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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP Ana Claudia Tenor A inclusão do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de professores da rede municipal de ensino de Botucatu MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA SÃO PAULO 2008

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Inclusão do aluno surdo

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  • 1

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC- SP

    Ana Claudia Tenor

    A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de

    professores da rede municipal de ensino de Botucatu

    MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA

    SO PAULO

    2008

  • 2

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC- SP

    Ana Claudia Tenor

    A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de

    professores da rede municipal de ensino de Botucatu

    Dissertao apresentada Banca Examinadora

    como exigncia parcial para obteno do ttulo de

    MESTRE em Fonoaudiologia, pela Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo, sob a orientao

    da Prof. Dr. Beatriz Cavalcanti de Albuquerque

    Caiuby Novaes.

    SO PAULO

    2008

  • 3

    Ficha Catalogrfica

    DM 616.85 T

    Tenor, Ana Claudia

    A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de professores da rede municipal de ensino de Botucatu. So Paulo, 2008.

    117 fls.; tab.; 30cm. Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo. Programa de Estudos Ps-Graduados em Fonoaudiologia.

    Orientadora: Prof. Dr. Beatriz Cavalcanti de

    Albuquerque Caiuby Novaes 1. Fonoaudiologia. 2. Incluso em educao -

    Botucatu, SP. 3. Surdos - Educao. 4. Professores - So Paulo (Estado).

  • 4

    Ana Claudia Tenor

    A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de

    professores da rede municipal de ensino de Botucatu

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Prof. Dr. Beatriz Cavalcanti de Albuquerque Caiuby Novaes pela

    orientao, pacincia e ateno dispensada durante todo o processo de

    desenvolvimento deste trabalho.

    Claudia Perrota pela reviso cuidadosa do texto.

    s professoras Maria Ceclia Bonini Trenche e Maria Slvia Crnio pelas

    valiosas sugestes no exame de qualificao.

    Ao Prof. Dr. Gilberto Luiz de Azevedo Borges, Secretrio Municipal de

    Educao de Botucatu, por incentivar e valorizar a formao dos educadores.

    Aos professores que gentilmente aceitaram participar deste estudo e muito

    contriburam.

    equipe tcnica-pedaggica da Secretaria Municipal de Educao, que

    direta ou indiretamente, est envolvida com a incluso dos alunos surdos no ensino

    regular.

    s psiclogas e colegas de trabalho, Luciana e Neli, que iniciaram o

    trabalho de apoio a educao inclusiva na rede municipal e me convidaram para

    atuar junto a equipe.

    s professoras de sala de recursos do NAPE, Marise e Mrcia, pela

    dedicao ao trabalho com os alunos deficientes auditivos e deficientes visuais.

    minha famlia, por todo carinho e apoio dispensado no percurso desta

    pesquisa.

  • 6

    RESUMO

    A incluso do aluno surdo no ensino regular na perspectiva de

    professores da rede municipal de ensino de Botucatu

    A incluso dos deficientes auditivos na escolar regular vem sendo

    abordada a partir de diferentes perspectivas, dentre elas os direitos da pessoa com

    deficincia e o exerccio da cidadania, a exposio lngua de sinais ou ao

    portugus e a modalidade de ensino. Porm, ainda h pouca discusso sobre a

    implementao da incluso escolar, em especial sobre a percepo dos professores

    envolvidos nesse processo. Nessa medida, o objetivo deste trabalho investigar

    como a poltica de educao inclusiva e o seu processo de implementao junto ao

    aluno com deficincia auditiva tm sido percebidos e colocados em prtica por

    professores da Educao Infantil e Ensino Fundamental da rede municipal de ensino

    de Botucatu. Participaram do estudo professores de duas escolas da rede municipal

    de ensino que atuam ou j atuaram com crianas surdas, sendo uma Escola de

    Educao Infantil e uma Escola de Ensino Fundamental. Optou-se por uma

    perspectiva qualitativa de estudo, sendo o instrumento utilizado uma dinmica de

    grupos com um cartaz contendo estmulos disparadores da discusso. Os grupos

    foram audiogravados e, posteriormente, os dilogos foram transcritos para efeitos de

    anlise. O mtodo empregado na anlise foi a construo de categorias. Os dados

    analisados evidenciaram que os professores no tm clareza da necessidade de

    ouvintes e surdos compartilharem uma lngua comum, com ou sem intrprete, que

    possa viabilizar a dinmica da sala de aula; e, no intuito de se fazerem compreender

    pelos deficientes auditivos, acabam utilizando diversos recursos comunicativos de

    forma improvisada. No geral, tendem a valorizar somente o esforo de comunicao

    da criana surda, independentemente do domnio de uma lngua, apresentando

    assim baixa expectativa em relao aprendizagem e letramento desse aluno. Alm

    disso, elaboram suas prticas pedaggicas com base na idia de que a linguagem

    um cdigo que tem como funo primordial transmitir informaes. Por fim, apontam

    a falta de envolvimento familiar e o despreparo dos docentes e da escola no

    processo de incluso escolar.

    Unitermos: surdez, educao, incluso, professores.

  • 7

    ABSTRACT

    Teachers perception of the inclusion process of deaf children in

    regular classrooms in the municipal school system of Botucatu

    The inclusion of hearing impaired children in regular classrooms has been

    thoroughly discussed from different perspectives including legal, human rights, oral or

    sign language, and special education. However, there have been few studies

    approaching the teachers knowledge and attitudes towards inclusion. Therefore, the

    goal of the present study was to investigate how the policy of inclusion and its

    implementation has been practiced and experienced by nursery and elementary

    school teachers of Botucatus school system. Teachers of two of the systems

    schools (one nursery and 1 elementary) participated in the study. A qualitative

    approach was chosen, specifically group dynamic using a poster with related themes

    to trigger the discussion. The group dynamics were audio recorded and the dialogues

    transcribed for further analysis. The dada was analyzed following a method of

    category construction. The results have shown that teachers are not aware of the

    need for a common language, with or without an interpreter, to enable different

    classrooms dynamics. Aiming at being understood by the children, teachers tend to

    improvise different communicative resources. In general, they tend to place great

    value in efforts of communication, regardless abilities in a specific language,

    demonstrating very low expectations in relation to childs learning and literacy.

    Furthermore, they base their pedagogical practice based on the conception of

    language as a code, solely used for information exchange. Finally, teachers point at

    lack of family involvement and deficiency in the preparation of teachers and school in

    the inclusion process.

    Uniterms: deafness, education, inclusion, teacher

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................. 9 CAPTULO 1 REVISO DA LITERATURA.................................................. 13

    1.1 Perspectivas de lngua, linguagem e comunicao.......................... 13 1.1.1 Concepes sobre linguagem e surdez ................................ 13 1.1.2 O surdo, a lngua e a escola ................................................ 17 1.1.3 O surdo, a leitura e a escrita ................................................ 24

    1.2 Consideraes sobre a histria da educao dos surdos ............... 29 1.3 Educao inclusiva........................................................................... 33

    1.3.1 Polticas e concepes ideolgicas ..................................... 33 1.3.2 A educao inclusiva e o aluno surdo.................................. 40 1.3.3 Preparo de professores do ensino regular para trabalhar

    junto aos alunos surdos......................................................... 43

    CAPTULO 2 MTODO................................................................................. 46

    2.1 Contexto histrico da incluso na rede municipal de ensino de Botucatu............................................................................................

    46

    2.2 Seleo dos participantes................................................................. 47 2.3 Procedimentos.................................................................................. 49

    2.3.1 Coleta de dados....................................................................... 49 2.3.2 Anlise..................................................................................... 49

    CAPTULO 3: RESULTADOS E DISCUSSO................................................ 51

    3.1 Comunicao, lngua oral e lngua de sinais.................................... 51 3.2 Aprendizagem do aluno surdo.......................................................... 58 3.3 Incluso no ensino regular e a socializao..................................... 65

    CONCLUSO E CONSIDERAES FINAIS.................................................. 69 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................ 72 ANEXOS........................................................................................................... 76

  • Introduo 9

    INTRODUO

    A incluso de surdos na escola regular tem gerado discusses e

    polmicas entre muitos estudiosos, profissionais e familiares que buscam uma

    melhor qualidade de ensino para esses alunos.

    O tema vem sendo abordado a partir de diferentes perspectivas, dentre

    elas os direitos da pessoa com deficincia e o exerccio da cidadania, a exposio

    lngua de sinais ou ao portugus e a modalidade de ensino. Embora essa

    diversidade resulte em um referencial bibliogrfico rico e heterogneo, ainda h

    pouca discusso sobre a implementao da incluso escolar e sobre a percepo

    dos professores envolvidos nesse processo.

    Observamos que, em muitas publicaes, o termo incluso ainda se

    confunde com integrao. Prtica desenvolvida nas dcadas de sessenta e setenta,

    a integrao tinha como foco de ateno a deficincia e visava modificao da

    pessoa deficiente na direo da normalidade, para que, assim, fosse aceita na

    sociedade.

    J o movimento de incluso, que se iniciou nos anos oitenta, pressupe

    mudanas na sociedade, para que esta se torne capaz de receber e acolher

    adequadamente s pessoas portadoras de necessidades especiais. Nessa

    perspectiva, a diversidade considerada como prpria da condio humana e o

    sujeito com deficincia, parte integrante da sociedade, com direito s mesmas

    oportunidades, pois s assim suas potencialidades podero ser desenvolvidas.

    No que se refere ao mbito escolar, segundo documento do MEC (2004),

    a partir da dcada de oitenta ocorreram alguns eventos e fatos marcantes ligados

    democratizao do ensino, objetivando um processo mais significativo de formao

  • Introduo 10

    para os indivduos portadores de deficincias. Dentre eles, destacam-se a

    Conferncia Mundial de Educao para Todos (Tailndia, 1990), a Conferncia

    Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e qualidade

    (Espanha,1994) e a Conveno da Organizao dos Estados Americanos

    (Guatemala, 1999) ( Brasil, 2004).

    Em 1990, o Brasil participou da Conferncia Mundial sobre Educao para

    Todos, em Jomtiem, na Tailndia, na qual foi proclamada a Declarao de Jomtiem,

    segundo a qual a educao um direito fundamental de todos, mulheres e homens,

    de todas as idades, no mundo inteiro. Ao assinar tal declarao, o Brasil assumiu

    perante a comunidade internacional o compromisso de erradicar o analfabetismo e

    universalizar o ensino fundamental no pas. Para cumpri-lo, vem criando

    instrumentos norteadores da ao educacional e documentos legais que apiam a

    construo de sistemas educacionais inclusivos, nas diferentes esferas pblicas:

    municipal, estadual e federal.

    A Declarao de Salamanca, 1994, veio reafirmar tal proposta,

    defendendo que as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter

    acesso s escolas comuns, que devero integr-las numa pedagogia centralizada

    na criana, capaz de atender a essas necessidades. Essa poltica representa o meio

    mais eficaz de combater atitudes discriminatrias, de criar comunidades

    acolhedoras, construir uma sociedade integradora e oferecer educao para todos

    (Brasil, 2004).

    Com o intuito de definir polticas pblicas nacionais, e em consonncia

    com as recomendaes desses dois importantes documentos, em 1996 o Brasil

    elaborou a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, LDB/9394/ 96. A partir

    dessa lei, aos municpios brasileiros foi atribuda a responsabilidade de universalizar

  • Introduo 11

    o ensino pblico para todos os cidados de 0 a 14 anos de idade. Assim, passou a

    ser papel do municpio formalizar a deciso poltica e desenvolver os passos

    necessrios para implementar, em sua realidade sociogeogrfica, a educao

    inclusiva, no mbito da Educao Infantil e Ensino Fundamental (Brasil, 2004).

    Porm, percebemos que, apesar das polticas educacionais atuais

    advogarem a incluso escolar dos alunos portadores de necessidades educacionais

    especiais, sua implementao e operacionalizao tm sido difceis para o aluno

    surdo.

    Quais seriam, ento, os fatores que estariam criando obstculos para a

    incluso do surdo na educao formal?

    Como fonoaudiloga, venho atuando junto aos alunos deficientes auditivos

    includos desde 2000. Trabalho em um Ncleo de Atendimento Pedaggico

    Especializado da Secretaria Municipal de Educao de Botucatu, atendendo tanto

    esses alunos como orientando seus pais. Constato que grande parte dessas

    crianas ingressa na Educao Infantil ou Ensino Fundamental apenas com o

    diagnstico de deficincia auditiva, sem a utilizao de aparelho de amplificao

    sonora individual (AASI), alm de no estarem inseridas em nenhum processo

    teraputico para o desenvolvimento de uma lngua, quer seja na modalidade oral ou

    de sinais.

    Tal situao tem gerado problemas na implementao da educao

    inclusiva dos surdos, pois, sem terem se apropriado da lngua oral, lngua de sinais

    ou escrita, o trabalho dos professores fica limitado, comprometendo assim o

    processo de ensino-aprendizagem. Alm disso, os procedimentos de ensino

    baseiam-se na lngua oral e, muitas vezes, o aluno no consegue desenvolv-la. De

  • Introduo 12

    fato, este aspecto tem sido apontado por diversos autores como o grande entrave

    para a incluso do aluno surdo no mbito escolar.

    Nesse contexto, fundamental ouvirmos os professores que vm

    trabalhando junto ao aluno com deficincia auditiva. O objetivo deste trabalho ,

    ento, investigar como a poltica de educao inclusiva e o seu processo de

    implementao tm sido percebidos e colocados em prtica por professores da

    Educao Infantil e Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Botucatu.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 13

    CAPTULO 1 REVISO DA LITERATURA

    1.1 Perspectivas de lngua, linguagem e comunicao

    1.1.1 Concepes sobre linguagem e surdez

    As principais abordagens tericas utilizadas para explicar questes

    relativas aquisio da linguagem em crianas ouvintes vm contribuindo para a

    compreenso desse processo em crianas surdas, permitindo refletir tambm sobre

    suas conseqncias na interveno teraputica (Alcntara, 2000).

    Basicamente, as grandes linhas tericas que tratam do tema so:

    comportamentalista, inatista, cognitivista, pragmtica e interacionista.

    Na viso comportamentalista, a linguagem considerada como resultado

    de aprendizado, que se d atravs da cadeia estmulo-resposta-reforo, sendo que o

    reforo se faz presente para garantir a presena de um determinado comportamento,

    no caso, o verbal (Alcntara, 2000).

    Segundo esse modelo, como destacam Lacerda e Mantelatto (2000),

    conhecer uma lngua significa ligar sentenas, associ-las umas s outras. Os

    enunciados emitidos vo sendo modelados por meio de reforo e, cada vez mais,

    vo se tornando aceitveis. O aprendizado se d por aquisio de vocbulos e de

    estruturas frasais, havendo uma hierarquia das mais simples para as mais

    complexas. Espera-se, ento, que a criana percorra esse caminho para adquirir

    linguagem.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 14

    Aplicada questo da deficincia auditiva, a grande preocupao dessa

    linha terica desvendar como a criana surda deve ser ensinada a falar. Nesse

    contexto, o adulto tem como funo estimular a aprendizagem das estruturas da

    lngua de forma gradual, priorizando aspectos lexicais e morfossintticos. As prticas

    de ensino e intervenes teraputicas baseadas no comportamentalismo tendem a

    fragmentar a lngua, promovendo atividades padronizadas que focalizam a imitao,

    memorizao e substituio e que devem ser generalizadas para a formao de

    estruturas frasais. Trata-se de um trabalho tecnicista de treinamentos, mais formal,

    sistemtico e orientado (Lacerda e Mantelatto, 2000).

    Diferentemente do comportamentalismo, no inatismo a predisposio para

    a aquisio de linguagem vista como uma capacidade inerente ao organismo

    humano, concebendo-se a existncia de uma gramtica universal j inscrita na

    mente do indivduo. Esse mecanismo seria ativado por meio da exposio fala do

    outro, permitindo criana gerar as regras da lngua (Alcantara, 2000).

    O modelo inatista considera, ento, que toda criana possui,

    potencialmente e previamente, condies para desenvolver a gramtica da lngua

    qual est sendo exposta, j que se encontra equipada biologicamente para essa

    aquisio, sendo esta decorrente de uma predisposio inata. Ou seja, no

    necessria a mediao do adulto. Os componentes sintticos da lngua so mais

    enfatizados, e o surgimento da gramtica se d, principalmente, quando a criana

    comea a combinar dois vocbulos. Nesse sentido, a recepo precede a emisso,

    uma vez que a segunda depende da primeira (Lacerda e Mantelatto, 2000).

    No caso das crianas surdas, a adoo do modelo inatista implicou em se

    assumir que, assim como as ouvintes, elas nasceriam com um dispositivo para

    adquirir linguagem, mas precisariam de uma exposio ao input lingstico. Nessa

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 15

    concepo, enfatiza-se a necessidade de um trabalho precoce, na tentativa de

    oferecer criana surda uma exposio contnua e adequada lngua durante os

    primeiros anos de vida, perodo considerado ideal para adquiri-la (Trenche, 1995).

    Na anlise dos trabalhos com linguagem voltados a crianas surdas, Rosa

    (1998) critica as propostas de interveno que investem no aspecto acstico-

    articulatrio. A autora aponta que algumas abordagens enfatizam a percepo

    auditiva como pr-requisito para a linguagem, outras reconhecem a necessidade de

    uma exposio sistemtica a estruturas frasais, obedecendo a uma hierarquia de

    complexidade morfossinttico-semntica, esperando que, por meio da repetio, as

    crianas surdas venham a dominar uma lngua. Subjacente a tais prticas, parece

    estar uma concepo que reduz a linguagem comunicao.

    H tambm uma outra concepo de linguagem, que se estrutura na teoria

    gentica de Piaget. Embora este autor tivesse como foco aspectos do

    desenvolvimento cognitivo humano, seus estudos inspiraram vrios autores que se

    dedicam linguagem.

    Na concepo piagetiana, a criana constri a compreenso do modo

    como o mundo funciona, primordialmente, por meio de suas aes. Passa, ento,

    por uma srie de estgios que seguem uma seqncia fixa, sendo os principais

    deles: sensrio motor (do nascimento aos 18 meses), pr-operacional (dos 18

    meses aos 7 anos), operaes concretas ( dos 7anos a 11 anos) e das operaes

    formais ( dos 11 anos em diante). Nessa viso, o desenvolvimento da linguagem

    limitado pelo desenvolvimento cognitivo; ou seja, h aspectos da linguagem que a

    criana s ser capaz de dominar depois de atingir um nvel correspondente de

    controle cognitivo (Elliot, 1982).

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 16

    Tambm Lacerda e Mantelatto (2000) afirmam que, do ponto de vista de

    Piaget, a linguagem no pode emergir antes que certas operaes motoras tenham

    sido adquiridas, pois na interao motora do sujeito com seu meio que estruturas

    cognitivas se desenvolvem. Nessa abordagem, a funo da linguagem representar

    o mundo; contudo, a cognio precede a linguagem, uma vez que a criana fala

    sobre aquilo que j manipula em nveis no lingsticos.

    Ainda de acordo com essa concepo, a linguagem faz parte de uma

    funo mais ampla, a semitica, que emerge no final do perodo sensrio motor e

    possibilita criana, por meio de um signo ou de uma imagem simblica, evocar

    objetos ou fatos ausentes, ultrapassando assim o nvel de ao (Alcantara, 2000).

    Outra viso que trouxe novas reflexes para a rea da aquisio da

    linguagem, e que influenciou o trabalho voltado criana surda, foi a pragmtica.

    Nessa concepo, que surgiu na dcada de setenta, o importante o uso da

    linguagem na comunicao; ou seja, a aquisio acontece no dilogo. Nele, a

    criana teria oportunidade de se apropriar das regras e praticar os aspectos

    sintticos, semnticos e pragmticos em contextos significativos, adquirindo tambm

    as regras que regulam o uso desse conhecimento na comunicao com os outros

    (Alcantara, 2000).

    Esses estudos apontam a criana surda como interlocutor capaz de se

    comunicar; porm, pouco consideram o papel que o adulto desempenha nesse

    processo como co-autor na construo do dilogo.

    No incio dos anos oitenta, a interao social passou ento a ser

    considerada, tendo-se como base as idias de Vygotsky (1987,1989, apud

    Alcantara, 2000). Nessa perspectiva, o desenvolvimento das funes cognitivas

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 17

    aconteceria na interao da criana com membros mais experientes, que seriam os

    mediadores entre a criana e o mundo.

    Fundamentada em Vygotsky, De Lemos prope que a aquisio de

    linguagem pela criana se d na interao com um interlocutor privilegiado,

    geralmente a me. Os trabalhos da autora (1981,1982 apud Alcantara, 2000)

    instauram a questo da interao adulto/criana, sendo que, como resultado da

    nfase nessa interao, o dilogo, e no os enunciados isolados, passa a ser

    considerado como unidade de anlise nos estudos sobre aquisio de linguagem.

    Considerada mais abrangente, a viso scio-interacionista compreende a

    linguagem humana como constitutiva do sujeito, focalizando ento as interaes

    entre os interlocutores e os modos como se desenvolvem as prticas discursivas.

    Nessa perspectiva, a lngua no um sistema de que o sujeito se apropria para us-

    la, mas reconstruda na atividade de linguagem.

    1.1.2 O surdo, a lngua e a escola

    importante esclarecer que, diferentemente das crianas ouvintes, que

    vivenciam e que respondem pela aquisio incidental de conhecimento, para as

    crianas surdas esse tipo de situao muitas vezes limitada em funo da falta de

    uma lngua comum a ser compartilhada com os ouvintes. Por no terem acesso

    oralidade, a maioria ento privada de atividades que envolvem a linguagem, o que

    tambm ocorre no mbito escolar, dificultando o processo de aprendizado da leitura

    e escrita.

    De fato, a prtica pedaggica est toda perpassada por problemas que

    envolvem as relaes dialgicas entre professor ouvinte e aluno surdo. Observamos

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 18

    que os educadores procuram usar diversos recursos comunicativos para estabelecer

    uma interao com o aluno surdo, mas nem sempre conseguem se fazer entender, o

    que torna o trabalho em sala de aula muito difcil.

    Dessa forma, h uma tendncia em centralizar a ao educativa na

    utilizao de recursos comunicativos, deixando-se em segundo plano a prtica

    pedaggica, que se transforma, assim, em uma prtica comunicativa.

    Tomando como base os estudos de Pereira (2006), vamos ento situar

    como tem sido o ensino do portugus para surdos em nosso pas.

    At o final dos anos 80, predominou na escola a concepo de linguagem

    enquanto instrumento de comunicao, segundo a qual um emissor transmite a um

    receptor uma mensagem. De acordo com essa concepo, cabe escola ensinar as

    regras que regem o uso da lngua, com o objetivo de melhorar a qualidade da

    produo lingstica dos alunos. Dessa forma, muitos exerccios tinham como

    objetivo o reconhecimento e a memorizao da nomenclatura gramatical (Pereira,

    2006).

    A autora acrescenta que, na educao de surdos, a adoo da concepo

    de lngua como cdigo resultou no ensino sistemtico e padronizado de estruturas

    frasais, uma vez que, diferentemente das crianas ouvintes, grande parte das

    crianas surdas chega fase escolar sem domnio da lngua, cabendo escola

    ensin-la.

    Luchesi (2003) tambm aponta que a educao especial para surdos

    reduzia a linguagem em emisso e recepo, apresentando-a de modo fragmentado

    e de acordo com uma ordem crescente de dificuldades: vogais, encontros voclicos

    (onomatopias) e assim por diante, at se chegar construo de frases complexas.

    Nesse sentido, a linguagem oral ficava reduzida fala ato fisiolgico de produo

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 19

    de som -, sendo funo do professor, portanto desenvolv-la, embora acreditasse

    que, dessa maneira, estivesse trabalhando com a linguagem oral em sua

    complexidade.

    Para a autora, a linguagem escrita, entendida como transcrio da fala,

    seguia os mesmos princpios. Dessa forma, eram apresentadas palavras isoladas,

    de vocabulrio restrito, e os textos, com construes frasais e termos conhecidos,

    eram simplificados para que fossem compreendidos por parte do deficiente auditivo.

    No final dos anos 80, sob a influncia de Vygotsky e Bakhtin, a linguagem

    passou a ser concebida como atividade social, como lugar de interao humana, de

    interlocues, entendidas como espao de produo e de constituio de sujeitos

    (Pereira, 2006).

    Com o surgimento da lingstica textual na dcada de 60, os fatores de

    produo, recepo e interpretao dos textos enquanto unidades de comunicao

    so colocados em primeiro plano. Nessa concepo produzir linguagem significa

    produzir discurso, sendo que este se manifesta lingisticamente por meio do texto,

    que considerado produto da atividade discursiva oral e escrita (Kaufman e

    Rodrigues, 1995 apud Pereira, 2006).

    Pereira (2006) destaca que coube escola viabilizar o acesso do aluno ao

    universo dos textos que circulam socialmente, bem como ensinar a produzi-los e

    interpret-los.

    Dessa forma, assim como ocorreu na educao de ouvintes, a adoo de

    uma concepo interacionista e discursiva pela escola tambm acarretou mudanas

    no ensino da Lngua Portuguesa para os alunos surdos. O professor passou a exp-

    los lngua em funcionamento, sem a preocupao de ensin-los, acreditando que,

    assim, poderiam se constituir como interlocutores. Nessa perspectiva, a

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 20

    sistematizao da gramtica ocorre mais tarde, quando os alunos j esto usando a

    lngua.

    Tambm Trenche (1995) discute as concepes de linguagem que

    norteiam as prticas pedaggicas com os alunos surdos. Em seu estudo, a autora

    observou uma predominncia de trabalhos que consideram a linguagem como

    cdigo, privilegiando os aspectos comunicativos em detrimento da constituio dos

    sujeitos. A autora aponta para a fragmentao e descontextualizao da linguagem

    e para o fato de o professor no se apresentar como um interlocutor efetivo de seus

    alunos. Em muitas situaes, a linguagem/comunicao vista apenas como um

    modo de avaliar a aprendizagem, sem que se atente para sua participao na

    prpria construo dos conhecimentos.

    Por outro lado, alguns estudos tm discutido as prticas pedaggicas

    apoiadas em diversos recursos comunicativos e suas limitaes no que diz respeito

    construo de conhecimentos (Lacerda, 1996; Ges, 1996; Ges e Souza, 1998).

    A corrente de comunicao total prope o uso de recursos lingsticos e

    no lingsticos, combinando sinais, oralizao, leitura orofacial, gestos, linguagem

    escrita, datilologia (soletrao manual), pantomima, desenho, etc (Evans, 1982;

    Ciccone,1990; Moura, 1993 apud Ges, 1996).

    Ges (1996) acrescenta que, freqentemente, na implementao das

    diretrizes da comunicao total, o trabalho pedaggico envolve interlocues em

    sala de aula centradas em prticas bimodais, compostas a partir de elementos das

    lnguas falada e de sinais (em nossa realidade, da Lngua Portuguesa e da Lngua

    Brasileira de Sinais/Libras), usados concomitantemente; tambm podem ser

    includos outros recursos, tais como a soletrao manual.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 21

    Em uma sala de aula que adotou a diretriz da comunicao total, Lacerda

    (1996) observou o modo pelo qual se caracterizavam as instncias dialgicas entre

    aluno surdo e professor ouvinte. A autora constatou que a prtica pedaggica estava

    toda perpassada pelos problemas que envolvem as relaes dialgicas. Na questo

    da interlocuo entre professor-aluno, prevaleceram situaes de no-dilogo,

    sendo que a inteno de partilhar sentidos no se realizou de maneira eficaz.

    Entretanto, a professora e os alunos seguiam utilizando os vrios recursos

    semiticos, buscando manter a comunicao, mas sem que os impasses e

    descompassos vivenciados fossem abordados, discutidos ou assumidos. No geral, a

    professora observada levava em considerao a lentido e a dificuldade dos alunos

    em progredirem nos contedos pedaggicos, mas atribua tais dificuldades s

    caractersticas dos surdos e no aos acontecimentos cotidianos em sala de aula.

    Ges e Souza (1998) tambm abordam as interaes em sala de aula

    entre educador ouvinte e aluno surdo baseadas na comunicao total. Para as

    autoras, lidar com dois sistemas lingsticos, sem que professores ouvintes tenham

    conhecimento dos sinais e sem que os alunos surdos compreendam o portugus,

    acarreta uma srie de problemas na prtica pedaggica, tais como, o uso de

    combinaes indiscriminadas de recursos semiticos de natureza muito diversa,

    como a pantomima, o desenho, a dramatizao, a escrita, os sinais, os gestos ditos

    naturais, a lngua oral. No dia a dia da escola, h uma instrumentalizao desses

    recursos, o que acaba por reduzir o acontecimento dialgico ao uso de estratgias

    comunicativas.

    Outro aspecto destacado na literatura por autores como Soares (1990);

    Bueno (1994); Francisco (1994); Illiano (2002) e Luchesi (2003) diz respeito ao fato

    de, na escola especial para alunos surdos, ter ocorrido uma histrica sobreposio

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 22

    do trabalho clnico em relao ao trabalho pedaggico. No passado, dentro da

    abordagem oralista, a atividade clnica foi assumida pelos professores de deficientes

    auditivos, que colocaram o trabalho pedaggico em segundo plano.

    Soares (1990) adverte que a escola no deve assumir o trabalho clnico,

    pois s assim tomar uma atitude poltica e recuperar a funo do professor como

    aquele que propicia ao aluno o conhecimento socialmente produzido, ao mesmo

    tempo em que denuncia que a populao de baixa renda privada do acesso a

    servios de sade, cujo direito est previsto na constituio.

    Ao analisar a Educao Especial no Brasil e, em particular, a educao do

    deficiente auditivo, Bueno (1994) aponta que a falta de uma clara delimitao entre

    as responsabilidades dos servios de sade e de educao especial impede o

    estabelecimento de polticas que respondam efetivamente a essas necessidades. O

    autor alerta que, quando os programas de reabilitao so incorporados pelo

    sistema escolar, sob a capa de programas de educao precoce ou de atividades

    especficas de linguagem, as duas reas de ao, sade e educao, se

    confundem. Com isso, a transmisso dos conhecimentos socialmente valorizados

    perde sua primazia no mbito escolar.

    Tambm Francisco (1994) ressalta que, quando a escola que trabalha

    com crianas deficientes auditivas incorpora servios que so do mbito da sade,

    contribui para manter a situao de desigualdades de oportunidades. Assim, em vez

    de colaborar para o acesso aos direitos de cidadania, camufla os problemas

    existentes, na medida em que induz os usurios a pensarem que, de certa forma, ao

    ingressarem no ensino especial, recebero escolarizao e tratamento. Porm,

    geralmente, ao desviar-se da funo educativa, a escola especial no consegue

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 23

    cumprir adequadamente a escolarizao e nem tratar os deficientes auditivos, pois

    no tem competncia para tal.

    Illiano (2002) lembra que essa indefinio entre escolarizao e

    socializao/tratamento dos deficientes parece perpassar toda a histria da

    educao especial. No que diz respeito educao de surdos, a autora aponta

    como uma de suas marcas fundamentais os processos de habilitao/reabilitao da

    linguagem promovidos nas instituies escolares especiais. Considera, ainda, que a

    nfase na linguagem, expressa em toda a histria da educao dos surdos na

    modernidade, retrata a ambigidade entre os processos de reabilitao e de

    escolarizao oferecidos nas instituies especializadas, e essa ambigidade

    minimiza a questo de uma adequao curricular que pudesse visar o crescimento e

    o desenvolvimento do seu alunado.

    Luchesi (2003) conclui que a idealizao do indivduo surdo, normal e

    abstrato, perpassa toda a educao especial, que assume o trabalho de reabilitao

    como uma ao pedaggica, estabelecendo uma interdependncia entre o

    desenvolvimento da linguagem oral e a aquisio dos contedos escolares. A autora

    salienta que essa organizao do ensino especial exige que o aluno permanea por

    mais tempo na escola, embora nesse perodo lhe proporcione poucas oportunidades

    efetivas de adquirir conhecimentos.

    Com o advento da lngua de sinais como forma predominante de

    comunicao dos surdos, a escola incorporou o trabalho clnico para o

    desenvolvimento dessa lngua, o que levou ao detrimento do trabalho com o

    contedo escolar propriamente dito. Em funo disso, como destaca Dantas (2006),

    os alunos no conseguem um nvel de proficincia razovel de comunicao e nem

    de escolarizao.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 24

    1.1.3 O surdo, a leitura e a escrita

    A maioria dos trabalhos sobre as prticas escolares utilizadas com alunos

    surdos indica que a apropriao da linguagem escrita tem sido a grande

    preocupao dos educadores de surdos, pois muitos acreditam que a surdez

    acarreta dificuldades de compreenso na leitura e de produo na escrita.

    Porm, a anlise do processo de ensino da leitura e da escrita de alunos

    surdos leva a crer que muitos dos resultados insatisfatrios obtidos decorrem da

    falta de uma lngua constituda, com base na qual possam construir a escrita.

    Em seu estudo sobre o processo de aprendizagem de leitura dos alunos

    deficientes auditivos, Crnio (1989) constatou que, de modo geral, eles conseguem

    aprender, com relativa facilidade, a decodificar os smbolos grficos. Entretanto,

    devido s limitaes de exposio linguagem oral, apresentam dificuldades na

    compreenso dos textos, no percebendo ambigidades, insinuaes, ironias; ou

    seja, percebem a estrutura superficial das oraes, mas no compreendem a

    estrutura profunda das mesmas.

    Cruz (1992) salienta que um dos aspectos importantes que devem ser

    analisados na alfabetizao de crianas surdas a escolha do mtodo a ser

    adotado pelo professor. A autora critica a concepo tradicional que encara a leitura

    e a escrita como uma tarefa que deve ser ensinada criana segundo uma

    hierarquia, que vai do mais fcil para o mais difcil, de acordo com o ponto de vista

    do adulto. Prepondera, nessa viso, a idia dos pr-requisitos (a chamada

    prontido) para esse aprendizado, que, no caso do surdo, envolve, alm dos

    aspectos esperados para a criana ouvinte, o desenvolvimento satisfatrio da

    linguagem oral.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 25

    Ainda segundo Cruz (1992), para escolher o mtodo a ser utilizado na

    alfabetizao de crianas surdas, estas so divididas em dois grupos distintos - as

    no-oralizadas e as oralizadas. No geral, as no-oralizadas so alfabetizadas por

    mtodos analtico-sintticos, pois, no apresentando conhecimentos lingsticos

    suficientes, devero aprender a ler e a escrever por um processo inicial de

    decifrao, com maior apoio na percepo visual em relao auditiva, para depois

    chegarem compreenso do texto. J as oralizadas so, com freqncia,

    alfabetizadas por mtodos analticos, por apresentarem repertrio oral suficiente

    para aprender por meio de estruturas de linguagem mais globais.

    Porm, a autora adverte que essas discusses sobre o mtodo a ser

    adotado em alfabetizao, tanto na escola comum como na especial, no levam em

    conta as concepes das crianas sobre a escrita, e sua participao ativa no

    processo de aprendizagem.

    Essas prticas pedaggicas convencionais j foram discutidas por outros

    autores, como Lacerda (1995). A autora critica os trabalhos que preconizam o bom

    desempenho na oralidade como um dos aspectos necessrios para a alfabetizao,

    tanto de crianas consideradas normais como especiais. Nessa perspectiva, elas

    so estimuladas a desenvolver uma boa articulao e a se comunicar bem

    oralmente, sendo que aquelas que no falam, ou que apresentam dificuldades para

    tanto so vistas como incapazes de se alfabetizar.

    Segundo a autora, essa uma prtica freqente na escola tradicional e

    recebe ateno redobrada nas propostas de alfabetizao para educao especial.

    Ges (1996) acredita que, mesmo depois de terem passado por longo

    perodo de escolarizao, as crianas surdas apresentam dificuldades no uso da

    linguagem escrita. Porm, a autora salienta que as limitaes nessa esfera no so

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 26

    exclusivas das experincias escolares de surdos, nem inerentes condio de

    surdez: um dos principais problemas est nas mediaes sociais dessa

    aprendizagem, mais especificamente, nas prticas pedaggicas que fracassam

    tambm na alfabetizao de ouvintes. No caso do aluno surdo, ocorre que a essa

    questo mais geral sobrepe-se, muitas vezes, complexas demandas adicionais,

    como uso restrito da lngua implicada nas atividades de leitura e escrita.

    Outros trabalhos, como os de Oliveira (1996), apontam que, mesmo

    quando os alunos deficientes auditivos so inseridos no ensino regular, os

    processos de escolarizao, da forma como lhes so oferecidos, contribuem mais

    para sua segregao do que para sua integrao, pois a maioria no ultrapassa os

    nveis iniciais de alfabetizao.

    De fato, a educao do surdo tem sido considerada um fracasso por

    alguns estudiosos. Segundo Almeida (2000), um dos grandes problemas a

    pobreza de experincias e trocas comunicativas envolvendo a linguagem oral, que

    levam a dificuldades no domnio de vocabulrio, das regras gramaticais, na clareza e

    coeso dos enunciados, prejudicando toda a compreenso do processo de leitura.

    No se trata, pois, de dficits de cognio e pensamento por parte da criana

    portadora de deficincia auditiva.

    Tambm Crnio, Couto e Lichtig (2000) consideram que as dificuldades

    dos surdos em lidar com a escrita decorrem no s da perda auditiva, mas tambm

    da interferncia do contexto educacional. A escola introduz um modelo nico de

    texto com estruturao direcionada para regras gramaticais do portugus, tornando

    a escrita reduzida e descaracterizada de sentido. Conseqentemente, essa

    linguagem, que deveria ter um papel importante na vida do surdo, por ser um veculo

    que permitiria sua integrao junto comunidade ouvinte majoritria, passa a ser um

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 27

    fator de discriminao e rejeio. Assim, os surdos julgam-se despreparados e

    incompetentes para utilizar a lngua escrita por no conseguirem alcanar o modelo

    ideal fornecido pelas escolas e pela sociedade em geral.

    Gonalo (2004) adverte, porm, que as crianas surdas inseridas em

    sociedades letradas, assim como as demais crianas, chegam escola com uma

    bagagem de experincias com a lngua escrita e, certamente, tambm criam

    hipteses sobre esta. Entretanto, a autora chama a ateno para o fato de que a

    aquisio da escrita pelos surdos no deve ser concebida como semelhante dos

    ouvintes; para o primeiro grupo, a lngua portuguesa escrita representa uma

    segunda lngua e no apenas uma modalidade de sua prpria lngua, como

    acontece com o segundo grupo.

    Martins (2005) aponta que a maneira pela qual o professor concebe o

    processo de aprendizado e orienta suas aes em sala de aula comum poder

    afastar ou aproximar a criana de eventos de letramento, em diferentes contextos

    sociais, nos quais a leitura e a escrita so valorizadas. Alm disso, as poucas

    experincias significativas com esse sistema de linguagem podem dificultar sua

    aprendizagem. Em situao anloga, encontra-se a criana surda, para quem o

    aprendizado da lngua oficial do pas nem sempre possvel. Geralmente, na maior

    parte dos casos, os alunos iro ingressar no aprendizado da leitura e escrita, na

    educao bsica, a partir de um domnio deficitrio de uso de um sistema lingstico

    convencional, quer seja oral e/ou gestual.

    Ao estudar as prticas docentes de professores do ensino regular junto a

    alunos surdos, Oliveira (2005) observou que os professores das classes regulares

    no acreditavam que os alunos surdos pudessem aprender e continuar seus

    estudos. Face a essa viso de incapacidade, adotavam prticas pedaggicas

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 28

    diferenciadas que pouco contribuam para a ampliao das possibilidades de

    aprendizagem desses alunos. Parece haver, ento, um discurso novo sobre a

    capacidade de aprendizagem do surdo, porm, ainda arraigado em prticas antigas.

    Tambm Pereira (2006), ao analisar o processo de ensino da leitura e da

    escrita de alunos surdos, afirma que muitos dos resultados insatisfatrios obtidos

    no decorrem de dificuldades de lidar com os smbolos escritos, mas da falta de uma

    lngua constituda com base na qual possam construir a escrita. A autora aponta

    ainda que as crianas ouvintes vivenciam situaes dirias e que respondem pela

    aquisio incidental do seu conhecimento. Entretanto, no caso da criana surda,

    essas situaes so limitadas em funo da falta de uma lngua partilhada com os

    ouvintes, pois geralmente no tm acesso oralidade, sendo privadas das

    atividades que envolvem a linguagem, como conversas e histrias.

    Nas dcadas de 70 e 80, como apontam Trenche e Balieiro (2006), muitas

    crianas com deficincia auditiva tiveram o processo de alfabetizao retardado

    porque a escola, de um modo geral, pressupunha que a oralidade fosse pr-

    requisito para a aquisio da escrita. Assim, a oralizao era considerada uma

    condio intrnseca da leitura; escrever implicava transformar sons em sinais

    grficos, e ler, transformar sinais grficos em sons. As relaes entre fala e escrita

    centravam-se principalmente no cdigo. O domnio da escrita era analisado quanto

    s habilidades de leitura e escrita, com nfase no reconhecimento, organizao e

    memorizao dos mecanismos grafo-fonmicos dessa modalidade, com passagem

    obrigatria pela oralidade. Porm, esta raramente era dominada por crianas com

    deficincia auditiva acentuada na idade de sete anos, quando geralmente se inicia o

    processo formal de aquisio da escrita.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 29

    1.2 Consideraes sobre a histria da educao dos surdos

    A educao dos surdos tem gerado importantes discusses, pois, embora

    as propostas educacionais direcionadas a esse grupo tenham como objetivo

    proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades, no isso que se

    observa na prtica. No geral, as diferentes propostas pedaggicas apresentam uma

    srie de limitaes, de modo que, ao final da escolarizao bsica, esses sujeitos

    no se mostram capazes de ler e escrever satisfatoriamente ou ter um domnio

    adequado dos contedos acadmicos.

    Esses problemas tm sido abordados por diversos autores que,

    preocupados com a realidade escolar do surdo no Brasil, procuram identificar tais

    problemas e apontar possveis caminhos de resoluo (Lacerda, 1998).

    Para compreender a situao de excluso e a baixa escolaridade dos

    surdos, consideramos importante conhecer a histria e as filosofias educacionais a

    eles dirigidas.

    Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Mdia, pensava-se que

    os surdos no fossem educveis, enfatizando-se aquilo que faltava a eles frente ao

    modelo ouvinte (a audio, a fala, a linguagem). Essa concepo determinou o

    desenvolvimento de abordagens clnicas e prticas pedaggicas que buscavam a

    supresso da surdez, por meio da tentativa de restituio da audio com o uso de

    aparelhos de amplificao sonora, para assim levar os surdos ao desenvolvimento

    da linguagem oral a partir de tcnicas mecnicas e descontextualizadas de treino

    articulatrio (Lodi, 2004).

    Desde final do sculo XVIII e durante o sculo XX, a educao seguiu

    primordialmente uma concepo mdica em que as crianas surdas eram tratadas

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 30

    como pacientes, e os professores atuavam como terapeutas, sendo a ateno

    voltada deficincia auditiva e ao domnio da lngua falada (Turetta, 2006).

    Seguindo ento a abordagem oralista, as crianas eram expostas a

    treinamentos intensos e longos de articulao da fala e leitura orofacial; mas, mesmo

    assim, muitas vezes no atingiam o resultado esperado. Nesse contexto, no se

    atribua muita importncia s questes relativas educao do surdo, que eram

    deixadas em segundo plano, para depois que se oralizassem.

    No final do sculo XIX, aconteceu o Congresso em Milo, que ficou

    conhecido internacionalmente pela vitria da abordagem oralista sobre a gestualista.

    Segundo os defensores do oralismo, a linguagem gestual era inferior e constitua um

    dos fatores que dificultavam a aquisio da fala. Foram ento intensificadas as

    prticas do oralismo, e a linguagem gestual, at ento tolerada, foi abolida, bem

    como a presena do professor surdo responsvel pelo ensino de contedos e

    transmisso de determinado tipo de cultura. (Turetta, 2006)

    O predomnio do oralismo, com pressuposto organicista, continuou e,

    durante parte do sculo XX, a incapacidade de falar ainda era associada a dficits

    cognitivos.

    Aplicado na maioria das escolas, o sistema oralista, porm, era

    questionado por aqueles que atribuam importncia lngua de sinais. Com isso, na

    dcada de 1960, comearam a surgir estudos sobre essa modalidade de lngua

    utilizada pelas comunidades surdas. Apesar da proibio dos oralistas no uso de

    gestos e sinais, raramente se encontrava uma escola ou instituio para surdos que

    no tivesse desenvolvido, s margens do sistema, um modo prprio de comunicao

    atravs dos sinais.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 31

    O descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre lngua de sinais

    deram origem a novas propostas pedaggico-educacionais para a pessoa surda,

    surgindo ento, em meados da dcada de 70, uma nova tendncia denominada

    comunicao total. Como j foi assinalado, trata-se de uma prtica que abrange uma

    ampla rede de recursos comunicativos, tais como: sinais, leitura orofacial, escrita,

    alfabeto digital, gestos, pantomima, desenho; ou seja, envolve o uso simultneo de

    duas modalidades de comunicao, fala e sinais, podendo incluir recursos

    semiticos.

    Porm, os defensores do uso das lnguas de sinais criticaram essa

    abordagem, pois apontavam para a instrumentalizao e descaracterizao dessas

    lnguas, que se tornavam meros suportes para aprender a lngua do grupo

    majoritrio ouvinte.

    Muitos estudos foram realizados para verificar a eficcia da comunicao

    total. Em relao ao oralismo, alguns aspectos do trabalho educativo foram, de fato,

    aperfeioados, e os surdos conseguiram compreender e se comunicar um pouco

    melhor no final do processo escolar. Entretanto, os problemas em relao escrita

    continuaram, e a grande maioria dos adultos surdos, mesmo aps anos de

    escolaridade, no dominava a lngua escrita.

    Comearam a surgir mais estudos sobre lngua de sinais e, com eles, as

    alternativas educacionais orientadas para uma educao bilnge. Essa proposta

    defende a idia de que a lngua de sinais a lngua natural dos surdos, que, mesmo

    sem ouvir, podem desenvolver uma lngua visogestual. E justamente por considerar

    o canal visogestual de fundamental importncia para aquisio de linguagem da

    pessoa surda e por defender um espao efetivo para a lngua de sinais no trabalho

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 32

    educacional, o modelo de educao bilnge contrape-se ao modelo oralista e

    tambm comunicao total. (Lacerda, 1998)

    Com o surgimento dos estudos sobre a lngua de sinais e o bilingismo, o

    surdo passou a ser visto como uma pessoa que possui uma forma de comunicao

    que deve ser respeitada, e a linguagem oral, vista como uma segunda lngua, que s

    ser aprendida se for de seu interesse. De acordo com esse enfoque, o surdo

    desenvolve uma lngua diferente (a de sinais) do ouvinte, mas no desviante

    (Crnio, 1998).

    O modelo bilnge prope, ento, um olhar sobre a formao da pessoa

    surda que afirma seu direito a uma experincia educativa e preconiza a exposio,

    o mais precocemente possvel, lngua de sinais. E tambm que a lngua da

    comunidade ouvinte na qual o surdo est inserido, em sua modalidade oral e/ou

    escrita, seja ensinada com base nos conhecimentos adquiridos por meio da lngua

    de sinais. Tal proposta educacional permite o desenvolvimento rico e pleno de

    linguagem, possibilitando ao surdo um desenvolvimento integral.

    Essa abordagem tem sido discutida por alguns autores, tais como

    Lacerda, Caporali e Lodi (2004), segundo os quais, atualmente, muito tem sido

    discutido sobre os problemas enfrentados pelos surdos em seu desenvolvimento,

    sendo que um grupo significativo de pesquisadores e educadores tem apontado

    para a adequao da abordagem bilnge no atendimento a essa comunidade.

    Um dos aspectos discutidos diz respeito importncia do contato com a

    lngua de sinais e de seu desenvolvimento; entretanto, a maior parte dos surdos

    filha de pais ouvintes e no tem acesso lngua de sinais como primeira lngua; isso

    s ocorre tardiamente, sendo necessrio, ento, que algum tipo de contexto especial

    seja providenciado para que essa aquisio se d.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 33

    Uma possibilidade o contato com um surdo adulto, fluente em Libras,

    que possa, em situaes contextualizadas, compartilhar essa lngua, criando

    ambientes de interlocuo. Entretanto, as autoras acima citadas advertem que o

    modelo educacional vivenciado e incorporado pelo instrutor surdo quase sempre

    estruturalista, com a Lngua Portuguesa tendo sido ensinada de forma fragmentada,

    descontextualizada e com pouco sentido para o aprendiz. A maior parte daqueles

    que ensinam Libras, em muitas regies, nem sequer passou pela formao bsica

    oferecida pelas entidades representativas das comunidades surdas.

    Outro fator que pode contribuir para que o desenvolvimento do sujeito

    surdo seja o mais pleno possvel a vivncia de situaes dialgicas com

    interlocutores capazes de interagir com ele na lngua de sinais, sendo desejvel,

    ento, que os familiares a aceitem, e aprendam.

    1.3 Educao inclusiva

    1.3.1 Polticas e concepes ideolgicas

    A educao inclusiva considerada como uma proposta de aplicao

    prtica ao campo da educao e faz parte de um movimento mundial, denominado

    incluso social. Trata-se de um novo paradigma, atrelado construo de uma

    sociedade democrtica, na qual todos conquistam sua cidadania, e a diversidade

    respeitada, aceita e reconhecida politicamente.

    Nesse sentido, a incluso pode ser descrita como um fenmeno social

    complexo, que resulta de aes estabelecidas e mantidas por diferentes instituies

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 34

    e atores: o governo, as instituies formadoras de educadores, as escolas, as

    pessoas com necessidades educativas especiais e suas famlias.

    Para aprofundarmos o tema, consideramos importante apresentar, ento,

    documentos que refletem a histria da educao especial e suas concepes

    subjacentes.

    A ateno educacional aos alunos com necessidades especiais tem se

    modificado ao longo da histria, tendo caracterizado diferentes paradigmas nas

    relaes das sociedades com essa populao. No Brasil, as primeiras informaes

    sobre a ateno s pessoas com deficincia remontam poca do Imprio,

    seguindo o paradigma da institucionalizao; ou seja, os deficientes permaneciam

    segregados em instituies para que fossem cuidados e protegidos.

    No sculo XX, iniciam-se, ento, os movimentos sociais e, em 1948, os

    pases participantes da Organizao das Naes Unidas elaboraram a Declarao

    Universal dos Direitos Humanos, documento importante que, desde ento, tem

    norteado os movimentos e definies de polticas pblicas nesses pases (Brasil,

    2004).

    A dcada de 60 caracterizou-se por intenso movimento mundial de defesa

    dos direitos das minorias, associado a crticas institucionalizao de pessoas com

    deficincia. Comearam a ser implantados ento os servios de Reabilitao

    Profissional, especialmente voltados a essa populao, visando prepar-la para a

    integrao ou a reintegrao na vida da comunidade (Brasil, 2004).

    Nos anos 60 e 70, tendo como horizonte a Declarao Universal dos

    Direitos Humanos, grande parte dos pases encampou um novo modelo no trato da

    deficincia. Da segregao total, passou-se a buscar a integrao das pessoas

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 35

    deficientes, aps serem capacitadas, habilitadas ou reabilitadas. Essa concepo

    recebeu o nome de paradigma de servios (Brasil, 2004).

    A partir da dcada de 80, evidenciou-se a diversidade como caracterstica

    constituinte das diferentes sociedades e da populao. Na dcada de 90, luz da

    defesa dos direitos humanos, constatou-se que, quando reconhecida, respeitada e

    atendida em suas peculiaridades, a diversidade enriquece e humaniza a sociedade.

    Nessa medida, comeou a ser delineada a idia de construo de espaos sociais

    inclusivos, ou seja, organizados para atender as caractersticas e necessidades de

    todos os cidados, inclusive dos que apresentam necessidades educacionais

    especiais.

    O compromisso com a construo de sistemas educacionais inclusivos

    gerou vrios documentos e eventos marcantes, tais como A Declarao Universal

    dos Direitos Humanos (1948), a Conferncia Mundial de Educao para Todos

    (Tailndia, 1990), a Conferncia Mundial sobre Necessidades Educacionais

    Especiais: Acesso e Qualidade (Espanha,1994) e a Conveno da Organizao dos

    Estados Americanos (Guatemala,1999). As proposies e debates que ocorreram a

    partir desses documentos e eventos repercutiram em nossa realidade e

    possibilitaram a adoo de medidas legais para a integrao e educao de

    indivduos com necessidades especiais.

    O Brasil tambm tem definido polticas pblicas e criado instrumentos

    legais que explicitam sua opo pela construo de uma sociedade para todos.

    Dentre eles, destacam-se: Estatuto da Criana e do Adolescente (1990), Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional (1996), Poltica Nacional para a Integrao

    da Pessoa Portadora de Deficincia (1999), Plano Nacional de Educao (2001),

    Conveno Interamericana para Eliminao de todas as Formas de Discriminao

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 36

    contra as Pessoas com Deficincia (2001), Diretrizes Nacionais para a Educao

    Especial na Educao Bsica, CNE.CEB n. 02/2001 (Brasil, 2004) .

    Tendo como base os paradigmas acima expostos, alguns autores

    discutem as diferenas entre as prticas de integrao e incluso das pessoas com

    deficincia, tais como, Sassaki (1998), Omote (1999), Bueno (2001) e Mendes

    (2002).

    Sassaki (1998) afirma que a integrao se refere s prticas

    desenvolvidas nas dcadas de sessenta e setenta, baseadas no modelo mdico da

    deficincia e que objetivavam a modificao do deficiente na direo da

    normalidade, para que, por esforo e modificao pessoais, fosse aceito na

    sociedade.

    J a incluso, que teve incio nos anos oitenta e se estabeleceu mais

    fortemente na dcada de noventa, pressupe mudanas na sociedade, para que

    esta se torne capaz de receber e acolher adequadamente s pessoas portadoras de

    necessidades especiais, baseando-se no modelo social.

    Tambm Omote (1999) aponta que, com a incluso, o foco deslocou-se do

    aluno para o meio o que se busca , basicamente, uma reformulao da escola,

    tornando-a capaz de gerar um ensino de qualidade a todos. Ao conceito de incluso

    esto associados alguns pontos propiciadores de inovaes, trazendo uma postura

    filosfica, um imperativo moral implicando transformaes sociais.

    Ao discutir incluso e integrao, Bueno (2001) destaca que a diferena

    entre essas duas concepes de educao especial produto de uma distino

    bsica em relao situao da escola na sociedade atual. Para o autor, a

    integrao deixava implcita uma viso acrtica da escola quando atribua a

    dificuldade de incorporar crianas excepcionais no ensino regular s caractersticas

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 37

    dessas crianas; isto , considerava que, de alguma forma, a escola vinha dando

    conta dos seus fins, pelo menos em relao aos alunos considerados normais.

    Em contrapartida, a incluso reconhece que a escola atual no vem

    conseguindo dar conta das mltiplas diferenas de seus alunos, originrias de suas

    condies pessoais, sociais e culturais. O autor afirma, ento, a necessidade de

    modificaes estruturais na instituio escolar, para que esta seja capaz de prover

    uma educao de qualidade a todas as crianas.

    Como aponta Mendes (2002), o processo de integrao escolar era

    possvel somente para os alunos que conseguissem se adaptar classe comum;

    portanto, no eram exigidas modificaes no sistema, sendo que aqueles que no

    conseguissem acompanhar os demais alunos eram excludos. Diante das crticas a

    esse processo, e com o movimento na histria da ateno s pessoas com

    necessidades educacionais especiais, surgiu ento a educao inclusiva, cuja idia

    central intervir diretamente sobre essas pessoas e reestruturar a sociedade para

    que seja possvel a convivncia dos diferentes.

    No mbito da educao, passou-se a defender um nico sistema

    educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficincia. Segundo

    essa concepo, a escola atual tem provocado ou acentuado desigualdades

    associadas s diferenas de origem pessoal, social, cultural e poltica. E nesse

    sentido que a incluso afirma a necessidade de reestruturao do sistema

    educacional para prover uma educao de qualidade a todas as crianas.

    Mendes (2002) tambm salienta que a incluso social implica na conquista

    de espao social, por meio das interaes que se estabelecem no interior dos

    grupos sociais e de uma participao ativa e produtiva da sociedade, tanto na

    escola, como no lazer e no trabalho. Trata-se, portanto, de uma condio almejada

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 38

    no apenas por pessoas com necessidades educacionais especiais, mas por todos

    aqueles que so excludos do direito educao, sade, moradia e lazer.

    Na fonoaudiologia a incluso social tem sido abordada por alguns

    estudiosos, como Trenche e Balieiro (2004). As autoras apontam que esse

    paradigma veio substituir as propostas de integrao social voltadas para as

    populaes excludas ou vulnerveis pobreza, que vigoraram em todo o mundo

    durante quatro dcadas (de 1960 a 1990). Tendo como base os estudos da biologia,

    da psicologia e o modelo clnico mdico, as intervenes dirigidas aos deficientes

    que seguiam a proposta de integrao social eram voltadas para a reabilitao;

    apresentavam, ento, um carter de normalizao, ou seja, de minimizao das

    diferenas.

    Novaes e Balieiro (2004) acrescentam ainda que, na dcada de 1970, o

    modelo de sade e educao vigente tratava o sujeito surdo para depois integr-lo

    sociedade. Essa postura permeou no s o trabalho com a surdez, mas com todas

    as deficincias.

    Em contrapartida, o conceito de incluso social traz consigo a noo de

    que a diversidade parte da condio humana e que, portanto, o sujeito com

    deficincia parte integrante da sociedade, devendo ter as mesmas oportunidades

    para se desenvolver. A sociedade deve, pois, se ajustar sua condio, por meio do

    convvio, do respeito e da cooperao mtua (Novaes e Balieiro, 2004).

    Segundo o paradigma da educao inclusiva, as escolas precisam ser

    reestruturadas para acolherem as pessoas, quer sejam ou no portadoras de

    deficincias ou de outras caractersticas atpicas. , pois, o sistema educacional que

    deve adaptar-se s necessidades de seus alunos, e no o contrrio.

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 39

    De acordo com essa concepo, o Referencial Curricular Nacional para

    Educao Infantil (1998, v.1) aponta que a escola inclusiva aquela que abre

    espao para todas as crianas, abrangendo aquelas com necessidades especiais. O

    principal desafio desenvolver uma pedagogia centrada na criana, capaz de

    educar a todas, sem discriminao, respeitando suas diferenas; uma escola que d

    conta da diversidade e oferea respostas adequadas s caractersticas e

    necessidades de seus alunos, solicitando apoio de instituies e especialistas

    quando se fizer necessrio. Trata-se de uma meta a ser atingida por todos que esto

    comprometidos com o fortalecimento de uma sociedade democrtica, justa e

    solidria.

    Conforme est expresso na LDB, Lei N. 9.394/96, a educao infantil

    ser oferecida em creches, ou entidades equivalentes, para crianas at trs anos

    de idade; em pr- escolas, para as crianas de quatro a seis anos de idade. No caso

    da criana surda, imprescindvel que ela freqente creches e conte com a

    presena de um professor para o ensino da Lngua Portuguesa e de um

    professor/instrutor surdo para que tenha contato dirio com a Libras, alm de outros

    profissionais. A incluso de uma criana com surdez em uma creche objetiva que ela

    se socialize e seja reconhecida e aceita por todos do ambiente escolar como uma

    criana do grupo, embora precise de um tipo de relacionamento especfico, devido

    sua forma de comunicao. Na pr-escola, o professor deve enfatizar o

    desenvolvimento das habilidades de comunicao e s atividades sociais, para que

    a criana comece a compreender e interagir com as outras (Brasil, 2003).

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 40

    1.3.2 A educao inclusiva e o aluno surdo

    A incluso dos alunos surdos na escola regular tem gerado debates,

    principalmente no que se refere diferena lingstica. Alguns estudos alertam para

    o fato de que o aluno surdo no compartilha uma lngua comum com seus colegas e

    professores, estando assim em desigualdade lingstica em sala de aula, sem

    garantia de acesso aos conhecimentos trabalhados. Porm, esses aspectos nem

    sempre so problematizados ou contemplados nas prticas inclusivas.

    Assim, em razo da defasagem auditiva, os sujeitos surdos enfrentam

    dificuldades para entrar em contato com a lngua do grupo social no qual esto

    inseridos (Ges, 1996).

    E ainda, como acrescenta Lacerda (2006) ao discutir questes referentes

    surdez, linguagem e incluso escolar, o atraso de linguagem pode trazer

    conseqncias emocionais, sociais e cognitivas para as crianas surdas, mesmo

    que realizem aprendizado tardio de uma lngua. Com isso, os deficientes auditivos

    encontram-se defasados no que diz respeito escolarizao, sem o adequado

    desenvolvimento e com um conhecimento aqum do esperado para sua idade.

    Nessa medida, a autora considera a necessidade de elaborao de propostas

    educacionais que atendam s necessidades dos sujeitos surdos, favorecendo o

    desenvolvimento efetivo de suas capacidades.

    Nesse contexto, Gonalo (2004) salienta que uma das principais questes

    diz respeito aos interlocutores com quem os surdos vo estabelecer trocas

    comunicativas e, a partir dessas trocas, construir seus conhecimentos. A autora

    aponta que a grande maioria dos professores do ensino comum desconhece a

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 41

    Libras, o que os impede de estabelecer uma relao eficaz de ensino/ aprendizagem

    com os alunos surdos.

    Ao analisar as prticas dialgicas entre aluno surdo e professor ouvinte

    em uma sala de aula com alunos surdos, Lacerda (1996) observou o uso de vrios

    recursos de comunicao, como citado anteriormente. Porm, a autora apontou que

    os professores tm um domnio precrio da Libras, do portugus sinalizado ou de

    qualquer outro sistema que envolva sinais. Devido s dificuldades de comunicao,

    em muitos momentos, o professor usa outras estratgias na tentativa de explicitar

    suas idias ou para compreender aquilo que o aluno deseja expressar, configurando

    assim situaes de mal-entendidos na comunicao.

    Alguns pesquisadores da rea da surdez, como Skliar (1997) e Slomsky

    (2000, apud Gonalo, 2004), defendem que somente um projeto de educao

    bilnge poderia alcanar os objetivos educacionais e culturais desejveis

    comunidade surda. Segundo os autores, na escola bilnge, os professores e os

    demais membros da equipe escolar devem ser fluentes e, de preferncia,

    pertencentes comunidade surda.

    Entretanto, no contexto da educao inclusiva, a implementao de um

    projeto que contemple as necessidades lingsticas dos alunos surdos no parece

    to simples de ser operacionalizada, conforme apontam os estudos de Lacerda

    (2000 e 2006); Gonalo (2004) e Turetta (2006).

    Ao discutir questes referentes ao apoio do intrprete de lngua de sinais

    no contexto de uma sala de aula regular, Lacerda (2000) aponta vantagens e

    desvantagens dessa prtica. Uma das vantagens diz respeito ao fato de que o

    professor pode ministrar o contedo das aulas por meio de uma lngua que domina,

    a lngua oral. Dessa forma, evita-se que simplifique os contedos na tentativa de

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 42

    diminuir sua exigncia em relao aos alunos surdos e de minimizar as dificuldades

    encontradas na comunicao com esses indivduos. Outra vantagem refere-se

    possibilidade de acesso a o conhecimento da cultura ouvinte atravs de uma lngua

    dominada pelos surdos, a lngua de sinais compartilhada com o intrprete.

    Como desvantagem, Lacerda (op. cit.) destaca que pode ocorrer uma

    indefinio do real papel a ser desempenhado pelo intrprete em relao ao aluno

    surdo e ao professor da classe. Tambm possvel que ocorram conflitos no que se

    refere ao poder educativo exercido por ambos os profissionais - o professor deve ser

    o responsvel pelo contedo a ser ministrado em classe, mesmo sabendo que o

    intrprete quem tornar esse conhecimento acessvel ao surdo. Entretanto, o

    professor pode acabar desconsiderando esse aluno, delegando a responsabilidade

    total de sua aprendizagem ao intrprete.

    Por fim, a autora adverte que, na inteno de esclarecer as dvidas do

    surdo, o intrprete tende a simplificar os contedos e estabelecer uma atuao

    pedaggica, sem, contudo, ter formao profissional para tanto.

    Para Lacerda (2006), apenas a presena do intrprete de lngua de sinais

    no suficiente para uma incluso satisfatria, sendo necessria uma srie de

    outras providncias para que o aluno possa ser atendido efetivamente, tais como:

    adequao curricular, aspectos didticos e metodolgicos, conhecimentos sobre a

    surdez e sobre a lngua de sinais, entre outros.

    Gonalo (2004) defende que o melhor contexto educacional para os

    surdos uma escola bilnge que valorize a lngua de sinais. Entretanto, a autora

    considera que pensar numa educao bilnge para surdos no engloba s a

    questo lingstica - a escola deve assumir uma postura poltica e ideolgica que

    respeite o surdo enquanto pertencente a uma minoria lingstica, com traos

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 43

    culturais prprios, necessitando de uma educao diferenciada. A cultura surda

    precisa ser mais bem conhecida e pesquisada, o que contribuiria para a implantao

    do bilingismo.

    A autora acrescenta que, dentre os modelos existentes, optar pela

    modalidade escrita como segunda lngua seria mais favorvel para essa populao,

    devido s dificuldades de aquisio da lngua oral pelo surdo. Entretanto, no

    desconsidera a possibilidade de ensino da modalidade oral, que deveria ser

    oferecida aos surdos que demonstrassem interesse e possibilidade real de adquiri-

    la.

    Em um estudo sobre a educao inclusiva e a proposta da educao

    bilnge, Turetta (2006) considera ser grande o desafio de assegurar essa proposta

    aos surdos dentro do contexto educacional comum e inclusivo, pois isso demanda

    recursos humanos e materiais, alm do fato de, nesse momento, a escola e seus

    profissionais ainda no estarem aptos a concretiz-la. A autora aponta a

    necessidade de intrpretes fluentes em lngua de sinais e educadores surdos que

    representem a comunidade surda, alm de mudanas metodolgicas orientadas

    para o direito do educando a aprender de modo independente da via auditivo-oral.

    1.3.3 Preparo de professores do ensino regular para trabalhar junto

    aos alunos surdos

    Na perspectiva da educao inclusiva, a formao e capacitao de

    professores visando ao aperfeioamento da prtica pedaggica em sala de aula

    tambm so consideradas metas a serem atingidas. Esse tema vem sendo debatido

    por rgos do governo e educadores envolvidos com a incluso. Abordamos ento

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 44

    alguns trabalhos que discutem a formao continuada e as adaptaes que

    precisam ser introduzidas nas escolas, objetivando um atendimento de qualidade

    aos alunos surdos.

    Lorenzetti (2002) destaca como ponto importante a formao desses

    profissionais por meio de cursos, debates, seminrios, reflexes tericas e prticas

    sobre a proposta de uma educao inclusiva.

    Para Lacerda (2006), a desinformao dos professores sobre a surdez e

    modos adequados de atendimento ao aluno surdo so freqentes. Os muitos anos

    de acompanhamento de crianas surdas permitem autora afirmar que,

    infelizmente, a maior parte das incluses de surdos pouco responsvel.

    Inicialmente, por fora da lei, a escola se mostra aberta a receber essas crianas,

    dispondo-se a discutir suas caractersticas; depois, porm, elas so inseridas na

    rotina, sem qualquer cuidado especial. A autora ressalta que, com o passar do

    tempo, pelo fato de esses alunos surdos no apresentarem muitos problemas de

    comportamento, considera-se que a incluso foi realizada com sucesso.

    Nonato (2006) tambm adverte que, na medida em que aumentam as

    polticas de incluso de alunos surdos em escolas comuns, os profissionais

    deveriam ser preparados para trabalhar com as necessidades especiais desses

    indivduos, responsabilidade que deve ser atribuda aos cursos de formao e,

    principalmente, s polticas educacionais do governo federal brasileiro, que

    recomendam a incluso dos surdos.

    Atualmente, a questo de formao de professores vem sendo bastante

    discutida, pelo fato de ser uma premissa bsica para que se tenha uma educao de

    melhor qualidade, levando-se em conta, tambm, questes que esto diretamente

  • Captulo 1 Reviso da Literatura 45

    articuladas funo social desse profissional, ligado a um sistema de ensino que, de

    certa forma, participa diretamente na formao vital das pessoas (Leo, 2004).

    Para Leo (2004), h a necessidade de direcionar o foco formao

    docente, para atender alunos tidos como normais e com necessidades educacionais

    especiais, sendo que, para isso, preciso considerar a formao dos professores

    em geral.

    O professor no , porm, o nico responsvel pelo processo de incluso

    escolar. Buffa (2002) adverte que tambm so necessrios ajustes no mbito

    poltico, administrativo e tcnico-cientfico, que contribuam para que a incluso

    desses alunos ocorra de modo adequado, fundamentado em princpios ticos. A

    autora considera, ainda, a necessidade de informar o professor quanto aos

    diferentes aspectos que envolvem a surdez, para entender as suas possveis

    causas, caractersticas, diferenas de diagnstico e prognstico, bem como as

    diferentes abordagens de ensino para os indivduos surdos.

  • Captulo 2 - Mtodo 46

    CAPTULO 2: MTODO

    1.1 Contexto histrico da incluso na rede municipal de ensino de

    Botucatu

    Os alunos deficientes auditivos do municpio de Botucatu freqentaram a

    APAE por aproximadamente vinte anos. Em 1995, a Secretaria Municipal de

    Educao inaugurou a primeira escola especial para crianas, jovens e adultos

    deficientes auditivos, a EMEDA Dom Frei Henrique Golland Trindade, que contava

    com uma fonoaudiloga e com trs professoras, sendo que duas eram habilitadas

    para trabalhar com essa populao.

    Porm, observou-se que essa escola no estava sendo efetiva para os

    adultos em termos de desenvolvimento pedaggico e de possibilidade de uma

    certificao, configurando-se apenas como um ponto de encontro para lazer. Alm

    disso, comeou a vigorar a proposta de incluso do deficiente em escola regular, o

    que levou ao recesso dessa EMEDA em 1999, sendo ento os adultos surdos

    encaminhados ao supletivo, e as crianas, ao ensino fundamental da rede municipal.

    Tambm foi criada uma sala de recursos para deficientes auditivos na EMEF Rafael

    de Moura Campos. O objetivo era oferecer suporte pedaggico aos alunos

    deficientes auditivos includos, e tambm orientao aos professores.

    Importante destacar que no houve nenhuma resistncia a essa medida

    por parte dos pais das crianas deficientes auditivas; porm, no incio, os adultos

    surdos se opuseram incluso por terem formado uma comunidade surda na

    EMEDA.

    Em dezembro de 2005, a Secretaria Municipal de Educao de Botucatu

    inaugurou o Ncleo de Atendimento Pedaggico Especializado Alcyr de Oliveira

  • Captulo 2 - Mtodo 47

    (NAPE), com o objetivo de oferecer apoio pedaggico especializado aos alunos

    deficientes auditivos e deficientes visuais includos na rede regular de ensino. A sala

    de recursos de deficientes auditivos, bem como os atendimentos fonoaudiolgicos

    passaram a ser realizados a partir de 2006. A equipe do ncleo atualmente

    composta por uma professora com habilitao em deficincia auditiva, uma em

    deficincia visual, uma fonoaudiloga (pesquisadora deste estudo), uma intrprete

    de Libras e duas psiclogas, uma atuando na Educao Infantil e outra no Ensino

    Fundamental.

    2.2 Seleo dos participantes

    No perodo de realizao deste estudo, a rede municipal de ensino de

    Botucatu apresentava oito CEIs (Centro de Educao Infantil), sete EMEIs (Escola

    Municipal de Educao Infantil), quatro EMEFEIs (Escola Municipal de Ensino

    Fundamental e Educao Infantil), seis EMEFs (Escola Municipal de Ensino

    Fundamental), uma Escola Municipal de Ensino Supletivo e uma Escola Municipal de

    Educao Especial, que atende crianas e adolescentes na faixa etria de 1 a 18

    anos, com atraso no desenvolvimento cognitivo, associado ou no a

    comprometimentos motores, emocionais e sensoriais. Em 2006, estavam

    matriculados aproximadamente 2.898 alunos na Educao Infantil, 3.868 no

    Fundamental I (1a. a 4a. srie), 968 no Ensino Fundamental II (5a. a 8a. srie) e 428

    alunos no Ensino Mdio, incluindo o supletivo.

    Havia onze alunos deficientes auditivos includos em escolas da rede

    municipal de ensino, prximas as suas residncias. A faixa etria dos alunos era de

    4 a 13 anos, sendo quatro da educao infantil, cinco do ensino fundamental I, dois

  • Captulo 2 - Mtodo 48

    do ensino fundamental II. Esses alunos apresentavam domnios diferentes da lngua

    - cinco usavam a lngua oral; trs, a lngua de sinais e trs no apresentavam o

    domnio de nenhuma lngua.

    Antes do incio da coleta de dados para a pesquisa, foi solicitada a

    autorizao do Secretrio Municipal de Educao de Botucatu (ANEXO 1); aps

    esse procedimento, foram enviadas as cartas de esclarecimentos e os termos de

    consentimento livre e esclarecido, conforme segue nos anexos (ANEXO 2, ANEXO

    3, ANEXO 4, ANEXO 5), aos atores envolvidos no processo de incluso escolar do

    aluno surdo, sendo eles: diretores, professores e uma psicloga da Secretaria

    Municipal de Educao.

    Foram convidadas a participar do estudo quatro escolas da rede municipal

    de ensino que atuam ou atuaram com alunos deficientes auditivos includos, sendo

    trs de Educao Infantil e uma de Ensino Fundamental. Apenas uma de Educao

    Infantil localizava-se em uma regio mais perifrica da cidade; as demais se

    situavam em regio central.

    Nas quatro escolas escolhidas foram organizados grupos com 27

    professores de Educao Infantil e um grupo de onze professores do Ensino

    Fundamental. Para a anlise, foram selecionadas grupos de apenas duas escolas -

    o grupo do Ensino Fundamental e um grupo de onze professores de uma das

    escolas de Educao Infantil, nos quais a discusso avanou mais. Cabe ressaltar,

    porm, que, em cada grupo, apenas sete participantes se manifestaram durante o

    debate.

    Tambm foi entrevistada uma psicloga da Secretaria Municipal de

    Educao, que participou do processo de incluso dos alunos surdos na rede

    municipal de ensino de Botucatu.

  • Captulo 2 - Mtodo 49

    Esta pesquisa foi submetida ao Comit de tica do Programa de Estudos

    Ps-Graduados em Fonoaudiologia da Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo e aprovada no protocolo nmero 060/2006 (ANEXO 7).

    2.3. Procedimentos

    2.3.1 Coleta de dados

    Tendo em vista que o objetivo deste estudo investigar como a poltica de

    educao inclusiva e o processo de implementao desta junto ao aluno surdo tm

    sido percebidos por professores, optamos por uma perspectiva qualitativa.

    O instrumento utilizado foi uma dinmica de grupo, com um cartaz

    (ANEXO 6) contendo estmulos disparadores da discusso, ou seja, alguns tpicos

    relativos questo da incluso do aluno deficiente auditivo.

    A pesquisadora se dirigiu s unidades escolares no horrio de trabalho

    pedaggico coletivo (HTPC), a fim de conhecer como os professores tm percebido

    e significado o processo de incluso do aluno surdo no ensino regular e de avaliar as

    experincias e dificuldades enfrentadas.

    Os grupos foram audiogravados e, posteriormente, o material foi transcrito

    para efeito de anlise.

    2.3.2. Anlise

    O mtodo empregado para anlise foi a construo de categorias

    propostas por Merrian (1992) visando consolidar, reduzir e interpretar o que as

    pessoas disseram e o que o pesquisador viu e leu na busca de significados. A

  • Captulo 2 - Mtodo 50

    escolha deste mtodo possibilita ao pesquisador deslocar-se para frente e para trs

    entre parte de dados concretos e conceitos abstratos, entre razo indutiva e

    dedutiva, entre descrio e interpretao. Esses significados ou entendimentos

    constituem os achados do estudo e podem se concretizar em forma de relatos

    descritos e organizados em temas ou categorias que atravessam os dados, ou na

    forma de modelos e teorias que os expliquem.

    O material recolhido junto aos grupos de professores, a respeito da

    incluso escolar dos alunos surdos, foi transcrito em ortografia regular, analisado e

    organizado em temas.

    Para a identificao dos sujeitos, usamos as iniciais dos nomes dos

    professores e numeramos suas falas para situar cada uma delas no contexto global

    da transcrio em anexo. Esto identificadas em negrito as iniciais dos professores

    da Educao Infantil (M., J., A., MA., MC., L., S.) e em itlico as iniciais dos

    professores do Ensino Fundamental (R., F., D., V., C., MS., ME.).

    A partir da proposta de Merrian (1992), os textos coletados constituram,

    ento, o material emprico desta pesquisa. As categorias foram criadas a partir de

    um processo intuitivo, sistemtico e informado pelo propsito do estudo, orientao

    do investigador e conhecimento, alm de o significado se tornar explcito pelos

    prprios participantes. Foram buscadas regularidades nos contedos das falas dos

    professores a fim de agrup-las nas categorias apropriadas.

    A partir de leituras sucessivas do material e dos critrios propostos por

    Merrian (1992) no estabelecimento de categorias temticas, interpretamos os

    repertrios dos participantes e fizemos relaes com a literatura pesquisada a partir

    de trs temas: comunicao, lngua oral e lngua de sinais; aprendizagem; incluso

    escolar e socializao.

  • Captulo 3 Resultados e Discusso 51

    CAPTULO 3: RESULTADOS E DISCUSSO

    Procurarmos identificar na dinmica realizada