambos, respeitadas as

Upload: ines-astreia-marques

Post on 02-Aug-2015

374 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO ENSINO DA LÍNGUA

PORTUGUESA - A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E DA LINGUAGEM DE

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Inês Astreia Almeida Marques – Prof. PDE

RESUMO

Este artigo trata da relação entre comunicação e educação, e das contribuições ao processo ensino-aprendizagem que a presença dos meios de comunicação podem trazer para o processo ensino-aprendizagem. Situando ambas as ciências num contexto histórico atual, aponta os benefícios que o trabalho com os meios pode trazer à ação pedagógica do professor, no sentido de formação de cidadãos críticos e reflexivos.

Palavras-chave: Educação; Comunicação; Meios de comunicação; Processo ensino-aprendizagem; Língua Portuguesa.

1 INTRODUÇÃO

A revolução tecnológica trouxe mudanças profundas e radicais no modo de

organização do trabalho e nas relações sociais. Na área do conhecimento essas

mudanças, estimuladas pela incorporação de novas tecnologias, determinam

transformações nas formas de se pensar e de se fazer educação e fazem emergir

uma nova compreensão teórica sobre o papel da educação em sua relação com a

comunicação.

Constituindo-se em um novo campo, pesquisas nessa área apresentam uma

configuração bastante definida, instigante. Isso porque a aproximação desses

campos pressupõe uma colaboração estreita entre ambos, respeitadas as

características próprias de cada um, que conduz ao surgimento de um novo campo

teórico, nascido da intersecção dessas duas disciplinas.

De um lado tem-se a mídia que, na esteira do avanço tecnológico, se

desenvolve e se expande num ritmo acelerado e transforma o mundo, trazendo a

informação e a comunicação para o cotidiano dos indivíduos. Mídia, aqui, é

entendida em um sentido bastante amplo, sendo considerados mídias os meios de

comunicação que veiculam informações e mensagens e que buscam interligar

Page 2: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

produtores e receptores dessas mensagens, em todas as instâncias da sociedade

incluindo-se, nelas, a escola.

2 COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO

Para uma conceituação de comunicação, MORAN (1993, p. 15), traz a

afirmação de que “a comunicação é o processo de expressão da participação social,

do estabelecimento de contato entre pessoas, grupos e classes. A comunicação

expressa a dinâmica do cotidiano, a existência social no indivíduo e a do indivíduo

na sociedade”.

Dessa forma, compreende-se que as relações interpessoais são, cada vez

mais, mediadas por relações simbólicas nas quais algum tipo de mídia se faz

presente. O uso do telefone, as notícias de jornal, os noticiários apresentados pela

TV, a correspondência que chega através do fax e a pesquisa que se faz pela

Internet constituem-se em exemplos de comunicação que é mediada por algum

aparato eletrônico.

O reconhecimento da existência desses fatos despertou o interesse de

pesquisadores do campo da comunicação, os quais buscam identificar “as

conseqüências dessa massiva presença midiática na cultura humana. Preocupam-

se com os possíveis efeitos dessa avalanche de informações”. (DALLA COSTA,

2001, p. 47).

Esses mesmos pesquisadores preocupam-se, paralelamente, com

investigações em relação ao avanço da tecnologia no campo da comunicação e à

interferência que essa tecnologia pode exercer sobre a atribuição de sentidos que

é dada às linguagens dos diferentes suportes midiáticos. Por isso, esses cientistas

da comunicação preocupam-se em levar ao conhecimento do público informações

que lhe permitam defender-se daquilo que teóricos denominam de “hegemonia das

empresas de comunicação”, bem como torná-lo consciente do poder e do efeito das

informações veiculadas, para que os indivíduos possam manter uma postura crítica

diante da mídia (id. ib., p. 48).

O professor, considerado como o principal agente do processo educativo

passa a assumir um novo papel, mais de acordo com as atribuições que agora lhe

são conferidas. Melhor seria dizer que, agora, o professor assume com maior

2

Page 3: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

clareza o papel que sempre lhe coube no espaço educativo: ele é, também, um

comunicador porque, no seu cotidiano, ao longo de suas aulas e de seus contatos

com os alunos, imagens, sons e falas sempre foram mediações utilizadas.

Em todo o desenrolar do processo ensino-aprendizagem a comunicação se

faz presente, de forma nítida, incluídos aí os meios de comunicação, eletrônicos ou

informatizados. São produzidos, por todos os elementos envolvidos, novos saberes

comunicacionais resultantes do entrecruzamento de diferentes discursos, como o

pedagógico, do professor; o científico, que lhe dá suporte; o que representa os

diferentes contextos em que ele , professor, e seus alunos, estão inseridos; o das

mídias, discurso transversal que se caracteriza pelas diferentes mediações sociais .

O professor então é, nesse novo contexto, o mediador entre as diferentes e

múltiplas informações que são obtidas pelos alunos nos mais diferentes veículos e

suportes auxiliando-os a filtrá-las, possibilitando-lhes conhecimentos e informações

que lhes permitam compará-las com informações e experiências anteriores, para

que elas possam se transformar em conhecimentos significativos.

Assim espera-se que, para a construção dessa interface entre educação e

comunicação, no campo pedagógico, o professor possa trabalhar com atividades

que impliquem na

introdução da mídia existente na prática em sala de aula, ou seja, para as estratégias que possibilitem aos professores o uso didático da imprensa falada, escrita e televisionada, integrando seus conteúdos; para a utilização do cinema e da TV como meios para práticas pedagógicas interessantes e eficientes; para o emprego de certas notícias, como, por exemplo, um lance de um jogo de futebol, para instigar a reflexão dos alunos (id., ib., p. 51).

Na seqüência, Dalla Costa (2001), aponta outra possibilidade que a abertura

desse campo oferece, que é a de capacitação do professor, em primeiro lugar, para

que o mesmo produza e elabore seus próprios materiais didáticos e pedagógicos,

utilizando a tecnologia da comunicação que exista em sua escola. Em segundo

lugar, para que motive seus alunos para que se apropriem dessas diferentes

linguagens produzindo seus próprios veículos de comunicação, desenvolvendo

novas formas de expressão e verificando que, com a circulação de sentidos, há

produção de formas sensoriais e cognitivas diferenciadas (id. Ib., p.51).

Diante da modificação do enfoque da aprendizagem, os professores

precisam, segundo Libâneo (2001, p.71), “aprender a pensar e a praticar

3

Page 4: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

comunicações midiatizadas” bem como precisam aprender novas maneiras de

pensar e refletir, produzir conhecimentos mais compatíveis com as novas

tecnologias da comunicação, como um dos requisitos para a formação da cidadania.

Além disso, ele enfatiza a necessidade de que o conhecimento escolar seja dotado

de significado, através do exercício de contextualização, evitando a fragmentação de

conteúdos e, principalmente, busquem incentivar o raciocínio e a capacidade de

aprender.

Todos os elementos que constituem a escola, inclusive os processos

pedagógicos que nela acontecem, devem ser considerados a partir das novas

relações que se estabeleceram para que se possa conhecer e compreender a

dinâmica e as formas de utilização dos meios de comunicação de massa e das

novas tecnologias, pelo professor, em sala de aula. Nesse sentido “a escola,

ressignificada, é chamada mais uma vez, e sempre para, no bojo dessa realidade,

apontar caminhos de democratização. Um desses caminhos passa pela distinção

entre a informação1, fragmentada, tal qual veiculada pelos meios de comunicação, e

o conhecimento2... (BACCEGA, 2001, p. 56).

Conhecimento, aqui, é entendido como reelaboração do objeto aprendido

incluindo, segundo Baccega (1998), a condição de poder revelar o que ainda é

virtual naquele domínio, ou seja, o resultado do cruzamento dos discursos de todos

os domínios, entendendo, ainda, que os diversos fenômenos da vida são

concatenados, apresentam-se em uma determinada organização em relação à

sociedade como um todo.

As mídias que integram o trabalho do professor, conseqüentemente a

comunicação escolar, são componentes articulados ao conjunto comunicacional que

integra e caracteriza a educação escolar, vinculados a uma proposta de ação

educativa e assim devem ser compreendidos e utilizados, para que os pressupostos

da educação se concretizem. Para isso, é necessário que haja articulação entre os

diferentes saberes, isto é, o saber científico, o saber pedagógico e o saber

comunicacional, no espaço pedagógico para que se efetive, na escola, a

aproximação entre educação e os meios de comunicação.

Saber científico3 é aqui entendido como o conhecimento proveniente das

ciências que referendam as diferentes disciplinas escolares e que embasam o 1 Grifo da autora.2 Idem.

4

Page 5: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

discurso dos professores. Saber pedagógico4, ou saber escolar, é aqui utilizado no

sentido do saber que se constitui a partir das relações sociopedagógicas vividas

pelos professores e alunos e que é resultante do diálogo entre os diferentes tipos de

conhecimento, ou seja,

os da ciência de referência da disciplina escolar, os conhecimentos didático-pedagógicos do professor, os conhecimentos do senso comum, de que todos, alunos e professores somos portadores, o conhecimento teórico e o conhecimento prático (o do saber e o do saber fazer), o conhecimento da cultura das mídias... (PENTEADO, 2002, p.33).

O saber comunicacional, neste contexto, é tido como o saber

produzido a partir da compreensão dos processos que envolvem a produção e

recepção, pelos meios de comunicação, e pela mobilização e circulação de idéias,

de sentimentos, originados a partir desses modos de produção e de recepção, bem

como de suas características, representadas pelos seus objetivos, conteúdos,

metodologias de comunicação, ênfase a um em detrimento de outro assunto, fatores

que determinam essas escolhas ou sua hierarquização (FAZENDA,1992, p. 106).

Pode-se resumir essa afirmação entendendo-se o saber comunicacional

como o saber resultante do estudo da produção, da veiculação e da recepção das

mensagens, “tanto ao nível pessoal como social, tanto na esfera do privado como na

esfera pública, e a interação dos emissores-receptores numa determinada

conformação econômica, política e cultural, num determinado tempo e espaço, onde

se liga o fatual do cotidiano com o conjuntural e o estrutural” (MORAN, 1993, p. 15).

Essas reflexões são importantes para que se pense a questão da relação

entre a educação e a comunicação como um espaço teórico em que são levadas a

efeito e se fundamentam as práticas de formação de indivíduos que assumem,

enquanto sujeitos, sua história em relação à realidade que os cerca, pensando

criticamente essa mesma realidade e, principalmente, selecionando informações que

lhes possibilitem interpretar adequadamente o mundo em que vivem. Assim, para

Bacega (2001, p.59),

3 Saber científico é o saber trabalhado na escola, a partir das idéias básicas, dos conceitos científicos das ciências de referência de cada disciplina. É o saber que trabalha com os conceitos construídos por meio de procedimentos científicos que permitem que, confrontados com a realidade, os indivíduos possam compreendê-la de maneira mais aprofundada.(PENTEADO, 2002, p. 188)4 Saber pedagógico é o saber resultante das relações estabelecidas entre a informação e o conhecimento científico e as informações e os conhecimentos dos alunos e os seus próprios, o que acarreta a reelaboração dos conhecimentos discentes e docentes. (id., ib., p. 189)

5

Page 6: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

o desafio, hoje, é a interpretação do mundo em que vivemos, uma vez que as relações imagéticas estão carregadas da presença da mídia. Trata-se de um mundo construído pelos meios de comunicação, que selecionam o que devemos conhecer, os temas a serem pautados para discussão e, mais que isso, o ponto de vista a partir do qual vamos compreender esses temas.

Esse mundo, porque é altamente tecnológico, também é polissêmico,

polifônico, policromático e muitos outros “poli”, que dão bem a medida da

multiplicidade de linguagens e imagens a que as crianças e jovens estão submetidos

(MORAN, 2007). Somente com uma educação que privilegie o conhecimento dos

mecanismos de funcionamento de todas as formas de expressão comunicacional é

que se poderá garantir, efetivamente, a intenção de formar um indivíduo crítico,

reflexivo e participante em todas as esferas da vida em sociedade.

As novas tecnologias da informação, presentes na vida de todos os

indivíduos, bem como outras inovações, são determinadas pela rapidez da evolução

científica e tecnológica, e essa rapidez é apreendida pelas crianças e jovens, de

forma direta ou indireta, através dos meios de comunicação, sendo que “cada meio

e cada tecnologia exercem uma mediação particular nas pessoas com as quais

interatuam e na estruturação dos próprios conteúdos que transmitem” (OROZCO-

GÓMEZ, 2002, p. 66).

Complementando a idéia desse autor, Moraes (1997) afirma que um dos

maiores desafios da modernidade é a produção do conhecimento, além de seu

manejo crítico e criativo e, como é fundamental que os indivíduos tenham acesso à

informação, caberá à educação desempenhar um importante papel para a

concretização desse projeto. Isso porque, segundo essa mesma autora, não se

conseguirá implementar um projeto de modernização da sociedade brasileira se não

se pensar na democratização das novas tecnologias de informação.

Outra questão a ser considerada é que essas novas tecnologias (NT) estão

dando origem “a uma verdadeira revolução que afeta tanto as atividades ligadas à

produção e ao trabalho como as ligadas à educação e formação” do ser humano

(DELORS, 2000, p.186).

No entanto, a importância educacional dessas NT não está localizada

apenas na sala de aula mas encontra-se, também, em sua aplicação fora dos muros

da escola, na contribuição para resolução dos problemas do cotidiano. Isso porque

não há sentido no desenvolvimento da criticidade se o pensamento crítico não puder

6

Page 7: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

ser aplicado em situações de vida real, que exijam reflexão, análise e seleção das

informações mais relevantes para decisões do cotidiano (MORAES, 1997, p. 191).

O fato de não conseguir cumprir com essas atribuições que são esperadas

faz com que a escola, ainda num sistema tradicional de ensino, pareça ter parado no

tempo, enquanto os alunos vivem intensamente todas as emoções que lhes são

apresentadas sob novas formas de linguagens (id., ib., p.16) , em tempo e espaço

real ou virtual, com novos critérios de valor nesse contexto cultural, determinados

pelas “inovações que marcaram todo o século XX, quer se trate do disco, do rádio,

da televisão, da gravação audiovisual, da informática ou da transmissão de sinais

eletrônicos por via hertziana, por cabo ou por satélite, revestiram uma dimensão não

puramente tecnológica, mas essencialmente econômica e social. (...) Tudo leva a

crer que o impacto das novas tecnologias ligadas ao desenvolvimento das redes

informáticas vai se ampliar muito rapidamente a todo o mundo (DELORS, 2000, p.

186).

A escola deve contribuir para que o indivíduo, então, possa procurar a

melhor forma de se adaptar a todas as novas situações que surgem e, o que é mais

importante, sem negar-se a si mesmo, buscando a construção de sua autonomia.

Esse processo de adaptação e de autoconstrução, permanentes, pressupõe o

estabelecimento de relações dialéticas, tanto com as informações do mundo exterior

como com os outros indivíduos, respeitando-se e respeitando a liberdade e a

evolução do outro (FREIRE, 1983). O conhecimento e o domínio do progresso

científico são decorrência desse processo, que permite ao homem assumir e

enfrentar todos os desafios que as novas tecnologias da informação e da

comunicação lhe apresentam.

É através da educação e da comunicação, sob a forma das diversas

mediações que a sociedade lhe oferece, que o indivíduo se insere no mundo, seja

através da palavra ou da comunicação oral ou escrita, seja através das diferentes

formas de reelaboração das informações que lhe chegam: pela fala de parentes e

amigos, pela leitura de revistas e jornais, pelos noticiários de rádio e televisão, ou

por outros programas transmitidos pelos meios de comunicação de massa. Mais

recentemente, essas informações chegam on-line, através da conexão em redes

com pessoas e textos geográfica e culturalmente bastante distanciados. Essa

7

Page 8: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

conexão – NET ou Internet – permite um contato em tempo real com fatos e

acontecimentos em qualquer parte do mundo.

Considerando-se todos esses fatos, a escola não pode mais continuar a ser

passiva, sentada, fechada, acrítica, competitiva, autoritária, traumatizante, servil e

dependente, conforme Fonseca(1995).

De fato, a escola e todos os elementos que a compõem, como os seus

agentes, os métodos e instrumentos utilizados, o planejamento e utilização dos

espaços destinados ao trabalho pedagógico, precisam ser inovados e reconstruídos

de forma interdisciplinar que impeça a ampliação e o aprofundamento da enorme

distância que vemos na relação dicotômica prática e teoria, ação e pensamento.

Isso porque, “hoje, o foco da escola mudou. Sua missão é atender ao aprendiz, ao

usuário, ao estudante. Portanto, a escola tem um usuário específico, com

necessidades especiais, que aprende, representa e utiliza o conhecimento de forma

diferente e que necessita ser efetivamente atendido” (MORAES, 1997, p. 137).

Deve-se pensar, sobretudo, segundo essa autora, que o ato de aprender

deve ser compreendido como a construção de um trabalho coletivo voltado para a

humanização do aluno, finalidade que se espera atingir através da ação do professor

e dos alunos em relação a um determinado conteúdo, objeto de estudos e

investigação, e que o importante é a interação que possa ser estimulada entre

esse sujeito e esse objeto.

Assim, pode-se considerar que o papel desempenhado pela educação de

maneira geral, e pela escola em particular, em relação à formação do ser humano e

em relação à consciência crítica é extremamente importante considerando-se que

o que se busca é uma sociedade mais democrática, mais humana, mais solidária,

mais igualitária, e este

é um desafio decisivo e é importante que a escola e a universidade se coloquem no centro dessa profunda transformação que afeta o conjunto da sociedade. Não há dúvida de que a capacidade individual de ter acesso e de tratar a informação vai ser um fator determinante para a integração da pessoa, não só no mundo do trabalho mas também no seu ambiente social e cultural (DELORS, 2000, p. 190).

É exatamente aí que se evidencia a necessidade de preocupação com a

utilização dos meios de comunicação pelo professor, em sala de aula, buscando

8

Page 9: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

superar o distanciamento 5 existente entre educação e meios de comunicação pois,

se por um lado temos os educadores que criticam os meios e, em especial, a

televisão, por entender que esta impõe “uma espécie de mínimo denominador

comum cultural, de reduzir o tempo dedicado à reflexão e à leitura” (...) vê-se, por

outro lado, que “os defensores dos meios de comunicação acusam o sistema

escolar de imobilismo e passadismo, e de recorrer a métodos antiquados para

transmitir saberes ultrapassados, provocando, assim, nos alunos, aborrecimento e

até aversão à aprendizagem (id., ib., p. 115).

Esse mesmo autor considera, em relação à televisão, veículo que ocupa um

lugar cada vez mais importante na vida dos alunos, devido ao tempo que lhe

dedicam, que é importante que os professores formem, desde já, os alunos para

uma ‘leitura crítica’ que os leve, por si mesmos, a usar a televisão como um

instrumento de aprendizagem, fazendo a triagem e hierarquizando as múltiplas

informações transmitidas” (DELORS, 2000, p. 116).

Ele afirma, ainda, que os meios de comunicação social constituem-se em

eficazes vetores de educação não-formal e, por isso, deve-se insistir numa das

finalidades essenciais da educação, ou seja, oportunizar a cada aluno o cultivo de

suas aptidões e a formulação de juízos para que possam adotar, efetivamente,

comportamentos livres.

Modernamente, começa a tomar vulto a necessidade de que os conceitos

ligados à educação sejam repensados pois, “além das necessárias adaptações

relacionadas com as alterações da vida profissional, ela deve ser encarada como

uma construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da sua

capacidade de discernir e agir. Deve levar cada um a tomar consciência de si próprio

e do meio ambiente que o rodeia, e a desempenhar o papel social que lhe cabe

enquanto trabalhador e cidadão (DELORS,2000, p.18).

5 Distanciamento entre educação e comunicação, em termos, porque “as lógicas do sistema educacional são diferentes das do sistema comunicacional” embora, a cada invenção tecnológica, a sociedade atribua uma expectativa educacional aos processos comunicacionais originados de novas invenções tecnológicas (BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 10)

9

Page 10: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

Somente a compreensão do papel educacional exercido pelos meios de

comunicação de massa e a consciência de que eles apresentam também um caráter

pedagógico, embora não intencional6, pode levar à compreensão que, de fato, a

educação não pode ser limitada a um determinado período e espaço na vida do

indivíduo, uma vez que ele está permanentemente se educando e sendo educado,

num processo contínuo de trocas que contribuem para seu crescimento pessoal e

profissional. “A escola precisa observar o que está acontecendo nos meios de

comunicação e mostrá-lo na sala de aula, discutindo-o com os alunos, ajudando-os

a que percebam os aspectos positivos e negativos das abordagens sobre cada

assunto” (MORAN, 2008).

2.1 COMUNICAÇÃO E O ENSINO DA LÍNGUA

Ao longo do tempo, a escola limitou-se ao uso da linguagem verbal. No

entanto, com a evolução atual da tecnologia, surge a necessidade de que se

trabalhe cada vez mais a linguagem não-verbal. Então, para que se observem

melhorias na qualidade do ensino, a escola precisa de professores capacitados,

aptos a adotarem uma nova prática pedagógica, para que haja uma modernização

na estrutura dessa instituição e que melhore o desempenho dos alunos.

Ao utilizar a linguagem não-verbal, o conceito que as pessoas têm do que seja

texto (um conjunto de signos lingüísticos) é desconstruído, e o texto, então, passa a

ser entendido como “toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e

auto-suficiente do ponto de vista da ação ou da comunicação” (BRONCKART, 1999,

apud BARCELLOS, 2008). O texto é o elemento básico com que se deve trabalhar

no processo de construção de conhecimento pois é através dele que o usuário da

língua desenvolve a sua capacidade de organizar o pensamento/conhecimento e,

assim, pode transmitir idéias, informações e opiniões.

Dessa forma, entende-se que o professor deve orientar seu aluno, desde o

período inicial, da Educação Infantil, para que esse aluno possa compreender e

interpretar o verbal, o não-verbal e o paraverbal. Em relação ao aspecto da

6 Não intencional porque os objetivos dos meios de comunicação que trazem, em sua gênese, a função de informar, atualizar, estimular estética, afetiva e emocionalmente, além de divertir não são, necessariamente, de ordem educativa mas, “seja qual for o juízo que se faça sobre a qualidade dos seus produtos, fazem parte integrante do nosso espaço cultural, no sentido mais amplo do termo” (DELORS, op. cit., p. 115).

10

Page 11: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

interpretação, o nível de aprofundamento deve ser ampliado a cada ano, para que

não ocorra a continuidade da interpretação superficial, um dos grandes problemas

com o qual se defrontam os professores de Língua Portuguesa. Em decorrência

dessa interpretação superficial, observa-se que muitos alunos concluem o Ensino

Médio, não apenas na rede pública, mas também na particular, sem saber ler nas

entrelinhas, sem relacionar o conhecimento construído na escola com o seu

conhecimento de mundo. Para que isso não ocorra, o professor deve trabalhar os

fatos sociais, integrando-os às discussões ou solicitando textos da mídia impressa,

para que o conteúdo a ser trabalhado possa ser integrado.

A utilização, pelo professor, de material proveniente da mídia como programas

gravados da televisão, textos publicitários, charges e tirinhas jornalísticas enriquece

a aula, oportuniza ampla utilização da fala, nos debates e discussões, além de

contribuir para a leitura e interpretação de imagens.

Dessa forma, conduz-se o aluno à análise do material que lhe é apresentado,

para que ele perceba que, nesse material, diversas linguagens se entrecruzam: as

imagens, as cores, os sons da fala, a música, o movimento. Nesse material, quase

não há texto escrito, porque as interpretações necessitam de outros referenciais que

não apenas o de decodificação dos textos orais, mas de sua simbologia, de sua

representação.

Assim, o aluno deve ser instigado a perceber que, num texto, as linguagens

podem assumir diversas funções. Assim, o icônico pode ilustrar o verbal, completar

o seu sentido mas, mesmo sem a sua presença, é capaz de estabelecer sentido. No

caso da linguagem não-verbal, mais especificamente no caso da imagem, ao

explorá-la, o aluno deve ser estimulado a aproximar os conhecimentos

sistematizados dos já internalizados em outros momentos, em outras situações. Ele

deve ser lembrado que, ao visualizar uma imagem, vários sentidos são despertados,

tais como: um sentimento, um acontecimento, um sentido (olfato, paladar...). Para

que possam ser conscientizados desse fato e levá-los a uma reflexão crítica, é

preciso que o professor utilize farto material midiático, como jornais, revistas,

programas de televisão, filmes etc.

Segundo Vygotsky (1994), o desenvolvimento humano acontece de fora para

dentro. Assim, quando o professor elabora atividades cujo ponto de partida seja o

conhecimento de mundo do aluno, este conseguirá realizar as atividades que lhes

11

Page 12: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

forem propostas com autonomia, pois “o que antes era desenvolvimento potencial

passou a ser desenvolvimento real” (VYGOTSKY, 1994, p. 30).

Os professores de Português, ou professores de linguagem (como bem diz

Bechara) não podem ficar alheios ao avanço tecnológico, buscando também utilizar

o computador.

A Internet está cada vez mais presente na vida de todos os sujeitos,

principalmente na de crianças e jovens, por meio dos sites de relacionamento e

páginas de jogos. Cabe ao professor buscar formas de utilização dessa ferramenta

articulada aos processos de construção do conhecimento. A realização de

pesquisas sobre assuntos discutidos em sala, a criação de blogs (que ampliam o

tempo da aula, extrapolando os limites da sala de aula), o hábito de deixar recados

nas páginas de relacionamento, o envio de mensagens eletrônicas, todas essas

atividades podem ser aproveitadas para que se efetive um trabalho construtivo de

aprendizagem e de uso da língua em situações do cotidiano.

Outras atividades podem ser propostas pelo professor de Língua Portuguesa,

conforme Barcellos (2007):

- pesquisa, por exemplo: o uso da abreviação (como as palavras são abreviadas em e-mails, orkut, etc.);

- leitura de obras literárias;- envio de e-mails para tirar dúvidas, entregar trabalhos, justificar faltas;- disponibilizar os melhores trabalhos para que possam ser lidos e propor um concurso para

selecionar os três melhores;- acessar fotos de passeios e projetos promovidos pela escola; (...)

Mais do que tudo, torna-se necessário que se entenda que uma mudança de

rumos no ensino da língua materna determina, também, uma mudança na postura

de todos os envolvidos no processo educacional uma vez que a utilização prática

das Novas Tecnologias da Comunicação e Informação (NTCI) e dos MCM, em sala

de aula, deve ser permeada por uma reflexão constante sobre esses mesmos

meios (ALVES e PRETTO, 1999). Essa reflexão conduz e aproxima o sujeito do

processo de construção do conhecimento, tornando-o mais competente para criar,

pensar, construir e reconstruir, num ambiente de aprendizagem que prioriza o

reconhecimento da multidimensionalidade dos sujeitos, bem como da

multiculturalidade dos espaços sociais em que estão inseridos.

12

Page 13: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

Dessa forma, entende-se a escola, conseqüentemente o processo ensino-

aprendizagem, como instrumento que facilitará a apropriação do saber através do

domínio das diferentes linguagens, oportunizando uma síntese entre a cultura

formal, proveniente da sistematização dos conhecimentos, e a cultura vivenciada

pelo aluno enquanto sujeito de seu próprio conhecimento (MORAN, 2007).

Assim, o processo de aprendizagem deve ocorrer aliando-se o novo

conhecimento àquele já existente, através do processamento de informações, de

recursos para que sejam trabalhados os estímulos do ambiente e da organização

dos dados disponíveis da experiência recém-adquirida que, por sua vez, possibilitará

o reinício do processo, num continuum que poderá oferecer à educação uma nova

configuração, porque está repleto de significação humana e social (LIBÂNEO,

2001).

Conforme MORAN (2008), deve-se “educar para compreender melhor seu

significado dentro da nossa sociedade, para ajudar na sua democratização, onde

cada pessoa possa exercer integralmente a sua cidadania”.

REFERÊNCIAS

ALVES, L. R. G. & PRETTO, Nelson. Escola: espaço para a produção de conhecimento. Revista Comunicação e Educação. São Paulo: CCA-ECA-USP/Segmento, set./dez. 1999, p. 29-35.

BACCEGA, Maria Aparecida. Linguagens da comunicação. In: Caminhos da educomunicação / Ismar de Oliveira (coord.). São Paulo: Salesiana, 2001.

______________________ . Comunicação e Linguagem. Discursos e Ciência. São Paulo: Moderna, 1998.

BARCELLOS, Renata da Silva de. As múltiplas linguagens e a construção do conhecimento na aula de LM e LE. (CETOP - UFF). Disponível em : <http://www.filolin.org.br>. Acesso em 04 de abril de 2008.

DALLA COSTA, Rosa Maria Cardoso. As Ciências da Informação e da Comunicação e as Ciências da Educação em diálogo: das realidades institucionais aos questionamentos epistemológicos. VI Colóquio Franco Brasileiro de Comunicação. Poitiers, jan. 2001.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. 4.ª ed. São Paulo: Cortez. Brasília. DF: MEC: UNESCO, 2000.

13

Page 14: A influência dos meios de comunicação no ensino da língua portuguesa

FAZENDA, Ivani.(org.) Novos enfoques da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1992.

FONSECA, V. da. Introdução às dificuldades de aprendizagem .Porto Alegre: Artes Médicas,1995.

FREIRE, Paulo . Educação e mudança.10.ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? : novas exigências educacionais e profissão docente. 5.ª ed. São Paulo: Cortez,2001.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.

MORAN, José Manuel. Leituras dos meios de comunicação. São Paulo: Pancast, 1993.

__________________. A linguagem da TV e a educação. Disponível em: <http://www.webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/modulo1/pdf/etapa3_TV_educacao.pdf >. Acesso em 04 de abril de 2008.

OROZCO GOMEZ, Guillermo. Comunicação, educação e novas tecnologias: tríade do século XXI. Revista Comunicação e Educação. São Paulo: CCA-ECA-USP/Salesiana, n.º 23, jan../abr. 2002, p. 57- 70.

PENTEADO, Heloisa Dupas. (org.) Pedagogia da comunicação: teorias e práticas. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

VYGOTSKY. L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

14