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1334 DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NA UNIVERSIDADE PÚBLICA Challenges and perspectives of death student inclusion in public University. Mariani de Ávila Resende 1 Keli Maria de Souza Costa Silva 2 Matheus Rocha da Costa 3 1 Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Química [email protected] 2 Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Letras-Libras [email protected] 3 Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Química [email protected] RESUMO O presente trabalho tem como objetivo compreender a realidade vivenciada pelosdiscente sur- dos na Universidades públicas, a partir de leituras e da experiência pessoal de um dos autores. Procuraremos investigar como tem acontecido a inclusão dos surdos nos cursos de graduação em que estão vinculados considerando a presença/atuação do intérprete de Libras buscando fa- zer uma reflexão com base em experiências pessoais. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e ex- ploratória. Coletamos os dados através de entrevistas com os sujeitos envolvidos no processo, a saber: os docentes dos cursos em que existem surdos matriculados, os Tradutor Intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa(TILSP) que os atendem e os discentes surdos e ouvintes envolvidos nesse processo. Faremos uso da metodologia da entrevista semiestruturada, dei- xando os participantes da pesquisa livres para inserirem comentários, sugestões e críticas que julgarem pertinentes. Para realizar esta discussão o presente texto compreende o surdo a partir das suas experiências visuais, entendendo sua particularidade linguística bilíngue e bicultural. Os resultados parciais dessa investigação, que nos possibilitaram perceber dificuldades em tra- 1 Graduanda do Curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Uberlândia. 2 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, Graduadaem Letras e Mestre em Educação pela mesma universidade. 3 Surdo, graduando do Curso de Letras da Universidade Federal deUberlândia.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NA UNIVERSIDADE PÚBLICA

Challenges and perspectives of death student inclusion in public University.

Mariani de Ávila Resende1

Keli Maria de Souza Costa Silva2

Matheus Rocha da Costa3

1Universidade Federal de UberlândiaInstituto de Química

[email protected]

2Universidade Federal de UberlândiaInstituto de Letras-Libras

[email protected]

3Universidade Federal de UberlândiaInstituto de Química

[email protected]

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo compreender a realidade vivenciada pelosdiscente sur-dos na Universidades públicas, a partir de leituras e da experiência pessoal de um dos autores. Procuraremos investigar como tem acontecido a inclusão dos surdos nos cursos de graduação em que estão vinculados considerando a presença/atuação do intérprete de Libras buscando fa-zer uma refl exão com base em experiências pessoais. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e ex-ploratória. Coletamos os dados através de entrevistas com os sujeitos envolvidos no processo, a saber: os docentes dos cursos em que existem surdos matriculados, os Tradutor Intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa(TILSP) que os atendem e os discentes surdos e ouvintes envolvidos nesse processo. Faremos uso da metodologia da entrevista semiestruturada, dei-xando os participantes da pesquisa livres para inserirem comentários, sugestões e críticas que julgarem pertinentes. Para realizar esta discussão o presente texto compreende o surdo a partir das suas experiências visuais, entendendo sua particularidade linguística bilíngue e bicultural. Os resultados parciais dessa investigação, que nos possibilitaram perceber difi culdades em tra-

1 Graduanda do Curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Uberlândia.2 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, Graduadaem Letras e Mestre em Educação pela mesma universidade.3 Surdo, graduando do Curso de Letras da Universidade Federal deUberlândia.

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balhar com os alunos surdos, revelam que i.) a formação inicial dos professores não os preparou para diversidade que compõe o cenário da educação no atual contexto e que ii.) somente a pre-sença do intérprete na sala de aula, não garante, por si só, o sucesso educacional do surdo.

Palavras-Chave:Inclusão; Surdos; Ensino Superior.

INTRODUÇÃO

Desde 2002, com a promulgação da Lei Federal de número 10.436 de 24 de abril de 2002, a Libras (Língua Brasileira de Sinais) foi reconhecida como sendo segunda língua ofi cial do país utilizada primordialmente pela comunidade surda. Para convencionar a cultura surda e difusão da Libras, as associações de surdos vêm se organizando, oferecendo cursos e promo-vendodiscussões em todo país. Tal esforço ainda é insufi ciente frente à grandedemanda que se tem nessa área.

A sanção desta lei, em 2002, não signifi cou a sua aplicação na prática.Os surdos conti-nuaram à margem da educação escolar. A luta por respeito, pordignidade, enfi m, pela inclusão, continuou. Só em 2005, com a publicação dodecreto n° 5.626/2005, que regulamenta a lei n° 10.436/2002, foram dadasdiretrizes para que o reconhecimento efetivo desta língua se concre-tizasse.

Ressaltamos que o presente trabalho compreende o surdo a partir dassuas experiências visuais, entendendo sua particularidade linguística bilíngue ebicultural. Amparados no modelo sócio-antropológico, os surdos formam umacomunidade linguística minoritária caracterizada por compartilhar uma línguade sinais e valores culturais, hábitos e modo de socialização pró-prios. A línguade sinais constitui o elemento identitário dos surdos, e o fato de constituir-seem comunidade signifi ca que compartilham e conhecem os usos e normas deuso da mesma língua, já que interagem cotidianamente em um processocomunicativo efi caz e efi ciente. Isto é, desen-volveram as competênciaslinguística e comunicativa – e cognitiva – por meio do uso da língua de sinaisprópria de cada comunidade de surdos. Acreditamos juntamente com Skliarque

A língua de sinais anula a defi ciência linguística consequênciada surdez e permite que os surdos constituam, então, umacomunidade linguística minoritária diferente e não um desvio danormalidade. (SKLIAR, 1997, p.102).

Diante disso e com o intuito de compreender a realidade vivenciada pelosurdo incluído no contexto do ensino superior, procuraremos investigar comotem acontecido a inclusão dos surdos nos cursos de graduação em que estãovinculados na Universidade Federal de Uberlân-dia (UFU), considerando apresença/atuação do intérprete de Libras e dos professores buscando fazeruma refl exão com base em experiências pessoais.

JUSTIFICATIVA

A presença de alunos surdos nos cursos de graduação da UniversidadeFederal de Uber-

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lândia é algo bastante recente. O primeiro aluno ingressou noano de 2008 no Curso de Licen-ciatura em Química e inicialmente não foiacompanhado por Tradutor Intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa (TILSP) já que auniversidade não possuía esse profi ssional em seu quadro de funcionários. Osetor de acessibilidade da instituição se esforçou na contratação de algunsdeles por determinados períodos, mas não se tratava de um atendimentocontínuo. Poste-riormente outros surdos ingressaram na referida universidade e,até o momento desta pesquisa, somavam apenas 7 (cinco), um númerobastante pequeno se considerarmos o tamanho desta instituição que contahoje com 21.3314 alunos em seus campi.

Vale ressaltar que há cerca de quatro anos a UFU já conta com 9 (nove)TILSP concur-sados, que realizam o atendimento nas atividades de ensino (asaulas propriamente ditas), nas monitorias e demais atividades acadêmicas dosalunos surdos regularmente matriculados nesta instituição.

Esses sujeitos ainda são vistos como “defi cientes”, trazendo o manto da incapacidade, incompletude, imperfeição, necessidade, carência sobre os mesmos, além de uma concepção histórica errônea como se eles necessitassem de uma cura ou ajuda constante.

Observando as difi culdades enfrentadas por estes sujeitos, tanto comrelação à comuni-cação com professor e demais colegas, quanto com relação à(in)existência de materiais adequa-dos ao seu processo de aprendizagemsurgiu o interesse nesta pesquisa pois, acreditamos que estudar o processo deinclusão desses surdos no ensino superior, buscando compreender quais asbarreiras e as difi culdades que os mesmos enfrentam em sua vida acadêmicapoderá colaborar com a permanência dos mesmos em seus respectivos cursose, consequentemente, com o suces-so em seu processo formativo.

Acreditamos também que não basta o reconhecimento da língua desinais e a presença dos TILSP em sala de aula e nos diversos espaçosacadêmicos, mas que outros aspectos devem ser minuciosamente observados,pois, como explica DORZIAT (2009):

A aceitação da LS nos diferentes espaços sociais representou um avanço considerável quanto aos objetivos das pessoas surdas de terem melhores oportunidades de partici-pação social. No entanto, considerando as ambiguidades e contradições inerentes a uma cultura erigida sob os princípios das identidades universais que cultivam as rela-ções de poder, a Libras toma corpo apenas de um aparato legal, de uma ferramenta de valor simbólico para mascarar a continuidade das políticas homogêneas e unilaterais. Desse modo, se acata a diferença, mas mantém-se o mesmo tipo de submissão dosin-divíduos às estruturas existentes. (DORZIAT, 2009, p. 23)

Nesse sentido, embasados numa educação emancipatória, acreditamos ser relevante investigar quais as práticas vêm sendo empregadas no processo ensino-aprendizagem dos dis-centes surdos desta instituição e de que forma as mesmas tem contribuído (ou não) para o de-senvolvimento de sua autonomia e empoderamento acadêmico e social.

4 Dados obtidos no documento “Relatório Parcial de Auto-Avaliação Institucional 2015” – p. 17,que pode ser consultado através do link: http://www.cpa.ufu.br/node/7 – Acessado em18/06/2016.

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OBJETIVOS

Objetivo Geral:Compreender a realidade vivenciada pelo surdo incluído no ensino superior,bem como

as barreiras e difi culdades enfrentadas por ele em seudesenvolvimento acadêmico.Objetivos Específi cos:- Verifi car quais os maiores desafi os dos surdos com relação ao seu processode forma-

ção acadêmica;- Investigar a percepção do professor com relação ao processo de ensinoaprendizagem

dos seus alunos surdos;- Analisar as percepções dos colegas de turma com relação à inclusão social eeducacio-

nal do seu colega surdo tanto entre eles como com seus professores;- Averiguar as difi culdades encontradas pelos TILS no processo deintermediação da

comunicação entre alunos surdos e professores ouvintes.

METODOLOGIA

Além da pesquisa de cunho bibliográfi co e documental, este trabalholança mão da pes-quisa qualitativa e exploratória, na qual buscamos apreenderpor meio do depoimento dos en-volvidos as suas concepções sobre o processode inclusão dos surdos no ensino superior nesta universidade, bem como asdifi culdades enfrentadas por eles nesse processo, cada um narrando os fatos apartir do seu ponto de vista.

Uma das características da pesquisa exploratória, tal como égeralmente concebida, refere-se à especifi cidade das perguntas,o que é feito desde o começo da pesquisa e orienta a conduçãodo processo investigativo. As pesquisas exploratórias tambémper-mitem ao pesquisador explorar e, consequentemente,conhecer mais sobre o assun-to estudado, estando ao fi nal dotrabalho, apto a construir hipóteses, e mais do que isso,problematizar possíveis intervenções e melhorias para oproblema de pesquisa. (SILVA, 2013, p.54)

Nesse sentido, procuramos coletar nossos dados através de entrevistascom os sujeitos envolvidos no processo, a saber: os docentes dos cursos emque existem surdos matriculados, os TILSP que os atendem e os discentessurdos e ouvintes envolvidos nesse processo. Faremos uso da metodologia daentrevista semiestruturada, deixando os participantes da pesquisa livres parainserirem comentários, sugestões e críticas que julgarem pertinentes.

Sendo assim, elaboramos um pré-questionário com algumas perguntasdirecionadas a todos igualmente e outras específi cas a cada grupo pesquisado.

Algumas das perguntas foram como os participantes percebem oprocesso de inclusão dos surdos no dia-a-dia da sala de aula, se já tiveramcontato com surdos ou com pessoas com defi ciência em outros momentos dasua vida acadêmica, quais as difi culdades percebidas para a efetivação desseprocesso e quais os avanços podem observar.

É importante ressaltar que esta pesquisa se iniciou apenas cominformantes envolvidos no curso de Química, uma vez que foi neste curso queingressou o primeiro aluno surdo da UFU.

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Num segundo momentoprocederemos à ampliação do foco da nossa pesquisa para todos os cur-sosque possuam surdos os quais são, até o momento: Pedagogia, Letras e Teatro.

Como se trata de uma pesquisa em andamento, e percebendo adifi culdade de coletar informações através apenas das entrevistas semiestruturadas, reavaliamos o processo e estamos no momento de organizaçãopara aderirmos a técnica do grupo focal. A respeito dessa técnica Gatti (2005)explica que a mesma:

É muito útil quando se está interessado em compreender asdiferenças existentes em perspectivas, ideias, sentimentos,representações, valores e comportamentos de gru-posdiferenciados de pessoas, bem como compreender os fatoresque os infl uenciam, as motivações que subsidiam as opções, osporquês de determinados posicionamentos. (GATTI, 2005, p. 14)

Como nosso principal objetivo é compreender as concepções dosvariados indivíduos acerca do processo inclusivo de surdos no ensino superiorpensamos em elaborar quatro grupos focais, um com cada categoriamencionada anteriormente no início deste trabalho (docentes, TILSP, alunossurdos, alunos ouvintes).

O trabalho com o grupo focal, ainda nas palavras de Gatti, “permiteemergir uma multi-plicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelopróprio contexto de interação criado” (GATTI, 2005, p. 9).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base nas conversas iniciais desta pesquisa, como resultadospreliminares, já po-demos constatar que, infelizmente, apesar da Lei número de10.436/2002 regulamentada pelo decreto 5.626/2005 reconhecendo a Libras eo Português como segunda língua para surdos, atualmente a Universidadeainda não dispõe de uma quantidade ideal de intérpretes para atender ademanda de todos os conteúdos do currículo básico e materiais específi cos. Éimprescindível contar com profi ssionais capacitados, o que nem sempre épossível. Também há difi culdades de profi ssionais para atender aos surdos emparticipações em congressos, seminários e encontros que envolvem acomunidade surda e ações sociais.

Além disso, como aponta LIMA (2011)

Quando se trata de inclusão, a valorização da língua de sinaispara surdos é uma das questões essenciais, comopossibilidade de igualdade de condições de desenvolvimen-toentre as pessoas. Contudo, o uso dessa língua, apesar de sercritério básico, não deve ser visto como a solução mágica paraa inclusão social dos surdos e para todos os problemas que seapresentam na educação. (LIMA, 2011, p.148)

Existem ainda outros obstáculos como a difi culdade em aprender umanova língua, o português com todos os seus signos inerentes, uma nova formade comunicação, bem como da adequação dos materiais didáticos, entreoutros.

A partir de uma experiência com a docência para um aluno surdo, na qual se travava uma batalha para se comunicar Cruz e Dias (2009, p.68) se mostraram interessados em mudar,

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buscando um novo diálogo para poder de fato oferecer um apoio para a aprendizagem, além do desenvolvimento educacional do aluno surdo.

Os alunos surdos relataram que o processo de escolarização no ensino superior se mos-trou difícil, pois os mesmos eram obrigados a falar, a não usar sinais, a escrever em Língua Por-tuguesa corretamente, difi cultando o processo de ensino-aprendizagem (CRUZ; DIAS, 2009, p.72).

Uma conquista dos últimos tempos é a visibilidade do tema inclusão, quecomeçou a ser discutido e refl etido pela maioria das pessoas. Sim, acreditamosque ainda faltam políticas públicas ou mesmo que as existentes não sejam defato aplicadas.

A difi culdade em não haver o intérprete e a difi culdade napercepção da diferença entre aluno-ouvinte e aluno-surdo, que estáprincipalmente na comunicação. A barreira comunicativa compromete o acessoà informação que o aluno-ouvinte adquire e repassa oralmente.

Em ação docente e nas pesquisas desenvolvidas na Universidade deSanta Catarina (USC) desenvolveu-se através da língua brasileira de sinais,metodologias e materiais em áreas específi cas da educação para auxiliar osprofessores a atender os alunos surdos. Mas na Univer-sidade Federal deUberlândia (UFU) nos deparamos com a falta de materiais específi cos para aárea específi ca de química, por exemplo, de metodologias diferenciadasaplicadas pelos pro-fessores a fi m de ensinar os conceitos para os alunossurdos e um certo despreparo dos mesmos ao lidar com alunos surdos.

O Professor Hidrogênio5, por exemplo, ao responder sobre comoorganizou suas aulas para atender a demanda do aluno surdo diz “procureifalar mais pausadamente”. Noutro mo-mento, o mesmo professor, ao comentarsobre as maiores difi culdades enfrentadas por ele para ministrar suas aulasneste contexto não demora em responder que é o fato de “Não conhecer alíngua dos sinais. E tentar entender que sua organização de expressão édiferente para avaliar as atividades”.

Podemos perceber a falta de metodologias por parte dos professores e de materiais di-dáticos voltados ao ensino-aprendizagem para surdos, especialmente que ressaltem aspectos da percepção visual inerentes a estes sujeitos.

O descrédito do professor para com o aluno-surdo se mostra presente em pequenas sentenças, como, “é melhor você estudar mais”, “você tem problema de cognição”, “você não precisa apresentar o trabalho, só faça a parte escrita”, entre várias outras frases preconceituo-sas. Isso quando o professor tenta complementar a nota do estudante surdo que está abaixo da média, com trabalhos extras que de fato não ajudam no entendimento dos conceitos. O pro-fessor não se mostra capaz para lecionar para a diversidade, pois ao continuar com avaliações e atividades em língua portuguesa, exigindo o mesmo dos estudantes surdos, sem a ajuda de um intérprete ou mesmo do próprio professor falando em Libras, ele está privando o direito do estudando de aprender.

A difi culdade na comunicação deixa lacunas na formação do aluno-surdo, pois o mesmo não interage. E ao tentar sugerir uma avaliação diferente, para uma melhor compreensão do conteúdo, é reprimido. Essa situação de falta de comunicação poderia ser sanada com a atuação do intérprete. A atividades em sala de aula não são favorecem o aluno surdo, ele se sente rejeita-

5 Os nomes foram trocados para manter o sigilo sobre os participantes da pesquisa.

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do, incapaz, errado. Isso devido a ausências de instrumentos que fariam com que ele se inserisse e atuasse no contexto. Assim trabalhar com estudantes ouvintes se mostra confl ituosos, devido aos diferentes modos de pensar.

No ensino superior a forma como se comunica com o aluno-surdo, sem a utilização da Língua de Sinais, se mostra um empecilho para a aprendizagem de conceitos abstratos, e, por conseguinte a refl exão e o pensamento são prejudicados.Um dos maiores problemas que vamos encontrar é a ausência do professor surdo nas escolas que ajudariam num ensino de qualidade para o aluno surdo, com base nas experiências e em outra forma de ensino.

Outro problema está na forma como a Universidade é organizada, pensada por ouvintes e feita por ouvintes. Salas de aulas que impedem de ver a face do professore dos outros alu-nos. Aulas expositivas são ainda piores por apresentar slides com conteúdo que são passados muito rapidamente, não sendo possível prestar atenção nem no professor nem no slide. Aulas que contém vídeo, mesmo possuindo legendas, são muito ruins para se compreender, devido à difi culdade em se acompanhar o que está sendo exposto no vídeo e o que se está sendo falado no mesmo.

A facilidade com algumas matérias do aluno-surdo se deve a familiarização e a forma diferente com que é abordada. Por outro lado, a difi culdade se encontra em matérias que apre-sentam conceitos muito abstratos e vocábulos específi cos. E assim o aluno-surdo se vê obri-gado a decorar e não consegue compreender o que se está passando. A interpretação se mostra comprometida e o raciocínio atrapalhado. Muitas vezes o que vem a ajudar o aluno-surdo, são colegas solidários que se mostra interessados numa parceria para troca de saberes.

O Aluno Ouvinte Platina aponta, ao falar da sua percepção que “As aulas são sempre tradicionais o que difi culta a compreensão de conceitos fundamentais das disciplinas, o que tem sido um dos fatores mais agravantes”.

A efi ciência contribui para o alcance dos resultados buscados pelas organizações, po-rém, para que isso aconteça, a formação com qualidade é primordial, é necessário que no ensino superior exista uma relação saudável entre professor-aluno para que a relação de ensino-apren-dizagem se torne efi caz.

No entanto, a maneira com que o conteúdo é ensinado ao aluno é um fator chave para que haja de fato a aprendizagem e a absorção maior do conhecimento, e para que isso aconteça, no ensino superior os professores devem ter a didática como peça fundamental para escolher os métodos e as técnicas mais efi cazes e efi cientes para atingir os objetivos propostos da disci-plina.

Dessa forma, a didática não é somente para pedagogos, e sim para toda e qualquer área profi ssional, pois a partir do momento que se transmite informações, ideias, experiências, instruções e saber, é necessário que se tenha a didática para haver interação entre as partes e também maior entendimento com clareza a todos os conteúdos.

Ao avaliarmos o percurso percorrido desde que a Universidade Federalde Uberlândia teve em seu quadro de alunos o primeiro surdo, podemos dizerque houve, sim, avanços.

De acordo com o Aluno Ouvinte Platina, “com a atuação dos intérpretesde Libras me-lhorou muito a compreensão das aulas e para a compreensão arespeito da cultura surda para a comunidade universitária. Mas ainda se perdemuitas informações que quando repassadas pelos

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professores e outros alunosconcomitantemente, sendo impossível o intérprete acompanhar e, dessa forma,a comunicação fi ca prejudicada”.

Outro ponto destacado por este aluno é a falta de intérpretes paraintermediar e possibili-tar a participação do aluno surdo em grupos e projetos depesquisa, difi cultando a comunicação, conforme já relatado anteriormente.

Gostaríamos de mencionar o importante apoio recebido do CEPAE6desde o início da graduação, intermediando o contato com os professores docurso, explicando as particularidades linguísticas e culturais do surdo aosmesmos, providenciando intérpretes de Libras num momen-to em que estes nãoeram ainda efetivos da UFU.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Buzato (2008), o conceito de inclusão não se limita em “estardentro”, inclusão não pode ser sinônimo de homogeneidade. Para o autor ainclusão deve ser tratada numa pers-pectiva baseada na heterogeneidade,dessa forma é possível perceber que somos sempre iguais e diferentes dosoutros. Na esteira do autor, entendemos a inclusão como uma possibilidade desubversão das relações de poder e das formas de opressão que se nutrem ese perpetuam por meio da homogeneização e da padronização.

Os resultados parciais dessa investigação, que nos possibilitaramperceber difi culdades em trabalhar com os alunos surdos, revelam que aformação inicial dos professores não os pre-parou para diversidade quecompõem o cenário da educação no atual contexto.

Considerando o intérprete importante tanto no processo de ensino eaprendizagem quan-to no relacionamento entre os estudantes surdos com osprofessores e demais alunos, e as di-fi culdades geradas em boa parte por nãopossuírem formação específi ca para cada curso de graduação em que atuam éimprescindível que busquem uma formação contínua.

Há ainda um longo caminho a percorrer na busca de uma educaçãorealmente inclusiva e que atenda as expectativas como a proposta de umaeducação bilíngue que tem sido apontada como solução para garantir aacessibilidade das pessoas surdas ao direito de educação em esco-la comum. Consiste na aquisição de duas línguas: a Língua Brasileira de Sinais, como língua materna, e a Língua Portuguesa, nas suas modalidades oral e escrita, como segunda língua. A educação bilíngue é tidacomo a que mais favorece a escolarização e a construção da identida-de doaluno surdo por meio do contato com a língua de sinais, sendo uma tendêncianacional e internacional.

Antes se propunha que para mudar a realidade do estudante surdo seria o direito da pre-sença de sua língua por meio do intérprete. Contudo esse profi ssional não é capaz de garantir ao surdo o entendimento do conteúdo curricular. Não é sufi ciente, ainda, apenas sua presença. É na interação inter-relação entre aluno-surdo, aluno-ouvinte e professor que se tem o processo de ensino-aprendizagem. E isso só acontecerá com uma língua compartilhada e com uma Uni-versidade que se paute na inclusão, possibilitando o ensino na língua de Sinais também.

Enfi m, os apontamentos realizados nesse trabalho são apenas o esboçode um estudo mais aprofundado que se pretende fazer com relação à inserçãodo surdo no ensino superior. 6 Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial da Universidade Federal de Uberlândia.

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Percebemos que estudos dessa natureza aindasão bastante insipientes e ressaltamos a neces-sidade e relevância de serealizar mais pesquisas nesse campo, com vistas a colaborar com o processoensino-aprendizagem e formação profi ssional do sujeito surdo para o mercadode tra-balho.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponívelhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm - Acessado no dia 11/06/2018.BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Disponívelhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm - Acessado no dia11/06/2018.BUZATO, M.E.K. Inclusão digital como invenção do quotidiano: um estudo decaso. Revista Brasileira de Educação. v. 13, n. 38, p-325-342,2008.CRUZ, J.I.G.; DIAS, T.R.S. Trajetória escolar do surdo no ensino superior: condições e possi-bilidades. Revista Brasileira Educação Especial, Marília, v.15, n.1, p.65-80, 2009.DORZIAT, A. O outro da educação: pensando a surdez com base nostemas Identidade/Diferença, Currículo e Inclusão. Petrópolis, RJ: Vozes,2009.GATTI, B. A. Grupo Focal na pesquisa em Ciências Sociais eHumanas. Brasília: Liber Livro Editora, 2005.LIMA, N. M. F. Inclusão Escolar de Surdos: o dito e o feito. In: DORZIAT,Ana (org.). Es-tudos Surdos: diferentes olhares. Porto Alegre: Mediação, 2011.SILVA, K.M.S.C. Intérprete de Língua de Sinais: um estudo sobre suasconcepções de prática profi ssional junto a estudantes surdos. 2013. 85fl s. Dissertação. (Programa de Pós-Graduação em Educação) – Faculdade deEducação, Universidade Federal de Uberlândia.SKLIAR, C. Educação & Exclusão: abordagens sócio-antropológicas emEducação Especial. Porto Alegre: Mediação, 1997. 112p