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A INAPLICABILIDADE
DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR PARA
AS ENTIDADES FECHADAS
DE PREVIDÊNCIA
COMPLEMENTAR
Ada Pellegrini Grinover Adacir ReisLygia Avena
Maria da Glória Chagas Arruda
São Paulo
ABRAPP
2013
1ª edição
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
REIS, ADACIR (coord.) et al. A Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
1 ed. São Paulo : ABRAPP, 2013. 136 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-99388-15-0
1. Código de Defesa do Consumidor. 2. Previdência Complementar.
3. Direito Previdenciário. 4. Fundos de Pensão.
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Adacir Reis
CAPA
Thiago Souto
REVISÃO E EDITORAÇÃO
Rosa Tancredo
Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por quaisquer meios.
Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar
CEJUPREV
O Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar – Cejuprev
agradece os Autores Ada Pellegrini Grinover, Adacir Reis,
Lygia Avena e Maria da Glória Chagas Arruda,
além das seguintes pessoas que colaboraram
para a organização desta obra:
Ana Carolina Ribeiro de Oliveira
Ana Caroline Milhomens Barbosa Santana
Carla Patrícia da Silva Reis
Carlos Silveira
Célia Piovezam
Devanir Silva
Emílio Keidann Jr.
Fernando Antonio Pimentel de Melo
Flávio Franciulli
Igor Aversa Dutra do Souto
José de Souza Mendonça
Lara Corrêa Sabino Bresciani
Lucimara Morais Lima
Mariana Xavier
Marlene de Fátima Ribeiro Silva
Reginaldo Camilo
Sandro Gomes da Silva
Tatiane Lopes
Thaysa Araújo
Sumário
Apresentação
José Luiz Guimarães Júnior 7
As Entidades Fechadas de Previdência Complementar
e a Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça
Adacir Reis 9
Parecer Jurídico sobre o Código de Defesa do Consumidor
e As Entidades Fechadas de Previdência Complementar
Ada Pellegrini Grinover 28
As Entidades Fechadas de Previdência Complementar
e o Código de Defesa do Consumidor
Lygia Avena 70
A Previdência Privada Fechada e o Código de Defesa
do Consumidor
Maria da Glória Chagas Arruda 96
Apresentação
Transcorrida mais de uma década de vigência das Leis Complementares 108/01
e 109/01, alguns dos temas centrais do microssistema da previdência privada
fechada exigem uma espécie de reafirmação, seja de sua cogência, seja dos
princípios que os informam, porquanto não ser raro depararmos com posicio-
namentos desafiadores de sua higidez.
Nesse cenário, a temática desenvolvida pela presente obra perscruta exatamente
o dissenso sobre aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à relação
jurídica prevalecente nos planos de benefícios administrados por entidades
fechadas de previdência complementar.
Perante o judiciário construiu-se entendimento segundo Enunciado de Sú-
mula do STJ no sentido de que o CDC seria aplicável à relação jurídica entre a
“entidade de previdência privada e seus participantes”, o que pode dar ensejo
à conclusão de que o Tribunal responsável pela harmonização das leis não
atentou para a taxativa diferenciação entre os microssistemas aberto e fechado
de previdência privada.
Demonstrar a natureza jurídica própria das relações entre patrocinador, parti-
cipantes/assistidos e os planos administrados por entidade fechada, na forma
que a Constituição Federal e as leis determinam, é o que motiva e conduz os
brilhantes artigos formadores dessa obra.
Com efeito, diante do cenário obnubilado que ainda prevalece sobre a temática
consumerista no âmbito da previdência privada, é mais do que bem-vinda a
coletânea de artigos sobre o CDC, das lavras de Ada Pellegrini Grinover, Adacir
Reis, Lygia Avena e Maria da Glória Chagas Arruda.
A partir de sólida, simples e objetiva fundamentação é possível concluirmos
pela não subsunção do microssistema fechado de previdência complementar
aos princípios e normas consumeristas. Por óbvio que, por simplicidade não
se leia simplismo ou incompletude, mas ausência de prolixidade.
Em ótima hora somos brindados pela coletânea de artigos sobre o CDC, em
razão da definição pelo STF da competência cível para dirimir conflitos sobre
interpretação do contrato previdenciário.
Exceleram, mais uma vez, nossos estimados autores.
José Luiz Guimarães Júnior
Advogado, Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUC/SP, chefe da Consultoria Jurídica da Caixa de
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – Previ e Coordenador do Centro
de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar – Cejuprev.
AS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E A SÚMULA N. 321 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Adacir Reis *
I) Pontos centrais deste Artigo
Resumidamente, pretendemos abordar os seguintes tópicos neste artigo:
w a Súmula n. 321 do STJ (“o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à
relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”)
foi editada poucos meses depois da Súmula n. 297 (“O Código de Defesa do
Consumidor é aplicável às instituições financeiras”);
w a legislação federal (Leis Complementares n. 108/01 e 109/01) estabelece, a
começar pela reveladora nomenclatura, nítida distinção entre as entidades
fechadas de previdência complementar e as entidades abertas de previdência
complementar;
w os conceitos do CDC (Lei n. 8.078/90) não se aplicam às entidades fechadas
de previdência complementar;
w nas entidades fechadas de previdência complementar, como o nome eviden-
cia, o acesso é restrito a um grupo de participantes (LC 109/01, art. 31, I e II);
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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w as entidades fechadas de previdência complementar não têm finalidade
lucrativa (LC 109/01, art. 31, § 1º);
w na relação jurídica com a entidade fechada de previdência complementar não
há o conceito de remuneração por serviços ou produtos, já que “o plano de
custeio [...] estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição de
reservas garantidoras de benefícios [...] e à cobertura das demais despesas
[...]” (LC 109/01, art. 18);
w os participantes e assistidos têm assento nas instâncias decisórias das enti-
dades fechadas de previdência complementar (CF, art. 202, § 6º; LC 109/01,
art. 35, § 1º; LC 108/01, arts. 11 e 15);
w na relação jurídica com a entidade fechada de previdência complementar
não há mercado de consumo, nem tampouco remuneração pela comercialização
de serviços ou produtos; o que há é associativismo, grupo circunscrito de
pessoas (daí o nome de entidade fechada), relação condominial, conjugação
de esforços para uma finalidade social comum, a exemplo do que foi reco-
nhecido nos planos de saúde na modalidade autogestão, por ocasião do
julgamento do REsp 1.121.067/PR, de 2011 (Terceira Turma do STJ);
w as entidades fechadas de previdência complementar são fiscalizadas pela
Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, órgão
do Ministério da Previdência Social, com regime especial de proteção aos
participantes;
w por outro lado, as entidades abertas de previdência complementar são “aber-
tas”, ou seja, acessíveis a quaisquer pessoas físicas, daí a comercialização de
seus produtos no mercado de consumo; são constituídas como sociedades
anônimas e, portanto, com finalidade lucrativa, a estas equiparando-se as
companhias seguradoras (LC 109/01, art. 36); além dos participantes ou
segurados, existe a figura do acionista; não há eleição para representantes
dos participantes; tais entidades são fiscalizadas pela Superintendência de
Seguros Privados – Susep, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda;
Adacir Reis
1 1
w portanto, em face das enormes diferenças entre as entidades fechadas de
previdência complementar, sem fins lucrativos, e as entidades abertas de
previdência complementar e sociedades seguradoras, com fins lucrativos,
entendemos que a Súmula n. 321 do STJ reclama aprimoramento, de modo
a se explicitar que “o CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade
aberta de previdência privada, com fins lucrativos, e seus participantes”.
II) Breve histórico da Súmula n. 321 do STJ
A Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que “o Código
de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de
previdência privada e seus participantes”.
Tendo em vista que a referida Súmula não fez distinção entre as entidades
fechadas e as entidades abertas de previdência privada, o Poder Judiciário tem
aplicado o Código de Defesa do Consumidor indistintamente para todas as
entidades de previdência complementar.
Vale lembrar que a Súmula n. 321 do STJ foi publicada em dezembro de 2005,
ou seja, poucos meses depois de editada a Súmula n. 297, de setembro de 2004,
relativa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor para as relações com
as instituições financeiras.
A proximidade de datas entre a edição de uma súmula e da outra permite
afirmar que a longa discussão sobre a aplicação do CDC para as instituições
financeiras acabou por contaminar, de alguma forma, o rápido debate havido
no STJ acerca da questão da previdência complementar.
Dos cinco julgados do STJ que embasaram a aplicação do CDC para as entidades
de previdência privada (Súmula 321), quatro foram da Terceira Turma e apenas
um da Quarta Turma. O argumento que prevaleceu e acabou orientando os pre-
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1 2
cedentes foi uma consideração abrangente de que as “entidades de previdência
privada”, genericamente retratadas, equiparavam-se às instituições financeiras,
tendo havido até mesmo remissão expressa à Súmula n. 297 dos bancos.
Não se colhe desses poucos precedentes qualquer discussão sobre as enor-
mes diferenças legais e doutrinárias existentes entre as entidades abertas de
previdência complementar (com fins lucrativos) e as entidades fechadas de
previdência complementar (sem fins lucrativos).
Pode-se afirmar com segurança que as entidades abertas de previdência com-
plementar, constituídas na forma de sociedades anônimas, incluindo as com-
panhias seguradoras, que também atuam no ramo da previdência privada,
possuem características similares às instituições financeiras. Por essa ótica, e
para esse ramo da previdência complementar, com fins lucrativos, a edição da
Súmula n. 321 (CDC para a previdência privada), na esteira da Súmula n. 297
(CDC para as instituições financeiras), é perfeitamente compreensível.
Porém, há uma realidade totalmente distinta ao se tratar das relações consti-
tuídas no âmbito da previdência privada operada pelas entidades fechadas de
previdência complementar.
III) As entidades fechadas de previdência complementar
não possuem finalidade lucrativa
Pelas suas características, as entidades fechadas de previdência complementar,
também conhecidas como fundos de pensão, não poderiam ser alcançadas pela
Súmula n. 321.
As entidades fechadas de previdência complementar são entidades sem fins
lucrativos, conforme expressamente dispõe o art. 31 da Lei Complementar n.
109, de 2001:
Adacir Reis
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“Art. 31. [...]
§ 1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou
sociedade civil, sem fins lucrativos. [...].” (grifamos)
Diferentemente das sociedades empresárias, que são organizadas para a
exploração de atividades destinadas ao lucro, as entidades fechadas de pre-
vidência complementar nascem de um ato de inteligência dos trabalhadores
(participantes), que se associam voluntariamente para uma finalidade previ-
denciária, com ganhos de escala e cotização de despesas em favor do próprio
agrupamento social.
Há mobilização de valores, mas não existe o lucro, pois os recursos admi-
nistrados (reservas) pela entidade fechada de previdência complementar
destinam-se exclusivamente ao pagamento de benefícios previdenciários em
favor dos próprios participantes que dela fazem parte.
Não se pode confundir a existência de recursos garantidores de benefícios com
atividade comercial ou lucrativa.
As contribuições dos participantes, somadas às dos patrocinadores (empre-
gadores), destinam-se à constituição de um fundo que, baseado em cálculos
atuariais que levam em conta fatores como longevidade, inflação e retorno
dos investimentos, vai arcar com a complementação de aposentadoria do
agrupamento associativo da entidade fechada de previdência complementar.
Registre-se que a qualificação como entidade de previdência privada não remete
necessariamente à ideia do lucro, mas sim, e antes de tudo, ao fato de que tal
previdência não se confunde com a previdência pública.
Entretanto, é importante atentar para as diferentes formas de estruturação da
previdência privada brasileira, pois há a previdência privada desenvolvida
comercialmente, para fins lucrativos, e a previdência privada desenvolvida para
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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fins exclusivamente sociais, fechada, constituída por um grupo com uma iden-
tidade comum, sem qualquer pretensão de fazer do lucro sua razão de existir.
A entidade fechada de previdência complementar é privada porque seus recur-
sos pertencem a titulares determinados, assim como uma associação cultural,
uma cooperativa habitacional, um plano de saúde na modalidade autogestão
ou mesmo um condomínio de moradores de um edifício. O que move seus
integrantes não é o lucro nem o comércio, mas sim, a partir do esforço organi-
zado, um bem social comum.
Não pretendemos condenar as sociedades que se organizam em busca do lucro,
nem tampouco deixar de reconhecer os grandes avanços obtidos nas relações
de consumo em razão do Código de Defesa do Consumidor. Longe disso. As
empresas com finalidade lucrativa, inclusive instituições financeiras, cumprem
papel relevante, e indispensável, no mundo contemporâneo. O referido Código
funciona como importante ferramenta para a modernização das atividades
empresariais.
Nosso objetivo, no caso específico da previdência complementar, é realçar
que há grandes diferenças jurídicas, conceituais e doutrinárias que devem ser
observadas e respeitadas, inclusive pelo Poder Judiciário.
Sobre a distinção entre entidades fechadas e entidades abertas de previdência
complementar, a Professora Ada Pellegrini Grinover, uma das autoras do an-
teprojeto do CDC, esclarece:
“[...] Não há como, para o fim de aplicação do CDC, equiparar entidades
que, quando menos, se distinguem pela questão da busca do lucro (ino-
corrente nas entidades fechadas). Ora, como visto à saciedade, não há
como pensar na qualificação de uma relação de consumo sem que esteja
estabelecida uma forma de remuneração do suposto fornecedor (ainda
que indireta) e sem que esse esteja organizado ou estruturado precisa-
Adacir Reis
1 5
mente para a obtenção do lucro. [...]. Tudo isso, repita-se, aplica-se com
grande justeza às entidades fechadas de previdência privada, que só por
um equívoco podem ser tratadas como as entidades abertas.”1
A Súmula n. 321 do STJ não delimitou de que previdência privada está tratando,
razão pela qual tem sido invocada genericamente para permitir o enquadramento
de toda e qualquer entidade de previdência complementar no Código de Defesa
do Consumidor, inclusive as entidades fechadas de previdência complementar,
as quais, por comando legal expresso, não têm o objetivo existencial do lucro.
IV) Na relação jurídica com a entidade fechada de previdência complementar não há comércio
ou mercado de consumo
O próprio nome da entidade fechada de previdência complementar já evidencia
que os planos de previdência são de acesso restrito, pois o art. 31 da Lei Com-
plementar n. 109/01 estabelece que a entidade é fechada, ou seja, é acessível
“exclusivamente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e
aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
entes denominados patrocinadores” (inciso I) ou “aos associados ou membros
de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, entes denomi-
nados instituidores” (inciso II).
Portanto, não há que se falar em mercado de consumo.
O que existe é uma relação condominial, na qual tanto as reservas garanti-
doras dos benefícios como as despesas são suportadas por esforço solidário
dos participantes e assistidos do plano previdenciário e, se for o caso, do
empregador (patrocinador).
Não há fornecimento de serviço ou produto, posto que a entidade não comercia-
liza os benefícios previdenciários previstos no regulamento do plano.
1 Ada Pellegrini Grinover, Parecer jurídico à consulta formulada pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Abrapp.
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1 6
A entidade fechada de previdência complementar, sem objetivar o lucro, tem
como missão existencial recolher as contribuições dos participantes e patroci-
nadores, administrá-los e, ao final, converter tais recursos em benefícios pre-
videnciários em favor dos próprios participantes, os quais, ao se aposentarem,
assumem a condição de assistidos.
Sobre o tema, vale traçar um paralelo entre os planos de previdência com-
plementar e os planos de saúde. A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp
1.121.067/PR, de junho de 2011, para efeito de aplicação do CDC, reconheceu
por unanimidade as diferenças entre os planos de saúde comercializados por
operadoras que objetivam o lucro (empresas do mercado) e as entidades de
autogestão:
“A relação jurídica desses planos tem peculiaridades, seja na sua cons-
tituição, administração, obtenção de receitas e forma de associar-se,
completamente diferentes dos contratos firmados com empresas que
exploram essa atividade no mercado e visam o lucro. [...]
O tratamento legal a ser dado na relação jurídica entre os associados
e os planos de saúde de autogestão, os chamados planos fechados, não
pode ser o mesmo dos planos comuns, sob pena de se criar prejuízo e
desequilíbrios que, se não inviabilizarem a instituição, acabarão elevando
o ônus dos demais associados, desrespeitando normas e regulamentos
que eles próprios criaram para que o plano desse certo. [...]
Portanto, as restrições de cobertura ou de ressarcimento a eventos nos
planos de autogestão não violam princípios do Código de Defesa do
Consumidor.” (grifamos)
Tais fundamentos caem como uma luva para os planos de previdência das
entidades fechadas de previdência complementar. Assim como os planos de
saúde na modalidade de autogestão não se confundem com os planos opera-
dos por empresas que objetivam o lucro, as entidades fechadas de previdência
Adacir Reis
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complementar, sem fins lucrativos, não podem ser equiparadas às entidades
abertas, companhias seguradoras e instituições financeiras que operam planos
de previdência complementar com finalidade lucrativa.
Não se trata do pretenso consumidor, de um lado, e da entidade fechada de
previdência complementar, do outro lado.
Há uma comunidade, num circuito fechado, daí o nome de entidade fechada
de previdência complementar. Um conflito entre participantes e a entidade
fechada de previdência complementar é, na verdade, um conflito entre par-
ticipantes e outros participantes da mesma entidade previdenciária, já que
esta não tem vida própria ou patrimônio autônomo, pois os recursos geridos
por essa entidade são destinados exclusivamente ao pagamento de benefícios
previdenciários para os que dela fazem parte.
O Ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, abordou tal tema nos seguintes termos:
“O art. 34 da Lei Complementar n. 109/2001 deixa límpido que as entida-
des de previdência privada fechada apenas administram os planos, isto
é, não são as detentoras de seu patrimônio, de sorte que o acolhimento
da tese dos recorrentes, que é contrária ao previsto quando aderiram ao
plano, coloca em risco o custeio dos benefícios, resultando em prejuízo
aos demais participantes e beneficiários, que são os verdadeiros deten-
tores do patrimônio acumulado.”2 (grifamos)
O conceito de mercado de consumo, a que alude o § 2º do art. 3º da Lei n. 8.078/90
(CDC), baseado na livre iniciativa e no oferecimento de produtos e serviços ao
público em geral, não é compatível com as entidades fechadas de previdência
complementar, as quais são fechadas, ou seja, criadas sob medida para um
agrupamento específico de pessoas. Por expressa disposição do art. 31 da Lei
Complementar n. 109/01, são “acessíveis exclusivamente” aos “empregados
2 REsp 814.465/MS (DJ 24/05/2011).
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de uma empresa ou grupo de empresas”, “servidores da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios” (vide a Lei n. 12.618/2012, que criou a
previdência complementar para os servidores públicos titulares de cargo efetivo
da União) e para “os associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial”.
V) Entidade fechada de previdência complementar:
ausência do conceito de remuneração
O art. 18 da Lei Complementar n. 109/01, ao tratar especificamente dos planos
de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar, não deixa
dúvidas sobre a natureza das contribuições realizadas pelos participantes:
“Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, esta-
belecerá o nível de contribuição necessário à constituição de reservas
garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais
despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador
e fiscalizador.
[...].”
Um fundo de previdência fechado é sempre a soma de esforços de um grupo
(participantes e assistidos) por um objetivo social comum, qual seja, a comple-
mentação de aposentadoria.
Portanto, o conceito de remuneração, que pressupõe contraprestação e margem
de lucro pelo fornecimento de um serviço ou produto no mercado de consumo,
conforme previsto no art. 3º da Lei n. 8.078/90 (CDC), é totalmente estranho
ao universo das entidades fechadas de previdência complementar.
A entidade fechada de previdência complementar não recebe qualquer van-
tagem econômica, pois as contribuições recolhidas e aplicadas destinam-se
exclusivamente à “constituição de reservas garantidoras de benefícios” e à
Adacir Reis
1 9
“cobertura das demais despesas”, conforme dicção expressa do art. 18 da Lei
Complementar n. 109/01.
Assim como não pode haver relação de consumo entre um condômino e o
condomínio (conjunto de condôminos) de determinado edifício residencial, não
parece apropriado falar-se em relação de consumo no interior de uma entidade
fechada de previdência complementar.
Um conflito entre um grupo de participantes ou assistidos do plano de previ-
dência e a entidade fechada de previdência complementar não é um conflito
entre fracos, pretensamente hipossuficientes, e um poderoso fundo de pensão.
Eventual conflito judicial entre um participante ou ex-participante e a entidade
fechada de previdência complementar é um conflito entre os próprios parti-
cipantes, pois, a depender do desfecho da demanda, todos serão chamados
a pagar a conta.
Ignorar tal realidade e aplicar o CDC indistintamente vai levar, como tem
levado, a preocupantes desvirtuamentos. De que forma aplicar a responsabi-
lidade objetiva para a entidade fechada de previdência complementar, como
suposta fornecedora de serviços, ou a inversão do ônus da prova se, ao final e
ao cabo, todos os participantes são solidários e concorrem para a constituição
de reservas que devem lastrear o benefício previdenciário?
José Marcos Lunardelli3, desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região e Vice-Presidente da Associação dos Juízes Federais – Ajufe, esclarece:
“Ocorre que esse aparente conflito individual travestido de um problema
de justiça comutativa ou retributiva escamoteia um conflito distributivo
plurilateral, pois a Entidade Fechada de Previdência Privada nada mais
é do que uma ficção que representa a associação de pequenas poupanças
3 Fundos de Pensão: Aspectos Jurídicos Fundamentais. Capítulo I: Reflexões sobre o Judiciário Brasileiro. Organização: Adacir Reis. Edição Abrapp/ICSS/Sindapp, 2009.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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destinadas a constituir um Fundo comum para garantir o pagamento dos
benefícios previstos no plano aos participantes e assistidos. Trata-se de
um conflito entre o ex-participante e todos os demais participantes que
permanecem no Fundo, pois, ao fim e ao cabo, por força do princípio
do mutualismo, os que permanecerem serão chamados a arcar com o
ônus.” (grifamos)
Se a entidade fechada de previdência complementar for condenada a pagar ou
majorar um benefício para o qual não houve custeio, o fundo previdenciário
vai se desequilibrar e o seu reequilíbrio será alcançado com o esforço de todos
que solidariamente se vinculam ao plano, nos exatos termos do art. 21 da Lei
Complementar n. 109/01 (“O resultado deficitário nos planos ou nas entidades
fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na
proporção existente entre as suas contribuições”).
A exemplo do que ocorre numa cooperativa agrícola, em que os cooperados
arcam com os custos e resultados daquela atividade, o inadimplemento das
obrigações contratuais por um participante, ou a majoração de um benefício
sem o prévio custeio, acaba por gerar consequências negativas para o conjunto
dos participantes do mesmo plano de benefícios, visto que o custeio decorre
de rigorosos cálculos atuariais que levam em conta o total de associados (grupo
fechado) das entidades fechadas de previdência complementar.
Nessa mesma linha de entendimento já se pronunciou a Ministra Maria Isabel
Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça:
“Verifico, pois, que a extensão de vantagens pecuniárias ou mesmo rea-
justes salariais concedidos aos empregados de uma empresa ou categoria
profissional, de forma direta e automática, aos proventos de comple-
mentação de aposentadoria de ex-integrantes dessa mesma empresa ou
categoria profissional, independentemente da previsão de custeio para o
plano de benefícios correspondente, não se compatibiliza com o princípio
Adacir Reis
2 1
do mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada e nem
com dispositivos da Constituição e da legislação complementar acima
mencionada, porque enseja a transferência de reservas financeiras a par-
cela dos filiados, frustrando o objetivo legal de proporcionar benefícios
previdenciários ao conjunto dos participantes e assistidos, a quem, de
fato, pertence o patrimônio constituído.”4 (grifamos)
Se a entidade fechada de previdência complementar é a reunião de um conjunto
de participantes que se associa para um objetivo existencial comum (a comple-
mentação de aposentadoria), não parece apropriado presumir a hipossuficiência
do participante, que passa a ser visto como um consumidor, um destinatário
passivo, em contraposição à entidade fechada de previdência complementar,
retratada não rara vez em processos judiciais como a poderosa fornecedora que
possuiria milhões ou mesmo bilhões de reais. Como já exposto, tais recursos pos-
suem natureza previdenciária e nada mais são do que as reservas garantidoras
dos benefícios desse mesmo conjunto de participantes.
Aliás, não é apenas uma condenação judicial sem o correspondente custeio que
repercutirá para o conjunto dos participantes da entidade fechada de previdên-
cia complementar. O simples ingresso de uma ação judicial contra a referida
entidade previdenciária gera despesas com custas judiciais e com advogados,
peritos e atuários, especialmente se houver inversão do ônus da prova. Tendo
em vista que o compartilhamento de despesas também é solidário e mutualista,
e os recursos são finitos, o conjunto de participantes vai arcar com tais despesas
judiciais, nos exatos termos do art. 18 da Lei Complementar n. 109/01.
Nas entidades fechadas de previdência complementar, o esforço contributivo
do conjunto de participantes decorre de cálculos atuariais, que levam em conta
aspectos como taxa de longevidade e número de dependentes, num regime
mutualista em que o único objetivo finalístico é a constituição de reservas
4 REsp 1.207.071/RJ. DJ 08/08/2012.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
2 2
que garantam o benefício pactuado no regulamento, nos termos dos arts. 18 e
19 da Lei Complementar n. 109/01. Por óbvio, as despesas realizadas para a
consecução desse objetivo comum são também assumidas solidariamente por
todos os partícipes da mesma comunidade associativa.
Ausente o conceito de remuneração por serviço prestado no mercado de consumo
(Lei n. 8.078/90, art. 3º, § 2º), não há como admitir o enquadramento das rela-
ções com as entidades fechadas de previdência complementar no Código de
Defesa do Consumidor. Tal enquadramento partiria de um pressuposto falso,
o de que as entidades fechadas de previdência complementar estariam, como
um ente apartado dos participantes, auferindo vantagens econômicas e lucros
em face de suas atividades previdenciárias.
VI) As entidades fechadas de previdência complementar
são fiscalizadas pelo Ministério da Previdência Social
Em mais uma distinção legal e conceitual a ser observada para efeito de con-
sideração acerca do CDC, as atividades das entidades fechadas de previdên-
cia complementar estão sob a supervisão da Superintendência Nacional de
Previdência Complementar – Previc, autarquia vinculada ao Ministério da
Previdência Social, fato que por si só evidencia a natureza previdenciária e
social de tais entidades sem fins lucrativos.
À Previc, do Ministério da Previdência Social, compete “proteger os interesses
dos participantes e assistidos” (LC 109/01, art. 3º), além de lhe competir priva-
tivamente zelar pelas entidades fechadas de previdência complementar, não
se aplicando a estas os dispositivos do Código de Processo Civil e do Código
Civil que tratam do poder de velamento exercido classicamente pelo Ministério
Público em face das fundações (LC 109/01, art. 72).
Qualquer alteração estatutária ou de regulamento de plano de benefícios,
ouvido o conselho deliberativo da entidade fechada de previdência, deve ser
Adacir Reis
2 3
aprovada prévia e expressamente pela Previc, conforme prevê o art. 33 da Lei
Complementar n. 109/01.
Tais normativos, somados a regras específicas de divulgação de informações e
a um severo regime disciplinar, emprestam a essa relação previdenciária – con-
dominial e solidária – um microssistema especial de proteção aos participantes
das entidades fechadas de previdência complementar.
VII) Não há subordinação na relação com a entidade
fechada de previdência complementar, pois os
participantes, como o nome sugere, participam da gestão
A legislação especial de regência estabelece expressamente que os participantes e
assistidos terão assento nos conselhos deliberativo e fiscal das entidades fechadas
de previdência complementar (LC 109/01, art. 35; LC 108/01, arts. 11 e 15).
Aliás, é a própria Constituição Federal, em seu art. 202, § 6º, que determina que
a lei complementar, ao tratar das entidades fechadas de previdência comple-
mentar, “disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias
de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação”.
O art. 35 da Lei Complementar n. 109/01 e os arts. 11 e 15 da Lei Complementar
n. 108/01 disciplinam a inserção dos participantes nos órgãos colegiados das en-
tidades fechadas de previdência complementar, sendo que este último diploma
legal, em seu art. 11, ao tratar do conselho deliberativo, que é a instância máxima
de deliberação da referida entidade previdenciária, dá o seguinte comando:
“A escolha dos representantes dos participantes e assistidos dar-se-á por
meio de eleição direta entre seus pares.”
Assim, a fragilidade ou vulnerabilidade que caracteriza a relação de consumo
não se verifica no âmbito de uma entidade fechada de previdência comple-
mentar, na qual os próprios associados têm assento obrigatório nas instâncias
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
2 4
decisórias, participando dos esforços não só do custeio das reservas matemá-
ticas e das despesas havidas com a administração do plano de benefícios, mas
também da própria gestão de tais recursos e benefícios.
O Ministro João Otávio de Noronha, do STJ, ao abordar em palestra o tema da
previdência privada brasileira, já se manifestou sobre as peculiaridades das
entidades fechadas de previdência complementar, realçando o fato de que
nessa modalidade de previdência, além de não haver a perseguição do lucro,
os participantes elegem representantes para os órgãos estatutários, deliberam
sobre regulamentos e participam da elaboração e execução da política de in-
vestimentos dos ativos garantidores dos benefícios, daí uma das razões de não
ser apropriada, sob o ângulo jurídico, a equiparação dos fundos fechados de
previdência complementar às instituições financeiras do mercado5.
Nas relações constituídas entre participantes e entidades fechadas de previ-
dência complementar, o que se verifica é o associativismo voltado para uma
finalidade previdenciária, com base em uma gestão participativa e objetivos
sociais comun.
Tal aspecto foi captado por Massami Uyeda, ministro aposentado do STJ, em
artigo intitulado “Reflexões sobre Complementação de Aposentadoria”6, no
qual assevera:
“A paridade na administração e a ausência de fins mercantilistas da
previdência privada fechada (fundos de pensão) retiram dos associados
ou participantes a condição de meros consumidores, como é o caso da
previdência privada aberta, com fins lucrativos.”
5 Palestra proferida em evento do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magis-tratura – Copedem, agosto de 2011.
6 Revista Justiça & Cidadania, setembro de 2011.
Adacir Reis
2 5
Os benefícios pagos pelas entidades fechadas de previdência complementar
estão fixados no regulamento do plano, o qual, seja para entrar em vigor, seja
para ser alterado, depende de aprovação do conselho deliberativo, que é a
instância máxima da entidade de previdência, integrado necessariamente por
representantes eleitos pelos participantes e assistidos, além da necessidade
de sua expressa aprovação pela Superintendência Nacional de Previdência
Complementar – Previc.
Em face de tais constatações, não parece correto afirmar que o participante do
plano fechado de previdência privada, como pretensamente hipossuficiente,
estaria transferindo para um ente mais forte e dele apartado – a entidade fechada
de previdência complementar – determinados riscos e, dessa forma, lavando as
mãos em relação aos resultados por ela auferidos como nas relações securitárias
típicas de uma companhia seguradora.
VIII) As entidades abertas de previdência complementar e
as sociedades seguradoras
Fixadas as características centrais das entidades fechadas de previdência com-
plementar, vale registrar resumidamente os traços essenciais das entidades
abertas de previdência complementar e sociedades seguradoras.
Aqui, sim, cabe a equiparação com as instituições financeiras. Aliás, a rede
bancária é a grande distribuidora dos planos de previdência privada das en-
tidades abertas de previdência complementar e seguradoras que atuam nos
ramos vida e previdência.
O caput do art. 36 da Lei Complementar n. 109/01 dispõe que “as entidades
abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedade anônima e têm
por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário
concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a
quaisquer pessoas físicas”. (grifamos)
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
2 6
O parágrafo único desse artigo define que “as sociedades seguradoras au-
torizadas a operar exclusivamente no ramo vida poderão ser autorizadas a
operar planos de benefícios a que se refere o caput” (grifamos), em manifesta
equiparação das entidades abertas às seguradoras.
Como entidades abertas, “acessíveis a quaisquer pessoas físicas”, existe mer-
cado de consumo, relação de comércio e finalidade lucrativa.
Se nas entidades fechadas de previdência complementar o destinatário único é
o participante, nas entidades abertas e companhias seguradoras, equiparadas
às instituições financeiras, além do participante ou segurado existe a figura do
acionista, ou seja, daquele que investiu na companhia e, superados os compro-
missos com o plano de previdência, está à espera do lucro.
Na esfera das relações com as entidades abertas e com as seguradoras, uma
figura é a do segurado e outra, completamente distinta, é a da sociedade con-
trolada por acionistas.
Obviamente, existem aqui interesses e objetivos que não são inteiramente
comuns, pois o segurado busca ser protegido (consumidor) e a sociedade (for-
necedora) tem por objetivo alcançar o lucro para seus investidores.
Ao contrário das entidades fechadas de previdência complementar, subordina-
das à supervisão do Ministério da Previdência Social, as entidades abertas de
previdência complementar e sociedades seguradoras desenvolvem atividades
de “natureza securitária” (§ 2º do art. 3º da Lei n. 8.078/90) e se submetem à
supervisão da Superintendência de Seguros Privados – Susep, órgão ligado ao
Ministério da Fazenda.
A supervisão das demais atividades de “natureza bancária, financeira e de crédito”,
mencionadas no mesmo dispositivo legal do CDC, também está na estrutura
do Ministério da Fazenda, por meio do Banco Central do Brasil.
Adacir Reis
2 7
Registre-se ainda que na gestão de tais entidades abertas e seguradoras não
há previsão de qualquer inserção dos participantes e assistidos nas instâncias
decisórias, pois suas estruturas de governança são regidas pela Lei das Socie-
dades Anônimas.
IX) Conclusões
Conforme acima exposto, em face das enormes diferenças entre as entidades
fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos, e as entidades abertas
de previdência complementar e sociedades seguradoras, com fins lucrativos,
entendemos que a Súmula n. 321 do STJ reclama aprimoramento, de modo a
se explicitar que “o CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade aberta
de previdência privada, com fins lucrativos, e seus participantes”.
* Adacir Reis é Advogado e Presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. Foi Secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social.
PARECER JURÍDICO SOBRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
E AS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
Ada Pellegrini Grinover *
A CONSULTA
Honra-me o ilustre advogado Dr. Roberto Eiras Messina, encaminhando
consulta, acompanhada de documentos, com pedido de parecer em nome
da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Comple-
mentar – Abrapp.
Indaga a Consulente acerca da inaplicabilidade do Código de Defesa do Con-
sumidor, bem como do Enunciado n. 321 da Súmula do STJ à relação jurídica
instaurada entre as entidades fechadas de previdência complementar e os seus
respectivos participantes.
Conforme narra a Consulente, o Enunciado n. 321 da Súmula do STJ – “O Có-
digo de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade
de previdência privada e seus participantes” – teria sido editado a partir de
cinco precedentes julgados pelo STJ: REsp 591.756-RS, REsp 567.938-RO, REsp
600.744-DF, REsp 306.155-MG e REsp 119.267-SP.
Ada Pellegrini Grinover
2 9
Em apertada síntese, registra a Consulente que os aludidos julgados concluí-
ram pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às entidades de
previdência complementar fundada nas seguintes premissas:
i) por força do art. 29 da Lei n. 8.177/91, as entidades de previdência
privada seriam equiparadas às instituições financeiras que, por sua vez,
se submetem às regras consumeristas, conforme preceitua o Enunciado
n. 297 do STJ;
ii) os participantes dos planos de previdência privada poderiam ser caracte-
rizados como consumidores, uma vez que adquirem serviço na qualidade
de destinatários finais;
iii) os participantes dos planos de previdência privada seriam vulneráveis
técnica, jurídica e economicamente diante das entidades de previdência
privada, o que seria ainda corroborado diante da constatação de que os
contratos de previdência privada seriam notadamente contratos de adesão;
iv) as entidades de previdência privada poderiam ser caracterizadas como
fornecedoras, uma vez que são constituídas com a finalidade de prestar
determinado serviço mediante a cobrança de remuneração, sendo que o
fato de o produto ou o serviço ser ofertado apenas para determinado grupo
e não ao público em geral não descaracterizaria a relação de consumo; e
v) não haveria incompatibilidade entre as normas consumeristas e as normas
específicas que por sua vez regulam as entidades de previdência privada.
Contudo, salienta a Consulente que o referido Enunciado n. 321 teria sido
editado de maneira equivocada, uma vez que, nos termos do art. 12, parágrafo
único, inciso III do Regimento Interno do STJ, seria necessária a caracterização
de entendimento jurisprudencial uniforme das Turmas, ao passo que, dos cinco
arestos acolhidos como precedentes para a edição do aludido Enunciado, quatro
foram julgados pela Terceira Turma, ao passo que apenas um foi julgado pela
Quarta Turma, sendo ainda que este último envolvia a questão da aplicabilidade
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
3 0
do Código de Defesa da Consumidor apenas às entidades abertas de previ-
dência privada e não às entidades fechadas, havendo, portanto, tão somente
a configuração de uniformização do entendimento jurisprudencial de uma
única Turma no que tange à incidência do Código de Defesa do Consumidor
às entidades fechadas, de maneira que o referido Enunciado, quando muito,
só poderia ser aplicado às entidades abertas de previdência complementar.
Demais disso, além da inaplicabilidade do Enunciado n. 321 da Súmula do STJ às
entidades fechadas, aduz a Consulente que existiriam fundamentos relevantes
que também conduziriam ao afastamento das normas consumeristas no âmbito
dos planos de previdência complementar fechados, quais sejam:
i) a inexistência de finalidade lucrativa e empresarial, uma vez que o pa-
trimônio de tais entidades e respectivos rendimentos são integralmente
revertidos para a concessão e manutenção dos benefícios previdenciários
aos seus participantes;
ii) a ausência de concorrência e de livre disponibilização de produtos e
serviços no mercado, uma vez que as entidades fechadas de previdência
complementar ofertariam serviços de abrangência restrita, destinados
somente a um grupo determinado de pessoas e não ao amplo mercado de
consumo;
iii) os sujeitos e o objeto da relação jurídica previdenciária, bem como as ati-
vidades das entidades de previdência privada são regulados por normas
próprias que, por serem especiais em relação ao Código de Defesa do
Consumidor, prevalecem em detrimento das normas consumeristas;
iv) os participantes de entidade fechada de previdência privada têm a prer-
rogativa de ingerência nos contratos, de busca do acertamento de situa-
ções pessoais, de exigência de prestação de contas particularizada e de
representação nos conselhos deliberativos e fiscais das entidades de que
participam; e
Ada Pellegrini Grinover
3 1
v) a relação previdenciária desenvolve-se no âmbito da ordem social, ao passo que a relação de consumo, por sua vez, desenvolve-se no âmbito da ordem econômica e financeira.
Assim, sumariamente relatada a questão, a Consulente formula indagação úni-ca, consistente em saber se as relações que se estabelecem entre Fundos de Previdência Privada Fechada e respectivos participantes podem ser qualificadas como relações de consumo, regidas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Bem examinada a questão, inclusive pelos documentos que a instruem, passo a proferir meu parecer, que se cingirá ao objeto da supramencionada indagação.
O PARECER
I) Delimitação conceitual de consumidor
A configuração de uma típica relação de consumo, tarefa que nem sempre se apresenta fácil, passa pelo exame de diferentes elementos que, somados, auto-rizam semelhante qualificação. Na realidade, tais componentes se entrelaçam, complementam-se e acabam formando uma unidade coerente. Basta pensar na busca conceitual de consumidor e de fornecedor; conceitos que bem poderiam ser assemelhados a dois lados de uma mesma moeda. Sem embargo disso, o exame desses elementos de forma segmentada pode ser metodologicamente útil, como forma de sistematizar o tratamento de uma matéria que, como dito, muitas vezes é permeada de dificuldades.
Tomando-se justamente o binômio acima mencionado, principie-se por lembrar que, no direito positivo brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) estabeleceu ser consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” e ser fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, monta-gem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (respectivamente,
arts. 2º e 3º da referida Lei).
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
3 2
Mas a conceituação legal é ainda insuficiente na medida em que, apesar da definição objetiva contida no texto, é preciso determinar o que se deve entender por “destinatário final”, para que, definindo-se quem é consumidor, seja pos-sível determinar quais as relações jurídicas reguladas pelo aludido estatuto; o que, como bem observou Cláudia Lima Marques, “envolve a necessidade de uma visão clara tanto do critério da ‘pessoa’ (quem é consumidor), quanto do critério da “matéria” (quais as relações abarcadas pela lei)”1.
A corrente finalista é amplamente dominante no Brasil e no exterior. Conforme lembra a suprarreferida jurista, que a adora, “a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial”, interpretando-se a expressão “destinatá-rio final” “de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º”. E, nessa linha de pensamento, ainda conforme lição da referida e festejada autora, destinatário final “é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física” 2. (grifei)
Assim, “sendo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residên-cia, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço”3. (grifei)
Após exame das experiências francesa, belga e alemã, a citada jurista encampa a posição acima referida, observando textualmente que “a regra do art. 2º deve
1 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 98/99.
2 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 100. Essa corrente se contrapõe à Teoria Maximalista que é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço.
3 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 100.
Ada Pellegrini Grinover
3 3
ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código e con-
forme a finalidade da norma, a qual vem determinada de maneira clara pelo art. 4º do CDC”, de tal sorte que “só uma interpretação teleológica da norma do art. 2º permitirá definir quem são os consumidores no sistema do CDC”. De forma bastante expressiva, explica a consumerista que “O destinatário final é o Endverbraucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ‘ao adquirir
ou simplesmente utilizá-lo’ (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor. Portanto, em princípio, estão submetidos às regras do Código os contratos firmados entre o fornecedor e o consumidor não profissional, mas que, no contrato em questão, não visa lucro, pois o contrato não se relaciona com sua atividade profissional, seja este consumidor pessoa física ou jurídica”4. (grifei)
Na doutrina brasileira, esse é o pensamento largamente dominante. José Geraldo Brito Filomeno, por exemplo, salienta que o conceito de consumidor positivado pela lei brasileira tem caráter econômico, considerando-se con-sumidor aquele que adquire bens ou serviços como destinatário final, para atender a uma necessidade própria. Disse referido autor que “o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado
de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra
atividade negocial”5. (grifei)
4 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 107.
5 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 2001, p. 27.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
3 4
Nessa linha de raciocínio, Brito Filomeno complementa observando que pre-
valeceu no direito posto “a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como
‘consumidores’ de produtos e serviços, embora com a ressalva de que assim
são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que
adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade
lucrativa”6. (grifei)
Nesse mesmo diapasão, Arnoldo Wald observou que: “o consumidor protegido
pela lei é, pois, a pessoa que, para as suas necessidades pessoais, não profissio-
nais, contrata o fornecimento de bens e/ou serviços não os repassando a terceiros
nem os utilizando como instrumento de produção”7 (grifei). Da mesma forma
Roberto Senise Lisboa: “somente será consumidor quem adquirir ou se utilizar
de um produto ou serviço como ‘destinatário final’, ou seja, como sujeito que
retira o objeto do mercado de consumo, para uso próprio ou familiar, encer-
rando, desse modo, a cadeia econômica de consumo”8 (grifei). Assim também
José Reinaldo de Lima Lopes lecionou que “consumir é o contrário de investir e
produzir. Daí a expressão de nossa lei: ‘como destinatário final’. O consumidor
faz para si, não para o mercado. O que adquire é para seu consumo: não são
bens de capital”9. (grifei)
Ainda nesse mesmo sentido, Fábio Konder Comparato, com inegável auto-
ridade, lembrou que consumidores são aqueles “que não dispõem de controle
sobre bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos
6 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 2001, p. 29.
7 Cf. Arnold Wald, O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras, in RT 666/13.
8 Cf. Roberto Senise Lisboa, Contratos difusos e coletivos, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, p. 300.
9 Cf. José Reinaldo Lima Lopes, Responsabilidade civil do fabricante e da defesa do consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 80.
Ada Pellegrini Grinover
3 5
titulares destes”, enfatizando que “o consumidor é, pois, de modo geral, aquele
que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é,
os empresários”10. (grifei)
Na doutrina estrangeira, colhe-se a lição do Professor belga Thierry Bourgoignie, segundo quem “o que caracteriza o consumidor é que não há mais, neste estágio do ciclo econômico, de produção, de transformação, de distribuição, de nova prestação, senão fora de toda atividade comercial ou profissional”11 (grifei). Assim também a lição de Carmen Moreno-Luque Casariego que, ao tratar do tema do âmbito de aplicação do conceito de consumidor na legislação espanho-la, afirmou ser a noção de consumidor utilizada pela “LCU – Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios”, a noção concreta de consumidor, sustentando que “mucho más restringida es la noción de consumidor como consumidor final, entendiéndose por este a la persona que adquiere bienes o
servicios para su uso privado, incluyendo en esse uso privado, un uso familiar o doméstico. La diferencia entre ambas nociones esta en que el consumidor final no puede ser un empresario que realice la operación dentro del ámbito de la actividad de su empresa”12. (grifei)
Ainda no âmbito de aplicação da LCU, observou Maria Jose Reyes Lopez que “el criterio de determinación de la finalidad que motive la adquisición del
bien o la contratactión del servicio, lo que es equivalente a determinar en qué personas redunda la utilidad de la adquisición o el disfrute del producto o servicio y el destino asignado a los mismos. Y es que, el espíritu de la Ley general para la defensa de los consumidores y usuarios, como se refleja en su Exposición de Motivos, es proteger a los adquirentes o destinatarios finales de
los bienes o servicios, de los que se presume que se encuentran en una situación
10 Cf. Fábio Konder Comparato, A proteção ao consumidor: importante capítulo do direito econômico, in Revista de Direito Mercantil 15-16.
11 Cf. Thierry Bourgoignie, O conceito jurídico de consumidor, in Direito do consumidor 2/7.
12 Cf. Carmen Moreno-Luque Casariego, Derecho de consumo, Oviedo, Editorial Forum S.A, 1995, p. 75.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
3 6
de desprotección económica respecto a las empresas y que constituyen la parte
más desasistida del contrato. Atendiendo a este criterio son adquirentes fina-les, tanto las personas físicas como las jurídicas, siempre que la utilización que hicieren de los productos, bienes muebles o inmuebles, actividades, servicios o funciones queden al margen de la actividad productiva”13. (grifei)
II) Continuação: a questão da vulnerabilidade
Por outro lado, não se desconhece que parte da doutrina, ao buscar alargamento do campo de incidência de normas especiais de tutela ao consumidor, recorre à ideia de vulnerabilidade para, eventualmente, justificar maior amplitude na aplicabilidade das citadas regras particulares a pessoas ou a entes profissionais. Dessa forma, não apenas a qualidade de “destinatário final” do produto ou do serviço caracterizaria o consumidor como tal, mas também sua qualidade de parte frágil na relação contratual. Esse é, aliás, um dos fundamentos que orien-taram a tantas vezes mencionada Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça.
Contudo, como bem disse Cláudia Lima Marques acerca do recurso a esse conceito, como forma de preconizar a extensão da tutela legal dedicada ao consumidor, “trata-se, porém, da exceção e não da regra” (grifei); quando muito uma espécie de válvula de escape para casos limítrofes, dando à jurisprudência alguma margem para alargamento dos princípios encampados pelo Código de Defesa do Consumidor para contratos que, por regra, a eles não estão sujeitos. A propósito, note-se que a vulnerabilidade técnica, no sistema do Código de Defesa do Consumidor, é presumida para o consumidor não profissional; não para o
profissional, isto é, para aquele que não é destinatário final do bem, inclusive
por empregá-lo em sua própria cadeia produtiva14.
13 Cf. Maria Jose Reyes Lopez, Derecho de consumo – la protección del consumidor en los contratos de compraventa de viviendas, de arrendamento de obra y financiación, Espanha, Editorial General de Derecho S.L., 1993, pp. 47/48.
14 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 107 e 106, respectivamente.
Ada Pellegrini Grinover
3 7
O mesmo se dá – além da vulnerabilidade técnica – com a vulnerabilidade jurí-
dica ou científica, entendendo-se, conforme pensamento exposto ainda uma vez por Lima Marques, que profissionais “devem possuir conhecimentos jurídicos mínimos e sobre a economia para poderem exercer a profissão, ou devem poder consultar advogados e profissionais especializados antes de obrigar-se”15. Da mesma forma, para que se pudesse reconhecer uma suposta vulnerabilidade “fática ou socioeconômica” – para, por argumentação, ensejar excepcional alargamento do âmbito das normas especiais do consumidor –, seria preciso divisar no fornecedor posição de autêntico “monopólio, fático ou jurídico”, a impor uma “superioridade a todos que com ele contratam”16. (grifei)
Ademais, embora a vulnerabilidade seja presumida em relação ao consumidor (=destinatário final de produto ou serviço colocado no mercado de consumo), não parece correto definir quem seja consumidor tão somente a partir da ideia de vulnerabilidade ou mesmo de hipossuficiência. Isso não apenas afrontaria o texto legal (que empregou critério objetivo em seu art. 2º) mas também poderia levar a graves distorções do sistema: sendo o destinatário final do produto ou serviço (=consumidor) pessoa com conhecimento técnico, jurídico e científico, além de ostentar posição socioeconômica quiçá superior à do próprio fornecedor, poder-se-ia, a seguir aquele critério, chegar à conclusão de que o consumidor não mereceria a proteção diferenciada, por não ser vulnerável. O que, convenha--se, seria um verdadeiro despropósito.
De outro lado, vulnerabilidade e hipossuficiência – vista como discrepância so-cioeconômica entre as partes – não são necessariamente conceitos idênticos. Conforme observou Roberto Senise, “por ser reconhecido internacionalmente como a parte mais fraca da relação de consumo – item 1 da Res. 09/04/1985 da Organização das Nações Unidas (ONU) –, o consumidor tem em seu favor
15 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 106.
16 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 106.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
3 8
o princípio da sua vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, I, da Lei n. 8.078/90)”. Mas ressalvou: “Não se confunde a vulnerabilidade, entrementes, com a hipossuficiência, de vez que aquela se restringe à relação jurídica de consumo em si, enquanto esta compreende, ainda, a análise socioeconômica das partes inseridas no mercado de consumo. Tanto é assim que a vulnera-
bilidade do consumidor sempre incide nas relações de consumo, mas a hipos-suficiência não, pois a inversão do ônus da prova poderá suceder no caso de o juiz considerar o destinatário final de produtos e serviços hipossuficiente. Portanto, nem sempre o consumidor é hipossuficiente; sempre será, porém, vulnerável.”17 (grifei)
Assim, reconhecer que uma das partes, em dada relação contratual, possa ser hipossuficiente ou mesmo “vulnerável” não é pressuposto suficiente para que se qualifique uma relação jurídica como sendo de consumo e, portanto, sujeita às regras particulares e especiais do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, é oportuno observar que o direito privado “comum” não desconhece, pelo trabalho da doutrina e da jurisprudência, hoje positivado no Código Civil em vigor, princípios como os da boa-fé objetiva e da função social do contrato, princípios esses que são aptos a, quando da efetiva aplicação do direito ao caso concreto, resolver questões postas entre partes não necessariamente protago-nistas de uma relação de consumo.
III) Delimitação conceitual de fornecedor
Passando ao “outro lado da moeda”, cumpre examinar o conceito legal de fornecedor que, naturalmente, deve guardar coerência com tudo o que foi dito a propósito de consumidor; a principiar da verificação básica de que uma figura
exclui a outra18.
17 Cf. Roberto Senise Lisboa, Contratos difusos e coletivos, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 300.
18 Cf. Ada Pellegrini Grinover, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 2001, p. 29.
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3 9
Sobre o tema, Cláudia Lima Marques, cujas lições foram tantas vezes lembra-
das, reconheceu que a definição de fornecedor de produtos é ampla, sendo que
o critério caracterizador consiste em “desenvolver ‘atividades’ tipicamente
‘profissionais’, como a comercialização, a produção, a importação, indicando
também a necessidade de uma certa habitualidade, como a transformação, a
distribuição de produtos”19 (grifei). De forma análoga, Roberto Basilone Leite
registrou que “o que caracteriza a relação de consumo é o ‘profissionalismo’
do ato de venda do produto ou prestação do serviço. Só se considera relação
de consumo aquela que implique o fornecimento de produto ou serviço com
caráter profissional, ou seja, com intuito comercial”20. (grifei)
Nessa mesma linha, Newton de Lucca destacou que “A prestação de serviços,
assim, para sujeitar-se ao regime jurídico do CDC, deve consistir, primeiramen-
te, numa atividade – e não num simples ato, conforme já terá ficado demonstra-
do – e deve ser fornecida no ‘mercado de consumo’”. Assim, indagou referido
comercialista: “Como imaginar, com efeito, uma prestação de serviços que esteja
fora do mercado de consumo?” Descartando uma possível inutilidade da ex-
pressão contida no texto do § 2º do art. 3º da Lei n. 8.078/90, Newton de Lucca
bem apontou que ela “se repete, por mais de uma vez, no contexto do art. 4º do
CDC, um dos mais importantes do Código. Reaparece no inciso I, relativo ao
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nesse mercado de consumo.
Ressurge, novamente, na alínea ‘c’ do inciso II, desse mesmo art. 4º, no sentido
da ação governamental para proteger efetivamente o consumidor mediante
a presença do Estado no mercado de consumo. Torna a reaparecer, ainda, por
nada menos do que três vezes, nesse art. 4º: no inciso IV, que alude à educação
e à informação dos fornecedores e dos consumidores quanto a seus direitos
e deveres, tendo em vista o aprimoramento do mercado de consumo; no inciso
19 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 116.
20 Cf. Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, São Paulo, LTr, 2002, p. 43.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
4 0
VI, que trata da coibição e repressão eficientes a todos os abusos praticados no
mercado de consumo, quer sejam provenientes de atos de concorrência desleal,
quer oriundos da utilização indevida de inventos e de criações industriais das
marcas, nomes comerciais e sinais distintivos que possam causar prejuízo aos
consumidores; e, finalmente, no inciso VIII, concernente ao estudo constante
das modificações ocorridas no mercado de consumo”. Daí concluir que:
“Dessa singela observação, parece decorrer, necessariamente, a ideia de
que o mercado de consumo não é mera expressão expletiva que possa
ser considerado descartável na interpretação dos textos onde ela apa-
rece. Não é simples complemento da frase ou uma espécie de adorno de
linguagem. Trata-se, antes, de mais um componente indispensável para
a devida caracterização da relação de consumo.”21 (grifei)
Nesse contexto, dois elementos aparecem como rigorosamente indispensáveis:
a remuneração efetuada pelo consumidor em prol do fornecedor e, como con-
sequência disso e do caráter profissional desse último, a busca de lucro. Um e
outro conceito, por outro lado, ligam-se intimamente à noção de produto ou
serviço postos à disposição do mercado de consumo.
Quanto à remuneração, lembre-se que se trata de condição imposta pelo art. 3º
do CDC para a configuração da relação típica de consumo. Trata-se de conceito
que, sem dúvida, vai além da clássica distinção própria do direito privado, en-
tre negócios onerosos e gratuitos, de tal sorte que a opção da lei consumerista,
como destacou Cláudia Lima Marques, “permite incluir todos aqueles contra-
tos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação
escondida), uma remuneração indireta do serviço de consumo”22.
21 Cf. Newton de Lucca, Teoria geral da relação jurídica de consumo, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2001, pp. 150/151.
22 Cf. Cláudia Lima Marques, Comentários ao código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 114.
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4 1
Como lembraram Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e
James Marins, a regra contida no § 2º do art. 3º do CDC definiu serviço como
toda a atividade remunerada fornecida no mercado de consumo. Pela expres-
são “mediante remuneração”, disseram referidos autores, deve-se entender
“não apenas como representativa da remuneração direta, isto é, o pagamento
diretamente efetuado pelo consumidor ao fornecedor. Compreende também a
remuneração do fornecedor o benefício comercial indireto advindo de presta-
ções de serviços aparentemente gratuitas assim como a remuneração ‘embutida’
em outros custos”23.
Nas palavras de Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano,
serviço consiste “na prestação positiva de algo economicamente relevante de
uma parte a outra mediante contraprestação igualmente de ordem econômi-
ca (remuneração)”, de tal sorte que “Sem remuneração não há falar-se em
serviço”24. Ou, como asseverou Tupinambá Miguel Castro do Nascimento,
serviço consiste na “prestação de atividade, é o laborar em favor de outrem”.
Contudo, com grande acerto, ressalvou que “Nem toda atividade, porém,
ingressa no conceito que interessa à lei de proteção ao consumidor. Primeiro,
tem que ser atividade que se localiza no mercado de consumo. E, mais do que
isto, “atividade remunerada”. Aqui, o caráter de ser gratuito o serviço prestado
exclui da lei a atividade”25. (grifei)
Para Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes, calcados na premissa de
que “A própria lei consumerista declara expressamente que serviço ‘é qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração’, somente
‘desenvolve atividade’ quem obtenha benefícios, ganhos e lucros, diretos ou
23 Cf. Arruda Alvim, Thereza Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins, Código do consu-midor comentado, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 37/38.
24 Cf. Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano, Código de defesa do consumidor inter-pretado, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, pp. 28/29.
25 Cf. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Comentários ao código do consumidor, Rio de Janeiro, Aide Editora, 1991, p. 25.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
4 2
indiretos, com tal ação, trazendo um novo elemento básico, que é a noção de
profissionalidade”26. (grifei).
Entra aí, portanto, o segundo dos elementos supradestacados, que é a atividade
dirigida à busca do lucro.
Conforme corretas considerações de Bernardo Strobel Guimarães, “A conjuga-
ção do conceito de ‘produto’ com o de ‘fornecedor’ (absolutamente necessária)
indica que não basta que se oferte bem a alguém”, sendo necessário que tal
procedimento revista-se “do mínimo de organização econômica para ser objeto
de uma relação de consumo”. E é essa nota de organização econômica, com
vistas ao lucro, prosseguiu referido autor, que “separa o conceito de ‘bem’ (que
dela pode prescindir) do de ‘produto’” 27. (grifei)
Segundo Guimarães, produto, na acepção do CDC, é conceito que “requer
um plus em relação a bem para ser caracterizado como objeto da relação de
consumo. Nesta linha, todo produto é um bem (como afirma taxativamente o
CDC), mas nem todo bem é um produto”. A linha distintiva entre eles, prosse-
guiu, existe na medida em que “para que haja um ‘produto’ é absolutamente
necessário que se revista o processo de um intuito econômico”, ao passo que “no
caso de bens isto não se faz necessário, ou seja, não é imprescindível”. E frisou:
“produto é resultado de um processo de produção que, para fins do direito
do consumidor, reveste-se de organização econômica com o intuito de lucro.
É esta inteligência do vocábulo utilizado pelo CDC que corretamente remete à
noção de organização de fatores econômicos com o intuito de lucro.”28 (grifei)
26 Cf. Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes, Questões controvertidas no código de defesa do consumidor, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, pp. 87/90.
27 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por entidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169.
28 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por entidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169 e seguintes.
Ada Pellegrini Grinover
4 3
De forma análoga, Roberto Senise Lisboa afirmou que “O legislador consume-
rista procurou relacionar a ideia de ‘produto’ a ‘bem’; e a noção de ‘serviço’ à
‘atividade’. O critério distintivo básico entre o serviço e produto é a atividade
profissional do fornecedor ser preponderante para a outorga de um bem material
ou imaterial. A diferença expressa entre produto e serviço teve como objetivo,
indubitavelmente, inviabilizar a incidência do Código de Defesa do Consu-
midor sobre a relação jurídica cujo objeto fosse a atividade humana, porém
não remunerada”. Daí por que “’Serviço’ é qualquer atividade remunerada
lançada no mercado de consumo por uma pessoa física ou jurídica, exceção
feita à relação trabalhista”29. (grifei).
Ainda a propósito do tema, Bernardo Strobel Guimarães salientou também
que a tradição de dinheiro ou de qualquer outro fenômeno que lhe faça as
vezes “não é elemento integrante do conceito de remuneração”, dado que “A
circulação de dinheiro entre os sujeitos é meramente acidental e não se conecta
à essência da remuneração”. Consequência disso é que “se é verdade que pode
haver remuneração sem pagamento é também verdade que pode haver paga-
mento sem que se efetive remuneração. Ambas as hipóteses são suportadas pelo
conceito escorreito de remuneração, enquanto vantagem econômica”30. (grifei)
Explorando esse importante aspecto da relação de consumo, Guimarães bem
destacou que “Tanto decorre do próprio conceito de remuneração que, como
visto, não se caracteriza ou depende do pagamento (elemento acidental) e,
em verdade, diz respeito à fruição por parte de quem oferta uma vantagem
econômica que reverte em seu favor. Assim, é perfeitamente admissível que
possa também não haver remuneração mesmo com a troca de dinheiro; mes-
29 Cf. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000, pp. 314/315.
30 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por entidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
4 4
mo havendo pagamento não há efetiva vantagem econômica para aquele que
oferece a utilidade a ser fruída”. Dessa maneira, “não haverá remuneração
quando não houver exploração econômica (com intuito de lucro) das utilidades
ofertadas. Frise-se, que, por vezes, inclusive, pode ser que haja um pagamento
pela utilidade, contudo, caso não haja vantagem econômica para quem a oferta
não haverá remuneração efetivamente” 31. (grifei)
Para verificar-se se há remuneração, ou não, prosseguiu ainda o mesmo autor,
“é de se empreender uma dupla pesquisa; primeiramente, é de ver se a pró-
pria estrutura do prestador da utilidade se orienta ao lucro (i.e. à obtenção de
vantagem econômica) e, posteriormente, é de se analisar se efetivamente não
está havendo de fato nenhuma apropriação econômica indevida das vanta-
gens advindas do oferecimento dos produtos ou serviços” (grifei). Assim, em
relação ao primeiro desses requisitos, “há arranjos jurídicos que, efetivamente,
mesmo disponibilizando produtos ou serviços não o fazem visando vantagens
econômicas e, pois, não se remuneram na acepção que estamos empregando
no presente estudo”, ilustrando com as “entidades privadas que atendem a
finalidades de interesse socialmente relevantes, cuja atividade desempenhada
não visa ao lucro”. Trata-se de formas de atribuição de personalidade jurídi-
ca que “não se vinculam ao desenvolvimento de atividades com finalidade
econômica”, de modo a impedir que “se trabalhe com o conceito de remune-
ração”. Em suma: “pode desenvolver-se atividade econômica sem finalidade
econômica” 32. (grifei)
31 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por en-tidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.
32 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por en-tidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.
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4 5
IV) Continuação: entidades cujo objetivo social é
resultado da vontade dos próprios partícipes
As considerações precedentes sugerem o tema da submissão – ou não – de certos
entes jurídicos que, conquanto possam até desenvolver alguma atividade de
conteúdo econômico, não se caracterizam propriamente por uma finalidade
econômica. Falta-lhes a organização com vistas ao lucro e, por isso, conquanto
possam até mesmo proporcionar a fruição de determinados bens, nem por isso
colocam um produto no mercado de consumo. Na atuação desses entes pode
até mesmo haver a circulação de dinheiro entre os envolvidos, sem que isso
caracterize, em um sentido mais estrito, uma remuneração; precisamente porque,
mesmo havendo pagamento, não há efetiva vantagem econômica para aquele
que oferece a utilidade a ser fruída.
Trata-se, segundo Bernardo Strobel Guimarães, cujas considerações são aqui no-
vamente invocadas, de entes ou universalidades de direito em relação às quais
“o benefício havido com a prestação de utilidades não se destina à apropriação
privada e sim para satisfação exclusiva dos objetos sociais que, no mais das
vezes, vinculam-se a finalidades incentivadas pela ordem jurídica”, de tal modo
que a finalidade dessa esfera de atuação “é a própria satisfação dos que recebem
as prestações (que podem ser produtos ou serviços)”. Nesses casos, “o tônus
da relação” reside “na própria figura do destinatário da prestação, sendo que
o particular ordena suas ações para tanto, permite que se invoque a figura do
regime de função”. Dessa maneira, nesses casos, “o destinatário de prestações
a título não econômico constitucionalmente não pode ser configurado como
consumidor (apenas o poderia numa acepção leiga), pois sua tutela se dá sob o
influxo de uma relação funcional, enquanto na relação de consumo o interesse
do prestador é o seu mesmo”33. (grifei)
33 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por en-tidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
4 6
A propósito desse tema, José Geraldo Brito Filomeno falou de certas “uni-versalidades de direito ou mesmo de fato, como, por exemplo, associações desportivas ou condomínios, que propiciam serviços – bens, diríamos nós, com apoio nas considerações precedentes – tais como lazer, esportes e manutenção de áreas comuns”34. De forma rigorosamente correta, referido autor observa ser “evidente que aqueles entes, despersonalizados ou não, não podem ser conside-rados como ‘fornecedores’. E isto porque, quer no que diz respeito às atividades associativas, quer no que concerne aos condomínios em edificações, seu fim ou objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados ou não por intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação direta em assembleias gerais que, como se sabe, são os órgãos deliberativos soberanos nas chamadas ‘sociedades contingentes’”. E mais:
“Decorre daí, por conseguinte, que quem delibera sobre seus destinos são
os próprios interessados, não se podendo dizer que eventuais serviços
prestados pelos seus empregados, funcionários ou diretores, síndico e
demais dirigentes comunitários, sejam enquadráveis no rótulo ‘fornece-
dores’, conforme a nomenclatura do Código de Defesa do Consumidor.”35
(grifei)
Dando idêntico destaque para o papel que os filiados de certo ente tenham nos respectivos rumos, Roberto Senise Lisboa, ao tratar de entidade que não tem propriamente finalidade de lucro, assinalou que, para que seja ela considerada fornecedora, “é indispensável que ela forneça alguma atividade em prol de ‘filiados’, que possuem a obrigação de pagar uma manutenção periódica, mas que não têm qualquer poder deliberativo para influir, fazendo prevalecer a sua vontade nas decisões do ente moral”36. (grifei)
34 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, pp. 45/46.
35 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, pp. 45/46.
36 Cf. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2000, p. 238.
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4 7
Particularmente nas situações que envolvem interesses de diferentes pessoas
enfeixados por uma relação de condomínio, fica clara a impossibilidade de se
qualificar o vínculo como submetido às normas especiais que tutelam o consu-
midor. A propósito disso, para ilustrar, Danielle Machado Soares – tratando de
condomínio de águas – bem destacou que, aí, “não existe a figura do fornecedor
de serviço. Apenas existem pessoas que se encontram vinculadas por uma si-
tuação de carência que as une, e que sozinhas não poderiam suportar o ônus
proveniente do poder público, por ser este muito elevado, motivo pelo qual
concordam, expressamente ou tacitamente, em somar seus esforços para bene-
ficiarem em conjunto de um bem essencial que é a água. Todas são ao mesmo
tempo destinatárias da água e fornecedoras de si mesmas, só que não numa
relação de subordinação, mas de igualdade. A materialização dessa relação se
dá através do rateio de despesas entre todos os beneficiários, que provém da
construção e da conservação da rede hídrica, incluindo a energia utilizada, o
funcionário que cuidará da rede, com os devidos encargos trabalhistas, o ma-
terial para tratar a água, etc.”. E, de forma muito proveitosa para os termos da
presente consulta, pela analogia que propicia, concluiu referida autora:
“Assim, se um condômino deixar de contribuir para o sistema, os demais
terão de suportar as despesas do inadimplente, pois se houver a parali-
sação por falta de verba todos serão prejudicados.
Logo, como não se caracteriza a relação de consumo entre os condôminos
de fato, por serem estes os seus próprios gestores de suas necessidades,
consequentemente, não há que se aplicar o CDC”37. (grifei)
Nessa linha de raciocínio – que, frise-se, pode ser aplicada por analogia ao ob-
jeto da consulta – a jurisprudência é excelente fonte de exemplos a demonstrar
37 Cf. Danielle Machado Soares, ‘Condomínio de Águas’ – situações de fato ou de direito privado?, in Revista da EMERJ 21/150-151.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
4 8
que a reunião de pessoas, com as características anteriormente indicadas, não
autoriza a qualificação da relação daí resultante como de consumo.
Para ilustrar, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “O Código de
Defesa do Consumidor, embora muitos o considerem mesmo um ‘sobredirei-
to’, não pode ultrapassar os limites das relações de consumo. E tais limites
não alcançam, a meu sentir, as relações condominiais, que estão subordina-
das ao pacto representado pela vontade dos condôminos, manifestada na
convenção”38. (grifei)
Da jurisprudência daquela mesma Corte Superior se extrai que se acha “des-
caracterizada a relação de consumo entre condômino e condomínio”, vez
que “não há de se entender ser o condomínio prestador de serviços a serem
tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor, pois a atividade por ele
realizada frustra a definição de prestação de serviços em dois pontos, quais
sejam: remuneração e fornecimento no mercado de consumo. O condomínio
insere as despesas havidas sob essa rubrica no rol mensal a ser dividido entre
os condôminos. Não recebe remuneração específica para tal função e não detém
relação de consumo com os seus condôminos”. O condomínio “nada mais é
do que o conjunto dos moradores de uma habitação coletiva” e “cujo destino e
orientação são traçados pelos próprios moradores”. Mais ainda: “A mediação
da estrutura condominial não o torna um fornecedor dos serviços destinados
às unidades que o integram.”39 (grifei)
De forma análoga, e mais próxima da situação submetida à consulta, também
já se decidiu que “Participando o cotista do clube de investimento, no caso,
da própria administração, como membro de sua assembleia geral, podendo
ser eleito até para o conselho deliberativo, não há falar em relação de consumo
38 Cf. STJ, REsp 203.254/SP, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 6/12/99.
39 Cf. STJ, REsp 650.791/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, j. 06/04/06.
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para efeito da liberação integral de suas ações, o que ocorrerá na forma do que
estabelece o estatuto”40. grifo nosso)
Certo que são coisas distintas, entre si, os condomínios, as associações, os fundos
de investimento e, como no caso, os grupos de previdência privada fechada.
Contudo, em todas essas situações, é perfeitamente possível divisar aspectos
comuns, a afastar a caracterização da relação de consumo:
i) em todos eles há, ou pode haver, alguma atividade de conteúdo econômico,
mas não há propriamente uma finalidade econômica;
ii) falta-lhes a organização com vistas ao lucro e, por isso, conquanto propor-
cionem a fruição de determinados bens, nem por isso colocam um produto
no mercado de consumo;
iii) há, ou pode haver, circulação de dinheiro, sem que isso caracterize, em
um sentido mais estrito, uma remuneração e, mesmo havendo pagamento,
não há efetiva vantagem econômica para aquele que oferece a utilidade a
ser fruída;
iv) os integrantes ou partícipes deliberam sobre seus destinos ou sobre o
destino do grupo;
v) os membros são, de alguma forma, pessoas que se encontram vinculadas
por uma situação de carência que as une, sendo que, sozinhas, não pode-
riam suportar determinado ônus, donde a busca de soma de esforços para
benefício conjunto, não numa relação de subordinação, mas de igualdade;
vi) a relação gera despesas que são rateadas entre os interessados; e
vii) a mediação de tais estruturas – seja por um síndico, por um administrador
ou por um conselho – não faz do “mediador” um fornecedor dos serviços
destinados aos que o integram.
40 Cf. STJ, REsp 290.954/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 26/06/01.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
5 0
V) Breve exame das atividades bancárias (para identificar
o quê, nelas, justifica a aplicação do CDC)
Embora a atividade de previdência privada não se confunda com a atividade
bancária, mas justamente por isso, convém examinar, ainda que sumariamen-
te, o que, segundo a doutrina, justifica a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor às relações que ali se estabelecem entre instituições financeiras,
de um lado, e tomadores do crédito e serviços, de outro.
Segundo lição de Fábio Ulhoa Coelho, referida atividade “abarca uma gama
considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à con-
cessão, circulação ou administração do crédito. Estabelecendo-se paralelo entre
a atividade bancária e a industrial, pode-se afirmar que a matéria-prima do
banco e o produto que ele oferece ao mercado é o crédito, ou seja, a instituição
financeira dedica-se a captar recursos junto a clientes (operações passivas)
para emprestá-la a outros clientes (operações ativas)”41. (grifei)
Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery assinalaram que “Um dos produtos
comercializados pelo banco é o dinheiro, que se enquadra na definição de bem
juridicamente consumível do CC, art. 86 (CC de 1916, art. 51), é caracterizado,
portanto, como produto para efeitos de considerar-se como objeto da relação
jurídica de consumo. O crédito é outro produto imaterial comercializado pelo
banco. A atividade dos bancos se encontra regulada no caput do art. 3º do CDC
(comerciante) e não apenas no § 2º, que fala sobre o serviço bancário”42. (grifei)
Em outra passagem de sua obra, Nelson Nery Júnior acrescentou “O produto
da atividade negocial do banco é o crédito” e as atividades dos bancos, segundo referido jurista, “envolvem, pois, os dois objetos das relações de consumo: os
41 Cf. Fábio Ulhoa Coelho, O empresário e os direitos do consumidor, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 174.
42 Cf. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 951.
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5 1
produtos e os serviços”. Destacando a “finalidade dos contratos realizados com
os bancos” como ponto fundamental, disse Nery Júnior que “Havendo a outorga
do dinheiro ou crédito para que o devedor o utilize ‘como destinatário final’,
há a relação de consumo que enseja a aplicação dos dispositivos do CDC”43.
A preocupação das legislações estrangeiras e da doutrina alienígena de inserir
o crédito nas normas de proteção ao consumidor, disse referido autor, “não foi
desprezada pelo CDC, que de fato o incluiu quando definiu consumidor, for-
necedor, produto e serviço, fazendo expressa menção das atividades bancárias,
de crédito, financeiras e securitárias (arts. 2º, 3º e §§ e 52)”. Particularmente
quanto aos “contratos de financiamento de bens duráveis ao consumidor, não
há dificuldade para considerá-los como contratos de consumo, já que seu objeto
é emprestar dinheiro ao consumidor, como destinatário final”.
“O sentido teleológico dessas normas do CDC é, indisputavelmente, o
de considerar como serviço, objeto da relação de consumo, as atividades
bancárias, financeiras, de crédito e de seguros. Ainda que ad argumen-
tandum se diga que as operações bancárias não seriam ontologicamente
destinadas ao consumo, são elas consideradas ‘ex lege’ como produtos
e serviços para os efeitos de sua caracterização como relação de consu-
mo e o banco, igualmente, é considerado ‘ex lege’ (art. 3º, ‘caput’, CDC)
como fornecedor, sendo sempre sujeito de relações jurídicas de consu-
mo. No que toca ao objeto, haveria, por assim dizer, uma ficção jurídica
conceituando as atividades bancárias como sendo objeto das relações
de consumo.”44 (grifei)
De forma semelhante, Cláudia Lima Marques também ressaltou que “Em
todos os lugares do mundo, mesmo na minimalista França de Calais-Auloy, o
43 Cf. Nelson Nery Júnior, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante-projeto, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 471/477.
44 Cf. Nelson Nery Júnior, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante-projeto, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 471/477.
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crédito ao consumidor é considerado relação de consumo”. Também no Brasil,
disse ela, “Os serviços, no sentido do CDC, incluem as ‘operações e fazeres’
bancários perante o consumidor”. Considerando que o sistema do CDC “não
utiliza as definições de bem consumível do CC, nem a definição econômica
deste ‘insumo’, mas inclui todos os bens materiais e imateriais como produtos
lato sensu e, especialmente, um sistema que não especifica os tipos contratuais
utilizados, mas sim a atividade em si e geral dos fornecedores, a lógica está em
que o ‘produto’ financeiro é o ‘crédito’, a captação, a administração, a interme-
diação e a aplicação de recursos financeiros do mercado para o consumidor e
que a caracterização de fornecedor vem da operação bancária e financeira geral
oferecida no mercado e não só dos contratos concluídos”. Daí por que “O CDC
rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito”,
na medida em que “O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito,
bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o
mutuário ou creditado”45. (grifei)
Para José Geraldo Brito Filomeno “as atividades desempenhadas pelas institui-
ções financeiras, quer na prestação de serviços aos seus clientes (por exemplo,
cobrança de contas de luz, água e outros serviços, ou então expedição de ex-
tratos, etc.), quer na concessão de mútuos ou financiamentos para aquisição de
bens, inserem-se igualmente no conceito amplo de serviços”46. (grifei)
Também Márcio Mello Casado destacou que “Falar de consumidor de crédito
pressupõe enquadrá-lo no sentido anteriormente apresentado de sujeito que
obtém recursos em dinheiro para sua devolução ao término de um prazo. O
crédito bancário pode ser concedido de diversas formas, nas quais sempre estará
presente a contraprestação retributiva do juro em razão da profissionalidade
45 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 4ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, pp. 446/447, 449, 455/456, 458/460, 463/464 e 467/468.
46 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 45.
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do fornecimento do produto e do tempo que transcorrerá até a restituição da
quantia”47. (grifei)
Segundo Alberto do Amaral Júnior, “Não é correto o entendimento segundo
o qual o Código de Defesa do Consumidor não se aplicaria às instituições
financeiras, porque não concebe a possibilidade de ser usado o dinheiro ou o
crédito pelo destinatário final, pois os valores monetários se destinam, pela
sua própria natureza, à circulação. A utilização do produto tem, aqui, sentido
mais amplo que o da mera fruição, abrangendo a possibilidade da disposição
do bem. Desse modo, o consumidor que celebra um contrato de mútuo com
a instituição bancária utiliza o produto recebido como meio de satisfazer as
suas necessidades”48. (grifei)
A propósito, conforme lembraram Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery, o fundamento de referido pleito está em que somente lei complementar
é que poderia regular o sistema financeiro brasileiro (CF, art. 192). Mas, como
salientou referido jurista, “Por regulamento do sistema financeiro deve entender-
-se a regulação das atividades do poder concedente (União) e das instituições
concessionárias (bancos, seguradoras, etc.). Isso nada tem a ver com as relações
jurídicas ‘privadas’ e as instituições financeiras. O que as regula são as normas
de direito privado que vigoram no país”49. (grifei)
Portanto, de tais lições se extrai que, de fato, nas atividades bancárias, as re-
lações estabelecidas com os correntistas e, de um modo geral, tomadores dos
serviços, estão mesmo sujeitas às regras do CDC. Ali, com efeito, é possível
entrever a existência de um produto ou serviço – e não apenas de um bem – com
47 Cf. Márcio Mello Casado, Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, pp. 30/31.
48 Cf. Alberto do Amaral Júnior, As condições abusivas na concessão de crédito bancário, in Revista do Direito do Consumidor 40/39-40.
49 Cf. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 951.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
5 4
correspondente destinatário final, sendo este um sujeito que retira o objeto do
mercado de consumo. Ali, ainda, é possível divisar aqueles que – verdadeira-
mente hipossuficientes e vulneráveis – não dispõem de controle sobre bens de
produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares de tais
bens, isto é, os empresários organizados profissionalmente para a obtenção de
lucros, advindos da autêntica remuneração que auferem. Nas relações bancárias,
ainda, está clara não apenas uma atividade, mas sim uma finalidade econômica,
materializada no fornecimento do crédito, mediante contraprestação.
Sob outro ângulo, resulta cristalino que, nas atividades bancárias, não há
margem para que os interessados – destinatários dos produtos ou serviços –
deliberem sobre seus destinos; sua relação com a instituição financeira jamais
é de igualdade, mas sempre de subordinação, não atuando o banco como
“mediador” dentro da estrutura assim estabelecida.
VI) Continuação: exame das atividades securitárias
Muito embora a atividade de previdência privada também não se confunda com
a atividade securitária (mas, de novo, justamente por isso), convém prosseguir e
lembrar, ainda que, mais uma vez muito brevemente, o que justifica a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor às relações que ali se estabelecem entre
seguradoras, de um lado, e segurados, de outro.
A propósito, Nelson Nery Júnior bem observou que “O contrato de seguro de
vida em grupo se caracteriza como relação jurídica de consumo, subsumindo-se
à regulação legal do Código de Defesa do Consumidor. A companhia segura-
dora é fornecedora dos produtos e serviços securitários, porque exerce essa
atividade econômica de forma habitual e profissional no mercado”50. (grifei)
Da mesma forma, Cláudia Lima Marques: “os contratos de planos e seguro-
50 Cf. Nelson Nery Júnior, Contrato de seguro de vida em grupo e o código de defesa do consumidor, in Revista de Direito Privado 10/167.
Ada Pellegrini Grinover
5 5
-saúde são contratos cativos de longa duração, a envolver por muitos anos um
fornecedor e um consumidor, com uma finalidade em comum, que é assegurar
para o consumidor o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envol-
vendo a sua saúde, de sua família, dependentes ou beneficiários.” Nesse âmbito,
“não é a figura dos operadores ou fornecedores que une os campos de aplicação
do CDC e da lei especial – o que as une é a figura do consumidor-usuário ou
beneficiário de um plano privado de assistência à saúde, remunerado por ele
diretamente, por seu empregador ou pelo contratante principal dos planos
coletivos e/ou familiares ou individuais”. E mais:
“Há, pois, que se considerar que estes ‘planos’ operados por fornecedores,
com intuito de lucro e com livre iniciativa permitida pela CF/88 (art.
199), preenchem totalmente as características de relações de consumo,
e os usuários são pessoas físicas, destinatários finais dos serviços, con-
sumidores, pelo art. 2º do CDC, de serviços remunerados prestados por
fornecedores organizados em cadeia de fornecimento de serviços (art.
3º, caput e § 2º, do CDC).”51 (grifei)
Confirma esse entendimento Eduardo Gabriel Saad. Lembrando que “serviço é
qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”,
conclui que “as atividades, nos setores bancários, financeiro, de crédito e secu-
ritário, equiparam-se a serviços desde que sejam remunerados”. “Remunerar”,
prosseguiu, “tem significação muito ampla. Não se reduz apenas à retribuição
paga pelo serviço recebido; é, em verdade, a vantagem pecuniária obtida pelo
fornecedor e representada por taxas, lucros, juros, etc.”52. (grifei)
No mesmo sentido, Luiz Felipe Silveira Difini observou que “pode-se dizer que
51 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 5ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, pp. 485/486.
52 Cf. Eduardo Gabriel Saad, Comentários ao código de defesa do consumidor, 3ª ed., São Paulo, LTr, 1998, pp. 104/105.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
5 6
o segurador enquadra-se no conceito de fornecedor, vez que exerce profissio-
nalmente a atividade de comercialização do produto ‘seguro’, inclusive porque
a atividade é privativa de sociedades autorizadas a operá-la pelo organismo
administrativo competente”53. (grifei)
VII) O exame da relação entre entidades de previdência
privada fechada e seus participantes: necessidade de
revisão do enunciado da Súmula n. 321
para exclusão dos referidos entes
Após o detido exame dos elementos que configuram – e que, por consequên-
cia, não configuram – uma típica relação de consumo, é chegado o momento
de examinar a particular situação das entidades de previdência fechada,
adiantando-se, desde logo, que uma interpretação sistemática e teleológica das
disposições contidas no CDC – à luz das disposições constitucionais, das nor-
mas especiais que regem a previdência privada e dos princípios anteriormente
examinados – leva à conclusão, que me parece inexorável, de que o Enunciado
n. 321 da Súmula predominante do Superior Tribunal de Justiça pode e merece
ser revisto, para que dali sejam excluídos os entes que gerenciam os mecanis-
mos de previdência privada fechada (deixando-se, portanto, apenas os entes
de previdência privada aberta).
Em primeiro lugar, convém ressaltar que a suprapreconizada revisão é, antes de
mais nada, conveniente e oportuna, tendo em vista que, como bem salientou a
Consulente, a edição do enunciado em tela não se assentou exatamente em um
entendimento jurisprudencial uniforme das Turmas do STJ. É que, dos cinco
arestos acolhidos como precedentes para a edição do verbete, quatro foram
julgados pela Terceira Turma, ao passo que apenas um foi julgado pela Quarta
53 Cf. Luiz Felipe Silveira Difini, O contrato de seguro à luz do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil, in Revista da Ajuris 98/205-206.
Ada Pellegrini Grinover
5 7
Turma. Este último, por outro lado, tratou da questão da aplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor apenas às entidades abertas de previdência
privada e não às entidades fechadas. Portanto, ao menos na origem, não havia,
entre as Turmas, uniformidade de entendimento com a mesma extensão que,
depois, veio a se conferir à Súmula.
Ainda que, a respeito, não se possa falar em error in procedendo a justificar uma
invalidade do julgamento do qual resultou a edição do enunciado, referida
circunstância fala expressivamente a favor da conveniência de se reexaminar
a matéria, atentando para a distinção, fundamental por sinal, entre entidades
abertas e fechadas.
No mérito da questão, por assim dizer, não há como subsistir a equiparação das
entidades abertas e das fechadas porque se trata de entidades com elementos
conceituais substancialmente distintos. Também não há como sustentar a exis-
tência de relação de consumo, inclusive sob pena de se inviabilizar o próprio
mecanismo em questão.
Quanto à distinção acima indicada, é preciso atentar com maior rigor para a
essência dos institutos em confronto. Tratá-los igualmente é um engano que
pode e deve ser corrigido. É que, como bem apontou Lygia Maria Avena, as
entidades fechadas de previdência complementar passaram “a ter importante
papel como formadoras de poupança nacional, na medida em que, por força da
própria legislação, atuam sob o regime de capitalização, acumulando recursos,
por anos a fio, para poderem conceder e manter os benefícios prestados aos
seus participantes (benefícios a conceder e concedidos)”. E mais:
“Nesse contexto, tais entidades, que, distintamente das abertas de
previdência complementar, não possuem qualquer escopo de lucro,
não distribuem qualquer parcela do seu patrimônio, investindo e
reinvestindo a totalidade das suas receitas e recursos integralmente
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
5 8
para a finalidade previdenciária supletiva, inexistindo ‘sobra’ a ser
distribuída.” 54 (grifei)
Da mesma forma, Fábio Zambitte Ibrahim destacou que “As entidades fechadas
de previdência complementar – EFPCs, ao contrário das abertas, são somente
acessíveis aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos ser-
vidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou aos
associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou
setorial”. Além disso, “As entidades fechadas, já que desprovidas de finalidade
lucrativa, ao contrário das abertas, são constituídas sob a forma de fundação
ou sociedade civil. A finalidade lucrativa é outra distinção relevante entre as
entidades abertas e as fechadas de previdência complementar”. E ainda:
“Diferentemente do segmento aberto, o controle, a regulamentação e a
fiscalização das entidades fechadas fica a cargo de Superintendência
Nacional da Previdência Complementar – Previc, criada pela Medida
Provisória n. 233, de 30 de dezembro de 2004. A Previc é autarquia de
natureza especial, vinculada ao Ministério da Previdência Social, e veio
a substituir a Secretaria da Previdência Complementar, que detinha esta
competência.”55 (grifei)
Para não deixar qualquer dúvida a respeito, traga-se aqui também a lição de
Paulo Sérgio João, correto ao lembrar que “As entidades abertas de previdência
privada estão situadas fora do âmbito do direito previdenciário, tratando-se
antes de tudo de uma maneira de poupança individual. Situam-se no campo do
Direito Comercial e a legislação prevê controle e subordinação de tais entida-
des pelo Ministério da Indústria e Comércio, através da Superintendência dos
54 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 52/53.
55 Cf. Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de direito previdenciário, 4ª ed., Niterói, Impetus, 2004, pp. 645/647.
Ada Pellegrini Grinover
5 9
Seguros Privados – Susep (art. 11, Lei n. 6.435/77)”. Já as entidades fechadas
de previdência privada “pertencem ao ramo da Previdência Social, posto que
as condições de funcionamento e o campo de atuação relativamente aos bene-
fícios estão limitados à legislação previdenciária. O controle e a subordinação
de tais entidades são exercidos pelo Ministério da Previdência e Assistência
Social, sendo consideradas pela Lei n. 6.435/77 como instituições de assistência
social (art. 39, § 3º)”. E mais:
“As entidades fechadas de previdência privada não poderão ter fins
lucrativos e serão sempre, neste sentido, constituídas sob a forma de
sociedades civis ou fundações (art. 4º da Lei, § 1º e art. 5º, II).”56 (grifei)
Portanto, uma das premissas em que assentado o verbete não subsiste, porque
não há como, para o fim de aplicação do CDC, equiparar entidades que, quando
menos, se distinguem pela questão da busca do lucro (inocorrente nas entidades
fechadas). Ora, como visto à saciedade, não há como pensar na qualificação de
uma relação de consumo sem que esteja estabelecida uma forma de remuneração
do suposto fornecedor (ainda que indireta) e sem que esse esteja organizado
ou estruturado precisamente para a obtenção de lucro.
Nesse particular, aplicam-se às entidades de previdência fechada, como uma
luva, todas as considerações precedentes quanto aos critérios para aferir se
há, ou não, remuneração: primeiro, é preciso saber “se a própria estrutura do
prestador da utilidade se orienta ao lucro”; segundo, “é de se analisar se efeti-
vamente não está havendo de fato nenhuma apropriação econômica indevida
das vantagens advindas do oferecimento dos produtos ou serviços”.
Ora, diferentemente do que ocorre nas entidades abertas, nas fechadas, como
já demonstrado, a estrutura não se orienta ao lucro. Da mesma forma, não há
56 Cf. Paulo Sérgio João, Previdência social complementar, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1983, pp. 74/75.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
6 0
apropriação econômica a caracterizar, ainda que indiretamente, uma forma
de remuneração. A esse propósito, são incensuráveis e lapidares as conside-
rações de Lygia Maria Avena, segundo quem “Sendo o custo dos seus planos
de benefícios calcado em rigorosas bases atuariais que visam ao seu perma-
nente equilíbrio, com fulcro na relação sinalagmática benefício-contribuição,
as entidades fechadas, ao receberem as contribuições dos seus participantes
associados, não as recebem como preços ou remuneração no sentido lato de
pagamento ou em um contexto comercial, até por não terem finalidade lucrativa
e nem distribuírem parcela de seu patrimônio. Recebem, sim, tais contribuições
para serem direcionadas estritamente à formação do fundo previdenciário, que
propiciará, no futuro, a concessão e a manutenção dos benefícios aos próprios
participantes. A estas são somadas relevantes contribuições das suas empre-
gadoras, patrocinadoras dos planos de benefícios”57. E mais:
“Inseridas na esfera de competência do Ministério da Previdência e
Assistência Social, como já dispunha o art. 34 da Lei n. 6.435/77 – já
revogada –, sendo idêntico enquadramento atualmente previsto no art.
74 da Lei Complementar n. 109/01, as entidades fechadas de previdência
complementar são reguladas pela legislação específica de sua regência.
Esta legislação é representada em especial pelas atuais Leis Complemen-
tares n. 108 (específica para entidades com patrocinadoras vinculadas à
Administração Pública) e 109, ambas de 29/05/2001 (esta última aplicada
em caráter geral, substituindo a anterior Lei n. 6.435/77), e demais nor-
mas do ordenamento jurídico aplicável. Apenas subsidiariamente são
reguladas pela legislação civil e da previdência social, naquilo que não
conflitarem com a legislação específica, afastada a incidência das leis
trabalhistas e outros diplomas legais.
[...]
57 Nos termos do caput do art. 19 da LC n. 109/01, “as contribuições destinadas à contribuição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar”.
Ada Pellegrini Grinover
6 1
Portanto, o vínculo jurídico entre as entidades, seus participantes e pa-
trocinadores é de natureza civil-previdenciária, conforme já reconhecido
pela Emenda Constitucional n. 20/98 (§ 2º do art. 202 da CF) e pela Lei
Complementar n. 109, de 29/05/01 (art. 68).”58 (grifei)
Não deve impressionar, portanto, o valor que é pago pelo partícipe porque,
como visto, não se trata de preço por serviço prestado. O conceito muito mais
se apresenta como despesa com que se depara o integrante do grupo; como,
analogamente, tem despesas para as quais deve concorrer um membro de
associação, ou um condômino, para ilustrar. No caso da previdência privada,
a contribuição é direcionada justamente à formação do fundo e não há como
equiparar isso ao preço pago por um produto. Ademais, circulação de dinheiro,
como visto, não é suficiente, por si só, para configurar relação de consumo.
Mais ainda: atividade econômica, como demonstrado à saciedade, não é si-
nônimo de finalidade econômica e a fruição de um bem, conforme também
comprovado, não pode jamais ser confundida com a venda de um produto ou
serviço. Tudo isso, repita-se, aplica-se com grande justeza às entidades fechadas
de previdência privada que só por um equívoco podem ser tratadas como as
entidades abertas.
Ainda sob um enfoque comparativo (que é realmente útil para confirmar a
conclusão já adiantada), não há como estabelecer sequer um paralelo entre
os fundos de previdência fechada, de um lado, e as atividades securitárias e
bancárias, de outro.
Quanto às empresas de seguro, a lição de Arnaldo Rizzardo é perfeita. Segundo
ele, “Cabe uma rápida distinção quanto aos seguros, como os de saúde ou de
58 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 52/53.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
6 2
vida. Existe alguma identidade, posto que tangenciam-se os resultados em
ambas as modalidades: o recebimento de prestações para manter o nível de
vida anterior ao risco, ou fazer frente em vista de determinados eventos. Mas
a distinção, na prática, é palpável: os seguros envolvem uma gama maior de
coberturas, enquanto a previdência privada não passa de uma suplementação
de receita da pessoa, em ocorrendo certos estados de necessidade, ou o imple-
mento do período de contribuições contratado. A rigor, não há a presença do
risco, próprio do seguro, mas há a presença de um evento certo e de ocorrência
necessária. Tanto isto que, nos sistemas de previdência, nem se fala em cobertura
de riscos, como no plano simples de complementação de renda, a ser obtido
após um determinado período de contribuições”59. (grifei)
Com efeito e conforme examinado em tópico precedente, nos seguros de vida
ou de saúde, é possível, com clareza, determinar a existência de um produto ou
serviço, posto à disposição de forma “profissional no mercado”60 de consumo.
Estão evidentes, também, a existência de remuneração, a vantagem pecuniária
obtida pelo fornecedor (taxa e juros) e a consequente busca de lucro, por parte
da empresa seguradora. Os segurados nenhuma ingerência podem ter nos ru-
mos das quantias que entregam à seguradora, quantias que inequivocamente
correspondem ao preço pago. Portanto, em tais seguros não há dúvida quanto
à qualificação do vínculo entre seguradora e segurado e a relação é, de fato,
de consumo.
No caso dos bancos, por outro lado e para reforçar o raciocínio aqui exposto,
avulta, como já foi dito, a existência de um produto ou serviço – e não apenas
59 Cf. Arnaldo Rizzardo, O código de defesa do consumidor nos contratos de seguro-saúde e previdência privada, in Revista Ajuris 64/81.
60 Cf. Nelson Nery Júnior, Contrato de seguro de vida em grupo e o código de defesa do consumidor, in Revista de Direito Privado 10/167.
Ada Pellegrini Grinover
6 3
de um bem – com correspondente destinatário final, sendo este um sujeito que
retira o objeto do mercado de consumo. Ali sim há que se falar em hipossu-
ficiência e vulnerabilidade, de pessoas que não ditam seus próprios rumos e
que não dispõem de controle sobre bens de produção, submetendo-se, por
isso, ao poder dos empresários. Os bancos, ao contrário dos fundos de previ-
dência fechada, são estruturados profissionalmente para a obtenção de lucros,
advindos da autêntica remuneração que auferem. Nas relações bancárias, ainda,
está clara não apenas uma atividade, mas sim uma finalidade econômica, ma-
terializada no fornecimento do crédito, mediante contraprestação. Portanto, é
errado estabelecer identidade entre as duas diferentes atividades, ou mesmo
um simples paralelo.
Ainda no necessário confronto entre entidades de previdência fechada, de um
lado, e instituições financeiras, de outro, não será demasiado lembrar – com o
escopo de extirpar qualquer dúvida que levasse a um mesmo e indevido trata-
mento de ambas – que, sendo o fundo de pensão um investidor institucional,
há disciplina para a alocação de seus recursos; sendo uma das possibilidades o
empréstimo a participantes. É que o art. 71, parágrafo único, da Lei Complemen-
tar n. 109/01 trata de “entidade de previdência complementar”, que é gênero,
além de mencionar patrocinador, participante e assistido, que são elementos
fundamentais da espécie “fechada”. Nesse contexto, mesmo em uma entidade
fechada, é factível cogitar de investimentos, como é o caso de um empréstimo
a participante ou a assistido. Trata-se tecnicamente de um investimento, assim
como a participação em empreendimento de que participe o patrocinador, em
alguma sociedade de propósito específico, por exemplo. Tais possibilidades são
objeto da Resolução n. 3.121/03, do Conselho Monetário Nacional (arts. 26, b,
2. e 39, I, de seu Regulamento Anexo, respectivamente).
Contudo, tal empréstimo rigorosamente não se confunde com aquele praticado
no âmbito das instituições financeiras. É que, sob o prisma entidade fechada
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
6 4
de previdência complementar, trata-se de um investimento com os ativos
garantidores dos planos de benefícios, regulamentado pelo órgão regulador e
fiscalizador, atendendo às premissas de rentabilidade, liquidez e, principalmen-
te, segurança, pois há o desconto em folha de salários da patrocinadora ou do
próprio benefício pago pela entidade, quando o participante já é aposentado.
Por outro lado, sob o ângulo do participante, tal empréstimo constitui um bene-
fício que pode eventualmente servir para suprir a uma situação de emergência,
sendo certo que normalmente as taxas desse empréstimo são muito inferiores às
cobradas pelas instituições financeiras, na medida em que devem bancar apenas
o chamado custo atuarial do plano, acrescido das despesas administrativas. Com
isso, confirma-se que a entidade de previdência privada fechada não possui
finalidade lucrativa. Ademais, tal benefício é restrito à massa de participantes
do plano que a entidade administra, não possuindo os contornos de produto
ou serviço, conforme considerações expendidas à saciedade neste parecer.
Por isso e por tudo mais, não há, em relação às entidades de previdência fecha-
das, como tratá-las como fornecedoras, não havendo sequer como sustentar haja
a colocação de um produto no mercado de consumo. A propósito, a mesma Lygia
Maria Avena bem ressaltou que as noções de comercialização pelo fornecedor
dos produtos ou serviços, a sua distribuição ou comercialização no mercado de
consumo, ao público em geral, e a finalidade lucrativa, para fins da incidência
das normas do Código de Defesa do Consumidor “não se coadunam com a
natureza jurídica, finalidade, operação, abrangência e legislação das entidades
fechadas de previdência complementar”. É que referidas entidades funcionam
como “Instrumentos da política de recursos humanos das suas empresas pa-
trocinadoras e auxiliares do sistema oficial de previdência, na medida em que
prestam benefícios de caráter previdencial supletivo”. Elas têm “patrimônio
destacado e aplicado integralmente para o cumprimento de tal finalidade”, de
tal sorte que “não possuem nenhum objetivo de comercialização nos benefícios
Ada Pellegrini Grinover
6 5
que prestam aos seus participantes, sendo impedidas, por força de lei, de terem
finalidade lucrativa”61. (grifei)
Não bastasse tudo isso, enfatizou a mesma autora, também sob o enfoque dos
destinatários dos benefícios de tais entidades, não se caracteriza a relação de
consumo. É que, “Nos expressos termos do art. 31, I, da Lei Complementar n.
109/01, os planos de benefícios da previdência fechada supletiva com patrocina-
dores são direcionados e prestados apenas a um grupo fechado de participantes
(‘empregados de uma empresa ou grupo de empresas’), sendo ainda previstos
como destinatários, pela citada Lei, os servidores da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios (matéria a ser regulada por lei específica),
desde que tenham se filiado ao plano de benefícios. No caso de associações ou
entidades de classe, de caráter profissional ou setorial, sem patrocínio – não
enfocadas neste estudo –, estas abrangem somente os seus associados ou mem-
bros filiados aos planos, denominados instituidores”. Vale dizer:
“Portanto, os benefícios prestados pelas entidades fechadas de previdên-
cia complementar não podem ser distribuídos no mercado de consumo ou
ao público em geral, uma vez que possuem, por força de lei, abrangência
restrita e delimitada.
[...]
Portanto, como resta evidenciado pela própria legislação específica
acima transcrita, as entidades fechadas de previdência complementar
não oferecem os seus benefícios ao ‘mercado’, e sim à parcela restrita
de participantes, em âmbito circunscrito pelo vínculo empregatício
61 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 53/58.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
6 6
com o patrocinador, ou associativo com o instituidor, sem finalidade
de lucro.”62 (grifei)
A opinião é compartilhada por João Paulo Rodrigues da Cunha, segundo quem
a relação dos participantes de tais fundos e respectivos beneficiários “é de
abrangência taxativamente restrita, não podendo ser distribuídos no mercado
de consumo ou ao público em geral. O art. 31 da Lei Complementar n. 109/01
dispõe que os benefícios são percebidos pelos participantes, os quais devem
estar vinculados por um liame empregatício com o patrocinador, ou associativo
com o instituidor, sem finalidade lucrativa”63; o que, segundo o autor, afasta
a incidência do CDC.
Mas há outros fundamentos que infirmam as bases em que lançado citado ver-
bete de n. 321. Com efeito, nas entidades de previdência fechada, os integrantes
ou partícipes deliberam sobre seus destinos ou sobre o destino do grupo; o que
rigorosamente seria, como é, incompatível com a qualidade de consumidores.
Os membros do fundo são, na verdade, pessoas que se encontram vinculadas
por uma situação de carência – para usar expressão colhida em doutrina já citada –
que as une; carência de recursos para o momento em que se aposentarem. Daí
a busca de soma de esforços para benefício conjunto. Não há, portanto, o que
se possa qualificar propriamente como uma relação de subordinação. Não há,
tampouco, hipossuficiência ou vulnerabilidade. Se os partícipes são frágeis,
ostentam essa qualidade diante do risco comum de padecerem de falta de re-
cursos quando vierem a se aposentar. Conforme já amplamente demonstrado,
a “mediação” ou gestão do fundo não faz do gestor um fornecedor dos serviços
62 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 53/58.
63 Cf. João Paulo Rodrigues da Cunha, (In)aplicabilidade do código de defesa do consumidor às entidades fechadas de previdência privada, in Revista da Previdência Social 273/670-672.
Ada Pellegrini Grinover
6 7
destinados aos que o integram e mesmo a remuneração pela administração do
fundo só pode ser entendida como despesa do próprio fundo, analogamente
ao que ocorre com o associado em uma associação, ou com o condômino em
um condomínio.
Finalmente, mas não menos relevante, fala em favor da não configuração da
relação de consumo a especialidade das normas que regem as entidades de pre-
vidência privada fechadas. Como resulta da doutrina, “as entidades fechadas de
previdência complementar, que passaram a ser reguladas pela Lei n. 6.435/77,
possuem lei específica de sua regência (atuais LC 109 e 108, de 25/05/01), inci-
dindo, além desta legislação, e apenas em caráter subsidiário, a legislação civil
e previdenciária, o que afasta a legislação trabalhista e outros diplomas legais,
inclusive o Código de Defesa do Consumidor, inaplicável à espécie. O próprio
enquadramento de tais entidades no Ministério da Previdência e Assistência
Social corrobora a sua não submissão à Lei n. 8.078/90”64. (grifei)
Como bem apontou Lygia Maria Avena, “se aplicadas as regras da Lei n.
8.078/90 às entidades fechadas de previdência complementar, exsurgiriam
diversas incompatibilidades com as normas específicas de sua regência. A
exemplificar, os regulamentos dos planos de benefícios, via de regra, preveem
que, na hipótese da ocorrência de fato superveniente que implique alteração
do plano de custeio (como é o caso do déficit do plano de benefícios), este
será revisto, o que implicará a revisão das contribuições. Na ocorrência de
déficit, a entidade poderá estabelecer, como uma das alternativas para o seu
equacionamento, mediante a revisão do seu plano de custeio, a majoração
das contribuições dos seus participantes e patrocinadores a serem aporta-
64 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, p. 65.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
6 8
dos, objetivando alcançar o equilíbrio do plano de custeio do seu plano de
benefícios, para a segurança de todos os seus participantes. Tal tratamento
está previsto na lei específica que rege tais entidades (§ 1º do art. 21 da LC
109, de 29/05/2001)”.
E mais:
“Ora, como coadunar tal hipótese e norma aplicável com a regra pre-
vista no art. 51, X, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe
ser nula a cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou
indiretamente, variação do preço de maneira unilateral?
Por certo não poderia ser atendido tal princípio, sob pena de manter
deficitário o plano, em prejuízo de todos os filiados da entidade de-
ficitária. Do mesmo modo, como antes analisado, a contribuição do
participante para o plano de benefício não pode ser tratada como preço,
evidenciando-se a inaplicabilidade da legislação do consumidor.”65
(grifei)
Note-se que, a prevalecer o teor da Súmula n. 321 aos entes de previdência
fechados, abertas estarão as portas para o desequilíbrio da relação entre os
diversos filiados. Ou seja, a pretexto de se proteger um dos partícipes, a
pretexto de que seria hipossuficiente, na verdade se está prejudicando toda
a coletividade restante. Isso é justo? A resposta só pode ser negativa.
Portanto, por todos argumentos expendidos, conclui-se que as relações que
se estabelecem entre Fundos de Previdência Privada Fechada e respectivos parti-
cipantes não podem ser qualificadas como relações de consumo e, assim, não são e
65 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, p. 66.
Ada Pellegrini Grinover
6 9
não devem ser regidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, não preva-
lecem os fundamentos que levaram à edição do Enunciado n. 321 da Súmula
dominante de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que merece ser
revisto, para que se exclua de seu âmbito de incidência as entidades fechadas.
É o parecer.
São Paulo, 30 de outubro de 2006.
* Ada Pellegrini Grinover é Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
AS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E O CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
Lygia Avena *
I) Introdução
As entidades fechadas de previdência complementar, também denominadas
Fundos de Pensão, inicialmente criadas no âmbito das empresas patrocinado-
ras vinculadas à Administração Pública, e, posteriormente, no contexto das
empresas patrocinadoras privadas, surgiram como instrumentos da política
de recursos humanos dessas empresas.
Tais entidades, cuja finalidade é a concessão e a manutenção de benefícios
de caráter previdenciário, foram criadas com o objetivo de propiciar uma
vida digna aos empregados das empresas patrocinadoras inscritos nos seus
planos de benefícios, quando da sua passagem para a inatividade laborativa,
incentivando, dessa forma, a aposentadoria dos empregados aposentáveis e a
renovação dos quadros de pessoal dessas empresas.
Atuando sob o regime de capitalização e constituindo reservas, provisões e
fundos destinados ao cumprimento dos compromissos assumidos nos seus
planos de benefícios, as entidades fechadas de previdência complementar
Lygia Avena
7 1
foram constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem finali-
dade lucrativa.
Na qualidade de prestadoras de benefícios de natureza previdenciária aos seus
participantes e beneficiários, sob a forma de rendas e benefícios suplementares
ou assemelhados aos da Previdência Social, inclusive concedendo benefícios
de risco nos eventos aleatórios como invalidez, morte ou doença, as entidades
fechadas de previdência complementar passaram a ter importante papel social.
Neste contexto, são enquadradas no Título VIII, da Constituição Federal, na
“Ordem Social”.
Nas últimas décadas, os Fundos de Pensão passaram a exercer um papel cada
vez mais relevante no cenário político-econômico brasileiro, seja em razão da
sua atuação como importantes instrumentos de recursos humanos das suas
empresas patrocinadoras, em relação aos empregados vinculados aos planos de
benefícios – hoje também propiciando a previdência complementar a milhares
de associados de diversas categorias profissionais, nos planos previdenciários
de Instituidor –, seja em virtude da sua relevância como formadores da pou-
pança nacional e propulsores do desenvolvimento econômico.
No contexto social e previdenciário, no âmbito da reforma da Previdência
desenvolvida nos últimos anos, com início no final da década de 90, a Previ-
dência Privada, de caráter complementar, passou a ser apontada como uma
das seguras alternativas para a viabilização e sustentabilidade do Sistema Pre-
videnciário Brasileiro, alcançando status constitucional efetivo com a Emenda
Constitucional n. 20/98.
A partir desse marco constitucional, complementado com a promulgação das
Leis Complementares n. 108 e 109, ambas de 29/05/2001 e com as sucessivas
normatizações decorrentes da referida legislação, uma série de profundas
inovações passou a ser operada no ordenamento jurídico dos Fundos de Pen-
são, o que permitiu a modernização e uma maior flexibilização dos planos de
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
7 2
benefícios, propiciando ainda a ampliação da abrangência e o incremento desse
Sistema Previdenciário.
Nesse cenário de ordenamento jurídico profundamente dinâmico e evolutivo,
as relações jurídicas estabelecidas entre os participantes e essas entidades pre-
videnciárias passaram a ter um grau de complexidade cada vez maior. Tal fato,
evidentemente, se reflete no Poder Judiciário, no âmbito de um contencioso
judicial altamente especializado, voltado para as especificidades da Previdência
Complementar.
Neste aspecto, uma questão de grande significado para o Sistema Previdenciário
Complementar e que vem sendo recorrentemente debatida nos Tribunais, é a
sujeição ou não das entidades fechadas de previdência complementar (dora-
vante também denominadas EFPCs) ao Código de Defesa do Consumidor, no
que tange aos seus planos de benefícios.
Em razão das significativas repercussões e dos efeitos jurídicos que decorreriam
do hipotético enquadramento das EFPCs à legislação do consumidor, o perma-
nente acompanhamento e a análise desse tema e da sua evolução, inclusive no
contexto jurisprudencial, fazem-se necessários e oportunos.
Este estudo visa, portanto, a abordagem da matéria sob um enfoque atual, consi-
derando a relativamente recente Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça,
o enquadramento jurídico, a natureza e a finalidade das entidades fechadas de
previdência complementar, bem como as especificidades próprias da legislação
do consumidor e da previdência complementar e os seus distintos objetivos.
II) Do Regime de Previdência Complementar Fechado. Enquadramento constitucional e legal.
Princípios fundamentais
Como abordado na introdução deste estudo, em razão da origem e objetivos
do Regime de Previdência Complementar Fechado (constituído por entidades
Lygia Avena
7 3
fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos), o enquadramento
desse Regime vem previsto no âmbito da “Ordem Social”, no Título VIII, da
Constituição Federal, nos termos do art. 202 da Carta Política que dispôs:
“Art. 202 – O regime de previdência privada, de caráter complementar
e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de Previ-
dência Social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que
garantam o benefício contratado, e regulado por Lei Complementar.”
Sob o prisma do enquadramento constitucional ora transcrito, já ressalta uma
primeira distinção entre a relação previdenciária que se verifica no âmbito do
Sistema Fechado de Previdência Complementar e a relação de consumo entre
consumidor e fornecedor de que trata o Código de Defesa do Consumidor,
consubstanciado na Lei n. 8.078/90. Enquanto aquela relação se desenvolve e
está inserida na Ordem Social, em razão da natureza jurídica das entidades e
os seus objetivos, esta se enquadra na Ordem Econômica.
De fato, o princípio de defesa do consumidor, nos termos do art. 170, inciso
V, da Carta Magna, é destinado expressamente à Ordem Econômica, estando
inserido no Título VII, da Constituição Federal, “Da Ordem Econômica e Fi-
nanceira” no Capítulo I, “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica” e
não no Título VIII. É, portanto, neste contexto, diverso daquele verificado na
relação previdenciária, que se insere a relação de consumo.
Pela leitura do dispositivo constitucional, consubstanciado no caput do art.
202, destacam-se os conceitos de autonomia da Previdência Complementar em
relação à Previdência Social, o caráter facultativo da inscrição dos participantes
nos planos de benefícios previdenciários e o estabelecimento de rígidas bases
atuariais para fins de suporte dos planos de custeio dos referidos planos de
benefícios, com a constituição de reservas necessárias para fins de prover e
garantir os benefícios concedidos e a conceder.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
7 4
Inseridas na esfera de competência do Ministério da Previdência Social, as
entidades fechadas de previdência complementar são regidas por legislação
específica, em especial pela Lei Complementar n. 109/01 (anteriormente
regidas pela Lei n. 6.435/77, ora revogada), que disciplina em caráter geral
tais entidades, bem como pela Lei Complementar n. 108/01, específica para
as entidades vinculadas às patrocinadoras enquadradas no âmbito da Admi-
nistração Pública.
Os contratos firmados entre tais entidades e os seus participantes são consubs-
tanciados nos regulamentos dos planos de benefícios, aos quais os empregados
das patrocinadoras aderem, em caráter facultativo, por sua livre iniciativa,
observando as regras dos Estatutos das entidades, bem como da legislação
específica aplicável. Tais contratos, de natureza privada, como são as EFPCs,
estão situados no campo do direito privado, das obrigações.
Portanto, o vínculo jurídico firmado entre as entidades, seus participantes e
patrocinadores é de natureza civil-previdenciária, consoante previsão contida
na Emenda Constitucional n. 20/98 (§ 2º do art. 202 da CF) e na Lei Comple-
mentar n. 109/01 (art. 68).
A referida legislação tem como princípios básicos:
w a preservação da segurança econômico-financeira e atuarial, da liquidez, da
solvência e do equilíbrio dos planos de benefícios e das entidades;
w o estabelecimento de um rígido regime repressivo e de uma eficiente fiscali-
zação das entidades e das suas operações; a vinculação facultativa ao regime
de previdência complementar;
w a aplicação do patrimônio integralmente voltada para a concessão e a manu-
tenção dos benefícios de caráter previdenciário complementar e a proteção
dos interesses dos participantes, de forma a garantir os benefícios contratados
e o pleno acesso às informações relativas à gestão de planos.
Lygia Avena
7 5
Além disso, a representação assegurada aos participantes ativos e assistidos
nos Conselhos Deliberativo e Fiscal das entidades, assegurada em sede de le-
gislação complementar, constitui um importante mecanismo de proteção aos
participantes, em linha com o princípio de gestão compartilhada.
Nos termos da legislação aplicável citada, a ausência de escopo lucrativo das
entidades fechadas de previdência complementar é expressa e determinada,
como também, por disposição legal, é delimitada e circunscrita à abrangência
de atuação dessas entidades na prestação dos seus benefícios previdenciários,
consistindo estas em características fundamentais que as distinguem das enti-
dades abertas de previdência complementar e dos denominados fornecedores,
sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor.
III) Do Código de Defesa do Consumidor: origem,
princípios e especificidades decorrentes de sua aplicação
Com o advento da atual Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 05 de outubro de 1988, o Código de Defesa do Consumidor
(doravante também denominado CDC) teve a sua origem e elaboração previs-
ta, em louvável iniciativa do Constituinte de amparar e regular os direitos e a
proteção do consumidor, objetivando estabelecer maior equilíbrio das relações
estabelecidas no mercado de consumo.
O art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, inserido no Capítulo dos Direitos
e Deveres Individuais e Coletivos, dispõe ser uma das atribuições precípuas do
Estado a promoção da defesa do consumidor, na forma da lei. Também o art. 170
da mesma Carta Política outorgou status constitucional ao princípio da defesa
do consumidor, estabelecendo este como um dos princípios a ser observado
pela ordem econômica “fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa”, na sua finalidade de “assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social”.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
7 6
Buscando concretizar a proteção prevista no referido princípio constitucional,
o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispôs que a ela-
boração do Código de Defesa do Consumidor seria efetuada no prazo de 120
(cento e vinte) dias, contados da promulgação da Constituição.
Neste contexto, e, com fundamento constitucional, embora ultrapassado o
prazo inicialmente previsto, adveio o Código de Defesa do Consumidor (CDC)
consubstanciado na Lei n. 8.078, de 11/09/90 (DOU, de 12/09/90), cuja vigên-
cia teve início 180 (cento e oitenta) dias da sua publicação, em 12/03/91, nos
termos do art. 118 da citada Lei.
Este Código veio a suprir importante lacuna legislativa nas relações entre con-
sumidor e fornecedor no mercado de consumo, incentivando a qualidade, a
segurança e o profissionalismo no fornecimento de produtos e serviços. A nova
legislação veio também estimular o desenvolvimento de uma nova cultura no
País, no âmbito desta relação comercial, através da qual os direitos do consu-
midor são cada vez mais reivindicados e reconhecidos, sendo o destinatário do
produto ou serviço o foco das atenções das empresas para a sua sobrevivência
em um mercado cada vez mais competitivo.
Esta Lei, de ordem pública e interesse social, trouxe ainda uma maior especi-
ficação da responsabilidade civil dos contratantes, além da previsão de diver-
sas e severas sanções administrativas, penais e processuais, em razão do seu
descumprimento e do abuso na relação de consumo.
Como diretrizes básicas, são estabelecidas nesta legislação a proteção à saúde, à
dignidade, à segurança econômica do consumidor (tratado na lei como a parte
vulnerável), bem como à transparência e à harmonia das relações de consumo,
seguindo, nos termos do art. 4º da mesma Lei, os princípios fundamentais da
Política Nacional de Relações de Consumo. São eles:
w o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de
consumo;
Lygia Avena
7 7
w a proteção direta e por meio de incentivos do Estado ao consumidor, com
a ação governamental voltada para a garantia dos padrões adequados de
qualidade, segurança, durabilidade e desempenho dos produtos e serviços;
w a harmonização dos interesses das partes na relação de consumo e a compa-
tibilização da proteção do consumidor com o necessário desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se
funda a ordem econômica;
w a educação e a informação quanto aos direitos e deveres de fornecedores e
consumidores;
w a repressão a abusos no mercado de consumo e à prática de concorrência
desleal;
w a racionalização e a melhoria dos serviços públicos e o acompanhamento
permanente das modificações no mercado de consumo.
Para melhor compreensão do poderoso alcance dos efeitos jurídicos da legisla-
ção protetora do consumidor, antes de ingressarmos no âmbito das entidades
fechadas de previdência complementar, cumpre destacar as relevantes conse-
quências decorrentes da aplicação do Código de Defesa do Consumidor:
1) adoção da teoria da imprevisão, com a possibilidade legal de alteração de
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua
revisão, em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente
onerosas (art. 6, V);
2) possibilidade de inversão do ônus da prova no processo civil, com funda-
mento na vulnerabilidade do consumidor e na verossimilhança das suas
alegações (art. 6, VIII), alterando o princípio processual geral de que quem
alega é quem deve provar;
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
7 8
3) responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços – independentemente
de culpa – pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes
ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos (art. 14);
4) solidariedade do fornecedor do produto ou serviço com seus prepostos ou
representantes autônomos, respondendo por seus atos (art. 34 – fundamento
na “culpa in eligendo” prevista no Código Civil);
5) outorga de opção ao consumidor para, alternativamente, em caso de não
cumprimento da oferta pelo fornecedor, exigir o cumprimento da obrigação,
nos termos da oferta ou da publicidade, aceitar outro produto ou serviço
equivalente ou rescindir o contrato, com restituição da quantia antecipada
monetariamente atualizada, e as perdas e danos (art. 35);
6) interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao con-
sumidor (art. 47);
7) nulidade de cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou indi-
retamente, variação de preço de maneira unilateral (art. 51, X);
8) sentença produzindo coisa julgada nas ações coletivas, com os seguintes
efeitos: 8.1) erga omnes (válido para todos), exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas (art. 103, I); 8.2) ultra partes (além
das partes no processo), limitadamente, porém, ao grupo, categoria ou classe,
salvo improcedência por insuficiência de provas (art. 103, II); 8.3) erga omnes,
apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas
e seus sucessores (art. 103, III).
Ocorre que, não obstante os reconhecidos aspectos positivos da tutela da legis-
lação do consumidor para a relação de consumo que lhe é pertinente, tal legisla-
ção, como se demonstrará adiante, não se coaduna com muitos dos princípios e
Lygia Avena
7 9
normativos da legislação da previdência complementar fechada. Estes, por sua
vez, possuem sólidos fundamentos e mecanismos de proteção aos participantes
dos planos de benefícios previdenciários. Com efeito, a legislação aplicável às
entidades fechadas de previdência complementar é uma das legislações mais
protetoras aos participantes, não sendo necessária ou pertinente a utilização
pelas EFPCs de uma legislação especial que não lhe é própria nem compatível
com a sua natureza, funcionamento e objeto de tutela.
IV) Distinção da relação previdenciária no âmbito das
EFPCs da relação de consumo
Pela leitura e interpretação sistemática da Lei n. 8.078/90 e dos seus princípios e,
em consonância com o fundamento disposto no art. 170 da Carta Política antes
citado, ressalta que a defesa do consumidor está voltada para a viabilização
dos princípios da “Ordem Econômica”, regulada no seu Título VII, de forma
que a mesma cumpra os seus valores constitucionalmente previstos, tais como
a valorização do trabalho, a livre iniciativa e a dignidade humana, buscando
sempre a justiça social.
E é no âmbito desta Ordem Econômica, na qual não se enquadram as enti-
dades fechadas de previdência complementar – inseridas na Ordem Social da
Constituição Federal (Título VIII – Capítulo II – Da Seguridade Social – Seção
III) – que esta legislação propiciou a proteção do consumidor, vulnerável diante
do fornecedor de produtos ou serviços que são distribuídos de forma ampla,
no mercado de consumo, sempre com finalidade lucrativa.
O art. 3º da Lei n. 8.078/90 conceitua o fornecedor, nos seguintes termos:
“Art. 3º Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou pri-
vada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
8 0
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou serviços.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,
de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.” (destacamos)
Nos termos da citada lei, portanto, a relação de consumo está vinculada às no-
ções de comercialização pelo fornecedor de produtos ou serviços e a sua distri-
buição ampla, no mercado de consumo, com finalidade comercial ou lucrativa.
Tais características, expressas no CDC para fins de configurar a relação de
consumo, não estão presentes na relação previdenciária entre participantes e
entidades fechadas de previdência complementar, sendo legalmente vedado
às EFPCs auferirem lucro ou distribuírem os seus planos de benefícios no
mercado de consumo.
Essas entidades, nos expressos termos do art. 31, inciso I, da Lei Complementar
n. 109/01, possuem abrangência restrita, tendo os seus planos de benefícios
direcionados a um grupo fechado de empregados de uma empresa ou grupo de
empresas patrocinadoras, sendo ainda previstos, como seus destinatários, nos
termos de lei específica a regular a matéria, os servidores da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, que optem por serem filiados aos planos de be-
nefícios. No caso de associações ou entidades de classe de caráter profissional
ou setorial, mencionadas no inciso II do mesmo artigo e não enfocadas neste
estudo, estas abrangem somente os seus associados ou membros filiados.
Neste sentido, dispõe o art. 31, incisos I e II da Lei Complementar n. 109/01:
“Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regula-
mentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:
Lygia Avena
8 1
I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servido-res da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e
II – aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissio-
nal, classista ou setorial, denominados instituidores [...].” (destacamos)
Portanto, conforme disposição legal, diversamente da relação de consumo na
qual os produtos e serviços são distribuídos de forma ampla, ao público em
geral, os planos de benefícios das entidades fechadas de previdência com-
plementar não podem ser distribuídos no mercado de consumo, sendo tão
somente oferecidos em âmbito circunscrito, para aqueles empregados dos seus
patrocinadores ou associados de instituidores que queiram se filiar.
Outra característica distintiva da relação previdenciária da relação de consumo
é a inexistência de finalidade lucrativa que se verifica na primeira, em razão
da natureza das entidades fechadas de previdência complementar e dos seus
objetivos.
Dispõe o art. 31 da Lei Complementar n. 109/01:
“Art. 31. [...]
§ 1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou
sociedade civil sem fins lucrativos.” (destacamos)
Idêntica redação consta do art. 8º da Lei Complementar n. 108/01.
Neste contexto legal, a contribuição previdenciária paga pelo participante
para o custeio do plano de benefícios de uma entidade fechada de previdência
complementar não possui o condão de constituir-se em preço ou remuneração,
na acepção comercial ou lucrativa de que trata o art. 3º do Código de Defesa
do Consumidor.
Nos termos do caput do art. 19, da citada Lei Complementar n. 109/01, “as
contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
8 2
prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as
especificidades previstas nesta Lei Complementar.” (destacamos).
Portanto, é para os próprios participantes que são destinadas as contribui-
ções por eles vertidas aos planos de benefícios dessas entidades fechadas de
previdência complementar, não podendo tais contribuições previdenciárias
ser enquadradas como remuneração, no contexto de comercialização de que
trata o art. 3º da Lei n. 8.078/90. Ressalte-se ainda que, em muitos planos, as
empregadoras suportam sozinhas os benefícios de risco (por morte, invalidez
e doença) concedidos, sendo tais contribuições, somadas às dos participantes,
direcionadas integralmente ao cumprimento da finalidade previdenciária
supletiva.
Aduza-se também que, nos termos do art. 14, inciso III, da Lei Complementar
n. 109/01, é previsto o resgate das contribuições vertidas pelos participantes,
na hipótese de os mesmos optarem por sua saída dos planos, antes de aufe-
rirem os benefícios, sendo previsto, em muitos regulamentos, o direito de os
participantes receberem de volta, além das contribuições que verteram para o
plano as respectivas contribuições das patrocinadoras.
Inexistindo, pois, distribuição do patrimônio destas entidades com escopo
de lucro, em razão da ausência de finalidade lucrativa, e, por consequência,
havendo o direcionamento integral das suas reservas para a concessão e a
manutenção dos benefícios previdenciários, não se poderá confundir a remu-
neração paga pelo consumidor, de que trata o art. 3º da Lei n. 8.078/90, com
a contribuição previdenciária aportada pelo participante destas entidades ao
plano ao qual se filiou.
Também sob este prisma, é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor no
âmbito do Sistema Fechado de Previdência Complementar.
No mesmo sentido, o § 3º, do art. 18 da Lei Complementar n. 109/01, reitera a
inexistência de finalidade lucrativa na relação previdenciária, ao dispor:
Lygia Avena
8 3
“Art. 18. [...] As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de
benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanente-
mente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de
benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador
e fiscalizador.”(destacamos)
Portanto, como resta evidenciado pela própria legislação específica da Previdên-
cia Complementar Fechada, o patrimônio de tais entidades e seus respectivos
rendimentos de aplicação são integralmente direcionados visando à concessão
e à manutenção dos benefícios previdenciários aos seus participantes. Desse
modo, o patrimônio é revertido em prol da finalidade previdenciária para a
qual foram criadas estas entidades.
Destaque-se ainda que, diversamente do consumidor, que não possui inge-
rência nos contratos que celebra com o fornecedor, o participante do plano de
benefícios das EFPCs possui representação nos Conselhos Deliberativo e Fiscal
dessas entidades. O primeiro Colegiado tem como uma das suas atribuições a
deliberação sobre a instituição e a alteração dos planos de benefícios, consubs-
tanciados nos seus regulamentos, instrumentos contratuais que vinculam tais
entidades aos seus participantes. A referida representação é assegurada nos
termos do art. 35, § 1º, da Lei Complementar n. 109/01, lei que propicia diversos
mecanismos de proteção aos participantes e sólidos princípios de segurança
jurídica para o Sistema de Previdência Complementar.
V) Aspectos jurisprudenciais. A Súmula n.321 do STJ e as
entidades fechadas de previdência complementar
Como toda a matéria que envolve o Código de Defesa do Consumidor, ve-
rificamos hoje uma controvérsia jurisprudencial quanto à aplicabilidade do
CDC às entidades fechadas de previdência complementar, a partir do marco
de sua vigência.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
8 4
Em relação aos contratos firmados anteriormente à vigência do Código, ou seja,
antes de 12/03/91, os julgados não manifestam divergência, embora não seja
frequente a abordagem dessa questão temporal nos processos. Na hipótese,
temos verificado decisões judiciais no sentido de afastamento da incidência
do CDC com fundamento no art 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna e no art. 6º,
caput, e § 1º, da então Lei de Introdução ao Código Civil (atualmente denomi-
nada Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). De fato, os princípios
de irretroatividade das leis e de respeito ao ato jurídico perfeito, ainda nos
contratos com produção de efeitos futuros, têm embasado esta jurisprudência,
conforme ilustra o julgado a seguir transcrito:
“Ação de Cobrança. CDC. Inaplicabilidade aos contratos firmados antes de sua vigência. Proteção constitucional do ato jurídico perfeito [...]”
(Apelação Cível n. 10024.02.867609-6/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apte.: Capemi – 17ª C.C. – TJ –MG – Rel. Eduardo Mariné da Cunha –
Julg: 22/03/2007 –Publicado em 11/05/2007.)
Quanto aos contratos celebrados posteriormente à 12/03/2009, destacamos
que, mesmo após a edição da Súmula n. 321 do STJ, a matéria é controversa nos
Tribunais, havendo diversos julgados no sentido de não incidência do Código
de Defesa do Consumidor às entidades fechadas de previdência complementar.
A Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 05/12/2005,
traduz o seguinte Enunciado, oriundo da Segunda Seção daquele Tribunal:
“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de
previdência privada e seus participantes.”
Embora inexista na Súmula efeito vinculante, esta gera preocupação no âmbito
do Sistema de Previdência Complementar Fechado, uma vez que uma Súmu-
la representa formalmente a orientação de entendimento do Tribunal sobre
o assunto específico e sujeita as EFPCs a uma legislação que não se adequa
ao ordenamento jurídico que lhe é próprio, considerando as especificidades
previdenciárias.
Lygia Avena
8 5
Preliminarmente, verifica-se que a Súmula é direcionada de forma ampla e sem
distinção às entidades de previdência complementar, classificação que abrange
entidades abertas (com finalidade lucrativa e oferecimento amplo dos seus
benefícios ao mercado) e fechadas (sem finalidade lucrativa, com abrangência
restrita dos seus benefícios) de previdência complementar, sujeitando ambas ao
Código de Defesa do Consumidor. Aqui, portanto, em que pese o respeito ao
referido Tribunal Superior, evidencia-se no nosso entendimento um primeiro
equívoco na Súmula n. 321, na medida em que esta concede o mesmo trata-
mento e enquadramento a entidades tão distintas, com características, natureza
e objetos bem diferenciados.
Como verificaremos neste estudo, tal equívoco, entre outros aspectos jurídi-
cos que abordaremos a seguir, ensejam a necessidade de revisão da referida
Súmula, de modo a excluir do seu enquadramento as entidades fechadas de
previdência complementar, propiciando o adequado tratamento legal para tais
entidades, também denominadas fundos de pensão, em razão da sua origem,
características e objetivos próprios.
De fato, as entidades fechadas (EFPCs) são distintas das entidades abertas de
previdência complementar (EAPCs) em vários aspectos fundamentais:
i) quanto à natureza jurídica definida em legislação – as primeiras foram
criadas sob a forma de fundação ou então sociedade civil e as EAPCs sob
a forma de S/A, considerando a sua finalidade lucrativa;
ii) quanto ao enquadramento – as EFPCs são enquadradas no Ministério da
Previdência Social, já as EAPCs no Ministério da Fazenda;
iii) quanto à finalidade – as EFPCs não possuem finalidade lucrativa enquanto
as EAPCs têm no lucro o seu objeto;
iv) quanto à abrangência – as EFPCs, nos termos da legislação, como já ana-
lisado anteriormente, têm a abrangência circunscrita dos seus planos de
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
8 6
benefícios, enquanto as EAPCs podem distribuir os seus planos de bene-
fícios no mercado de consumo.
Desse modo, já sob este prisma jurídico, como poderiam as EAPCs e as EFPCs
ter o mesmo tratamento da Súmula n. 321, para fins de sujeição às normas do
Código de Defesa do Consumidor?
Em síntese, para embasar a referida Súmula, foram apresentados pelo STJ os
seguintes fundamentos jurídicos, indicando como referência legal os arts. 2º e
3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90):
i) a entidade previdenciária realiza atividade de natureza securitária;
ii) o participante do plano de previdência privada caracteriza-se como con-
sumidor, por tratar-se de pessoa que adquire a prestação de serviço como
destinatário final, para atender necessidade própria;
iii) as entidades de previdência privada enquadram-se no conceito de fornece-
dores de serviços do art. 3º do CDC, que dispõe: “é fornecedor de serviços
aquele que os presta no mercado de consumo”.
Considerando uma análise percuciente de cada fundamento embasador da
Súmula, passemos a analisá-los:
i) a entidade previdenciária realiza atividade de natureza securitária: em-
bora a atividade securitária não se confunda exatamente com a atividade
previdenciária, que possui características distintas daquela, apenas para
argumentar, se considerássemos o conceito de atividade securitária no
seu sentido amplo, de modo a contemplar a atividade previdenciária, tal
atividade, como previsto no CDC e na Constituição Federal, seria aquela
desenvolvida juntamente com outras atividades incluídas na ordem eco-
nômica e financeira (Título VII da CF), com prestação ampla, ao mercado
de consumo e finalidade lucrativa. Neste contexto não se situa a atividade
Lygia Avena
8 7
previdenciária das entidades fechadas de previdência complementar, mas
apenas das entidades abertas de previdência complementar, como antes
já demonstrado;
ii) o participante do plano de previdência privada caracteriza-se como con-
sumidor, por tratar-se de pessoa que adquire a prestação de serviço como
destinatário final, para atender necessidade própria: não basta ser destina-
tário final para ser consumidor. É preciso que este esteja enquadrado em
um contexto com todas as demais características da relação de consumo
já indicadas no item acima, com fornecimento no contexto da Ordem
Econômica, o que também não é a hipótese no caso dos participantes das
EFPCs;
iii) as entidades de previdência privada enquadram-se no conceito de forne-
cedor de serviços do art. 3º do CDC, que dispõe: “é fornecedor de serviços
aquele que os presta no mercado de consumo”. Conforme já demonstra-
do anteriormente, diferentemente das entidades abertas de previdência
complementar, as EFPCs não podem distribuir, nos termos da lei, os seus
planos de benefícios ao mercado de consumo, não estando estes dispo-
níveis a quaisquer pessoas físicas, mas tão somente aos empregados das
empresas patrocinadoras ou aos associados dos Instituidores. Também
não há relação de consumo em razão da inexistência do escopo lucrativo,
necessário para tal configuração.
Desse modo, em que pese a argumentação apresentada por aquele Tribunal
Superior, embasadora da Súmula sobre a matéria, por diversos fundamentos
constitucionais e legais, cumpre ressaltar que a relação jurídica entre os fundos
de pensão e os seus participantes não se enquadra na tutela do Código de De-
fesa do Consumidor, não se constituindo em relação de consumo. Portanto, sob
qualquer prisma jurídico que seja apreciada a referida Súmula, esta não merece
prosperar em relação às entidades fechadas de previdência complementar.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
8 8
Por tais fundamentos, mesmo após a Súmula n. 321 do STJ, temos verificado
jurisprudências de diversos Estados afastando a aplicação do CDC nos planos
de benefícios das EFPCs, como a seguir ilustrado:
TJ/RJ
“Agravo de Instrumento. Gratuidade de Justiça. Ação Coletiva. As-sociação dos Contribuintes Assistidos da VALIA – Aposvale. Revisão de benefício. Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social – Valia. Atividade previdenciária complementar privada de natureza supletiva. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Inexistência de relação de consumo. Inaplicabilidade do CDC [...]”.
De fato, “as entidades não se enquadram no conceito de fornecedores previstos no Código de Defesa do Consumidor, pois não comercializam os seus benefícios, nem os distribuem no mercado de consumo [...].”
(destacamos)
(Ag. Instrumento n. 18.524/2006 – 1ª Câmara Cível – Rel. Des. Maldonado de Carva-
lho – Publicação 07/05/2007 – Agravada: Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade
Social – VALIA)
Portanto, a ausência de finalidade lucrativa e a abrangência restrita dos planos
de benefícios da entidade foram as características determinantes para afastar
a incidência do Código.
No mesmo sentido, e analisando os objetivos da Súmula, o julgado abaixo
transcrito:
TJ/SP
Previdência Privada – Exceção de Incompetência – Acolhimento – Ina-
plicabilidade da Súmula 321 do STJ – Agravo Provido.
“[...] Embora inexista na Súmula 321 a distinção entre empresas abertas
ou fechadas de previdência privada, visa referida Súmula a proteção do
Lygia Avena
8 9
consumidor, figura presente apenas na relação existente entre as empresas
abertas de previdência privada e seus participantes.
Assim, inexistindo relação de consumo, no presente caso, resta inapli-
cável a Súmula 321 do STJ...” (destacamos)
(AI n. 847.502-5/6-00 – 4ª Câmara de Dir. Público – Rel. Thales do Amaral – Julg.
09/02/2009 – Reg. n. 02212549 – Pub. 24/03/2009 – Agravante: Volkswagen Previ-
dência Privada)
Também manifestou o mesmo entendimento o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, nos seguintes termos:
TJ/RS
Ação Revisional. Mútuo Hipotecário. Inépcia da Inicial. Entidade de
Previdência Privada. CDC. Tabela Price. Capitalização. Multa Contratual.
Vencimento Antecipado. [...]. Não se aplicam as disposições do Código
de Defesa do Consumidor, porque a relação jurídica correspondente não
se enquadra como relação de consumo. (destacamos)
(AP. Cível n. 70022774707 – 10ª Câmara Cível – Rel.: Des. Luiz Ary Vessini de Lima –
Julg. 27/11/2008 – Pub. 16/01/2009 – Apelada: PREVI)
Poderíamos ainda citar, em caráter exemplificativo, em consonância com os
julgados acima, o ED n. 425.607-5/0-01, da 9ª Câmara de Dir. Público – TJ/
SP – Rel.: Peiretti de Godoy – Julg. 15/08/2007 – Embargado: Instituto Portus
de Seguridade Social; o ED em AI n. 10473/2007 – 19ª Câmara Cível – TJ/
RJ – Rel.: Denise Levy Tredler – Julg. 09/10/2007 – Embargada: VALIA e a
AP. Cível n. 1.0024.04.428763-9/001, da 16ª Câmara Cível do TJ/MG – Rel.:
Des. José Amâncio – Julg. 21/06/2006 – Pub. 14/07/2006 – Apelante: PREVI.
Mais recentemente, no mesmo sentido, o julgado do TJ/SP, de 22/05/2012,
publicado em 28/05/2012, que, tratando da relação de entidade fechada
de previdência complementar e seu participante, embora versando sobre a
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
9 0
prestação de assistência a saúde, pelos mesmos fundamentos aplicáveis aos
planos previdenciários de tais entidades, decidiu pela inaplicabilidade do
CDC (AP. Cível 9092033-96.2008.8-260000 – 2. Câmara de Direito Privado,
Rel. Des. Fábio Tabosa).
VI) Conclusão
Pelos fundamentos jurídicos já mencionados, verifica-se que são sólidas e bem
delineadas as distinções entre a relação de consumo firmada entre o fornecedor
de produtos e serviços e o seu consumidor, daquela relação civil-previdenciária,
desenvolvida entre as EFPCs e os seus participantes.
Podemos então sintetizar como principais diferenças entre a relação de consumo
prevista no Código de Defesa do Consumidor e a relação previdenciária no
âmbito do Sistema Fechado de Previdência Complementar:
1) Quanto à abrangência: enquanto a relação de consumo está inserida em um
contexto de abrangência ampla, no qual os produtos e serviços são distri-
buídos ao mercado de consumo e acessíveis ao público em geral, a relação
previdenciária no âmbito das EFPCs, por expressa disposição legal, ocorre
em âmbito circunscrito e delimitado, não podendo os planos de benefícios
ser oferecidos ao mercado de consumo ou à população em geral, mas tão
somente a um universo delimitado de participantes.
2) Quanto à finalidade lucrativa: nos termos conceituados pelo art. 3º da Lei
n. 8.078/90, a relação de consumo está vinculada às noções de comerciali-
zação de produtos e/ou serviços e sua distribuição ampla, no mercado de
consumo com escopo comercial ou lucrativo. Já na relação previdenciária,
por força da lei de regência de tais entidades, inexiste finalidade comercial
ou lucrativa, sendo estas entidades constituídas sob a forma de fundações ou
sociedades civis, sempre sem fins lucrativos. O fim de lucro é vedado pela
legislação em razão dos objetivos para os quais foram criadas tais entidades,
pelos fundamentos antes mencionados.
Lygia Avena
9 1
3) Quanto ao enquadramento: enquanto o princípio de defesa do consumidor está,
nos termos do art. 170, inciso V, da Constituição Federal, direcionado para a
Ordem Econômica (Título VII – “Da Ordem Econômica e Financeira” – Capítulo
I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”) como um dos princípios
ao qual esta deve observar, estando enquadrada a relação de consumo de
que trata o CDC neste contexto, as entidades fechadas de previdência com-
plementar e suas respectivas relações previdenciárias, em razão dos seus
objetivos e atuação, estão enquadradas na Ordem Social (Título VIII – “Da
Ordem Social” da CF), não estando inseridas, portanto, no âmbito da tutela
do Código de Defesa do Consumidor.
4) Quanto às especificidades das legislações próprias: no contexto indicado
no item anterior, voltado para a Ordem Econômica e suas atividades, o
Código de Defesa do Consumidor tem suas peculiaridades no tratamento
legal direcionado à relação de consumo, objetivando propiciar o equilíbrio
entre consumidor e fornecedor de produtos e serviços na cadeia econômica.
Tal legislação não se coaduna com as especificidades próprias do ordena-
mento jurídico específico aplicável às entidades fechadas de previdência
complementar, voltado para o equilíbrio dos planos de custeio dos planos
de benefícios, calcados em rígidas bases atuariais e considerando a sua ade-
quada operacionalização. A distinção dos ordenamentos jurídicos específicos
e os objetivos das suas respectivas tutelas refletem a distinção da relação de
consumo da relação previdenciária ora analisada.
A exemplificar, os regulamentos dos planos de benefícios, via de regra, pre-
veem que, na hipótese da ocorrência de fato superveniente que implique
alteração do plano de custeio (como ocorre no caso de déficit do plano de
benefícios), este será revisto, o que implicará, via de regra, revisão de con-
tribuições. Na ocorrência de déficit, a entidade poderá estabelecer, como
uma das alternativas para o seu equacionamento, mediante a revisão do
seu plano de custeio, a majoração das contribuições dos seus participantes
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
9 2
e patrocinadoras. A referida revisão objetiva alcançar o equilíbrio dos pla-
nos de custeio dos seus planos de benefícios, assegurando, dessa forma, o
cumprimento dos compromissos assumidos com os seus participantes. Tal
tratamento está previsto no art. 21, caput, e seu parágrafo primeiro, da Lei
Complementar n. 109/01, a seguir transcritos:
“Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições sem prejuízo da ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.” (destacamos)
Ora, como compatibilizar tal hipótese e norma aplicável com a regra prevista
no art. 51, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe ser nula
a cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou indiretamente,
variação de preço de maneira unilateral?
Do mesmo modo, como conciliar tal previsão inserta na legislação que rege
a relação de consumo com o princípio legal voltado ao equilíbrio econômico-
-financeiro e atuarial dos planos de benefícios, em proteção aos participantes,
previsto no art. 3º, inciso III, da Lei Complementar n. 109/01?
Portanto, também sob o ângulo das especificidades das legislações que lhe
são próprias, ressalta a distinção da relação previdenciária da relação de
consumo prevista no Código de Defesa do Consumidor.
5) Quanto à representação e ingerência nos contratos: enquanto o consumidor,
na qualidade de hipossuficiente na relação contratual, não possui ingerência
nos contratos firmados com o fornecedor, o participante de uma EFPC, pela
representação que lhe é assegurada nos termos do art. 35 da Lei Complemen-
tar n. 109/01, possui a possibilidade de interferir nos contratos (regulamentos
dos planos de benefícios) por meio dos seus representantes no Conselho
Deliberativo, colegiado que, entre outras atribuições, aprova a instituição
e alteração dos regulamentos dos planos de benefícios dessas entidades.
Lygia Avena
9 3
Finalmente, importante ressaltar que, não obstante tais considerações e as várias
distinções verificadas nessas relações, respeitadas as devidas especificidades
do CDC e da legislação que rege as entidades fechadas de previdência comple-
mentar, existem saudáveis e sólidos princípios de proteção aos participantes
dos fundos de pensão assegurados na legislação específica da previdência
complementar fechada, esta última uma das legislações brasileiras mais rígidas
e protetoras, a amparar os destinatários dos benefícios previdenciários.
A exemplificar tais mecanismos legais de proteção, poderíamos destacar:
i) a garantia de pleno acesso dos participantes às informações sobre a gestão
dos planos de benefícios (art. 3º, IV, e art. 24 da LC n. 109/01);
ii) a representação obrigatória dos participantes nos Conselhos Deliberativo
e Fiscal das EFPCs (art. 35, § 1º da LC 109);
iii) a ação do Estado voltada à fiscalização e controle das EFPCs e suas ope-
rações e à proteção dos interesses dos participantes (art. 3º, V e VI, da
LC 109);
iv) o rígido regime repressivo e disciplinar aplicado a dirigentes, conselheiros,
administradores dos patrocinadores e prestadores de serviços, com severas
penalidades administrativas aplicadas à pessoa física – agente do dano ou
prejuízo (arts. 63 a 67 da LC 109 e Decreto n. 4.942/03);
v) a responsabilidade solidária da Diretoria com o dirigente responsável pela
aplicação de recursos em caso de dano ou prejuízo (§ 5º do art. 35 da LC 109);
vi) a obrigatoriedade dos planos das EFPCs atenderem aos padrões de trans-
parência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial,
fixados pelos órgãos regulador e fiscalizador (arts. 3º, 7º e 9º da LC 109);
vii) a obrigatoriedade das EFPCs constituírem reservas técnicas, fundos e
provisões voltadas à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo
plano, atuando em regime de capitalização (§ 3º do art. 18 da LC 109/01);
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
9 4
viii) o privilégio dos participantes das EFPCs sobre os ativos garantidores das
reservas técnicas em caso de liquidação extrajudicial (arts. 50 e 57 da referi-
da LC 109) e o privilégio dos créditos das EFPCs sobre a massa liquidanda
ou falida dos patrocinadores;
ix) a previsão de destinação de superávit para fins de revisão do plano, visando
a melhoria de benefício e/ou redução de contribuições (art. 20 e seus §§,
da LC 109).
Por tais razões, ressalta a distinção da relação de consumo da relação previ-
denciária das entidades fechadas de previdência complementar com os seus
participantes. As características próprias de tais entidades as distinguem com
clareza dos fornecedores de produtos ou serviços no âmbito da Legislação do
Consumidor.
* Lygia Avena é Advogada graduada pela PUC/RJ, pós-graduada em Direito Empresarial, com MBA em Administração pelo IBMEC e especialização em Previdência Complementar na Wharton School – University of Pennsylvania, USA. Professora em Previdência Complementar nos Cursos de Especialização e Pós-Graduação das FGV/SP, UERJ/RJ, Escola de Negócios da Universidade Positivo do Paraná e do IDS – Instituto de Direito Latino Americano. Membro da Câmara de Re-cursos da Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, no período 2010/2011. É Coordenadora da Comissão Técnica Nacional de Assuntos Jurídicos da Abrapp e Gerente Jurídica da Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social-Valia.
Lygia Avena
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A PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR1
Maria da Glória Chagas Arruda *
I) Introdução
A previdência privada e a previdência social são campos integrantes do Direito
Previdenciário. O Regime de Previdência Privada, assim como o Regime Geral
de Previdência Social, é importante instrumento de proteção social que tem por
objetivo atender às necessidades dos sujeitos advindas das consequências da
ocorrência do risco social, por exemplo: velhice, doença, morte.
Da mesma forma que a previdência social, a previdência privada obedece ao
princípio do bem-estar social, vetor que decorre do direito que cada cidadão
tem a uma vida digna, axioma que deve ser atingido pelo esforço conjunto
do próprio indivíduo e da organização social. Por essa razão, sua disciplina
jurídica está inserta no Direito Social, sendo esses regimes parte integrante do
sistema de seguridade social posto na Constituição Federal de 1988 no Título
VIII, o qual versa sobre a “Ordem Social”.
1 Tal artigo foi escrito com base no meu livro “A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada”. São Paulo: Editora Ltr, 2008.
Maria da Glória Chagas Arruda
9 7
O sistema de previdência privada, inserto no art. 202 da Constituição Federal,
tem caráter complementar e facultativo, organizado de forma autonôma em
relação ao regime geral de previdência social, sob regulação e fiscalização
do Estado. Esse regime é baseado na constituição de reservas que garantam
o benefício contratado e regulado por meio da Lei Complementar n. 109, de
29/05/2001.
A previdência privada fechada é regida pelos princípios da facultatividade
(nenhum modelo de previdência privada deverá ser imposto tanto ao patroci-
nador como ao participante), pelo princípio da contratualidade (o plano previ-
denciário é figura contratual regido pela autonomia privada), pelo princípio da
publicidade, que no campo da previdência privada pode ser entendido como
o da transparência (aos participantes e aos assistidos deve ser garantido pleno
acesso às informações relativas à gestão de seus planos previdenciários), e, por
fim, pelo princípio da tutela do Estado (art. 3° da LC 109/ 01).
O custeio da previdência privada é suportado pelos participantes e pelas
empresas (patrocinadoras). Tal mecanismo é assentado na livre iniciativa dos
interessados e vive da vontade dos que a apoiam, ou seja, de cada participan-
te por si e/ou pela sua empresa. Dependendo do regime financeiro adotado,
forma-se um fundo estruturado atuarialmente, beneficiando-se da técnica
da divisão dos riscos de onde sairão os benefícios previdenciários que serão
concedidos no futuro.
Além dos princípios específicos aplicáveis à previdência privada aplica-se,
assim como no RGPS, os princípios gerais da seguridade social elencados no
art. 194, parágrafo único, do Texto Constitucional, que regem os dois regimes.
Porém dele se afasta, pois não é regido pelo Direito Público, como é o RGPS, e
não é compulsório e sim facultativo.
Tendo em vista tal proximidade, alguns doutrinadores chegam a afirmar que
tais relações jurídicas são idênticas, o que é errôneo, pois o RGPS é caracteri-
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
9 8
zado como verdadeiro serviço público prestado a certa categoria de pessoas
visando a cobrir os riscos previamente demarcados em lei. As relações jurídicas
que decorrem do regime geral de previdência social são regidas pelo Direito
Público e nascem diretamente da lei.
A conjugação do RGPS, modelo previdenciário básico, geral e obrigatório,
gerido pelo Poder Público, e de regimes complementares, facultativos, geridos
pela iniciativa privada, assegura a proteção necessária que, adequadamente
estimulada e garantida, poderá representar a realização dos objetivos funda-
mentais do Estado Democrático Social na finalidade de construir uma sociedade
livre, justa e solidária (art. 3°, I, Constituição Federal).
A previdência privada fechada é o contrato situado no interior do universo
previdenciário, cujo pressuposto é a existência da relação de seguridade social.
Tal relação não integra o contrato de trabalho mantido entre o participante e
o patrocinador, pois o vínculo trabalhista influi apenas de modo indireto na
concessão, manutenção ou extinção do benefício privado.
Por outro lado, a relação jurídica de previdência privada fechada converge com
a relação de trabalho, pois a par da discussão se tal liame é ou não trabalhista,
de fato pode-se afirmar que tal relação decorre inexoravelmente do contrato de
trabalho, já que acessível a determinados empregados ligados à patrocinadora
pelo contrato de trabalho.
Da mesma forma que a relação jurídica de previdência privada fechada guarda
grande similitude e proximidade com a previdência social e com o Direito do
Trabalho, tal relação aproxima-se do contrato de seguro, pois a sua base técnica
e operacional é muito semelhante ao seguro.
Porém, já defendi2 que a previdência privada não se confunde com o contrato
de seguro, pois, ao contrário deste, a previdência privada cobre apenas os riscos
2 A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: Ltr, 2008, p.19.
Maria da Glória Chagas Arruda
9 9
sociais. A entidade fechada de previdência complementar não é seguradora e
não persegue o lucro. Além disso, no seguro não existe a propriedade comuni-
tária do patrimônio (previdenciário), como há na previdência privada fechada.
II – A previdência privada fechada
As entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs) são pessoas ju-
rídicas que não buscam lucros e têm por objetivo instituir e operar planos de
benefícios de caráter previdenciário, acessíveis exclusivamente aos empregados
de uma empresa ou grupo de empresas, aos servidores da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios ou aos associados ou membros de pessoas
jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, conforme estabelece o art.
31 da Lei Complementar n. 109/01.
Essas entidades operam planos previdenciários que podem ser instituídos por
patrocinadores (pessoa jurídica que patrocina EFPC para seus empregados
e administradores ou adere a plano de benefícios de caráter previdenciário
administrado por intermédio de EFPC já existente e participa total ou parcial-
mente do custeio do plano) ou por instituidores (pessoa jurídica de caráter
profissional, classista ou setorial, que institui plano previdenciário para seus
associados), conforme estabelecido no art. 12 da Lei Complementar n. 109/01.
O plano de benefícios de caráter previdenciário (ou plano previdenciário) é o
conjunto de regras definidoras dos direitos e obrigações dos participantes e
assistidos, dos patrocinadores ou dos instituidores e da entidade de previdência
complementar.
Segundo Póvoas, o plano previdenciário é: “uma elaboração intelectual que,
considerando as necessidades de certo segmento da população ou de um
conjunto definido de pessoas, se consubstancia num esquema de coberturas
que as podem satisfazer, dentro das exigências dos organismos executivos e
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
1 0 0
de controle da instituição; grande parte da elaboração intelectual recorre à
ciência atuarial.”3
Tais planos devem apresentar sólida estrutura técnica, sem a qual os planos
previdenciários, como um todo, inviabilizar-se-iam. A adoção de parâmetros
técnicos seguros tem o objetivo específico de assegurar a solvência, a liquidez
e o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial do plano de benefícios.
As bases técnicas consubstanciam-se num dos elementos que constituem o
custeio do plano previdenciário.
O plano de custeio é a previsão técnica-atuarial elaborada pelo atuário no
sentido de detectar a quantidade de recursos que deve ser arrecadada para
manutenção futura dos benefícios previdenciários a serem concedidos pela
entidade fechada de previdência complementar.
Os elementos técnicos que influenciam sobremaneira o plano previdenciário
são: as tábuas biométricas (instrumentos técnicos que preveem o comporta-
mento de um conjunto suficientemente grande de pessoas no que respeita a
determinados eventos aleatórios, tais como: a morte, a invalidez, a doença, etc.),
os regimes financeiros (critérios de cálculos das contribuições que corretamente
aplicados financeiramente serão suficientes para o pagamento dos benefícios
previdenciários, objeto do plano previdenciário), as reservas matemáticas
(obrigações da entidade que se destinam a garantir a operação do plano previ-
denciário) e a taxa de juros (hipótese utilizada na avaliação atuarial destinada
a projetar o comportamento, em longo prazo, dos retornos dos investimentos
dos recursos garantidores, excluído o efeito da inflação). Tais elementos serão
descritos na Nota Técnica Atuarial (documento que descreve a estruturação
técnica do plano previdenciário).
O plano previdenciário é o conjunto de regras definidoras dos benefícios de ca-
3 Previdência Privada. Filosofia..., 2ª ed., cit., p. 163.
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ráter previdenciário, sendo que tais dispositivos devem ser objetivos e aplicáveis
necessariamente à totalidade dos participantes inseridos no grupo protegido. O
plano previdenciário é negócio jurídico plurilateral, pois integram tal negócio
jurídico os participantes, os assistidos, os patrocinadores ou instituidores e a
entidade fechada de previdência complementar.
III – O Código de Defesa do Consumidor – relação de
consumo: os sujeitos e o objeto
A relação jurídica previdenciária travada entre os participantes e a EFPC apre-
senta natureza singular e possui regras especiais que ensejam interpretação
própria, fato que impossibilita a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Para que seja possível concluirmos pela inaplicabilidade do CDC à previdência
fechada, é importante estudarmos as figuras do consumidor e do fornecedor
(sujeitos da relação de consumo) e a definição de prestação de serviços (objeto
da relação jurídica de consumo aplicável ao caso em estudo) para que possamos
identificar se a relação dos participantes com a EFPC e a operação do plano
previdenciário submete-se ou não ao CDC.
A inclusão dos contratos previdenciários no âmbito do CDC tem causado
grande controvérsia no meio jurídico, tanto assim é que várias lides foram
levadas ao Poder Judiciário, fato que levou o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) a expedir o Enunciado n. 321, cujo teor determina: “O Código de Defesa
do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência
privada e seus participantes”. (grifamos)
A aplicação de alguns preceitos do CDC à previdência fechada poderá acarretar
importante desequilíbrio financeiro nos planos de benefícios operados por EFPC
(e até a sua inviabilização). As decisões fulcradas equivocadamente no diploma
consumerista e que são aparentemente mais benéficas ao participante litigante,
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
1 0 2
considerando-se o falso desequilíbrio econômico existente entre o indivíduo e
a EFPC, atingirão, na realidade, a coletividade protegida.
A relação jurídica previdenciária apresenta natureza singular, possui regras
especiais que ensejam interpretação própria, fato que a distingue da relação
travada no âmbito dos planos de benefícios operados por entidade aberta de
previdência privada.
A premissa dos planos previdenciários operados por EFPC é a de que todo
sistema deve ser baseado na constituição de reservas que garantam os bene-
fícios contratados.
Tais recursos são vertidos somente pelos sujeitos envolvidos na relação jurídica
previdenciária, razão pela qual não é demais afirmar que seus participantes são
os verdadeiros “condôminos” do patrimônio do plano. São eles os proprietá-
rios dos ativos que garantem o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial do
plano operado pela EFPC.
Portanto, não é possível identificar a presença, na relação jurídica que se con-
forma no âmbito de operação dos planos de benefícios operados por EFPC, de
elementos que possam submetê-la às normas emanadas no CDC.
A estrutura básica da relação jurídica de consumo, tal como de toda relação
jurídica, é formada pelo sujeito e objeto. Para que determinada relação seja
caracterizada como de consumo, deverá apresentar de um lado uma pessoa
enquadrada no conceito legal de consumidor e, de outro, uma enquadrável no
de fornecedor. Trata-se, portanto, de conceito relacional: não há consumidor
sem o fornecedor e vice-versa. Não há consumidor e fornecedor sem que haja
produtos e serviços.
O consumidor e o fornecedor só serão assim considerados desde que esteja
presente na relação jurídica a ser analisada o objeto de consumo: o produto ou
o serviço. O consumidor é definido como aquele que adquire, na qualidade
Maria da Glória Chagas Arruda
1 0 3
de usuário final, produto ou serviço. Da mesma forma, só será fornecedor o
agente que inserir no mercado de consumo, mediante remuneração, produtos
ou serviços.
A partir da definição de relação de consumo, é possível identificar os elementos
da relação jurídica de consumo. São eles: a) os sujeitos – o consumidor e o forne-
cedor; b) o objeto da relação – produtos e serviços; e c) o elemento teleológico,
assim definido por Nelson Nery Junior:
“[...] c) como finalidade, caracterizando-se como elemento teleológico
das relações de consumo serem elas celebradas para que o consumidor
adquira produto ou se utilize de serviço ’como destinatário final’”. (art.
2º, caput, última parte, CDC)4.” (grifo do autor)
Desse modo, estudaremos a seguir as definições de consumidor e de fornecedor
e o conceito de prestação de serviços em face do CDC (objeto da relação de
consumo). O elemento teleológico será estudado em conjunto com a definição
de consumidor.
Na seara do Direito do Consumidor Brasileiro, um dos temas mais controver-
tidos é o da definição da figura do consumidor.
Apesar da definição objetiva inserta no art. 2º do CDC, os doutrinadores pá-
trios divergem em relação à extensão de tal conceito. Logo após a edição do
CDC, alguns estudiosos chegaram a defender a existência de conceito amplo
de consumidor. Afirmaram que consumidores seriam todas as pessoas que
adquirissem bens ou produtos. Nessa linha ensina Thierry Bourgoignie5:
4 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 494.
5 O Conceito jurídico de consumidor, Revista do Consumidor, São Paulo, n. 02, março 1992, p. 21.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
1 0 4
“d) Desde que todo mundo é levado a consumir, todo mundo é consu-
midor; o consumidor não é um conceito único, mas difuso; a qualidade
de consumidor pertence a todos e a cada um, quer seja empregador, tra-
balhador, cidadão, produtor, distribuidor, profissional, rico, pobre, etc.”
Percebe-se, no entanto, que, se todos somos consumidores, não seria necessária
especial proteção jurídica à figura do consumidor, razão pela qual o CDC optou
pelo conceito objetivo de consumidor. A adoção de conceito muito amplo de
consumidor, de certo modo, desvia a finalidade do CDC, que é a de proteger
a parte mais fraca na relação de consumo6.
Para o estudo técnico-jurídico da relação jurídica em análise, é preciso analisar
o termo consumidor em consonância com o estatuído na legislação própria. A
definição de consumidor no art. 2º é a regra basilar do CDC e assim estabelece:
“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final.”
Percebe-se daí que o consumidor poderá ser tanto pessoa física como pessoa
jurídica. Como a norma não faz qualquer distinção quanto à pessoa jurídica,
nota-se que qualquer tipo de pessoa jurídica pode ser consumidora, desde que
adquira ou utilize produtos e/ou serviços como destinatária final. Ao estudar
esse dispositivo legal, nota-se que a única característica restritiva da figura do
consumidor é a aquisição ou a utilização do produto ou serviço como desti-
natário final.
Surge, assim, a grande polêmica: o que é ser destinatário final? A aquisição
de produto ou serviço para utilização em termos profissionais gerando ri-
quezas caracterizaria o adquirente como destinatário final e, por conseguinte,
consumidor?
6 BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e. O Conceito jurídico de Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 628, ano 77, fev. 88, p. 77.
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O debate jurídico em torno desse termo está justamente nessa hipótese especí-
fica, pois ninguém classifica como consumidor o agente que adquire produto
ou utiliza serviços não como destinatário final, mas como intermediário da
produção. Essa conclusão é lógica: se a pessoa não adquire produto ou utiliza
serviços como destinatário final, não é consumidor.
A grande controvérsia surge quando a pessoa física adquire produto ou serviço
como destinatário final, porém o usa como típico bem de produção. O exemplo
desse caso é o advogado que adquire um computador numa loja de informática
para utilizá-lo em seu escritório de advocacia.
Desse modo, da interpretação do termo “destinatário final” surgiram duas
teorias: os finalistas e os maximalistas. Após o advento do novo Código Civil,
defende Cláudia Lima Marques a existência de uma terceira corrente (subdi-
visão da teoria finalista), que é a do finalismo aprofundado7.
Os finalistas defendem a ideia de que o termo destinatário final deve ser in-
terpretado de forma restrita, como orientam os princípios básicos do CDC,
conforme arts. 4º e 6º. O destinatário final é o destinatário fático e econômico
do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. O consumidor seria aquele
que adquire ou utiliza os produtos e serviços para uso próprio ou de sua família,
e não para uso profissional.
Se o bem fosse utilizado para uso profissional, o seu custo seria repassado para
o serviço prestado por esse pseudoconsumidor e, portanto, caracterizaria um
dos meios de produção, afastando assim a ideia do verdadeiro consumidor
que o Código visa a tutelar.
Para essa teoria, o advogado que adquire o computador, como destinatário
final, pois será ele que o utilizará para fins profissionais, não seria consumidor
e, portanto, não estaria tutelado pelas regras consumeristas.
7 Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2000, p. 305.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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Cláudia Lima Marques explica:
“Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumi-
dor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consu-
midores. [...] Propõem, então, que se interprete a expressão ‘destinatário
final’ do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos
do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º.
Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou
serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Logo, segundo esta interpreta-
ção teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da
cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência: é necessário
ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda,
não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um
instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do pro-
fissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação
final’ do produto ou do serviço.
Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire
(utiliza) um produto para uso próprio e de sua família, consumidor seria
o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um
grupo da sociedade que é mais vulnerável8.” (grifamos)
Os maximalistas, os quais possuem visão mais ampla do CDC, por sua vez,
consideram tal diploma legal como importante instrumento para proteger todos
os agentes do consumo, razão pela qual possuem definição extensiva do termo
consumidor. A definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se
a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire produtos
ou utiliza o serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto,
aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, seja desenvolvendo ou
não atividades profissionais.
8 Contratos no Código..., cit., p. 304.
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Nesse caso, o advogado que adquire o computador do fornecedor, mesmo para
atividades profissionais, seria consumidor, pois retirou o bem do mercado,
consumindo-o (utilizando para seu uso pessoal).
Cláudia Lima Marques resume o entendimento da teoria maximalista:
“Consideram [autores que defendem a teoria maximalista] que a defini-
ção do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou
jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza
um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto,
aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a
fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de
celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado
que compra uma máquina de escrever para o seu escritório, ou mesmo o
Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, claro, a dona
de casa que adquire produtos alimentícios para a família9.”
Nota-se que as duas teorias são opostas, pois a primeira (finalista) afirma que
o consumidor é só aquele que adquire ou utiliza produtos ou serviços para uso
próprio. É o destinatário econômico do bem ou do serviço, isto é, o consumidor
que se encontra na última etapa da atividade econômica.
No entendimento dos finalistas, para o CDC: consumidor é a pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços com o intuito de suprir as
necessidades próprias e não para o desenvolvimento de atividade negocial10.
9 Contratos do Código..., cit., p. 305.
10 Cláudia Lima Marques defende expressamente a teoria finalista: “O destinatário final é o Endver-braucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econô-mico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor-final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor” (grifo da autora) (Contratos do Código..., cit., p. 338).
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
1 0 8
A segunda teoria (maximalista) defende que o consumidor seria não só aquele
que adquire ou utiliza produtos ou serviços para uso próprio, como, também,
aquele que o faz em termos profissionais. É o destinatário fático, ou seja, o
adquirente que simplesmente retira o bem de circulação, independentemente
da finalidade que dará ao produto11.
A partir de 2003, porém, com a entrada em vigor do novo Código Civil, Cláudia
Lima Marques defende o surgimento de uma terceira corrente, subdivisão da
teoria finalista, a qual ela passa a denominar de finalismo aprofundado.
Segundo tal autora, a referida teoria surgiu em decorrência da jurisprudência,
em especial do STJ, em que os julgados, com fundamento na teoria finalista,
interpretaram com razoabilidade e prudência a expressão “destinatário final”
inserta no art. 2º do CDC. O consumidor deve assim ser caracterizado quando
estiverem presentes concomitantemente dois elementos: a destinação final e a
vulnerabilidade (art. 4º, I, CDC)12.
Não seria apenas a qualidade de destinatário final do produto ou do serviço
que caracterizaria o sujeito como consumidor, mas também, sua qualidade de
vulnerável (fragilidade) na relação contratual.
A vulnerabilidade é situação de desequilíbrio de poder negocial entre as partes
contratantes, que acaba por justificar tratamento desigual entre o consumidor
e o fornecedor. A vulnerabilidade pode ser técnica, jurídica ou fática.
11 O Código de Defesa do Consumidor em face do Código Civil de 2002, Convergências e Assimetrias. In: PFEIFFER, Roberto A. C. e PASQUALOTTO, Adalberto (coords.). São Paulo: RT, 2005, p. 135.
12 Cláudia Lima Marques expõe: “Esperamos, portanto, que a jurisprudência mantenha a linha atual de finalismo aprofundado (exigindo a prova da vulnerabilidade e da destinação final) ou de razoabilidade no controle dos contratos de adesão, privilegiando realmente aqueles consumidores-equiparados que se encontram em fática situação de vulnerabilidade e assegurando para os consumidores stricto sensu eficaz equilíbrio e boa-fé nas suas relações contratuais” (grifo da autora) (Contratos do Código..., cit., p. 363).
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A vulnerabilidade técnica ocorre quando o consumidor não possui conhecimen-
to técnico sobre o objeto que está adquirindo ou serviço que está utilizando.
A vulnerabilidade jurídica é a falta de conhecimento jurídico específico, de
conhecimentos de contabilidade ou de economia13. Tais estados são presumi-
dos, pelo CDC, para os consumidores não-profissionais e para o consumidor
pessoa física.
A vulnerabilidade fática ou socioeconômica é analisada ante o outro sujeito da
relação de consumo, “o fornecedor que, por sua posição de monopólio, fático
ou jurídico, por seu grande poder econômico ou em razão da essencialidade
do serviço, impõe sua superioridade a todos que com ele contratam”14.
A vulnerabilidade não se confunde com a hipossuficiência.
A hipossuficiência é comumente definida como a “visão processual da vul-
nerabilidade fática”15 e é verificável diante do caso concreto, pois é requisito
exigido apenas como substitutivo da verossimilhança para que o juiz determine
a inversão do ônus da prova em favor do consumidor nas lides versando sobre
defesa de seus direitos, conforme estabelece o art. 6º, inciso VIII, do CDC16.
Passemos, então, a analisar a mesma questão sob outro ponto de vista, exposto
pelo conceituado doutrinador da matéria Luiz Antonio Rizzatto Nunes.
Em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material, o
autor, de forma didática, apresenta vários exemplos e a partir deles extrai suas
13 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos do Código..., cit., p. 322-323.
14 Idem, ibidem, p. 325.
15 Idem, ibidem, p. 326.
16 O art. 6º, inciso VIII, do CDC dispõe: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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inexoráveis conclusões. Assim, para que possamos analisar tais conclusões
faremos breve resumo de seu estudo.
Entre outros exemplos, o autor analisa o caso do despachante que adquire uma
máquina de escrever para seu escritório e indaga se nesse caso tal agente seria
ou não consumidor. Percebe-se que tal exemplo coaduna-se, perfeitamente,
com o exemplo do advogado que adquire o computador para seu escritório
de advocacia.
O autor antecitado indaga:
“Quer dizer, então, que a máquina de escrever é um bem de produção,
e quando ela tiver vício o despachante não poderá utilizar-se da Lei n.
8.078/90? Ora, que diferença existe entre o despachante pessoa jurídica,
que utiliza a máquina para preencher guias, e o despachante enquan-
to pessoa física, que leva a máquina para casa e escreve uma carta de
amor?17”
O mesmo autor explica e responde:
“O Código de Defesa do Consumidor regula situações em que produtos
e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer
pessoa os adquira, como destinatária final. Há, por isso, uma clara
preocupação com bens típicos de consumo, fabricados em série, levados
ao mercado numa rede de distribuição, com ofertas sendo feitas por
meio de dezenas de veículos de comunicação, para que alguém em certo
momento os adquira.
Aí está o caminho indicativo para a solução. Dependendo do tipo de
produto ou serviço, aplica-se ou não o Código, independentemente de o
produto ou serviço estar sendo usado ou não para a ‘produção’ de outros.
17 Ob. cit., p. 92.
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Assim, podemos responder que, como o despachante adquiriu a máquina
de escrever produzida e entregue ao mercado como um típico bem de
consumo, a relação está protegida pelo CDC18.” (grifamos)
Daí, nota-se que o importante para a definição do consumidor não é a atividade
que o destinatário final desenvolve, mas sim a intenção do fornecedor ao ofe-
recer bens e/ou serviços no mercado de consumo. Se o bem foi produzido em
série e entregue ao mercado de consumo como típico bem de consumo e assim
adquirido pelo destinatário final, não importa se o mesmo está utilizando-o
em sua atividade profissional ou não.
Não importa se o advogado colocou o computador em sua casa ou em seu
escritório de advocacia (bem de produção), mas sim que o computador foi
fabricado em série e posto pelo fornecedor no mercado de consumo como um
bem de consumo. Qualquer pessoa que o adquira como destinatário final será
consumidor.
Nesse sentido conclui, com precisão, Luiz Antonio Rizzatto Nunes:
“[...] a Lei n. 8.078 regula o pólo de consumo, isto é, pretende controlar
os produtos e serviços oferecidos, postos à disposição, distribuídos e
vendidos no mercado de consumo e que foram produzidos para ser
vendidos, independentemente do uso que se vá deles fazer.
Quer se use o produto (ou o serviço) para fins de consumo (a caneta do
aluno), quer para fins de produção (a caneta idêntica do professor), a
relação estabelecida na compra foi de consumo, aplicando-se integral-
mente ao caso as regras do CDC19.”
18 Idem, ibidem.
19 Ob. cit., p. 94.
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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A discussão não deve limitar-se ao fato de o destinatário final desenvolver
ou não atividade profissional, mas considerar como o produto é fabricado e a
forma de sua introdução no mercado de consumo, pois existem bens de con-
sumo (produtos e serviços) que são adquiridos com o fim de produção, sem
que a relação jurídica estabelecida entre os sujeitos deixe de ser de consumo.
Desse modo, adotamos, neste trabalho, o moderno conceito de consumidor
exposto por Luiz Antonio Rizzatto Nunes, o qual assim pode ser resumido:
“a) o CDC regula situações em que haja ‘destinatário final’ que adquire
produto ou serviço para uso próprio sem finalidade de produção de
outros produtos ou serviços;
b) regula também situações em que haja ‘destinatário final’ que adquire
produto ou serviço com finalidade de produção de outros produtos ou
serviços, desde que o produto ou serviço, uma vez adquiridos, sejam
oferecidos regularmente no mercado de consumo, independentemente
do uso e destino que o adquirente lhes vai dar;
c) o CDC não regula situações nas quais, apesar de se poder identificar
um ‘destinatário final’, o produto ou serviço é entregue com a finalidade
específica de servir de “bem de produção” para outro produto ou serviço
e via de regra não está colocado no mercado como bem de consumo, mas
como de produção: o consumidor não o adquire20.”
O estudo da figura isolada do consumidor não basta para que seja caracterizada
a relação de consumo. Deverão estar presentes as figuras do fornecedor e do
objeto da relação: produtos e/ou serviços, os quais serão a seguir analisados.
O outro sujeito da relação jurídica de consumo é o fornecedor de produtos e
serviços. É o responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição
do consumidor, no mercado de consumo.
20 Ibidem, p. 98.
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O CDC, em seu art. 3º, assim o define:
“Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,
de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.”
Da leitura do caput do art. 3º conclui-se que o CDC opta por uma definição
ampla do termo “fornecedor”, abrangendo todo o agente, pessoa física ou
jurídica, que pratica alguma atividade no mercado de consumo21.
O CDC é genérico, ou seja, não exclui qualquer pessoa jurídica ou física do
conceito de fornecedor. O diploma consumerista considera fornecedor todo ente
que provisione, mediante remuneração, o mercado de consumo, de produtos
ou de serviços. O elemento restritivo de tal sujeito não está na forma de sua
constituição, mas sim em sua atividade.
Apesar da ampla definição de fornecedor, é necessário que seja observado o
elemento caracterizador desse sujeito, que é a atividade desenvolvida por ele.
Para que o sujeito seja considerado fornecedor deve desenvolver atividade de
21 Nesse sentido, leciona, também, Arruda Alvim: “Neste art. 3º, tenciona-se estabelecer a maior abrangência possível para o conceito de ‘fornecedor’, ou seja, o sujeito de direitos que atua no pólo oposto ao consumidor, ou, que integra o conjunto de pessoas que compõem ou podem compor este pólo oposto” (Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., revista e ampliada, 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 31).
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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forma habitual, inserindo produtos ou desenvolvendo serviços oferecidos no
mercado de consumo, mediante remuneração direta ou indireta.
O fornecedor seria todo agente que, habitualmente, mediante remuneração,
fornece produtos ou presta serviços a outro sujeito da relação de consumo, o
consumidor.
Luiz Antonio Rizzatto Nunes, ao discorrer sobre a figura do fornecedor, disserta:
“É importante centrar a atenção no conceito de atividade, porque, de um
lado, ele designará se num dos pólos da relação jurídica está o fornecedor,
com o que se poderá definir se há ou não relação de consumo (para tanto,
terá de existir no outro pólo o consumidor). E isto porque será possível
que a relação de venda de um produto, ainda que feita por um comer-
ciante, não implique estar-se diante de uma relação de consumo regulada
pelo CDC. Por exemplo, se uma loja de roupas vende seu computador
usado para poder adquirir um novo, ainda que se possa descobrir no
comprador um ‘destinatário final’, não se tem relação de consumo, por-
que essa loja não é considerada fornecedora. A simples venda de ativos
sem caráter de atividade regular ou eventual não transforma a relação
jurídica em relação jurídica de consumo. Será um ato jurídico regulado
pela legislação comum civil ou comercial22.”
Daí poder-se-ia definir fornecedor como toda e qualquer pessoa física ou
jurídica, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades
habituais de produção, montagem, criação, construção, transformação, impor-
tação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação
de serviços, conforme disposto no art. 3º do CDC.
No presente estudo, interessa analisar o fornecedor como prestador de servi-
ços. O art. 3º do CDC, ao conceituar o fornecedor como prestador de serviços,
22 Ob. cit., p. 101.
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menciona apenas um elemento para a sua caracterização: o desenvolvimento
de atividades de prestação de serviços.
Neste sentido, leciona Cláudia Lima Marques:
“Quanto ao fornecimento de serviços, a definição do art. 3º do CDC foi
mais concisa e, portanto, de interpretação mais aberta, mencionando
apenas o critério de desenvolver atividades de prestação de serviços. Mesmo
o § 2º do art. 3º define serviço como ‘qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração [...]’23.” (grifo da autora)
É impossível, entretanto, apartar o estudo do fornecedor como prestador de
serviços (sujeito da relação de consumo) e os serviços (objeto da relação de
consumo). Assim, estudaremos em conjunto o sujeito e o objeto da relação de
consumo, quais sejam: o prestador de serviços e os serviços.
O § 2º do art. 3º do CDC define serviço como “qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração [...]”.
Conjugados os dois elementos, percebe-se que, para a correta caracterização
dos serviços no âmbito do CDC, é necessária a presença na relação de jurídica
de dois elementos importantes: o mercado de consumo e a remuneração.
A doutrina consumerista é unânime no entendimento de que a prestação de
serviços no âmbito do CDC deve ser fornecida no mercado de consumo.
Newton de Luca explica e defende:
“A prestação de serviços, assim, para sujeitar-se ao regime jurídico do
CDC, deve consistir, primeiramente, numa atividade – e não num sim-
ples ato, conforme já terá ficado demonstrado – e deve ser fornecida no
mercado de consumo24.” (grifo do autor)
23 Contratos do Código..., cit., p. 393.
24 Direito do Consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 148.
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Luiz Antonio Rizzatto Nunes afirma:
“serviço é qualquer atividade fornecida ou, melhor dizendo, prestada
no mercado de consumo25.”
José Geraldo Brito Filomeno entende que:
“Fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título
singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de
forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica,
da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma ha-
bitual26.” (grifo do autor)
Portanto, para que o serviço prestado por determinada pessoa jurídica seja sub-
metido ao CDC é necessário, em primeiro lugar, que seja oferecido no mercado
de consumo27, isto é, a um conjunto indeterminado de pessoas.
Relativamente à inserção de produtos ou serviços no mercado de consumo,
Luiz Gastão Paes de Barros Leães leciona:
25 Ob. cit., p. 109.
26 Ob. cit., p. 43.
27 Conforme muito bem salientado por Newton De Lucca, não se pode afirmar que a expressão mercado de consumo foi distraidamente inserida no § 2° do art. 3°, pois “ela se repete, por mais de uma vez, no contexto do art. 4° do CDC, um dos mais importantes do Código. Reaparece no inciso I, relativo a reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nesse mercado de consumo. Ressurge, novamente, na alínea ‘c’ do inciso II desse mesmo art. 4°, no sentido da ação governamental para proteger efetivamente o consumidor mediante a presença do Estado no mercado de consumo. Torna a reaparecer, ainda, por nada menos do que três vezes, nesse art. 4°: no inciso IV, que alude à edu-cação e à informação dos fornecedores e dos consumidores quanto a seus direitos e deveres, tendo em vista o aprimoramento do mercado de consumo: no inciso VI, que trata da coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, quer sejam provenientes de atos de concorrência desleal, quer oriundos da utilização indevida de inventos e de criações industriais das marcas, nomes comerciais e sinais distintivos que possam causar prejuízo aos consumidores; e, finalmente, no inciso VIII, concernente ao estudo constante das modificações ocorridas no mercado de consumo” (grifo do autor) (ob. cit., p. 148).
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“Com efeito, ‘qualquer’ bem pode consubstanciar um ‘produto’ para
efeito da proteção da lei, mas a) desde que esse bem seja produzido em
série, para ser colocado no mercado de consumo; [...]
Com efeito, o chamado mercado de consumo, na medida em que o termo
‘mercado’ importa sempre numa substancial quantidade de bens transa-
cionada ‘com o público’, pressupõe a existência de empresas produzindo
em massa mercadorias (ou seja, produtos) para o mercado.
5.5. Análogas considerações também podem ser tecidas com relação à
definição de serviço, para efeito da legislação de proteção ao consumidor.
De fato, tal como dispõe o § 2º do art. 3º da Lei n. 8.078, acima reproduzi-
do, os serviços de que se trata são aqueles a) prestados, mediante remu-
neração, em série, fruto de uma ‘atividade’, ‘no mercado de consumo’,
b) destinados a satisfazer as necessidades dos usuários, como fruidores
finais28.” (grifo do autor)
Percebe-se, daí, que a prestação de serviço no mercado de consumo29 pressupõe
o oferecimento desse serviço ao público indeterminado. Da mesma forma que o
produto deve ser produzido em série e introduzido na cadeia de distribuição,
o serviço deve ser disponibilizado de maneira uniforme (em série) ao público
em geral.
Outro importante requisito para caracterização da prestação de serviço como
atividade típica de consumo é a remuneração. Para que determinado serviço
seja caracterizado como atividade sujeita ao CDC é necessário que o fornecedor
seja remunerado direta ou indiretamente.
28 Inexistência de relação de consumo entre o “shopping center” e seus frequentadores, Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, n. 122, abril-junho/2001, p. 218.
29 Sobre a definição de mercado de consumo, Newton De Lucca afirma: “Cabe destacar, desde logo, que não se encontra uma base sólida, quer no plano doutrinário, quer no próprio CDC, para definir--se, com precisão, o que seja efetivamente, o mercado de consumo. Trata-se de uma investigação que está a reclamar maior aprofundamento em nosso meio” (ob. cit.).
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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Conforme ensina Cláudia Lima Marques, a expressão “remuneração” vai além
da tradicional classificação dos negócios como onerosos ou gratuitos.
Assim,
“a opção pelo termo ‘remunerado’ significa uma importante abertura
para incluir os serviços de consumo remunerados indiretamente, isto
é, quando não é consumidor individual que paga, mas a coletividade
(facilidade diluída no preço de todos), ou quando ele paga indireta-
mente o ‘benefício gratuito’ que está recebendo. O termo ‘remuneração’
permite incluir todos aqueles contratos em que for possível identificar
no sinalagma escondido (contraprestação escondida) uma remuneração
indireta do serviço de consumo30”.
Arruda Alvim, ao comentar o art. 2º do CDC, define serviço como “toda a ati-
vidade remunerada fornecida no mercado de consumo”31 e explica a expressão
“remuneração” da seguinte forma:
“Deve-se entender a expressão ‘mediante remuneração’ não apenas
como representativa da remuneração direta, isto é, o pagamento direta-
mente efetuado pelo consumidor ao fornecedor. Compreende também
a remuneração do fornecedor o benefício comercial indireto advindo de
prestação de serviços aparentemente gratuita assim como a remuneração
‘embutida’ em outros custos32.”
Percebe-se, então, que o elemento fundamental dos serviços prestados no âm-
bito das relações de consumo é a remuneração, ou seja, se houver prestação
de serviços entre a pessoa jurídica e o consumidor que envolva remuneração
e habitualidade, essa pessoa jurídica será considerada como fornecedora e tal
relação jurídica será regrada pelo CDC.
30 Contratos do Código..., cit., p. 394.
31 Ob. cit., p. 37-38.
32 Ob. cit., p. 37-38, nota de rodapé n. 20.
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A remuneração mencionada na definição exposta no CDC refere-se, portanto,
ao pagamento efetuado diretamente pelo consumidor (forma direta) ou ao
benefício indireto advindo da prestação de serviços aparentemente gratuita,
assim como à remuneração embutida em outros custos (forma indireta). A
remuneração indireta ocorre quando o fornecedor frui de algum proveito eco-
nômico advindo da prestação que não é cobrada diretamente do consumidor33.
Na relação de consumo é possível até inexistir a obrigação de pagamento, pois
esta é apenas uma das formas de remuneração. O que necessariamente deve
existir na relação de consumo é o ganho direto ou indireto para o fornecedor.
A remuneração inserta no CDC não é somente uma contraprestação pecuniária
paga pelo interessado (pagamento), mas qualquer tipo de lucro que se possa
extrair da atividade oferecida34.
Bernardo Strobel Guimarães é enfático ao afirmar:
“[...] a tradição de dinheiro (ou qualquer outro fenômeno que lhe faça
as vezes) não é elemento integrante do conceito de remuneração, que se
perfaz mesmo que não se evidencie nenhum pagamento direto. A circu-
lação de dinheiro entre os sujeitos é meramente acidental e não se conecta
à essência da remuneração, tanto que esta pode subsistir sem aquela35.”
Da mesma forma que há remuneração sem pagamento, é possível que ocorra
pagamento sem que haja remuneração, pois é possível haver troca de dinheiro
e o receptor não auferir nenhum proveito econômico por oferecer a vantagem
a ser fruída pelo consumidor.
33 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Conceito de Relação de Consumo e Atividades prestadas por Entidades sem fins lucrativos, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n. 135, julho-setembro/2004, p. 172.
34 1º TACivSP, Ap. Cív. 581.830/6, rel. Juiz Silveira Paulilo, j. 25.4.1996.
35 Ob. cit., p. 173.
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Portanto, para que seja verificada a existência de remuneração no âmbito do
CDC é necessário que aquele que oferece o serviço no mercado de consumo
aufira vantagem econômica, ou seja, é necessário que o fornecedor objetive a
obtenção de lucro ao prestar o serviço no mercado de consumo.
Bernardo Strobel Guimarães resume:
“Para verificar-se se há remuneração, ou não, é de se empreender uma du-pla pesquisa: primeiramente, é de ver se a própria estrutura do prestador da utilidade se orienta ao lucro (i.e. à obtenção de vantagem econômica) e, posteriormente, é de se analisar se efetivamente não está havendo de fato nenhuma apropriação econômica indevida das vantagens advindas
do oferecimento dos produtos ou serviços36.”
Para que determinado agente prestador de serviços seja considerado fornecedor
é preciso que ofereça serviços, no mercado de consumo, mediante remuneração
e com finalidade lucrativa (lucro), pois é possível que haja circulação de recursos
sem que seja caracterizada remuneração, para fins do CDC.
Analisaremos, após o estudo do objeto da relação de consumo, se a entidade
fechada de previdência complementar poderá ou não ser caracterizada como
prestadora de serviços previdenciários no mercado de consumo.
As relações de consumo são as relações jurídicas que se encontram sob a égi-
de do CDC. São relações que se formam entre o fornecedor e o consumidor,
tendo como objeto a aquisição de produtos ou a utilização de serviços pelo
consumidor.
O objeto da relação de consumo são os produtos e os serviços, cuja definição
está exposta no art. 3º, §§ 1º e 2º, do CDC:
“Art. 3º [...]
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
36 Ob. cit., p. 175.
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§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,
de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.”
O produto, objeto da relação de consumo, são os bens elaborados pelos fornece-
dores e postos no mercado de consumo, para satisfazer a necessidade humana.
Os produtos, conforme simples leitura do dispositivo legal supratranscrito,
podem ser móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, duráveis ou não durá-
veis. Assim, percebe-se, em suma, que qualquer bem pode ser produto, desde
que, evidentemente, seja objeto de relação de consumo.
Os serviços, objetos da relação de consumo, são as atividades prestadas no
mercado de consumo, de forma habitual, mediante remuneração direta ou
indireta pelos fornecedores.
Conforme muito bem exposto por Bernardo Strobel Guimarães37, a conceitua-
ção de produtos e serviços é, nos termos legais, essencial para a caracterização
dos dois sujeitos envolvidos na relação jurídica de consumo: o consumidor e
o fornecedor, pois tanto a definição de consumidor (art. 2º do CDC) como a de
fornecedor (art. 3º, caput, CDC) fazem remissão aos produtos e aos serviços.
Percebe-se, portanto, que a análise isolada dos elementos que integram a relação
jurídica de consumo faz-se necessária somente para fins metodológicos, pois
a relação de consumo é una, razão pela qual, por vezes, torna-se impossível
definir consumidor sem a presença do fornecedor, bem como tais conceitos
sem a abordagem da definição de produto e serviço.
37 Tal autor conclui: “Deste modo, o objeto é essencial para a identificação da relação de consumo, condicionando a própria definição dos sujeitos” (ob. cit., p. 169-185).
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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IV) O Código de Defesa Do Consumidor e a sua inaplicabilidade ante a previdência privada fechada
Após análise dos principais elementos que integram a relação jurídica previ-
denciária complementar e os que integram a relação de consumo, passemos
a investigar se a relação jurídica de previdência privada fechada mantida
entre o participante ou o assistido e a EFPC pode ser classificada como re-
lação de consumo.
Ao analisar se dada relação jurídica submete-se ou não às regras consumeristas,
deve-se examinar se os sujeitos revestem-se da roupagem do consumidor e do
fornecedor, e se o objeto da relação jurídica é ou não de consumo.
Após tal abordagem, resta-nos responder a seguinte indagação: a relação jurí-
dica de previdência privada fechada é relação de consumo?
O primeiro elemento a ser investigado refere-se à figura do consumidor. Será
que o participante que se associa ao plano de benefícios operado por EFPC
pode ser classificado como verdadeiro consumidor?
O consumidor é qualquer pessoa que adquira produtos ou serviços como
destinatário final, desde que o produto ou o serviço, uma vez adquirido, seja
oferecido habitualmente no mercado de consumo, mediante remuneração,
independentemente do uso e do destino que o adquirente lhes vai dar. Para
que determinada pessoa seja considerada consumidor é preciso que seja veri-
ficada, também, a intenção do fornecedor ao oferecer tais serviços no mercado
de consumo.
O participante que integra o plano de benefícios operado por EFPC não deve
ser classificado como consumidor, pois não contrata o serviço prestado, em
série, pela EFPC no mercado de consumo.
Ao contrário, os planos operados pelas EFPCs são específicos (e assim dese-
nhados) para cada grupo de participantes (leia-se grupo restrito de pessoas
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vinculadas ao patrocinador ou instituidor). O serviço não é oferecido no mer-
cado de consumo, como será analisado a seguir.
Em conjunto com tal análise, é preciso investigar a posição da EFPC na relação
jurídica previdenciária. Será ela fornecedora de serviços previdenciários?
Conforme já observado, o estudo da definição de consumidor e de fornecedor
deve ser realizado em conjunto com a do objeto da relação jurídica de con-
sumo, qual seja: a prestação de serviços no mercado de consumo e mediante
remuneração.
No caso em análise, interessa-nos estudar a figura do fornecedor como a pes-
soa jurídica que presta serviços, pois as EFPCs poderiam, eventualmente, ser
caracterizadas como prestadoras de serviços e daí a possibilidade de serem
equiparadas à figura de fornecedor.
O art. 3° do CDC, ao conceituar o fornecedor como prestador de serviços,
menciona apenas um critério para sua caracterização: o desenvolvimento
de atividades de prestação de serviços, cuja definição consta do § 2° do
referido artigo.
Conforme já estudado (art. 2º, § 3°, do CDC), serviços, no âmbito do CDC, po-
dem ser definidos como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração.
Em primeiro lugar, entendemos que os serviços previdenciários prestados pela
EFPC, consubstanciado na gestão do plano de benefícios, não estão disponíveis
ao mercado de consumo, mas sim a um grupo restrito de pessoas, cujo vínculo
decorre, inclusive, de disposição legal.
O art. 31, incisos I e II, da Lei Complementar n. 109/01 estabelece:
“Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regula-
mentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servi-dores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e
II – aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissio-
nal, classista ou setorial, denominadas instituidores.” (grifamos)
Percebe-se, então, que o plano não é oferecido indistintamente ao público geral que deseje contratar tais planos. Os planos operados por EFPC só podem ser oferecidos ao grupo de funcionários e dirigentes do patrocinador ou do insti-tuidor (portanto, limitado) e a filiação é facultativa.
Lygia Maria Avena é clara ao afirmar:
“Nos expressos termos do art. 31, inciso I, da Lei Complementar n.109/01, os planos de benefícios da previdência fechada supletiva com patroci-nadores são direcionados e prestados apenas a um grupo fechado de participantes (‘empregados de uma empresa ou grupo de empresas’), [...] Portanto, os benefícios prestados pelas entidades fechadas de previdência complementar não podem ser distribuídos no mercado de consumo ou ao público em geral, uma vez que possuem, por força de lei, abrangência
restrita e delimitada38.”
João Paulo Rodrigues da Cunha concorda e expõe:
“[...] é de abrangência taxativamente restrita, não podendo ser distri-buídos no mercado de consumo ou ao público em geral. O art. 31 da Lei Complementar n. 109/01 dispõe que os benefícios são percebidos pelos participantes, os quais devem estar vinculados por um liame empregatício com o patrocinador, ou associativo com o instituidor, sem
finalidade lucrativa39.”
38 Da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no âmbito das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, Fundos de Pensão em Debate, Brasília. Coordenação: Adacir Reis. Brasília Jurídica, 2002, p. 57.
39 (In)aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às entidades fechadas de previdência privada, Revista de Previdência Social, São Paulo, ano 27, n. 273, agosto, 2003, p. 670-672.
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Verifica-se, portanto, a inexistência do requisito referente ao mercado de consu-mo na relação jurídica previdenciária fechada complementar, razão pela qual se torna impraticável a aplicação do CDC.
O outro requisito também ausente para caracterização da figura do fornecedor é a prestação de serviços mediante remuneração.
De acordo com o exposto no item referente ao fornecedor, percebe-se que o elemento fundamental dos serviços prestados no âmbito das relações de con-sumo é a remuneração, ou seja, para o CDC, se há prestação de serviços entre a pessoa jurídica e o consumidor que envolva remuneração e habitualidade, essa pessoa jurídica será considerada como fornecedora e tal relação jurídica será regrada pelo CDC.
Dessa forma, indaga-se se a entidade fechada de previdência complementar presta os serviços mediante remuneração ou não, pois, dependendo da res-posta, poder-se-ia acrescentar mais um argumento para submeter tal relação jurídica aos ditames do diploma consumerista com todas as consequências que decorrem de tal classificação.
As EFPCs não visam ao lucro40-41, portanto, apesar de exercerem atividade de
conteúdo econômico, o exercício da administração do plano de benefícios não
40 Lygia Maria Avena afirma: “Instrumentos da política de recursos humanos das suas empresas pa-trocinadoras e auxiliares do sistema oficial de previdência, na medida em que prestam benefícios de caráter previdencial supletivo, as entidades fechadas de previdência complementar – com patrimônio destacado e aplicado integralmente para o cumprimento de tal finalidade – não possuem nenhum objetivo de comercialização nos benefícios que prestam aos seus participantes, sendo impedidas, por força de lei, de terem finalidade lucrativa” (ob. cit., p. 55).
41 Em relação à natureza jurídica das EFPCs, Sacha Calmon Navarro Coelho e Misabel Derzi afirmam categoricamente: “Entidades privadas assistenciais, como menciona Russomano, ou instituições de assistência previdenciária, como prefere denominar a lei mineira, as entidades fechadas obedecem ao princípio da solidariedade e não têm finalidade lucrativa, pois são criadas com o intuito de socorrer os seus participantes, por meio de benefícios mais amplos ou complementares aos da previdência social estatal. A Lei n. 6.435, de 05/07/77, que as disciplina, igualmente proíbe auferir lucros, as-sim dispondo em seu art. 4°, § 1°: ‘as entidades não poderão ter fins lucrativos’” (A imunidade das entidades fechadas de previdência privada (fundos de pensão) e a constituição de 1988, Rio de Janeiro, Revista Forense, n. 333, janeiro/março, 1996, p. 205-236).
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possui finalidade econômica para a EFPC, pois o resultado de sua atividade eco-
nômica na operação do plano de benefícios é utilizado em proveito do próprio
grupo para viabilizar o atendimento adequado de suas finalidades sociais e o
aprimoramento dos recursos destinados ao plano previdenciário, para melhor
atender ao interesse do grupo de participantes e assistidos42.
Conforme muito bem demonstrado por Bernardo Strobel Guimarães, para
verificar se há remuneração ou não em determinada prestação de serviços
é preciso investigar dois aspectos: a) se a própria estrutura do prestador de
serviço se orienta ao lucro, ou seja, se há obtenção de vantagem econômica ao
próprio prestador; e b) se efetivamente não está havendo nenhuma apropria-
ção econômica indevida das vantagens advindas da prestação dos serviços ao
próprio ente que presta o serviço43.
As EFPCs, apesar de exercerem atividade econômica, não perseguem o lucro,
conforme fixado no art. 31, § 2º, da Lei Complementar n. 109/01. A ausência
da finalidade lucrativa não significa que não haja circulação de dinheiro (pa-
gamento de contribuição pelos participantes e patrocinadores)44-45, mas sim
42 WALD, Arnoldo. Da possibilidade legal de aplicação de recursos de reservas técnicas de entidade de previdência privada em fundos de investimento no exterior e da ausência de conflito com a norma do N. II do art.14 do CTN. Revista de Direito Civil, Agrário e Empresarial, São Paulo, v. 71, jan./mar.1995, RT, p. 142-151.
43 Ob. cit., p. 175.
44 Segundo exposto por Lygia Maria Avena, o recebimento pela EFPC das contribuições dos parti-cipantes e dos patrocinadores não deve ser caracterizado como verdadeira remuneração por não ter a EFPC finalidade lucrativa. Assim se manifesta a autora: “Sendo o custeio dos seus planos de benefícios calcado em rigorosas bases atuariais que visam seu permanente equilíbrio, com fulcro na relação sinalagmática benefício-contribuição, as entidades fechadas, ao receberem as contribuições dos seus participantes associados, não as recebem como preços ou remuneração no sentido lato de pagamento ou em um contexto comercial, até por não terem finalidade lucrativa e nem distribuírem parcela de seu patrimônio. Recebem, sim, tais contribuições para serem direcionadas estritamente à formação do fundo previdenciário, que propiciará, no futuro, a concessão e a manutenção dos benefícios aos próprios participantes. A estas são somadas relevantes contribuições das suas em-pregadoras, patrocinadoras dos planos de benefícios” (ob. cit., p. 52).
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que não há vantagem45econômica46 para aquele que oferece a utilidade a ser
fruída (EFPC).
O resultado obtido pela EFPC não se destina à apropriação privada, mas ex-
clusivamente à satisfação exclusiva de seu objeto social, qual seja: a gestão do
plano e a concessão de benefícios previdenciários aos participantes do plano
previdenciário. Os rendimentos obtidos pelas EFPCs devem ser aplicados
integralmente para a manutenção de seus objetivos institucionais.47
Luís Carlos Cazetta leciona:
“Como organizações instrumentais à execução de planos previdenciá-
rios, as entidades fechadas recolhem contribuições dos patrocinadores e
dos participantes para afetá-las exclusivamente à formação das reservas
necessárias ao pagamento de benefícios contratados com os participan-
tes e ao correspondente custeio administrativo e operacional, sem que
percebam, para tanto, qualquer tipo de contraprestação (transferência
patrimonial destinada a proveito exclusivo da entidade, como centro
de interesses e direitos autônomos em relação aos dos participantes).
45 Relativamente à contribuição recebida pela EFPC, Luís Carlos Cazetta defende: “Tecnicamente, as contribuições que são vertidas às entidades fechadas têm a natureza jurídica de cotização de custo (no regime de mutualismo quanto a benefícios de risco ou, genericamente, a espécies de benefícios definidos) ou de entrega de recursos para capitalização exclusivamente em favor do participante (nas hipóteses de gestão de contas individualizadas de capitalização, próprias a planos de contribuições definidas)” (ob. cit., p. 69).
46 Bernardo Strobel Guimarães explica com muita propriedade “[...] remuneração consiste em uma vantagem essencialmente econômica que acresce, ainda que indiretamente, o patrimônio dos que prestam utilidades (produtos/serviços) aos consumidores. É justamente a possibilidade de fruir desta vantagem advinda da prestação de utilidades que deve se entender por ‘finalidade econômica’ e contrapõem-se à ‘finalidade não econômica’ havidas nas pessoas em mira. [...] Em suma, pode-se desenvolver atividade econômica sem finalidade econômica” (ob. cit., p. 177).
47 Lygia Maria Avena ensina: “Nesse contexto, tais entidades, que distintamente das entidades abertas de previdência complementar, não possuem qualquer escopo de lucro, não distribuem qualquer parcela de seu patrimônio, investindo e reinvestindo a totalidade das suas receitas e recursos integralmente para a finalidade previdenciária supletiva, inexistindo ‘sobra’ a ser distribuída” (ob. cit., p. 52).
A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
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No âmbito do sistema fechado, o proveito econômico, o resultado prático
das relações contratuais previdenciárias ajustadas entre as entidades
e os participantes tem indiscutível natureza unidirecional. Todas as
obrigações contraídas pelas partes destinam-se ao proveito único de uma
delas: o participante de um específico plano, na qualidade de destinatário,
em conjunto com as demais pessoas que ao mesmo plano se vinculam,
dos recursos previamente constituídos para o pagamento dos benefícios
contratados48.” (grifamos)
Nesse caso, portanto, a EFPC, ao contrário do prestador figurante da relação
jurídica de consumo, age em nome dos participantes e não persegue interesse
próprio. No final das contas, é para os próprios participantes que é destinado
o recurso do plano de benefícios, formado pelas contribuições dos participan-
tes e dos patrocinadores e receitas financeiras resultantes da aplicação dessas
contribuições.
A EFPC49 nada mais faz do que administrar tal recurso, que pertence aos par-
ticipantes e aos assistidos que tenham aderido ao plano operado pela EFPC.
Ela não possui interesse próprio, pois lhe é vedada qualquer outra atividade,
conforme estabelece o art. 32 da Lei Complementar n. 109/01: “As entidades
fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios
de natureza previdenciária. Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas
a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto,
observado o disposto no art. 76.” (grifamos)
É importante relembrarmos a lição de Wagner Balera no sentido de que a fi-
gura do fundo de pensão aproxima-se da figura jurídica do condomínio, “por
48 Ob. cit., p. 68.
49 Segundo Luís Carlos Cazetta: “Conceitual e juridicamente, as entidades fechadas de previdência complementar configuram organismos sem fins lucrativos (sem objeto empresarial) constituídos para a reunião e administração de reservas e o pagamento de benefícios aos participantes dos respectivos planos, cujos objetivos e necessidades conformam o âmbito limitado de abrangência e o regime de exercício de suas atividades” (ob. cit., p. 71).
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intermédio do qual acaba se estabelecendo a propriedade de cada condômino
sobre a totalidade da coisa que, como bem coletivo, lastreia específicos direitos
previdenciários”50. Continua o autor:
“De fato, esse ‘condomínio social’ foi sendo gestado com as contribuições
sociais de todos: participantes e patrocinadores e, também, com receitas
financeiras e patrimoniais geradas pela aplicação dos recursos. Receitas
que geram, devidamente capitalizadas, riquezas outras a serem, depois,
repassadas à comunidade protegida51.”
Com fundamento em tal lição, poderíamos até equiparar a atividade prestada
pela EFPC à atividade prestada pelo condomínio, pois, da mesma forma que
ocorre no condomínio, o objeto social da EFPC é deliberado pelos próprios
interessados no objeto da relação jurídica: os participantes, os assistidos e os
patrocinadores. Em última análise, a própria EFPC são os participantes, os
assistidos e os patrocinadores.
Os participantes e os assistidos deliberam sobre a atuação da própria EFPC e,
portanto, sobre seus destinos ou sobre o destino do grupo52. Não há subordina-
ção, vulnerabilidade ou hipossuficiência dos participantes ante a EFPC, pois,
em última análise, os atos (e, portanto, a consequência de tais atos) da EFPC
são efetivados pelos membros integrantes do grupo protegido: participantes
e assistidos.
50 A proteção jurídica..., cit., p. 94.
51 Ibidem, passim.
52 Luís Carlos Cazetta defende: “De outro lado, porque instrumentais à execução de planos de previ-dência, as entidades fechadas têm a sua existência e o seu funcionamento absolutamente vinculados à consecução dos interesses dos participantes, que, com o concurso dos patrocinadores, exercem sobre elas completo controle político, apto a decidir o regime pelo qual se dará a sua gestão, tanto na dimensão econômico-financeira, relativa à aplicação de recursos disponíveis, quanto na dimensão atuarial, corres-pondente à apropriada execução dos planos de benefícios e de custeio para a outorga regular de benefícios, como disciplinados nos regulamentos” (grifamos) (ob. cit., p. 68).
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Tais sujeitos não são meros destinatários finais dos serviços prestados pela EFPC,
são, na verdade, os sujeitos que participam da estruturação, da organização e
da gestão dos planos de benefícios previdenciários.
Relativamente àquelas situações que envolvem interesses de diferentes pessoas
enfeixados por uma relação de condomínio, observa-se claramente a impos-
sibilidade de se qualificar o vínculo como submetido às normas especiais que
tutelam o consumidor53-54.
Da mesma forma que o condomínio, a prestação de serviços pela EFPC frustra
a definição de prestação de serviços em dois pontos: remuneração e mercado
de consumo. Portanto, não há como classificar a EFPC como fornecedora sem
que esteja estabelecida na administração do plano previdenciário uma forma de
remuneração da EFPC (ainda que indireta) e sem que a EFPC esteja organizada
para a perseguição de lucro.
A segunda vertente a ser analisada, conforme proposto por Bernardo Strobel
Guimarães, refere-se à investigação sobre se há desvio da vantagem econômica
advinda da prestação de serviços. É necessário constatar que não há nenhum
desvio entre as atividades prestadas pela EFPC e os objetivos a serem perse-
guidos por tal sujeito, qual seja: a concessão de benefícios previdenciários.
53 Vide STJ, REsp 650.791/RJ, 2ª Turma, rel. Min.Castro Meira, j. 6.4.2006.
54 Sobre a aplicação da CDC ao condomínio, José Geraldo Brito Filomeno ensina: “Resta evidente que aqueles entes, despersonalizados ou não, não podem ser considerados como fornecedores. E isto porque, quer no que diz respeito às entidades associativas, quer no que concerne aos condomínios em edificações, seu fim ou objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados ou não por intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação direta em assembleias gerais que, como se sabe, são os órgãos deliberativos soberanos nas chamadas ‘sociedades contingentes’. Decorre daí, por conseguinte, que quem delibera sobre seus destinos são os próprios interessados, não se podendo dizer que eventuais serviços prestados pelos seus empregados, funcionários ou diretores, síndicos e demais dirigentes comunitários, sejam enquadráveis no rótulo ‘fornecedores’, conforme a nomenclatura do Código de Defesa do Consumidor” (ob. cit., p. 45).
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Aqui reside ponto importantíssimo, pois é imprescindível que haja severa
fiscalização da gestão dos planos e da EFPC pelos participantes, pelos patro-
cinadores e pelo Poder Público para que não ocorram desvios maléficos dos
recursos dos planos previdenciários para outros fins que não a concessão de
benefícios previdenciários.
Tendo em vista o importante papel social que tais entidades exercem, é neces-
sário que as suas atividades sejam rigorosamente fiscalizadas para que o seu
objeto social seja fielmente atingido.
Ante o estudo da previdência fechada e do Código de Defesa do Consumidor,
percebe-se a inaplicabilidade de tal diploma a tais relações jurídicas sob pena
de violação aos princípios técnicos e jurídicos de tão complexa relação jurídica.
A irregularidade na interpretação de tal contrato poderá acarretar importante
desequilíbrio dos planos de benefícios operados pela EFPC, fato que poderá
prejudicar a coletividade protegida, pois os verdadeiros proprietários de tais
recursos são os sujeitos que receberão os benefícios previdenciários.
* Maria da Glória Chagas Arruda é Mestre e Doutora pela PUC/SP, professora universitária e autora do livro “A inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em face da Previdência Privada Fechada”, publicado pela Ltr.
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Referências Bibliográficas
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