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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO NATALIA MIRALLES RIBA DA COSTA CRUZ A INFLUÊNCIA DA CULTURA NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DAS BORN GLOBALS UM ESTUDO COM PEQUENAS EMPRESAS DO SETOR BRASILEIRO DE TECNOLOGIA RIO DE JANEIRO 2012 Natalia Miralles Riba da Costa Cruz

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

NATALIA MIRALLES RIBA DA COSTA CRUZ

A INFLUÊNCIA DA CULTURA NO PROCESSO DE

INTERNACIONALIZAÇÃO DAS BORN GLOBALS

UM ESTUDO COM PEQUENAS EMPRESAS DO SETOR BRASILEIRO DE TECNOLOGIA

RIO DE JANEIRO

2012

Natalia Miralles Riba da Costa Cruz

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A INFLUÊNCIA DA CULTURA NO PROCESSO DE

INTERNACIONALIZAÇÃO DAS BORN GLOBALS

UM ESTUDO COM PEQUENAS EMPRESAS DO SETOR BRASILEIRO DE TECNOLOGIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós Graduação em

Administração, Instituto COPPEAD de

Administração, Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de

Mestre em Administração.

Orientadora: Adriana Hilal

Rio de Janeiro

2012

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C955i

Cruz, Natalia Miralles Riba da Costa

A influência da cultura no processo de internacionalização das Born Globals:

um estudo com pequenas empresas do setor brasileiro de tecnologia / Natalia

Miralles Riba da Costa Cruz. -- Rio de Janeiro: UFRJ, 2012.

163 f.: il.; 31 cm.

Orientadora: Adriana Victória Garibaldi de Hilal

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

Instituto COPPEAD de Administração, 2012.

1. Organizações. 2. Estratégia empresarial. 3. Administração – Teses. I. Hilal,

Adriana Victória Garibaldi de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Instituto COPPEAD de Administração. III. Título.

CDD: 658.4012

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Natalia Miralles Riba da Costa Cruz

Título: A Influência da Cultura no Processo de Internacionalização das Born Globals: Um

Estudo com Pequenas Empresas do Setor Brasileiro de Tecnologia.

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós Graduação em

Administração, Instituto COPPEAD de

Administração, Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de

Mestre em Administração.

Aprovada em 20 de Agosto de 2012.

____________________________________________________

Adriana Victória Garibaldi de Hilal, D.Sc - COPPEAD/UFRJ

____________________________________________________

Otávio Henrique dos Santos Figueiredo, D.Sc - COPEEAD/UFRJ

____________________________________________________

Sylvia Constant Vergara, D.Sc - FGV

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, por me apoiar em todos os meus projetos. Ao meu marido, Thoran Rodrigues, por me ajudar durante todo o percurso e por abraçar esse mestrado como se fosse dele. Formamos um grande time!

À minha orientadora, Adriana Hilal, que me guiou durante todo o processo para terminarmos essa pesquisa no tempo certo e com o selo de qualidade Coppead. À banca, formada pelos queridos professores Otávio Figueiredo e Sylvia Vergara, agradeço pela paciência em ler todo o extenso documento e pelos feedbacks valiosíssimos.

À equipe de suporte Coppead, por facilitar a nossa vida no dia a dia corrido do mestrado. Sem vocês seria impossível!

Por fim, ao grupo especial de amigos que conquistei durante esses quase dois anos de curso. Agradeço as risadas, a parceria e a paciência. É o começo de uma nova jornada para nós!

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RESUMO

Cruz, Natalia Miralles Riba da Costa. A Influência da Cultura no Processo de

Internacionalização das Born Globals: Um Estudo com Pequenas Empresas do Setor

Brasileiro de Tecnologia. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Administração),

Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2012.

O presente estudo teve como objetivo principal identificar se e como a cultura influencia o

processo de internacionalização das Born Globals brasileiras.

Para isso, foram abordadas nove pequenas empresas do setor brasileiro de tecnologia, todas

com orientação global desde a sua fundação.

O estudo realizado foi qualitativo, baseado principalmente em 15 entrevistas em profundidade

realizada com os sócios e/ou diretores das empresas pesquisadas. Nas entrevistas, buscou-se

dados referentes à cultura organizacional, nacional e ao processo de internacionalização da

firma. Materiais secundários, como folhetos, site, reportagens ou qualquer outro fornecido

pela empresa, também foram utilizados.

Os resultados mostraram que tanto a cultura organizacional quanto a cultura brasileira

parecem afetar o desempenho das empresas pesquisadas em mercados internacionais, porém,

de forma geral, não parecem influenciar a decisão de internacionalizar, a escolha dos

mercados e os modos de entrada.

Palavras-chave: Internacionalização, Born Global, Cultura, Cultura Organizacional, Cultura

Brasileira, Indústria Brasileira de Software.

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ABSTRACT

Cruz, Natalia Miralles Riba da Costa. The Influence of Culture in the Internationalization

Process of Born Globals: A Study with Small Companies from the Brazilian Technology

Sector. Rio de Janeiro, 2012. Dissertation (Masters in Administration), Instituto COPPEAD

de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

The goal of this study is to identify if and how culture influences the internalization

process of Brazilian Born Globals.

For this, nine small companies from the technology sector, globally focused since their

inception, were approached.

A qualitative study, based on 15 in-depth interviews with owners and/or directors of these

companies, was executed. These interviews were focused on finding data related to

organizational culture, national culture and the firm's internationalization process. Secondary

material, such as brochures, web sites, news articles and others provided by the companies

were used as well.

The results show that both organizational culture and Brazilian culture seem to affect the

performance of the researched companies in international markets. In general, however, they

do not seem to influence the decision to go international, nor the choice of target markets and

the entrances into these markets.

Key-words: Internationalization, Born Global, Culture, Organizational Culture, Brazilian

Culture, Brazilian Software Industry.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Arcabouço “OLI advantages” ........................................................................................ 28

Figura 2. Investimento direto como resultado da soma das três vantagens da firma .................... 30

Figura 3. Mecanismo de internacionalização da escola de Uppsala – Variáveis fixas e de

mudança ......................................................................................................................................... 33

Figura 4. Cadeia de estabelecimento da firma em mercados internacionais ................................. 36

Figura 5. O aspecto multilateral do processo de internacionalização............................................ 43

Figura 6. Os quatro cenários da internacionalização ..................................................................... 44

Figura 7. Elementos necessários e suficientes para novos negócios (new ventures)

sustentáveis .................................................................................................................................... 51

Figura 8. Relações hipotéticas entre os construtos do estudo de Knight ....................................... 52

Figura 9. Arcabouço conceitual do fenômeno Born Global .......................................................... 56

Figura 10. Níveis de cultura e sua interação .................................................................................. 84

Figura 11. Manifestações culturais segundo Hofstede .................................................................. 89

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Culturas de alto contexto vs cultura de baixo contexto ................................................. 73

Tabela 2. Dimensões da cultura organizacional de Schein ........................................................... 85

Tabela 3. Traços brasileiros e suas características chave .............................................................. 94

Tabela 4. Perfil das empresas participantes e respondentes ........................................................ 101

Tabela 5. Quadro-resumo das empresas participantes................................................................. 112

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16

1.1. OBJETIVOS ............................................................................................................................. 16

1.2. RELEVÂNCIA DO TEMA .......................................................................................................... 17

1.3. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA .................................................................................................. 18

1.4. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO .................................................................................................... 18

2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................... 21

2.1. BREVE SÍNTESE SOBRE AS TEORIAS ECONÔMICAS DA INTERNACIONALIZAÇÃO ...................... 22

2.1.1. Teoria do Poder de Mercado .............................................................................. 22

2.1.2. Teoria de Internalização ..................................................................................... 25

2.1.3. Paradigma Eclético ............................................................................................. 27

2.2. UM APROFUNDAMENTO DAS ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS DE

INTERNACIONALIZAÇÃO ................................................................................................................ 31

2.2.1. O modelo de Uppsala ......................................................................................... 31

2.2.1.1. O modelo de internacionalização segundo a Escola de Uppsala ........................ 31

2.2.1.2. Críticas ao modelo ............................................................................................... 38

2.2.2. Perspectiva de Networks .................................................................................... 40

2.2.2.1. O modelo de internacionalização segundo a Perspectiva de Networks .............. 40

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2.2.2.2. Críticas ao modelo ............................................................................................... 47

2.2.3. Empreendedorismo Internacional ....................................................................... 48

2.2.3.1. O modelo de internacionalização segundo o Empreendedorismo

Internacional ..................................................................................................................... 48

2.2.3.2. Críticas ao modelo ............................................................................................... 53

2.2.4. O fenômeno das Born Globals............................................................................ 54

2.2.4.1. O modelo de internacionalização segundo o fenômeno das Born Globals ......... 54

2.2.4.2. Críticas ao modelo ............................................................................................... 58

2.3. PANORAMA SOBRE OS FATORES QUE INFLUENCIAM A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS BORN

GLOBALS ...................................................................................................................................... 59

2.3.1. Influência das tendências globais ....................................................................... 59

2.3.2. Influencia dos fatores ambientais ....................................................................... 61

2.3.3. Influencia dos fatores da indústria ...................................................................... 62

2.3.4. Influencia de fatores específicos da empresa ..................................................... 63

2.3.5. Influencias dos fatores individuais do empreendedor ........................................ 64

2.4. PERSPECTIVAS SOBRE CULTURA ........................................................................................... 65

2.4.1. Definição de cultura............................................................................................ 65

2.4.2. Função da cultura na organização ...................................................................... 69

2.4.3. Principais abordagens sobre cultura ................................................................... 71

2.4.3.1. Cultura segundo Hall ........................................................................................... 71

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2.4.3.2. Cultura segundo Hofstede .................................................................................... 74

2.4.3.3. Cultura segundo Trompenaars ............................................................................ 78

2.4.4. Principais abordagens sobre cultura organizacional ........................................... 82

2.4.4.1. Cultura organizacional segundo Schein .............................................................. 82

2.4.4.2. Cultura organizacional segundo Hofstede .......................................................... 88

2.4.5. Cultura brasileira ................................................................................................ 92

3. METODOLOGIA ................................................................................................................ 97

3.1. TIPO DE PESQUISA .................................................................................................................. 97

3.2. ETAPAS DA PESQUISA ............................................................................................................ 98

3.2.1. Desenho da pesquisa ........................................................................................... 98

3.2.2. Coleta de dados ................................................................................................... 99

3.2.3. Seleção dos participantes .................................................................................. 100

3.2.4. Tratamento e análise dos dados ........................................................................ 101

3.3. LIMITAÇÕES DO MÉTODO ..................................................................................................... 102

4. EMPRESAS ABORDADAS .............................................................................................. 105

4.1. EMPRESA A ......................................................................................................................... 105

4.2. EMPRESA B .......................................................................................................................... 106

4.3. EMPRESA C .......................................................................................................................... 106

4.4. EMPRESA D ......................................................................................................................... 107

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4.5. EMPRESA E .......................................................................................................................... 108

4.6. EMPRESA F .......................................................................................................................... 108

4.7. EMPRESA G ......................................................................................................................... 109

4.8. EMPRESA H ......................................................................................................................... 110

4.9. EMPRESA I ........................................................................................................................... 111

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS ....................................................................................... 114

5.1. A HOMOGEINIZAÇÃO DOS MERCADOS, A VALORIZAÇÃO DA MARCA E AS TROCAS ENTRE

EMPRESAS COMO OS PRINCIPAIS FATORES INFLUENCIADORES DA INTERNACIONALIZAÇÃO ......... 115

5.2. A GRANDE INFLUÊNCIA DAS TEORIAS DAS NETWORKS E EMPREENDEDORISMO

INTERNACIONAL NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS ................................ 118

5.3. O PAPEL CHAVE DAS REDES DE NEGÓCIOS PARA O INÍCIO DA INTERNACIONALIZAÇÃO ........ 122

5.4. O EMPREENDEDOR COMO FIGURA CHAVE DO NEGÓCIO ........................................................ 126

5.5. A DISTÂNCIA PSÍQUICA COMO UMA DAS PRINCIPAIS BARREIRAS À INTERNACIONALIZAÇÃO 129

5.6. CULTURA ORGANIZACIONAL COESA COMO FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO DA

INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA ......................................................................................... 134

5.7. IMPACTOS DA CULTURA BRASILEIRA: RELAÇÕES PESSOAIS, “CALOR HUMANO, “JEITINHO”,

INFORMALIDADE , VALORIZAÇÃO DO QUE VEM DE FORA, CRIATIVIDADE E BUROCRACIA ............. 136

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ......... 144

6.1. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 144

6.2. SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ................................................................................ 148

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ......................................................................................... 150

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APÊNDICE 1. QUESTIONÁRIO ............................................................................................ 160

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

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16

1. INTRODUÇÃO

1.1.OBJETIVOS

Este trabalho tem como objetivo principal identificar se e como a cultura influencia o

processo de internacionalização das Born Globals brasileiras. Para este estudo, foram

abordadas pequenas empresas do setor de software, com orientação global desde a sua

fundação. Foram analisados os principais aspectos relacionados com o processo de

internacionalização das empresas, considerando-se principalmente abordagens de cunho

comportamental e, de forma complementar, aspectos das abordagens de cunho econômico.

Foram analisadas também as influências culturais sobre esse processo, olhando-se para

abordagens sobre cultura e cultura organizacional, incluindo elementos da cultura brasileira.

As abordagens comportamentais de internacionalização são privilegiadas às

econômicas, com o objetivo de se compreender e identificar nas empresas os principais

fatores apontados pela literatura como influenciadores da decisão de se internacionalizar, da

escolha dos mercados, e dos mecanismos de entrada nos mesmos. Essa visão comportamental

da internacionalização é complementada por uma revisão teórica sobre cultura, cultura

organizacional e cultura brasileira, fornecendo um panorama sobre o comportamento do

indivíduo enquanto influenciador da trajetória organizacional.

Assim, as questões-guias para a realização desta pesquisa, de modo a atender o seu

objetivo principal, são:

1) A cultura influencia o processo de internacionalização da empresa?

2) Quais os principais aspectos da cultura nacional e da cultura organizacional e como

elesinfluenciam a decisão de internacionalizar, a escolha dos mercados e os modos

de entrada?

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1.2.RELEVÂNCIA DO TEMA

O crescente processo de internacionalização das empresas, representado especialmente

pelo “fenômeno Born Global”, é uma das frentes de estudo que mais se desenvolveu nos

últimos anos. Relacionado tanto com aspectos tecnológicos e industriais – como as inovações

tecnológicas nas áreas de produção e telecomunicações – quanto com aspectos culturais –

como a homogeneização dos mercados e mudanças no comportamento dos consumidores –

este fenômeno se mostra cada vez mais relevante dentro da dinâmica mercadológica moderna

(DIB, 2008).

As Born Globals são, por definição, empresas que apresentam vocação internacional

desde sua fundação. Diferente do que ocorria até algumas décadas atrás, o tamanho da

empresa e os requerimentos de capital deixaram de ser um obstáculo a internacionalização. É

possível observar, portanto, empresas com dinâmicas internas e origens – tanto geográficas

quanto culturais – completamente distintas realizando movimentos de internacionalização em

todo o mundo (GABRIELSSON, 2005).

Neste contexto, um estudo focado em aspectos culturais é fundamental. Se as grandes

empresas podem realizar decisões econômicas e racionais sobre o processo de

internacionalização, graças à abundância de recursos e posições de mercado privilegiadas, o

mesmo não ocorre em empresas menores. Assim, a decisão de internacionalização dessas

pequenas empresas parece estar muito mais relacionada com elementos culturais do que

econômicos (BREWER, 2007; HOFSTEDE, 2001; OJALA; TYRVÄINEN, 2007),

justificando uma análise cultural mais detalhada.

Partindo do objetivo traçado para este estudo (ver tópico 1.1. Objetivos), a escolha de

pequenas empresas do setor de software foi devido à maior incidência de Born Globals em

setores com alta geração de conhecimento (BELL et. al, 2001). Procurou-se, portanto, mapear

se a cultura influencia a decisão de internacionalizar, a escolha dos mercados e os modos de

entrada das empresas selecionadas, e, caso essa influência exista, como ela se dá.

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1.3.DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

A presente pesquisa está delimitada da seguinte forma:

� Limita-se ao estudo das nove empresas detalhadas no capítulo 4 desse documento,

buscando entender se e como a cultura brasileira influenciou as suas decisões acerca

do processo de internacionalização como um todo;

� Limita-se ao mercado brasileiro de software, uma vez que a pesquisadora obteve

maior acesso às empresas caracterizadas como Born Globals dentro desse segmento;

� Dada a grande quantidade de estudos acerca dos temas abordados, limita-se à visão

dos autores citados no capítulo 2. Referencial Teórico;

� Em termos temporais, o estudo apresenta uma limitação ao período em que foi

escrito, abrindo mão de um estudo longitudinal.

1.4.ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

Este estudo está organizado em seis capítulos, detalhados a seguir:

Capítulo 1. O capítulo 1 é o presente capítulo, a introdução do trabalho, com um breve

resumo do assunto abordado, explicando o trabalho como um todo, o problema a ser

estudado, sua importância, objetivos da pesquisa, delimitação do estudo e estrutura geral

do documento.

Capítulo 2. Nesse capítulo é apresentado o referencial teórico que sustenta esse trabalho,

abordando, como comentado, os principais autores e estudos sobre internacionalização,

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cultura, cultura organizacional e cultura brasileira, finalizando com um panorama sobre

os fatores que influenciam a internacionalização das chamadas Born Globals.

Capítulo 3. Aqui, a metodologia utilizada para a realização da pesquisa é exposta. Nele

é detalhado o tipo de pesquisa realizada, a amostra selecionada para análise, o

ferramental utilizado e as etapas cumpridas durante o estudo. Concluindo esse capítulo

estão algumas ressalvas e limitações do método escolhido, bem como da própria

pesquisa realizada.

Capítulo 4. Este capítulo contém breves descrições sobre todas as empresas utilizadas

no estudo. Como não se trata de um estudo de caso ou um estudo comparativo, as nove

empresas abordadas para a conclusão desta pesquisa estão aqui detalhadas.

Capítulo 5. Esse capítulo revela os resultados da pesquisa e sua análise, procurando

entender se e como a cultura influencia o processo de internacionalização das empresas

selecionadas para o estudo, sempre à luz dos conceitos apresentados no referencial

teórico exposto no capítulo 2 desse documento.

Capítulo 6. Por fim, o capítulo seis apresenta conclusões obtidas a partir da análise,

considerações da autora e sugestões para pesquisas futuras.

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CAPÍTULO 2

REFERÊNCIAL TEÓRICO

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

A revisão teórica dessa pesquisa foi dividida em duas etapas. A primeira delas aborda

as principais características dos diferentes estudos acerca do processo de internacionalização

de empresas. Primeiro foi realizada uma breve pesquisaacerca das principais teorias

econômicas da internacionalização, com objetivo de ressaltar as particularidades do ponto de

vista deste campo de estudo. Em seguida, foi apresentado um estudo mais detalhado sobre as

abordagens comportamentais de internacionalização, um dos focos desta pesquisa.

A decisão de mergulhar de forma mais profunda nas teorias comportamentais está

diretamente relacionada com o impacto da cultura, e das diferenças culturais, sobre as

organizações e sobre os indivíduos que às compõem. Neste sentido, foram abordados mais

profundamente o modelo de Uppsala, a perspectiva de Networks, o Empreendedorismo

Internacional e, por fim, o fenômeno das Born Globals. Essa abordagem ampla trouxe uma

referência mais completa sobre o comportamento dos indivíduos e das empresas durante o

processo de internacionalização e serviu como base para a pesquisa apresentada

posteriormente.

Foram analisados igualmente os principais fatores influenciadores da

internacionalização das Born Globals, procurando entender se e como os elementos culturais

influenciam esses fatores. A escolha pela abordagem Born Globals veio do fato de que as

empresas selecionadas para a pesquisa – todas atuantes na indústria de software–reunem as

características necessárias.

Por fim, concluindo esta seção, a revisão bibliográfica objetivou fornecer um

aprofundamento sobre cultura, sua definição, suas funções e suas manifestações, incluindo

também um tópico sobre cultura brasileira de forma complementar ao apresentado. Aqui

optou-se por segmentar as abordagens acerca de cultura e cultura organizacional,

selecionando os principais autores representantes de cada linha.

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2.1.BREVE SÍNTESE SOBRE AS TEORIAS ECONÔMICAS DA INTERNACIONALIZAÇÃO

2.1.1. Teoria do Poder de Mercado

A Teoria do Poder de Mercado segue uma lógica muito similar às contribuições de

Stephen Hymer (1960; 1976)1 para explicar as atividades das firmas no exterior. Ela segue a

linha das teorias neo-clássicas do comércio exterior e das finanças internacionais (portfolio

capital investment), que afirmam que países com altos níveis de desenvolvimento tendem a

exportar bens intensivos em capital e importar bens intensivos em trabalho. Segundo essas

teorias, isso ocorre, pois os países exportadores de bens intensivos em trabalho têm uma

escassez de bens de capital, e podem se beneficiar das altas taxas de juros associadas a eles.

Essas teorias neo-clássicas do comércio exterior e das finanças internacionais, no

entanto, apresentam um cenário um tanto ingênuo (HYMER, 1960; 1976). Durante várias

décadas após a formulação inicial destas idéias, o que se observou no mundo foi uma restrição

dos fluxos de capital e de troca internacional entre países com um nível similar de

desenvolvimento e de presença de recursos. Para aproximar sua teoria da realidade, Hymer

postulou a noção de que o papel das firmas individuais é o principal determinante do fluxo

internacional tanto de bens quanto de capital. Ele estendeu o conceito do portfólio de

investimentos mostrando que ter um grau de controle sobre os investimentos internacionais

poderia levar à resultados melhores do que se esperaria de acordo com a teoria convencional.

A Teoria do Poder de Mercado, portanto, não trata especificamente do “que” deve ser

internacionalizado, mas sim da identificação de situações onde a internacionalização pode ser

vantajosa. O grau de controle defendido por Hymer (1960; 1976) leva a busca por posições de

monopólio virtual que são derivadas das imperfeições de mercado existentes no mundo.

Utilizando vantagens específicas da empresa, como por exemplo, as vantagens de custo, é

possível competir em mercados internacionais em posições extremamente vantajosas. Assim,

1A tese de Stephen Hymer foi defendida em 1960 e publicada em 1976.

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23

quando se percebe que é possível atingir uma posição dominante em um mercado estrangeiro,

a empresa deve intensificar sua posição no exterior em detrimento do mercado interno

(HYMER, 1960; 1976).

A princípio, a simples expansão internacional não seria uma forma eficiente de

expandir a participação de mercado de uma empresa. O crescimento das empresas não leva

diretamente a economias de escala, e processos de fusão e aquisição são normalmente

rodeados de conflitos culturais e políticos entre as empresas. Hymer aponta, no entanto, duas

razões diferentes para uma empresa considerar a aquisiçãodo controle de outra no exterior:

remover um potencial competidor internacional ou adquirir alguma vantagem competitiva

exclusiva (HYMER, 1960; 1976).

A remoção da competição tem objetivos diretos: adquirindo o controle da competição,

uma firma é capaz de crescer rapidamente sua participação no mercado global e, em muitos

casos, estabelecer presença em mercados aos quais não tinha acesso anteriormente. Isso gera

uma consolidação do mercado que, no longo prazo, pode levar a um monopólio de fato. Por

este motivo, aquisições internacionais desta natureza são fortemente monitoradas e

regulamentadas por governos. A preocupação dos governos mundiais com a expansão

internacional das firmas é constante, chegando ao extremo da imposição de barreiras

comerciais para as empresas que atuam fora de seu mercado de origem (HYMER, 1960;

1976).

Embora a imposição de barreiras seja interessante em um primeiro momento – pois

protege as firmas locais e aumenta as receitas do governo – aretaliação por parte de parceiros

comerciais leva a uma situação de equilíbrio onde todos perdem. Em uma situação onde todos

os países impõe tarifas comerciais que otimizam seu poder de mercado, o resultado final é

simplesmente uma redução nos níveis de comércio internacional. Desta forma, é possível

encarar que a expansão internacional que objetiva simplesmente a remoção da competição

tende a ser mais prejudicial do que benéfica, uma vez que, em última instância, leva a redução

do mercado total (HYMER, 1960; 1976).

Por outro lado, a aquisição de vantagens competitivas exclusivas é um motivo mais

interessante para o investimento em firmas no exterior. Muitas vezes, firmas desenvolvem

vantagens relacionadas com o seu ambiente de atuação, como descontos de impostos ou

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acesso mais barato a alguma matéria prima. Nesses casos, o investimento internacional resulta

em benefícios para todos os envolvidos. Enquanto na remoção da competição a tendência

maior é a de consolidação das empresas, reduzindo o número de empregos e custos totais,

quando uma empresa investe buscando obter uma vantagem que outra possui, a tendência é de

mais investimento nas duas, o que satisfaz os órgãos regulatórios internacionais (HYMER,

1960; 1976).

O investimento direto internacional é uma alternativa de expansão que traz consigo

grandes riscos. Além dos riscos cambiais (que podem em muitos casos serem mitigados por

instrumentos financeiros), as empresas que estão investindo enfrentam riscos relacionados

com fatores culturais – que podem levar a rejeição da empresa por parte da população local –

e com a falta de informação com relação a fornecedores e concorrentes locais. Assim, a

expectativa dos ganhos potenciais deve superar os riscos identificados, atendendo aos desejos

dos investidores de três formas distintas: na segurança quanto ao investimento e quanto a

utilização correta dos ativos da empresa, na eliminação da concorrência, e na recuperação do

retorno sobre o investimento através de novas vantagens competitivas ou de uma vantagem

monopolista (HYMER, 1960; 1976).

A atenção ao risco é, inclusive, uma das críticas mais calorosas ao trabalho de Hymer.

Tanto Casson (1987) quanto Dunning e Rugman (1985) colocam que a grande ênfase dada

pelo autor às imperfeições de mercado desconsiderando as imperfeições transacionaisseria a

grande causa das inadequações de sua teoria. Essas imperfeições transacionais estariam

relacionadas aos custos e riscos associados ao movimento de internacionalização (taxas

cambiais, impostos locais, custo de mão de obra, entre outros) e, se não avaliados

corretamente, poderiam refletir de forma negativa no processo.

Apesar da aparente deficiência, a simples inclusão de um ponto de vista transacional

tornaria a obra de Hymer livre de conflitos. Ainda assim, a correlação entre imperfeições

estruturais e transacionais pode ter sido exagerada por Casson, Dunning e Rugman, uma vez

que custos e riscos não são necessariamente um reflexo do potencial de um determinado

mercado (YAMIN, 1991).

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2.1.2. Teoria de Internalização

Baseada na teoria dos Custos de Transação, a teoria de Internalização (COASE, 1937;

BUCKLEY; CASSON, 1976) opera sobre a lógica de que se os custos de transação no

mercado são superiores aos custos de transação da firma, opta-se pelo investimento interno.

Quando o mercado se mostra mais atraente, o contrário ocorre: congela-se investimentos

internos para que os esforços sejam direcionados para o mercado. O nome Internalização

aparece, pois a empresa volta sua atenção para dentro caso o panorama externo não seja tão

atraente.

A teoria de Internalização aborda a expansão internacional das empresas de uma

forma puramente econômica, onde a entrada em mercados internacionais é explicada e

justificada única e exclusivamente através do cálculo dos potenciais retornos para a empresa.

O objetivo final da teoria de Internalização é a maximização dos lucros da empresa, e a

internacionalização da firma é apenas mais um caminho para se alcançar este objetivo. Assim,

Coase (1937) oferece razões para a internacionalização, sem se preocupar com o formato da

mesma, apresentando um modelo matemático simples: investir na própria firma ou no

mercado, conforme os retornos potenciais.

Coase (1937) coloca que qualquer produto, serviço, know-how ou tecnologia pode ser

exportado, desde que existam vantagens de custo de transação, ou seja, desde que o retorno

para a empresa seja superior aos custos da movimentação. Essa vantagem do custo de

transação é também a razão determinante de quando e onde esse investimento deve acontecer.

Munida dela, a firma deve buscar imperfeições de mercado que permitam a maximização dos

lucros advindos da internacionalização. Essas imperfeições aparecem quando a alocação da

produção de bens e serviços gera ineficiência no mercado livre: quando a demanda supera a

oferta (ou vice-versa), por exemplo, ocorre uma imperfeição de mercado.

Como visto anteriormente, a teoria do Poder de Mercado (HYMER, 1960; 1976), na

qual a teoria de Internalização também é baseada, enxerga a internacionalização como uma

consequência natural dessa falha de mercado, onde a empresa se vê forçada a se

internacionalizar para continuar apresentando os níveis de retorno esperados pelos

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investidores. Já a teoria de Internalização (COASE, 1937), por outro lado, enxerga esse

movimento simplesmente pela ótica da maximização de lucros. Ela não assume que o

mercado original tenha atingido seu ápice, mas sim que maiores ganhos poderão ser obtidos

através desse movimento.

Um ponto de vista interessante colocado por Coase (1937) é que a firma possui limites

de crescimento, e o tamanho máximo dela está limitado à sua capacidade de coordenação e

aos custos envolvidos com esse crescimento. Sob essa ótica, o crescimento da firma nem

sempre é positivo, uma vez que ele pode ultrapassar os custos atrelados ao seu

desenvolvimento. Peter Buckley e Mark Casson (1976) expandiram os estudos de

internalização de mercado para explicar o movimento de crescimento da firma. Segundo os

autores, a firma escolheria a locação de menor custo para dar continuidade às suas atividades,

baseando esse cálculo no custo de troca de mercado. Os autores reforçam Coase, colocando a

escolha entre investir internamente ou partir para mercados externos como função apenas de

uma análise de custos e retornos.

A decisão acerca de como caminhar com a internacionalização do negócio também é

discutida pelos autores. Buckley e Casson (1976) colocam que, nos mercados em expansão, as

firmas deverão manter um padrão de crescimento com as seguintes etapas: exportação,

seguida do licenciamento (de marca, produto, tecnologia, entre outros) quando o mercado

começar a crescer, chegando finalmente ao investimento direto. Claramente a ordem proposta

não é absoluta: as empresas podem optar por dar início ao processo através de qualquer uma

das etapas supracitadas.

A teoria de Internalização, no entanto, não é generalista, uma vez que a escolha correta

depende da avaliação acerca dos custos e benefícios de cada alternativa (RUGMAN, 1981).

Isso significa que o modelo é adaptável à condições das diferentes firma, adequando-se ao

porte, indústria, riscos, entre outros fatores que influenciam diretamente a decisão acerca da

internacionalização. Apesar do caráter não generalista, críticas foram feitas a esse modelo:

apoiando-se fortemente nos resultados financeiros advindos do processo, a teoria acaba por

não enxergar potencial no longo prazo, vetando empreendimentos que poderiam trazer

retornos futuros (CONTRACTOR, 2007).

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Enquanto a maioria dos investimentos em mercados internacionais não traz retornos

no curto prazo, quando a firma está mais bem estabelecida e conhece os pormenores do novo

mercado em que está inserida (CONTRACTOR, 2007) essa realidade se altera. Por conta do

seu grande compromisso com custos (diretamente atrelado ao retorno) a teoria de

Internalização acaba por não aproveitar todo o potencial que uma empresa frente à

oportunidade de expansão para outros mercados poderia obter.

Por fim, Buckley (1990) aponta que, apesar das aparentes divergências, as teorias do

Poder de Mercado e Internalização se complementam. Combinadas, essas duas teorias

fornecem um panorama completo acerca do processo de internacionalização da firma,

fornecendo um parâmetro sobre o desenvolvimento de uma empresa multinacional sob o

ponto de vista econômico.

2.1.3. Paradigma Eclético

O Paradigma Eclético de Dunning (1988), outra teoria econômica da

internacionalização, foi desenvolvido posteriormente a teoria da Internalização, com base na

tese de Coase (1937). O autor coloca que sua obra não deve ser considerada uma nova teoria,

mas sim uma síntese das várias teorias disponíveis até então. Ele se esforça para condensar

todas as descobertas realizadas até o momento, apresentando um trabalho único, que visa

expor as variáveis influenciadoras da empresa acerca do processo de internacionalização. Daí

o nome “eclético”, ou seja, que combina diferentes focos das mais variadas teorias.

O desejo de unificação do autor é percebível em suas ideias: tomando a teoria da

Internalização como ponto de partida - que, como visto anteriormente, coloca o custo de

transação como chave para decisões sobre internacionalizar ou internalizar – Dunning toma a

estrutura da organização (peça fundamental da teoria de Coase) como fator a ser estudado

durante um possível processo de internacionalização. O autor argumenta, no entanto, que

apesar desse fator ser relevante, outros também devem ser considerados. Partindo dessa

lógica, é construído o arcabouço “OLI advantages”, formado por: (1) Ownership: vantagens

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do proprietário, (2) Locational: vantagens de localização e (3) Internalization: vantagens

internas (IETTO-GILLIES, 2007).

Figura 1. Arcabouço “OLI advantages”

Fonte: Ietto-Gillies (2007)

As vantagens do proprietário (ownership advantages) se referem às vantagens

competitivas específicas da empresa que busca a internacionalização. São intangíveis e podem

ser transferidas com pouco custo dentro das diferentes filiais da empresa multinacional. São

exemplos de vantagens do proprietário a marca, tecnologias e conhecimentos específicos,

habilidades empreendedoras e o ganho de escala. Essas vantagens vêm em três tipos distintos:

as vantagens padrão, que qualquer empresa pode ter sobre a outra, como uma posição de

mercado, um conhecimento técnico ou o tamanho; uma organização pré-existente, como as

economias de custos que uma empresa nova pode ter por fazer parte de uma organização

maior; e a multinacionalidade, caracterizada pela experiência da empresa com outras

operações internacionais (IETTO-GILLIES, 2007).

As vantagens de localização (locational advantages), por sua vez, dizem respeito a

elementos específicos de cada país, particularidades que os tornam interessantes para

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investidores estrangeiros. Exemplos de vantagens de localização são a disponibilidade de

matéria prima para produção ou a existência de uma malha rodoviária e ferroviária bem

desenvolvida no país. A presença dessas vantagens favorece a produção tanto das firmas

nacionais quanto das internacionais dentro do território do país em questão. A sua ausência,

em contrapartida, adicionaria complexidade a essa produção, afastando as empresas do

investimento (IETTO-GILLIES, 2007).

Assim como as vantagens do proprietário, as de localização podem ser divididas em

três: as econômicas, que englobam itens como qualidade e quantidade dos fatores de

produção, transporte e telecomunicações, custos de entrada e permanência, tamanho do

mercado, entre outros; as políticas, que correspondem à presença ou ausência de fatores como

regras e legislações; e as sócio-culturais, representadas pela distância do país de origem, pela

diversidade cultural e pela receptividade a estrangeiros (IETTO-GILLIES, 2007).

Por fim, as vantagens de internalização (internalization advantages) referem-se aos

benefícios derivados da produção interna, realizada pela própria empresa. Essas vantagens

dizem respeito ao contraponto entre os benefícios da produção própria e parcerias, joint-

ventures ou licenciamento a terceiros. Para empresas multinacionais, o local de produção

pode ser qualquer, de acordo com as vantagens que a localidade oferece: quanto maior for o

benefício da internalização, maiores as chances da organização em optar por coordenar a

produção. Optando por internalizar, benefícios inerentes às vantagens do proprietário

(ownership advantages) são potencializados (IETTO-GILLIES, 2007).

Para que a internalização ocorra, ou seja, para que o investimento direto da empresa

no país estrangeiro seja bem sucedido, três condições precisam ser cumpridas: devem existir

vantagens competitivas únicas que superem as desvantagens de competir com firmas locais

(ownership advantage); deve haver benefícios em controlar as unidades externas de produção

vs. utilizar empresas locais para realizar o serviço/produção (internalization advantage); e o

potencial de lucro ao conduzir as operações no exterior deve ser superior ao da produção

doméstica (location advantage). Em resumo, para que o investimento direto ocorra, deve

haver a soma das três vantagens apontadas por Dunning (1988).

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Figura 2. Investimento direto como resultado da soma das três vantagens da firma

Fonte: Ietto-Gillies (2007)

Com este arcabouço, qualquer um deve ser capaz de explicar o “por que”, o “quando”

e o “onde” da internacionalização, analisando os três principais modos de entrada nos países

estrangeiros: importação, produção internacional (ou investimento direto) e licenciamento.

Fica claro, então, o objetivo central da teoria de Dunning: avaliar a produção, o comércio

internacional e seus determinantes nos níveis micro e macro-econômicos, explicando a

decisão da empresa em relação ao mercado externo (IETTO-GILLIES, 2007).

Apesar da colocação de Dunning de que o Paradigma Eclético não deva ser

considerado uma teoria, Cantwell (1991) coloca que o autor foi além da simples união das

teorias. Ele passou a acrescentar novos aspectos importantes, além dos realizados até então, à

esse movimento de internacionalização das empresas, incorporando uma maior variedade de

fatores influentes ao mesmo tempo. Por outro lado Ieto-Gillies (2007) questiona a

operacionalização do modelo de Dunning: pela sua grande abrangência, o modelo original do

autor é complexo para a utilização na prática.

A autora explica que a chave para a operacionalização do modelo é a escolha de

variáveis específicas relacionadas com ao arcabouço OLI advantages. Então, para vantagens

do proprietário, as variáveis seriam escolhidas de acordo com o tipo de atividade da empresa

multinacional e com o tipo de investimento direto (recursos, mercado, eficiência ou ativos);

para vantagens da localização, a análise prévia das condições prevalecentes no país

hospedeiro auxiliariam a tomada de decisão; e, por fim, para internalização, as variáveis

seriam escolhidas a partir de condições específicas da indústria e da empresa, inclusive o tipo

de tecnologia empregada.

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2.2. UM APROFUNDAMENTO DAS ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS DE

INTERNACIONALIZAÇÃO

2.2.1. O modelo de Uppsala

2.2.1.1. O modelo de internacionalização segundo a Escola de Uppsala

Em modelos comportamentais do processo de internacionalização, conhecimento e

aprendizado são fatores determinantes decomo uma firma se aproxima do mercado

estrangeiro. Um dos principais problemas enfrentados pelas empresas nessa aproximação é a

sua falta de conhecimento sobre como conduzir negócios em território internacional. Assim, é

fundamental entender como as empresas que tem sucesso nesse movimento são capazes de

gerenciar as incertezas que se originam desta falta de conhecimento do mercado (CARLSON,

1966).

Uma vez que as firmas ultrapassem as barreiras culturais e geográficas e tenham sua

primeira experiência com operações internacionais, geralmente irão buscar a conquista de

novos mercados externos. A combinação do risco internacional com o controle das operações

internacionais é umindício de um comportamento único de internacionalização das firmas e

deve, portanto, ser considerada como um modelo de internacionalização válido (CARLSON,

1966). Em um modelo deste tipo, as firmas adotam dois processos para lidar com os riscos da

internacionalização: a tentativa e erro e o aprendizado gradual a partir de experiências

passadas.

Estes dois processos se constituem em características-chave do modelo de Uppsala

(JOHANSON; VAHLNE, 1977). Com base em uma série outros estudos, tais como a teoria

comportamental da firma (CYERT; MARCH, 1963), a teoria do crescimento da firma

(PENROSE, 1959) e estudos empíricos do processo de internacionalização, em que empresas

gradualmente aumentaram seu envolvimento internacional (JOHANSON; WIEDERSHEIM,

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1975), a teoria de Uppsala retrata o processo de internacionalização como um processo

sequencial, que se desenvolve a partir da crescente aquisição de conhecimento (JOHANSON;

VAHLNE, 1977; 1990).

Diferente das perspectivas macroeconômicas, que supõem que o processo de

internacionalização é resultado direto de uma alocação ótima de recursos, para a escola de

Uppsala esse processo é incremental e ocorre gradualmente. Decorrente da racionalidade

limitada e do desejo de minimização dos riscos, a internacionalização tem início em mercados

que possuem uma relação direta com o panorama cultural no qual a empresa está inserida. A

escolha desses mercados está fundamentada pela lógica de que tais mercados representariam

menores riscos à organização (JOHANSON; VAHLNE, 1977; 1990).

O processo de internacionalização começa no momento em que o mercado doméstico

de uma empresa atinge o instante próximo à saturação, de forma que a busca de alternativas se

torna inevitável. Uma vez no exterior, a empresa é confrontada por uma série de incertezas –

maiores e mais fortes do que as enfrentadas em seu mercado doméstico – que fazem com que

ela busque situações de mercado o mais próximapossível da sua situação atual, ou seja,

situações que lhe sejam familiares (JOHANSON; VAHLNE, 1977; 1990).

O obstáculo imposto pela falta de conhecimento para o desenvolvimento de

operações internacionais nas empresas é a premissa central do modelo de Uppsala. Esse

obstáculo só pode ser superado com a própria internacionalização, ou seja, a falta de

conhecimento só pode ser sanada através da própria experiência internacional. Ao longo do

tempo, a atuação em mercados estrangeiros traz para a firma informações e conexões que

reduzem os riscos e aumentam sua compreensão de outros mercados.

Outras duas premissas fundamentais são colocadas pelo modelo de Uppsala. A

primeira é que a tomada de decisões de investimento estrangeiro é incremental devido às

incertezas do mercado. Isso está intimamente relacionado com o processo de aprendizado em

que a máxima “aprender fazendo” é a lógica central (JOHNSON, 1988): quanto mais uma

empresa sabe sobre o mercado, menor será o risco percebido por ela e maiores serão os

investimentos realizados. O risco percebido é função do nível de conhecimento de mercado

adquirido através das operações da firma no território em questão.

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A segunda é de que qualquer tipo de conhecimento é totalmente dependente do

indivíduo e, portanto, não pode ser transferido para outros indivíduos ou contextos. O

conhecimento sobre um determinado mercado é adquirido apenas por quem está trabalhando

nele, o que representa um conhecimento experiencial. Para estas pessoas, a experiência local

gera oportunidades de negócio e funciona como uma força motriz no processo de

internacionalização (JOHANSON; VAHLNE, 1990). A adaptação e/ou extensão das

operações existentes para territórios internacionais é, portanto, um caminho natural para sanar

um problema – como a saturação do mercado – ou para aproveitar uma oportunidade.

Figura 3. Mecanismo de internacionalização da escola de Uppsala – Variáveis fixas e de mudança

Fonte: Johanson e Vahlne (1997)

Além destas premissas, o modelo de Uppsala apresenta dois tipos de variáveis

relacionadas com os mecanismos de internacionalização das empresas. Esses dois tipos são

relacionados, mas opostos. De um lado estão as medidas do grau atual de internacionalização

da empresa, também chamadas de variáveis fixas: o nível de conhecimento que a empresa

possui sobre o mercado para o qual está se expandindo, e a quantidade de recursos

investidos/comprometidos com o mercado externo. Do outro estão os parâmetros que irão

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modificar o grau de internacionalização corrente da firma. Assim, as variáveis de mudança e

as fixas se relacionam e formam um ciclo de interação, apresentado na figura 3.

Existem dois tipos de variáveis fixas: o conhecimento de mercado e o

comprometimento com o mercado. O conhecimento do mercado está diretamente relacionado

com a tomada de decisões acerca dos investimentos no mercado exterior, uma vez que

conhecer as oportunidades e os problemas que existem em um determinado mercado deve ser

o primeiro passo em um processo de internacionalização da empresa. De forma geral, o

conhecimento se relaciona aspectos tácitos do mercado, como a oferta e demanda presente e

futura, a competição, aos canais de distribuição, as condições de pagamento e a mobilidade do

dinheiro (CARLSON, 1974; JOHANSON; VAHLNE, 1977). O comprometimento com o

mercado, por outro lado, está relacionado com o quão específicos são os recursos alocados no

atendimento a um determinado mercado. Quanto mais difícil for para a empresa achar usos

alternativos para os recursos aplicados em um mercado, maior o grau de comprometimento da

empresa com esse mercado. Esse fator é diretamente influenciado pelo conhecimento tácito

advindo das atividades correntes.

As variáveis de mudança também são duas, o comprometimento de recursos e as

atividades correntes das empresas. As decisões da empresa acerca do comprometimento de

recursos estão relacionadas com o nível de investimento realizado em um mercado

internacional, bem como com o conhecimento que a firma detém sobre esse mercado – uma

ligação direta da variável fixa, o conhecimento, com a de mudança, o comprometimento de

recursos. As atividades correntes são fontes primárias de conhecimento tácito para as firmas.

A base das decisões acerca do processo de internacionalização vem justamente dessas

atividades. Desta forma, elas influenciam diretamente o nível de comprometimento com o

mercado – fechando o ciclo de relacionamento entre as variáveis de mudança e as fixas. A

aquisição de conhecimento é um processo lento e gradual para a empresa (mesmo quando a

contratação de consultores ou profissionais experientes do mercado é realizada), por isso o

processo de internacionalização é feito de forma comedida, acompanhando a aquisição de

conhecimento (CARLSON, 1974; JOHANSON; VAHLNE, 1977).

Assim, sob um ponto de vista mais ilustrativo da teoria de Uppsala, as empresas,

antes de cogitar qualquer expansão internacional, adquirem experiência no mercado

doméstico. Em seguida, elas investem em mercados internacionais com fortes correlações

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culturais e/ou geográficas com seu país de origem. No geral, são realizados investimentos em

um ou alguns poucos países vizinhos ao de origem da empresa (JOHANSON;

WIEDERSHEIM, 1975). Esses investimentos são realizados de forma cautelosa, de acordo

com o aprendizado incremental da firma nestes mercados (FORSGREN, 2002). Apenas após

ter sucesso nesta primeira etapa é que a firma parte para abordar mercados com características

ainda mais distintas das suas.

Os mesmos conceitos se aplicam para o “como” as empresas efetuam suas entradas

nos mercados externos. Partindo da premissa de que essas empresas estariam bem

estabelecidas em seu mercado doméstico, o processo de internacionalização, quando iniciado,

obedeceria a um padrão dividido em quatro etapas, como retratado pela figura 4. As

atividades internacionais teriam início através das exportações, opção com menores níveis de

risco. Uma vez que tenham sucesso com as exportações - no geral através de representantes

locais - partiriam para investimentos diretos, como a abertura de subsidiárias, no país

estrangeiro. O comprometimento no exterior culminaria com o estabelecimento de unidades

de produção em outros países, o que significa um grande investimento de capital por parte das

empresas (JOHANSON; WIEDERSHEIM, 1975).

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Figura 4. Cadeia de estabelecimento da firma em mercados internacionais

Fonte: Johanson e Wiedersheim (1975)

Existem, no entanto, três exceções ao investimento gradual nos mercados externos. A

primeira são as firmas que possuem um excedente grande de recursos. Para essas firmas, o

montante de investimento e os recursos despendidos no processo de internacionalização são

tão pequenos frente ao total disponível que ela pode realizar o processo rapidamente. A

segunda são situações onde as condições de mercado são estáveis e homogêneas. Nestas

situações, a empresa pode adquirir conhecimento sobre o mercado em que irão alterar sem ter

que recorrer a experiência direta. Finalmente, a terceira exceção são as empresas que possuem

muita experiência em mercados semelhantes aos que desejam abordar. Estas empresas podem

generalizar suas experiências prévias, dispensandoo lento processo de aquisição de

conhecimento (JOHANSON; WIEDERSHEIM, 1975).

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O foco principal da teoria da escola de Uppsala é nas distâncias cultural e geográfica.

Nesta teoria, o comportamento da internacionalização da empresa é explicado por estas

distâncias. A distância cultural foi definida por Hallén e Wiedersheim (1984) como “uma

medida da dificuldade que o vendedor tem em perceber ou estimar as necessidades do

comprador ou a dificuldade correspondente que o comprador experimenta para perceber a

oferta do vendedor”. Ela está, portanto, diretamente relacionada com as origens da empresa, e

determina o quanto uma organização terá dificuldades em se adaptar quando estiver

realizando negócios com empresas alocadas em países com hábitos diferentes dos seus, ou

seja, empresas com raízes culturais distintas.

Existem, então, três tipos de distância cultural que afetam a atuação internacional de

uma empresa. A primeira éa distância cultural entre os países, que está relacionada com as

diferenças entre a percepção de uma empresa típica de um país e a percepção de um

comprador médio de outro país. Em seguida, a distância cultural entre as empresas está

relacionada com as diferenças de percepção entre a empresa compradora e a vendedora com

relação as suas necessidades e as ofertas sendo apresentadas. Finalmente, a distância cultural

intra-empresas se refere às diferenças de percepção entre as pessoas que interagem, cada uma

em sua própria empresa, com relação às suas necessidades e ofertas (HALLÉN;

WIEDERSHEIM, 1984).

A distância geográfica, por sua vez, é a distância física baseada nas barreiras entre a

firma e o mercado-alvo. Quanto mais barreiras entre os dois pontos, maior é a distância

geográfica (BREWER, 2007). Para a Escola de Uppsala, a minimização dos riscos inerentes

de uma operação internacional vem não só da escolha de países culturalmente próximos para

atuar, mas também da escolha de países geograficamente próximos. Ao mesmo tempo, a

proximidade geográfica não implica em proximidade cultural: países vizinhos não

necessariamente compartilham valores culturais. Isso significa que, apesar da curta distância,

a empresa continuaria enfrentando dificuldades devido à velocidade da aquisição de

aprendizado dado as diferenças culturais. Na visão da Escola de Uppsala, as firmas

selecionam os mercados em que pretendementrar em ordem crescente da distância percebida

(HILAL; HEMAIS, 2003), que seria influenciada pela soma das distâncias cultural e

geográfica.

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Finalmente, a distância psíquica está fortemente relacionadacom o indivíduo

empreendedor. A distância psíquica é uma representação das diferenças entre indivíduos que

não estão relacionadas nem com o país de origem nem com seu background cultural

(O’GRADY; LANE, 1996; ROCHA, 2004). Fatores como experiências prévias, antecedentes

familiares, conhecimento de idiomas estrangeiros ou permanência no exterior influenciam

diretamente a tomada de decisão de qualquer pessoa. Assim, um indivíduo pode reduzir as

incertezas associadas com a internacionalização de sua empresa, pois possui curta distância

psíquica com o país para o qual a empresa quer se expandir, mesmo que a distância cultural

do país com a firma seja grande. A distância psíquica não é abordada pela escola de Uppsala,

e sua abordagem é uma das principais distinções trazida pelas teorias subsequentes.

2.2.1.2. Críticas ao modelo

O modelo de internacionalização de Uppsala revolucionou os estudos dentro desta

área através da introdução da abordagem comportamental neste campo de estudo. Enquanto

todos os modelos anteriores olhavam apenas para o lado econômico da internacionalização,

enxergando o processo como resultado de uma decisão econômica racional, o de Uppsala

introduziu o conceito do comportamento da firma e dos riscos associados à falta de

conhecimento. Como toda ideia revolucionária, foi fortemente criticada desde sua criação.

Johanson e Vahlne (1990) sumarizam as críticas recebidas em seis grupos distintos.

O primeiro grupo defende que o modelo de Uppsala é determinístico demais (REID,

1983). Uma vez que os padrões de internacionalização são exclusivos de cada firma – devido

às características individuais de cada uma e das especificidades da situação onde cada uma

está inserida – a sugestão do modelo de Uppsala de que todas as firmas passam pelos mesmos

quatro passos no processo de internacionalização demonstra um engessamento. Para este

grupo, a firma teria a opção de escolher a melhor forma de entrada no exterior de acordo com

a situação mercadológica vigente, sempre optando pela escolha estrategicamente correta de

forma independente do processo gradual proposto pelo modelo.

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O segundo grupo coloca que o modelo de Uppsala seria relevante apenas durante os

primeiros estágios da internacionalização (FORSGREN, 1989). No princípio do processo, o

conhecimento sobre o mercado e os recursos internacionais seria limitado, fazendo com que a

expansão internacional realmente ocorra de forma gradual. Após uma primeira inserção

internacional, no entanto, a empresa já seria capaz de reunir quantidades suficientes de

informação e recursos para tornar o processo gradual desnecessário.

O terceiro grupo aborda a questão da generalização do mercado. Com o passar dos

anos, os processos de internacionalização vem sofrendo uma padronização (HEDLUND;

KVERNELAND, 1985), o que descarta a falta de conhecimento do mercado – um dos pilares

da teoria de Uppsala – como um fator limitador ao ritmo e aos padrões destes processos nas

empresas. Desta forma, o modelo de Uppsala se torna menos útil com o passar dos anos, pois

qualquer empresa pode facilmente copiar o processo de internacionalização realizado por

outras empresas similares.

O quarto grupo de críticas questiona a durabilidade do conceito da distância cultural.

Baseando seu argumento na crescente homogeneização cultural do mundo, advinda

principalmente do processo de globalização, Nordstrom (1991) coloca que empresas,

independente da sua nacionalidade, são cada vez mais capazes de entrar diretamente em seus

mercados-alvos. A não existência de obstáculos culturais no mercado-alvo elimina os riscos

comportamentais do processo de internacionalização, que são a principal contribuição do

modelo de Uppsala.

O quinto grupo questiona a desconsideração por parte da escola de Uppsala da

existência de interdependências entre os mercados de diferentes países (JOHANSON;

MATTSSON, 1986). Essas interdependências seriam um fator significativo na condução de

um processo de internacionalização, e também levariam as firmas a enxergarem os mercados

interdependentes como complementares, e não como entidades autônomas, como o modelo de

Uppsala propõe.

Por fim, o sexto grupo afirma que omodelo não seria válido para empresas de serviço

(CARNEIRO; ROCHA; SILVA, 2008). Uma das premissas centrais da escola de Uppsala é

de que os recursos da firma são comprometidos com a internacionalização de forma gradual,

de acordo com a crescente aquisição de conhecimento. Para serviços, essa lógica não é viável,

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40

uma vez que o comprometimento gradual de recursos inviabiliza a prática do mesmo. Assim,

para empresas de serviços, essa premissa não é válida, e o modelo fica descaracterizado.

Segundo Johanson e Vahlne (2003), os autores originais do modelo de Uppsala, os

modelos incrementais de internacionalização não são mais válidos. As principais razões para

essa invalidação são a intensificação do processo de globalização e o avanço tecnológico, que

vêm reduzindo as distâncias culturais e geográficas entre os países, e o olhar já treinado dos

estudiosos da internacionalização, que, baseados em desdobramentos posteriores à teoria de

Uppsala, passam a não enxergar os pormenores além das críticas.

A intensificação do processo de globalização também é responsável pelo aparecimento

das Born Globals, um novo tipo de empresa com características diferentes no processo de

internacionalização. Esse novo grupo, com um processo de internacionalização mais rápido e

imediato, coloca em cheque a validade do modelo incremental de Uppsala, levantando

questões sobre a capacidade do modelo de explicar o processo de internacionalização até

mesmo de outros tipos de empresas. As dúvidas se estendem para se esse modelo seria capaz

de explicar, ao menos em parte, o processo adotado pelas Born Globals (DIB, 2008), ou se o

modelo de Uppsala (e outros modelos incrementais) teria perdido a sua validade

(JOHANSON; VAHLNE, 2003).

2.2.2. Perspectiva de Networks

2.2.2.1. O modelo de internacionalização segundo a Perspectiva de Networks

A abordagem mercadológica centrada nos fornecedores e nas relações entre

produtores e consumidores é, segundo Johanson e Mattsson (1988), insuficiente para entender

plenamente os relacionamentos e interações que ocorrem dentro de uma determinada

indústria, principalmente no que tange o processo de internacionalização. É necessário olhar

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41

para um universo mais amplo, com foco no complexo padrão de relacionamentos e interações

que ocorrem entre todos os agentes atuantes no mercado.

Para estudar as múltiplas interações dentro de uma determinada indústria, é necessária,

portanto, a abordagem de redes, ou Networks. Esta abordagem busca explicar a ação gerencial

em função das redes de relacionamento nas quais uma empresa está inserida (JOHANSON;

MATTSSON, 1988). Embora utilizada inicialmente de forma restrita, essa terminologia veio

a ser adotada por diversas áreas de estudo. Na área de internacionalização, ela ressalta a

complexa interação entre os diferentes atores envolvidos no processo.

A perspectiva de Networks é uma evolução natural do modelo de Johanson e Vahlne

(1977), precursores da abordagem comportamental da internacionalização com a escola de

Uppsala (HEMAIS; HILAL, 2002). Da mesma forma que no modelo de Uppsala, a

perspectiva de Networks sugere que o processo de internacionalização de uma empresa não

vem necessariamente de sua interação com o mercado, mas é resultado de uma rede de

relacionamentos mais complexa. O primeiro passo em direção a um território estrangeiro pode

vir, por exemplo, não da própria empresa, mas de seus parceiros e fornecedores

(JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Assim, segundo a perspectiva de Networks, o processo de internacionalização está

vinculado à rede de negócios e de contatos da empresa dentro das indústrias onde ela atua ou

das quais ela depende. Diferente do processo proposto por Uppsala, onde a

internacionalização ocorre apenas entre a empresa e o mercado, nesta perspectiva a

internacionalização tem diversos influenciadores. O processo não é anônimo, mas sim

dependente dos diversos relacionamentos cultivados pela empresa. De fato, estes

relacionamentos atuam como uma ponte que pode iniciar ou facilitar a entrada em mercados

estrangeiros (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

A rede de negócios de uma empresa é construída ao longo de sua existência e, quando

bem trabalhada, permite a construção de parcerias e relacionamentos de confiança de longo

prazo entre a empresa e os outros componentes da rede – fornecedores, clientes, prestadores

de serviços e outros (MADSEN; SERVAIS, 1997). Com a evolução dos relacionamentos, o

mercado se torna uma rede de negócios interconectada por diferentes laços, todos eles cada

vez mais próximos. Desta visão vem a principal diferença entre a perspectiva de Networks e a

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escola de Uppsala: enquanto a primeira enxerga o mercado como um emaranhado de

relacionamentos, a segunda vê a empresa como um elemento discreto em sua relação com o

mercado.

A perspectiva de Networks traz a mesma visão comportamental da transição da

empresa para mercados internacionais que o modelo de Uppsala, ou seja, ambos vêem o

aumento da participação no exterior como um processo progressivo e condicionado ao

aprendizado crescente. Pela perspectiva de Networks, no entanto, esse aprendizado não vem

exclusivamente da firma, podendo se originar na rede de relacionamentos da mesma

(JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Uma empresa com fornecedores internacionais, por exemplo, pode receber de um

fornecedor uma oferta de representação comercial dos seus produtos no mercado de origem

do mesmo. Através de uma proposta deste tipo, a empresa pode dar início a sua jornada

internacional não através de um movimento próprio, mas através de um movimento de sua

rede de relacionamentos.

Além da geração de oportunidades, ilustrada no exemplo acima, uma rede de

relacionamentos eficaz permite também a superação mais fácil de uma escassez de recursos e

a promoção do aprendizado entre participantes da rede. No exemplo apresentado, o

fornecedor internacional que trouxe a proposta de exportação detém conhecimento do

mercado em que atua, transferindo automaticamente este conhecimento para a empresa

exportadora, e, consequentemente, reduzindo os riscos. É possível notar que, assim como a

teoria de Uppsala, a teoria de Networks está sujeita às diferenças culturais (ROCHA;

ARKADER; BARRETO, 1993). Em sociedades dominadas por relações pessoais, por

exemplo, é natural que as relações entre as empresas se deem através dos relacionamentos

pessoais entre pessoas das duas empresas, havendo, assim, uma forte influência dos aspectos

culturais nessa relação.

Para que uma empresa sobreviva em um mercado cada vez mais especializado e

competitivo, é fundamental o estabelecimento de relações de cooperação e parceria

(MADHOK, 1996). Quanto maiores e mais fortes forem os relacionamentos dentro de uma

rede, maior a probabilidade de sucesso em empreitadas de internacionalização por empresas

desta rede. A construção de relacionamentos duradouros é, portanto, de suma importância

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para o desenvolvimento futuro das empresas. A simples participação e contribuição para redes

de negócios resultam em aprendizados importantes para as empresas envolvidas.

A perspectiva de Networks amplia o processo de internacionalização descrito no

modelo de Uppsala com o conceito de colaboração dentro de uma rede de negócios. Assim, os

conceitos de “comprometimento com o mercado”, “conhecimento do mercado”, “atividades

correntes” e “decisões de comprometimento de recursos” apresentados por Uppsala devem ser

entendidos como multilaterais (e não unilaterais), e a internacionalização deve ser vista como

um processo não apenas inter-organizacional, mas também intra-organizacional, conforme

ilustrado na figura 5.

Figura 5. O aspecto multilateral do processo de internacionalização

Fonte: Johanson e Vahlne (1990)

Dentro dessa rede três tipos de aprendizado são os mais relevantes: o aprendizado de

características específicas de um parceiro de negócios, que ocorre quando uma empresa

realiza negócios com seus fornecedores, e permite uma melhor coordenação das atividades e

estreitamento das parcerias; o aprendizado de habilidades específicas e transferíveis para

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outros relacionamentos, que ocorre na busca por parcerias e na troca de conhecimentos

específicos; e o aprendizado de como desenvolver uma nova rede de negócios, que ocorre

quando uma empresa tem que coordenar, em paralelo, atividades de diferentes parceiros e

fornecedores (JOHANSON; VAHLNE, 2003).

De acordo com a perspectiva de Networks, existem diferenças significativas entre

empresas de acordo com seu nível de internacionalização. Os bens, tangíveis e intangíveis, de

uma empresa altamente internacionalizada são bastante diferentes de uma empresa que atua

apenas no mercado doméstico. O mesmo vale para os mercados. Mercados com grande

internacionalização - ou seja, que importam grande parte da produção - possuem

características distintas de mercados onde toda a produção é local (JOHANSON;

MATTSSON, 1988).

Figura 6. Os quatro cenários da internacionalização

Fonte: Johanson e Mattsson (1988)

Combinando estas diferenças, Johanson e Mattsson (1988) apresentam quatro cenários

que uma empresa pode encontrar quando avaliando a decisão de se internacionalizar ou não.

São eles: o primeiro entrante (the early starter), o internacional solitário (the lonely

international), o retardatário (the late starter), e o internacional entre muitos (the

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international amongst others). Esses cenários diferem nos níveis de custos e riscos que

estarão associados ao processo de internacionalização e estão dispostos na figura 6.

Um mercado com baixo grau de internacionalização combinado a um baixo grau de

internacionalização da empresa resulta no primeiro cenário, o “primeiro entrante”. Nele,

existem fortes incertezas quanto ao comportamento dos consumidores no novo mercado a ser

abordado, o que representa maiores riscos para a empresa. Ao mesmo tempo, a empresa não

possui experiência de internacionalização, o que exacerba estes riscos. Neste cenário, as

empresas buscam a aquisição de conhecimento para apoiar a internacionalização, resultando

em um processo lento e incremental, seguindo a lógica da “tentativa e erro” (JOHANSON;

MATTSSON, 1988).

Uma empresa com elevado grau de internacionalização buscando penetrar em um

mercado com baixo grau de internacionalização configura o segundo cenário, do

“internacional solitário”. Nesta situação, os riscos relacionados com o mercado são

semelhantes aos do primeiro cenário – de incerteza do comportamento do consumidor –, mas

o conhecimento adquirido da empresa resulta em uma redução do risco percebido

(JOHANSON; MATTSSON, 1988).

No terceiro cenário, do “retardatário”, uma firma com baixo grau de

internacionalização é carregada para um mercado amplamente internacionalizado por

elementos de sua rede de relacionamentos. Esse cenário ocorre normalmente em situações

onde existe uma forte demanda pelo produto ou serviço da firma, e o processo de

internacionalização é rápido e os riscos são suavizados por parceiros locais (JOHANSON;

MATTSSON, 1988).

Finalmente, situações de alta internacionalização tanto da firma quanto do mercado

configuram o quarto cenário, do “internacional entre muitos”. Neste cenário, o ambiente é

extremamente propício para a integração de redes de negócios de diferentes origens. O

processo de entrada de uma empresa é consideravelmente mais rápido e menos arriscado, uma

vez que o comportamento dos consumidores com relação a firmas internacionais já é

conhecido e a rede da empresa já detém bastante conhecimento sobre o mercado

(JOHANSON; MATTSSON, 1988).

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Esses cenários são fortemente influenciados pela força dos laços entre as empresas de

uma determinada rede de negócios. Laços fortes implicam em adaptações conjuntas das

empresas, como uma sincronia na produção e relações sociais bem sucedidas, além de

comprometimentos de recursos que levam a um estreitamento da interdependência entre elas,

e, assim, um fortalecimento dos laços (EASTON; ARAUJO, 1989). Laços fracos, por outro

lado, são característicos de empresas que não mantém contato regular, ou que sustentam

apenas volumes reduzidos de trocas. Muitas vezes, laços são mantidos fracos por que uma das

empresas envolvidas prefere a flexibilidade da independência aos benefícios inerentes de uma

parceria mais estreita.

Outro ponto importante no relacionamento entre as empresas é o contexto no qual uma

relação comercial é desenvolvida. Esse contexto irá determinar a posição das empresas, tanto

dentro da estrutura da rede de negócios quanto entre si (ANDERSON; HAKANSSON;

JOHANSON, 1994). A posição das empresas entre si é representada pela importância que

uma possui para a outra, a força que cada uma detém dentro do relacionamento, e a

importância geral deste relacionamento. Esta é chamada a micro-posição da empresa. A

macro-posição da empresa é o papel que ela assume dentro da rede de negócios, a força do

relacionamento dela com outras empresas da rede que não simplesmente seus parceiros

comerciais diretos, e as interdependências entre ela e outras empresas (JOHANSON;

MATTSSON, 1988).

Uma mesma firma pode participar de múltiplas redes ao mesmo tempo, e assumir

diferentes posições em cada uma delas. Essas diferenças de papéis estarão associadas a função

de outras empresas na rede, na importância da firma para os outros participantes da rede, e

pela identidade de suas ligações (MATTSSON, 1989). Dado que existe uma forte

interdependência entre os componentes de uma rede, promover uma alteração de

posicionamento dentro da rede de uma forma unilateral, movida apenas por recursos e

vontade própria, é uma tarefa extremamente complicada.

As redes também trazem consigo certo grau de inércia. Firmas com laços fortes entre

si seguem naturalmente o caminho da especialização de suas atividades, confiando nos

parceiros para suprir suas deficiências. Assim, ações que busquem acompanhar variações do

mercado podem exigir mudanças não só dentro de uma única empresa, mas de diversos

participantes da rede como um todo. Da mesma forma que mudanças intra-empresariais,

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mudanças dentro de redes também levam tempo – talvez até mais tempo do que mudanças

individuais (MATTSSON, 1989).

Uma rede de relacionamentos deve, portanto, ser enxergada como um organismo vivo,

dinâmico e em constante evolução. Firmas devem ser enxergadas não apenas de acordo com

suas atividades, mas também pelo papel desempenhado dentro das redes em que atua e pelas

interdependências existentes entre ela e as outras participantes (MATTSSON, 1989).

2.2.2.2. Críticas ao modelo

A abordagem de Networks, mesmo complementando o modelo de Uppsala, não

resolve todas as críticas associadas a ele. Enquanto o modelo de Uppsala enxerga as

características da firma como a força condutora do processo de internacionalização, a teoria

de Networks destaca o contexto da rede de negócios da firma como parte integrante deste

processo, expandindo o entendimento acerca do mesmo (BJORKMAN; FORSGREN, 2000).

Apesar de oferecer uma visão ampliada do processo gradual de internacionalização, a

abordagem de Networks é limitada dentro de sua proposta.

A teoria de Networks tampouco possui grande poder preditivo, uma vez que seu

objetivo principal é a compreensão do mercado em geral, onde a internacionalização depende

não só da firma, mas também dos recursos, atividades e experiência de outros interessados

dentro da rede na qual a firma está inserida (HEMAIS; HILAL, 2001). Além disso, outro

potencial problema da abordagem de Networks, que também pode ser observado no modelo

de Uppsala, é a postura defensiva que essa teoria propõe acerca da expansão internacional

(NALDI, 2008). Essa posição comedida pode ser perigosa, principalmente quando se

considera a globalização e a velocidade dos acontecimentos inerentes a ela.

Outra questão a ser considerada é que a gestão, sob o ponto de vista da abordagem de

Networks, se desenvolve em um contexto onde não existe consenso sobre a estratégia a ser

seguida. Não existe um objetivo ou conjunto de objetivos de um ator que possa ser tomado

como guia para a gestão da rede de relacionamentos. Não existe tampouco uma clara

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hierarquia entre os participantes, fazendo com que a gestão das parcerias seja feita de forma

multilateral, com cada parte guiada por seu próprio interesse. Assim, encontrar um objetivo

comum entre os participantes dessa Network seria uma das principais tarefas nesse tipo de

relação (KICKERT; KLIJN; KOPPENJAN, 1997).

Por fim, a abordagem de Networks pecaria em não abordar de forma completa o papel

dos atores públicos nas redes. Entendendo o governo, por exemplo, como um ator detentor de

um poder considerável – dada a quantidade de recursos ao seu dispor – a teoria o coloca em

um lugar de destaque, que não pode ser ocupado por outros. Com isso, a análise da

participação desses atores públicos na rede de negócios é negligenciada. Porém, como muitas

das correlações entre empresas é influenciada por eles, a perspectiva deveria abordá-los de

forma mais consistente (KICKERT; KLIJN; KOPPENJAN, 1997).

2.2.3. Empreendedorismo Internacional

2.2.3.1. O modelo de internacionalização segundo o Empreendedorismo Internacional

O Empreendedorismo Internacional, apesar de ser uma corrente de estudos

relativamente nova, já é considerado uma das principais direções futuras de pesquisa sobre

negócios internacionais, empreendedorismo e gerenciamento estratégico (YOUNG;

DIMITRATOS; DANA, 2003). Assim como a abordagem de Networks, essa corrente integra

a escola nórdica de negócios internacionais (HILAL; HEMAI, 2003). Apesar do estudo

teórico deste fenômeno ser recente, ele já vem ocorrendo no cenário mundial há diversos anos

(ETEMAD, 2004).

A perspectiva do Empreendedorismo Internacional propõe que os indivíduos que

participam do processo de internacionalização despontam como os fatores mais importantes

na escolha do modo de internacionalização das empresas (ANDERSSON, 2000). Em outras

palavras, o papel do empreendedor individual é fundamental no processo de

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internacionalização da firma (HILAL; HEMAI, 2003). Uma vez que cada indivíduo é distinto,

e que duas pessoas inseridas em um mesmo ambiente podem ter visões diferentes sobre a

internacionalização, esse processo não pode ser abordado através de um modelo fixo, como

ocorre na teoria de Uppsala (ANDERSSON, 2000).

O indivíduo empreendedor deve possuir cinco qualidades principais: a habilidade de

perceber diferentes oportunidades, a vontade de agir e desenvolver essas novas oportunidades,

a percepção sua visão pessoal pode ser melhor do que os resultados de cálculos racionais, a

aptidão necessária para convencer outros a investirem em seus projetos, e, finalmente, um

senso de timing adequado (ANDERSSON, 2000).

O empreendedor, portanto, não é apenas um tomador de decisões críticas em um

processo maior do que ele, mas sim um indivíduo que realiza ações empreendedoras. A

consequência direta disso é que o cargo ou a posição que esse empreendedor ocupa dentro da

empresa não importa (MCDOUGALL; OVIATT, 2000). Qualquer funcionário, gestor, diretor

ou dono de empresa pode aparecer como um foco de empreendedorismo dentro da firma.

O indivíduo retratado pela perspectiva do Empreendedorismo Internacional, apesar de

compartilhar características com qualquer outro empreendedor, tem ao menos uma diferença

clara: eles sempre estão em posições estratégicas dentro da organização, ocupando

cargosonde são capazes de implementar sua visão. Com base nisso, e na classificação de

Schumpeter (1934), é possível se distinguir três tipos de empreendedores: os técnicos, os de

marketing, e os estruturais (ANDERSSON, 2000).

O empreendedor técnico é aquele cujo foco está nos processos produtivos, nas fontes

de matéria prima e nas novas tecnologias. Para este empreendedor, a participação no mercado

internacional não é um objetivo central, mas ele faz com que os novos produtos e tecnologias

de sua empresa sejam conhecidos internacionalmente através de sua rede de relacionamentos.

Sua escolha dos mercados a serem abordados é realizada de forma racional, considerando a

demanda de cada país, e seus métodos favoritos de internacionalização são a exportação e o

licenciamento, que requerem menos recursos que operações diretas (ANDERSSON, 2000).

O empreendedor de marketing é focado na conquista de novos mercados, no

crescimento da empresa e, consequentemente, no lançamento de novos produtos ou na

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adaptação dos produtos existentes às necessidades de novos mercados. Esse empreendedor

normalmente tem uma personalidade que o leva a pensar grande, perseguindo a noção de

conquista mundial, e, portanto, enxerga a internacionalização como parte natural do processo

de crescimento da firma. Seu método de atuação no exterior é o de grandes investimentos,

com a construção de plantas de produção ou a aquisição de empresas para obter uma rápida

penetração no mercado desejado (ANDERSSON, 2000).

O empreendedor estrutural tem um foco sistêmico, na estruturação e no

direcionamento geral da empresa, sem se preocupar com as atividades operacionais ou

rotineiras. Para este empreendedor, a internacionalização deve ser enxergada como parte de

um todo maior que é a estratégia geral da firma, e não como uma meta isolada. Ele só

escolheria um mercado internacional para atuar caso este mercado representasse uma boa

perspectiva quando comparado com outras oportunidades, e seu método de atuação é através

das fusões e aquisições com objetivo de enfraquecer a concorrência (ANDERSSON, 2000).

O empreendedor pode também ser enxergado como um indivíduo diferenciado, que

possui a capacidade de enxergar o potencial de lucros em oportunidades de combinação de

recursos que outras pessoas não são capazes de ver. Ele então utiliza essa visão para

desenvolver estratégias que resultam em lucros mais rápidos (ALDRICH; ZIMMER, 1986).

Esta visão é alinhada com as principais linhas de estudo sobre Empreendedorismo

Internacional existentes hoje: o estudo dos impactos das políticas públicas sobre a exportação

de pequenas empresas; o estudo dos empreendedores e das atividades empreendedoras nos

diferentes países; e o estudo comparativo de pequenas empresas exportadoras e não-

exportadoras.

Oviatt e McDougall (1994) propuseram um arcabouço teórico para combinar as teorias

econômicas da internacionalização, mais tradicionais, com essa visão do empreendedor e com

as linhas de pesquisa apresentadas. Esse arcabouço, retratado na figura 7, enxerga novos

empreendimentos internacionais como um tipo especial de empresa multinacional. Esse tipo

de empresa difere das organizações tradicionais em minimizar o uso da internalização de

investimentos – devido à escassez de recursos que é comum a novas organizações – e em

maximizar a utilização de estruturas alternativas de governança – como redes de negócios –

como pontes para novas transações.

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Figura 7. Elementos necessários e suficientes para novos negócios (new ventures) sustentáveis

Fonte: Oviatt e McDougall (1994)

Complementando esta visão, Knight (2000), coloca que a orientação empreendedora

deve ocupar uma posição anterior à definição de estratégias ou táticas, sendo, portanto, o

elemento inicial do desempenho de uma empresa em um contexto globalizado. O

empreendedorismo é, portanto, uma orientação chave para as empresas que precisam lidar

com forças relacionadas com a globalização (DIB, 2008). Empresas mais orientadas a

empreender parecem ser mais inclinadas a alavancar estratégias de marketing para novos

produtos e para ambientes complexos. A figura 8 ilustra estas correlações.

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Figura 8. Relações hipotéticas entre os construtos do estudo de Knight

Fonte: Knight (2000)

Levando em consideração a importância do reconhecimento de oportunidades na

perspectiva empreendedora, o Empreendedorismo Internacional, em definições mais recentes,

pode ser definido como “a descoberta, aprovação, avaliação e exploração de oportunidades

para criar bens e serviços futuros” (OVIATT; MCDOUGALL, 2005).

As redes de negócios desempenham um papel central nessa perspectiva, auxiliando os

empreendedores a identificar oportunidades internacionais, a estabelecer sua credibilidade em

novos mercados, e a criar alianças estratégicas ou outras alianças cooperativas. Elas são,

portanto, as principais originadoras de oportunidades para os empreendedores internacionais

(OVIATT; MCDOUGALL, 2005).

O Empreendedorismo Internacional possui, portanto, uma grande interdependência

com a abordagem de Networks. Assim, a compreensão das duas teorias, e das interações

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existentes entre elas, é fundamental para o estudo de um fenômeno recente que vem ganhando

cada vez mais relevância: as empresas Born Globals, que serão abordadas em seguida.

2.2.3.2. Críticas ao modelo

A principal crítica ao modelo do Empreendedorismo Internacional é o fato desta teoria

ser relativamente recente. Isto implicaria em inferir queela ainda se encontra nas fases iniciais

de desenvolvimento, com muitos elementos ainda não clarificados, tais comosua abrangência

e correlação com outras teorias (YOUNG; DIMITRATOS; DANA, 2003; BAKER;

GEDAJLOVIC; LUBATKIN, 2005; DIMITRATOS; JONES, 2005; JONES; COVIELLO,

2005; MITGWE, 2006). Embora possa ser considerado um ponto de encontro de todas as

teorias de negócios internacionais, das abordagens econômicas às comportamentais

(MITGWE, 2006), o escopo completo da área do Empreendedorismo Internacional ainda se

encontra indefinido (ACS; DANA; JONES, 2003).

Outra crítica importante é sobre a escassez de estudos sobre o comportamento

empreendedor dentro de firmas estabelecidas (NALDI, 2008). Em particular, existe uma falta

de pesquisas sobre “Empreendedorismo Internacional corporativo” (international corporate

entrepreneurship), o conjunto de atividades que uma firma executa para identificar, avaliar,

selecionar e perseguir oportunidades fora do seu mercado doméstico (ZAHRA et al, 2005).

Outra crítica igualmente relacionada aos estudos diz respeito à falta de integração

entre estudos acerca do empreendedorismo versus negócios internacionais. Essa dissincronia

tem sido o maior obstáculo para um total entendimento da natureza e do processo do

Empreendedorismo Internacional. Assim, a necessidade em desenvolver uma interligação

entre os diversos temas complementares à teoria – como, por exemplo, ressaltar a relação

clara entre o processo de internacionalização e o empreendedorismo – é crucial para uma

visão completa do tema (DALMORO, 2008).

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Finalmente, o Empreendedorismo Internacional vem cada vez mais sendo colocado

como uma parte do fenômeno “Born Globals”, ao invés de uma teoria isolada. O racional por

trás dessa integração das teorias vem do fato de que esse tipo de empresa dominou os estágios

iniciais do desenvolvimento do Empreendedorismo Internacional. Praticamente todas as

empresas que participaram dos estágios iniciais do Empreendedorismo Internacional são

caracterizadas como Born Globals. (RENNIE, 1993).

2.2.4. O fenômeno das Born Globals

2.2.4.1. O modelo de internacionalização segundo o fenômeno das Born Globals

A investigação do fenômeno de empresas que já nascem voltadas para o mercado

exterior começou há cerca de duas décadas. Ao longo deste tempo, diversas denominações já

foram sugeridas para este tipo de empresas: multinational infants (LINDQVIST, 1991),

interntional new ventures (MCDOUGALL; SHANE; OVIATT, 1994) e high-potential

ventures (BLOODGOOD et al., 1996). No entanto, foi o nome Born Globals que permaneceu

desde a década de 90 (ROCHA: MELLO; DIB; MACULAN, 2004).

Este fenômeno está intimamente relacionado com o processo de globalização, em

especial com a homogeneização dos mercados, com a facilidade de acesso a mercados

internacionais e com as recentes inovações tecnológicas nos campos de telecomunicações,

transportes e microeletrônica. Com esses avanços, o mercado global deixou de estar restrito às

grandes corporações, e o tamanho da empresa deixou de ser um obstáculo à sua

internacionalização. Influenciadas por forças globais, as Born Globals não seguem o padrão

de internacionalização por estágios proposto por grande parte dos modelos comportamentais

(OVIATT; MCDOUGALL, 1994; MADSEN; SERVAIS, 1997). Os modelos tradicionais,

como o de Uppsala, sequer previam a possibilidade de internacionalização precoce, sendo

necessário assim o desenvolvimento de uma nova teoria.

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As Born Globals podem ser dividas em três grupos: empresas criadoras de mercados

internacionais, negócios geograficamente focados e startups globais. O primeiro desses

grupos, as “criadoras de mercados internacionais”, são startups focadas em importação e

exportação de bens, produtos e serviços. A vantagem competitiva dessas empresas, e,

consequentemente, sua permanência no mercado, está baseada em três fatores: suas

habilidades em identificar e agir sobre oportunidades emergentes antes que o potencial de

lucros seja reduzido pela concorrência; seu conhecimento do mercado e de fornecedores; e

sua habilidade em construir e manter uma rede de parceiros leais (OVIATT; MCDOUGALL,

1994).

O segundo grupo, dos “negócios geograficamente focados”, é composto por startups

focadas em uma região específica. Ao contrário do primeiro grupo, onde as empresas atuam

em regiões geograficamente diversas, essas empresas derivam sua vantagem competitiva do

atendimento de necessidades específicas de um nicho geográfico. Seu caráter global vem do

fato de que, para atender a essas necessidades, elas fazem uso de recursos internacionais, ou

seja, são empresas de um país que atendem apenas ao mercado de um outro país. O sucesso

deste grupo se origina na capacidade das empresas em coordenar diversas atividades ao longo

de sua cadeia de valor, do desenvolvimento tecnológico aos recursos humanos e a produção

(OVIATT; MCDOUGALL, 1994).

O último grupo, as “startups globais”, são empresas que apresentam as competências

dos dois grupos apresentados anteriormente, ou seja, que são capazes de coordenar múltiplas

atividades internacionais em diversos países. Diferente de uma multinacional, essas empresas

não possuem um país sede, sendo capazes de extrair vantagens na compra de recursos e venda

de produtos em qualquer lugar do mundo, buscando sempre a maximização de seu valor

(OVIATT; MCDOUGALL, 1994).

O nome Born Global pressupõe uma vocação internacional desde o momento da

fundação da empresa (GABRIELSSON, 2005). Embora interessante, essa definição é

demasiadamente restritiva. Assim, outras definições para as Born Globals vêm surgindo ao

longo do tempo. Rennie (1993) sugere que sejam consideradas Born Globals todas as

empresas que começaram atividades de exportação em no máximo dois anos após sua

fundação, e que já tenham mais de três quartos de suas receitas de vendas oriundas dessas

atividades. Definições mais recentes sugerem que sejam consideradas como Born Globals

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todas as empresas que perseguem o objetivo de internacionalização desde a sua fundação, sem

passar por um período de dedicação a atividades domésticas ou ao próprio processo de

internacionalização (GABRIELSSON, 2005).

Existem então cinco fatores fundamentais na identificação de uma Born Global: a data

de estabelecimento da empresa, a data de início das atividades internacionais, a relevância das

atividades internacionais para a empresa, o modo de entrada e escopo das atividades

internacionais, e a abrangência geográfica da internacionalização (DIB, 2008). Uma vez

identificadas às empresas, cinco fatores de influência no seu surgimento podem ser avaliados:

tendências globais, fatores ambientais específicos de cada país, fatores específicos de cada

indústria, fatores específicos de cada empresa, e fatores específicos de cada empreendedor

(DIB, 2008).

Figura 9. Arcabouço conceitual do fenômeno Born Global

Fonte: Andersson e Wictor (2003)

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Ainda sobre o surgimento das Born Globals, Anderson e Wictor (2003) propõe um

arcabouço conceitual para explicar a formaçãodessas empresas (figura 9). Segundo os autores,

o advento da globalização, as características específicas da indústria, as características

específicas do empreendedor e as redes de negócio seriam fundamentais para o aparecimento

desse novo tipo de empresa. O fenômeno das Born Globals, portanto, possui forte correlação

tanto com a teoria de Networks quanto com a teoria do Empreendedorismo Internacional

(SIMÕES; DOMINGUINHOS, 2005).

Enquanto a primeira aparece como uma ponte para a globalização do negócio,

favorecendo a geração de conhecimento em diversas esferas, a segunda é chave na

constituição dessas empresas, uma vez que coloca o empreendedor como a peça central na

decisão da internacionalização. Uma vez que empresas que se encaixam nessa classificação

têm internacionalização praticamente imediata, esse processo é totalmente influenciado pelos

fundadores (GABRIELSSON, 2005).

Outro ponto importante é a grande influência das distâncias psíquica, cultural e

geográfica sobre empresas Born Globals (BREWER, 2007; HOFSTEDE, 2001; OJALA;

TYRVÄINEN, 2007). Uma vez que o processo de internacionalização destas empresas está

totalmente associado ao empreendedor individual, as distâncias percebidas pelo indivíduo são

fundamentais no entendimento das Born Globals. Dado que uma empresa verdadeiramente

Born Global não restringe sua atuação a locais geograficamente próximos do país de origem

do empreendedor, nem mesmo a locais culturalmente próximos (DIB, 2008), é possível

afirmar que das três, a distância psíquica é a mais presente durante o processo.

Finalmente, embora as Born Globals sejam praticamente todas pequenas e médias

empresas (GABRIELSSON et al., 2008), nem todas as pequenas e médias empresas que se

internacionalizam (rápida ou lentamente) são Born Globals (OVIATT; MCDOUGALL,

1999). Dentro do grupo de pequenas e médias empresas, é possível identificar quatro grupos

de comportamento: as “Born Globals”, empresas com potencial de internacionalização e uma

visão de mercado global; as “Born Again Globals”, empresas que falharam em uma primeira

investida internacional e buscam um fortalecimento em sua base doméstica antes de uma nova

internacionalização; as “Inward Internationalizers”, empresas que buscaram no mercado

internacional elementos para acelerar seu próprio processo de internacionalização; e as

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pequenas e médias empresas de internacionalização lenta, exemplificadas por spin-offs ou

joint-ventures de grandes empresas.

2.2.4.2. Críticas ao modelo

Assim como ocorre com o modelo do Empreendedorismo Internacional, as principais

questões associadas ao fenômeno Born Global estão relacionadas com a novidade dos

conceitos e dos estudos. Por ser relativamente novo, e não haver um consenso sobre a

definição exata deste fenômeno, as amostras de empresas utilizadas nos variados estudos são

muito diferentes e não são completamente comparáveis (MADSEN; SERVAIS, 1997). Isso

faz com que qualquer generalização a partir destas amostras seja suspeita, e restringe a área de

aplicação das conclusões obtidas.

A própria definição do conceito de Born Global ainda não é consensual dentro da

literatura existente (MADSEN; SERVAIS, 1997; RASSMUSSEN; MADSEN, 2002;

DOMINGUINHOS; SIMÕES, 2004). Dificultando ainda mais o entendimento e o consenso

acerca do fenômeno está o fato de que muitos dos estudos realizados são meramente

descritivos, sem utilizar um referencial teórico ou um embasamento mais profundo.

Outro ponto de atenção é que muitos dos estudos sobre o tema apontam que o

fenômeno das Born Globals estaria restrito às empresas e setores intensivos em conhecimento

(CARRILHO et. al, 2009). Apesar dessa afirmação, um estudo realizado com uma empresa

pesqueira mostrou que o padrão de internacionalização destas é similar ao proposto pela teoria

das Born Globals. Mais do que atrelado ao alto grau de conhecimento, o desenvolvimento de

Born Globals estaria veiculado a economias abertas e mercados internos restritos, forçando a

saída das empresas dada a limitação da demanda (BELL et. al, 2001).

Na medida em que mais e mais estudos são realizados sobre o assunto, a teoria acerca

das Born Globalstende a se tornar mais robusta, eliminando problemas apontados por críticos.

Em um mundo onde temas como a globalização, a rápida evolução tecnológica e o

encurtamento das distâncias são cada vez mais relevantes, fenômenos como esse devem

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influenciar cada vez mais o ambiente onde as empresas estão inseridas, trazendo consigo

grandes desafios sociais, políticos e econômicos em âmbito global (MADSEN; SERVAIS,

1997).

2.3.PANORAMA SOBRE OS FATORES QUE INFLUENCIAM A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS BORN

GLOBALS

2.3.1. Influência das tendências globais

Durante muito tempo, o mundo passou por um período onde as ligações telefônicas

internacionais eram caras e precárias, os meios de transporte estavam restritos a poucas

cidades, e computadores só existiam em grandes corporações. Nesse cenário, qualquer

envolvimento internacional por parte de uma pequena empresa recém-constituída era algo

pouco usual, representando um investimento caro e incerto (OVIATT; MCDOUGALL,

1999). O surgimento das Born Globals foi, portanto, influenciado pelas mudanças drásticas

nesses elementos, com o avanço da telefonia e o surgimento e desenvolvimento da internet

como meio de comunicação e ferramenta de trabalho.

Foi graças a estes avanços essencialmente tecnológicos que as pequenas empresas

puderam começar seu processo de internacionalização, podendo competir em bases

semelhantes com grandes organizações, em mercados tomados por elas. Estes avanços,

também chamados de fatores facilitadores, trouxeram consigo uma redução das distâncias

percebidas, favorecendo a internacionalização com baixa demanda de capital. Assim,

pequenas e médias empresas, que, há poucas décadas provavelmente não considerariam o

mercado internacional, passaram a apresentar um comportamento de internacionalização

precoce e acelerada (KNIGHT, 1997).

Diversos fatores podem ser considerados responsáveis pelo estímulo a essa

internacionalização precoce. Uma hipótese é de que os fatores primários são quatro: as

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mudanças nas preferências dos consumidores, com demanda por produtos especializados e

sob medida; as mudanças nas tecnologias de manufatura e de informação, com o advento do

processamento eletrônico diminuindo as vantagens da economia de escala; o desenvolvimento

das telecomunicações, reduzindo os custos e dificuldades associados com os fluxos de

informação; e a diminuição nos ciclos de vida dos produtos, com constantes demandas por

novidades (RENNIE, 1993).

Outra hipótese é de que a recente inovação tecnológica, que aumentou

significativamente a velocidade, a qualidade e a eficiência das comunicações e transportes

internacionais, aliada a homogeneização dos mercados globais, a maior disponibilidade de

financiamentos internacionais e a maior mobilidade do capital humano, são os responsáveis

por estimular essa internacionalização. Com todas essas mudanças, houve uma grande

redução no custo de transação das movimentações internacionais, tornando a condução de

negócios no exterior mais fácil para todos. A mobilidade do capital humano também resulta

em um aumento do número de profissionais com experiência no processo de

internacionalização, facilitando esse movimento (OVIATT; MCDOUGALL, 1994).

As motivações por trás do surgimento das Born Globals podem ser agrupadas em três

grandes movimentos: o surgimento de novas condições de mercado, o desenvolvimento

tecnológico nas áreas de produção, transportes e comunicação, e a crescente capacitação dos

recursos humanos. O primeiro movimento, das novas condições de mercado, diz respeito ao

aparecimento de inúmeros nichos de mercado espalhados internacionalmente. Essa realidade

força a internacionalização das empresas que desejam continuar a atuar nesses nichos. Outro

fator associado à estas novas condições são as vantagens inerentes a pequenas empresas em

condições de mudança, principalmente em termos de agilidade de resposta, flexibilidade e

adaptabilidade. Também é muito ressaltada a homogeneização das necessidades e desejos dos

consumidores ao redor do mundo (MADSEN; SERVAIS, 1997).

O segundo movimento, de evolução tecnológica, inclui a evolução dos transportes,

tanto de pessoas quanto de bens, que se tornou muito mais frequente, confiável e barato que

antes. O avanço nas telecomunicações possibilitou a conexão das pequenas empresas com os

mercados globais, antes inacessíveis. O terceiro movimento, por sua vez, envolve a

competência das pessoas em se comunicar, entender e operar em culturas estrangeiras. O

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ganho de experiência internacional torna o processo de internacionalização cada vez mais

fácil para as empresas (MADSEN; SERVAIS, 1997).

Um último fator importante é o produto produzido e o mercado no qual a empresa está

inserida, que estão diretamente relacionados com a internacionalização. Muitas vezes, os

contatos não solicitados de parceiros comerciais são responsáveis pela primeira expansão

internacional das empresas (ROBERTS; SENTURIA, 1996). É reforçada, portanto, a

influência das redes de relacionamento no processo de internacionalização das empresas.

Essas redes de negócios são muitas vezes as responsáveis pelo início das atividades das Born

Globals (ANDERSON; WICTOR, 2003).

2.3.2. Influencia dos fatores ambientais

Embora as Born Globals não limitem sua atuação a um único país, seu processo de

internacionalização é afetado diretamente pelas características de seus países de origem. Essa

influência não está restrita apenas ao mercado doméstico, onde situações inesperadas podem

levar a um movimento de exportação (MOEN, 2002). As diferenças entre os países em termos

de recursos, geografia, infra-estruturae apoio institucional influenciam fortemente empresas

recém-criadas, gerando diferentes configurações organizacionais e, portanto, afetando o

processo de internacionalização (BAKER et al., 2005).

Empresas oriundas de países geograficamente extensos, tais como Brasil ou EUA, por

exemplo, podem assumir um raio de operação de 500 km a partir de sua base e ainda se

encontrar no mercado doméstico. Empresas com o mesmo escopo de atuação localizadas na

Inglaterra ou na Bélgica, por outro lado, podem ter que lidar com cinco ou seis países

distintos. Enquanto empresas na primeira situação ainda não estariam internacionalizadas, as

da segundasituação estariam em um estágio avançado do processo (BLOODGOOD et al.,

1996).

O uso das Networks como uma ponte de internacionalização é outro exemplo de

influência ambiental. Empresas norte-americanas, por exemplo, tendem a fazer menos uso de

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suas redes de negócios que suas equivalentes européias. Essas empresas norte-americanas

contam mais intensamente com incentivos governamentais para as vendas externas

(BLOODGOOD et al., 1996). Em contrapartida, na Itália o uso das Networks é intenso, e

pequenas e médias empresas tiram grande proveito das experiências de seus competidores

para ingressar no mercado internacional (ZUCHELLA, 2002).

2.3.3. Influencia dos fatores da indústria

Grande parte das empresas tidas como Born Globals estão localizadas em indústrias

nas quais a competição internacional por conhecimento é uma característica dominante,

comoa indústria de software (OVIATT; MCDOUGALL, 1994). A internacionalização

precoce de empresas, no entanto, não está restrita à esses setores. Mesmo em setores tidos

como estando em declínio mundial apareceram nos últimos anos empresas com características

de Born Globals. Do mercado de comida, bebida e tabaco até o mercado de equipamentos

científicos, profissionais e fotográficos, o fenômeno Born Global não se limita às indústrias de

alta tecnologia (RENNIE, 1993).

Uma indústria ou mercado que se encontra em uma fase de mudanças rápidas e

integração internacional exige de qualquer empresa ações rápidas para a obtenção de

desempenho satisfatório para seus acionistas, e até mesmo para a sua sobrevivência. Existe,

portanto, uma inevitabilidade da expansão internacional para empresas nessa situação. Assim,

as forças da indústria podem ser potentes influências para a internacionalização (OVIATT;

MCDOUGALL, 1997).

Apesar de não existirem restrições para a incidência de Born Globals em termos de

indústria, elas são mais comuns nas indústrias emergentes, que apresentam grandes níveis de

mudança, e que são mais baseadas em conhecimento. Mais do que ligado ao tipo de indústria,

o desenvolvimento internacional precoce está fortemente relacionado com características da

mesma, tais como sua taxa de crescimento, seus clientes e o nível de internacionalização dos

principais concorrentes (ANDERSSON; WICTOR, 2003).

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2.3.4. Influencia de fatores específicos da empresa

Assim como ocorre com as empresas tradicionais, as Born Globals precisam de certas

características específicas, que representem vantagens competitivas frente a sua concorrência,

para sobreviver e prosperar (DUNNING, 1977; HYMER, 1960/1976). Da mesma forma que

ocorre com as empresas convencionais, a principal dificuldade está em determinar exatamente

quais são essas características especiais que representam vantagens.

Normalmente, as Born Globals conseguem ser flexíveis e rápidas, competindo em

nichos de mercado com base na qualidade e valor agregado de seus produtos ou serviços

graças a tecnologia inovadora e diferenciação (RENNIE, 1993). Essas características são,

portanto, chaves para a competitividade internacional das Born Globals. Ao mesmo tempo, a

presença dessas características em uma empresa estimulam sua internacionalização e sua

permanência no mercado.

As pequenas e médias empresas caracterizadas como Born Globals, no entanto, são

focadas em um único produto ou serviço, o que as torna vulneráveis. Diante desta situação,

uma saída adotada por muitas das empresas é a redução do risco com aposta no mercado

doméstico, para só depois iniciar o processo de internacionalização (JOLLY et al. 1992).

Dependendo do tipo de produto ou serviço comercializado, o processo de saída para o

mercado externo pode ser realizado no curto, médio ou longo prazo, dentro do período

máximo de dois anos característico das Born Globals (RENNIE, 1993).

A existência de uma base de conhecimentos mais sofisticada é outra possível fonte de

vantagem para as empresas Born Globals. Essa base de conhecimento, vinda tanto dos

avanços tecnológicos quanto da presença de mais funcionários qualificados, permite uma

melhor exploração das dinâmicas do mercado global. O aspecto tecnológico dessas bases de

conhecimento explica, em parte, a maior incidência de Born Globals em indústrias de alta

tecnologia, ligadas à emergência de novos conhecimentos (BELL et. al, 2001).

Em certas situações, a própria ausência de recursos define as características típicas das

Born Globals. Uma empresa impossibilitada de arcar com os custos de construção de uma

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marca global, por exemplo, pode partir para uma estratégia de diferenciação via inovação de

produtos, ou ainda de diferenciação de custos, alcançando assim um espaço no mercado

estrangeiro (KNIGHT, 1997). Embora o custo não seja um diferencial direto, ele pode ser

uma alavanca para a competição no mercado de escolha da empresa (RENNIE, 1993).

Existe, portanto, uma confusão sobre as relações de causalidade no que tange as Born

Globals. As características apresentadas podem tanto ser encaradas como responsáveis pela

criação de empresas Born Global – e, portanto, por sua competitividade internacional –

quanto como consequências diretas da competição internacional dessas empresas. Em outras

palavras, não se sabe se é a presença dessas características que faz uma empresa Born Global,

ou se é a atuação de uma Born Global no mercado internacional que dá origem a essas

características na empresa (DIB, 2008).

2.3.5. Influencias dos fatores individuais do empreendedor

De todas as características inerentes às Born Globals de sucesso, três dizem respeito

ao indivíduo empreendedor. São elas: a existência de uma visão global desde a fundação da

empresa, a experiência internacional passada desse indivíduo, e o nível de relacionamento

deste indivíduo com redes de negócios internacionais. Essas características influenciam não

só a internacionalização dessas empresas de vocação global, mas também a sua permanência

no mercado (OVIATT; MCDOUGALL, 1995).

Assim como o que ocorre com as empresas Born Global, a caracterização do

empreendedor global típico não é uma tarefa fácil, não existindo consenso na literatura atual

(DIB, 2008). Existem, no entanto, características gerais amplamente citadas: uma forte

orientação estratégica internacional do fundador da empresa (OVIATT; MCDOUGALL,

1995; HARVESTON et al.; 2000; GABRIELSSON et al.; 2004; GABRIELSSON, 2005); a

existência de experiência internacional prévia no currículo do empreendedor

(EVANGELISTA, 2005; BLOODGOOD et al.; 1996; LOANE, 2006); a educação em países

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distintos do país de origem (EVANGELISTA, 2005; BLOODGOOD et al.; 1996); e uma

maior tolerância aos riscos (MADSEN; SERVAIS, 1997; HARVESTON et al., 2000).

Aqui o fator cultural é de grande importância. A cultura é a programação mental

coletiva das pessoas, que distingue membros de um grupo dos membros de qualquer outro.

Essa programação mental está atrelada às condições do ambiente, de forma que pessoas de

comunidades distintas apresentam traços culturais e soluções diferentes para problemas de

caráter universal (HOFSTEDE, 1980; 1984). Todos os indivíduos, portanto, operam a partir

de uma injeção de significância cultural que os torna ao mesmo tempo únicos e parte de um

todo similar.

As características inerentes ao empreendedor individual estão assim diretamente

relacionadas com seu background cultural. Através desse estudo, considerando suas

limitações, procura-se compreender como a cultura brasileira influência o processo de

internacionalização dessas pequenas e médias Born Globals, procurando mapear as

características chaves referentes a ela que tendem a impactar diretamente o empreendedor e a

empresa.

2.4.PERSPECTIVAS SOBRE CULTURA

2.4.1. Definição de cultura

A primeira definição abrangente do conceito de “cultura” foi oferecida por Sir

Edward Burnett Tylor, em sua obra Primitive Culture, de 1871:

Cultura ou civilização, em seu sentido etnográfico estrito, é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes

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e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade.

Essa foi a primeira definição paradigmática desse conceito, na medida em que

condensava dentro de um conceito único e abrangente, todo o conceito evolucionista

ocidental, descartando assim especificidades das escolhas humanas individuais. Com este

conceito unificado, o viés evolucionista da sociedade industrial-moderna-capitalista assume o

valor de verdade para todas as culturas, como uma expressão conceitual de suas realidades

(GOMES; ROCHA, 1996).

As ciências antropológicas, por outro lado, buscaram ao longo dos anos uma

definição que permitisse diferenciar a cultura ocidental – colocada com proeminência por

Tylor – do fenômeno da cultura como algo que faz parte da própria natureza humana. Nessa

busca, a definição de cultura assume uma natureza mais plástica, percebendo as diferenças

como pontos de troca, não de ameaça. Este conceito, fluído e mutável, é o chamado conceito

semiótico, onde a cultura é enxergada como um sistema simbólico, um sistema de signos, ou

um código que instaura e governa a relação dos homens com a natureza (o ambiente onde

estão inseridos) e a relação dos homens entre si.

Diversos autores contribuíram suas próprias posições para esse conceito (LÉVI-

STRAUSS, 1974; LEACH, 1975; DOUGLAS, 1976; TURNER, 1974; SAHLINS, 1979;

GEERTZ, 1973). Foi a definição de Clifford Geertz, formulada quase cem anos após a

definição original de Tylor, que se tornou proeminente nos estudos antropológicos:

O conceito de cultura que eu defendo, (...), é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise, portando, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa a procura do significado.

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Na visão semiótica, portanto, a cultura pode até possuir a forma de um sistema ou

apresentar uma lógica na relação de seus diferentes elementos. Não é possível, no entanto, se

estabelecer nenhum conteúdo pré-definido para a mesma. A cultura surge do jogo social e das

escolhas realizadas pelos diferentes elementos de um determinado grupo. Enquanto sistema

simbólico, só é revestida de significado na esfera concreta da vida social. Esse sistema

simbólico de valores é permanentemente atualizado nas performances cotidianas dos atores

sociais (GOMES; ROCHA, 1996).

A cultura é distinta para diferentes grupos de indivíduos, sempre influenciada por um

grande conjunto de variáveis, como a religião, a língua, o clima, a localização geográfica, o

nível de industrialização e os sistemas econômicos e políticos aos quais o grupo está

submetido. Algumas destas variáveis, como o clima e a localização geográfica, são

relativamente constantes ao longo do tempo. Outras, como o nível de industrialização de um

país ou o sistema político adotado por ele, variam com o passar do tempo, e tanto influenciam

quanto são influenciadas pela cultura. A cultura possui assim uma relação de interação ativa

com suas variáveis determinantes, influenciando essas variáveis ao mesmo tempo em que é

influenciada por elas (HILAL, 2002).

Dentro do campo dos negócios internacionais, área de interesse desse estudo, a

definição de cultura mais utilizada é a formulada por Hofstede (1980; 1984). Para o autor,

cultura é a programação mental coletiva das pessoas que distingue membros de um grupo dos

membros de outros grupos. Essa programação mental está atrelada às condições do ambiente,

de forma que pessoas de comunidades distintas apresentam traços culturais e soluções

diferentes para problemáticas de caráter mais universal.

A imagem visual deste conceito de cultura é dos indivíduos como hardware, ou seja,

equipamentos com peças e funcionalidades relativamente fixas, e a cultura como Software, ou

seja, como um conjunto de programas que estendem a funcionalidade das pessoas nas quais

estão embutidas. Todos os indivíduos, assim, operam a partir de uma injeção de significância

cultural que os torna ao mesmo tempo únicos e parte de um todo similar.

Podem ser identificados assim três níveis culturais: o universal, de uma cultura

ampla, compartilhada pela grande maioria dos seres humanos; o coletivo, da cultura de um

subconjunto destes indivíduos, como a cultura de um país ou de uma cidade; e o nível

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individual, da cultura específica de cada indivíduo, construída a partir de suas experiências e

de suas referências. Esses três níveis se combinam para compor, para cada pessoa, um padrão

cultural único e exclusivo (HOFSTEDE, 1980; 1984).

A construção conceitual de cultura envolve o conceito de valores (HILAL, 2002).

Uma cultura é um sistema de valores e normas compartilhado por um grupo de pessoas. Esses

valores e normas, quando tomados em conjunto, se constituem em um mapa de conduta para a

vida das pessoas. Culturas são diferenciadas, portanto, a partir do complexo sistema de

valores que serve de apoio para elas (HILL, 1997).

Valores, do ponto de vista comportamental, são indicações de como o grupo no qual

o indivíduo está inserido espera que este indivíduo se comporte, na medida em que constituem

formas socialmente desejáveis de conduta (ROKEACH, 1973; WILLIAMS, 1968; 1979). O

aspecto social dos valores se torna evidente pelo fato de que indivíduos experimentam

sentimentos de culpa quando agem de forma inconsistente com expectativas sociais com as

quais eles concordam ou referendam.

De acordo com Noord et al. (1988), uma das explicações que pode ser dada para as

similaridades e diferenças entre os valores que as pessoas têm é de que os indivíduos

dependem, em parte, desses valores como um meio para justificar o seu comportamento.

Assim, a variância percebida nesses valores pode ser o resultado direto do comportamento

individual. Outra explicação, mais popular (ROKEACH, 1973), é a de que valores são

influenciados por experiências pessoais e pela exposição a formas de socialização

formalizadas. Isso decorre do fato de que a maioria dos teóricos considera os valores como

produtos de uma cultura ou sistema social. Como última consideração acerca do tema, dada a

existência de normas e o imperativo social de aderência às mesmas, valores são bastante

resistentesa mudanças (FISHBEIN, 1963), transformando-se de acordo com a sua própria

dinâmica.

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2.4.2. Função da cultura na organização

A cultura organizacional provê, para os membros de uma empresa, um senso de

identidade comum, aumentando o grau de comprometimento deles coma organização. Ela

funciona ainda como um elemento de controle na formação de comportamentos, servindo

como um molde no qual os funcionários se encaixam (DEAL; KENNEY, 1982; PETERS;

WATERMAN, 1982; LOUIS, 1980). Segundo Robbins (1996),

A cultura na organização produz comportamentos funcionais que contribuem para que se alcancem as metas da empresa. É também uma fonte de comportamentos desajustados que produzem efeitos adversos ao sucesso da organização (ROBBINS, 1996).

Desta forma, uma cultura forte aumenta a consistência dos comportamentos

verificados dentro da empresa, atuando como substituta à formalização da conduta em

documentos escritos. Uma cultura forte permite que uma empresa atinja os mesmos níveis de

previsibilidade no comportamento de seus membros do que seriam possíveis com um código

de conduta. A cultura, em outras palavras, define as “regras do jogo” (DEAL; KENNEDY,

1982).

A cultura atua, portanto, na institucionalização das empresas, formalizando e

incentivando os comportamentos nela contidos (SELZNICK, 1948). Ela é, portanto, um

elemento diferenciador das organizações, além de uma alavanca para a estabilidade social. As

atitudes em comum incentivadas por uma cultura forte, bem como as orientações sobre o que

fazer e falar em diversos contextos, fazem da cultura uma “cola” para os membros de uma

empresa (SIEHL; MARTIN, 1981).

Essas não são as únicas funções da cultura no ambiente organizacional. A cultura

também auxilia na organização dos objetivos e valores sobre os quais ela será medida; ela

define o contrato social entre a organização e seus funcionários, que estabelece o que cada

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uma das partes deve esperar da outra; ela indica não somente quais são os comportamentos

apropriados, mas também que tipos de monitoração do comportamento são propícios; ela

aponta as características desejáveis dos membros da organização, bem como as

indesejáveis,que devem ser punidas; ela mostra como deve se dar o relacionamento entre os

funcionários com relação a competição, honestidade e proximidade; e, finalmente, ela

estabelece os mecanismos apropriados de relacionamento com o ambiente externo

(HARISSON, 1972).

Embora a maioria das associações entre a cultura e a empresa sejam positivas,

existem também disfunções, ou consequências negativas, que podem surgir de uma cultura

empresarial. Talvez a mais perigosa de todas essas disfunções seja a criação de barreiras à

mudança. Uma organização culturalmente forte produz membros com um conjunto de

comportamentos explícitos que funcionaram bem até o presente momento da empresa. A

expectativa natural desses membros é de que seus comportamentos continuem a ter sucesso

no futuro, mas isso pode não ser verdade. Paradoxalmente, uma cultura forte pode produzir

rigidez na organização, dificultando mudanças que podem se fazer necessárias em um

processo de adaptação a novas condições (MAMEDE, 2003).

Outra disfunção cultural que pode surgir são os conflitos intra-organizacionais. É

natural que ocorra a emergência de subculturas dentro de organizações. Essas subculturas

podem se tornar tão coesas e desenvolver valores tão distintos da empresa como um todo que

o subgrupo pode se ver separado do resto da organização. Um departamento de pesquisa e

desenvolvimento, por exemplo, pode estar orientado para a condução de pesquisa básica, com

valor profissional, ignorando o desenvolvimento de novos produtos que a organização

efetivamente seja apta a produzir (MAMEDE, 2003).

Finalmente, o desenvolvimento de subculturas em velocidades distintas pode levar a

uma falta de coordenação interna que afete de forma adversa as relações externas da

organização. Um departamento de Tecnologia da Informação, por exemplo, pode implantar

sistemas computadorizados que estejam além das habilidades de utilização da maioria dos

empregados. Mesmo com treinamento, trabalhadores podem resistirá nova tecnologia, ou

sofrer durante um longo período de aprendizado. Da mesma forma, subculturas orientadas à

mudança podem vivenciar conflitos intensos com subculturas que não valorizam mudanças.

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Isto impede um trabalho conjunto de exploração de novos problemas para os problemas

organizacionais, criando uma cultura geral onde a indecisão predomina (MAMEDE, 2003).

2.4.3. Principais abordagens sobre cultura

2.4.3.1. Cultura segundo Hall

Pessoas se comunicam através de uma série de comportamentos, que vão além da

palavra, e que normalmente não são observados pelos estudiosos da cultura. O que os

indivíduos fazem é, geralmente, mais importante do que o que eles falam. Embora a palavra

molde o pensamento, outros sistemas culturais também influenciam a percepção do mundo, a

organização da vida e a percepção de si dos indivíduos. A cultura pode ser definida, portanto,

como “a forma de viver de uma pessoa, a soma dos comportamentos aprendidos, padrões,

atitudes e bens materiais” (HALL, 1959).

A cultura controla o comportamento individual de uma forma profunda e, muitas

vezes, inconsciente. Desta forma, ela se esconde nos comportamentos do dia-a-dia atrás das

palavras. Dado que os comportamentos culturais são muitas vezes inconscientes, o maior

desafio para um indivíduo não é entender culturas estrangeiras, mas enxergar e entender sua

própria cultura, percebendo características normalmente ignoradas. A exposição a culturas

estrangeiras facilita essa compreensão na medida em que ressalta as diferenças e contrastes

existentes (HALL, 1959).

Hall (1966) identifica, assim, dez atividades primárias, denominadas de primary

message systems, que podem ser examinadas e analisadas individualmente: interação;

associação; subsistência; bissexualidade (diferenças culturais entre homem e mulher);

territorialismo; temporalidade; aprendizagem e aquisição; jogos (play); defesa; e exploração

(uso de materiais, desenvolvimento de extensões físicas do corpo para lidar com condições

ambientais).

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De acordo com a teoria de Hall, a cultura opera em três níveis: formal, informal e

técnico. Apesar de um desses ser sempre dominante, em qualquer situação todos os três estão

presentes. Atividades formais são ensinadas através de preceitos e advertências, em um

processo emocional: o aprendiz tenta executar uma atividade, erra, e é corrigido. O

aprendizado de atividades informais, por outro lado, ocorre através da imitação. Conjuntos

completos de atividades são aprendidos de uma única vez, geralmente sem que o indivíduo

perceba que efetivamente aprendeu alguma coisa, ou mesmo de que o comportamento possui

regras e padrões que o regem. Finamente, o aprendizado técnico é formal e explícito, com a

transmissão de conhecimento de um professor para um aluno. Algumas sociedades, que dão

muito valor a tradições, colocam mais peso no aprendizado formal.

É possível traçar uma analogia entre as culturas e os seres vivos no que diz respeito as

mudanças. Algumas culturas são mais adaptáveis que outras, e, portanto, possuem uma maior

capacidade de sobrevivência. Qualquer cultura é formada por um conjunto de

comportamentos formais cercado de diversas adaptações informais, e apoiado por elementos

técnicos. As mudanças são feitas através de um processo circular complexo: primeiro, são

informais, existentes apenas no dia-a-dia e fora da consciência coletiva. Conforme se mostram

bem sucedidas, assumem a forma de melhorias técnicas, que se acumulam de forma

imperceptível até formarem uma grande mudança (HALL, 1966).

No fundo, cultura é comunicação, e toda comunicação é afetada por elementos

culturais. É possível, portanto, adotar preceitos similares aos utilizados no estudo da

linguagem para os estudos culturais. Toda mensagem – com ou sem linguagem – pode ser

decomposta em três partes: os conjuntos, que são percebidos inicialmente (palavras, no caso

da linguagem); isolados, os componentes que formam os conjuntos (sons); e padrões, que são

as regras que definem como os conjuntos devem ser combinados para transmitir significado

(gramática e sintaxe) (HALL, 1966).

As diferenças em termos de comunicação podem ser explicadas por duas vertentes

culturais: alto contexto e baixo contexto. Em uma cultura de alto contexto, existem diversos

elementos contextuais que auxiliam na compreensão das regras, fazendo com que muitos

comportamentos sejam tomados como dados. Uma cultura desse tipo pode parecer muito

confusa para um observador externo, que não conhece as regras “não-escritas”. Uma cultura

de baixo contexto, por outro lado, deixa muito pouco para a subjetividade. Se por um lado

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isso significa uma abundância de regras escritas e uma maior dificuldade de aprendizado,

também significa que existem menos chances de um mal-entendido para os visitantes (HALL,

1966). A tabela 1, disposta a seguir, exemplifica a comunicação a partir dessas duas

classificações.

Tabela 1. Culturas de alto contexto vs cultura de baixo contexto

Fator Cultura de alto contexto Cultura de baixo contexto

Abertura das mensagens

Muitas mensagens encobertas e implícitas, com uso de metáforas e

“leitura das entrelinhas”

Muitas mensagens abertas e explícitas, que são simples e

claras

Local de controle e

atribuição de erros

Foco interno de controle e aceitação pessoal dos erros

Foco externo de controle e culpa dos outros pelos erros

Utilização de comunicação

não-verbalMuita comunicação não-verbal

Mais foco em comunicação verbal que linguagem corporal

ReaçõesReações reservadas e

internalizadasReações externalizadas e visíveis

Coesão e separação dos

grupos

Forte distinção entre os membros e não membros do grupo; forte senso

de família

Grupos flexíveis e abertos, se alterando conforme necessário

Ligações pessoais

Fortes conexões pessoais, com forte ligação com a família e a

comunidade

Conexões frágeis, com pouco senso de lealdade

Nível de comprometimento

com relacionamentos

Elevado compromisso com relacionamentos de longo prazo; o relacionamento é mais importante

que as tarefas

Baixo compromisso com os relacionamentos; a tarefa é sempre

mais importante

Flexibilidade do TempoO tempo é fluído; o processo é mais importante que o produto

O tempo é rígido e organizado; produtos são mais importantes que

processos

Fonte: Changingminds.org

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O tempo é outra característica fundamental nas distinções culturais. Embora os

elementos formais e informais de descrição do tempo sejam equivalentes na maioria das

culturas, elas diferem com relação a avaliação de valor do tempo (“tempo não deve ser

desperdiçado”) e a tangibilidade do mesmo (“tempo é uma commodity valiosa”), bem como

com relação ao senso de urgência e a monocronicidade (fazer uma única coisa de cada vez). A

maneira como os indivíduos lidam com o tempo é um dos elementos mais marcantes de uma

cultura (HALL, 1976).

O espaço é outro elemento importante. Cada cultura organiza seu espaço de forma

diferente. A distância de interação é muito menor na América Latina do que nos EUA, por

exemplo. A distância observada entre pessoas da América Latina em uma conversa natural

seria considerada hostil na América do Norte. Essa territorialidade – da definição e defesa de

um espaço mínimo ao redor de cada indivíduo – é muito elaborada e altamente diferenciada

de cultura para cultura (HALL, 1976).

2.4.3.2. Cultura segundo Hofstede

De acordo com Hofstede (1980; 1984), cultura pode ser definida como a

programação coletiva da mente que distingue os membros de uma categoria de pessoas dos

membros de outra categoria. Por “categoria de pessoas” entende-se qualquer grupo que possui

características mentais homogêneas em algum nível, como uma nação, uma região geográfica,

um grupo étnico, homens ou mulheres (culturas de gênero), pessoas velhas ou jovens (culturas

de gerações), uma classe social, uma profissão ou ocupação (cultura ocupacional), um tipo de

negócio, uma família, ou mesmo uma organização ou parte dela (cultura organizacional).

Partindo dessa classificação, o autor identifica três níveis de cultura: o universal, de

elementos que são compartilhados pela maioria dos seres humanos; o coletivo, que é

compartilhado por um conjunto de pessoas (a cultura organizacional é um exemplo); e o

individual, que é único e exclusivo para cada indivíduo. Uma pessoa está, a cada momento,

submetida a um conjunto de culturas dos diferentes níveis. Ela sempre carrega consigo sua

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cultura individual, mas tem que absorver e integrar elementos culturais distintos no nível

coletivo: ela tem que conciliar a cultura de seu país com a cultura da organização onde

trabalha, e assim por diante. As diferenças entre as culturas ocorrem em diversas dimensões

(HOFSTEDE, 1980; 1984).

Ao longo das décadas de 60 e 70, foi realizada uma das maiores pesquisas de campo

relacionadas com valores culturais já empreendidas. Essa pesquisa envolveu a aplicação de

mais de cento e dezesseis mil questionários tratando de valores culturais para funcionários da

IBM espalhados em mais de 40 países. A partir deles, foi elaborado um grande banco de

dados que permitiu todo tipo de comparações e análises nas mais diversas dimensões

(HOPPE, 1990). A partir desse banco de dados, uma análise fatorial ecológica, ou seja,

levando em consideração as médias dos fatores nos diferentes países, resultou na identificação

de três fatores que influenciavam o pensamento humano, das organizações e das instituições:

a “masculinidade versus feminilidade”, o “controle da incerteza” e um terceiro fator que, por

questões teóricas, foi quebrado em dois – a “distância do poder” e o “individualismo versos

coletivismo” (HOFSTEDE, 1980; 1984).

Posteriormente, um novo questionário de valores culturais foi elaborado, com

objetivo de evitar qualquer viés ocidental nas medições encontradas. Ele foi construído com o

auxílio de pesquisadores orientais, e aplicado em vinte e três países com características

orientais, incluindo a China, além de outros países que constavam de pesquisas regionais

(BOND et al., 1987; HOFSTEDE, 1991). Da mesma forma que anteriormente, uma análise

fatorial ecológica foi realizada sobre os dados, novamente identificando quatro fatores de

influência. Os três primeiros eram equivalentes aos encontrados na pesquisa anterior: a

“distância ao poder” de Hofstede é equivalente a “disciplina moral” de Bond; o

“individualismoversus coletivismo” de Hofstede se compara com a “integração” de Bond; e a

“masculinidadeversus feminilidade” de Hofstede é igual a “human heartedness” (compaixão

ou bondade) de Bond (BOND; HOFSTEDE, 1989; HOFSTEDE, 1991). O quarto fator, no

entanto, era completamente distinto.

A este fator distinto Bond deu o nome de “dinamismo confuciano”. Confuciano, pois

todos os valores relacionados com ele aparentam ser oriundos dos ensinamentos de Confúcio.

Diferente dos fatores que possuem equivalência, que podem ser encontrados tanto na cultura

ocidental quanto na oriental, os fatores que não possuem equivalência são exclusivos de cada

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cultura. O “controle da incerteza” está intimamente relacionado com a preocupação ocidental

com a busca pela verdade, enquanto o “dinamismo confuciano” está relacionado com a

preocupação oriental com a busca pela virtude (HOFSTEDE, 1991). Em uma tentativa de

combinar este fator com os quatro apresentados anteriormente, foi dado a ele o nome de

“orientação de longo prazo versus orientação de curto prazo”, dado que, em um extremo, o

“dinamismo confuciano” leva a uma orientação dinâmica para o futuro, enquanto que no

outro, leva a uma orientação estática para o passado ou presente (BOND; HOFSTEDE, 1989;

HOFSTEDE, 1991).

As cinco dimensões podem então ser descritas da seguinte forma (HOFSTEDE 1980;

1984 e 1991; 1997):

Distância do Poder: Essa dimensão mede até que ponto os membros menos poderosos da

sociedade e das instituições aceitam ou esperam que o poder seja dividido de forma

igual/desigual. Ela pode ser definida como a medida de até que ponto os membros menos

poderosos das instituições e organizações dentro de um país têm expectativas de que o

poder seja distribuído de forma desigual. Em sociedades onde a distância do poder é

grande, não existe a expectativa de que todas as pessoas sejam iguais. Culturas oriundas

destas sociedades possuem uma distribuição desigual de poder nas instituições e nas

organizações, e são caracterizadas por uma hierarquia de privilégios. Culturas com baixa

distância de poder, por outro lado, valorizam relações horizontais, em que todos estão no

mesmo patamar. Nesse contexto, um cargo “superior” não tem conotação de status, sendo

até mesmo rejeitado, o que faz com que a quantidade de pessoas “superioras” às demais

seja reduzida.

Evitar a Incerteza: Esta dimensão demonstra até que ponto os membros de uma cultura

se sentem ameaçados pela incerteza e por situações desconhecidas, retratando a

tolerância da sociedade com relação a incerteza e a ambiguidade. Está relacionada

diretamente com o que é percebido por um determinado grupo de pessoas como a

“verdade”. Um índice mais alto de “evitar a incerteza” reflete uma sociedade que tenta o

máximo possível evitar incertezas através de leis e regras rígidas e medidas de segurança.

Culturas com um baixo índice de “evitar a incerteza”, por outro lado, são mais tolerantes,

e aceitam melhor críticas e novidades. Indivíduos em uma cultura deste tipo são

geralmente mais frios com relação à expressão de sentimentos.

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Individualismo versus Coletivismo: Culturas com um foco individualista acreditam que

as ligações e os relacionamentos entre os indivíduos são fracos e menos importantes, e o

foco está na pessoa. Sociedades individualistas são aquelas onde “cada um cuida do seu”.

Quando o foco é coletivista, por outro lado, existe um foco forte nos relacionamentos e

nas redes de relacionamento, formando grupos coesos – inclusive o familiar – que

protegem o indivíduo em troca de lealdade.

Masculinidade versus Feminilidade: Esta dimensão está relacionada com os estereótipos

culturais acerca dos gêneros masculino e feminino, onde os papéis pode gênero são

claramente definidos. Supõe-se que os homens sejam assertivos, duros e focados no

sucesso material, por exemplo, enquanto que as mulheres sejam modestas, ternas e mais

preocupadas com a qualidade de vida. Dessa forma, nas sociedades masculinas, as

pessoas serão socializadas para a assertividade, ambição e competição, o que levará as

organizações a enfatizarem os resultados e recompensarem as pessoas de acordo com o

seu desempenho. Por outro lado, em sociedades femininas, em que a modéstia e a

solidariedade são enfatizadas, as pessoas nas organizações serão recompensadas de

acordo com as necessidades.

Orientação de Longo Prazo versus Orientação de Curto Prazo (Dinamismo

Confuciano): Culturas com orientação de longo prazo têm uma perspectiva de longo

prazo em relação à vida. Determinação, trabalho duro e apego às responsabilidades são

traços desta orientação, e tradições e rituais não são elementos frequentes. Culturas de

orientação de curto prazo têm foco no presente, buscando sempre os resultados mais

imediatos. Indivíduos em culturas deste tipo não são guiados por objetivos futuros, mas

sim pelo desejo de mostrar estabilidade e prosperidade pessoal, o que faz com que as

tradições e os rituais sejam bastante utilizados.

Através do mapeamento dessas dimensões, Hofstede, junto à Bond em alguns casos,

sugere que esses valores impactariam os pensamentos e ações humanas, moldando, assim, a

cultura em seus diversos níveis.

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2.4.3.3. Cultura segundo Trompenaars

A cultura pode ser destrinchada em três níveis distintos: o externo, o intermediário e

o central. O primeiro desses níveis, o externo, diz respeito aos artefatos e produtos explícitos

de cada cultura. Em qualquer sociedade, grupo, ou mesmo individualmente, a cultura pode ser

observada através de suas manifestações explícitas, como a língua, a comida, a arquitetura, os

monumentos artísticos, a agricultura, os templos, os mercados, as vestimentas e a arte. O nível

externo trata de fatores menos esotéricos, focandonos mais concretos (TROMPENAARS,

1994).

O segundo nível, o intermediário, abrange as normas e valores dos grupos. Normas

são os sentimentos mútuos de um grupo sobre o que é certo e o que é errado. Elas podem se

desenvolver tanto em um nível formal, através das leis estabelecidas, quanto em um nível

informal, através dos controles e contratos sociais. Valores, por outro lado, determinam as

definições do que é bom e do que é mau, e estão, portanto, intimamente relacionados com os

ideais dos grupos. Para que a tradição cultural de um grupo se desenvolva e cresça, é

necessário que este grupo defina significados comuns de normas e valores, e que estes

significados sejam estáveis e salientes dentro do grupo (TROMPENAARS, 1994).

O nível central, por fim, diz respeito às premissas básicas relacionadas com a

existência diária dos indivíduos. Essas premissas estão relacionadas com a forma como os

grupos se organizaram ao longo dos anos, e como eles se prepararam para enfrentar os

desafios colocados perante eles. As soluções a estes desafios são intrínsecas a cada indivíduo,

e se tornam parte do sistema de premissas absolutas de cada um. Assim, as mudanças na

cultura ocorrem a partir do momento em que as pessoas percebem que soluções antigas não

funcionam mais (TROMPENAARS, 1994).

Dessa forma, a cultura pode ser vista como um processo dinâmico de resolução de

problemas e dilemas humanos, que são decorrência direta dos relacionamentos interpessoais e

das diferenças na interpretação do tempo e do espaço. As diferenças culturais surgem,

portanto, das distinções em como esses dilemas são solucionados. A compreensão dessas

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diferenças surge do mapeamento de três pontos: o relacionamento com as pessoas, a atitude

face ao tempo e a atitude face ao ambiente (TROMPENAARS et al., 1998).

Indivíduos de qualquer grupo enfrentam constantemente três tipos de desafios: O

primeiro está relacionado aos relacionamentos interpessoais, sejam eles com amigos,

empregados, clientes, chefes ou quaisquer outros. O segundo desafio está relacionado com o

gerenciamento do tempo e em como lidar com a passagem do mesmo, em especial com o

envelhecimento. O último desafio está relacionado em como lidar com a natureza externa do

mundo, seja ela benigna ou ameaçadora (TROMPENAARS, 1994). Estes desafios podem ser

destrinchados em sete dimensões, que refletem a forma como cada cultura lida com eles.

Essas dimensões serão descritas a seguir.

Relacionamento com Pessoas

Universalismo vs. Particularismo. Essa dimensão descreve como as pessoas julgam os

comportamentos uma das outras. Um indivíduo universalista coloca a ação de acordo

com as regras em primazia, independente da situação ou de circunstâncias particulares.

Em sociedades universalistas, certas regras são absolutas e se aplicam a tudo e todos

igualmente, e todos são iguais perante as regras. Por consequência qualquer exceção

às regras é enxergada como uma fraqueza, que pode derrubar o sistema como um todo.

Exemplos de países universalistas são os EUA, Austrália, Alemanha, Suíça, Reino

Unido, Holanda, República Checa, Eslováquia, Itália e Bélgica. Indivíduos

particularistas, por outro lado, dão mais ênfase as circunstâncias específicas ou o

background pessoal, concentrando-se na natureza excepcional das circunstâncias

presentes. Eles acreditam que o que é certo varia de situação para situação, e que

certos indivíduos devem ser protegidos a todo custo. Pessoas em sociedades desta

natureza sempre favorecem suas famílias, amigos, e outras pessoas de seu círculo

interno, e serão da mesma forma protegidas e favorecidas. Cada indivíduo é, portanto,

único com respeito às regras. Assim, o círculo interno de relacionamentos é

fortemente distinguido de círculos externos. Exemplos de países deste tipo são Brasil,

França, Japão, Singapura, Argentina, México e Tailândia (TROMPENAARS, 1994;

TROMPENAARS et al., 1998).

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Coletivismo vs. Individualismo. Esta dimensão mede o quanto indivíduos atuam como

um grupo único. Uma cultura individualista vê o indivíduo como o fim, e os acordos

da comunidade são um meio de se alcançar este fim. Em culturas desta natureza, os

processos de tomada de decisão são curtos, mas comumente subvertidos pela

coletividade. Para se envolver todas as pessoas em uma decisão, são normalmente

realizadas votações. Em culturas individualistas, cada um é punido por seus erros,

fazendo com que se tornem melhores participantes de equipes. Uma cultura coletivista

vê o grupo como o fim, e qualquer melhoria individual como um meio para se atingir

esse objetivo. Processos de tomada de decisão são demorados, dado que culturas deste

tipo preferem o consenso total à sobreposição de pontos de vista. Esses consensos

normalmente são alcançados através de uma pressão social, e não através de

concordância de todos. Quando erros são cometidos, apenas os grupos mais próximos

são informados, e são estes grupos que assumem a responsabilidade pelos erros e

tratam com os culpados (TROMPENAARS, 1994; TROMPENAARS et al., 1998).

Afetividade vs. Neutralidade. Esta dimensão define a importância dos sentimentos e

dos relacionamentos para a cultura. Em uma cultura neutra, os indivíduos controlam e

gerenciam seus sentimentos, dando mais valor a racionalidade e a informação na

tomada de decisão. Isso não significa, no entanto, que os indivíduos sejam frios ou

despidos de emoção. Em culturas altamente afetivas, por outro lado, as pessoas

demonstram abertamente todos os seus sentimentos através de ações e expressões. São

culturas marcadas por fortes gestos e expressões faciais e sonoras. Curiosamente, as

emoções mais fortes acabam não sendo tão registradas, dado que as palavras para

expressão emocional são banalizadas pelo seu uso regular no dia-a-dia

(TROMPENAARS, 1994; TROMPENAARS et al., 1998).

Específica vs. Difusa. Essa dimensão mede os quão separados diferentes aspectos da

vida, como a vida particular e a vida de trabalho, são mantidos. Em culturas com

orientação específica, os diferentes aspectos são mantidos bem separados. Um

indivíduo tem muita abertura sobre os aspectos públicos, mas é muito mais fechado

sobre os privados. Pessoas em culturas deste tipo também são mais diretas em suas

trocas e relacionamentos. Nas culturas com orientação difusa, por outro lado, os

diferentes aspectos são constantemente misturados e são mais interelacionados.

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Indivíduos tendem a ser mais abertos em sua vida particular do que na vida pública, e

tendem a ser mais indiretos nos relacionamentos (TROMPENAARS, 1994;

TROMPENAARS et al., 1998).

Status Conquistado vs. Status Atribuído. Esta dimensão se refere a questão da origem

do status dos indivíduos. Em culturas orientadas a realização, o status deriva das

realizações do indivíduo ao longo de sua vida, ou seja, status conquistado. Os títulos

são utilizados apenas quando são relevantes para o estabelecimento de competência, e

o respeito deriva do conhecimento e das habilidades particulares de cada um. As

decisões são questionadas em termos técnicos ou funcionais. Em culturas orientadas à

atribuição, títulos são utilizados para clarificar a posição de cada indivíduo em uma

organização. O respeito vem com a senioridade (tempo de casa) e com a hierarquia

organizacional, sem estar relacionado com a capacidade individual. Qualquer decisão

pode ser questionada por pessoas com mais autoridade, sem necessidade de

embasamento técnico. O status, em culturas deste tipo, está normalmente associado a

religião, a origem ou a idade dos indivíduos (TROMPENAARS, 1994;

TROMPENAARS et al., 1998).

Atitude Face ao Tempo

Sequencial vs. Síncrônica. Essa dimensão trata a forma como os indivíduos gerenciam

o tempo na cultura. O gerenciamento sequencial indica que os indivíduos enxergam o

tempo como algo linear, como uma sequência de eventos. Nestas culturas, os

indivíduos definem um planejamento para seu tempo, com prazos bem definidos de

início e término de cada etapa, e tendem a se incomodar com interrupções ou desvios

no plano devido a eventos não antecipados. Para essas culturas, qualquer atraso é uma

ofensa, pois afeta o horário do dia inteiro. O tempo é um bem valioso, que deve ser

utilizado com cuidado. Em culturas com um gerenciamento sincrônico do tempo, os

eventos possuem um passado, um presente e um futuro que estão inter-relacionados e

se afetam. Indivíduos normalmente realizam diversas atividades em paralelo e, embora

tenham um objetivo final, enxergam as diferentes etapas como intercambiáveis. Em

culturas desta natureza, gastar tempo com as pessoas é uma demonstração do valor

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delas. Indivíduos esperam que coisas aconteçam simultaneamente, e se sentem

ofendidos caso, por exemplo, uma pessoa que entre em sua sala não os cumprimente,

mesmo que ainda estejam ao telefone e respondendo um e-mail ao mesmo tempo

(TROMPENAARS, 1994; TROMPENAARS et al., 1998).

Atitude Face ao Ambiente

Direcionada Internamente vs. Direcionada Externamente. A última dimensão mede a

atitude da cultura perante o ambiente onde está inserida. As sociedades que conduzem

negócios desenvolveram duas principais orientações em relação à natureza. Acreditam

que podem e devem controlar a natureza, impondo-lhe sua vontade ou que o homem é

parte da natureza e deve submeter-se às suas leis, direções e forças. A primeira dessas

orientações, chamada de “direcionada internamente”, descreve culturas que tendem a

identificar-se com mecanismos, isto é, a organização é concebida como uma máquina

que obedece a vontade de seus operadores. A segunda, ou “direcionada

externamente”, tende a ver a organização em si como um produto da natureza,

atribuindo seu desenvolvimento aos nutrientes presentes em seu ambiente e a um

equilíbrio ecológico favorável (TROMPENAARS, 1994; TROMPENAARS et al.,

1998).

2.4.4. Principais abordagens sobre cultura organizacional

2.4.4.1. Cultura organizacional segundo Schein

Edgar Henry Schein (1985) define cultura da seguinte forma:

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[Cultura é] um modelo de pressupostos básicos – inventados, descobertos ou desenvolvidos por um dado grupo conforme ele aprende a lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna – que funcionam bem o suficiente para serem considerados válidos e, portanto, serem ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir (SCHEIN, 1985).

Essa definição, oriunda da década de 80, possui três níveis básicos: artefatos, valores,

e pressupostos. No primeiro nível, dos artefatos, são incluídos todos os elementos tangíveis da

cultura que estão presentes em uma organização. Esses elementos incluem a arquitetura, o

mobiliário, o código de vestimenta dos funcionários, e até mesmo as piadas e histórias que são

contadas. Os artefatos espelham a cultura da empresa que os expõe, e são claramente

reconhecidos por pessoas não participantes da cultura (SCHEIN, 1985).

O segundo nível, dos valores, reflete os desejos da organização com relação a sua

cultura. Os elementos deste nível são coisas como slogans, declarações de missão e visão,

discursos realizados pelo presidente e pelos diretores da organização, dentre outros. O

segundo espelha as aspirações da liderança da empresa com relação à cultura organizacional

que se deseja estabelecer.

O terceiro nível, dos pressupostos básicos, é composto pelos valores reais que a

cultura organizacional existente representa. Ele é, de certa forma, independente do segundo

nível, na medida em que a cultura real de uma empresa pode não ser um reflexo das atitudes

conscientes de sua liderança. Os pressupostos deste nível estão geralmente tão bem integrados

na dinâmica da organização que o seu reconhecimento por parte das pessoas que fazem parte

da empresa é muito difícil. Eles são as regras não escritas que regem o dia a dia empresarial

(SCHEIN, 1985).

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Figura 10. Níveis de cultura e sua interação

Fonte: Schein (1985)

Segundo Schein (1985), este terceiro nível forma a base da cultura organizacional. É

a partir dos pressupostos básicos existentes neste nível que são formadas as normas e os

valores que são reconhecidos de forma consciente e mantidos pelos membros da cultura. As

normas e valores, por sua vez, influenciam as escolhas e ações tomadas pelos membros dessa

cultura. Essas ações produzem, por fim, os artefatos da cultura. Os detalhes das relações entre

estes três níveis podem ser vistos na figura 10.

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Tabela 2. Dimensões da cultura organizacional de Schein

Dimensões Questões chave

O relacionamento

da organização

A organização percebe-se ser dominante, procurando estar fora do

nicho?

A natureza da

atividade humana

A forma correta das pessoas se comportarem é dominante/pró ativa,

harmônica ou passiva?

A natureza da

realidade e

verdade

Como definimos o que é verdade e o que não é?

A natureza do

tempo

Quais são nossas orientações básicas em termos de passado, presente

e futuro e que tipos de unidades temporais são mais relevantes para a

conduta de afazeres diários?

A natureza da

natureza humanaOs seres humanos são basicamente bons, neutros ou maus?

A natureza do

homem

Qual a maneira correta das pessoas se relacionarem umas com as outras para distribuir poder e afeto? A vida é competitiva ou cooperativa? A melhor maneira de

organizar a sociedade é com base no individualismo ou em grupo? O melhor sistema de autoridade é autocrático ou participativo?

Homogeneidade

vs. Diversidade

É melhor para um grupo ser altamente diversificado ou altamente

homogêneo? Os indivíduos em um grupo devem ser encorajados a

inovar ou a se conformar?

Fonte: Adaptado a partir dos textos de Schein (1985)

Quando novos membros são introduzidos em uma cultura, eles devem ser

selecionados com base em seus valores – de forma que tenham valores compatíveis – ou são

obrigados a aceitar os valores culturais existentes. Só ocorrem mudanças nas culturas quando

novos valores são trazidos de fora. Mesmo nessa situação, no entanto, valores novos só serão

incorporados se sua validade for comprovada e seus benefícios para a organização

demonstrados. Novos valores só são incorporados ao nível dos pressupostos básicos quando

os membros da cultura reconhecem claramente seus benefícios. A cultura, portanto, é algo

que vem de “dentro para fora”, das profundezas dos pressupostos, normas e valores até a

superfície, onde os artefatos podem ser observados (SCHEIN, 1985).

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Ainda segundo Schein (1985), a chave para a compreensão do conteúdo de uma

cultura está em como esta cultura lida com determinados assuntos universais, que estão

presentes em todas as sociedades. É possível, portanto, definir sete dimensões subjacentes à

cultura organizacional, a partir das quais uma cultura qualquer pode ser mapeada e

compreendida. Cada uma destas dimensões, e questões associadas, pode ser vistas na tabela 2.

Schein (1992) definiu, adicionalmente, dez categorias de fenômenos compartilhados

por um dado grupo cultural:

1. As regularidades comportamentais observadas quando as pessoas interagem. A

linguagem que usam, os costumes e tradições que evoluem, e os rituais que

utilizam em diferentes ocasiões.

2. As normas do grupo. Os padrões implícitos e os valores que evoluem nos grupos

de trabalho.

3. Os valores manifestos. Os princípios e valores publicamente enunciados que o

grupo afirma tentar atingir.

4. A filosofia formal. As políticas e princípios ideológicos que guiam as ações do

grupo para com os acionistas, empregados, clientes e outras partes interessadas

ou stakeholders.

5. As regras do jogo. As regras implícitas para se viver na organização, as “coisas”

que os membros novos devem apreender para serem aceitos pelo grupo.

6. O clima. O sentimento que é transmitido ao grupo pelo layout ouambiente físico

e pela forma como os membros da organização interagem uns com os outros,

com os clientes, ou com outras partes externas à organização, isto é, com

outsiders.

7. As habilidades inseridas ou embedded skills. As competências especiais que os

membros do grupo demonstram para realizar certas tarefas, as habilidades para

fazer certas coisas que são passadas de geração para geração sem que

necessariamente sejam articuladas por escrito.

8. Os hábitos de pensar, modelos mentais, e paradigmas linguísticos. Os

arcabouços cognitivos compartilhados que guiam as percepções, o pensamento, e

a linguagem utilizada pelos membros de um grupo e que são ensinados aos

novos membros durante o início do processo de socialização.

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9. Os significados compartilhados. Os entendimentos que são criados pelos

membros do grupo quando interagem entre si.

10. As metáforas básicas ou símbolos integradores. As ideias, sentimentos e

imagens que o grupo desenvolve para se autodefinir, as quais podem ou não ser

conhecidas no nível consciente, mas que se expressam nos edifícios, no layout

dos escritórios, e em outros artefatos materiais do grupo.

Além da cultura organizacional principal, dentro de uma empresa existem também

inúmeras subculturas, que podem ou não estar relacionadas entre si, e que podem até mesmo

concorrer. Schein (1996), com relação a essas subculturas, afirmou que em toda organização

existem três subculturas dominantes, profundamente entrincheiradas nos pressupostos

específicos da organização.

A primeira é a cultura interna baseada no sucesso operacional, chamada de “cultura

de operação”. Das três, essa é a única que é totalmente interna a organização, ou seja, que

vem exclusivamente de ações e atitudes internas, associada com o sucesso passado da

empresa e com o seu modus operandi. A segunda cultura é a “cultura de engenharia”, que

vem dos tecnocratas envolvidos com as tecnologias chave para a organização. Para essa

cultura, o grupo de referência não está na empresa, mas sim na comunidade ocupacional em

um nível mundial. Por fim, a terceira cultura é a “cultura executiva”, que deriva do executivo

chefe da empresa e de seus subordinados imediatos. Essa cultura também está constituída em

um nível mundial, no sentido de que os problemas enfrentados por pessoas presentes nela são

comuns a profissionais de diferentes empresas, mais relacionados com seus papéis do que

com sua situação.

Toda empresa, portanto, tem duas culturas com raízes e focos externos, e uma terceira

com foco interno, todas igualmente importante. Essas três culturas se encontram

frequentemente desalinhadas, sem um entendimento comum, resultando assim em um

dispêndio de esforços em sentidos contrários prejudicial para a organização como um todo.

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2.4.4.2. Cultura organizacional segundo Hofstede

De acordo com Hofstede (1991; 1997), cultura organizacional pode ser definida como

a programação coletiva da mente que distingue os membros de uma organização dos membros

de outra organização. Segundo o autor, cada cultura distinta é composta por diversos

elementos, que podem ser divididos em quatro categorias:

A primeira categoria são os símbolos. Símbolos são palavras, objetos ou gestos que

derivam seu significado de convenções culturais. No nível nacional, os símbolos culturais

incluem a linguagem. Em um nível organizacional, esses símbolos incluem abreviações,

gírias, formas de expressão, códigos de comportamento e símbolos de status, todos eles

elementos que só seriam reconhecidos por membros da organização ou insiders (HOFSTEDE,

1991; 1997).

A segunda categoria são os heróis. Heróis são pessoas reais ou imaginárias, vivas ou

mortas, que servem como modelos de comportamento dentro de uma cultura. Geralmente, os

processos de seleção nas organizações se baseiam em modelos heróicos do “empregado ideal”

ou do “gerente ideal”. Da mesma forma, os fundadores das empresas são comumente

transformados em heróis míticos pela cultura organizacional, e ações incríveis lhes são

atribuídas a posteriori (HOFSTEDE, 1991; 1997).

A terceira categoria de elementos são os rituais, atividades coletivas tecnicamente

supérfluas, mas socialmente essenciais dentro de cada cultura específica. Nas organizações os

rituais incluem não somente as celebrações, mas também muitas atividades formais com bases

aparentemente racionais, como reuniões, memorandos escritos, e sistemas de planejamento.

Os rituais abrangem também a informalidade por trás do desempenho das atividades formais,

como os contratos sociais que regem quem pode chegar atrasado a uma reunião, quem pode

falar com quem, entre outros (HOFSTEDE, 1991; 1997).

Finalmente, a quarta categoria são os valores, os elementos de nível mais profundo

dentro de uma cultura organizacional. Os valores são sentimentos amplos, frequentemente

inconscientes e não discutidos abertamente, sobre o que é bom ou ruim, limpo ou sujo, bonito

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ou feio, racional ou irracional, normal ou anormal, natural ou paradoxal, decente ou

indecente. Estes sentimentos sempre se encontram presentes nas pessoas que ocupam

posições chave em uma organização, e geralmente estão disseminados por todos os membros

da cultura (HOFSTEDE, 1991; 1997).

Figura 11. Manifestações culturais segundo Hofstede

Fonte: Hofstede (1991,1997)

Os valores são adquiridos por indivíduos na juventude, em especial com a família e

com a vizinhança, sendo complementados por experiências ocorridas nos anos formativos

dentro da escola. As práticas organizacionais, por outro lado, são resultado da socialização no

local de trabalho, e são adquiridas por adultos, que já possuem seus valores firmados. Os

valores, portanto, descrevem o que o indivíduo percebe que “deve ser”, enquanto as práticas

refletem o que indivíduo percebe “ser” (HOFSTEDE et al., 1990).

A literatura popular sobre culturas corporativas insiste que são os valores

compartilhados entre os indivíduos que formam o núcleo de uma cultura organizacional

(PETERS; WATERMAN, 1982). Estudos realizados em empresas de diferentes países, no

entanto, demonstram empiricamente que são as percepções compartilhadas das práticas

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diárias – e não os valores – que formam esse núcleo. As medidas de valores apresentam

variância maior em relação a variáveis demográficas do que em relação ao pertencimento à

uma organização (HOFSTEDE et al., 1990).

Outra diferença marcante entre a literatura empresarial popular e a realidade observada

em estudos é a diferenciação entre os valores dos fundadores de uma empresa e os valores dos

membros da organização. Embora os valores dos líderes originais contribuam amplamente

para a formação das culturas organizacionais, eles os fazem através das práticas

compartilhadas entre os indivíduos. Assim, membros de uma organização podem ter valores

bastante diferentes dos valores dos líderes, desde que compartilhem de forma aceitável as

práticas organizacionais (HOFSTEDE, 1991).

Adicionalmente, Hofstede (1991; 1997) apresenta seis dimensões independentes que

descrevem a grande variedade de práticas organizacionais:

Orientada para Processos versus Orientada para Resultados: em geral, organizações

ouunidades organizacionais orientadas para processo são dominadas por rotinas

técnicas ou burocráticas, enquanto que as orientadas para resultado não se preocupam

tanto com os processos desde que os resultados desejados sejam atingidos. Esta

dimensão está associada com o grau de homogeneidade da cultura da unidade de

negócios: em unidades orientadas para resultados, todos percebem as práticas da

mesma forma; nas unidades orientadas para processos, existem grandes diferenças nas

percepções. A homogeneidade de uma cultura é uma medida de sua força, que, por sua

vez, afeta a orientação: culturas mais fortes são orientadas para resultados, enquanto as

mais fracas se orientam para processos.

Orientada para Tarefas versus Orientada para Pessoas: as culturas orientadas para

tarefas assumem a responsabilidade apenas pelo desempenho no trabalho dos

empregados; as orientadas para pessoas assumem uma responsabilidade mais ampla,

pelo bem-estar de seus membros. Nesta dimensão, o posicionamento das unidades

organizacionais está relacionado com fatores históricos, como a filosofia dos

fundadores ou o acontecimento de crises caracterizadas por demissões maciças de

pessoal.

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Profissional versus Paroquial: nas organizações ou unidades organizacionais

profissionais, os membros, que normalmente possuem alto nível educacional, se

identificam principalmente com a sua profissão. Nas paroquiais, eles derivam sua

identidade da organização para a qual trabalham.

Sistema Aberto versus Sistema Fechado: esta dimensão se refere ao estilo de

comunicação (interna e externa) e à facilidade com que as pessoas de fora e os novos

entrantes são aceitos ou admitidos na unidade organizacional. Enquanto que

organizações abertas são mais flexíveis, facilitando a entrada e adaptação de novos

colaboradores, organizações fechadas tendem a ser mais rígidas, dificultando a

adaptação de outsiders.

Controle Interno Rígido versus Controle Interno mais Flexível: esta dimensão lida

com o grau de formalidade e pontualidade dentro da organização. Ela é, em parte, uma

função do nível tecnológico da unidade organizacional: bancos e companhias

farmacêuticas, por exemplo, possuem uma tendência para controles rígidos, enquanto

laboratórios de pesquisa e agências de propaganda tendem para formas de controle

mais flexíveis. É preciso colocar, no entanto, que, mesmo em empresas semelhantes

tecnologicamente, é possível observar diferenças quanto a esta dimensão.

Pragmática versus Normativa: esta dimensão é indicativa da forma como a

organização lida com o ambiente, em particular com seus clientes. Unidades focadas

em serviços tendem para o lado pragmático ou flexível, enquanto unidades envolvidas

na aplicação de normas legais tenderiam para o lado normativo ou rígido.

Essas dimensões de cultura organizacional não necessariamente se aplicam a qualquer

tipo de empresa em qualquer país. Culturas organizacionais são particulares – da mesma

forma que o nível individual da cultura –, e seu conhecimento e seus elementos só podem ser

totalmente apreciados pelos seus membros. Para indivíduos externos à cultura, é necessária

empatia para o entendimento de seus elementos. O arcabouço conceitual delineado permite,

no entanto, uma visão generalizada da complexidade da cultura das organizações,

viabilizando a comparação entre culturas de organizações diferentes, ou mesmo de culturas

dentro de uma mesma organização (HOFSTEDE, 2001).

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2.4.5. Cultura brasileira

A cultura brasileira, assim como outras culturas latino-americanas, é coletivista. Em

uma cultura coletivista, os indivíduos são extremamente comprometidos com grupos dos

quais são membros, tais como a família, uma família estendida ou uma rede de

relacionamentos. Para os indivíduos, a lealdade a estes grupos é primordial, superando

qualquer outra regra social. A cultura coletivista é um contraponto à cultura individualista,

com foco no indivíduo isolado, que pode ser observada em países como os EUA e a Holanda

(HOFSTEDE, 1991; 1997).

O Brasil também se caracteriza pela hierarquização, com a existência de uma grande

distância do poder, pela leve inclinação ao lado feminino, com uma orientação humana

ligeiramente superior a orientação material, e por certa orientação de longo prazo, marcada

pela superação de obstáculos com o tempo, a frugalidade e a perseverança. Quando

comparado com outros países da América Latina, o Brasil apresenta uma distância do poder

menor do que os outros, bem como uma maior orientação ao longo prazo (HOFSTEDE, 1991;

1997).

A distância social característica da sociedade brasileira é fortemente reproduzida nas

organizações, através de estratificações que separam aqueles que têm poder de seus

subordinados em diversos níveis. Nessas organizações, os valores característicos da distância

social, como a hierarquia, a autoridade, a tradição e os privilégios se misturam a técnicas

gerenciais modernas, derivadas de ideologias individualistas, revelando a ambiguidade e a

dualidade da cultura brasileira (HILAL, 2006).

Apesar deste panorama geral do Brasil. um ponto fundamental da cultura brasileira é

que ela é o resultado da união de três culturas distintas: a indígena, a portuguesa e a africana.

Essa união, denominada “triângulo racial”, em conjunto com a integração de outros grupos de

imigrantes (italianos, alemães, sírios, libaneses, judeus de diversas origens, japoneses,

coreanos e outros mais), transmite a impressão de que a sociedade brasileira é um grande caos

cultural. A cultura brasileira é sempre plural, complexa e multifacetada (MOTTA et al, 1997),

ao ponto de ser impossível falar de um Brasil singular (RIBEIRO, 1995).

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Apesar dessa pluralidade – ou em decorrência dela – certas características são

marcantes da cultura brasileira. A primeira diz respeito às relações pessoais. No Brasil, a

obediência da lei, em geral, é muito menos importante do que as relações pessoais. Ser um

amigo ou parente pode ser muito mais relevante do que a lei em si. Nesse sentido, a frase

“você sabe com quem está falando?” é uma pergunta que se escuta com certa frequência

(DAMATTA, 1991). No Brasil, as pessoas frequentemente subvertem a ordem universal do

sistema jurídico e do mercado com sucesso. Tomando como exemplo a situação específica de

uma infração de estacionamento: um brasileiro com “bons contatos” pergunta ao policial que

o está multando: “você sabe com quem está falando? Eu sou amigo do X, que é amigo do Y,

que é seu chefe”. Um resultado comum nessa situação é o infrator de trânsito deixar a cena

com raiva – e sem multa – e, alguns dias depois, o policial ser forçado a se desculpar

(DAMATTA, 1991).

O peso das relações pessoais gera uma inversão da igualdade do sistema

jurídico/constitucional, transformando situações igualitárias e individualistas em hierárquicas

e pessoais. Existem, no país, dois sistemas legais: um explícito, das regras formais, e outro

implícito, apenas para os “bem-conectados” (HESS; DAMATTA, 1995). Isso mostra o quanto

o Brasil é uma sociedade baseada em relações, onde o povo tem uma necessidade real de

tornar as relações mais próximas e afetuosas.

O “calor humano” nos tratamentos pessoais é também uma característica marcante do

povo brasileiro, que tende a evitar situações violentas, preferindo conciliação e amizade

(MOTTA et al., 1997). Essa cordialidade pode estar associada ao mito do “homem cordial”,

cuja hospitalidade e generosidade representam um aspecto claro da personalidade brasileira

que denota a influência ancestral de padrões sociais derivados da cultura patriarcal. A

padronização de formas externas de cordialidade equivale a um disfarce que permite aos

indivíduos protegerem sua sensibilidade e emoções. Em geral, os brasileiros aceitam fórmulas

reverenciais no trato com seus superiores, mas somente enquanto não suprem completamente

a possibilidade de uma relação mais familiar (HILAL, 2009).

Outra característica própria da cultura brasileira é a presença do “jeitinho brasileiro”,

uma prática cordial que envolve tornar uma relação mais pessoal por intermédio de algo em

comum. O “jeitinho” é um modo original encontrado pelos brasileiros para conciliar a regra

legal às práticas da vida diária (MOTTA et al., 1997). O “jeitinho” é uma forma de articular

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os requisitos da lei às necessidades e desejos de cada um em cada momento. Ele distingue

indivíduo e pessoa, definindo o primeiro como “o sujeito das leis universais que modernizam

a sociedade” e o segundo como “o sujeito das relações sociais, que conduz ao polo tradicional

do sistema” (DAMATTA, 1984).

Tabela 3. Traços brasileiros e suas características chave

Traço Características chave

Tendência à centralização do poder dentro dos grupos sociais

Distanciamento nas relaçõs entre diferentes grupos sociais

Passividade e aceitação dos grupos inferiores

Sociedade baseada em relações pessoais

Busca de proximidade e afeto nas relações

Paternalismo: domínio moral e econômico

Flexibilidade e adaptabilidade como meio de navegação social

"Jeitinho brasileiro"

Gosto pelo sensual e pelo exótico nas relações sociais

Mais sonhador do que disciplinado

Tendência à aversão ao trabalho manual ou metódico

Hierarquia

Personalismo

Malandragem

Sensualismo

Aventureiro

Fonte: Motta et al. (1997)

Em muitas sociedades há uma diferença clara entre o certo e o errado e uma forma

intermediária é repudiada. No Brasil, no entanto, o caminho entre o “pode” e o “não pode” é

chamado de “jeitinho”. É mais do que um modo de viver, é uma forma de sobreviver, uma

reação sensível, inteligente e compassionada de relacionar o impessoal com o pessoal

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(DAMATTA, 1984). Um “malandro” é um mestre na arte do “jeitinho”. Embora a palavra

tenha uma conotação negativa no país, aqui o significado é o da pessoa que busca soluções

criativas e inovadoras através de uma atitude dinâmica e ativa. Neste sentido, o Brasil se

assemelha a uma escola de “malandros”. Os brasileiros expatriados são conhecidos por sua

capacidade de se adaptar, de buscar soluções originais e por serem dinâmicos e flexíveis.

Inconscientemente, todo brasileiro adquire um pouco dessa característica e, em certo grau,

sabe que relações pessoais são um caminho para o sucesso. O brasileiro sabe que para tudo

existe o “jeitinho” (MOTTA et al., 1997).

Um último aspecto importante da cultura brasileira é a valorização do que vem de fora

em detrimento da produção nacional. Brasileiros tendem a desprezar soluções criadas em seu

próprio país. A frase “Olha, se você tem dinheiro suficiente, é melhor comprar logo o produto

importado do que uma dessas porcarias nacionais...” exemplifica esse desprezo (MOTTA et

al., 1997). Alguns dos fatores que explicam essa valorização do externo são a herança colonial

e escravocrata, um complexo de inferioridade e uma fascinação com o “primeiro mundo”

(CALLIGARIS, 1991).

Dado o escopo desse estudo, é importante a menção aos traços culturais brasileiros de

maior influência no ambiente organizacional, que pode ser visto resumidamente através da

tabela 3. Durante a pesquisa, espera-se não só validar a presença dessas características, mas

entender exatamente como cada uma delas influencia o processo de internacionalização das

empresas selecionadas na indústria em questão.

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CAPÍTULO 3

METODOLOGIA

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3. METODOLOGIA

3.1.TIPO DE PESQUISA

Uma pesquisa qualitativa consiste da coleta, análise e interpretação de dados oriundos

da fala e das ações das pessoas. Diferente das pesquisas quantitativas, cujo foco são contagens

e medidas, as qualitativas tratam de significados, conceitos, definições, e outros elementos

mais relacionados com características culturais, que são o objeto deste estudo (CRESWEEL,

2003). A partir dessa visão, considera-se a pesquisa qualitativa como a mais apropriada para

este trabalho, sendo as suas principais características (ROSSMAN; RALLIS, 1998):

Executadas no cenário natural relacionado à pesquisa. O pesquisador deve ir ao

ambiente que deseja estudar para realizar as entrevistas, no intuito de ter a real medida

da experiência do mesmo.

Apresentam multiplicidade de métodos com características interativas e humanas. O

pesquisador deve fazer uso de perguntas e observações abertas, complementadas por

material adicional de caracterização do ambiente.

São emergentes. O pesquisador deve ser flexível de forma a ajustar as perguntas e as

observações de acordo com os temas e problemas que surgem ao longo de uma

entrevista, que podem fugir do plano original.

São interpretativas. Os resultados aferidos estão relacionados com características

subjetivas de interpretação do pesquisador.

São holísticas. Essas pesquisas devem abordar de forma mais abrangente possível o

fenômeno pesquisado, de forma a permitir uma visão mais ampla do mesmo.

São particulares. As pesquisas qualitativas forçam um processo de auto-avaliação do

pesquisador, que por sua vez influencia os resultados atingidos. As características

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pessoais de cada pesquisador influenciam, até certo ponto, os resultados finais

apresentados.

Essas características foram de extrema importância para este estudo exatamente por

permitirem a identificação das categorias de análise mais relevantes e refletirem se e como os

elementos culturais influenciam o processo de internacionalização das empresas pesquisadas.

Complementando as informações apresentadas anteriormente e, de acordo com a

taxonomia apresentada por Vergara (2004), a presente pesquisa pode ser classificada como

exploratória. Tal classificação se deve ao fato de existir pouco conhecimento acumulado e

sistematizado na área, destinando-se essa pesquisa a gerar resultados que forneçam pistas para

investigações futuras.

3.2.ETAPAS DA PESQUISA

3.2.1. Desenho da pesquisa

Como brevemente introduzido no tópico anteiror, para a condução desse estudo, optou-

se pelo uso da pesquisa qualitativa, combinando o uso da revisão bibliográfica e análise

documental, com extenso trabalho de campo através do uso de entrevistas por pautas semi

estruturadas. Dada a abordagem de nove diferentes empresas, este ensaio se caracteriza como

um estudo de caso múltiplo.

O roteiro de entrevistas foi elaborado com perguntas abertas desenvolvidas a partir dos

preceitos apresentados no referencial teórico (vide capítulo 2), refletidos nas questões guias

dispostas no capítulo 1. Introdução. Esse referencial teórico auxiliou primeiramente na

clarificação do problema central que seria abordado, o que, por sua vez, permitiu uma

definição mais precisa da abordagem adotada. Desta forma, o processo de coleta e tratamento

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da informação, bem como as óticas de interpretação utilizadas, foram moldadas tanto pela

teoria quanto pela pesquisa de campo.

A seleção das perguntas – e mesmo a natureza do método de pesquisa adotado – permite

que o participante forneça informações extras ao entrevistador. Este, por sua vez, pode

modificar o roteiro para aproveitar ao máximo as informações fornecidas, seguindo o preceito

de uma pesquisa emergente. O protocolo de pesquisa em si é simples, dado que ela foi

conduzida por uma única pessoa (a autora da dissertação), mas foi desenhado de forma a

maximizar sua confiabilidade dentro dos limites possíveis.

3.2.2. Coleta de dados

O método de coleta de dados deste estudo combina a utilização de dados secundários

sobre as empresas selecionadas - dentre eles o site da organização, reportagens veiculadas em

mídias impressas e online, e folhetos e outros materiais de uso interno, quando disponíveis -,

com a realização de 15 entrevistas com os sócios ou diretores dessas empresas organizadas

através de um roteiro semi-estruturado, conforme indicado no tópico anterior.

A primeira etapa desse estudo foi a coleta de dados secundários, objetivando a reunião

de informações relevantes disponíveis sem a necessidade de condução de entrevistas, tais

comoo histórico da empresa e traços e artefatos culturais visíveis. Essas informações, em

conjunto com o referencial teórico, permitiram a elaboração do roteiro das entrevistas.

A etapa das entrevistas, utilizando o roteiro previamente desenhado como guia, buscou

de fato relacionar a cultura com a internacionalização precoce dessas pequenas empresas,

entendendo se e como se deu tal influência. Aqui é preciso ressaltar que entrevistas são

influenciadas por vieses, pela lembrança ou pela articulação verbal dos entrevistados (YIN,

2003). Esta, juntamente com outras expostas no tópico 3.3 dessa seção, faz parte do grupo de

limitações deste estudo.

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As entrevistas realizadas nessa segunda etapa do estudo tiveram duração variável, com

tempo mínimo de 60 minutos e máximo de 120 minutos. Todas as entrevistas foram

digitalmente gravadas, para que o máximo de informações fossem extraídas do processo. Em

seguida, foram transcritas, permitindo a manutenção dos registros escritos e o cruzamento

mais estruturado de dados. O roteiro completo da pesquisa pode ser visto no Anexo1.

Finalmente, o material oriundo de fontes secundárias foi separado e catalogado de

acordo com os objetivos da pesquisa. Essas fontes permitiram a identificação dos principais

marcos atingidos e ultrapassados pelas organizações no que tange o tema deste trabalho,

evitando assim perguntas desnecessárias durante as entrevistas e aumentando o foco sobre as

questões de maior relevância.

3.2.3. Seleção dos participantes

A seleção das empresas para esse estudo levou em consideração três premissas. Todas

as empresas deveriam apresentar as características inerentes às Born Globals descritas no

capítulo 2, tópico 2.2.4 deste documento – ter orientação global desde sua fundação, ter

realizado (ou estar em vias de realizar) sua internacionalização em um espaço curto de tempo

(período máximo de dois anos após o seu estabelecimento). Todas as empresas selecionadas

já finalizaram ou estão no meio de um processo de internacionalização, independente do

método de expansão para o mercado internacional escolhido. Finalmente, todas as empresas

selecionadas atuam no mercado de tecnologia, comercializando softwares tanto padronizados

quanto personalizados e/ou serviços com base nesses softwares. Todas as organizações

participantes possuem menos de 50 funcionários, sendo assim consideradas de pequeno porte:

de 5 funcionários (Empresa C) até 37 funcionários (Empresa G).

Uma vez que o processo de internacionalização e os elementos associados à ele têm um

caráter estratégico para as empresas, todos os entrevistados ocupam posições estratégicas nas

empresas abordadas. Dado o tamanho das Born Globals selecionadas, a maioria desses

entrevistados são os próprios fundadores ou sócios atuantes dessas organizações, trabalhando

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lado a lado com outros funcionários. Todos os indivíduos foram convidados a participar da

pesquisa de forma voluntária, não havendo recusas ou desistências. Como alguns participantes

optaram por não revelar o nome da empresa, foi decidido, por uma questão de padronização

da informação, manter todas as empresas e entrevistados em sigilo, identificando-os por letras

e números.

A tabela 4 oferece uma lista de todos os participantes dessa pesquisa, incluindo um

perfil resumido de cada uma das empresas abordadas.

Tabela 4. Perfil das empresas participantes e respondentes

Empresa FundaçãoNúmero de

funcionáriosEntrevistado Cargo

Entrevistado 1 Sócio

Entrevistado 2 Sócio

Sócio

Sócio

Entrevistado 5 Sócio

Entrevistado 6 Sócio

Entrevistado 7 Sócio

Entrevistado 8 Sócio

Entrevistado 9 Sócio

Entrevistado 10 Sócio

Entrevistado 11 Diretor

Entrevistado 12 Sócio

Entrevistado 13 Sócio

Entrevistado 14 Sócio

2006 37

82010

2010 11

2010 10

SócioEmpresa I

2009

5

Entrevistado 15

DiretorEntrevistado 4

20

2000 30

Empresa G

Empresa D

Empresa H

Empresa E

Empresa F

2008

Empresa A 2008

Empresa C 2010

Empresa B Entrevistado 328

13

Fonte: da autora.

3.2.4. Tratamento e análise dos dados

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102

Os dados foram coletados através das quinze entrevistas e, em seguida, transcritas para

documentos Word e exportadas para um software de análise qualitativa dos dados. Foi

utilizado o software Atlas, que realiza uma classificação automática de trechos das entrevistas

com relação ao tema abordado, identificando categorias de análise consideradas relevantes,

simplificando o processo de codificação e análise dos dados. Finalmente, todas as entrevistas

foram lidas em sua íntegra, trazendo um senso geral da informação.

A primeira fase da análise envolveu os dados referentes à cultura, cultura brasileira e

cultura organizacional. O objetivo dela foi codificar as entrevistas de acordo com as

categorias culturais de maior destaque. As mesmas entrevistas foram então analisadas sobre a

ótica da internacionalização, passando por uma nova codificação, agora de acordo com os

temas levantados no referencial teórico deste trabalho.

3.3.LIMITAÇÕES DO MÉTODO

Assim como qualquer outro método, as pesquisas qualitativas apresentam algumas

limitações que devem ser levadas em consideração (CRESWELL, 2003):

Referencial teórico. O estudo apresentado está limitado pela seleção de autores e ideias

levantadas no referencial teórico do mesmo. Esse referencial, embora abrangente, não

esgota a área de pesquisa trabalhada, limitando assim o escopo dos resultados obtidos.

Seleção dos entrevistados. As diferenças naturais que ocorrem dentro das empresas

podem servir para introduzir algum tipo de viés no processo de seleção dos

entrevistados.

Entrevistas. A qualidade dos resultados está relacionada com a qualidade das

entrevistas, que pode ser impactada por viéses. A ocorrência de desconforto por parte do

entrevistador ou do entrevistado pode levar a limitações na articulação de ideias; o

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entrevistador pode influenciar, consciente ou inconscientemente, o entrevistado,

distorcendo suas respostas; ou o entrevistado pode falar o que acha que o entrevistador

quer ouvir, e não expressar suas opiniões reais.

Fontes secundárias. Pode ocorrer uma restrição por parte dos funcionários em fornecer

informações para a pesquisa. Da mesma forma, os dados fornecidos podem estar

desatualizados, incorretos ou parciais. Dados públicos, por outro lado, podem apresentar

o viés de quem os publicou (um jornalista, por exemplo).

Análise dos dados. Conforme mencionado, os resultados da pesquisa qualitativa estão

sujeitos a vieses de interpretação do pesquisador. Sendo fundamentalmente

interpretativa, está sujeita a elementos intangíveis de análise que podem prejudicar os

resultados.

Por fim, vale lembrar que os resultados apresentados nesse documento não são

generalizáveis, aplicando-se somente ao escopo delimitado por esta dissertação.

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CAPÍTULO 4

EMPRESAS ABORDADAS

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4. EMPRESAS ABORDADAS

Complementando as informações dispostas na tabela 4, disponível na seção 3.2.3.

Seleção dos Participantes do capítulo III. Metodologia, esse capítulo se propõe a explicar um

pouco mais sobre as empresas participantes da pesquisa apresentada através dessa dissertação.

Para cada uma das organizações foi apresentado um breve resumo sobre seus principais

mercados de atuação, produtos, clientes, concorrentes, entre outros dados relevantes. Como

mencionado anteriormente, as empresas selecionadas para esse estudo operam na indústria

brasileira de tecnologia, comercializando software, tanto padronizado quanto personalizado;

muitas delas comercializam também serviços de apoio e/ou consultoria com base no software

oferecido.

4.1.EMPRESA A

Criada em 2008, a Empresa A surgiu para formalizar os inúmeros trabalhos que os seus

sócios vinham realizando através de vários projetos e parcerias individuais. Tendo como

principal objetivo o desenvolvimento de soluções tecnológicas para a área de meteorologia,

provendo informações para a tomada de decisão a partir dos seus inúmeros softwares, a

Empresa A, desde a sua criação, mostrou-se estrategicamente orientada para o mercado

global.

Por oferecer soluções personalizadas, adaptáveis de acordo com as necessidades dos

clientes, os fundadores da empresa não tiveram grandes empecilhos ao levar suas soluções

para Angola e Nigéria, seus primeiros destinos internacionais. Hoje, a empresa comercializa

suas soluções também para diversos países europeus, tais como a França e a Noruega,

focando sempre nos segmentos de energia, petróleo e gás.Por fim, os principais competidores

da Empresa A são os diversos grandes centros de pesquisa meteorológicos espalhados pelo

mundo.

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4.2.EMPRESA B

A Empresa B nasceu em 2008 com o objetivo de suprir o mercado offshore com

serviços de alto nível na aquisição, processamento e análise de dados meteorológico-

oceanográficos, incluindo levantamentos batimétricos. Dentre os muitos serviços que oferece

ao mercado estão incluídos softwares para a construção de banco de dados e gerenciamento

dessas informações, que, apesar de padronizados, podem ter cada mínimo detalhe adaptado de

acordo com as necessidades dos clientes.

A empresa possui um alcance de mercado singular, atendendo a grandes clientes como

Petrobrás, Devon Energy e AMBIPETRO. Dado o seu foco em um nicho específico de

mercado, a empresa, desde a sua fundação, buscou tanto a expansão doméstica quanto a

internacional. Assim, poucos anos após o seu estabelecimento, a Empresa B deu início as suas

atividades internacionais, culminando em um contrato de parceria com uma empresa norte-

americana para a exportação e importação de soluções. Hoje a empresa já busca novos

mercados fora do eixo Brasil-EUA, estando em negociações com países europeuscomo

Portugal e França.

4.3.EMPRESA C

Orientada estrategicamente para o mercado global desde a sua criação, a Empresa C

nasceu em 2010 objetivando a comercialização de softwares para a gestão empresarial tanto

para empresas atuantes no mercado doméstico quanto para as atuantes no mercado

internacional. Dado seus objetivos estratégicos, tanto em termos de produtos quanto de

mercados, seus principais concorrentes são grandes nomes internacionais da indústria de ERP

(Enterprise Resource Planning), como a SAP, Oracle e TOTUS.

Em 2011, um ano após o seu nascimento, a Empresa C abriu uma representação em

Houston, nos EUA, para o desenvolvimento de projetos junto a Petrobrás América, uma

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grande parceira da organização. Atualmente, a empresa concentra seus esforços em sua

expansão no território americano, buscando a adequação dos seus processos às exigências

daquele mercado para, então, conquistar outros clientes internacionais.

4.4.EMPRESA D

A Empresa D é focada no desenvolvimento de tecnologias e softwares para o

gerenciamento de pessoas, processos e informações em tempo real. Seu principal objetivo é

oferecer ao mercado corporativo soluções completas de TI com a melhor relação

custo/benefício do mercado. Suas ofertas incluem uma completa plataforma tecnológica,

diferentes aplicativos empresariais e serviços profissionais de consultoria, para organizações

de todos os portes e segmentos. A empresa oferece soluções não-personalizadas aos seus

clientes, porém, coloca à disposição um grande portfólio de produtos cobrindo todas as

necessidades gerenciais de uma empresa.

Dado o seu direcionamento estratégico tanto para o mercado doméstico quanto para o

mercado internacional, a Empresa Dcompete com grandes playerstambém de atuação global,

como TOTUS e Microsoft. Após o recebimento das patentes referentes às tecnologias

comercializadas – elemento impeditivo ao início da atuação em mercados internacionais – a

empresa D iniciou seus esforços internacionais, mirando no mercado norte-americano. Apesar

de, até o momento da realização da pesquisa, a empresa não ter iniciado a prestação de

serviços fora do território doméstico, ela já tem diversas propostas comerciais em avaliação

por potenciais clientes e já possui diversas linhas de financiamento e investimento em

negociação.

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4.5.EMPRESA E

Fundada em 2010, a Empresa E é uma empresa de tecnologia com ênfase em geomática.

Seu objetivo é desenvolver softwares de integração e processamento de dados

georeferenciados para a monitoração remota, além de confeccionar e processar mapas 2D e

3D de atributos físicos e geoespaciais utilizando técnicas de interpolação e análise avançadas.

Seus projetos envolvem todo o ciclo da informação, que vai desde a geração da informação

pelo conhecimento dos instrumentos e de suas funções, passando pela transmissão, coleta,

armazenamento e processamento geoespacial de dados, e terminando com a aplicação da

informação em gráficos e mapas temáticos distribuídos em meio físico ou pela Web.

Com uma composição societária de brasileiros e canadenses, a Empresa E já nasceu

com dois braços: Brasil e Canadá. Essa composição reforça a orientação da empresa para o

mercado global desde os seus primórdios. Tendo a inovação como principal meta e sabendo

que o mercado canadense é a referência para assuntos de geomática, a empresa trabalha em

conjunto com centros de pesquisas dos dois países para criar as melhores tecnologias e,

futuramente, iniciar a sua comercialização para o mundo.

4.6.EMPRESA F

A Empresa F é uma startup fundada em 2009 especializada na criação e comercialização

de softwarespara apoio à gestão estratégica das organizações. Suas soluções abrangem o

planejamento, implementação e acompanhamento de processos estratégicos, incluindo desde

softwares para o monitoramento de mercado, até a orquestração dos processos e apoio à

gestão por desempenho de seus projetos. Tendo a internacionalização incorporada à sua

estratégia desde a sua fundação, a Empresa F vem desenvolvendo produtos de uso comum a

todos os países e culturas.

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O principal destino dos recursos da organização é F, seu principal produto. Esse

software foi criado para auxiliar desenvolvedores a organizarem seus projetos, garantindo o

cumprimento de prazos acordados e a realização de entregáveis. Embora inicialmente

projetado para indivíduos e empresas da área de tecnologia, a versatilidade do produto levou a

sua aplicação em áreas diversas por profissionais que enxergaram nele a ferramenta ideal para

a gestão de qualquer tipo de projeto.

O produto F é comercializado através da internet, e já possui clientes espalhados por

vários países. Com a sua versão em português já disponível, o produto hoje está em

praticamente todos os países de língua portuguesa, como Portugal e Angola, além do território

nacional. A equipe da Empresa F procura, em um futuro próximo, realizar a expansão

mundial do produto, através de uma versão em inglês que já se encontra em desenvolvimento.

Competem com a solução da Empresa F, pequenas e grandes empresas que fornecem

serviços e produtos similares também pela internet. Companhias como a Microsoft, com

plugins específicos, ou a 37Signals, com o Basecamp, de alcance global, são apenas alguns

exemplos.

4.7.EMPRESA G

Especializada no desenvolvimento de softwares para o tratamento e manipulação de

grandes volumes de informação, a Empresa G vem desde 2006 atendendo a clientes nas mais

diversas indústrias, entre elas a financeira, a de telecomunicações e a governamental. Com

soluções altamente customizáveis, a Empresa G procura estabelecer relacionamentos de longo

prazo com os seus clientes através da concepção de ferramentas únicas e atendimento

diferenciado que atendam a exata necessidade do contratante.

Essa visão, somada à sua estratégia de orientação ao mercado global, levou a Empresa G

a construir uma carteira de clientes composta por empresas de grande nome, nacionais e

internacionais. Nesta lista estão grandes bancos, como o Itaú, e empresas de telecomunicações

como a Oi. Atualmente, além do mercado brasileiro, a empresa atua nos EUA, através de um

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contrato originário de um cliente multinacional no Brasil. Seus principais competidores, tanto

no Brasil quanto nos EUA, são grandes empresas globais como a Microsoft e a Teradata, além

de pequenas e médias empresas locais de banco de dados.

4.8.EMPRESA H

Fundada em 2010, a Empresa H é uma startup especializada na coleta e tratamento de

informações disponíveis, na maioria das vezes, na internet. Aproveitando-se da grande

popularidade do canal e do crescimento de negócios baseados nele – o que aumentou o

interesse por novas informações sobre os consumidores – a Empresa H criou uma série de

softwares capazes de extrair e organizar esses novos dados. Com uma oferta composta de um

pacote de soluções “fechadas”, garantindo a escalabilidade dos projetos, a Empresa H já tem

em seu portfólio de clientes grandes empresas, apesar do seu pouco tempo de vida.

Sem um mercado consumidor foco, a Empresa H é direcionada para todas aquelas

empresas que fazem uso da internet para comercializar seus produtos, apresentar soluções,

validar informações, ou realizar qualquer outro tipo de atividade. É por isso que sua carteira

de clientes passa tanto pelo varejo quanto pela telefonia ou pela validação de crédito.

Igualmente robustos são os seus concorrentes: empresas de renome, como a Oracle e a

Microsoft, ocupam – ou tentam ocupar – os espaços em que a Empresa H atua.

Estrategicamente orientada para os mercados doméstico e internacional desde a sua

criação, a Empresa H trabalha para expandir a sua atuação em ambos os territórios.

Atualmente, além do mercado brasileiro, a empresa comercializa seus produtos em território

argentino e negocia outros contratos internacionais em países diversos.

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4.9.EMPRESA I

Centrada na comercialização de seu único produto, um software completo de gestão de

navios e plataformas, a Empresa I é responsável pela integridade de estruturas deste tipo no

Brasil e no mundo. Com grandes clientes da indústria de óleo e gás, como a Petrobrás, Shell e

Transpetro, a Empresa I se orgulha de ser uma empresa agraciada com diversos prêmios, tais

como o Sustentabilidade Microsoft, de responsabilidade social e ambiental, e o Prêmio Rio

Info, de melhor solução na área de petróleo.

A trajetória da Empresa I com mercados internacionais teve início antes mesmo da sua

fundação: seu produto chave foi criado visando uma parceria com uma empresa internacional

sediada nos Estados Unidos, refletindo a sua forte orientação global desde a fundação. Apesar

da falta de sucesso dessa primeira iniciativa, a empresa hoje comercializa seu software para

diversos países através da exportação da tecnologia para vários dos seus clientes

multinacionais.

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4.10. QUADRO-REUMO DAS EMPRESAS ABORDADAS

Tabela 5. Quadro-resumo das empresas participantes

Empresa FundaçãoAno da

Internacionalização

Países para onde

Internacionalizou

Empresa A 2008 2009

Empresa B 2008 2009 EUA

Empresa C 2010 2011 EUA

Empresa E 2010 2010

Empresa G 2008 2009

Empresa I 2000 2002 EUA, França, Portugal, etc

Angola, Nigéria, França,

Noruega, etc

EUA

Canadá

Portugal, Angola

EUA

ArgentinaEmpresa H 2010 2010

Empresa F 2006 2008

Empresa D 2010(propostas em

negociação)

Fonte: da autora.

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CAPÍTULO 5

ANÁLISE DOS RESULTADOS

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5. ANÁLISE DOS RESULTADOS

O presente capítulo oferece um panorama dos resultados obtidos através da análise das

entrevistas realizadas com os executivos das diferentes empresas selecionadas para este

estudo. Os tópicos aqui dispostos refletem tanto o questionário aplicado (disponível no anexo

1) quanto a revisão de literatura apresentada ao longo do capítulo 2, que foi confrontada com

os resultados obtidos.

As perguntas-chave para atender o objetivo da pesquisa acerca de se e como a cultura

influencia o processo de internacionalização das Born Globals brasileiras, são as

seguintes:

1) A cultura influencia o processo de internacionalização da empresa?

2) Quais os principais aspectos da cultura nacional e da cultura organizacional e como

eles influenciam a decisão de internacionalizar, a escolha dos mercados e os modos

de entrada?

Essas questões guiaram a análise das entrevistas, que foram realizadas através do

software Atlas, conforme mencionado em sessões anteriores. As páginas seguintes

apresentam as categorias que foram identificadas como mais representativas e significativas

ao longo do processo. Apresentam igualmente trechos ilustrativos para cada uma das mesmas.

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5.1.A HOMOGEINIZAÇÃO DOS MERCADOS , A VALORIZAÇÃO DA MARCA E AS TROCAS ENTRE

EMPRESAS COMO OS PRINCIPAIS FATORES INFLUENCIADORES DA

INTERNACIONALIZAÇÃO

Todas as empresas abordadas neste estudo possuem a internacionalização como meta

estratégica e, por essa e outras características (citadas no tópico 3.2.3. Seleção dos

Participantes), podem ser classificadas como Born Globals, ou seja, empresas que já nascem

direcionadas para o mercado global. Para todas elas, a internacionalização é um caminho

natural dado que seus produtos atendem necessidades não estão restritas a um único país. De

fato, as necessidades atendidas pelos produtos dessas empresas se mostram padronizadas

devido em parte à homogeneização dos mercados, característica intimamente relacionada com

o surgimento das Born Globals (OVIATT; MCDOUGALL, 1994; SERVAIS, 1997).

“Essa estratégia de internacionalização é parte da empresa desde o início. Nós fomos em congressos no exterior pra ver se teria algum interesse... é que nós sabemos que aquele produto que desenvolvemos podia ser aplicado a qualquer obra no mundo.” (ENTREVISTADO 7)

“Eu diria que a internacionalização hoje funciona como um dos pontos centrais da estratégia da empresa. Como a empresa é relativamente pequena, quando levado em consideração os competidores, e como ela é uma empresa que a natureza do trabalho, do software que ela vende, é universal, essa movimentação faz muito sentido.” (ENTREVISTADO 11)

“A internacionalização sempre fez parte da estratégia da empresa (...) o software sempre esteve em inglês, não só na interface como dentro do código, os comentários estão em inglês (...) e é uma necessidade padrão de todos os mercados dessa indústria, todo mundo tem os mesmos problemas.” (ENTREVISTADO 15)

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A outra grande razão por trás da internacionalização dessas empresas é a busca por

reforçar sua marca no mercado local. Segundo a grande maioria dos entrevistados, existe um

forte preconceito dos brasileiros em relação a empresas ditas “nacionais”. A premissa de que

o que vem de fora é melhor, da valorização do internacional em detrimento da produção

nacional (MOTTA, 1997), faria com que essas empresas busquem contratos internacionais

como forma de validar a sua competência junto a clientes brasileiros.

“O Canadá é o país com a maior aplicação da nossa tecnologia. Então, uma vez que, mesmo sendo uma empresa brasileira, eu consiga ganhar terreno no Canadá, eu, automaticamente, estou chancelando a minha tecnologia como entre as melhores práticas do mundo. Em função disso, temos gasto bastante energia com a atuação no mercado canadense.” (ENTREVISTADO 8)

“O cliente internacional representa não só mais receita, mas representa uma grande visibilidade e uma força muito grande para nossa marca nacionalmente, permitindo até maior expansão nacional. (...) Uma coisa que percebemos é que no Brasil existe certa cultura de você valorizar mais o que vem de fora. Então, você ter clientes internacionais dá um valor maior para sua marca do que simplesmente ter clientes nacionais.” (ENTREVISTADO 11)

O mercado internacional aparece também como fonte de conhecimento e troca entre as

empresas e com institutos de pesquisa. Muitas das organizações pareciam enxergar a ida para

o exterior como um caminho para a construção de tecnologias cada vez mais competitivas em

um contexto global. Ao entrar em contato com mercados mais evoluídos, por assim dizer,

com maiores níveis de competição, essas empresas, observando seus competidores e

consultando grandes centros de pesquisa, aprimoram seus produtos que, por sua vez, se

tornam mais interessantes tanto aos olhos destes mercados quanto do mercado doméstico.

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“Nós queremos expandir a empresa pros grandes centros urbanos, que têm centros de pesquisa. Queremos estar próximo tanto dos EUA, onde têm grandes centros de pesquisa, e da Europa, onde tem outros grandes centros de pequisa, para estarmos próximos exatamente do desenvolvimento. Queremos ter o nome da empresa associado à esse desenvolvimento atualizado.” (ENTREVISTADO 1)

“Para nós era muito interessante observar esses mercados. É o famoso benchmark: nós olhamos como eles faziam algumas coisas que achavamos que já tinhamos chegado no ideal, e transformamos um pouco a nossa solução para ficar igual mesmo, porque descobrimos que eles estavam melhores em alguns quesitos. Já em outros, estavamos a frente deles.” (ENTREVISTADO 8)

Em segundo plano as entrevistas sugerem motivações como o aumento de receitas e

lucros ou a participação de mercado, objetivos inerentes a qualquer organização. Embora não

ressaltado, o aumento das receitas e lucros advindo da expansão para territórios internacionais

parece possuir um peso significativo na decisão de internacionalizar. O risco da

internacionalização para essas empresas é bastante alto, uma vez que a maioria delas não

conta com nenhum tipo de patrocínio financeiro, e precisaram elas mesmas assumirem os

custos associados a este processo. Esta e outras barreiras estão expostas no tópico 5.5.

“Um dos nossos objetivos com a internacionalização é expandir a empresa e aumentar as receitas. Isso é uma grande motivação para a gente.” (ENTREVISTADO 3)

“A ida para o mercado externo é muito positiva em termos de receitas e, como a empresa já tem uma boa carteira aqui, a saída é uma possibilidade de crescimento.” (ENTREVISTADO 6)

“Nós visamos mais receita, claro, e visamos também uma estabilização da empresa.” (ENTREVISTADO 7)

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5.2.A GRANDE INFLUÊNCIA DAS TEORIAS DAS NETWORKS E EMPREENDEDORISMO

INTERNACIONAL NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS

Segundo o modelo da escola de Uppsala, a internacionalização é um passo natural na

vida de uma empresa, e é realizada de forma gradual: os mercados internacionais são

abordados no momento em que o mercado de origem chegou ao ponto de saturação, e a

empresa aumenta a sua participação no mercado internacional a partir da crescente aquisição

de conhecimento sobre o mercado em questão (JOHANSON; VAHLNE, 1977; 1990). Assim,

segundo essa teoria, as empresas iniciariam suas atividades em território internacional através

da exportação de produtos e serviços, seguidado estabelecimento de subsidiárias de vendas,

até que, por fim, estabeleceria subsidiárias de produção no país estrangeiro. O

comprometimento com o estrangeiro, então, seria feito de forma gradual. Apesar da lógica

apresentada pela escola de Uppsala, nenhuma das empresas abordadas por esse estudo

pareceu evoluir conforme essa proposta, iniciando o seu percurso por territórios internacionais

de formas distintas. Essas formas incluiram desde a exportação de produtos até o

estabelecimento de unidades de negócio, independente da falta de conhecimento por parte das

empresas acerca do processo e do mercado.

Apesar de não seguirem uma internacionalização gradual, os empreendedores

pesquisados afirmam ter seguido o modelo de Uppsala no que tange o aprendizado. Após o

primeiro movimento rumo à mercados internacionais, os empreendedorem revisaram uma

série de comportamentos da organização, formalizando alguns processos e alterando outros

com o objetivo de melhorar as chances da empresa em uma segunda tentativa. Esse

comportamento foi observado tanto para tentativas falhas de internacionalização, quanto para

as bem sucedidas.

“Pelo fato de eu não ser americano, eu chego com certa falta de conhecimento dos protocolos, mas isso se aprende. Eu cheguei lá inexperiente, mas agora eu já estou mais esperto. Agora eu já sei o que

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é que o outro está querendo saber e como é que ele gosta de se relacionar.” (ENTREVISTADO 5)

“É um aprendizado diário sobre como fazer, (...) e é a experiência de uso que vai nos dando o retorno a partir dos usuários. (...) A gente transforma o produto o tempo inteiro, realmente aprendendo a partir da experiência. E o mesmo vale para a internacionalização, nós vamos a palestras, pesquisamos, conversamos. É um aprendizado diário mesmo.” (ENTREVISTADO 10)

“Na medida em que você conhece o mercado, você se insere de uma maneira mais fácil. (...) Quando você entra em um mercado desconhecido, você enfrenta todas as barreiras que não conhecer o mercado em que você está atuando implica. Não que a gente deixe de ir até esses mercados, mas facilita.” (ENTREVISTADO 14)

Como Born Globals, essas empresas indicaram a adoção de um comportamento de

internacionalização muito parecido com o descrito pela Perspectiva de Networks e pela teoria

do Empreendedorismo Internacional. A perspectiva de Networks sugere que o processo de

internacionalização de uma empresa não vem apenas de sua interação com o mercado, mas é

resultado de uma rede de relacionamentos mais complexa (JOHANSON; MATTSSON,

1988). A grande maioria das empresas abordadas por esse estudo iniciou a sua

internacionalização levado por parceiros e fornecedores, exatamente como a teoria aponta.

“Começamos a participar de eventos e reuniões, e fizemos contato com empresas estrangeiras, e o primeiro contato que a gente fezfoi algumas propostas que tiveram início em 2009 com Angola e Nigéria através de uma empresa brasileira que fornece para a área de petróleo e gás.” (ENTREVISTADO 1)

“Na verdade a gente não escolheu esse mercado diretamente, o mercado meio que nos escolheu. Por acaso, um dos relacionamentos que a gente exerceu foi com o pessoal de uma empresa argentina.Nós já fornecíamos o produto para eles aqui no Brasil e a filial argentina

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nos chamou depois de ter conhecido o trabalho que estávamos fornecendo.” (ENTREVISTADO 13)

Apesar da orientação para o mercado global desde a sua fundação, a grande maioria das

empresas indicou não possuir um plano formal de internacionalização. Todas sabem da

importancia do movimento, e querem realizá-lo o quanto antes, mas acabam não seguindo

nenhum planejamento formal. O “empurrão” acaba sendo dado pela rede de relacionamentos

em que a empresa está inserida. Aparentemente, a isso se deve a razão das empresas iniciarem

o processo em momentos diversos, hora realizando exportação de produtos e serviços, hora

abrindo uma filial no mercado internacional.

Esse comportamento também poderia ser relacionado com o fato dessas organizações

não terem processos e objetivos formais no momento da internacionalização. Operando

informalmente como pequenas empresas em expansão, organizando o dia a dia e

formalizando processos a partirdo surgimento de novos contratos e oportunidades, elas, na

pressa de crescer e se tornarem rentáveis, acabariam aceitando propostas de sua rede de

relacionamentos sem considerar os riscos associados. A vontade de iniciar o processo muitas

vezes parece ser mais forte do que qualquer problema decorrente da falta de planejamento.

Até aquele momento a gente não tinha nada: fomos na cara e na coragem.Aí começamos a tentar um planejamento e pensamos: nós precisamos de apoio, seja do governo, seja de alguém, porque não da paraatuar nesses países sem um respaldo jurídico. “É um movimento complexo.” (ENTREVISTADO 1)

“Antes não tinha nada disso, não tinha uma preocupação com isso. Hoje existe uma preocupação. Hoje está claro para essas pessoas que isso aqui tem um valor. Tem um valor organizar, tem um valor rever processos, tem um valor registrar os casos de sucesso, tem um valor apresentar as certificações internacionais.” (ENTREVISTADO 4)

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“No inicio, na correria, a gestão disso tudo estava realmente um pouco em segundo plano. Esse ano nós temos dedicado bastante tempo a, justamente, colocar isso em documentos, entender a penetração em cada cliente, e outras informações, porque isso faz muita diferença.” (ENTREVISTADO 8)

Outra grande influência ao processo de internacionalização identificada foi a do

empreendedor, daí a teoria do Empreendedorismo Internacional também estar presente no

caminho trilhado pelas empresas abordadas. Segundo essa perspectiva, o papel do

empreendedor individual é fundamental no processo de internacionalização da firma (HILAL;

HEMAIS, 2003). Sempre em posições estratégicas dentro da organização, ocupando cargos

onde são capazes de implementar a sua visão, os empreendedores entrevistados foram cruciais

para o início da internacionalização dessas empresas. Frente às várias propostas de

internacionalização, vindas principalmente das redes de relacionamento da firma, cabia a eles

a decisão de prosseguir ou desistir. De acordo com as percepções de cada empreendedor – que

incluem aversão ao risco – diferentes níveis de envolvimento com o mercado internacional

foram observados. Mais sobre a influência do empreendedor será explorado no tópico 5.4.

“Nós sempre tivemos planos de ir para fora com a empresa, mas aqui dentro, cada um tem a sua área de atuação, cada um tem as suas responsabilidades. Eu fico mais com o comercial e o outro sócio cuida mais dessa questão da internacionalização. Agora, claro que as decisões são feita por todos. Todo mundo tem um papel muito ativo nesse processo.” (ENTREVISTADO 6)

“A internacionalização era muito clara para todos os sócios. Quando surgiu a oportunidade de irmos para o mercado americano, sentamos todos numa sala e batemos o martelo. Foi simples assim.” (ENTREVISTADO 12)

“Na verdade foi assim: a empresa precisa de cliente, essa é uma grande oportunidade de receita (...), foi uma decisão trivial, por assim dizer... não teve um processo tomada de decisao muito complexo. Todos os sócios foram envolvidos nesse processo. Foi uma decisão conjunta da equipe.” (ENTREVISTADO 13)

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5.3.O PAPEL CHAVE DAS REDES DE NEGÓCIOS PARA O INÍCIO DA INTERNACIONALIZAÇÃO

Conforme mencionado no tópico 5.2, as complexas redes de relacionamentos nas quais

as empresas estão inseridas seriam as grandes responsáveis tanto pelo início do processo de

internacionalização quando pelo modelo seguido por elas. Embora essa conclusão seja

aplicável apenas ao universo de empresas desta pesquisa, neste tópico tal influência foi

analisada frente à teoria das Perspectivas de Networks. A maneira como essas redes de

relacionamento se formam foi investigada e caracterizada de acordo com a relação da empresa

com o seu mercado internacional.

Segundo o modelo de internacionalização das Networks (JOHANSON; MATTSSON,

1988) a rede de relacionamentos de uma empresa influencia enormemente a sua

internacionalização. A grande maioria das empresas abordadas nesta pesquisa iniciou sua

jornada em mercados internacionais a partir dos contatos construídos ao longo de sua

existência. Esse padrão confirma o proposto pela teoria das Networks, mostrando que, dentro

desse universo pesquisado, as redes de fato indicam possuir grande influência no início do

processo de internacionalização.

“Toda a nossa carteira de clientes foi construída através de relacionamentos. Nós nunca fizemos propaganda ou coisa do tipo. (...) O nosso contato comercial conhece alguém que pode ter interesse nos nossos produtos, marca uma reunião, apresenta e daí continuamos o processo. Como a internacionalização veio de um cliente que conseguimos aqui no Brasil, a importancia desses relacionamentos para nós é clara.” (ENTREVISTADO 12)

“Quando fundamos a empresa, nós tínhamosalguns relacionamentos pessoais que alavancamos nos primeiros clientes. Nós tivemos êxito nesses primeiros clientes e conseguimos alavancar novos clientes e assim por diante. (...) Hoje existem pessoas que não conhecemos diretamente, mas que ouviram falar do nosso trabalho e nos procuram para fazer serviços dessa natureza.” (ENTREVISTADO 13)

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A pesquisa evidenciou alguns padrões específicos a como essas redes de relacionamento

foram construídas. Um primeiro ponto é que um grande número das empresas selecionadas

participa ativamente de feiras e congressos, nacionais e internacionais, específicos de suas

indústrias. Os contatos realizados durante esses eventos são percebidos como muito valiosos

para essas Born Globals. A partir da exposição dos seus produtos e serviços e da participação

em palestras, boa parte das empresas pesquisadas conseguiram estabelecer contatos de

negócios com diversas outras empresas provenientes de um leque amplo de países, que inclui

os EUA, a Argentina e países europeus.

“Essas empresas internacionais chegaram até nós por causa de uma apresentação em um congresso internacional. (...) Então eu acho que é uma estratégia que funciona muito bem. Normalmente as grandes empresas de construção civil e de instrumentação têm os representantes deles nesses congressos, eles possuem um stand, assistem a palestras. É um local estratégico para encontrar todo mundo do mercado.” (ENTREVISTADO 7)

“Nós fomos convidado pra falar em um evento que acontece no Silicon Valley chamado TYCOON. (...) Uma empresa viu a nossa solução e nos convidou para abrir a empresa no Silicon Valley. Eu tinha um produto inicial desenvolvido e nessa feira eu conheci o vice presidente dessa empresa, que falou: “caramba, tudo que eu pensava está pronto!” E aí começou.” (ENTREVISTADO 15)

Um segundo padrão percebido foi a influência de clientes e parceiros multinacionais,

com atividade no Brasil, na internacionalização das empresas pesquisadas. Com o bom

desempenho dos produtos e serviços oferecidos pelas firmas pesquisadas em seu território de

origem (o Brasil), elas acabam sendo convidadas para realizar os mesmos serviços no

exterior, estimulando assim o início da internacionalização. Depois de um período de

relacionamento com o exterior, muitas dessas empresas vão além da exportação, aproveitando

a oportunidade para abrir representações de venda no país em questão.

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“Nós temos um contato muito forte com um órgão de pesquisa e com uma empresa na Noruega. O tipo de atividade é bem complementar, e aí, como eles estavam querendo se estabelecer aqui no Brasil, mas viram que tem gente, chamaram a nossa empresa para fazer parceria.” (ENTREVISTADO 1)

“Onosso processo de internacionalização começou motivado pelo cliente: o cliente nos chamou para fazer esse trabalho internacional. (...) Embora existisse dentro da empresa uma motivação de que eventualmente iríamos competir no mercado estrangeiro, foi a participação do cliente que acelerou esse processo.” (ENTREVISTADO 11)

O último padrão que foi identificado em diversas empresas foi a influência de órgãos e

consulados brasileiro nos vários países, que se mostraram de grande ajuda quando o assunto é

internacionalização. Muitos dos empreendedores recorreram à esses órgãos para coletar

informação sobre o país desejado, bem como para buscar apoio para iniciar o processo de

internacionalização. Assim, apesar das várias alegações de dificuldades e da falta de suporte

por parte desses órgãos – assunto que será explorado mais adiante – muitos empreendedores

os apontaram como facilitadores do processo. Esses órgãos promovem encontros, facilitando

o ingresso de empresas em início de carreira em mercados internacionais.

“Nós fizemos contatos principalmente através das camaras de comércio para poder atingir a nossa meta.” (ENTREVISTADO 3)

“Nós usamos e temos usado a Câmara de Comércio do Brasil-Estados Unidos e a Câmara de Comércio Brasil-Texas. (...) O uso da Câmara nos ajudou a entender até onde nós deveríamos ir, que prédio deveríamos entrar, que rua que deveríamos ficar.” (ENTREVISTADO 4)

“Em 2010 eu conheci umas pessoas que estavam nesse plano de levar empresas brasileiras para fora, mas eu tomei algumas atitudes, fiz

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contato com a embaixada, com o consulado e conheci o cônsul geral do consulado do Brasil em São Francisco.” (ENTREVISTADO 5)

Existe, contudo, uma exceção à esse padrão que deve ser ressaltada. Uma das empresas

abordadas apresentou um padrão de internacionalização totalmente dissociado da influência

das Networks. Com um software direcionado tanto para pessoas jurídicas quanto físicas, essa

empresa realizou a internacionalização da sua solução através de exposição por propaganda.

Nesse caso particular, o grande influenciador do processo foi o indivíduo empreendedor, não

existindo a participação das Networks.

“O modelo de negócios que planejamos já previa a internacionalização. Então, nós traçamos um modelo de comercialização do nosso produto onde prevíamos, dentre outros, a propaganda. Hoje nós temos cerca de quarto mil usuários, cerca de dois mil projetos cadastrados. Temos blog, um canal de vídeos, temos toda uma parte de ferramentas a nossa disposição.” (ENTREVISTADO 10)

O modelo das Networks foi concebido a partir do cruzamento de duas dimensões: grau

de internacionalização da firma e grau de internacionalização do mercado. Conforme

detalhado notópico 2.2.2 deste trabalho, empresas que se aventuram por mercados com baixo

grau de internacionalização costumam ter mais dificuldades em encontrar e construir redes de

relacionamento confiáveis, que possam ajudá-las a se estabelecer no mercado estrangeiro. O

oposto ocorre com empresas em mercados altamente internacionalizados: encontrando redes

já estabelecidas, essas empresas tendem a encontrar maior facilidade para se expandir

(JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Todas as empresas abordadas neste estudo poderiam ser classificadas como

organizações com baixos níveis de internacionalização segundo a Perspectiva de Networks.

Enquanto Born Globals, nenhuma delas possuía experiência de internacionalização prévia. Ao

mesmo tempo, o mercado de software, no qual estão inseridas, se caracteriza por uma forte

internacionalização no resto do mundo. Elas poderiam, portanto, ser classificadas como Late

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Starters, ou seja, empresas com baixo grau de internacionalização adentrando um mercado

altamente internacionalizado, segundo o modelo de Johanson e Mattsson (1988). Exatamente

conforme a teoria menciona, essas empresas se beneficiariam da sua rede de relacionamentos,

passando por um processo de internacionalização relativamente rápido e com riscos

suavizados pela participação ativa dos parceiros que forçaram a internacionalização.

Por outro lado, um menor número de pesquisadas reportou tentativas falhas de

internacionalização. Quase todas essas tentativas ocorreram em mercados com baixos níveis

de internacionalização, aonde na percepção das empresas, as mesmas não contaram com

suporte adequado e onde os riscos não compensaram os ganhos. As empresas nesta situação

seriam classificadas como Early Starters, para as quais existem fortes incertezas com relação

ao comportamento dos consumidores nos novos mercados, aumentando assim os riscos. Foi

justamente este o padrão observado durante esse estudo.

“Acabou que o contrato não foi feito. Teve uma reunião onde chegamos e a pessoa começou a falar: “isso aqui está ótimo, agora nesse preço vocês precisam incluir algumas coisas. Esse valor aqui é um valor que vai ser colocado para o presidente do país, e esse aqui vai ser colocado para o ministro tal, e esse para o deputado tal.”Eu não me senti confortável. Não me senti seguro para continuar. Já é um mercado diferente, e sem nenhum suporte, fica difícil.” (ENTREVISTADO 2)

5.4.O EMPREENDEDOR COMO FIGURA CHAVE DO NEGÓCIO

Conforme mencionado no tópico 2.2.3, os indivíduos retratados na perspectiva do

Empreendedorismo Internacional têm ao menos uma diferença clara com relação aos outros

empreendedores: eles aparecem sempre em posições estratégicas dentro das organizações,

ocupando cargos onde são capazes de implementar sua visão (ANDERSSON, 2000). Seriam

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esses indivíduos que, impulsionados muitas vezes pela rede de contatos na qual a empresa

está inserida, decidem e executam o plano de internacionalização da empresa.

Todas as empresas entrevistadas indicaram sofrer fortes influências de algum

empreendedor com esse perfil. Esses indivíduos ocupavam posições estratégicas – exatamente

como colocado pela teoria – e levavam a empresa para os mercados internacionais de acordo

com seus desejos e percepções. Na verdade, os resultados sugerem que a estratégia assumida

pelas organizações observadas é um reflexo do indivíduo que a criou. Assim, a orientação

global desde a sua criação, característica chave para a caracterização das Born Globals, seria

um reflexo direto dos sócios delas. Nenhum dos entrevistados demonstrou qualquer

resistência ao mercado global, entendendo que seus produtos e serviços possuem apelo para

diversos países, e enxergando a internacionalização como um passo natural para exercer todas

as oportunidades que o mercado internacional possibilita para a empresa.

“A internacionalização foi facilitada primeiramente pelo perfil dos sócios, que tem mais desenvoltura para buscar contatos, dominam o inglês... O outro ponto é que o tipo de atuação da nossa empresa é uma coisa que chama atenção, então, em qualquer conversa, as pessoas querem saber mais. É mais fácil iniciar uma conversa e prosseguir com ela.” (ENTREVISTADO 1)

“Sempre conversamos e debatemos essa questão, sempre foi um desejo. Não foi nada assim: “opa, a partir de agora vamos buscar a internacionalização”, não. Foi uma coisa que aconteceu naturalmente e quando recebemos a primeira proposta, como já estava bastante claro em termos estratégicos para a empresa, aceitamos.” (ENTREVISTADO 2)

“A decisão de ir para o Canadá teve dois pesos. Um é a questão da referencia do mundo da nossa tecnologia que é baseada no Canadá, e o segundo é porque nós temos dois sócios canadenses. E justamente um deles estava terminando um projeto grande de mineração aqui no Peru, e estava retornando ao Canadá. Então, na realidade, juntou o útil ao agradável.” (ENTREVISTADO 8)

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Ao considerar o papel do empreendedor no processo de internacionalização, cada

empresa apresentou comportamentos diferentes, de acordo com as expectativas, anseios e

características de cada indivíduo, tais como o nível de aversão a risco de cada um. Essa

influência parece se fortalecer ainda mais pela ausência de um plano formal de abordagem do

mercado internacional.

De acordo com Schumpeter (1934), os empreendedores podem ser classificados em três

tipos: os técnicos, os de marketing e os estruturais (ANDERSSON, 2000). O empreendedor

técnico é aquele cujo foco está nos processos produtivos, nas fontes de matéria prima e nas

novas tecnologias. O empreendedor de marketing, por sua vez, é aquele focado na conquista

de novos mercados, no crescimento da empresa e no lançamento de novos produtos ou na

adaptação dos produtos existentes às necessidades de novos mercados. Por fim, o

empreendedor estrutural tem um foco sistêmico, na estruturação e no direcionamento geral da

empresa, sem se preocupar com as atividades operacionais ou rotineiras. Para esse

empreendedor a internacionalização deve ser enxergada como parte da estratégia da empresa

e não como uma meta isolada.

Os empreendedores abordados por esta pesquisa apresentaram características das três

classificações descritas acima. São, prioritariamente, estruturais, olhando a empresa como um

todo e tomando decisões estratégicas. Enxergam a internacionalização como parte integral da

estratégia da empresa, e não como uma meta isolada. Por outro lado, por estarem inseridos em

pequenas empresas, eles acabam tendo que participar igualmente do dia-a-dia da organização,

daí apresentarem características do perfil marketing. A proximidade com o mercado em

potencial, a participação no lançamento e adaptação de produtos e a atenção ao crescimento

da empresa são comportamentos observados em todos os entrevistados. Além dessas, a

atenção às novas tecnologias e a escolha cautelosa de mercados internacionais baseada em

uma racionalização prévia também foram mencionadas por alguns dos executivos

entrevistados. De qualquer forma, a emoção pareceu prevalecer frente à racionalidade na

maioria das empresas pesquisadas, especialmente no momento da primeira tentativa de

internacionalização.

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“Não é que tenha sido um erro, mas, por exemplo, a forma como nos posicionamos com muita ânsia nos primeiros contatos com esses órgãos governamentais africanos, sem parar muito para pensar. “Vamos para fora, vamos para fora, que legal!”, aquela coisa toda de inicio que você vai fazendo e não para para pensar nas consequencias.” (ENTREVISTADO 2)

5.5.A DISTÂNCIA PSÍQUICA COMO UMA DAS PRINCIPAIS BARREIRAS À

INTERNACIONALIZAÇÃO

Segundo prega a teoria, é grande a influência das distâncias psíquica, cultural e

geográfica sobre empresas Born Globals (BREWER, 2007; HOFSTEDE, 2001; OJALA;

TYRVÄINEN, 2007). Porém, dado que uma empresa verdadeiramente Born Global não

restringe sua atuação a locais geograficamente próximos do país de origem do empreendedor,

nem mesmo a locais culturalmente próximos (DIB, 2008), poderia-se afirmar que, segundo a

teoria, das três, a distância psíquica seria, talvez, a mais presente durante o processo.

Essa percepção se confirmou nas empresas pesquisadas. A distância geográfica foi,

aparentemente, praticamente eliminada através de ferramentas de comunicação modernas e

principalmente através da internet, canal através do qual a maioria dos pesquisados utilizam

como meio de vendas e mesmo como meio de distribuição de seus produtos. O forte desejo de

internacionalização das empresas, portanto, sugere que a distância geográfica não representou

uma barreira efetiva.

“Nós temos um servidor nas nuvens, programamos e conversamos via Skype (...) todas as alterações que ele faz eu estou vendo em tempo real, então se eu vejo um erro, eu posso acertar ao mesmo tempo em que ele está programando. Nós estamos trabalhando assim faz dois anos e está funcionando muito bem. A distância não é um problema.” (ENTREVISTADO 7)

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“Não sei se faz muito sentido falar em distância hoje em dia. Não faz diferença usarem o produto aqui ou em outros países.” (ENTREVISTADO 10)

“O relacionamento depois da contratação se dá muito através de comunicação eletrônica, então e-mail, mensagem eletrônica e o telefone mesmo. Hoje nós temos clientes que estão fora do Brasil e existe um relacionamento muito forte por esses meios, não importa o país em que eles estejam”. (ENTREVISTADO 13)

Existem, contudo, exceções. Para as empresas cujos produtos e serviços dependem de

um atendimento pessoal personalizado, e que, portanto, exigem visitas regulares aos clientes,

a distância geográfica foi efetivamente considerada uma barreira.

“Uma das barreiras é a questão da logística. Nós tivemos um caso aqui onde a empresa tinha uma solução na Índia. O técnico da Índia tinha que vir para o Brasil, mas não chegou a tempo por causa de problemas na Europa. E o que que aconteceu? A obra ficou parada quase duas semanas e tivemos um grande prejuízo. Então, quando falamos do continenteAmericano como um todo, temos interesse, porque existe uma freqüência de vôos muito grande. Outros lugares já fica complicado.” (ENTREVISTADO 8)

A distância cultural, por sua vez, ficou restrita principalmente a elementos políticos.

Diversos entrevistados apontaram as diferenças políticas, principalmente nos países africanos,

somadas à falta de apoio por parte das entidades brasileiras, como uma grande barreira a

internacionalização. Curiosamente, outras possíveis barreiras – tais como regulamentação

legislativa, burocracia, visões diferentes de “timming” – foram apontadas como não

relevantes para a maioria dos entrevistados. Apesar do idioma ter sido citado por alguns como

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uma preocupação, não se mostrou uma barreira efetiva uma vez que o ingles foi utilizado

como uma linguagem universal.

“Por diversas questões que aconteceram, até por questões políticas e de governo desses dois países na África, isso acabou ficando em marcha lenta e, participando de reuniões com integrantes do governo, com integrantes das empresas desses países, nós não nos sentimos confortáveis em dar segmento.” (ENTREVISTADO 1)

“Você não consegue entrar no mercado internacional sem conhecer a cultura, sem conhecer pelo menos a lingua. Então é necessário ter ao menos um conhecimento básico e aqui na empresa nós estamos nos preparando para isso. Não foi uma barreira até agora e também não acho que será um problema mais para frente.” (ENTREVISTADO 3)

“Eu não acho que exista uma barreira cultural. Não vi diferenças entre os executivos americanos e os brasileiros. Mesmo fora dos EUA, já tive contato com outras culturas e também não vi nenhuma diferença. Nesse nosso mercado tudo é muito parecido, não sei se ainda existe essa coisa de diferença cultural... está tudo muito igual.” (ENTREVISTADO 12)

“A lingua até é uma preocupação, mas hoje em dia todo mundo fala inglês, então, fica mais fácil. Claro que temos o cuidado de treinar bem os nossos funcionários nesse idioma, oferecemos cursos aqui na empresa, mas a verdade é que quase todos eles já têm o domínio da lingua. É obrigação hoje em dia. (...) Na Argentina a gente faz as reuniões em inglês, mesmo com idiomas parecidos.” (ENTREVISTADO 13)

A distância psíquica, então, prevaleceria. Fortemente relacionada com o empreendedor,

ela é uma representação das diferenças entre indivíduos que não estão relacionadas nem com

o país de origem nem com seu background cultural (O’GRADY; LANE, 1996; ROCHA,

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2004). Fatores como experiências prévias, antecedentes familiares, conhecimento de idiomas

estrangeiros ou permanência no exterior influenciam diretamente a tomada de decisão de

qualquer pessoa. Assim, um indivíduo pode reduzir as incertezas associadas com a

internacionalização de sua empresa ao possuir curta distância psíquica com o país para o qual

a empresa quer se expandir, mesmo que a distância cultural do país com a firma seja grande.

Praticamente todos os entrevistados possuíam experiências internacionais prévias. Seja

através de trabalho no exterior, estudo ou mesmo viagens, todos os empresários do estudo

tiveram a oportunidade de passar grandes períodos de tempo fora do país. Isso, para muitos

deles, facilitou o processo de internacionalização na medida em que barreiras associadas ao

desconhecido deixaram de existir. Provavelmente essa é a razão da distância cultural deixar

de ser tão marcante na vida desses empresários, deixando a distância psíquica como a

principal responsável pela decisão acerca da internacionalização da empresa.

“Eu nunca estudei ou trabalhei fora (…), entretanto, eu trabalhei representando soluções de outros países. Então eu tinha que viajar para fechar contratos, tive uma vivência internacional, de troca, e o impacto dessa experiência foi muito positivo.” (ENTREVISTADO 9)

“Eu acho que quanto mais você viaja, quanto mais você experimenta o exterior, menores são as barreiras à internacionalização. O pessoal que estava mais acostumado a viajar, por exemplo, apoiou mais a decisão de internacionalização naquele momento.” (ENTREVISTADO 11)

“Todos os sócios da empresa tiveram alguma experiência internacional. Desde cursos, palestras e viagens que, além do cunho lazer, tinham também um cunho de crescimento pessoal e profissional. Isso facilita, porque a barreira do desconhecido deixa de existir.” (ENTREVISTADO 14)

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Além do impacto da distância psíquica, um problema relevante apontado pela maioria

dos entrevistados foi a falta de apoio por parte das autoridades brasileiras. Certamente essa

falta de apoio acabaria que por aumentar as distâncias enxergadas pelos empreendedores

brasileiros com relação a certos países ou até mesmo ao movimento de internacionalização

propriamente dito. A falta de esclarecimentos com relação ao processo, a falta de clareza legal

e tributária e a dificuldade em buscar um financiamento local para sustentar a ida da empresa

ao mercado internacional podem ser considerados fatores que barram a saída da empresa, e

que atrasam ou mesmo dificultam o seu desenvolvimento nesses mercados.

“Logo em seguida, nós fizemos um novo contato, agora com integrantes do governo de Moçambique. Nós já tinhamos organizado várias reuniões em Moçambique para começar a atuar, mas, novamente, por falta de apoio de instituições aqui no Brasil, seja do ministério de relações exteriores, seja de qualquer órgão, não conseguimos dar seguimento.” (ENTREVISTADO 1)

Outro detalhe importante diz respeito ao produto ou serviço comercializado. Conforme

mencionado anteriormente, graças principalmente à homogeinização dos mercados – um dos

grandes fatores originadores das Born Globals –, os produtos comercializados por todas as

empresas não tiveram que sofrer adaptações para se tornarem atraentes para mercados

internacionais. As adaptações mencionadas pelos entrevistados assumiram a forma de

customizações, que podem ser solicitadas pelos clientes para sanar uma necessidade

específica do negócio. Assim, barreiras associadas ao produto mostraram-se inexistentes

dentro do universo de empresas pesquisado. Muito do sucesso da intenacionalização,

inclusive, é associado à escalabilidade do produto.

“Não precisaria sofrer adaptação. A única customização que poderia acontecer é se existisse algum instrumento que a gente ainda não tenha integrado ao nosso sistema, mas o processo é bastante rápido.” (ENTREVISTADO 7)

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“A nossa metodologia é independente, não há necessidade de adaptação a diferentes culturas. Isso está muito mais relacionado com a questão do mercado do que qualquer outra coisa, quanto maior a concorrência, mais exigente é o consumidor.” (ENTREVISTADO 9)

“Desde o início a idéia foi construir uma base tecnologica que permitisse a escalabilidade, e essa escalabilidade tem como foco o mercado mundial, não só o mercado brasileiro ou o mercado Rio/São Paulo.” (ENTREVISTADO 14)

5.6.CULTURA ORGANIZACIONAL COESA COMO FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO DA

INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA

A cultura organizacional provê aos indivíduos de uma organização um senso de

identidade comum, aumentando o grau de comprometimento deles com a organização

(DEAL; KENNEDY, 1982; PETERS; WATERMAN, 1982; LOUIS, 1980). Auxilia na

organização dos objetivos e valores sobre os quais ela será medida; define o contrato social

entre a organização e seus funcionários, que estabelece o que cada uma das partes deve

esperar da outra; indica não somente quais são os comportamentos apropriados, mas também

que tipos de monitoração do comportamento são propícios; aponta as características

desejáveis dos membros da organização, bem como as indesejáveis, que devem ser punidas;

mostra como deve se dar o relacionamento entre os funcionários com relação a competição,

honestidade e proximidade; e, finalmente, estabelece os mecanismos apropriados de

relacionamento com o ambiente externo (HARISSON, 1972).

Uma pequena parte dos entrevistados acredita que uma cultura organizacional coesa não

seja crucial para a internacionalização de suas organizações. Acreditando que seus produtos já

possuem um apelo forte o suficiente para o mercado internacional, eles não creditam o

sucesso do processo a uma cultura organizacional forte. Ainda assim, considerando que a

cultura é reflexo dos objetivos e valores organizacionais, e que todas as empresas

selecionadas possuem forte orientação global desde a sua fundação, poderia-se dizer que a

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cultura de cada uma delas esteja imbuída destes valores, porém, de tão enraizados, não são

percebidos pelos respondentes.

“Eu não acho que faça diferença... o que faz diferença é ter um produto legal, um preço atraente. É estar no momento certo, na hora certa. A cultura forte não faz diferença nesse processo.” (ENTREVISTADO 12)

Grande parte do grupo, todavia, afirmou que ter uma cultura organizacional coesa é sim

crucial para um processo de internacionalização bem sucedido. Novamente aqui nenhum

deles conseguiu associar a cultura à internacionalização; na verdade, palavras como

“inovação”, “criatividade”, “comprometimento” e “espírito de equipe” foram as mais

mencionadas como descrições da cultura organizacional. De qualquer forma, esses

respondentes afirmaram que, se não fosse pela forte presença dessas características nas

empresas, a internacionalização seria uma tarefa extremamente difícil.

“Uma cultura organizacional forte é fundamental. As pessoas que trabalham aqui gostam de trabalhar. A cultura influencia positivamente todo o processo de internacionalização e processos internos (…), se dizemos “vamos para o mundo”, eu sei que com essa equipe que temos, nós vamos.” (ENTREVISTADO 9)

“Eu acho que isso é o nosso grande diferencial. As pessoas estão motivadas a fazer dar certo e sem isso nada seria possível. (...) Eles são dedicados, sempre tem uma idéia melhor, sempre querem melhorar, foi o perfil que a gente conseguiu desenvolver aqui.” (ENTREVISTADO 10)

“É inovação, desafio e criatividade. Eu acho que são essas as três palavras que definem um pouco a nossa atuação. E isso certamente influencia e possibilita todo esse processo da internacionalização. Eu

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acho que o principal motivador dessa internacionalização são essas três palavras chaves.” (ENTREVISTADO 14)

Finalmente, muitos dos respondentes não apresentaram nenhuma declaração formal

sobre cultura. Na verdade, muitos nunca tinham pensado no assunto até o momento da

pesquisa. É possível que isso seja reflexo do pouco tempo de vida dessas organizações no

momento da internacionalização, onde operavam com um alto grau de informalidade.

5.7.IMPACTOS DA CULTURA BRASILEIRA : RELAÇÕES PESSOAIS, “ CALOR HUMANO ,

“ JEITINHO ”, INFORMALIDADE , VALORIZAÇÃO DO QUE VEM DE FORA , CRIATIVIDADE E

BUROCRACIA

A cultura brasileira apareceu como grande influenciadora do comportamento de

internacionalização dos empresários entrevistados. Das várias características associadas aos

brasileiros, as que apareceram durante as entrevistas foram: o “peso das relações pessoais”; o

“calor humano”; o “jeitinho”; a “informalidade”; a “valorização do que vem de fora”, a

“criatividade” e a “burocracia”. Em muitos casos, essas características apareceram como tanto

positivas quanto negativas, mas sempre afetando o processo.

As relações pessoais e seu peso apareceram fortemente em todas as investidas desses

empresários. Todos os indivíduos entrevistados apresentaram grande facilidade de se

relacionar com os outros, simplificando enormemente o início do processo nas suas empresas.

A própria influência das redes de relacionamentos das empresas no processo de

internacionalização pode ser uma evidência disso: os brasileiros souberam aproveitar a sua

capacidade de realizar relacionamentos para alcançar seus objetivos internacionais.

“A cultura brasileira tem uma coisa do comprometimento, que, de certa forma, está relacionado com você ter um relacionamento

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próximo. Isso significa que você consegue dar um serviço bastante diferenciado, muito diferente do que as pessoas estão acostumadas. Em país como os EUA, por exemplo, o pessoal está acostumado com um serviço mais impessoal, e aí, quando você chega com essa coisa brasileira da proximidade, é um grande diferencial.” (ENTREVISTADO 11)

“Você ter um bom relacionamento, sem competição, torna o ambiente mais leve, mais agradável, mais gostoso de você estar e viver. E é esse tipo de relacionamento que levamos para fora. As pessoas gostam de se sentir bem e os brasileiros sabem fazer isso.” (ENTREVISTADO 15)

O “calor humano” também acompanha as relações pessoais. Apesar de entenderem que

outras culturas não operam da mesma forma, grande parte dos entrevistados afirmou que o

jeito expansivo de ser do brasileiro foi chave para tecer relacionamentos e fechar contratos.

Para muitos, mesmo culturas mais distantes ficam encantadas pelo jeito único do brasileiro de

acolher a todos, fazendo-os se sentirem parte de um grupo. O calor humano nesse caso não é

transmitido somente através de toques, mas principalmente através do demonstrado interesse

pela vida pessoal do outro, onde perguntas sobre a família e passatempos de forma geral são

feitas objetivando a aproximação do outro.

“O brasileiro tem essa coisa muito forte da proximidade e eu acho interessante, ajuda principalmente empresas como a nossa que estão no início da carreira.” (ENTREVISTADO 6)

“Um ponto extremamente positivoé a aquilo que eu chamo de “chegância”. Não é bem uma intimidade, mas é o vinculo que você consegue montar com as pessoas. Na terceira reunião entre as empresas, você já sabe tudo sobre as pessoas. Isso é uma coisa importante.” (ENTREVISTADO 8)

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O “jeitinho” também aparece como característica marcante durante as entrevistas. Como

mencionado anteriormente, em muitas sociedades há uma diferença clara entre o certo e o

errado e uma forma intermediária é repudiada. No Brasil, no entanto, o caminho entre o

“pode” e o “não pode” é chamado de “jeitinho”. É mais do que um modo de viver, é uma

forma de sobreviver, uma reação sensível, inteligente e compassionada de relacionar o

impessoal com o pessoal (DAMATTA, 1984). Boa parte dos entrevistados afirmou não adotar

o “jeitinho”, mas disseram sofrer pelos que adotam, afirmando que essa postura de muitos

brasileiros acaba por denegrir a imagem do país no exterior. Essa abordagemdá ao jeitinho

uma conotação negativa, o que não ocorre na descrição de DaMatta (1984), onde o foco é

mais amplo e implica em flexibilidade e uso das networks de relacionamento para contornar

processos e entraves burocráticos.

“O ponto fraco da nossa culturaé o jeitinho. A nossa empresa não compartilha com essa cultura. Vai tocando, vai tocando, vai tocando e depois a coisa explode, entende?” (ENTREVISTADO 8)

“Tem sim um ponto fraco: o jeitinho brasileiro. Aquilo que é ético daquilo que é não ético é um pouco fluido no Brasil. E isso é reconhecido lá fora.” (ENTREVISTADO 9)

“Você tem uma coisa muito forte dentro da cultura brasileira que é a idéia do jeitinho, de você poder dar um jeitinho e consertar as coisas. Tem também aquela coisa de querer obter vantagem em tudo... acaba que no Brasil tem muita burocracia e, se você não é partidário do jeitinho, acaba perdendo oportunidades ou acaba que nem consegue se mexer.” (ENTREVISTADO 13)

A informalidade também mostrou-se bastante presente, tanto durante as relações

profissionais, quanto no dia a dia das empresas. Ela aparece como uma facilitadora em ambas

as situações, simplificando os processos devido a ausência de protocolos formais e trazendo

para as empresas uma capacidade de resposta acelerada. A informalidade, no entanto, também

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teria um viés negativo. A falta de preparo para reuniões de negócios é um exemplo dessa

informalidade excessiva. Pensando muitas vezes que o relacionamento pessoal – o “calor

humano” – bastaria para conduzir de forma positiva uma reunião internacional, o executivo

brasileiro, na visão dos entrevistados, é pego desprevenido com perguntas diretas as quais ele

não está preparado para responder. Perguntas práticas sobre desempenho da empresa e

potencial de mercado futuro, por exemplo, acabam não respondidas por falta de preparo e de

conhecimento.

“A informalidade às vezes ajuda bastante, mas pode atrapalhar bastante, principalmente quando você está fechando um contrato, discutindo etapas de cronogramas. Por outro lado, ela ajuda no contato, na forma como você vai abordar, na forma como você inicia a conversa, essa informalidade facilita essa aproximação.” (ENTREVISTADO 1)

“A informalidade, por um lado, dá ao brasileiro um jogo de cintura, uma flexibilidade muito grande, uma capacidade de adaptação à novas situações que é muito interessante. Ao mesmo tempo isso transmite uma falta de profissionalismo ou visão de causa. Então, essa é uma caracteristica que é muito marcante e ao mesmo tempo que ela é forte, ela é um pouco fraca.” (ENTREVISTADO 13)

Para a maioria dos entrevistados, a “valorização do que vem de fora” também é muito

presente na cultura brasileira. Muitas das empresas entrevistadas, na verdade, afirmam que um

dos objetivos do movimento de internacionalização é justamente o aumento da atratividade da

empresa para o mercado doméstico. O preconceito acerca do que vem de dentro ainda seria

muito forte, estando associado com a idéia de ser “vagabundo”, de má qualidade.

“Outro ponto que eu acho que acaba sendo um ponto fraco da cultura brasileira é essa sobrevalorização do que vem de fora que ainda existe dentro da cultura brasileira, principalmente quando se trata de tecnologia. (...) Muitas vezes as pessoas desconsideram soluções

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nacionais que são extremamente interessantes e úteis em detrimento de uma coisa que veio de fora.” (ENTREVISTADO 13)

“Eu acho que o brasileiro tem sim uma resistência muito grande ao nacional, uma visão ainda muito admiradora do que é estrangeiro, mas o mercado está mudando.” (ENTREVISTADO 14)

“A gente acredita mais no produto estrangeiro do que no brasileiro. Aliás, o elogio que eu ouço com muita freqüência é “mas isso é feito aqui no Brasil?”(...) Eu vejo isso mudando hoje em dia, principalmente em função desse governo.” (ENTREVISTADO 15)

A criatividade também é por diversas vezes mencionada como uma das principais

características associadas à cultura brasileira, e como uma grande facilitadora do processo de

internacionalização. A capacidade de gerar soluções únicas, não só em termos de produtos,

mas também para problemas do dia a dia dessas empresas, seria um diferencial frente à

concorrencia de outras empresas e países.

“Eu acho que se tem uma diferença é essa nossa capacidade de criar, de inovar. Essa capacidade criativa de transformar uma coisa comum em uma coisa nova. Quando o brasileiro resolve fazer uma coisa e fazer bem, ele vai conseguir um excelente resultado” (ENTREVISTADO 9)

“Eu acho que a criatividade é um ponto fortíssimo da nossa cultura. Essa capacidade do brasileiro em dar soluçõesnovas e diferentes é incrível.” (ENTREVISTADO 10)

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Por fim, a burocracia aparece como um grande problema enfrentado por todos os

executivos, sejam eles brasileiros ou não-brasileiros, que fazem negócios dentro e fora do

país. As regras excessivas e muitas vezes confusas dificultariam não só o processo de

internacionalização, mas também a formalização do negócio enquanto empresa. Os altos

impostos, que são de certa forma decorrentes da vasta burocracia governamental, reduziriam

os níveis de investimento adotados pelas empresas no início de suas operações, fazendo com

que a sua evolução seja mais lenta do que o ideal.

“Eu falei para o meu sócio canadense: “bom, hoje você teve uma lição importante do Brasil que é a chamada burocracia, ou seja, estão pedindo e ninguém sabe o porquê que estão pedindo, e entregar o pedido não vai levar nada a lugar nenhum...” (ENTREVISTADO 8)

“Um dos grandes problemas do Brasil é a burocracia e a empresa sofre por causa disso. Sofre porque um orçamento que poderia ser usado para treinamento, por exemplo, ou mesmo para contratar pessoal, está indo para pagar imposto. Funcionar é muito caro no Brasil.” (ENTREVISTADO 12)

Vale ainda uma última colocação: o Brasil, como muitos afirmaram, está “na moda”.

Essa atração dos países estrangeiros pelo território nacional aparece como uma facilitadora da

internacionalização dessas empresas. O que antes aparecia como uma barreira, hoje é visto

com bons olhos por, segundo alguns entrevistados, praticamente todos os países do mundo.

Segundo eles é um bom momento para ser brasileiro. Provavelmente até mesmo por conta

disso toda a questão da informalidade e do calor humano, tão característicos do Brasil, seriam,

até certo ponto, relevados por outras culturas.

“Hoje em dia impacta. Pegando o velho chavão do momento, o Brasil é a bola da vez. E você sente claramente que o que está direcionando todas essas relações é exatamente isso. A posição que o Brasil está

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assumindo hoje está despertando o interesse de muita gente lá fora.” (ENTREVISTADO 1)

“Todo mundo fala do Brasil. Éum dos países do BRIC, emergente... eu acho que é um momento muito positivo. Se falássemos há 10 anos eu poderia ter outra imagem do Brasil, mas agora eu acho que a imagem estámuito boa.” (ENTREVISTADO 7)

“Hoje eu acho até que eu estou querendo colocar uma bandeirinha do Brasil em nosso software porque o Brasil está na moda. A vista do Brasil agora é outra.” (ENTREVISTADO 15)

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CAPÍTULO 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES PARA

PESQUISAS FUTURAS

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

Como mencionado no capítulo introdutório, este trabalho teve como objetivo principal o

estudo de se e como a cultura influencia o processo de internacionalização das Born

Globals brasileiras. Foram utilizadas como amostra para essa pesquisa pequenas empresas

do setor de software, que dispunham de orientação global desde a sua fundação. Como

resultado, a pesquisa identificou aspectos interessantes acerca do processo de

internacionalização dessas empresas, barreiras encontradas por elas ao longo dessa

internacionalização, as características culturais que essas empresas enxergam como cruciais, e

como essas características afetariam o processo de saída dessas organizações do mercado

doméstico.

O presente capítulo apresenta as principais conclusões da pesquisa, considerações finais

sobre a internacionalização dessas pequenas Born Globals e, por fim, objetivando a evolução

do conhecimento adquirido, sugestões de direções futuras de pesquisa.

6.1.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme colocado no capítulo 1, este estudo privilegiou as abordagens

comportamentais da internacionalização às econômicas. Seu objetivo foi o de compreender e

identificar nas empresas os fatores apontados pela literatura como influenciadores da decisão

de se internacionalizar, da escolha dos mercados, e dos mecanismos de entrada nos mesmos.

Tendo em vista as teorias apresentadas durante a revisão de literatura que amparou esta

pesquisa, algumas inferências podem ser feitas.

Com relação ao processo de internacionalização, nenhuma das empresas apresentou

comportamento similar ao inferido pela teoria de Uppsala, que propõe que a empresa, fugindo

de um mercado doméstico já saturado, aumentaria a sua participação no mercado

internacional a partir da crescente aquisição de conhecimento sobre o mercado em questão

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(JOHANSON; VAHLNE, 1977; 1990). Cada uma das empresas abordadas apresentou um

comportamento diferente de internacionalização. Parte delas assumiu acordo de parcerias,

parte acordos de exportação, outras instauraram equipes de vendas no país estrangeiro, e

outras ainda estabeleceram novas firmas no exterior.

Assim, mais do que o aumento gradual do comprometimento, observou-se a grande

influência das redes e do indivíduo empreendedor nesse processo. Conforme dita a teoria das

Perspectivas de Networks (JOHANSON; MATTSSON, 1988) o processo de

internacionalização de uma empresa não vem necessariamente de sua interação com o

mercado, mas é resultado de uma rede de relacionamentos mais complexa. Complementando

essa lógica, aparece a teoria do Empreendedorismo Internacional, que afirma que o papel do

empreendedor individual é fundamental no processo de internacionalização da firma (HILAL;

HEMAIS, 2003). Esta pesquisa demonstrou que, no universo de empresas abordado, esses

dois elementos foram chave para a internacionalização.

Praticamente todas as empresas da amostra tiveram a sua internacionalização iniciada

por elementos da rede de negócios. O papel do empreendedor nesse momento de aceite

também aparece como fundamental. É dele que vem a motivação e a aprovação para seguir

adiante com a internacionalização do negócio. Daí a importância desses dois elementos nesse

processo, bem como os diferentes resultados no que tange as formas de abordagem ao

mercado estrangeiro. Vale, contudo, expor uma exceção: uma das empresas apresentou um

comportamento diferente no que tange o uso das redes para a internacionalização. Com forte

influência do indivíduo empreendedor, a empresa optou por promover a sua solução –

direcionada tanto para a pessoa jurídica, quanto para a pessoa física – fazendo uso da

publicidade online. Assim, a sua internacionalização parece não ter tido influência direta da

rede, mas sim da publicidade adquirida.

Com vocação internacional desde o momento da fundação, essas empresas confirmam o

dito pelo fenômeno Born Global, onde empresas já nascem voltadas para o mercado exterior

graças ao processo de globalização. De especial importância são a homogeneização dos

mercados, a facilidade de acesso a mercados internacionais e as recentes inovações

tecnológicas nos campos de telecomunicações, transportes e microeletrônica (OVIATT;

MCDOUGALL, 1994; SERVAIS, 1997). De acordo com os resultados obtidos através da

pesquisa, a barreira do tamanho deixaria de existir e essas empresas florescem no mercado

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global através de soluções, de certa forma, padronizadas (atendendo à um mercado

homogêneo) e das inovações tecnológicas, que se mostram cruciais para o desenvolvimento

do negócio. O uso de tecnologias como e-mail, Skype, “computação na nuvem”, dentre

outras, permitiria principalmente a quebra de barreiras geográficas, colocando essas empresas

em pé de igualdade com outras que possuem folego maior de investimento.

Barreiras culturais, por sua vez, não foram apontadas como problemas pelos

entrevistados. Com a homogeinização dos mercados, os executivos não sentiram o impacto

das diferenças culturais em suas vendas. Mesmo o idioma, que a primeira vista seria um

limitador, não se mostrou um empecilho. Tendo o inglês como a lingua oficial entre países,

nenhuma das empresas afirmou ter tido problemas. Vale lembrar que as empresas abordadas

tinham relações internacionais apenas com países de cultura ocidental. É possível que, quando

em contato com culturas orientais, barreiras culturais passem a existir. Vale lembrar também

que o mercado de atuação dessas empresas (software) sofre de uma pesada influência norte-

americana que torna essa tendência a utilização do inglês mais forte.

A grande barreira que apareceu então é a de natureza psíquica. Uma vez que o processo

de internacionalização destas empresas está muito associado ao empreendedor individual, as

distâncias percebidas pelo indivíduo apareceriam como fundamentais ao processo. Observou-

se, contudo, que a experiência internacional do indivíduo está intimamente relacionada com a

percepção dos riscos associados à internacionalização. Quanto maior o número de

experiências internacionais, menores são as barreiras percebidas. Em contrapartida, em países

menos usuais, por assim dizer, como Angola e Nigéria, muito pela falta de apoio das

autoridades brasileiras em esclarecer processos, as distâncias percebidas passam a ser muito

grandes, mostrando-se, para os entrevistados, um entrave ao negócio.

No que tange a cultura organizacional, a maioria das empresas abordadas não possui

uma declaração formal com relação a sua cultura. Isso se deve tanto ao nível de informalidade

das relações nestas empresas quanto ao seu próprio estágio de maturidade. É natural que

empresas recém-formadas não tenham uma definição tão clara de sua cultura. Ainda assim,

palavras como “inovação”, “criatividade”, “comprometimento” e “espírito de equipe” foram

amplamente citadas como descritivas da cultura da organização.

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Apesar de não possuir uma cultura organizacional plenamente articulada, para a grande

maioria dos respondentes uma cultura organizacional forte influencia diretamente o sucesso

da internacionalização. As duas primeiras palavras citadas, “inovação” e “criatividade”, estão

relacionadas com o produto diferenciado que essas empresas tentam apresentar ao mercado.

Elas ganharam espaço no cenário mundial frente à outras organizações exatamente por

oferecerem soluções diferenciadas e únicas, seja em termos de produto ou de relação custo x

benefício.

As palavras “comprometimento” e “espírito de equipe”, por sua vez, sugerem duas

características importantes destas empresas: o comprometimento total com o cliente, com um

acompanhamento próximo de todas as fases dos projetos e com entregas rápidas, que

representam um “algo a mais” que grandes empresas não conseguem entregar pelo peso de

sua estrutura; e a união da equipe interna da empresa, que permite que tudo isso seja feito. De

fato, o tratamento da equipe como uma família esteve muito presente nas pesquisas. Para os

respondentes, isso é peça fundamental não só para o sucesso da internacionalização, mas para

o sucesso da própria empresa. Esse espírito de equipe seria chave para que se obtenha o

comprometimento com a empresa que, por sua vez, seria chave para o comprometimento com

o cliente.

Esses quatro termos utilizados para descrever a cultura organizacional dessas empresas

tem relação direta com as principais características alocadas pelos respondentes para a cultura

brasileira. O “peso das relações pessoais”; o “calor humano”; o “jeitinho”; a “informalidade”;

a “valorização do que vem de fora”, a “criatividade” e a “burocracia” foram as características

mais citadas como descritivas da cultura nacional. A inovação e a criatividade tão citadas para

a cultura organizacional está relacionada com a criatividade apontada para a cultura brasileira.

Por sua vez, o comprometimento e o espírito de equipe se correlacionam com as relações

pessoais e o calor humano da cultura brasileira. Até mesmo a informalidade característica da

cultura nacional pode ser tomada como um fomentador dessa união entre pessoas e do bom

relacionamento entre elas. Ficam de fora, contudo, o jeitinho, a valorização do que vem de

fora e a burocracia, características repudiadas pelos entrevistados.

Tanto a cultura organizacional quanto a cultura brasileira, apesar de afetarem o

desempenho dessas empresas em mercados internacionais, de forma geral parecem não

influenciar a decisão de internacionalizar, a escolha dos mercados e os modos de entrada.

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Apenas dois aspectos relacionados à cultura brasileira tiveram algum impacto: a valorização

do que vem de fora e a burocracia. A valorização do que vem de fora faria com que a

obtenção de um “selo” internacional torne uma empresa mais atraentre no próprio mercado

doméstico, e influencia, portanto a decisão de internacionalizar.

A burocracia, por sua vez, aparece influenciando o indivídio empreendedor na sua

tomada de decisão. A burocracia exacerbaria as barreiras psíquicas à internacionalização

trazendo mais complexidade e insegurança para o processo de internacionalização. Como

essas são as principais barreiras associadas as Born Globals, a burocracia terminaria por afetar

negativamente o processo de internacionalização. Com isso, pode-se dizer que essas duas

particularidades da cultura brasileira são as únicas das mencionadas pelos respondentes que

apresentam uma influência mais direta acerca do processo de internacionalização.

6.2.SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

Esse estudo apresenta o fenômeno das Born Globals brasileiras sobre um ângulo

diferente e não muito explorado, o da cultura. As conclusões apresentadas possibilitam um

aprofundamento futuro em características específicas encontradas para identificar

possibilidades de compreensão melhor do processo de internacionalização. Ele também se

apresenta como uma referência que busca entender como empresas inseridas no contexto

nacional enfrentam o processo de internacionalização. Ao longo do desenvolvimento do

trabalho, foram identificados os seguintes pontos para exploração futura:

1. A internacionalização para culturas orientais. A amostra de empresas utilizada

neste estudo estava focada na internacionalização para culturas ocidentais. Nelas, as

principais barreiras associadas à internacionalização foram de natureza psíquica.

Será que esse padrão se mantém em culturas orientais? Um estudo similar com

empresas que realizaram a internacionalização em países de cultura oriental poderia

clarificar esse ponto e identificar eventuais diferenças.

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2. A influência de outras culturas acerca da internacionalização. O foco deste estudo

foi a cultura, mas o mesmo protocolo de pesquisa poderia ser aplicado em amostras

de empresas de diferentes países, buscando entender como outras culturas

influênciam a internacionalização das Born Globals. Países como França, Inglaterra,

China, Japão, ou quaisquer outros poderiam ser abordados.

3. A internacionalização da empresa sem a interferência das redes. Neste estudo, uma

das empresas apresentou um comportamento totalmente diferente acerca do processo

de internacionalização. Ao contrário das outras entrevistadas, que fizeram amplo uso

das redes de relacionamento, essa empresa teve mais influência do indivíduo

empreendedor, que optou pelo uso da publicidade como meio de internacionalização

em detrimento aos contatos pessoais. Assim, valem as perguntas: Existem

características específicas de Born Globals que não fazem uso das redes na

internacionalização? Será que características das próprias empresas, ou mesmo dos

indivíduos empreendedores, causam essa distinção? Ou seriam características dos

produtos e serviços ofertados?

4. A influência da cultura no processo de internacionalização aplicado a diferentes

indústrias. Por fim, o mesmo estudo poderia ser realizado tendo em vista outros

setores da economia. Essa pesquisa teve como foco o setor de tecnologia, porém, o

mesmo protocolo aplicado a outras indústrias poderia retornar resultados distintos.

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APÊNDICE 1. QUESTIONÁRIO

PERGUNTAS DE CORTE

1. Quando a sua empresa iniciou suas atividades?

2. Quando começou a dar lucro?

3. Quando começou a relação com mercados internacionais?

QUESTIONÁRIO

1. Fale-me um pouco sobre a organização: seus produtos, mercados, concorrentes,

valores, equipe, etc.

2. Que motivos levaram a empresa a se internacionalizar? Que fatores externos e internos

tiveram influência? Qual foi o primeiro fator a impulsionar este processo?

3. Como a internacionalização se insere na estratégia da empresa?

4. Como foi o processo de tomada de decisão de internacionalização? Que pessoas

estavam envolvidas nesta decisão?

5. Você já teve experiências internacionais, como estudar ou morar fora do país?

6. Antes de a sua empresa começar a vender para mercados além do brasileiro, os

empreendedores ligados ao processo tinham experiência prévia com atividades

internacionais? Explique.

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7. Quais foram as etapas do processo de internacionalização? (estabelecimento de

agentes no país exportador, estabelecimento de uma subsidiária, etc.). Quando teve

início?

8. Houve alguma influência de parceiros comerciais ou clientes para o início desse

processo? Explique.

9. Como funciona a operação da empresa nesses mercados internacionais? Quem são os

responsáveis pela gestão das operações internacionais? Se existe contratação de

pessoal internacional, como é feito a transmissão da cultura da organização?

10. Quanto à escolha do local para se internacionalizar: que fatores foram levados em

consideração? (pedidos espontâneos do exterior, conexões pessoais, culturais,

familiares, acesso maior à informação sobre este mercado, distância geográfica,

percepção de menor risco/incerteza).

11. Quais são as semelhanças entre o mercado brasileiro e o seu primeiro mercado de

destino? E as diferenças?

12. Em quantos mercados estrangeiros a empresa atua hoje? Existe alguma correlação

entre eles e o primeiro mercado de destino?

13. Quais outros países foram considerados para a internacionalização? As razões de

escolha desses outros mercados foi a mesma do mercado original?

14. Como foi a busca de conhecimentos sobre esses novos mercados? Que tipo de

informação foi coletada? Que características ou fatores internos foram examinados

durante o processo?

15. Como a empresa se financiou para iniciar o processo de internacionalização (uso de

capital, próprio, terceiros, joint venture, aquisição, etc) e por quê?

16. Quais foram os principais obstáculos encontrados? Como vocês superaram? Quais

foram os erros e acertos?

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17. Quem são os concorrentes lá fora? E aqui dentro? Como vocês lidam com esse tipo de

informação?

18. Quais áreas da empresa estão envolvidas no processo de internacionalização? quantas

pessoas estão trabalhando nisso?

19. O que vocês aprenderam com o mercado externo que pode ser replicado nas operações

nacionais?

20. Como você enxerga o seu papel no processo de internacionalização da empresa?

21. Você acredita que hoje está mais preparado para enfrentar esse processo? Por que?

22. Como avaliaria a experiência internacional da empresa? O que faria de novo e o que

faria diferente? Quais foram os principais obstáculos?

23. Para o futuro, como você espera que a empresa esteja em relação ao mercado

internacional? Dê exemplos de empecilhos e oportunidades que você enxerga.

24. Como vocês lidaram com as diferenças culturais entre os países?

25. Quais características da empresa facilitam a internacionalização? E quais dificultam?

26. Quais são os objetivos futuros da empresa com relação aos mercados externos?

27. Quais são os aspectos determinantes para a escolha dos lugares?

28. Em termos de cultura organizacional: quais são as palavras chaves que descreveriam a

cultura da sua organização?

29. Você acha que a cultura organizacional da empresa influenciou (positiva ou

negativamente) este processo? De que forma? Quais aspectos foram mais relevantes?

30. Você acredita que uma cultura organizacional forte é fundamental no processo de

internacionalização? Por quê?

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31. Quais são os pontos fortes e fracos da cultura brasileira em sua opinião?

32. Você acha que sua “brasilidade” facilitou ou dificultou o processo de

internacionalização? De exemplos.

33. Você acredita que a cultura brasileira impacta de alguma forma a internacionalização

de empresas? Por quê? Consegue citar um exemplo que tenha acontecido com sua

empresa?

34. Você vivenciou algum “choque cultural” durante o processo de internacionalização?

Você sentiu eles distantes, frios, receptivos, se incomodou com alguma ação ou

atitude, etc? Explique.