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1 A influência de Bleuler no desenvolvimento de formas de intervenção psicológica na esquizofrenia e na psicose Elias Barreto Tópicos: 1. Sumário 2.A concepção de Esquizofrenia 2.1.A distinção entre sintomas primários e secundários 2.2.Uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos 2.3 Uma posição ambígua quanto às possibilidades de uma intervenção psicológica na Esquizofrenia 3.A influência de Burgholzi 4.1.O tratamento biológico da esquizofrenia até há década de 50 4.2 A intervenção psicológica na esquizofrenia até à década de 50 5.1 O tratamento psicofarmacológico a partir da década de 50 5.2 A Intervenção psicológica nas psicoses a partir da década de 50 5.2.1. Abordagens psicodinâmicas 5.2.2. Abordagens familiares 5.2.3.Abordagens cognitivo-comportamentais 5.2.4. Abordagens integradas 6. À guisa de conclusão 1. Sumário Este trabalho procura mostrar como devemos a Bleuler mais do que o termo de Esquizofrenia. Devemos simultaneamente uma visão complexa, que vê na Esquizofrenia uma doença do cérebro, sem cair num organicismo simples, e que valoriza a compreensão psicológica, sem cair numa visão psicogénica, providenciando um modelo de trabalho que permite integrar os vários dados da clínica, biológicos e psicológicos e nortear o raciocínio clínico no desenho das várias intervenções, farmacológicas e psicossociais.

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A influência de Bleuler no desenvolvimento de formas de intervenção

psicológica na esquizofrenia e na psicose

Elias Barreto

Tópicos:

1. Sumário

2.A concepção de Esquizofrenia

2.1.A distinção entre sintomas primários e secundários

2.2.Uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos

2.3 Uma posição ambígua quanto às possibilidades de uma intervenção psicológica na Esquizofrenia

3.A influência de Burgholzi

4.1.O tratamento biológico da esquizofrenia até há década de 50

4.2 A intervenção psicológica na esquizofrenia até à década de 50

5.1 O tratamento psicofarmacológico a partir da década de 50

5.2 A Intervenção psicológica nas psicoses a partir da década de 50

5.2.1. Abordagens psicodinâmicas

5.2.2. Abordagens familiares

5.2.3.Abordagens cognitivo-comportamentais

5.2.4. Abordagens integradas

6. À guisa de conclusão

1. Sumário

Este trabalho procura mostrar como devemos a Bleuler mais do que o termo de

Esquizofrenia. Devemos simultaneamente uma visão complexa, que vê na

Esquizofrenia uma doença do cérebro, sem cair num organicismo simples, e

que valoriza a compreensão psicológica, sem cair numa visão psicogénica,

providenciando um modelo de trabalho que permite integrar os vários dados

da clínica, biológicos e psicológicos e nortear o raciocínio clínico no desenho

das várias intervenções, farmacológicas e psicossociais.

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Começando por expor as características essenciais do seu pensamento

desenvolvido na sua obra “Dementia Praecox ou Grupo das Esquizofrenias” ,

de 1911, procura-se depois evidenciar como apresenta uma concepção que

valoriza o pensar em termos psicológicos e como incentivou a intervenção

psicológica na Esquizofrenia e nas psicose.

De sequida, esboça-se uma visão panorâmica da história dos modos de

intervenção na esquizofrenia, nos últimos 100 anos, procurando com isso

mostrar como a visão de Bleuler mantém actualidade e continua a ser

inspiradora.

2. A concepção de Esquizofrenia

Bleuler insere a sua obra de 1911 “Dementia Praecox ou Grupo das

Esquizofrenias” na continuidade com a obra de Kraepelin, a quem presta tributo

reconhecendo que “é quase exclusivamente a ele que devemos a classificação

e o destaque dado aos diversos sintomas” (Bleuler, 1911, pg. 45). Kraepelin,

nos finais do sec. XIX, deu uma decisiva contribuição à nosografia psiquiátrica,

ao distinguir as perturbações afectivas, de melhor prognóstico como a psicose

maníaco-depressiva, das psicoses nas formas catatónica, heberfrénica e

paranóide, grupo que tendia a evoluir para uma demência precoce ou seja,

uma diminuição crónica da capacidade mental.

Sem pôr em causa a classificação Kraepeliniana, Bleuler sugere o novo

conceito de Esquizofrenia, mais centrado na sintomatologia do que no curso e

prognóstico, em alternativa ao conceito de Demência Precoce, “porque não se

trata unicamente de doentes que se possa qualificar como dementes, nem

exclusivamente de embrutecimentos precoces” (Bleuler, 1911, pg. 53). Opera

assim uma disjunção conceptual que procura libertar o diagnóstico de um

prognóstico pessimista da doença que, para Bleuler, pode ter evoluções

diversas, ainda que admita que não exista uma restituo ad integrum completa.

Ao mesmo tempo, a sua noção de “Grupo das esquizofrenias” veicula a

concepção de um espectro na esquizofrenia, aumentando o conceito para

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incluir o que agora se chama de traços esquizotípicos e esquizóides da

personalidade (Beck, 2010).

2.1. A distinção entre sintomas primários e secundários

Bleuler considera, tal como Kraepelin, que a Esquizofrenia é uma doença do

cérebro, distinguindo como elemento primordial uma perturbação orgânica que

conduz à cisão das funções psíquicas . Esta esquize da mente acarreta

consigo alterações ao nível do pensamento (com perda da coerência das

associações), da afectividade (eg: embotamento , ambivalência dos afectos e

dos impulsos) e das relações com o mundo exterior (retirada autista). Estes

sintomas de base que vieram a ser conhecidos como os “quatro A”

(Associações, Afectividade, Ambivalência, Autismo) têm para Bleuler um

carácter fundamental e primário, e indiciam a acção de um processo orgânico

alterado como substrato da doença.

A distinção entre sintomas primários e secundários remonta ao neurologista

John Hugkings Jackson que na década de 1880 fez a seguinte formulação:

“Diz-se que a “doença” causa sintomas de insanidade. Sugiro que a doença

somente produz sintomas mentais negativos, em resposta à desagregação, e

que todos os sintomas mentais positivos elaborados (ilusões, alucinações,

delírios e conduta extravagante) resultam da actividade de elementos nervosos

que não são afectados por nenhum processo patológico; que eles surgem

durante a actividade no nível básico da evolução” (cit in Beck, 2010, pg.17).

Segundo esta formulação, os sintomas negativos são entendidos como estados

de défice e sugerem estruturas cerebrais comprometidas pela doença. Por

outro lado, os sintomas positivos são compreendidos como elaborações

daquilo que é normal, revelando a acção de processos psicológicos que não

são apenas sinal da desorganização da vida psíquica, mas também da sua

reorganização a nível inferior.

É deste modo que Bleuler vai entender as alucinações e as ideias delirantes

como sintomas secundários que constituem uma “reacção do espírito” à

doença, “ … em parte as consequências de tentativas de adaptação às

perturbações primárias” (Bleuler, 1911, pg. 503). E desde logo entende que

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estes sintomas secundários, que constituem a parte mais visível dos quadros

clínicos, não podem ser compreendidos totalmente sem ter em conta a vida

psíquica e afectiva dos doentes. Ou seja, não são apenas resultado de lesões

orgânicas de um modo directo e mecânico, mas dependem em grande medida

de processos psicológicos, que desempenham um papel intermediário entre a

neuropatologia vaga e a expressão de sintomas e sinais característicos da

doença.

Torna-se então compreensível o interesse de Bleuler por Freud e pela

Psicanálise que, a par de Kraepelin, é referida com a sua outra grande

influência. Dirá mesmo, no preâmbulo da sua obra, que “parte importante da

tentativa para aprofundar mais esta patologia não é senão a aplicação à

demência precoce das ideias de Freud”. (Bleuler, 1911, pg. 46).

2.2.Uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos

De facto, o interesse de Bleuler pela obra de Freud foi precoce. Já em 1896

tinha revisto favoravelmente os estudos de Breuer e Freud sobre histeria e

louvou o aparecimento da obra de Freud “A interpretação dos sonhos”. O seu

primeiro trabalho psicanalítico apareceu em 1906: “Mecanismos freudianos da

sintomatologia da psicose” (Hoffman, 2008, pg. 46).

A que se deveu este interesse de Bleuler? Nas suas palavras, “Freud é a

primeira pessoa a quem devemos que a sintomatologia específica da

esquizofrenia se tenha tornado explicável”( Bleuler, 1911, pg. 437). Assim,

Bleuler reconhecia na interpretação dos sintomas esquizofrénicos no sentido

da simbólica freudiana o mérito de “ explicar sem contradição interna uma

quantidade ilimitada de factos, que continuariam a ser totalmente inesperados

e incompreensíveis” (Bleuler, 1911, pg. 438). E prossegue dando inúmeros

exemplos de como as comunicações esquizofrénicas poderão adquirir sentido

à luz da teoria freudiana.

Assim, tal como Freud procurou através do seu estudo dos mecanismos de

formação do sonho restituir uma significação às produções oníricas,

aparentemente destituídas de sentido, Bleuler crê encontrar na abordagem

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psicanalítica uma forma de compreender o sentido das produções psicóticas e,

desse modo, estabelecer comunicação com o doente.

Significará isto que Bleuler adopta uma teoria de causalidade psicogénica?

Não. Bleuler é claro ao longo da sua obra, quanto à sua concepção da doença

como de base orgânica, sublinhando que os factores primários e negativos que

destacou denunciam a acção de um processo mórbido que na sua opinião não

terão uma etiologia psíquica.

Mas não é possível compreender a génese da sintomatologia secundária,

positiva, sem atender às vivências psíquicas. “ Os eventos psíquicos

desencadeiam os sintomas mas não a doença…”( Bleuler, 1911, pg. 395).

Observa Bleuler que os doentes nunca alucinam ou deliram por coisas

insignificantes ou neutras do ponto vista afectivo. “É extremamente raro que

um esquizofrénico tenha como alucinação um sermão inteiro, um drama, que

encontre no seu café um pão alucinatório, que veja uma paisagem habitual…”

(Bleuler, 1911, pg. 142). “O que é vulgar é que as vozes ameacem, invectivem,

critiquem e consolem por meio de palavras entrecortadas ou curtas frases; que

os doentes vejam perseguidores ou personagens celestes…” (Bleuler, 1911,

pg.143)

Por outras palavras, as suas alucinações e delírios exprimem os seus desejos

e os seus medos, as suas aspirações e os obstáculos que encontram à sua

realização. Assim, estes sintomas são portadores de um sentido, que se pode

procurar compreender tomando em conta a influência dos estados afectivos e o

modo peculiar de pensamento psicótico, autistítico e egocêntrico , onde as

palavras e os símbolos são tratados de forma diferente, mas interpretável.

E desse modo vai introduzir a importância do pensar em termos psicológicos a

Esquizofrenia, considerando que a Psicanálise pode ter um papel na

investigação da função e significado do factor psicológico na etiologia e no

curso das psicoses.

No prólogo da primeira edição do seu Tratado de Psiquiatria, de 1915, chegará

mesmo a afirmar: “Uma Psiquiatria sem Psicologia é uma Patologia sem

Fisiologia.”

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2.3. Uma posição ambígua quanto às possibilidades de uma

intervenção psicológica na Esquizofrenia

Bleuler parece adoptar em relação à intervenção psicológica uma posição

ambígua. Afirma por exemplo: “ A única terapia da esquizofrenia no seu

conjunto que é necessário levar a sério é a terapia psíquica. Infelizmente,

também neste caso, não ultrapassámos o simples empirismo. Como a

sintomatologia da doença é dominada pelos complexos, e porque muitas vezes

podemos penetrar no espírito do doente através deles, podemos esperar

influenciá-lo a partir daí. É indubitável que também existem melhoras em

resposta a influências psíquicas, mas não somos capazes de dizer o que é

necessário fazer, em dado caso, para provocar a melhora, vendo-nos por isso

reduzidos a tactear e, desejaria mesmo acrescentar, a oferecer possibilidades

muito numerosas ao acaso, a fim de que se possa usar uma delas. Mas se

assim fizermos, e no momento desejado, podemos obter realmente muito. “

(Bleuler, 1911, pg. 517)

O cepticismo quanto às potencialidades do diálogo psicoterapêutico é

corroborado pelo próprio Freud que, em 1911 (mesmo ano da publicação da

obra de Bleuler) publica a sua análise do caso Schreber. Nesta obra Freud

descreve a psicodinâmica da psicose em etapas: a primeira, de abandono do

amor ao objecto e o seu redirecionamento para o eu (que Bleuler preferirá

chamar de autismo em vez de autoerotismo); posteriormente, segue-se a

formação de sintomas, que se pode interpretar como um esforço por recuperar

os objectos perdidos, mas de um modo egocêntrico e megalomaníaco e,

simultaneamente, isolado dos objectos reais . Observe-se aqui o paralelismo

com a concepção de Bleuler e de Jackson dos delírios e alucinações como

sintomas secundários: “O que vemos como a produção da doença, a formação

delirante, é na realidade a tentativa de cura, a reconstrução.(Freud, 1911).

Apesar de Freud descrever nesta obra diversos mecanismos psíquicos que

aumentam as possibilidades de compreensão e descrição do funcionamento

psicótico, considerará que os pacientes esquizofrénicos se encontram

inacessíveis em termos terapêuticos, dado que não estabelecem a necessária

transferência (ideia que aparece já em Abraham, 1908) . Em 1914, na sua obra

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“Introdução ao narcisismo”, voltará a explicitar esta posição, opondo as

neuroses de transferência às neuroses narcísicas, inacessíveis em virtude do

retraimento da libido do mundo externo.

No entanto, será excessivamente esquemático afirmar que para Bleuler a

intervenção psicoterapêutica se reduz a um papel de investigação ou

diagnóstico. Na 15ª edição do seu Tratado de Psiquiatria, revista pelo seu

filho Manfred Bleuler (1985), podemos ler: “Que o doente consiga expressar

em palavras a sua vida interior enigmática e sinistra, que encontre no médico

um ouvinte interessado, pode significar um passo para sair do seu mundo

autista e irreal (Bleuler, 1985;pg. 316). Ou ainda: “É muito útil quando for

possível descobrir relações entre o sofrimento dos sintomas psicóticos e o

verdadeiro mal, assim quando, por exemplo, se discute com que pesares e

alterações de humor as ideias delirantes ou alucinações estão conectadas

(Bleuler, 1985, pg. 317)

A dificuldade reside no risco do doente incluir o terapeuta no seu sistema

delirante, e na possibilidade de reacções de transferência que se podem

converter facilmente em delírios amorosos ou persecutórios. Mas “ tais

desenvolvimentos desfavoráveis podem ser evitados se o médico se mantiver

seguro na sua posição terapêutica, quando nega satisfazer exigências irreais

com uma determinação inabalável e natural, e quando o doente sente a

simpatia e a disponibilidade para ajudar apesar destas negativas. (Bleuler,

1985, pg. 317.)

Deste modo considerava que o diálogo é indispensável tanto para o

diagnóstico como para o tratamento.

3. A influência de Burgholzi

Quando em 1904 Bleuler estabelece contacto com Freud, este pôde constatar

que aquele estudava os seus trabalhos desde há vários anos. E pode-se dizer

que Burgholzi, naquela altura já o mais importante hospital-escola do mundo,

funcionou como o principal ponto de difusão das ideias freudianas, à excepção

de Viena. De tal modo que Zaretsky pôde observar que na primeira década do

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séc. XX , com excepção de Ernest Jones, todos os médicos de fora de Viena

que procuraram contacto com Freud provinham de Burgholzi: Eugene Bleuler,

Carl Jung, Karl Abraham, Max Eitington, Sandor Ferenzi. A.A. Brill, Adolf Meyer

; Ludwig Bisnwanger, etc. (Zaretsky, 2006; pg. 74-75)

Desta forma, Bleuler acabou por fomentar que em Burgholzi se iniciasse pela

primeira vez no mundo a aplicação da terapia psicanalítica à psicose,

influenciando uma série de colaboradores.

A começar por Carl Jung que em 1907 e 1908, publicou “A Psicologia da

Dementia Praecox” e “O Conteúdo da Psicose”, respectivamente, os quais

resultaram de um trabalho de análise muito intensa e entusiasta de sujeitos

esquizofrénicos, que não procurava tanto definir um método de tratamento mas

antes desenvolver, através das experiências de associação, as bases

essenciais da estrutura psicopatológica das esquizofrenias (Hoffman, 2008, pg

48-49). A influência destes trabalhos é patente na leitura da obra de Bleuler.

Sabina Spilrein (1885-1941) sobre a qual muito se tem escrito sobre a sua

relação com Jung, primeiro como paciente (com o diagnóstico de uma Histeria

Psicótica) e depois como amante, merece também ser destacada pelo seu

trabalho publicado em 1911, dissertação final do curso de medicina que

completou após o seu tratamento, onde se observa um dos primeiros trabalhos

a expor uma abordagem psicanalítica às psicoses. Segundo Lütkehaus (2002;

cit in Hoffman, 2008), “ a sua doença foi a base dos seus conhecimentos, a

base como empatia.” Em 1912 publica ainda um importante artigo “A destruição

como causa do chegar a ser”, onde expõe novamente a história de uma mulher

esquizofrénica e introduz de forma precursora a ideia de pulsão de morte, que

Freud vai integrar no seu artigo de 1920 “Mais além do Princípio de Prazer.

Também Ludwig Binswanger (1881-1966), conhece a psicanálise em Burghölzi,

onde Jung supervisionou a sua dissertação, tendo colaborado com ele na

realização de experiências de associação. Visita Freud pela primeira vez em

1907, acompanhado por Jung, e mantém com Freud uma amizade que

perdurou toda a vida, mesmo depois da cisão do grupo de Zurich em 1914. É

filho e neto de psiquiatras, os quais fundaram e dirigiram o famoso Sanatório

Bellevue na Suiça, para onde, por exemplo, Joseph Breuer enviou a sua

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paciente Berta Papenheim (Anna O.), para um tratamento de aversão à

morfina. Em 1910, Ludwig assumiu a direccção do sanatório, após a morte de

seu pai, e o sanatório de Bellevue tornou-se um dos poucos sanatórios

psiquiátricos onde a psicanálise se converteu no principal método de

tratamento das psicoses. Personalidades famosas como o bailarino russo

Vaslav Nijinski ou o pintor Ernest Ludwig Kirchner receberam ali tratamento.

(Hoffman, 2008, pg-52-54).

Na sua Dasein Analyse , Bisnwanger realça a necessidade de tomar a sério a

subjectividade individual, e de tentar aceder ao mundo de sentimentos e

pensamentos do doente esquizofrénico, na procura de compreender a sua

forma de estar no mundo. Na sua opinião a psicose manifesta-se no encontro

interpessoal e deve procurar tratar-se também nesse encontro interpessoal, no

qual o terapeuta deve estar disponível para se expor existencialmente, não se

contentando em abordar o doente com “amável indiferença” nem só falar com

ele para rever sistematicamente a história da sua vida. (Hoffman, 2008, pg.

129)

É de referir também Karl Abraham (1877-1925) que trabalhou em Burgholzi

entre 1904 e 1907, depois do qual abriu a primeira consulta psicanalítica em

Berlim e fundou mais tarde o importante Instituto Psicanalítico de Berlim.

Abraham descreveu os traumas libidinais como causas das doenças psicóticas,

tanto nas formas esquizofrénicas como maníaco-depressivas. Deixando claro

que as doenças psiquiátricas graves resultavam de uma combinação de

factores constitucionais e experienciais, considerava que o tratamento

psicanalítico pode conduzir a um fortalecimento do ego e, em consequência, a

uma melhoria significativa (Hoffman, 2008, pg. 55-56).

Finalmente, é de referir A.A.Brill, figura chave da psicanálise nos EUA, que

conheceu os escritos de Freud em Burghlozi, em 1908, (Zaresky, 2006) e que

trabalhou com Adolf Meyer, psiquiatra suiço que se formou em Burgholzi e que

emigrou para os EUA em 1892, sendo considerado como o principal construtor

de pontes intelectuais entre a psiquiatria europeia e americana . Adolf Meyer

participou nas Conferências da Universidade de Clark em 1909, juntamente

com Freud, Jung e William James, com a apresentação: “The dynamic

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Interpretation of Dementia Preacox”. A partir do Hospital John Hopkins de

Baltimore teve uma influência enorme na psiquiatria americana, formando duas

gerações de psiquiatras e elevando os níveis de qualidade do diagnóstico e

tratamento. Insistia que aqueles que se formavam aprendessem psicodinâmica.

(Silver, 2008, pg. 67-71).

4.1.O tratamento biológico da esquizofrenia até à década de 50

Para se compreender o entusiasmo e as esperança depositadas numa

intervenção psicológica nas psicoses, à época sob o signo da psicanálise,

convém recordar que as primeiras décadas do sec. XX se caracterizaram por

uma falta de métodos de tratamento específicos para as psicoses.

A prioridade era que os doentes não causassem danos a si próprios ou aos

outros. A hidroterapia e a ergoterapia estavam entre as forma de tratamentos

mais diferenciadas. A medicação utilizada de forma mais frequente era à base

de ópio, bartitúricos de longa duração e sedantes (Cullberg, 2006). O trabalho

médico diário consistia no exame e correcta descrição dos pacientes, os

relatórios, depois a injecção de soporíferos para as curas de sono, e a nutrição

especial para os pacientes que recusavam comer. (Müller, 2006, pg. 24)

Durante a década de 30 introduziram-se então uma série de tratamentos com

o objectivo de influir directamente no cérebro (Cullberg, 2006 , pgs. 258-264):

- A partir de 1927, com a descoberta por parte do médico austríaco Julius von

Wagner Jauregg dos efeitos favoráveis que a indução de malária tinha sobre a

paralisia geral, última fase da Sífilis, começou a empregar-se este método no

tratamento de pacientes esquizofrénicos. Esta prática foi depois abandonada

pelos seus resultados incertos e pelos riscos demasiado altos;

- Nos começos dos anos 30, o médico vienense Manfred Sakel experimentou

pela primeira vez um tratamento mediante o coma insulínico, descrevendo

bons resultados, pelo que o coma insulínico se converteu na norma de

tratamento dos doentes esquizofrénicos até à década de 60, altura em que foi

substituído pela nova medicação psicótica;

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- Em 1935, o português Egas Moniz , a partir de experiências com chimpanzés,

descobriu que através das lobotomias pré-frontais se podia apaziguar a

agitação crónica e a ansiedade. Em consequência, certos hospitais começaram

a levar a cabo de forma rotineira cada vez mais operações deste tipo, ao

princípio só em pacientes com esquizofrenia crónica, mas depois também em

primeiros episódios que não melhoravam com suficiente rapidez. Considerava-

se que os efeitos positivos superavam os negativos. A complicação mais

comum era uma mudança de personalidade caracterizada por indiferença e

indolência. Mas muitos ficavam com incontinência permanente, epilepsia ou

obesidade. E a morte podia ocorrer em consequência de hemorragias ou

infecções.

- Em 1937 o húngaro Ladislau von Meduna, que sustentava que a epilepsia

reduzia o risco de esquizofrenia, introduziu o cardiozol de forma a induzir uma

crise epiléptica de tipo grande mal. Em 1938, o italiano Ugo Cerletti começou a

provocar as crises aplicando descargas eléctricas entre os ossos temporais,

evitando assim que o paciente sofresse da ansiedade pré-epiléptica induzida

quimicamente. A terapia electroconvulsiva tornou-se assim um tratamento

muito difundido, e as suas aplicações eram amplas, desde a esquizofrenia

aguda até à cleptomania. Na actualidade, ainda se utliza , mas com indicações

mais restritas: depressão grave ou mania, resistentes ao tratamento com alto

risco de suicídio, agressão, homicídio ou desidratação muito grave, e ainda em

estados catatónicos ou psicoses pós-parto que não melhoram (Cullberg, 2006,

pg. 263).

4.2 A intervenção psicológica na esquizofrenia até à década de 50

Müller (2006, pg. 2) observa que na Suiça eram sobretudo os psiquiatras com

formação psicodinâmica que se interessavam por estes tratamentos, atrás

descritos, o que entende como expressão de abertura a tudo o que pudesse ter

interesse e contribuir para melhorar o destino trágico dos doentes

esquizofrénicos reunidos nos hospitais psiquiátricos da altura.

12

A psicoterapia com estes doentes era um trabalho verdadeiramente heróico. A

tentativa de estabelecer contacto com um paciente autista a todo o custo era

frequentemente feita em condições horríveis, acompanhada de gritos, actos de

violência, estereotipias, rejeição, etc. No entanto, sublinha,” ás vezes estes

esforços terminavam em melhoras espectaculares dos pacientes” (Müller,

2006, pg.25)

Em todo o caso, a atmosfera geral nas instituições psiquiátricas tendia a

considerar a psicoterapia das psicoses como tendo pouco impacto em termos

práticos. Seriam esforços intelectuais para compreender, explicar, interpretar,

sem grande significado para o destino dos pacientes.

É de referir também que, por razões históricas, a psicanálise foi entretanto

condenada a uma existência clandestina e quase subversiva, fora das

instituições psiquiátricas. (Bleuler que chegou a aderir à Associação

Psicanalítica Internacional em Janeiro de 1911, e convidado para ser seu

presidente, demitiu-se em Novembro do mesmo ano; em 1914 consuma-se a

ruptura com Jung). Müller (2006, pag. 24) dirá a propósito da sua geração de

jovens psiquiatras na Suiça nos anos 50, que a formação em psicanálise tinha

de ser feita em segredo e sem o conhecimento do chefe, pertencendo quase a

um registo de oposição aos pais.

Não é por isso de estranhar que as publicações psicanalíticas sobre o

tratamento com psicoses surgissem frequentemente no contexto da prática

privada.

Destaca-se nesta altura os trabalhos de duas psicanalistas suíças, Gertrud

Schwing e Marguerite Sechehaye, ambas trabalhando com esquizofrénicos em

prática privada, em Viena e Geneva, respectivamente. O trabalho de

Sechehaye foi especialmente influente, publicado em 1947 sob o título “A

realização simbólica”, seguido de “Diário de uma esquizofrénica”, a partir dos

quais foi feito um filme em 1968 (Gaudillière e Davoine, 2008, pg.160).

Sechehaye descreve um tratamento complexo que prossegue enfrentando uma

impressionante regressão e actividade delirante, obrigando a uma actuação do

terapeuta muito próxima de cada momento importante da transferência

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psicótica, onde os factores paraverbais assumiam uma extrema importância.

Por meio destes conseguia-se um primeiro objectivo, o de mover o paciente do

seu estado autístico para um estado simbiótico com o analista. (Gaudillière e

Davoine, 2008, pg. 160; Benedetti, 2006, pg. 33).

Müller (2006, pg. 25) dirá que estes trabalhos desafiavam a uma postura mais

activa com pacientes, a não desmoralizar se as interpretações não tivessem

ressonância e a dedicar muito tempo aos pacientes.

Importante foi também a obra de John Rosen, em 1953, intitulada “Análise

directa”, onde se promovia uma atitude activa por parte do terapeuta, o qual

participava no drama da psicose, identificando-se o terapeuta com o que o

paciente projectava nele, imago materna, imago paterna e por aí fora. Apesar

de posteriormente esta abordagem ter caído em descrédito, porque demasiado

agressiva, quando apareceu causou uma forte impressão, suficiente para

Manfred Bleuler enviar G. Benedetti para os EUA fazer formação com Rosen

(Müller, 2006, pg.25).

Entretanto, em Inglaterra, o desenvolvimento das ideias psicanalíticas na óptica

Kleiniana, operou-se a partir de um novo olhar sobre os estágios mais precoces

da primeira infância e sobre os estados psicóticos. Klein, que fizera a sua

análise com Karl Abraham foi fortemente influenciada pelos pontos de vista

deste sobre a psicose. Nos artigos “Uma contribuição à psicogénese dos

estados maníaco-depressivos” (Klein, 1935) e “O luto e a sua contribuição para

os estados maníaco-depressivos” ((Klein, 1940), Melanie Klein formula o seu

importante conceito de Posição Depressiva. No artigo “Notas sobre alguns

mecanismos esquizóides” (Klein, 1946), introduz o seu importante conceito de

Identificação Projectiva, e quando conhece mais tarde a obra de Fairbain,

passa a usar o conceito de Posição Esquizo-Paranóide. Estes trabalhos

constituem a base de muitos trabalhos psicanalíticos sobre a psicose da

chamada escola britânica das relações de objecto que, depois de ter

descoberto o potencial do mecanismo de identificação projectiva como

ferramenta para conhecer os mecanismos de defesa primitivos e os estados

psicóticos da mente, produziu um abundante literatura. As obras de Hanna

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Segal, Herbert Rosenfeld, Donald Meltzer, Wiinicott e Bion contam-se entre as

mais influentes.

Diga-se, no entanto, que os autores Kelinianos têm sido criticados por

basearem as suas observações e terapias mais em perturbações Borderline do

que em psicoses “verdadeiras”. Apesar de poder haver justiça nessa crítica,

não se pode aplicar à obra de Hanna Segal e Herbert Rosenfeld, que

descreveram a sua experiência com doentes hospitalizados e com psicoses

graves (Jackson, M., 2008, pg.98).

Já no outro lado do oceano, nos EUA, o tratamento de doentes psicóticos

hospitalizados com recurso à psicoterapia psicodinâmica foi defendido e

incentivado por figuras como Harry Stack Sullivan e Fromm-Reichman cuja

influência se faz sentir até aos nossos dias.

Sullivan, que foi chamado por um biógrafo “O psiquiatra da América”( cit, in Ann

Silver, 2008, pg.79), desenvolveu uma teoria interpessoal da personalidade,

que enfatiza o interpessoal para além do intrapsiquíco, contribuindo para a

popularidade das teorias de relações de objecto, da teoria do Self e,

actualmente, da psicanálise relacional. A sua obra influenciou também o

desenvolvimento das teorias das perturbações de personalidade, da

psicoterapia breve, da terapia familiar e psicoterapia de grupo sistémicas (Ann

Silver, 2008, pg.79).

Mas Sullivan adquiriu a sua reputação pelo seu trabalho no Hospital Sheppard

Pratt, nos anos 20, onde dirigiu uma unidade para esquizofrénicos homens,

dando especial atenção ao pessoal, formando-os de modo a que fossem

empáticos e não críticos e pondo ênfase na validação e necessidade de

segurança pessoal. Segundo consta, com resultados impressionantes. Um dos

seus livros publicados postumamente chama-se “Esquizofrenia como um

processo humano” (1962). A sua teoria de que a contratransferência é o

método mais importante para compreender o doente influenciou, entre outros,

Winnicott e Searles.

Frieda Fromm-Reichman, psiquiatra e esposa de Eric Fromm, chegou ao EUA

em 1935, e foi trabalhar para o Hospital Chestnut Lodge, contribuindo para que

15

o hospital tivesse uma orientação dinâmica, e se convertesse em pouco tempo

numa espécie de farol para o mundo do tratamento psicodinâmico de pacientes

graves. Os seus seminários semanais e simpósios anuais, que contaram com

diversas participações de Sullivan converteram-se em algo parecido a retiros

religiosos para a comunidade de saúde mental (Ann-Silver, 2008, pg.82).

Em 1964, Hanna Green documentou em forma de novela o seu tratamento com

Frieda Fromm- Reichman em “I never promised you a rosen garden”, que se

tornou um bestseller e inspirou um filme. Em estudos posteriores com base no

seu diário, um conjunto de investigadores deduziu que o seu diagnóstico

original era de esquizofrenia, embora com características pouco habituais e de

tipo afectivo. (Cullberg, 2007, pg. 340).

Harold Searles, que trabalhou em Chesnut Lodge a partir de 1949, durante 15

anos, merece também uma menção especial, não só pelo seu talento especial

como terapeuta (as suas entrevistas clínicas em reuniões com colegas atraiam

multidões que ficavam em pé, segundo Ann-Silver, 2008, pg. 84), como pelo

seus escritos sobre o uso da contratransferêcia e a psicoterapia com

psicóticos, reunidos nos Collected papers on Schizophrenia and Related

subjects”(1965).

5.1. O tratamento psicofarmacológico a partir da década de 50

O tratamento da esquizofrenia transformou-se a partir dos trabalhos do médico

francês Henrit Laborit, 1951, e logo depois pelo estudo de Delay, Denker e Harl

(1952), segundo os quais a clorpromazina (Lagarctil) reduzia os sintomas

psicóticos, nomeadamente os sintomas de excitação e agitação, bem como a

actividade delirante e alucinatória, e que além disso contribuía para reduzir o

risco de novos episódios psicóticos durante a esquizofrenia. (Hietala, 2008, pa.

341).

A clopromazina (Largactil) foi introduzida nos EUA em 1954, com a introdução

de compostos semelhantes (da família fenotiazina) como o haloperidol e a

perfazina . Estudos posteriores mostraram que o seu mecanismo de acção se

relacionava com o bloqueio dos receptores pós-sinápticos da dopamina.

16

A introdução da clozapina na década de 1980 trouxe a segunda geração de

medicamentos antipsicóticos, com um perfil de efeitos colaterais mais

favorável, com agentes como a risperidona e a olanzapina, que apresentam

um mecanismo de acção diferente, que implica uma acção simultanea sobre

múltiplos sistemas de neurotransmissores, como o do glutamato e do GABA,

antagonizando a serotonina, além da dopamina. No entanto, a investigação

parece apontar para uma diferença pouca signitificativa em termos de eficácia

entre os medicamentos de primeira e segunda geração. (Beck, 2010, pg. 28;

Hietala, 2008, pg. 344).

A introdução destes medicamentos gerou um grande optimismo entre os

profissionais, substituindo as formas de tratamentos mais antigas, agora

consideradas obsoletas.

No entanto, não foi sem cepticismo que foram recebidos os primeiros relatos

acerca da eficácia dos medicametos neurolépticos. Manfred Bleuler, na edição

revista por si do Tratado de Psiquiatria de seu pai, (15º edição, 1985), duvidava

da pertinência de empregar o rótulo de antipsicóticos a estes medicamentos,

cuja acção interpretava em função de “um relaxamento e tranquilização das

excitações emocionais, com manutenção da vigília.” Transmitiriam uma

sensação de calma e de libertação da tensão, possibilitando que a actividade

delirante e alucinatória tivesse menos impacto sobre o doente, ainda que

permanecesse ( M.Bleuler, 1985, pg. 116 e 318).

Segundo Cullberg (2007, pg.323) os efeitos farmacológicos imediatos de uma

dose mínima de antipsicóticos, em poucas horas, são uma diminuição da

actividade emocional, alterações da coordenação muscular extrapiramidal e

alterações hormonais que os clínicos consideraram efeitos secundários

indesejáveis. O efeito antipsicótico aparece muito mais tarde, levando dias ou

semanas , contribuindo para o alívio dos sintomas psicóticos produtivos.

Considerando que a psicose pode contemplar-se como um estado de

hiperactividade mental que abarca o domínio de processos como as fantasias e

recordações, e que o sistema dopaminérgico é o sistema de recompensa que

atribui uma validade motivacional aos estímulos externos ou às representações

internas, os antipsicóticos ao inibir a libertação de dopamina, reduzem a

17

importância atribuída aos pensamentos psicóticos preocupantes, produzindo

uma espécie de “respiração” psicológica que oferece um potencial para a

recuperação de uma forma normal de pensamento. Do ponto de vista

fenomenológico, produzem uma espécie de indiferença, em que a pessoa

deixa de estar tão implicada face aos estímulos emocionais, quer do meio, quer

das fantasias internas. Não desaparecem por completo, mas na medida em

que não incomodam tanto, a capacidade egóica, crítica e de verificação da

realidade aumenta. Se os pacientes abandonam a medicação antipsicótica é

provável que as alucinações reapareçam exactamente como eram antes do

tratamento. (Cullberg, 2007, pg 333; Hietala, 2008, pg.345).

Culberg (2007, pg.332) salienta ainda que até 50% daqueles que apresentam

um primeiro episódio psicótico, não requerem imediatamente os neurolépticos

se se cumprirem os requisitos psicossociais óptimos. Há uma tendência natural

à recuperação da psicose que pode, não obstante, facilitar-se mediante uma

prescrição cuidadosa de antipsicóticos.

Também Manfred Bleuler (1985, pg. 318) salientava que até um quarto dos

esquizofrénicos recuperam sem medicação.

Estas asserções tornam-se mais compreensíveis se tivermos em conta que

durante muito tempo o conceito de esquizofrenia teve um significado muito lato,

identificando-se com o conceito de psicose. E que um primeiro episódio

psicótico pode corresponder a formas clínicas muito distintas (Cullberg, 2007,

pg-132-133):

- Desde o episódio único, que progride rapidamente de um estado mental

normal, no prazo de uma ou duas semanas, sendo em geral possível identificar

desencadeantes de tipo psicossocial; pelo que com um tratamento psicossocial

adequado, a psicose pode remitir em poucas semanas ou meses (a medicação

antipsicótica pode servir de apoio mas nem sempre é necessária,

especialmente se o meio é favorável e o tratamento psicossocial satisfatório);

- Passando por episódios psicóticos recorrentes, geralmente no contexto de

uma prévia perturbação da personalidade, limite ou esquizotípica, ou então de

um psicose afectiva. Os eventos desencadeadores podem ser difíceis de

18

identificar, especialmente em surtos posteriores; com frequência estão

associados aos consumos; pode existir uma vulnerabilidade genética e uma

infância perturbada, assim como antecedentes familiares de perturbação

mental em vários familiares. Também aqui a psicose remite e não se produzem

mudanças perceptíveis na personalidade. Mas requerem na sua maioria

medicação antipsicótica por intervalos ou a longo prazo, de forma preventiva

(as psicoses recorrentes com traços afectivos carecem também de

estabilizadores do humor), e podem beneficiar de uma abordagem

psicoterapêutica.

- Até à psicose com incapacidade crónica, o que só se torna evidente depois de

vários anos de episódios recorrentes. Com frequência estas pessoas sofrem

alterações profundas na personalidade, geralmente com embotamento afectivo.

A recuperação tende a ser incompleta, tendo a medicação um efeito favorável

ainda que não curativo. É importante reforçar as redes de apoio social, que

tendem a ser pobres, e podem ser úteis abordagens psicoterapêuticas que

ajudem a combater os delírios e alucinações.

Segundo Hietala (2008, pg.343-344), a investigação sugere que uma resposta

mais favorável aos antipsicóticos se associa a uma duração média menor da

psicose (o que reforça a importância dos paradigmas da detecção e

intervenção precoces). E que além disso, a acção dos antipsicóticos parece

incidir sobretudo nos sintomas positivos, deixando menos modificados os

relevantes sintomas negativos e cognitivos que já Bleuler tinha destacado

como sintomas primários da esquizofrenia.

Assim, apesar do avanço que o desenvolvimento dos tratamentos

farmacológicos antipsicóticos permitiu permanecem os seguintes problemas

clínicos (Hietala, 2008. pg- 342-346):

1. A uma pequena proporção de pacientes esquizofrénicos os

antipsicóticos apenas facultam um benefício marginal (estimou-se que

cerca de 10-20% dos pacientes não responde ou só responde

marginalmente aos antipsicóticos convencionais; cerca de 30-60% dos

pacientes refractários aos antipsicóticos convencionais respondem à

clozapina)

19

2. Entre os pacientes que respondem, a resposta pode ser só parcial e

nem todos os domínios psicopatológicos melhoram da mesma forma

(subsistindo frequentemente os sintomas residuais, alterações da função

e vocação sociais, com um maior risco de recaídas)

3. A eficácia de todos os antipsicóticos está limitada pelos efeitos

secundários e pelo grau de cumprimento por parte do paciente (segundo

um estudo citado em Hietala, 2008, pg. 344, até 74% dos pacientes

esquizofrénicos deixaram a medicação ao fim de 18 meses).

5.2 A intervenção psicológica nas psicoses a partir da década de 50

A descoberta da eficácia clínica dos neurolépticos teve um importante impacto

na forma de conceber a doença e o tratamento da Esquizofrenia. Reforçou a

concepção da esquizofrenia como uma doença do cérebro e para muitos,

doravante, tratar a esquizofrenia passaria a ser sinónimo de medicar.

No entanto, o esforço para desenvolver formas de intervenção psicológica

adequadas às psicoses não se extingiu. Pelo contrário assistiu-se a uma

proliferação de novas formas de abordagem para além da psicanálise, desde

uma valorização das abordagens familiares, às abordagens cognitivo-

comportamental, psicoeducacional, psicossocial, reabilitativa, etc, as quais são

apresentadas cada vez mais como abordagens que não competem com a

abordagem farmacológica mas que podem ser usadas em combinação.

Voltando novamente à Suiça de Bleuler, vale a pena referir Christian Müller e

Gaetano Benedetti que na década de 50 fundaram o que é hoje a ISPS

(International Society for the Psychological Treatments of Schizophrenia and

other Psychosis), com o objectivo de investigar os métodos de tratamento

psicológico, contra a ideia de que ”a psicoterapia da esquizofrenia não é nada

mais do que uma intensificação do contacto habitual entre o médico e o

paciente, ainda que feita de compaixão, benevolência e responsabilidade

consciente, e não um comprometimento que requer do terapeuta uma

preparação séria e complexa” (Müller, 2006, pg. 26). Os seus simpósios

20

reúnem profissionais de todo o mundo que investigam e trabalham em formas

de intervenção psicológica na Esquizofrenia e outras psicoses.

5.2.1 Abordagens psicodinâmicas

No campo das psicoterapias de inspiração analíticas, a tese freudiana de que

os psicóticos não desenvolviam uma relação de transferência foi entretanto

abandonada, com o reconhecimento crescente da especial sensitividade

destes doentes ao terapeuta, em que a transferência se pode estabelecer de

forma precoce e intensa, com poderosos sentimentos de dependência de

potencial simbiótico em virtude da fragilidade dos limites egóicos. Esta relação

não deixa o terapeuta incólume, podendo gerar nele também poderosos

processos emocionais, pelo que o desenvolvimento das ideias psicanalíticas

sobre a abordagem psicoterapêutica às psicoses cresceu a par de um

interesse e valorização do papel da contratransferência.

O trabalho com psicóticos obrigou também frequentemente a alterações da

técnica e do setting (ex. cara-a-cara em vez de divã), dando origem a formas

diversas de abordagem, desde as que privilegiam uma abordagem mais de

apoio e de procura de estabelecer uma melhor relação com a realidade, até às

abordagens estritamente analíticas que repousam na interpretação e resolução

da relação de transferência.

Benedetti (1995), por exemplo, adverte, na psicose, contra uma interpretação

em termos puramente motivacionais, centrada apenas nas pulsões e afectos.

Na sua opinião é necessário tomar em linha de conta as necessidades

estruturais do Eu e atender à perturbação do pensamento e da relação da

realidade. As interpretações devem ter uma função de clarificação, ajudando o

paciente a distinguir o que vem dele e o que vem dos outros, a aperceber-se

das fronteiras do seu Eu e a alcançar uma maior coerência intra-psíquica.

Segundo este autor, na psicose, a sexualidade e a agressividade terão um

lugar menos central do que a fragmentação da identidade, o colapso da

segurança existencial e a dificuldade de se experimentar como uma pessoa

unitária.

21

Um estudo de 1984, dirigido por Thomas McGlashan, de follow up 15 anos

após alta, de pacientes que tinham sido tratados no Hospital Chestnut Lodge

com psicoterapia psicanalítica intensiva, revelou que dos 163 pacientes

esquizofrénicos crónicos tratados, apenas 14% se poderiam considerar

completamente restabelecidos. Os restantes viviam com graus variáveis de

incapacidade e dependência, ainda que tenham melhorado e tivessem uma

melhor qualidade de vida. (in Cullberg, 2007, pg. 341; Reilly, 1997, pg. 21)

Se bem que este estudo incidisse sobre um grupo de esquizofrénicos crónicos,

que não foram alvo de reabilitação social nem de esforços para integrar

medicação neuroléptica, ele contribuiu para a ideia de que, apesar da

publicação de elegantes relatos de psicoterapias intensivas bem sucedidas

com casos de indíviduos esquizofrénicos, numa perspectiva de larga escala os

tratamentos psicodinâmicos não correspondiam às expectativas elevadas que

foram nelas depositadas. E este pessimismo tendeu a alastrar-se a todas as

formas de abordagem psicológica.

No entanto, se este tipo de terapia se adapta bem a alguns pacientes mas não

é adequada para outros, não se pode concluir que esta modalidade terapêutica

seja ineficaz do facto de que os resultados bons e maus se anulem entre si

numa análise estatística de larga escala. Pelo contrário, é um incentivo para

que se investigue em que tipo de pacientes é que este tratamento se encontra

indicado.

Por exemplo, Cullberg (2007, pg 344), afirma que a sua experiência de muitos

anos de trabalho com paciente psicóticos lhe diz que a terapia de orientação

psicodinâmica, combinada frequentemente com intervenções de tipo familiar e

medicação, resulta de grande utilidade para o extenso grupo de psicóticos com

traços afectivos, ou seja, psicoses esquizofreniformes agudas, depressivas e

episódios psicóticos breves. No entanto, para a esquizofrenia “kraepeliniana”,

caracterizada por isolamento psíquico, alucinações auditivas permanentes ou

conduta desorganizada, nunca observou progressos por meio das técnicas

psicodinâmicas.

22

5.2.2.Abordagens familiares

Outro movimento importante dos últimos 50 anos do sec. XX consistiu na

valorização da importância de incluir a família no tratamento dos pacientes.

Começa com um conjunto de autores cujas investigações puseram em relevo

que uma característica saliente das famílias do esquizofrénico era uma forma

de comunicar-se pouco clara, excêntrica, confusa ou estranha. Autores como

Gregory Bateson (1972) e o seu conceito de comunicação em “double-bind”;

Ronald Laing e o seu conceito de “mistificação” induzida pelos pais (Laing,

Esterson, 1964; Theodore Lidz e os seus estudos sobre a “transmissão da

irracionalidade” nas famílias (Lidz, Fleck, Cornelison, 1965); Mara Selvini

Palazzolli e os seus estudos sobre as famílias de transacção esquizofrénca

(Selvini, Boscolo, Cechin e Prata, 1978); Lyman Wynne e Margaret Singer e as

suas investigações sobre os desvios da comunicação nas famílias de

esquizofréncios (Wynne e Singer, 1963 e 1965); todos eles (cit in Stierlin,

2008, pg. 273-274) contribuíram para a ideia de que o tratamento não devia ser

dirigido exclusivamente à dinâmica intrapsíquica do esquizofrénico mas que

devia prestar atenção aos jogos de linguagem e à comunicação que acontece

aqui e agora na família

Mas também contribuíram para um ponto de vista problemático, no fundo

pouco sistémico, que tendia a reflectir um pensamento linear com uma

atribuição linear de causas e efeitos, e em muitos casos com uma atribuição

linear de intenção e culpa sobre os pais, que tornou cada vez mais difícil ver e

trabalhar com os pais como colaboradores e recurso no processo terapêutico.

Este ponto de vista foi de certa maneira corrigido com um conjunto de

abordagens familiares que têm em comum uma adesão ao modelo de

vulnerabilidade ao stress que admite uma predisposição ou vulnerabilidade de

base biológica para desenvolver episódios psicóticos mas que entende que são

necessários acontecimentos ou situações stressantes para despoletar o

episódio. A família não é implicada na etiologia da doença mas pode ser

ajudada de modo a tornar o risco de recaída menos provável.

23

Um exemplo encontra-se na linha de trabalhos sobre a “emoção expressa” que

demonstrou que em famílias com um envolvimento emocional excessivo e uma

taxa elevada de comentários críticos as taxas de recaídas são maiores, pelo

que desenvolveu uma metodologia de intervenção com vista a reduzir os níveis

de emoção expressa nas famílias. Um conjunto de estudos a partir dos anos 80

nos EUA e Inglaterra, demonstraram de modo consistente que as taxas de

recaída podem ser reduzidas para menos de 10%, 9 meses após a intervenção

familiar, comparadas com taxas de 40-50% para pessoas que foram mantidas

sob medicação mas cujas famílias não foram alvo de nenhuma atenção

especial (Faloon, et al, 1982; Leff et al, 1982; Tarrier e tal, 1989; Hogarty et al,

1991; cit in Fadden, 1997, pg.181).

Na mesma senda encontram-se abordagens que privilegiam uma estratégia

psicoeducativa na qual os membros da família recebem informação sobre a

esquizofrenia, sobre as medidas que podem tomar para reduzir ou evitar o

stress, sobre a necessidade de utilizar neurolépticos, sobre o reconhecimento

de possíveis sintomas prodrómicos da doença, como intervir em situações de

crise, etc. (Faloon e tal , 1984; Macfarlane e tal, 2000; cit in Stierlin, 2008, pg.

278)

Um terceiro ponto vista vislumbra-se em abordagens familiares que evitando

descrições de causalidade linear que imputem a culpa aos pais ou à família,

como nas abordagens psicoeducativas, não deixam de dar importância á

qualidade da comunicação e diálogo nas famílias, bem como aos temas de

conflito e, em particular aos conflitos de lealdades e delegações que podem

ocorrer dentro da família, como os pioneiros das abordagens familiares

chamaram a atenção. Exemplos encontram-se nas intervenções

desenvolvidas por Jaakko Seikkula (1996) na Finlândia, ou por Helm Stierlin

(2003) em Heidelberg, Alemanha (cit in Stierlin, 2008) para quem uma

comunicação pouco clara e confusa pode ter um sentido e ser funcional à luz

dos conflitos e temores das famílias (muitas vezes encobertos), influenciando

o prognóstico e evolução dos casos. Por exemplo, uma família com conflitos

importantes e duradouros, e com dificuldades em discuti-los abertamente, tem

mais dificuldade em ajudar o seu familliar esquizofrénico do que outra, onde o

bloqueio do diálogo não é tão patente.

24

Um estudo de follow-up com 70 famílias, 3 anos após o término da intervenção

familiar por parte da equipa de Stierlin revelou uma redução significativa das

taxas de recaída em 75% dos casos, comparando o número de hospitalizações

antes e depois da terapia familiar (Arnold Retzer, 1991; cit in Stierlin, 2007).

5.2.3. Abordagens cognitivo-comportamentais

Na 2ª metade do sex. XX surgiu também a importante corrente cognitivo-

comportamental que, pela sua ênfase na investigação empírica e em estudos

controlados sobre os resultados das suas intervenções, logrou uma maior

aceitação na psiquiatria.

As primeiras tentativas de intervenção na psicose surgiram de uma perspectiva

mais estritamente comportamental. Nas décadas de 60 e 70 foram utilizados os

princípios do condicionamento operante para reduzir a verbalização dos

delírios através de recompensas sociais e foram experimentadas estratégias

comportamentais recorrendo à economia de fichas ou à terapia de aversão

para reduzir a expressão de sintomas psicóticos. O uso destas estratégias foi

declinando por não funcionarem como se esperava, por insuficiente

generalização dos resultados para outros contextos. (Dudley, Braban,

Turkington, 2008, pg. 316).

Foram então desenvolvidas estratégias para ajudar a pessoa a lidar com as

suas próprias experiências e sintomas, como as alucinações, crenças

delirantes, visão do self, etc, ganhando corpo um modelo de intervenção

cognitivo-comportamental de intervenção na psicose.

Este, inspirando-se predominantemente no modelo de Beck, começou por ser

desenvolvido sobretudo em Inglaterra, dando origem a diversos manuais de

intervenção cognitivo-comportamental na psicose (ex. Birchood & Tarrier, 1995;

Fowler & Kuipers, 1995)

Os resultados positivos deste tipo intervenção evidenciados pela investigação

empírica incentivaram, por sua vez, que nos EUA ganhasse impulso a

investigação e desenvolvimento de modelos de intervenção cognitivo-

comportamental na psicose.

25

Em 2010, o próprio Beck publica um manual de intervenção cognitivo-

comportamental para a esquizofrenia, o qual curiosamente, invoca a sua

filiação no paradigma inaugurado por Bleuler: “Teóricos de todas as linhas

colocam-se sob o manto Bleuleriano. Desse modo, os teóricos da

neuropsicologia, os psicodinâmicos e cognitivo-comportamentais trabalham

todos dentro do modelo bleuleriano.” (Beck, 2010, pg.21).

A abordagem cognitivo-comportamental à psicose procura envolver a pessoa

numa relação de confiança e de colaboração, dando especial atenção à

observação e descrição meticulosa da fenomenologia das experiências

psicóticas onde, mediante um diálogo gentil e sensível de tipo socrático e

partindo do ponto de vista do paciente, procura proporcionar um melhor

entendimento dessas experiências á luz do modelo de vulnerabilidade ao

stress, tentando encontrar hipóteses alternativas e, desse modo, alargar e

flexibilizar o sistema de crenças do paciente (Fowler e al, 1995; Birchwood &

Tarrier 1995).

Trata-se de um modelo que também enfatiza as diferentes fases da psicose.

Nas pessoas que não apresentam uma psicose activa mas correm risco de

desenvolver a doença, o objectivo de trabalho é ajudá-las a manejar melhor os

sintomas depressivos ou ansiosos, ou a compreender e manejar qualquer

experiência pouco habitual que apareça. Nas fases agudas, o objectivo será

ajudar as pessoas a lidar melhor com as suas alucinações e crenças delirantes.

Uma vez superada a fase aguda, será ajudar as pessoas quando começam a

recair. Nas pessoas com sintomas de longa duração e resistentes ao

tratamento, a intervenção dirige-se não apenas aos sintomas psicóticos como

as alucinações ou delírios mas também aos sintomas negativos, depressivos e

de ansiedade.

O que este modelo põe em evidência é que uma relação de apoio consistente

pode ter valor para muitas pessoas com psicose e pode reduzir os sintomas

positivos.

5.2.4. Abordagens integradas

26

Um movimento importante da segunda metade do sec. XX tem sido o

desenvolvimento de abordagens integradas que combinam estratégias de

tratamento farmacológico, psicoterapêutico, familiar, reabilitivo, etc, de um

modo adaptado às necessidades específicas dos doentes.

Nos países nórdicos, estas abordagens têm sido especialmente

conceptualizadas e investigadas em projectos de larga escala como o Nordic

Investigation of Psychotherapeutically Oriented Treatment for New

Schizophrenics- NIPS, Alanen e tal, 1994; The Turku Project - Alanen e tal,

1991; e o Finniss National Schizophrenia Project, FNSP-Alanen, 1990 (cit in

Reilly, 1997, pg 20).

Vale a pena fazer referência à classificação desenvolvida por Räkköläinen e

Aaltonen (2008, pg. 351-355) para orientar o tratamento de pacientes com um

primeiro episódio psicótico no projecto piloto Kuppittaa, que compreende um

hospital psiquiátrico municipal com uma zona de captação de 80.000

habitantes, a oeste da Finlândia:

Esquizofrenia I: aquisições psicossociais prémorbidas quase adequadas ou

adequadas

Estes pacientes caracterizam-se por terem alcançado um bom capital

psicossocial prévio à psicose, tendo evidenciado o desenvolvimento de

capacidades de separação e individualização adequadas (por exemplo, ao

nível da escola, formação vocacional e relações extrafamiliares). Além disso, o

clima de interacção na família tende a ser aberto, não sendo o paciente

incluído pelos pais nas suas discussões.

Segundos os autores estes pacientes têm bom prognóstico e podem tirar

proveito de um tratamento mais orientado para a psicoterapia, ajudados pela

família e a terapia familiar. A medicação pode ser mínima e incidir mais no

alívio da ansiedade.

Esquizofrenia II: Atraso relativo nas aquisições psicossociais prémorbidas,

especialmente no desenvolvimento da separação

27

Este grupo de pacientes apresenta maiores dificuldades de separação e um

atraso em várias fases e aquisições do desenvolvimento psicossocial.

Inclusivamente, os temas que na mente do paciente se associam à separação

podem provocar uma aceleração da desintegração psicótica. O clima de

interacção na família não é tão aberto, tendendo os pais a incluir o paciente

nas suas discussões.

Neste grupo, os autores observaram uma maior eficácia em abordagens que

combinavam uma terapia familiar intensiva, especialmente no início do

processo de tratamento, com psicoterapia individual na continuação. A

medicação com neurolépticos era indicada, ainda que em doses baixas.

Esquizofrenia III: funcionamento claramente defeituoso do eu desde as

primeiras fases de desenvolvimento psicossocial.

Neste grupo de pacientes uma simbiose prolongada com a família tende a

manifestar-se sob a forma de um afecto plano, pensamento autista, regressão

psicossocial, sem nenhuma delimitação clara do início da psicose. O clima de

interacção familiar tende a caracterizar-se pelo predomínio de comunicações

escassas e limitadas, para além de uma cultura intrafamiliar de duplo vínculo.

Os pacientes permanecem na sua família de origem, sem fazer nenhum

esforço para separar-se, configurando um quadro de psicose de longa duração,

crónico e de mau prognóstico.

Os autores encontraram ser benéfica uma intervenção que privilegiasse a

reabilitação desde cedo no tratamento, porque existe o risco de um apego

infrutuoso, agora em relação aos técnicos. Além disso, consideram importante

uma terapia orientada para a estrutura da família. Os pacientes beneficiam de

medicação neuroléptica mas com especial atenção para que esta não agrave a

passividade, os sintomas negativos e a deterioração.

O interesse deste tipo de abordagem reside na combinação e doseamento de

diferentes tipos de tratamento, de acordo com uma avaliação específica e

adaptada às necessidades de cada caso. Trata-se de uma abordagem que

procura evitar o uso rotineiro quer da medicação, quer das intervenções

psicossociais, procurando antes a melhor combinação destes recursos para

28

cada caso. Finalmente, resultam de um ponto de vista que evita o debate

apaixonado mas estéril sobre qual é a intervenção mais importante, se a

intervenção farmacológica, se a psicoterapêutica, deslocando antes a questão

para a investigação de quais são as intervenções mais indicadas em cada

momento e em determinado contexto, ao mesmo que tempo que se avaliam os

seus riscos e a vantagens.

6. À guiza de conclusão

Quando em 1911 Bleuler escreveu a obra cujos 100 anos estamos agora a

assinalar iniciou um paradigma de investigação que simultaneamente

diferencia e integra a influência de factores orgânicos e factores psicológicos,

escapando assim a uma visão redutora dicotómica a favor de uma

organogénese ou psicogénese.

Nestes últimos 100 anos esta visão muitas vezes se perdeu, com o pêndulo a

pender ora para um psicologismo ora para um biologismo redutores. Apesar

das concepções psicodinâmicas considerarem a influência de factores

constitucionais e orgânicos, não era difícil que estes fossem rápida e

superficialmente tratados para passar logo para a discussão da compreensão

psicodinâmica dos casos. Inversamente, com o aumento da influência duma

psiquiatria cada vez mais biológica, a tendência foi para arrumar rapidamente

os factores psicológicos como meros epifenómenos de factores mais

fundamentais como os neurotransmissores ou a genética.

Ora, os factores psicológicos não estão fora da biologia, nem contra a biologia.

São antes processos biológicos de outra ordem, que derivam e são

influenciados por processos orgânicos, mas que são uma realidade emergente

com características próprias , com uma autopoesis capaz de influenciar o

comportamento e os estados emocionais, e inclusivamente processos que

ocorrem a nível orgânico.

Talvez agora, decorridos 100 anos sobre a obra de Bleuler, se possa fazer jus

à sua intuição fundamental de que a Esquizofrenia necessita de uma visão

integradora que tenha em conta a totalidade dos factores e que não se adapta

29

a um pensamento simples de causa única. Já lá vai o tempo de psicoterapias

temerárias sem medicação, assim como também do tratamento com base

exclusivamente na medicação.

É fácil esquecer que a psicose, assim como a esquizofrenia, é um conceito

fenomenológico, definido em termos comportamentais e de mudanças

subjectivas na esfera experiencial (Cullberg, 2007, pg. xvii ). Apesar de toda a

investigação nunca se descobriram estruturas anatómicas e bioquímicas

específicas da esquizofrenia. Além disso, a psicopatologia da esquizofrenia

apresenta uma estrutura altamente simbólica, o que sugere que a esquizofrenia

se desenvolve em níveis estruturalmente elevados, onde os sintomas se

entrelaçam com os símbolos e a experiência de vida, pelo que não pode ser

totalmente explicada em termos de hipóteses biológicas elementares

(Benedetti, 1995).

Assim, permanece actual a intuição de Bleuler de que a abordagem à

Esquizofrenia deve evitar visões unilaterais e fatalistas ( o que com frequência

conduz a baixos níveis de ajuda aos pacientes psicóticos e ás suas famílias) e

que se pode oferecer uma melhor qualidade de tratamento abrindo-se á

possibilidade de integrar outras formas de intervenção que se baseiem na

compreensão psicológica do paciente e do seu meio interpessoal. E que o

trabalho psicoterapêutico, não sendo fácil, nem simples, pode ser um

instrumento valioso no objectivo de ajudar estes pacientes a alcançarem um

maior nível de integração e de coerência no seu funcionamento psicológico.

“A indicação de que as terapias verbais de sintomas psicóticos são eficazes e

satisfatórias para o paciente deveriam fazer reflectir aqueles só vêm no

pensamento psicótico uma actividade quase epiléptica (Birchwood, 1999)”

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