a inclusÃo escolar e as necessidades especiais

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A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS SUZANA VELOSO CABRAL SUMÁRIO INTRODUÇÃO 2 1. CONCEITO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO 3 2. COMPREENSÃO DA INTELIGÊNCIA CONSTRUTIVISTA, INTERACIONISTA e INTER-RELACIONAL 8 3. O EDUCADOR NA INCLUSÃO 13 4. OS SERVIÇOS PEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 15 5. AS DIVERSAS NECESSIDADES ESPECIAIS 19 5.1. PARALISIA CEREBRAL 20 5.2. BAIXA VISUAL E CEGUEIRA 24 Entrevistas 31 1

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Trabalho sobre inclusão no curso de especialização da PUC Minas

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Page 1: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES

ESPECIAIS

SUZANA VELOSO CABRAL

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 2

1. CONCEITO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO 3

2. COMPREENSÃO DA INTELIGÊNCIA CONSTRUTIVISTA,

INTERACIONISTA e INTER-RELACIONAL 8

3. O EDUCADOR NA INCLUSÃO 13

4. OS SERVIÇOS PEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 15

5. AS DIVERSAS NECESSIDADES ESPECIAIS 19

5.1. PARALISIA CEREBRAL 20

5.2. BAIXA VISUAL E CEGUEIRA 24Entrevistas 31

5.3. SURDEZ 34O oralismo e o bilingüismo como filosofias educacionais para surdos 35A plasticidade neuropsicológica e a aquisição da língua de sinais 40

5.4. RETARDO MENTAL 42

Multidimensionalidade do Retardo Mental 43Diagnóstico e Julgamento Clínico 44Os apoios e sua aplicação às pessoas com retardo mental 45Os alunos com deficiência mental 46Estudo de caso 48

5.5. A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA INCLUSÃO 51

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REFERÊNCIAS 56

INTRODUÇÃO

O curso de Educação Especial Inclusiva da PUC Minas Virtual, coordenado por Maria

Auxiliadora Mattos Pimentel e Maria do Carmo Menicucci, me atraiu por sua visão

ampla, sendo que a primeira parte de atualização feita no primeiro semestre de 2005, em

convênio com a APPAE-MG me interessou sobremaneira. O prosseguimento do curso

em 2006 e 2007 aumentou meus conhecimentos e me motivou, mais ainda, para refletir

sobre a inclusão.

Procurei esse curso numa busca de titulação em nível de especialização que está ligada, em

primeiro lugar, à necessidade de revalidar, no seio do saber da universidade, toda a

formação que realizei, extra-muros universitários, inclusive no exterior.

Minha área de atuação, a Educação da Relação Psicomotora, busca um projeto de

prevenção em escolas e creches, com crianças em evolução, que não se restringe apenas aos

alunos de escolaridade regular, que são considerados saudáveis e sem problemas. A

Educação da Relação Psicomotora é, também, de amplo interesse para os alunos com

dificuldades especiais que podem, e devem, ser incluídos à escola regular.

Minha experiência em práticas clínicas, supervisão de trabalhos em escola e de professora

de cursos de especialização em Psicomotricidade, além da publicação de livros e artigos

está sempre pautada por uma grande curiosidade científica e busca de conhecimento

crescente, que acredito encontrei nos temas e artigos instigantes dos professores.

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Page 3: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Em segundo lugar, creio que a especialização em EDUCAÇÃO INCLUSIVA me trouxe

novos conhecimentos e que constitui uma oportunidade ímpar de organizar, re-organizar e

até ultrapassar idéias e conceitos que busco para referenciar minha prática com as crianças

e com os alunos universitários.

Voltar “aos bancos escolares”, depois de meio século de idade acaba sendo um

investimento para inclusão no tempo presente e, o fato do curso se realizar on-line, é de

grande atração já que me faz sentir mais presente e inserida no novo século, além de

facilitar a questão de horas disponíveis para o trabalho.

Estou empenhada em prosseguir esses estudos que considero iniciados e não concluídos,

pois o desejo de conhecer nos leva a uma formação permanente.

1. CONCEITO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO

Temos responsabilidade de facilitar o acesso e a permanência dos indivíduos dentro de um

sistema educacional. O primeiro passo da inclusão é perceber que existem excluídos e

convidá-los a entrar no sistema. O segundo é construir a inclusão e o terceiro é quando o

incluído se sente como participante real e efetivo do grupo.

Inclusão significa convidar aqueles que tem esperado para entrar e pedir-lhes para ajudar a

desenhar novos sistemas que encorajem todas as pessoas a participar da totalidade de suas

capacidades como membros e companheiros (EDUARDO LUIZ BARBOSA Deputado

Federal MG entrevista gravada para PUC MINAS Virtual em fevereiro 2004).

A construção da inclusão implica em um sistema educacional que não é apenas reprodutivo

de modelos e dogmas. Necessita de um modelo relativista que acolha a experiência de uma

interação produtiva de uma pessoa para com a outra. A professora facilita o processo de

intercâmbio e possibilita ao aluno ter acesso a novos conteúdos que ele ainda desconhece. É

a educação a partir do novo. A professora percebe que não domina o conhecimento: a

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riqueza da inclusão é perceber que o educador é também ajudado pelo portador de

necessidades especiais a construir o conhecimento. O Educador também vai aprender

porque o outro lhe traz coisas que ele não percebia antes e novas concepções são

construídas a partir desse intercambio. O educador encarna a relação com o grupo dos

excluídos e é capaz de criar e ser facilitador da transformação das pessoas.

O terceiro passo da inclusão é dado quando a pessoa incluída se sente valorizada e

respeitada, plena, como ela é, e percebe que pode participar do grupo, como membro e

companheira, Ela vê que suas percepções influenciam também o meio em que ela está. Aí

ocorre a inclusão verdadeira.

O que é educação especial?

Com a LDB há um sistema organizado que começa com a educação básica – infantil,

fundamental, curso médio – e chega até a educação superior.

A escola especial até recentemente não seguia esses níveis e se colocava meio à parte do

corpo da educação brasileira.

Quando consideramos a educação especial como uma modalidade de ensino, não podemos

mais deixá-la de fora da escola regular e, sim, buscar a inclusão dos alunos com

necessidades especiais.

A educação especial, na perspectiva da inclusão, é a somação de recursos e estratégias para

facilitar o aprendizado e que tem os apoios necessários para que o portador de necessidades

especiais aprenda, superando suas dificuldades e limitações, como exemplo a linguagem de

Libras e a escrita Braille ou as atividades psicomotoras de organização do esquema

corporal, espaço e tempo para fornecer as infra-estruturas necessárias para atingir o nível de

pensamento mais operatório e simbólico, partindo do ato para o pensamento, como diz

WALLON.

Antes da inclusão ocorreu a integração do portador de necessidades especiais no sistema

educacional.

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Page 5: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Até a década de 50 havia uma visão assistencialista de cuidados dos portadores de

necessidades especiais. Essas pessoas não desenvolviam todas suas possibilidades, porque

apenas eram “maternadas”, sendo esta uma atitude necessária, mas não é suficiente para a

evolução do sujeito.

Entre 60 e 70, com a possibilidade reconhecida de reabilitação e a partir das influências dos

conhecimentos da área médica, ocorreu a integração escolar em que se corrigia e tratava as

dificuldades no que era possível e as pessoas mais “tratáveis” poderiam ter futuro no

sistema educacional.

A década de 90 trouxe a inclusão, na qual a sociedade se modificou para perceber que todos

têm espaço nela, independente de sua condição. A inclusão atende à diversidade humana. O

sistema educacional deixou de querer mudar as pessoas, de acordo com a sua visão de

normalidade e passou a respeitar a diversidade, potencializando essa diversidade para o

bem da própria comunidade. Por exemplo, os deficientes mentais têm tido grande sucesso

em atividades mais monótonas e que exigem maior tolerância à repetição que outros

operários, no setor de serviços e industrial, ou os portadores de deficiências visuais

empregados no tele-marketing tão atual em nossa sociedade.

ROSANA GLAT fala de auto-defensoria, sobretudo por parte do deficiente mental. O

portador de necessidade especial é que vai ser autônomo e cuidar de se fazer respeitar em

sociedade. Podemos como profissionais auxiliá-los a se conscientizar de sua condição bio-

psico-social e de suas limitações, mas ajudá-los em sua auto-estima, se respeitar como ser

humano e levá-los a perceber que podem desfrutar de todas oportunidades de trabalho e

lazer, exigindo o respeito dos demais e garantir sua cidadania plena.

Auto-defensoria ou auto-gestão:

Eliminação de rótulos. O sujeito vem antes de sua deficiência. “Antes de sermos

deficientes somos pessoas” é lema nos USA e no Canadá há o movimento de auto-

defensoria que se chama “People First”.

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Page 6: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Identidade própria. Cada pessoa tem sua singularidade e necessita afirmar suas

necessidades pessoais. Ela tem desejos e escolhas, realiza atos que são próprios dela

e dos quais tem consciência, seja ela deficiente ou não.

Autonomia. A tomada de decisões é talvez o aspecto mais importante, pois todo

sujeito tem direito de fazer opções e tomar suas decisões sobre sua vida, tem seu

próprio poder e o exerce de modo autônomo. Todos podem errar e aprender com

seus erros. Há uma dignidade no risco: a super-proteção impede o crescimento

humano e a insegurança da liberdade é o que nos torna criadores e pró-ativos.

Luta pelos direitos. As pessoas com deficiências são capazes e devem ser

estimuladas a falar por si próprias e defender seus direitos semelhantemente às

outras minorias sociais e excluídos. O deficiente mental não precisa ser tutelado.

Os alunos com necessidades especiais têm direito de auto-determinar tudo que se refere a

seu corpo, inclusive a sexualidade, e a seu estudo, lazer e profissão, e, consciente, ele pode

reivindicar seus direitos.

A seguir apresento uma tabela comparando a inclusão e a integração, especificando em que

pontos elas se diferenciam.

Inclusão Integração

Inserção total e incondicional (crianças com deficiência não precisam “se preparar” para ir à escola regular).

Inserção parcial e condicional (crianças “se preparam” em escolas ou classes especiais para poderem freqüentar escolas ou classes regulares).

Exige rupturas nos sistemas. Pede concessões aos sistemas.

Mudanças que beneficiam toda e qualquer pessoa (não se sabe quem “ganha” mais;

todas ganham).

Mudanças visando prioritariamente as pessoas com deficiência (consolida a idéia

de que elas “ganham” mais).Exige transformações profundas. Contenta-se com transformações superficiais

Sociedade se adapta para atender às necessidades das pessoas com deficiência e,

Pessoas com deficiência se adaptam as realidades dos modelos que já existem na

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com isso, se torna mais atenta às necessidades de todos.

sociedade, que faz apenas ajustes.

Defende o direito de todas as pessoas, com e sem deficiência.

Defende o direito das pessoas com deficiência.

Traz para dentro dos sistemas os grupos de “excluídos” e, paralelamente, transforma esses sistemas para que se tornem de qualidade para todos.

Insere nos sistemas os grupos de “excluídos que provarem estar aptos” (sob este aspecto,

as cotas podem ser questionadas como promotoras da inclusão).

Valoriza a individualidade das pessoas com deficiência (pessoas com deficiência podem ou não ser bons funcionários; podem ou não ser carinhosos etc.).

Como reflexo de um pensamento integrador citamos a tendência a tratar pessoas com deficiência como um bloco homogêneo (ex: surdos se concentram melhor; cegos são bons massagistas, etc.).

Não quer disfarçar as limitações, porque elas são reais.

Tende a disfarçar as limitações para aumentar as chances de inserção.

Não se caracteriza apenas pela convivência de pessoas com e sem deficiência em um mesmo ambiente.

A partir da certeza de que todos somos diferentes, não existem “os especiais”, “os normais”, “os excepcionais” – o que existe são pessoas com deficiência.

A simples presença de pessoas com e sem deficiência no mesmo ambiente tende a ser suficiente para o uso do adjetivo integrador

Incentiva pessoas com deficiência a seguir modelos, não valorizando, por exemplo, outras formas de comunicação,como a Libras. Seríamos então um bloco majoritário e homogêneo de pessoas sem deficiência, rodeada pelas que apresentam diferenças.

O adjetivo inclusivo é usado quando se busca qualidade para todas as pessoas com e sem deficiência (escola inclusiva, trabalho inclusivo, lazer inclusivo etc.)

O adjetivo integrador é usado quando se busca qualidade nas estruturas que atendem

apenas às pessoas com deficiência consideradas aptas (escola integradora,

empresa integradora etc.

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2. COMPREENSÃO DA INTELIGÊNCIA CONSTRUTIVISTA,

INTERACIONISTA e INTER-RELACIONAL

Piaget nos coloca a inteligência como um processo de solucionar problemas que é

construído a partir do equipamento neurológico de base, dependendo da maturação, mas

com muito maior importância dada à construção das estruturas mentais em etapas

sucessivas em que cada uma contém algo que já prepara a posterior.

Esse processo ocorre pelo equilibração, na qual, tudo que pode ser conhecido é assimilado e

o que ainda não é assimilável (Vygotsky diria o que está se tornando espaço proximal),

provoca uma acomodação da estrutura para que se possa lidar com o dado de realidade

transformando-o em conhecimento.

Essa visão enfoca o lado do sujeito do conhecimento, portanto, aquele que se situa como

aprendiz.

O lado do professor, o ajudante do aprendiz, é fornecer ao aluno estímulos e um ambiente

que o motive buscar a solução dos problemas, que o leve a por em uso sua inteligência,

tornando-se capaz de aprendizado. É, também, provocar situações que até o desequilibram

cognitivamente, mas que estejam ao alcance das estruturas de raciocínio que possui em

determinado estágio, seja em termos de experiência física, seja lógico-matemática. Aí a

equilibração majorante será o vetor da evolução cognitiva do aluno e o levará a novo nível

de aprendizagem.

É assim que o construtivismo age: é uma interação entre professor e aluno em que ambos se

tornam construtores de um saber, o professor podendo auxiliar seu aluno em seu

crescimento e o aluno apoderando-se de novas estruturas cognitivas partindo da ação para o

pensamento, como nos diz Wallon, contemporâneo de Piaget.

O aluno mais novo, ou com necessidades especiais, poderá primeiro assimilar dados

sensórios-motores da realidade, a seguir, será capaz de criar intuições, mas ainda se

prenderá aos aspectos figurativos, construindo as noções infra-lógicas de mundo ainda sem

noção de reciprocidade, invariância e coordenação de relações, e, também utilizando seu

raciocínio ainda de modo pré-operatório. Por exemplo, o conceito de quantidade ainda se

prenderá ao figurativo, sendo capaz de correspondência termo a termo e de contar em

seqüência os números, mas pode se enganar com a quantidade em si (conta duas vezes um

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mesmo elemento ou salta algum, se a correspondência não é uma boa forma gestáltica – Aí

temos uma ajuda da teoria da forma para o estudo do que o construtivismo compreende).

Alguns alunos especiais poderão chegar a níveis operatórios de raciocínio, utilizando-se de

modo mais adequado sua abstração reflexiva, e o professor deve estar atento para isso, com

o intuito de ajudá-los nesse processo, outros ficarão num nível pré-operatório, mas serão

capazes de uma aprendizagem que poderá ajudá-los a construir e desenvolver sua

inteligência prática e adaptação social.

Vygotsky vai além do interacionismo de Piaget quando salienta o « sócio-interacionismo »

e o « sócio-construtivismo », ou seja, quando demonstra que o sujeito acede aos objetos de

conhecimento através de uma apropriação, baseada, inicialmente, em relações

interpsíquicas, para depois transformá-la em intra-psíquica.

Ou seja, se a criança, num primeiro momento, estende a mão para um objeto e faz um gesto

de pegar, é através da mediação do outro, mãe ou alguém presente, que lhe permite alcançar

dito objeto e, que, provavelmente, o nomeia, que a criança vai poder exercer o ato de

preensão desejado e se apropriar daquele objeto e, a seguir, conhecê-lo. Assim, com o

objeto, poderá criar esquemas motores adequados para uma nova experiência e, além disso,

poderá balbuciar algo semelhante ao que entendeu no momento de sua nomeação. Poderá

também descobrir seus usos e modo de manusear o objeto. Com isto, algo que estava fora

de seu alcance tornou-se acessível.

Com a interação social criou-se uma zona de desenvolvimento proximal. A partir daí, o

desenvolvimento será efetivo.

A mediação do outro é, portanto, essencial para o desenvolvimento infantil e,

evidentemente, torna-se imprescindível na relação de ensino / aprendizagem que se

estabelece na escola. Ele dá grande importância aos mediadores do conhecimento, sejam

eles as pessoas adultas ou os companheiros da mesma idade.

O desenvolvimento se produz nas vivências das diferenças e não apenas por meio da soma

de experiências. O aluno aprende imitando, concordando, fazendo oposição, estabelecendo

analogias, internalizando símbolos e significados, tudo isto num ambiente sócio-

interacionista.

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As crianças portadoras de necessidades especiais, sobretudo, necessitam dessa mediação

que lhes permitirá aceder ao conhecimento e também a sistemas de signos sociais que lhe

permitirão entrar em contato com os outros (em alguns casos os sistemas terão que ser

especiais como o Libras e o Braille, para surdos ou cegos, ou o uso de material concreto

para construir o acesso às operações intuitivas e , posteriormente, lógico-abstratas, para os

casos de insuficiências abstrativas, como na deficiência mental ou alguns autismos – desde

que esse acesso seja possível, de acordo com o potencial real do sujeito).

Também o apoio dos colegas, que podem ser « companheiros ajudantes », delegados para

estar junto a alguma criança especial que necessite de ajuda, se enquadra nessa idéia de

estimular o desenvolvimento permitindo que se criem zonas proximais.

Acredito que a grande contribuição de Vygotsky consistiu em incluir essa mediação do

outro, do social, e, portanto, da dimensão histórico-cultural na construção das funções

psíquicas superiores. Portanto a construção da inteligência, do pensamento e, inclusive, o

aprendizado, incluem-se nessa dimensão; não de se trata, apenas, de atos de um sujeito ou

indivíduo em si mesmo, mas de um sujeito inserido em seu mundo, portanto, um cidadão.

Está aí, o que considero o objetivo da educação inclusiva, permitir aos portadores de

necessidades especiais tornarem-se cidadãos.

Como exemplo desse enfoque, lembro-me de um garoto de 14 anos de uma das salas

especiais de uma escola em que desenvolvemos o Projeto Movimento, junto à extinta DEE

da Secretaria de Educação.

Esse menino, no final do ano de trabalho já tinha aprendido a ler e escrever pois situara-se

como sujeito. Já fazia pequenos trabalhos de lavar carros na porta da escola e afastou-se do

grupo de companheiros, em que havia inclusive drogas.

Considerando que já era alfabetizado, ele decidiu sair da escola, mas aproximou-se do

Padre, que dirigia um trabalho social com jovens na favela onde morava, e começou a

trabalhar com ele, convidando os rapazinhos para participar desse programa.

A meu ver, apesar de não ter terminado a escolaridade, esse menino tornou-se cidadão e,

posteriormente, nada o impediria de completar o primeiro grau em possíveis cursos para

adultos ou supletivos.

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Page 12: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

A concepção dinâmica da inteligência é conceito básico de quem se pauta por uma

compreensão construtivista e interacionista do ser humano: ele se constrói na relação com o

outro, tanto em seus aspectos que consideram o indivíduo em si, quanto na capacidade de

atos inteligentes e elaborar pensamento. A meu ver falta a essas teorias cognitivistas apenas

salientar o que se pode denominar o inter-relacionismo como tão bem explicita Jean-Marie

DOLLE (1979 p.29).

Realmente há uma plasticidade da inteligência que se explicita e se desenvolve do ponto de

vista cognitivo segundo as teorias de Piaget, Wallon e Vygotsky, mas acredito que as idéias

de Freud sobre o inconsciente e sobre um outro nível de simbolismo psico-afetivo devem

ser também levadas em conta na escola, pois muitas defasagens têm a ver com bloqueios e

inibições do conhecimento de origem psico-afetiva.

A capacidade de superação é conceito correlato ao anterior, pois mostra que, mesmo com

deficiências, o próprio organismo plasticamente busca outros modos de ação para suprir

suas falhas, é o caso do cego que desenvolve o tato e audição, por exemplo, a tal ponto que

pode localizar e reconhecer alguém pelo modo dele se mover e caminhar por perto, antes

mesmo de tocar essa pessoa. Compreender tal conceito é sumamente importante para ajudar

o aluno especial já que poderão ser usados meios intermediários e suportes técnicos que

desenvolvam todas suas possibilidades de passar da ação para o pensamento e para a

compreensão lógica de conceitos, juízos e raciocínios. As crianças aprenderam, no texto

exemplo, a lidar com o computador e passaram a fazer a transcrição on-line de seus

diálogos com a ajuda do professor.

Temos então que compreender que a mediação semiótica é primordial para esse

desenvolvimento da inteligência, que necessita do suporte da representação mental, dos

significantes referentes aos significados, para poder transformar-se em pensamento,

atingindo seus níveis abstratos, lógico-dedutivos. A linguagem como sistema

representacional social caracteriza o humano e permite a utilização de signos que devem ser

decodificados e que auxiliam na evolução do indivíduo. Além disso, acredito ser importante

compreender que o inconsciente se estrutura como linguagem, sendo que o sujeito barrado

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Page 13: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

situa-se frente à Lei, frente ao Outro, o que o torna da ordem do humano. É esse sujeito /

desejante que pode se motivar para aprender e desejar ter acesso ao conhecimento.

A mediação pedagógica tem a ver, portanto, com a interação com um outro capaz de ajudar

a criança a assumir sua capacidade de aprendizagem e a “introjetar” os conhecimentos.

Como diz Vygotsky, partindo de um processo inter-pessoal para o processo intrapessoal de

constituição da mente, de possibilidade de organizar as estruturas intelectuais e de aprender,

sendo que a ação se situa numa zona proximal de desenvolvimento.

É importante que a criança entre em contato efetivo com os objetos que se tornarão objetos

de seu conhecimento e que serão representados mentalmente e, para isso, um mundo rico de

experiências tem que lhe ser oferecido, pois esse será a sustentação para a elaboração

interna dos conhecimentos que permitirá a aprendizagem e desenvolvimento da criança.

Nesse sentido Mortimer e Carvalho, citados por COSTA (2004, p.103) utilizam a metáfora

de andaimes de uma construção, de algo externo que dá suporte ao processo de construção

de um edifício em si mesmo, nesse caso, a mente, a inteligência, o pensamento, as

possibilidades de raciocínio e elaboração criativa no aprendizado. O papel do outro é,

portanto, primordial nesse processo, intervindo para ajudar a criança na conquista do

mundo do pensar e agir inteligentemente. Eu colocaria, também, o papel do outro,

relacionando-se afetivamente com a criança, permitindo que o sujeito se afirme em seu

processo de busca e desejo pelo conhecimento, não pode ser esquecido na escola.

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3. O EDUCADOR NA INCLUSÃO

A reflexão sobre o trabalho pedagógico com os alunos portadores de necessidades especiais

deve começar, a meu ver, por uma postura humanizadora específica que aponta para a

individualidade de cada criança que chega à escola.

O educador deve salientar como de extrema importância o reconhecimento de qual Sujeito

está diante dele, do grupo de colegas e da escola. Buscar na relação compreender o que ele

deseja e quer, que tipo de consciência consegue ter sobre si mesmo, sobre seu lugar e sobre

suas possibilidades, capacidades e limitações, e de que modo consegue de integrar o social,

as regras e limites para interagir com o humano.

Para isto o processo de planejamento pedagógico é essencial.Podemos distinguir três níveis

de planejamento:

• Planejamento do Projeto Político Pedagógico

A professora busca os referenciais teóricos e filosóficos, além de políticos, compreendendo

o que gostaria de projetar para o processo de alfabetização de seus alunos e para a

aprendizagem como um todo e quais seriam os índices que norteariam sua prática

pedagógica visando a inclusão. Por exemplo, o programa que orienta o processo de

aquisição da leitura na escola é escolhido colegiadamente.

• Planejamento Curricular

Aí se encontra a dinâmica da ação pedagógica que foi discutida em grupo, visando não só

os conteúdos das áreas de conhecimento, mas também a dinâmica ativa do professor diante

do planejamento. O programa escolhido deve partir de reflexões globais sobre inclusão,

pois discutir sobre a inclusão faz parte dos dois planejamentos citados.

• Planejamento Ensino-aprendizagem

O primeiro passo do planejamento ensino-aprendizagem implica na Identificação das

características dos alunos e na compreensão de quais conteúdos seriam necessários para que

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Page 15: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

a classe evolua como um todo e, ao mesmo tempo, permitir que as diversidades sejam

consideradas, viabilizando que cada sujeito possa ter também um processo de crescimento e

aprendizagem adequados.

Com a avaliação diagnóstica e o estabelecimento de estratégias, a professora cumpre esse

tipo de planejamento. O professor verifica que seus alunos se encontram em diferentes

momentos na aprendizagem. Por exemplo, uns copiam bem, mas de fato não escrevem

nada.Outros gostam de números, mas detestam atividades de leitura, enquanto alguns fracos

em números, adoram tudo que se relaciona ao meio ambiente e à vida em geral.

A avaliação diagnóstica da turma utilizando a observação, os registros, provas e entrevistas

individuais permitem realmente conhecer a “turma” e cada um de seus alunos e alunas.

A avaliação do sujeito no grupo e do sujeito em relação a si mesmo pode ser feita através

de observação das atividades livres e estruturadas nos pequenos grupos, o que permite ver

quais papéis o aluno desempenha. Como o aluno tem progredido? Que temas ela usa em

seus jogos, desenhos, redações, mostrando quais sentimentos de pertencer ao grupo e de

satisfação com o que aprende e com seu crescimento?

A partir de uma avaliação correta é possível realizar uma intervenção pedagógica adequada.

A relação compreensiva e acolhedora, em que o professor busca conversar sobre a criança e

com ela, como também a utilização do espaço de jogo, de contar ou dramatizar estórias

serão meios de ter acesso a esse sujeito.

O educador não tem que dar todo o apoio dentro de sala e deve contar, também, com ajuda

de outros serviços e, para isso, deve procurar os recursos extra-sala ou pessoal de sua escola

ou outras instituições que sejam agentes facilitadores do processo de aprendizado tendo em

vista determinada característica da necessidade especial do aluno.

Além do aprimoramento na formação inicial e continuada do professor, há necessidade de

criarmos espaços dialógicos na escola para que dúvidas, medos, re-significações da prática

pedagógica possam ser examinados, discutidos em equipe, como rotina de trabalho. O

núcleo e foco do trabalho pedagógico tornar a relação professor-aluno pode ser uma boa

forma de redescobrir o prazer e o valor social de ser professor.

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Page 16: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Desta forma, é importante criarmos espaços de discussão, como por exemplo, Grupos de

Estudos que possam refletir, trocar experiências e idéias, discutir, promover leituras e

análises que favoreçam o processo de inclusão bem como de demais temas pertinentes à

educação.

Além disso, um dos recursos que também pode compor esta reestruturação é a

incorporação à escola da figura do Professor de Apoio, introduzindo a possibilidade de uma

resposta educativa mais diversificada e individualizada que beneficie não somente as

crianças com necessidades educacionais especiais, mas a todas.

O professor de apoio tem sido descrito na literatura especializada como um educador

que atua com o grupo e constitui um recurso de auxílio para o colega professor regente, no

sentido de participar do planejamento e da avaliação das atividades.

Os educadores, na inclusão, deverão ter a capacidade de realizar um diagnóstico

pedagógico inicial, planejar a intervenção adequada e adotar procedimentos de avaliação

processual e contínua, que tornem possível o avanço no processo de aprendizagem do

educando.

4. OS SERVIÇOS PEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

O serviço de apoio pedagógico é o serviço especializado em salas de recursos, nas

quais o professor especializado em educação especial realiza a complementação ou

suplementação curricular utilizando procedimentos, equipamentos e materiais específicos.

Na LDB está disposto:

“IV – serviços de apoio pedagógico especializado, realizado, nas classes comuns,

mediante:

a) atuação colaborativa de professor especializado em educação especial;

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Page 17: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

b) atuação de professores - intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis;

c) atuação de professores e outros profissionais itinerantes intra e

interinstitucionalmente;

d) disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à

comunicação.”

Podemos distinguir entre serviço de apoio, complementar, suplementar e substitutivo

no atendimento ao portador de necessidades especiais.Os apoios podem ser contínuos,

intermitentes, necessários em uma fase ou até mesmo para a vida toda.

SERVIÇO DE APOIO

Nas salas inclusivas, ocorrem apoios pedagógicos, como e quando necessário, com o

recurso do professor de apoio, de materiais específicos (Libras, Braille, Sorobã, dentre

outros), professor intérprete.

O Serviço de Apoio deverá ser disponibilizado de maneira a propiciar ao aluno com

necessidades educativas especiais, condições para que ele possa apropriar-se dos

conhecimentos e conteúdos propostos de outra maneira ou mediante outros instrumentos:

como na Língua Brasileira de Sinais – Libras, com a utilização de um ledor (na deficiência

auditiva) ou da transcrição de um texto escrito vertido para o Braille (na deficiência visual),

ou mesmo um professor itinerante que poderá dar suporte e apoio pedagógico ao aluno. Em

outras palavras apoiar o aluno por meio de outros recursos e instrumentos, para que ele

entre em contato com os objetos de conhecimento.

SERVIÇO COMPLEMENTAR

Neste serviço será oferecido ao aluno com necessidades educativas especiais suporte para

que ele tenha a oportunidade de entrar em contato com os objetos de conhecimento e que

deverá ser oferecido no contra-turno da escolaridade, podendo ser na escola comum, na

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Page 18: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

especial, ou em outros espaços. Um exemplo desse serviço é a sala de recursos onde o

aluno aprenderá o Método Braille, utilizando deste mesmo recurso para ser alfabetizado e

prosseguir seus estudos. Ex: sala de recursos.

SERVIÇO SUPLEMENTAR

Visa ampliar, aprofundar ou enriquecer os conteúdos curriculares para viabilizar o acesso a

base curricular comum, sendo geralmente oferecido no contra-turno ou, muitas vezes no

horário escolar.

Enquanto o professor do ensino regular assume, por exemplo, as atividades da área

acadêmica (conteúdos acadêmicos), o professor do ensino especial ensina alguns alunos a

tirar notas, a identificar as idéias principais de um texto, a fazer resumos, etc. (técnicas de

estudo).

Algumas atividades de apoio à aprendizagem podem ser realizadas com os dois professores

ensinando os conteúdos acadêmicos, mas, enquanto o professor do ensino regular é

responsável pelo núcleo central do conteúdo, pela matéria essencial, o professor do ensino

especial encarrega-se de dar algum apoio suplementar a qualquer aluno que dele necessite,

individualmente ou em pequenos grupos.

SERVIÇO SUBSTITUTIVO

No caso das deficiências severas em que compartilhar a escola comum fica muito

dificultado, o Serviço Substitutivo é utilizado. São casos extremos nos quais a deficiência é

severa, e o serviço é realizado em classes especiais, classes hospitalares e atendimento

educacional domiciliar.

Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e requeiram atenção

individualizada nas atividades da vida autônoma e social, recursos, ajudas e apoios intensos

e contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não

consiga prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em escolas especiais,

18

Page 19: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

públicas ou privadas, atendimento esse complementado, sempre que necessário e de

maneira articulada, por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social.

Concluindo: A escola especial nem sempre é excludente e a comum nem sempre é inclusiva

– aspectos fundamentais que devem estar presentes nos projetos pedagógicos de ambas, que

deverá ter como fundamento uma pedagogia humanista e inclusivista e que se funda com

estes pressupostos e compromissos com a aprendizagem escolar de todos os alunos, por

meio da criação e disponibilização de condições básicas para o aprendizado. São eles:

a garantia de um percurso escolar com sucesso reconhecido e validado;

a opção pelo currículo significativo que busca garantir a permanência e também o

desenvolvimento de todos os seus alunos, de forma a não excluí-los durante o

percurso escolar, buscando sempre criar situações de aprendizagem significativa

para eles;

a fim de que tudo isso se concretize é indispensável a estruturação de programas

em rede que possuam os apoios necessários disponíveis para aqueles que irão

necessitar de diferentes apoios;

Para amalgamar todo o processo de acolhimento do aluno e para a consolidação da escola

inclusiva da maneira como acreditamos, a interlocução permanente com a família e a

comunidade não contemporizará com a exclusão, promovendo a convivência com a

diversidade buscada permanentemente e respeitada por todos.

19

Page 20: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

5. AS DIVERSAS NECESSIDADES ESPECIAIS

Na educação inclusiva temos que salientar que alguns quadros específicos necessitam de

certas atenções especiais e de recursos próprios para se chegar ao aluno / sujeito e levá-lo a

percorrer de modo desejante o caminho de aprendizado que suas limitações permitem,

visando mais suas capacidades e potencialidades.

O aluno com deficiência mental, por exemplo, necessita de maior suporte para as atividades

cognitivas, considerando qual nível de abstração ele alcança e, para tanto, às vezes serão

necessários suportes sensórios-motores, ou mesmo elementos figurativos que, aliados a

uma exposição dos conteúdos e exercícios, em linguagem simples, lhe permita

compreender os problemas que lhe são apresentados e poder buscar sua solução. Muitas

vezes jogos, brincadeiras e atividades de construção e artesanato podem auxiliar na

assimilação desses conteúdos.

Na educação inclusiva ele necessitará de atividades individualizadas complementares que

poderão ser realizadas em sala de aula ou na sala de recursos, nos casos pertinentes.

O deficiente visual além de uma estimulação sensório-motora específica, através de

atividades lúdicas e psicomotoras, para que possa se situar melhor em seu ambiente físico,

conhecer melhor seu esquema corporal e se tornar o mais independente possível em suas

movimentações, deve ter apoios no que se refere a sua deficiência de visão. De acordo com

o seu grau de perda, se houver ainda algum resto de visão, pode ser necessário sentá-lo

junto à janela, na zona mais clara da sala, usar foco de luz em sua carteira, letras grandes

afixadas em cartazes, e, em debates sempre relembrar qual aluno está falando, pois nem

sempre é possível reconhecer o tom da voz de alguém, etc. Sobretudo o acesso à escrita em

Braille tem que ser uma preocupação da escola e, geralmente, esse ensino é ministrado por

professores especialistas não-videntes também.

Quanto à deficiência física, serão necessárias adaptações especiais que permitam o uso das

próteses, aparelhos especiais ou cadeira de rodas, no espaço da sala de aula, visando seu

20

Page 21: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

melhor posicionamento.Além disso, atividades de estimulação psicomotora que as motivem

a participar do grupo de colegas e a se movimentar. Pode ser possível a utilização de meios

mais modernos de comunicação e expressão como os fornecidos pelo uso da computação,

dos PCs, já que sua limitação motora pode impedir o grafismo ou mesmo a articulação da

fala.

Nos casos em que tal sofisticação não seja possível, o sistema de monitoria, de ajuda de

colegas escolhidos a cada dia como “amigo ajudante”, pode ser uma facilitação na cópia de

exercícios e de conteúdos.

Já a criança com deficiência auditiva deverá se beneficiar de atividades rítmicas corporais

que a ajudem a integrar seu próprio corpo; o educador poderá buscar a utilização de gestos

e, sobretudo, do olhar que busca sua atenção para a atividade do momento e,

imprescindivelmente, utilizar a linguagem LIBRAS. Prestar atenção para o que a criança

tenta verbalizar, dizendo o que entendeu do que foi dito e, também, o que não pôde

entender de sua comunicação torna-se uma ajuda para que ela tente se expressar de modo a

ser compreendida.

5.1.PARALISIA CEREBRAL

Na paralisia cerebral a criança com tem diferentes ordens de dificuldades motoras, sendo a

primeira o comprometimento da função motora em si (paralisia – ausência de movimento,

ou paresia – diminuição da força muscular prejudicando a movimentação) e, a segunda

tendo a ver com o desenvolvimento esperado das funções de coordenação e controle do

sistema nervoso que deverão se completar progressivamente com a mielinização e a entrada

em funcionamento de estruturas superiores.

Luria1 sublinha que todos os processos mentais do homem e, em particular, sua atividade

consciente, sempre têm lugar com a ação conjunta de três unidades funcionais que

permitem o funcionamento de tônus e vigília, o processo e armazenamento de informações

e a programação e regulação superior da atividade cerebral.

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Page 22: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Com a restrição motora, em variados graus, decorrente da paralisia motora, as crianças

podem ter problemas na vivência e experiência com seu próprio corpo, os objetos, os outros

e o mundo, o que faz com que as atividades funcionais, perceptivas, expressivas e

cognitivas que deveriam se desenvolver e completar, ao longo da infância, possam ser

tolhidas ou prejudicadas em diferentes níveis.

Além disso, as áreas lesionadas podem não ser, somente, motoras e, então, ocorrem

distúrbios associados, sobretudo:

Distúrbio da sensibilidade;

Distúrbio de alimentação e fala;

Distúrbios perceptivos;

Distúrbios sensoriais: auditivos e visuais;

Distúrbios de comportamento;

Convulsões.

Falando de modo geral, podem ocorrer distúrbios que comprometerão as atividades da vida

diária, a comunicação verbal e compreensão da linguagem, a conduta afetivo-emocional e

auto-imagem e a relação com os iguais e adultos, além da inserção em grupos.

No que se refere às atividades da vida diária todos os estímulos perceptivos-motores e

estímulos sensoriais (táteis, visuais, auditivos, gustativos, vestibulares) vão auxiliar a

criança a fazer explorações e, de certo modo, exercitar funções que teria exercido

espontaneamente se não tivesse limitações motoras.

É necessário ajudá-la a manter posturas e encontrar a maneira de fazer uso adequado do

tônus para realizar estas atividades. Comer, vestir-se, locomover, ir e vir, com liberdade e

autonomia, pressupõem uma exploração do entorno que deve ser viabilizada em jogos

variados para a criança com paralisia cerebral.

Alguns suportes podem ser necessários na escola, desde cadeiras, aparelhos de fixação de

articulação, uso de plano inclinado para atividades motoras finas ou grafismo, ou, até

mesmo, em casos mais leves, o uso de durex para prender a folha de papel no plano da

carteira, lápis grossos ou engrossadores para facilitar a preensão do instrumento de escrita e

também posicionadores e facilitadores da função manual.

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Page 23: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

No que se refere aos transtornos da fala e de linguagem, que podem ser expressivos,

prejudicando a fala, como disartrias, apraxias da região oral (também com dificuldade de

mastigação e deglutição, respiração e controle da saliva), ou do nível simbólico, como

afasias e disfasias, a ajuda do professor pode ser relevante quando ele propõe um

verdadeiro “banho de linguagem” para a criança, nomeando suas atividades, atos e

brincadeiras.

Também o uso de recursos e sistemas de comunicação alternativa pode ser eficaz. O que

interessa é que a criança possa estabelecer significantes simples para os significados que

quer transmitir, por exemplo, apontando uma figura de sistemas pictográficos (Pic, SPC,

Rebus, Bliss, etc.) ou mesmo realizando gestos simples como o polegar para cima ou para

baixo, considerando Comunicação Alternativa e Aumentativa, todo o tipo de Comunicação

que aumente ou suplemente a Fala.

Observar atentamente a expressividade da criança pode ser também importante.

Hoje observando uma cliente com necessidades especiais incluída em uma escola particular

regular, conversava com a professora e ela me relatou uma decodificação importante da

comunicação dessa criança. Ela costumava pegar os colegas, colocá-los de costas e

empurrá-los, o que provocava choros e reclamações. A professora, então, compreendeu que

esse era o modo de comunicação, atípico, que a criança usava para chamar os colegas para

brincar de um certo modo de correr e de pegador. Traduziu para a criança esse conteúdo

latente sob o manifesto do gesto de empurrar e disse que bastava a criança dizer “correr”

para chamar os colegas para a brincadeira. A aluna ficou super satisfeita de ser entendida

em sua expressão e conseguiu dizer “correr” e não empurrou mais os colegas. Usei aqui o

exemplo de uma criança que não fala devido a motivos diferentes daquelas que sofrem de

paralisia cerebral, mas o que me interessa é sublinhar a perspicácia da professora que pôde

decodificar o latente no gesto da criança e ajudá-la a avançar em sua comunicação verbal.

Talvez observar e decodificar os gestos, atitudes e expressividades espontâneas da criança

na escola seja um caminho para buscar a interação e comunicação com crianças com

disartrias profundas ou mesmo disfasias.

No que se refere à leitura e escrita, é necessário reconhecer as possibilidades da criança,

utilizar métodos adequados e não se prender a nenhum em detrimento de outros. Vejo a

importância das palavras geradoras de Paulo Freire para levar as crianças a querer descobrir

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Page 24: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

o mundo de sentidos da palavra escrita, a importância da sistematização das idéias de

Piaget no campo da leitura por Emilia Ferreiro, a noção de autoria de Alicia Fernandes e

outros, mas também vejo que o uso dos métodos fonéticos e até de um antigo suporte

proposto por Borel Maisonny como eficazes de acordo com o momento do aprendizado.

No plano cognitivo é importante salientar que a restrição motora pode afetar todo o

processo de assimilação e acomodação sensório-motora ao mundo, na busca do

conhecimento, partindo da ação para o pensamento como bem mostra Wallon. Algumas

crianças terão que ser desafiadas de modo lúdico a buscar a interação com os objetos, já

que muitas vezes optam por apontar para o desejado e até mesmo pedir que o adulto use a

própria mão, para realizar por elas, o que queriam. Não quer dizer que o auxílio do adulto

para execução de certas tarefas não seja permitido e sim que ele deve se colocar como

mediador e facilitador da descoberta da criança, o que lhe permitirá realmente solucionar

problemas e poder evoluir no nível do conhecimento.

Também devem ser levadas a vivenciar seu esquema corporal e a poder manifestar o que

sentem no nível de sua imagem do corpo. Nesse sentido, gosto de me referir a Françoise

Dolto que propõe que mesmo com lesões e perturbações do corpo funcional, o investimento

libidinal da imagem do corpo pode ajudar a criança a superar muitos entraves no mundo.

Ela relata o caso de uma criança paraplégica que, da janela do apartamento, via outras

crianças correndo no playground com uma expressão triste. A mãe, sensível e perceptiva,

diz à criança que ela está vendo os outros correrem e que deve ter vontade de poder entrar

naquela brincadeira e que ela tem certeza que seria muito bom para ela. porque ela é muito

esperta e que só não pode correr porque tem uma limitação motora. As palavras da mãe

reconhecem o desejo da criança, como também sua limitação motora, mas abrem a

possibilidade dela ser um sujeito desejante e, sobretudo, estimulam uma auto-imagem

positiva ao reconhecê-la como esperta, inteligente e capaz num sentido geral.

Saliento a necessidade de falar com a criança de seus problemas, apontando que sua

limitação não a define como sujeito. Reconhecer seus feitos criativos e lúdicos, suas

descobertas pessoais e dar-lhe autonomia na medida do possível, pode ser uma atitude que

vai favorecer seu entrosamento social, sua adaptação escolar e sua liberdade pessoal na vida

em geral, mesmo que tenha paralisia cerebral.

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Page 25: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

5.2. BAIXA VISUAL E CEGUEIRA

O estudo da evolução da criança cega e, sobretudo dos processos subjacentes e facilitadores

de sua alfabetização é básico para que pensemos a inclusão.

LOWENFELD mostra a necessidade de experiências enriquecedoras em termos de

qualidade e quantidade que permitam à criança cega uma base de experimentação e de

manipulação dos objetos reais, como condição indispensável para que ela possa atingir

uma noção concreta do mundo real e dos seus atributos.

É a partir daí que se torna possível a representação mental e o início da função semiótica

que permitirá à criança decodificar a leitura e exercer a escrita, além de integrar-se à

sociedade visando seu devir de cidadão.

No Programa Nacional De Apoio À Educação de Deficientes Visuais do MEC (2002),

aparecem cinco limitações descritas por LOWENFELD (1977) e corroboradas por

OCHAITÁ (1995) que ocorrem como resultado direto da perda da visão, referentes à:

alcance e variedade de experiências;

formação de conceitos;

orientação e mobilidade;

interação com o ambiente;

acesso a informações impressas importantes.

Também o conceito de “Eu”, que se exprime pelo uso apropriado do pronome pessoal,

mostrando clara diferenciação conceptual entre o Eu e o Tu, aparece com considerável

atraso na criança cega. Assim, colocar-se como sujeito e autor do seu aprendizado é uma

conquista progressiva para a criança não vidente.

Este atraso ocorre, também, com as possibilidades de representação de si e do objeto

através do jogo simbólico e do jogo de papéis. FRAIBERG (1989, in DIAS, 1995) atribui

estes problemas à dificuldade que a criança cega tem para adquirir uma imagem de si

própria.

De fato, na deficiência visual há impossibilidade de integração de si mesmo diante do

espelho, conduta estudada por WALLON e, na psicanálise, por LACAN, NASIO e DOLTO

(1987). A falta da imagem especular não permite que a criança não-vidente consiga fazer

coincidir sua imagem do corpo cenestésica, cinestésica e proprioceptiva, com a imagem

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Page 26: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

visual que ela dá a ver ao outro e na qual se reconhece, depois de certa atrapalhação, como

si mesma, desde que seja nomeada pelo outro afetivamente significativo para ela. Sua

imagem do corpo é, portanto, diversa da imagem predominantemente visual da criança

normo-visual.

Todas essas defasagens psicomotoras e de organização do próprio corpo e de estruturação

espaço-temporal, além do acesso ao simbólico, citados pelos autores vão intervir no

processo de aprendizagem da leitura e escrita.

Ler e escrever consiste em decodificar uma linguagem, um código sócio-cultural

constituído por símbolos visuais que representam fonemas e, mais do que isso, conceitos

que precisam de uma ancoragem no vivido psicomotor e na interação cognitiva com o

mundo e os objetos, pois é a vivência integral do sujeito que vai permitir a construção do

pensamento, o uso das palavras como trocas interpessoais e como comunicação entre o

sujeito e o outro e, também, a inserção no mundo da linguagem, desde a primeiridade da

fala, até a secundidade da escrita. Há nesse processo um sujeito que se reconhece como tal

e que deseja conhecer!

Vigotsky nos traz a idéia de compensação mostrando que a criança cega utiliza suas outras

sensibilidades com maior fineza o que possibilita maior abrangência de sua função, até

alcançar outros usos, por exemplo, suas sensações auditivas agem como localizadoras de

objetos no espaço, e a função tátil torna-se instrumento de análise dos objetos e do mundo.

Diz esse autor sobre o ato de escrever:

“Ler com a mão, como faz uma criança cega, e ler com os olhos são processos

psicológicos diferentes, porém cumprem a mesma função cultural na conduta da criança e

tem, basicamente, um mecanismo fisiológico similar (Vygotsky, 1997).

Em 1950 a UNESCO adaptou um sistema Braille para todos os idiomas, podendo todo

material literário, numérico e musical ser representado através dele.

Segundo o testemunho de OLIVEIRA, em seu texto de referência sobre a deficiência

visual, há algo mais que move o leitor não-vidente: o desejo!

Assim, conhecer o Braille que lhe possibilita escrever e inserir-se no plano da linguagem

representada implica, como para os videntes, com relação à escrita tradicional, um desejo

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Page 27: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

de conhecer, um querer aprender, um motivar-se para o processo de aquisição dos

instrumentos simbólicos necessários para a decodificação do texto.

Quando o autor denomina seu texto “Braille – aprendendo com paixão” é desse desejo que

ele fala, um desejo que pode se afinar e se afirmar na relação com o outro: o mestre! O

professor é instituído como representante do Outro, da cultura.

Diz OLIVEIRA:

Nos dias que antecederam o da minha primeira aula, mal consegui dormir, tamanha era a minha

expectativa e entusiasmo. Nahora marcada, sentado na sala de visitas da casa do professor,

juntamente com meu pai, aguardava ansioso pelo término da aula de outro aluno e de onde estávamos,

ouviam-se nitidamente límpidos arpejos e solos de violões que tocavam em dueto, aumentando

assim o meu entusiasmo. (...) Quando os acordes cessaram, irromperam na sala um senhor e

um jovem, ambos de violão em punho. Um frio percorreu então a minha espinha, ao me dar conta de

que meu professor, aquele considerado um dos melhores do país, era um senhor de uns sessenta e

poucos anos, completamente cego! Na verdade, o primeiro cego de carne e osso que eu conhecera.

Um desejo que foi reconhecido e estimulado pelos pais que lhe possibilitaram o encontro

com o professor que poderia introduzi-lo na escrita a partir do seu interesse pela música.

Continua o autor:

Éramos, assim, o mestre e o aprendiz, ou por outra, um guru e seu novo discípulo. Pois bem, esse

professor, a música, a minha vontade de aprender, meus pais que espertamente armaram toda aquela

situação, acabaram sendo os grandes responsáveis pela minha iniciação no universo tiflológico e,

especificamente, no das soluções educacionais direcionadas ao atendimento das necessidades de

estudantes com deficiência visual.

Pais sábios que ajudaram o filho a fazer a travessia do preconceito de se colocar como não

vidente, já que sua perda foi progressiva e houve um momento em que teve que aceitar as

mudanças e os apoios necessários para seu aprendizado: o sistema Braille e as aulas de

orientação e locomoção com uso da bengala branca.

A curiosidade leva o autor a aprender com paixão:

Então, habilmente, o professor incitou a minha curiosidade sobre o assunto, dizendo-me que quando

Louis Braille criou o seu sistema, ele tinha exatamente a minha idade, quinze anos, e que todas as

letras e todos os símbolos, incluindo os da matemática e os da música, eram formados da combinação

de apenas seis pontos e que esses pontos permitiam sessenta e quatro diferentes combinações.

Esse texto me fez lembrar um lindo texto de Françoise Dolto, psicanalista que fala de seu

aprendizado da leitura e escrita, fora do âmbito escolar, a partir de seu interesse por um

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Page 28: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

fantástico livro infantil, cheio de imagens instigantes e maravilhosas – “Les Babouches

d’Aboukassem” – citado em seu livro La Cause dês Enfants (1985).

Para essa autora, vidente, o que a impulsionou para a leitura foram fantasias criadas a partir

de imagens atrativas e que a levaram a realizar o labor de decodificar o grafismo das letras.

Diz ela:

Ler? Que surpresa extraordinária para mim! Para os outros, em volta de mim,

parecia absolutamente natural: a seqüência lógica de acontecimentos, como dizem

os adultos que não se espantam com nada. Nem mesmo com um nascimento, que

entretanto é um milagre, e, menos ainda, com este outro milagre que um objeto

feito de folhas cheias de pequenos sinais, nos conte uma estória, evoque um clima,

uma paisagem, dê vida a seres imaginários. Milagre, também, que as palavras

misturadas aos nossos pensamentos, nos tragam o mundo, os outros, para dentro

de nosso quarto. Milagre, que este tesouro que é um livro, espalhe no nosso

coração, na praia de luz de uma lâmpada, a vida circunscrita que ele esconde em

pequenos sinais a serem decifrados.

E a autora continua, referindo-se à mestra que instigara sua curiosidade de ler:

‘Sim, e o que você leu? O que isto conta?’ Havia uma imagem na página da

direita. Então eu me lançava, inventando o que contava a imagem (na minha

idéia).Mademoiselle, muito séria e sempre calma me dizia: ‘Não, isso é o que você

inventa. Não é o que está escrito e que você leu muito bem’.

Para o autor não-vidente, OLIVEIRA, o objeto de apoio para o desejo consistiu na música

que o levou a querer decodificar os pontinhos em relevo que podiam ajudá-lo a ler as

partituras musicais e poder, enfim, dedilhar seu violão com entusiasmo, conquistando o

espaço da sonoridade e harmonia musical.

O processo de aprendizado da escrita, com o uso da régua própria para o Braille, o

descobrir que se escreve da direita para a esquerda, para que o relevo seja descoberto pelo

tato, depois, no momento da leitura, indo da esquerda para a direita, a descoberta das

diferentes orientações e combinações dos 6 pontinhos distribuídos num quadrado, para

significar fonemas, letras, sinais matemáticos e notas musicais, é diverso, mas similar ao

grafismo do traçado das letras. Os grafemas, fechando-se, abrindo, subindo ou descendo,

como também o uso das linhas de um caderno como referência para a escrita, podem ser

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Page 29: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

comparados aos pontinhos dos Braille e à régua na prancheta de perfuração dos pontos no

Braille, mesmo que o tipo de senso-percepção utilizado seja diferente.

Enquanto a coordenação viso-motora é o instrumento do vidente, a coordenação tátil e a

sensibilidade da ponta dos dedos é que se revela, junto à coordenação áudio-visual, o

elemento básico para representar o mundo, e, na escrita permite a elaboração de textos

belos e de base científica evidente como o de OLIVEIRA.

O tato ou sistema háptico ativo, permite analisar um objeto de forma parcelada e

gradual, ao contrário da visão que é sintética e global, segundo FERNANDES.

Assim, a leitura e a escrita do não vidente são mais lentas e elas devem progredir por partes

no texto, não lhe sendo possível uma leitura dinâmica. Entretanto, a apreensão do conteúdo

e a interpretação do texto são equivalentes para videntes e não videntes.

Já no que se refere à conceituação e simbolismo, podemos dizer que, ultrapassadas as

primeiras dificuldades cognitivas e de assimilação do mundo, vemos que o não vidente não

difere do normo-visual.

Suas possibilidades lógicas e de abstração evoluem a partir do período de operações

formais, quando o aluno não-vidente foi bem estimulado e instigado para realizar

descobertas nos períodos precedentes citados por PIAGET.

Os resultados de pesquisa sobre a área cognitiva (OCHAITA, 1988) revelaram atrasos na

criança cega apenas nas provas de seriação e na classificação multiplicativa. Este atraso

desaparece aos 11 anos, segundo o autor.

Se um aluno apresenta apenas deficiência visual provavelmente se beneficiará da inclusão

escolar sem maiores problemas.

Já no caso dos problemas visuais associados a deficiências múltiplas será necessária uma

escolaridade especial, além de vários outros atendimentos terapêuticos.

Gostaria de trazer aqui o exemplo de um caso de um menino de 6 anos que atendi em

Terapia Psicomotora, até os 12 anos de idade.

Tratava-se de uma criança portadora da síndrome de CHARGE, com visão subnormal,

devido a um tumor no olho, e com deficiências múltiplas, físicas (má formação da fossa

nasal, dos genitais e do coração), neurológicas e psicomotoras, além de baixa audição.

Esse menino foi uma surpresa quando conseguiu mostrar potencialidades maiores do que as

esperadas, montando quebra-cabeças, sendo capaz de criar pequenas séries com pinos

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Page 30: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

coloridos ou mesmo montando sequências com o Lego, desde o diagnóstico psicológico. Os

pais, que participaram pelo menos uma vez por mês de suas sessões de Educação da

Relação Psicomotora, começaram a ver que ele respondia à melodia da linguagem da

terapeuta, mesmo que se não tivesse certeza, no início, de que ele decodificava a sua

significação.

O menino adorava escutar as cantigas infantis que eu cantava sobre os animais e objetos

que ele montava nos puzzles e chegava seu ouvido junto a minha boca para perceber melhor

o som e, depois, com o aparelho de surdez, passou a ligá-lo ou desligá-lo, até jogando-o

fora, quando queria interromper a relação, se algo o incomodava. Ele mostrava bem que se

abria ou se fechava para os outros, numa relação em que buscava não ter que se defrontar

com os limites e castrações, necessários para sua evolução. Mas algo da relação terapêutica

pode inscrevê-lo no social, mesmo com suas birras e auto-agresividade na fase inicial do

tratamento.

Quanto ao problema visual, ele se esforçava para reconhecer as peças coloridas, colocando-

as junto aos olhos e parecia que o fazê-las girar, provocava nele mesmo enorme prazer,

talvez devido ao contraste das cores, algo como luzes a que ele tinha acesso...

Ele estudava em uma escola especial e, em vídeo que me foi cedido, vi o trabalho excelente

da professora levando-o a escrever seu nome com letras modeladas em tiras feitas de

massinha. É importante aproveitar todos os resíduos visuais que uma criança possua.

A evolução do caso foi pequena em termos de escolaridade e aprendizado, pois sua

deficiência global era acentuada, mas sua adaptação social foi evidente.

Uma das grandes alegrias e surpresas que já tive profissionalmente foi comparecer a seu

aniversário de 21 anos, no ano passado, e, ao chegar perto dele e cumprimentá-lo, pude ver

que ele me reconheceu, fazendo apelo à sua memória da infância, pulando em meu colo,

tocando meu rosto e sentindo meu cheiro, todo alegre.

Vi outras pessoas chegando e cumprimentando-o e a reação foi bem diferente da que teve

comigo e com a sua musicoterapeuta, a quem estava muito ligado afetivamente, na época.

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Page 31: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Ele precisava de um acompanhante junto dele, mas pôde receber as visitas, os presentes e

até dançar alegremente com sua mãe.

Ele fazia equoterapia, saindo-se bem como cavaleiro, com grande prazer em montar. Sua

linguagem verbal não se desenvolveu, mas ele se fazia entender bem por gestos, numa

comunicação não-verbal, e compreende bem o que lhe é dito, no que se refere a atividades

corriqueiras.

Na infância dele “emprestei simbolicamente” meu corpo na Terapia Psicomotora para

mediar o mundo espaço-temporal e os objetos aos quais ele pôde ter acesso, através de

mim, no início, por exemplo, pegando minha mão para alcançar o que estava mais distante

dele.

Com o tratamento pude ajudá-lo a sair dos movimentos estereotipados e auto-agressivos

(como morder a própria mão à menor frustração) e, sobretudo, levá-lo a interagir, com suas

limitações, com o grupo de colegas e os adultos.

As possibilidades relacionais afetivas e sociais foram a sua grande conquista.

Mesmo não sendo possível a inclusão escolar de crianças portadoras de dificuldades tão

acentuadas como este menino, a possibilidade de frequência à escola especial contribui para

a evolução do indivíduo e do cidadão.

Já os alunos que observei e entrevistei na segunda parte deste trabalho mostram a

importância da inclusão para os portadores de necessidades especiais, no caso a dificuldade

acentuada ou perda de visão.

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Page 32: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Entrevistas:

Deficiente visual R.

Nascido em 22/7/87, 19 anos.

2º. Período de Sistemas de Informação na PUC-Barreiro

Nasceu já com falta de visão

O diagnóstico foi doença degenerativa primaria da retina, talvez retinose pigmentar.

Estudou na escola estadual João Camilo Torres onde era o único deficiente visual. Sempre

se integrou aos colegas, queria brincar de bola, de pega, até com risco de machucar, não

concordava de ser diferente. Isso é importante para R. que acha que o DV que tem que ver

seus limites e lidar com auto-estima baixa. O outro deve dar limite só se for machucar e não

deve aceitar que o DV diga não dou conta, deve estimular. A ajuda não deve ser fazer as

coisas pelo DV.

Sua mãe aprendeu Braille para lhe ensinar e ele aprendeu com 4 anos. Também ela nunca o

prendeu, com 13-14 anos ia para escola sozinho e soube que, nas primeiras vezes ela ia

atrás dele acompanhando-o, calada, sem ele saber, para dar proteção, pois queria que ele

saísse para o mundo.

R. diz que os outros sentidos não são mais desenvolvidos e sim que sabe usar mais as

“coisas”, se precisa de algo, sabe mexer... Por exemplo, o mouse na informática substituiu o

teclado, mas se não tem o mouse aprende quais teclas usar. R. diz que a visão equilibra os

sentidos, mas que ele não tem ouvido melhor do que ninguém!

Quanto à escolaridade queixa-se, por exemplo, de um professor de química que lhe disse

que lhe daria os pontos para passar em vez de explicar melhor a matéria para ele. Diz que a

inclusão do DV é difícil porque as escolas não estão preparadas e que até na PUC faltam

livros em Braille suficientes. Ele diz contar mais com colegas que digitam os textos e lhe

mandam por computador, com o que escuta nas aulas e até tenta gravar o professor em

MP3. Diz depender mais dos colegas que dos professores.

Diz que é muito integrado ao grupo de amigos, sai da aula para botecos, convive e tem uma

namorada vidente, mas sabe que muitos DV, em contraponto, têm problema grande de

inclusão. Colegas lhe dizem que até esquecem que ele é cego, só o guiam para não trombar

nas coisas e brincam muito com ele. Por exemplo, para fazer graça um colega pegou a

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Page 33: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

chave de um carro, marca Golf num barzinho e perguntou quem estava dirigindo e ele

levantou de bengala branca e foi fingir sair com o carro e todos do bar levantaram para

ver... Por outro lado se um desconhecido o chama de ceguinho é ofensa, já os colegas

brincam com ele, e é normal!

R. me põe no celular para conversar com um amigo vidente N. sobre ele. O amigo me diz

que ele tem dificuldade na universidade mas tem grande força de vontade para superar, que

é muito inteligente e tem tudo para conseguir o que quer num curso muito difícil. Diz que

no grupo de amigos ele conhece todos, é de fácil comunicação e que é incrível como ele

tem conversa para todo tipo de pessoas.

Deficiente visual C.

Nascido em 30/4/64, 42 anos.

Perdeu a visão em 98, tendo tido antes quatro descolamentos de retina.

Fez até a 5ª. Série em Nova Lima onde mora, não quis estudar mais, depois trabalhou em

almoxarifado na mina Morro Velho e em posto de gasolina, por exemplo, mas se aposentou

com 25 anos.

Atualmente faz atletismo (corrida) e participa do teatro no São Rafael. Ficou cego com 35

anos e sua mãe era contra ele vir para o São Rafael, mas o irmão o trouxe e, com 4 meses,

ele já vinha sozinho para Belo Horizonte para freqüentar o instituto. Ano passado correu a

São Silvestre e me mostrou sua medalha de participação. Já correu a maratona do Rio em

2003 e chegou em terceiro lugar.

Diz que tem lembranças de cores, sabe se uma pessoa é loura, morena ou escura.

Diz que enxergando tinha muitos amigos e perdeu vários, uns que não lhe davam mais

papo. Hoje ainda tem amigos que o visitam e fez novos amigos deficientes visuais. Diz que

tem que se conformar com o que Deus manda e que com atletismo leva vida normal: que

Deus é grande!

Deficiente visual D.

Nascido em 19/7/87, 19 anos.

Cursa a 7ª. Série no São Rafael e trabalha na Aspron em telefonia em meio horário.

33

Page 34: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Cego de nascença, não sabe o que é enxergar. Diz que, por exemplo, reconhecer notas de

dinheiro é impossível, mas consegue com moedas e a nota de 10 plástica e a de 20, que tem

uma tarja. Mas que vai aprendendo do seu jeito porque cego não tem outra escolha. Diz que

é do interior e que conhece cavalo porque já pegou num, em vaca e porco também. Tem

cego que nem sabe o que são os animais. Quando foi perguntado como procedia para esse

conhecimento disse que era pegando a cabeça, cara, focinho, pata, parte a parte e, depois,

fazia o somatório de tudo!

Quanto ao relacionamento com os outros diz que o seu é normal, que tem cego que é tímido

e prefere ficar dentro do São Rafael. Ele não abre mão do São Rafael, mas diz que tem que

conviver com vidente porque cego é minoria. Sabe que tem cego que vive fechado no seu

mundo.

Acha que se deve estudar em escola especial até a 5ª. Série para aprender o Braille e diz

que nem todos têm uma mãe como R. que lhe ensinou o Braille....

Quanto ao aproveitamento escolar reconhece que já foi mais malandro e que o ensino no

instituto é puxado!

Estas foram as três entrevistas que colhi no Instituto São Rafael.

Apesar de se tratar de dois adolescentes e um adulto e não ter conseguido uma entrevista

com crianças, pude conversar um pouco sobre a vida de cada um.

No caminho do desejo de viver, vemos escolhas e apoios diferentes. O primeiro R. parece

que superou suas limitações e fez várias compensações devido à ausência de visão e é

muito consciente de sua luta por uma sociedade inclusivista. Busca uma auto-imagem

positiva e não quer ser superprotegido (como o professor de química quis fazer.Será que

por preconceito e não acreditar em sua capacidade?), pois isso lhe parece uma

desvalorização dele como sujeito e cidadão.

O segundo parece mais acomodado com suas limitações, mas recorre ao esporte para se

superar e conta com a religião como apoio. Teve menos compreensão familiar, mas

encontrou um espaço para se afirmar!

O terceiro parece um adolescente mais sem compromissos, ainda, mas valoriza sua

possibilidade de percepção, fazendo a síntese das partes dos objetos maiores (como

animais), para ter sua noção de mundo e de espaço mais ampliado.

34

Page 35: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Creio que foi um aprendizado fazer essas três entrevistas, pois o que compreendemos com

o material teórico é elucidado de modo melhor na prática.

Talvez por ser psicóloga tenha priorizado os aspectos do desejo do sujeito, do

relacionamento, da auto-estima e da adaptação á vida do dia a dia. De todos modos, me

parece que os três entrevistados conseguiram a compensação de suas dificuldades no

sentido de que fala Vygotsky e que podemos deduzir que suas possibilidades de

pensamento abstrato e de raciocínio formal, de acordo com a visão piagetiana, estão

adequadas à sua idade. O primeiro entrevistado está inclusive num curso que lhe exige

muito esforço, segundo ele mesmo e de acordo com seu colega de sala.

5.2. SURDEZ

O oralismo e o bilingüismo como filosofias educacionais para surdos

A linguagem deve ser tomada como uma unidade indivisível estando em estreita relação

com o pensamento nos diz Vygotsky (1993).

O conceito linguagem deve ser estendido para mais além da verbalização que constitui a

fala, pois ele implica o uso funcional de signos de quaisquer tipos, que possam exercer

papel correspondente ao da fala, ou seja, a linguagem apresenta a possibilidade de

representação e simbolização de conceitos, idéias e sentimentos e a comunicação

interpessoal.

Vygotsky refere-se ao uso dela como um sistema simbólico, internamente articulado por

regras e compartilhado por um grupo de pessoas, já nas décadas de 20 ou 30, mas ainda não

propunha o uso de uma língua constituída por sinais possibilitando a primeira linguagem

natural para o surdo.

Ele, numa postura nova para a época, deu importância ao uso da mímica e da linguagem

escrita, como aliados no processo educativo. Este constituiu um dos passos que levou, mais

tarde, à criação de uma língua de sinais. Mas, foi a partir da década de 60 que os estudos

sobre o conjunto de sinais utilizado pela comunidade surda, atribuindo-lhe estatuto de

língua, possibilitaram a concepção filosófica do bilingüismo na educação de surdos e o uso,

por exemplo, de LIBRAS no Brasil.

35

Page 36: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Historicamente, no início das primeiras experiências de educação de surdos, havia formas

alternativas de gestos, mímicas e desenhos para se comunicar com os surdos e esse

posicionamento foi substituído pela metodologia contrária, pelo oralismo, excluindo a

comunicação corporal, visual-gestual, e negando o reconhecimento dos sinais como língua.

Isto ocorreu a partir de 1880, em que se reuniram educadores europeus e dos Estados

Unidos e Canadá, no Congresso Internacional de Educadores de Surdos, realizado em

Milão, para discutir e tomar posições sobre assuntos referentes à surdez. Aí se discutiu o

método a ser adotado para a educação de surdos, se gestual ou oral. Decidiu-se pela

proibição do uso da língua de sinais nas escolas, e essa escolha oralista, autocrática, sem

ouvir os professores ou alunos surdos, levou, segundo Sánchez, no século XIX a tentativas

de integração de surdos em classes de ouvintes, na Alemanha e França, mas a experiência

não obteve os resultados esperados (VALENTINI, 1995).

No Brasil, de acordo com Ciccone, em 1990, (citado por VALENTINI, 1995), as primeiras

iniciativas educacionais para surdos ocorreram em 1855, com a chegada do professor

francês Ernesto Huet, e a fundação da primeira escola para surdos, que funciona até hoje, o

Instituto Nacional para a Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro.

Na época aí se utilizavam métodos verbos-tonais, implicando na estimulação para a

compreensão verbal, com a ajuda de próteses e estimulação da leitura labial e o

desenvolvimento da fala e oralidade.

A ênfase no oralismo é dada utilizando procedimentos como os descritos a seguir:

1. Para compreender a fala:

a) pais e educadores devem levar a criança surda a olhar para eles enquanto falam;

b) conduzir a criança surda a sentir como são as vibrações produzidas pelos sons emitidos

por eles e por ela mesma;

c) colocar as mãos da criança surda sobre o seu nariz, bochechas, garganta e no tórax,

enquanto falam, para que ela perceba com as mãos os movimentos decorrentes da fala e as

vibrações produzidas pelos sons;

d) utilizar movimentos labiais bem definidos, a fim de que a criança surda compreenda o

que estão dizendo, pela observação dos lábios;

36

Page 37: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

e) usar expressões faciais, movimentos do corpo, das mãos, gestos naturais para tornar mais

clara a sua mensagem;

f) mostrar na expressão do rosto os sentimentos de dor, alegria, surpresa, que acompanham

sua fala;

g) falar exclusivamente a respeito da situação que estão vivendo ou dos objetos

apresentados;

h) falar naturalmente, com voz normal, num nível moderado de velocidade, sobre o que

estão fazendo no momento, usando palavras simples.

2. Para estimular a emissão da fala e articulação, a estimulação vai se dirigir a quatro

áreas:

a) Respiração;

b) Tensão e Relaxamento;

c) Ritmo;

d) Estimulação da sensibilidade e da mobilidade orofacial.

Para a corrente oralista, portanto, o surdo é um sujeito deficiente e a falta da audição

precisa ser suprida para que ele possa integrar-se à normalidade. O sujeito surdo precisa

aprender a falar (oralmente) para ser educado. Com isso, todos os esforços são voltados ao

ensino da fala. A língua de sinais não pode ser usada, pois não é um meio legítimo de

comunicação, sendo inferior às línguas orais.

Diz FREIRE COSTA:

Como conseqüências pedagógicas, temos um processo de ensino-aprendizagem que se

apóia na fala, na leitura labial. O aprendiz deve aprender a falar para interagir com o professor

e colegas; esses devem procurar falar posicionando-se à frente do aprendiz a fim de que

ele faça a leitura de seus lábios (leitura labial). A alfabetização do surdo pressupõe a sua

oralização e geralmente é feita com ênfase na aprendizagem dos sons, sendo comum a

adoção do método fônico de alfabetização. (2004)

O oralismo implica, portanto, em:

a) treinamento auditivo – estimulação auditiva para reconhecimento e discriminação de

ruídos, sons ambientais e sons da fala;

37

Page 38: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

b) desenvolvimento da fala – exercícios para a mobilidade e tonicidade dos órgãos

envolvidos na fonação (lábios, mandíbula, língua etc), e exercícios de respiração e

relaxamento (denominados, também, mecânica da fala);

c) leitura labial – treino para a identificação da palavra falada através da decodificação dos

movimentos orais do emissor.

Para o máximo aproveitamento auditivo o oralismo tem como princípio a indicação de

prótese individual que amplifica os sons, admitindo a existência de resíduo auditivo em

qualquer tipo de surdez, mesmo na profunda. Esse método procura assim, reeducar

auditivamente a criança surda, através da amplificação dos sons, juntamente com técnicas

específicas de oralidade. O aprendizado de português oral é o que define sua aprendizagem

na escrita/leitura.

Trata-se de uma visão que não acolhe a diversidade do ser humano, pois tenta

homogeneizar as expressões lingüísticas do surdo, não reconhecendo que há uma

linguagem de sinais. Além disso, já existe uma comunidade surda instituída que luta por

suas possibilidades de comunicação, alcançando pleno nível simbólico e metafórico, e até

faz piadas sobre os ouvintes, em sua língua específica: a LIBRAS.

A comprovação de que a língua de sinais é uma língua natural e obedece a padrões

determinados, como as outras línguas, permitiu um novo modo de conceber o surdo. O

surdo passa a ser respeitado como possuidor de uma língua natural gestual-visual. A

aquisição e o desenvolvimento dessa língua lhe garante o processo do desenvolvimento

cognitivo, lingüístico e afetivo, com menor defasagem evolutiva em relação às crianças

ouvintes. O surdo é um sujeito e cidadão em sua especificidade.

A LIBRAS tem sua estrutura de língua diversa da que o português adota e é a primeira

língua a ser utilizada precocemente com as crianças surdas, para que seu desenvolvimento

como sujeito, capaz de se comunicar com os outros e compreender seu contexto, seja o

mais próximo possível do que ocorre quando uma criança interage com seu entorno de

modo eficaz e simbólico.

Pais surdos já criam este contexto lingüístico para seus filhos, pois utilizam, também a

língua dos sinais. Pais ouvintes têm que ser disponíveis para aprender LIBRAS e, de acordo

com as pesquisas, mesmo que seus gestos não sejam perfeitos, ajudam bastante a evolução

38

Page 39: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

dos filhos, pois não abandonam os intercâmbios comunicativos com eles, por falta de

resposta oral.

A visão da surdez como doença é substituída por uma visão social, cultural e lingüística do

surdo, sendo que os estudos atuais enfocam uma melhor compreensão das questões que

envolvem a linguagem, a cognição e a cultura do surdo.

A educação que adota o bilingüismo considera a LIBRAS como a primeira e a mais natural

para o surdo, sendo que o português será sua segunda língua. A língua de sinais é o

instrumento utilizado para o ensino da língua oral, assim como para o ensino de todos os

conteúdos escolares.

Uma proposta de educação utilizando o bilingüismo assume um compromisso

sociopolítico-acadêmico, o que implica em criar condições para sua implantação, buscando

profissionais que tenham acesso a LIBRAS e que possam utilizá-la com competência. Por

outro lado o ensino de Língua Portuguesa ao surdo, como segunda língua, é necessário e,

então, o educador fará as adaptações curriculares necessários e, segundo vários autores, as

estruturas dos contos, das narrativas e textos literários podem ser de grande ajuda para o

aprendizado. Não se usará mais apenas o método fônico para o aprendizado da

leitura/escrita. O conhecimento poderá ser construído, nesta segunda língua a ser “falada” e

escrita, com igual possibilidade de sucesso à construção do conhecimento na escola regular.

Uma conseqüência natural da educação que adota o bilingüismo para surdos é a criação de

espaços e cursos para a formação pedagógica de adultos surdos que desejam dedicar-se à

educação. Sua presença na escola, talvez, inicialmente, como monitores do professor

ouvinte regente, e logo como educadores especializados, pode ser de fundamental

importância no projeto de atender à diversidade em sala de aula.

É interessante o depoimento de uma estudante de Pedagogia, colhido em entrevista para o

site Surdo.com.br, para confirmar a importância de se utilizar o bilingüismo no caso dos

surdos. Diz ela:

Penso em ser uma grande educadora de surdos... amo muito os meus pares, os meus

iguais... são a razão da minha vida, quero muito que a educação das crianças surdas

seja valorizada e que elas possam ter o que não tive na minha infância. (...)

É importante para que os surdos sejam valorizados como verdadeiros cidadãos! (...)

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Page 40: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Infelizmente não aprendi desde criança, só vim a conhecer a Língua de Sinais já

adulta, aos 21 anos de idade, mas, desde pequena eu já tinha sinais domésticos e

espontâneos na minha casa e também eu os usava no Centro Verbo Tonal na minha

infância. (...)

Eu pensava que era incapaz de ser alguém na vida, e já estava acomodada com a

minha “deficiência”, mas quando conheci a Comunidade Surda, foi uma verdadeira

revolução na minha vida... foi através dela que eu descobri que podia ir mais além, a

Língua de Sinais ampliou a minha visão do mundo... e hoje posso dizer, com convicção

que tenho muito orgulho de ser SURDA. (2007)

A plasticidade neuropsicológica e a aquisição da língua de sinais

LURIA (1974) distingue três unidades funcionais principais do cérebro necessárias para

que seja possível qualquer tipo de atividade mental.

A primeira é a unidade que regula o tônus e/ou a vigília cortical. Sua função é regular os

processos de vigilância e o tônus cortical, além de exercer o controle do nível energético do

córtex, de tal modo que se constitui uma base para a organização das múltiplas atividades

cerebrais.

A segunda é a unidade para obter, processar e armazenar informação. Sua localização é a

região posterior do córtex (lóbulo parietal, temporal e occipital). A área de linguagem

específica encontra-se aí.

A terceira é a unidade para programar, regular e verificar a atividade mental. Localizada

fundamentalmente nos lóbulos frontais.

Cada uma destas unidades é constituída por três zonas corticais que se estruturam seguindo

uma determinada hierarquia:

. Área primária (de projeção) que recebe os impulsos ou os manda à periferia.

. Área secundária (de projeção / associação) onde a informação que se recebe é processada

e onde se preparam os programas.

. Área terciária (zonas de superposição) que é a zona filogeneticamente mais nova do

cérebro humano e é responsável pelas formas mais complexas de atividade mental, que

requerem a participação harmônica de muitas áreas corticais.

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Page 41: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

LURIA sublinha que todos os processos mentais do homem e em particular sua atividade

consciente sempre ocorrem com a ação conjunta destas três unidades. Estas exercem sua

função sobre os processos mentais e sobre os atos o que significa que cada forma mental de

atividade consciente é sempre um sistema complexo funcional, devido a este trabalho

conjunto. A linguagem estrutura-se pela interação dessas unidades funcionais.

O sistema nervoso é uma organização funcional que evolui e se modifica com a maturação,

a experiência e o aprendizado, além de sofrer influências da relação afetiva com os outros e

da possibilidade do sujeito ter consciência de si mesmo e mostra-se autônomo.

Além disso, o sistema nervoso revela uma grande plasticidade através da qual áreas

funcionais podem suprir dificuldades apresentadas em outras, por exemplo, no caso de

recuperação de problemas neuro-motores e, no que nos interessa em relação ao surdo, no

caso de lesões neurológicas ou de surdez congênita, para permitir sua aquisição de

linguagem.

Essa idéia de plasticidade não supõe um caos inicial, mas sim uma estrutura sobre a qual

serão organizados os chamados sistemas funcionais que mobilizam diferentes partes do

cérebro para a realização das diversas atividades psicológicas, incluindo aí os aspectos

neuro-sensóriomotores, perceptivos, mnémicos, integrativos, cognitivos e afetivos que

estão implicados na compreensão da linguagem e na verbalização da fala.

A estimulação viso-gestual e de toda a oralidade, além do aprendizado dos sinais, pode,

portanto, ser bastante eficaz para que a criança surda organize psiconeurologicamente os

substratos que permitem a linguagem, considerada uma função superior.

Aproveitando a plasticidade cerebral, que é maior aos três anos de idade e que ainda se

revela possível aos seis, quanto mais cedo ocorrer a comunicação pela língua de sinais,

mais efetiva será a aquisição da função lingüística, paralelamente à evolução semiótica,

psico-cognitiva e afetiva que ela acompanha e sustenta.

O atraso no “banho lingüístico” propiciado por LIBRAS vai causar uma defasagem

evolutiva da linguagem, pois a criança surda não aproveitará, de imediato, os gestos e

mímicas espontâneos como estofo para ter acesso aos balbucios manuais silábicos que se

adaptarão ao ritmo, duração e às possíveis configurações manuais da linguagem de sinais,

num processo similar ao da criança ouvinte que parte das vocalizações, gorgeios e

balbucios, para as palavras faladas.

41

Page 42: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Diz CUNHA DA SILVA (2005):

A linguagem gestual permite, sinais sincréticos ou com um valor de significado global cuja

compreensão dispensa uma recodificação na escrita, recodificação que pode ser estabelecida mais

tarde. (...) É por intermédio destes sinais sincréticos, que a criança surda educada num meio de surdos

pode chegar a uma linguagem gestual elementar anterior a uma linguagem gestual recodificada a

partir do sistema de grafia.

As crianças filhas de pais ouvintes, não fluentes em LIBRAS, terão que compensar suas

desvantagens iniciais.

Isso não quer dizer que a aquisição de LIBRAS será impossível depois desse período

inicial. Apenas quer dizer que a estimulação vai ter que ser maior e se apoiará no manancial

viso-tônico-gestual prévio utilizando o aprendizado consciente e fazendo apelo a outro

nível de evolução cognitiva. Enquanto as crianças surdas que têm o privilégio de ter acesso

a LIBRAS terão um processo educativo espontâneo que as tornará capazes para os sinais e

sintaxes da língua, as que não desfrutaram dessa possibilidade terão, de certo modo, de ser

reeducadas para utilizar a comunicação viso-gestual adaptando-a à estrutura da língua de

sinais.

Continua o autor já citado:

Estas crianças elaboram, contudo, e de uma maneira espontânea, gestos e comportamentos simbólicos

que utilizam com realidade na sua vida quotidiana. Isto parece confirmar em certa medida a hipótese de

Piaget de uma função simbólica ou semiótica anterior à linguagem e na qual se baseia normalmente a

sua construção. Mas tais crianças têm a falta do contributo poderoso do ponto de vista da estruturação

da vida mental e intelectual que é um sistema simbólico "pré-fabricado". É esta falta que as diferencia

especificamente das outras crianças e o seu desenvolvimento intelectual deve ser considerado à luz desta

condição especial.

As crianças surdas, que não tiveram acesso à língua de sinais desde o início de sua

evolução, terão, portanto, que utilizar suas possibilidades simbólicas e seus primeiros

gestos espontâneos para dar um salto semântico ao aprender os sinais de LIBRAS.

O fato é que LIBRAS é também bem diferente dos gestos. Por exemplo, os sinais de

LIBRAS carregam o conteúdo completo, enquanto os gestos são usados como reforço

daquele conteúdo expresso por uma palavra falada. A criança terá que aprender esse novo

modo de criar semiose e de interagir, se comunicando em nível lingüístico, adquirindo uma

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Page 43: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

nova habilidade sem continuidade evidente com o que poderia ter sido seu balbucio gestual,

desde os primeiros momentos de sua evolução comunicativa.

5.3. RETARDO MENTAL

O retardo mental é uma incapacidade caracterizada por

importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual

quando no comportamento adaptativo, está expresso nas

habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa

incapacidade tem início antes dos 18 anos.

Multidimensionalidade do Retardo Mental

A definição do retardo mental apresentada pela AAMR (2006) – American Association on

Mental Retardation – é uma visão ecológica e multidimensional por enfatizar o

funcionamento do indivíduo em relação ao contexto social e ao ambiente em que vive. Tal

conceito supõe a base de uma teoria funcionalista, sistêmica e bio-ecológica, incluindo as

dimensões intelectual, relacional, adaptativa, organicista e contextual.

O retardo mental não deve ser considerado como uma limitação fixa, um sistema

ecologicamente fechado em si mesmo, mas, sim, deve levar em conta as limitações das

atividades, restrições de participação e as necessidades de apoio apresentadas pela criança,

adolescente e/ou adulto, qualquer que seja a etiologia de seu atraso intelectual / cognitivo e

as repercussões em seu comportamento adaptativo, ou seja, nas suas habilidades

conceituais, sociais e práticas que permitem às pessoas funcionar no seu dia a dia e reagir

às mudanças da vida, levando em conta o mundo e a comunidade em que vivem.

A pessoa que apresenta retardo mental pode encontrar, em ambientes positivos, a

oportunidade de exercer maior participação na vida geral da comunidade e, até mesmo,

desempenhar papéis sociais valorizados, num processo de inclusão, seja escolar, seja no

trabalho. Além disso, poderá ter oportunidades de escolha e exercer seus direitos,

enfatizando a auto-defensoria de que nos fala Rosana GLAT (2004).

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Page 44: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

No que se refere aos cuidados consigo mesma, à segurança pessoal e financeira, à

escolaridade e ao trabalho, às atividades de lazer e recreação como também à gerência de

sua sexualidade, dentro de uma perspectiva de crescimento pessoal e bem estar, a

abordagem ecológica e multidimensional do retardo mental implica em fornecer apoios

criteriosos ao indivíduo, de acordo com suas necessidades.

Considerando que a adaptação não é um aspecto fixo ao longo da vida, o essencial não é o

quanto um indivíduo está ou não adaptado a um contexto, mas sim ao quão flexível ele é

para se adaptar frente aos mais diferentes contextos e desafios, levando em conta suas

limitações e, sobretudo, suas possibilidades.

A descrição da AAMR é bastante completa e eu só acrescentaria a ela os aspectos do

inconsciente do sujeito desejante, já que muitas vezes a história do desejo e a inserção na

dinâmica familiar são estruturantes, libertadoras ou, ao contrário, cerceam a pessoa. Diz

DOLTO (1985) que jogamos o jogo da vida com as cartas marcadas pelos desejos e

fantasias dos pais e, a meu ver, as pessoas com retardo mental muitas vezes vivem o

preconceito que sofreram, tornando-se sujeitos pouco válidos a seus próprios olhos.

Diagnóstico e Julgamento Clínico

O diagnóstico e o julgamento clínico, segundo a AAMR (2006), revelam a necessidade do

estabelecimento de parâmetros conceituais e avaliativos que permitam um consenso

baseado na experiência clínica para a avaliação de estratégias quantitativas e qualitativas

válidas de investigação que permitam a identificação efetiva do retardo mental e a

eficiência do atendimento ao indivíduo.

De modo geral, serão feitas avaliações tanto da inteligência quanto do comportamento

adaptativo. O clínico deve estar familiarizado com a pessoa em processo de diagnóstico

bem como com seu ambiente.

Algumas diretrizes são necessárias:

1- Verificar o correto uso das provas avaliativas;

2- Considerar o ajustamento dessas em termos da idade, gênero, grupo cultural, língua

e meios de comunicação, além das limitações sensório-motoras da pessoa;

44

Page 45: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

3- Considerar o processo de exame e a qualificação do examinador para utilizar

métodos avaliativos reconhecidos e bem padronizados;

4- Verificar, no caso de entrevistas ou fichas preenchidas por familiares ou

educadores, o nível de seu conhecimento sobre a pessoa avaliada e sua

confiabilidade para fornecer informações;

5- Fazer o contraponto das provas com os aspectos relacionais e sociais da pessoa

avaliada, não deixando de lado suas experiências de participação, de interação e os

papéis sociais por ela desempenhados;

6- Compreender os fatores físicos e de saúde mental que possam exercer intercorrência

no diagnóstico;

7- Integrar as informações de equipes interdisciplinares fazendo a síntese da avaliação

multidimensional e das informações contextuais.

O julgamento clínico além de permitir um diagnóstico mais acurado em casos de difícil

avaliação pode ser um fator de grande ajuda para a delimitação dos apoios que se

fizerem necessários.]

Acostumada a realizar o diagnóstico psicológico e psicomotor de crianças com retardos

mentais, numa perspectiva psicanalítica e psicomotora, foi importante para mim a

contribuição do autor em termos da observação do comportamento adaptativo das

pessoas com retardo mental, numa visão mais comportamentista.

Os apoios e sua aplicação às pessoas com retardo mental

Ao se utilizar o modelo dos apoios para as pessoas com retardo mental estamos enfocando

um novo paradigma. Este inclui a possibilidade do funcionamento do indivíduo ultrapassar

possíveis limitações e a idéia de zona proximal de desenvolvimento de Vygotsky em que,

com o apoio de um membro mais capaz da sociedade, funções que não seriam possíveis de

se realizar sozinho serão executadas com apoio.

Os apoios são definidos como “recursos e estratégias que visam a promover o

desenvolvimento, a educação, os interesses e o bem-estar de uma pessoa e que melhoram o

funcionamento individual” (AAMR, 2006, p.161).

45

Page 46: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

As áreas em que os apoios podem ser exercidos são:

1- Desenvolvimento humano (habilidades psicomotoras para a ação, possibilidades de

raciocínio desde o nível prático até formas mais realísticas e lógicas, auto-conceito

positivo, com confiança, autonomia e iniciativa;

2- Ensino e educação (interação com educadores, professores, treinadores e com os

colegas de escola /trabalho e participação nas discussões sobre decisões

educacionais ou treinamento);

3- Vida doméstica (ser independente nas atividades diárias, banho, alimentação,

cuidado com seus pertences e com sua residência, utilizar aparelhos domésticos e

ter lazer em casa);

4- Vida comunitária (utilização dos meios de transporte, usar serviços da comunidade

como correio, por exemplo, ir a cultos religiosos ou apresentações de bairros, fazer

compras para si e para a casa, interagir com outras pessoas responsáveis da

comunidade);

5- Emprego (ter acesso e compreender as tarefas do serviço, utilizar adequadamente as

habilidades necessárias, ter qualidade no serviço e interagir com supervisores,

treinadores e colegas);

6- Saúde e segurança (obter serviços de terapia, tomar medicações e evitar riscos à

saúde e segurança, receber cuidados domiciliares se necessário, acessar serviços de

urgência, seguir regras e leis e manter saúde mental e bem-estar emocional);

7- Comportamento social (integrar-se à família, ter lazer e recreação, conviver com

grupos extra-familiares e ter amigos, tomar decisões adequadas para sua

sexualidade e envolver-se em relacionamentos íntimos);

8- Proteção e defesa (saber se defender e aos outros sem se vitimar, proteger-se em

todos os níveis de saúde e convivência, saber se gerir financeiramente e evitar

explorações dos mais diversos níveis).

Os resultados esperados do apoio para as pessoas com retardo mental são:

1- Independência, auto-defensoria e exercício de seus direitos;

2- Relacionamentos (afeições, amizades, intimidades com familiares, mentores e

companheiros);

46

Page 47: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

3- Contribuições (no emprego, em atividades voluntárias, no cuidado e uso dos bens

pessoais, do grupo e da comunidade e nos lazeres e passatempos);

4- Participação na escola e comunidade (presença e envolvimento nas atividades, e

status dos papéis que desempenha socialmente);

5- Bem-estar pessoal (emocional, nas inter-relações, na vida material e na

autodeterminação, no reconhecimento de direitos e na inclusão social).

O nível e intensidade dos apoios terão que ser bem avaliados para cumprir seu propósito,

permitindo que o sujeito cresça em seu funcionamento e comportamento adaptativo.

Essa idéia dos apoios veio contribuir muito para minha compreensão da educação inclusiva.

Pois, nesse capítulo, apesar das redundâncias do estilo, o material me permitiu realizar uma

síntese do papel do entorno e, sobretudo dos educadores, na possibilidade futura de

adaptação social, pessoal e profissional, da pessoa com necessidades especiais.

Os alunos com deficiência mental

Repassando a história do diagnóstico da Deficiência Mental, FIERRO (2004) considera os

conceitos e as classificações oriundos dos testes psicométricos, avaliando os diferentes

métodos de aferição do quociente intelectual, que são extremamente precisos, mas

colaboram pouco para estabelecer modos de intervenção e educação / reabilitação da pessoa

com retardo mental.

A seguir, discute os conceitos behavioristas ou comportamentistas, que dão mais valor ao

enfoque funcional e adaptativo, caracterizando o retardo mental em termos mais

descritivos, deslocando a ênfase do cognitivo para o adaptativo e funcional, mas sem

chegar à precisão das classificações por QI. Nessa perspectiva o retardo mental constitui

uma condição permanente, mas não imutável, podendo-se programar reforçadores que

levariam a mudanças de conduta, aprendizagem de hábitos, melhoria na qualidade de

execução de tarefas na vida diária e nas áreas escolar, social e profissional.

A análise dos processos cognitivos, desenvolvida a partir dos modelos de processamento

de informação, considera o retardo mental levando em conta os aspectos intelectuais que

estão ausentes ou debilitados nos sujeitos. Considera, sobretudo, a aprendizagem e a

possibilidade de, em condições de instruções incompletas, poder haver ação inteligente,

47

Page 48: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

contrapondo-se à necessidade de instrução completa – bem-ordenada, redundante e

sistematizada - para que haja aprendizagem no caso de retardo mental.

As pessoas com retardo mental apresentam maior lentidão no processamento de

informações, déficits nos conhecimentos prévios necessários para processá-las, menor

destreza (inclusive psicomotora) e dificuldades nas estratégias básicas necessárias para o

aprendizado. Comparando-as a um computador veríamos que há falhas no seu “hardware”,

mas há uma possibilidade de criar “softwares” mais aperfeiçoados através do tratamento,

reabilitação e educação dessas pessoas. Aí se ousa até falar em melhorias da inteligência.

Com relação a essa atitude mais otimista o autor diz que:

“O principal déficit parece residir em sua dificuldade, inclusive de generalizar, transferir e

aplicas estratégias já aprendidas em situações e problemas diferentes daqueles em que

foram adquiridas” (FIERRO, 2004, p.197).

FIERRO prossegue falando, de modo geral, da personalidade das pessoas com retardo

mental. Refere-se a sua rigidez comportamental, sua fixação em rotinas e suas dificuldades

com mudanças, ligadas a sua deficiência cognitiva que não lhes permite se defrontar com

problemas novos e solucioná-los, ou seja, ser realmente inteligente, como também remete

ao aumento da ansiedade e insegurança diante dessas novidades.

Mostra ainda que nelas persiste o apego, estudado a partir da etologia, como vínculo

primordial devido à dependência inicial do ser humano, sendo que as pessoas com retardo

mental revelam grande dependência e formas primitivas de fixação em determinadas

pessoas e certas relações, com uma dificuldade em elaborar uma noção de self, de si

mesmo, e de se referir a seu mundo interno e à sua autoconsciência, além de haver uma

auto-imagem mais negativa que reflete suas relações interpessoais inadequadas.

O autor ainda comenta a etiologia do retardo mental falando de fatores variados e a

necessidade de avaliação interdisciplinar. Ele propõe que as intervenções sejam específicas

para o indivíduo e salienta alguns princípios básicos para pessoas com retardo mental:

1- Conhecer o nível de competência do sujeito diante de certas tarefas antes de propô-

las ou levá-lo a enfrentar outras;

2- Ensino passo a passo, gradual;

3- Análise das dificuldades e decomposição da tarefa em seqüências para graduá-la;

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Page 49: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

4- Instrução completa e redundante, ensino de diversas formas e com recursos

diversificados que apelam para diversos sentidos e sensações e para ações distintas;

5- Repetição, consolidação e re-memorização do já aprendido;

6- Nível dosado de tal modo que se possa ter uma aprendizagem “sem erros”;

7- Possibilidade de “monitorar” o próprio processo de aprendizagem e de seus

resultados, no caso de deficiências leves e, inclusive, moderadas.

Fala, ainda, da dificuldade de ensino como prevalecendo sobre a dificuldade em aprender,

dando à escola a responsabilidade pela escolha de programas, de práticas e estratégias

didáticas, além dos apoios específicos para determinado aluno. Fala também das adaptações

curriculares necessárias e da integração na escola de todos, início da inclusão, tal como a

compreendemos atualmente, com a colaboração também dos pais e familiares para o

sucesso educacional.

Termina salientando que a formação profissional é indispensável para a passagem para a

vida adulta com a integração no trabalho.

Considerei esse capítulo como o mais interessante de todos, com uma abordagem

integradora, a qual só posso elogiar. Os aspectos específicos da realidade na Espanha não

são pertinentes ao nosso país, mas vejo-os como interessantes para pontuar a diversidade de

estratégias de acordo com as sociedades e culturas.

Estudo de caso

“Clarice é uma criança de 9 anos que cursa o segundo ano do ensino fundamental de uma

escola comum da periferia de uma grande cidade. E filha de uma família de nível sócio

econômico baixo. O pai trabalha em atividades diversas, fazendo “biscates” A mãe é

doméstica, ocupando-se das tarefas de casa e de um neto de dois anos. Vivem com muitas

dificuldades financeiras pois Clarice é a caçula de 4 filhos, - um homem e três mulheres,

todos vivendo na mesma casa. Somente o irmão mais velho tem um emprego fixo. Mora

também na casa o cunhado de F.G., marido da segunda filha.

Na escola o seu rendimento é de “pouco progresso”, pois, não aprende o que lhe é

ensinado. Segundo a professora, “lê mal, escreve mal e quando escreve livremente, erra

demais. Apresenta um baixo índice de aproveitamento em todas as matérias. Nas atividades

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Page 50: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

propostas geralmente gasta todo o tempo fazendo uma única questão. Apresenta um

raciocínio muito lento, seja na resolução de problemas ou no desempenho de alguma

atividade social proposta para o grupo classe. Interessa-se muito pouco pelas atividades

desenvolvidas na escola”.

Clarice respeita a professora e se relaciona com todos, embora de forma superficial.

Apresenta um comportamento diferente apenas quando os colegas da classe mexem com

ela, colocando-lhe apelidos. Nessas situações ela reage agressivamente.

O diagnóstico aponta para uma deficiência mental média, com comprometimento da

linguagem, tanto receptiva quanto expressiva. Apresenta ainda dificuldades na leitura e

escrita e nos conceitos matemáticos.

Em relação ao desenvolvimento cognitivo, tem dificuldades em raciocinar logicamente

sobre acontecimentos vividos, apresentando pouca coordenação de relações. Suas

representações de mundo com palavras e imagens são limitadas. Demonstra ainda pouca

iniciativa, autonomia e interação com os colegas e outras pessoas do ambiente escolar,

participando restritamente das atividades de recreação e lazer”.

Comentários sobre o estudo de caso:

A Avaliação da aluna em sala de aula seria um primeiro passo para acolhê-la. O estudo de

caso diz:

“lê mal, escreve mal e quando escreve livremente, erra demais”. Em que nível está esta

escrita e leitura?

Clarice pode ser avaliada em relação a ela mesma com portfolios que agrupem suas

produções, por exemplo, de desenhos ou textos, seguindo as etapas que venceu, do ponto de

vista da coordenação, da adaptação do grafismo ao espaço (coordenação viso-motora e

adaptação espacial), mas também do sentido simbólico dos materiais: há uma representação

adequada à etapa em que a criança está? Realismo gorado, intelectual, visual? – no

desenho. Escrita subjetiva ou pré-silábica, primeiras hipóteses silábicas, passagem para as

hipóteses alfabéticas, escrita alfabética – na escrita? E na matemática? Há noções de

conservação, quantidade, seriação e quais as operações já compreendidas?

Também seria interessante o questionamento de sua evolução pessoal. Como ela tem

progredido? Que temas ela usa em suas produções, mostrando quais sentimentos de

pertencer ao grupo e de satisfação com o que aprende e com seu crescimento?

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Page 51: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Por fim, numa dinâmica mais geral, seria interessante realizar a avaliação de Clarice no

grupo e dela como sujeito em relação a si mesmo. A observação das atividades livres e

estruturadas nos pequenos grupos permite ver que papéis ela ocupa no grupo.Como ela se

entrosa no grupo, com que papéis – bode-expiatório, emergente da ansiedade, líder –, e

como consegue mudar de posição em alguma tarefa específica, por exemplo em jogos e

dramatizações propostas em sala de aula.

O trabalho pedagógico com Clarice deveria partir inicialmente da busca de sua integração

ao grupo de colegas fazendo com que ela adquirisse certo valor social, por exemplo,

levando-a a ajudar em pequenas tarefas como buscar xerox de exercícios na secretaria,

organizar a merenda, etc, de acordo com as atividades normalmente desenvolvidas em

classe. Além disso, em trabalhos em duplas, ou pequenos grupos, motivar os colegas a

agirem com apoios para que ela possa evoluir em zonas proximais de desenvolvimento,

sobretudo no que se refere à leitura e escrita e à matemática.

Com estas intervenções estaríamos iniciando um processo de referência diante do grupo e

de melhoria do auto-conceito em relação a ela mesma e frente aos colegas, o que parece

que não é muito habitual em sua vida quotidiana, sobretudo em uma família cujo próprio

contexto é “empobrecido” afetiva e sócio-economicamente.

A professora buscaria o desenvolvimento de habilidades adaptativas: sociais, de

comunicação, cuidado pessoal e autonomia, levando Clarice a estabelecer melhores

relações interpessoais com os colegas.

Para as dificuldades explicitadas nas matérias ensinadas, português / matemática, seria

interessante, do ponto de vista pedagógico, o recurso ao apoio psicoeducacional de uma

professora, como serviço suplementar oferecido à criança em sala de aula. Por exemplo, o

professor do ensino especial a ensinaria a tomar notas, a identificar as idéias principais de

um texto, a fazer resumos, etc. (técnicas de estudo), ou a lidar com os conceitos básicos da

matemática, quantidade, operações, etc, através de jogos quantificados que a estimulassem

a querer “saber contar”. Seu interesse pelas matérias da escola parece ser pequeno devido

às dificuldades em acompanhar o ritmo da classe e a um bloqueio generalizado, pois ela

nem consegue “brincar” de modo participativo.

A professora regente deveria implementar em sala de aula ambientes diversificados que

favoreçam a aprendizagem ("cantinhos" da arte, do teatro, da leitura, etc.), estimulando o

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Page 52: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

trabalho diferenciado em grupos ou individual. Apresentar a Clarice textos sob forma de

dramatizações com fantoches e marionetes, contos sob a forma de quadrinhos, buscando as

diversas formas de lhe apresentar os textos para análise do tema de cada um, levando-a e

aos colegas a criar pequenas redações sobre o que compreenderam em cada apresentação,

pode ser um reforço para a compreensão que se propõe com a leitura de um texto.

Levá-la a participar de jogos simbólicos e de jogos de papéis seria um recurso extra para

compreender a seqüência dos diversos eventos e levá-la a ter prazer no jogo e a interagir

com os colegas, além de organizar seu pensamento para depois poder fazer redações.

Introduzir para ela atividades complementares específicas, individualmente ou em grupo,

eliminar atividades que restrinjam sua participação ativa e real e suprimir objetivos,

conteúdos curriculares impossíveis dela alcançar, na situação atual, e substituí-los por

objetivos acessíveis, significativos e básicos seriam estratégias de adaptação curricular

possível. Por exemplo, se houvesse o enunciado de um problema colocado graficamente,

com desenhos de objetos a serem contados, que envolvesse quantidades maiores do que ela

dominasse e que a operação de adição ou subtração tivesse que ser realizada, o professor

poderia, criativamente, pedir que a criança ligasse os elementos numa correspondência

termo a termo em vez de exigir que fizesse as operações requeridas. Aí estaria tirando-a do

sentimento de fracasso de uma “missão impossível” e fornecendo-lhe a oportunidade de ter

êxito, naquele momento.

Portanto, ensinar de modo redundante, com recursos diversificados para atingir uma mesma

aprendizagem, repetindo e consolidando o já aprendido, além de ir gradualmente, passo a

passo, adaptando o nível de ensino ao aprendizado possível seriam procedimentos

pedagógicos que poderiam auxiliar Clarice em seu processo escolar.

5.4.A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA INCLUSÃO

A educação psicomotora poderia ser inserida na escola regular como uma atividade

curricular que beneficiaria muito a educação inclusiva.

52

Page 53: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Em primeiro lugar, considero que a avaliação do vivido do sujeito / aluno especial em seu

corpo próprio seria um ponto de partida para se compreender muitas das dificuldades frente

à organização de atividades estruturadas, necessárias ao aprendizado escolar.

A avaliação buscaria, por exemplo, investigar o nível de organização do esquema corporal

e da adaptação e orientação no tempo-espaço, elementos infra-lógicos básicos para apoiar o

pensamento organizado e as operações mentais.

A observação desses elementos teria que ser feita em vários níveis.

Na ação propriamente dita: observar, por exemplo, como a criança executa seus

gestos em termos de coordenação e, sobretudo, se são adaptados ao objetivo desejado; ver

também como lida com os espaços – filas, espaços amplos, sala de aula e com a seqüência

das rotinas de sala de aula – detectando aí se é capaz de se adaptar, se tromba em

obstáculos, se respeita ou invade o espaço do outro, se aceita o outro em seu espaço, por

exemplo; considerar também se realiza as atividades no tempo esperado para a média da

turma, se é lenta e lerda, ou, ao contrário agita-se e não conclui o que se propôs fazer.

Para tal seria possível utilizar um roteiro de observação na sala de aula, ou até mesmo criar

uma ficha de avaliação, além dos registros audiovisuais que revelam as características

corporais de modo evidente.

Enfocando ainda a ação, a observação poderia ser dirigida para as atividades

compartilhadas, por exemplo, em jogos, no trabalho em grupo (possível criação de um

cartaz ilustrativo de alguma pesquisa) e ver como o aluno se coloca, se é capaz de

cooperar, se aceita ajuda, se oferece ajuda, ou se corporalmente fica inibido e se afasta das

situações compartilhadas, o que seria um início de compreensão de como abordar tal

criança para ajudá-la a se integrar a grupos e poder lucrar com a troca de experiências.

No nível da representação simbólica, seria interessante avaliar as atividades

gráficas, a representação da figura humana, a construção dos elementos espaciais das

paisagens, perspectivas, relações entre objetos representados graficamente, por exemplo.

Seria possível aí estabelecer uma escala avaliativa, considerando a presença das partes

frente ao todo, as formas adequadas dos itens representados e as proporções das figuras

entre si, levando em consideração o nível figurativo pré-operatório ou operatório em que o

aluno deveria se localizar de acordo com a faixa etária.

53

Page 54: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Tais exemplos ajudariam na compreensão e avaliação do aluno em si, mas também seria

necessário avaliar o contexto da instituição, no sentido de haver um real espaço para a

vivência corporal e consequente observação do vivido corporal, ou se haveria apenas um

trabalho limitado à carteira, por exemplo.

A partir de uma compreensão do aluno e do contexto escolar, seria possível buscar

estratégias e preparar temas que ajudassem a organização corporal e espaço-temporal dos

alunos com o objetivo de auxiliar na sua evolução, aumentando suas possibilidades de agir

de modo organizado e auxiliando sua auto-estima frente às tarefas.

Acredito que entrevistas com os pais sobre as possibilidades de ação do aluno em casa, suas

performances, capacidades e dificuldades, além da organização de um portfolio com fotos

da criança, relatos de experiência, fatos de seu crescimento, seriam instrumentos de coleta

de dados adicionais, além de já se colocarem como estratégias de viabilizar maior

conhecimento do aluno sobre si mesmo.

Essa postura de investigação, análise do vivido corporal e de reflexão sobre as

possibilidades de ampliação curricular, já que as diretrizes do próprio ministério da

educação sugerem dar maior espaço ao corpo, sobretudo na pré-escola e nas adaptações

curriculares visando à inclusão, seria uma conquista do professor atento a seus alunos e à

sua prática de ensino.

Uma ficha de observação poderia ser padronizada e o professor poderia utilizá-la nas

atividades livres. Tal ficha, elaborada a partir de trabalho da professora Nuria Franch

Battle, enfoca a relação do aluno com os outros e com os objetos.

Relação interpessoal Relação com os objetos

Ignora Ignora

recusa rejeita

evita prescinde

se fixa em alguém fixação em algum objeto

busca complemento jogo estereotipado

participa paralelamente objeto substituto

participa através de outros destruição de objetos

participa ativamente monopoliza objetos

é passiva ordena objetos sem objetivo

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Page 55: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

aparente

é agressiva dispersa objetos

é dominadora jogos de imitação

é possessiva objeto intermediário

de submissão objeto de intercâmbio

de imitação atividades exploratórias

de intercâmbio jogo construtivo

A partir da avaliação propostas de intervenção poderiam seguir o estilo da Educação

vivenciando a Relação Psicomotora em que surgem os momentos livres e os pedagógicos

em sala de aula.

Esta permite uma ação efetiva, pois acolhe o corpo da criança, seu jogo simbólico e suas

produções em momentos psicomotores, inseridos no currículo escolar.

Nos momentos psicomotores há a liberdade do jogo, as regras combinadas com o grupo e o

vivido do esquema corporal, espaço e tempo e, sobretudo, das relações com o outro na

escola.

Esquematicamente teríamos:

EDUCAÇÃO:

RELAÇÃO PSICOMOTORAMOMENTOS LIVRES

LIVRES:Jogo simbólico livre

Limites e desculpabilização

MOMENTOS PEDAGÓGICOSPEDAGÓGICOS:

Utilização de temas geradores que surgem no vivido psicomotorModos de relação mais adaptados

Maior abertura para o aprendizado

55

Page 56: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

Nos momentos pedagógicos toda a exploração pedagógica dos temas geradores poderia ser

feita com os alunos, explorando todas as matérias, desde português e matemática até as

ciências, geografia, história, etc.

Nos momentos livres o brincar seria a intervenção do educador.

O primeiro ponto para se refletir para intervir através do jogo com a criança na escola é que

o adulto precisa re-encontrar o brincar. Para nós o jogo se torna algo para matar o ócio ou

para descansar das atribulações do trabalho e do stress da vida profissional em cidades

grandes. Reconhecer o caráter de esforço, produção, criação e também prazer do brincar da

criança é o primeiro passo para utilizá-lo como meio de intervenção. O educador no jogo

teria uma postura que implica em:

• Não sair de sua posição de autoridade, o que assegura o fluir do jogo.

• Não adotar uma postura distante ou autoritária, e muito menos de familiaridade

excessiva (pois essa é tão prejudicial quanto as precedentes) .

• Participar do jogo como parceiro simbólico.

• Situar-se no espaço de jogo acessível à criança.

• A criança vai se expressar, espontaneamente, e o adulto zelará por sua segurança,

fornecendo o local e materiais adequados, ajudando quando as crianças não

conseguirem resolver seus conflitos por si mesmas, evitando riscos desnecessários

sem as tolher.

• Mesmo que gostem de “rédeas frouxas” as crianças pedem aprovação. A criança

poderá brincar sozinha, dentro do espaço do grupo, ou em pequenos grupos, mas

sempre é necessário que o seu jogo seja acolhido, possa ser contido e aprovado pelo

adulto. O olhar do adulto não pode se prender a uma das crianças ou a um grupinho,

ele deve abarcar todos e “flutuar” por todo o grupo.

• Falar com a criança sobre seu brincar elogiando-a, por exemplo, por sua criatividade

e inventividade. Apontar alguma descoberta que uma criança fez num jogo e ajudar

a afirmação de si ou até a competição, mas sem a exacerbar, buscando salientar a

conquista da criança, são formas de valorizar o brincar.

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Page 57: A INCLUSÃO ESCOLAR E AS NECESSIDADES ESPECIAIS

• Se o jogo parece estar preso em si mesmo e improdutivo, o adulto deve estar pronto

a dar sugestões, novas propostas ou sugerir papéis e prover materiais a serem

explorados.

CONCLUSÃO

A Educação Especial Inclusiva tem um longo caminho a ser percorrido e é reconhecendo o

aluno com necessidades especiais como sujeito, indivíduo e cidadão que os primeiros

passos são dados.

Em seguida, criar oportunidade de focalizar mais o modo de ensinar na diversidade e

adaptação dos apoios necessários para que os conteúdos lhe sejam accessíveis.

E, finalmente, visando suas relações interpessoais e o crescimento simbólico do aluno,

poderíamos ter o recurso à compreensão da Educação da Relação Psicomotora e utilizar a

dinâmica dos momentos livres de jogo para criar o acesso desejante ao conhecimento.

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