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A INAPLICABILIDADE

DO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR PARA

AS ENTIDADES FECHADAS

DE PREVIDÊNCIA

COMPLEMENTAR

Ada Pellegrini Grinover Adacir ReisLygia Avena

Maria da Glória Chagas Arruda

São Paulo

ABRAPP

2013

1ª edição

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

REIS, ADACIR (coord.) et al. A Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar.

1 ed. São Paulo : ABRAPP, 2013. 136 p.

Bibliografia

ISBN 978-85-99388-15-0

1. Código de Defesa do Consumidor. 2. Previdência Complementar.

3. Direito Previdenciário. 4. Fundos de Pensão.

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Adacir Reis

CAPA

Thiago Souto

REVISÃO E EDITORAÇÃO

Rosa Tancredo

Todos os direitos reservados.

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por quaisquer meios.

Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar

CEJUPREV

O Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar – Cejuprev

agradece os Autores Ada Pellegrini Grinover, Adacir Reis,

Lygia Avena e Maria da Glória Chagas Arruda,

além das seguintes pessoas que colaboraram

para a organização desta obra:

Ana Carolina Ribeiro de Oliveira

Ana Caroline Milhomens Barbosa Santana

Carla Patrícia da Silva Reis

Carlos Silveira

Célia Piovezam

Devanir Silva

Emílio Keidann Jr.

Fernando Antonio Pimentel de Melo

Flávio Franciulli

Igor Aversa Dutra do Souto

José de Souza Mendonça

Lara Corrêa Sabino Bresciani

Lucimara Morais Lima

Mariana Xavier

Marlene de Fátima Ribeiro Silva

Reginaldo Camilo

Sandro Gomes da Silva

Tatiane Lopes

Thaysa Araújo

Sumário

Apresentação

José Luiz Guimarães Júnior 7

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar

e a Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça

Adacir Reis 9

Parecer Jurídico sobre o Código de Defesa do Consumidor

e As Entidades Fechadas de Previdência Complementar

Ada Pellegrini Grinover 28

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar

e o Código de Defesa do Consumidor

Lygia Avena 70

A Previdência Privada Fechada e o Código de Defesa

do Consumidor

Maria da Glória Chagas Arruda 96

Apresentação

Transcorrida mais de uma década de vigência das Leis Complementares 108/01

e 109/01, alguns dos temas centrais do microssistema da previdência privada

fechada exigem uma espécie de reafirmação, seja de sua cogência, seja dos

princípios que os informam, porquanto não ser raro depararmos com posicio-

namentos desafiadores de sua higidez.

Nesse cenário, a temática desenvolvida pela presente obra perscruta exatamente

o dissenso sobre aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à relação

jurídica prevalecente nos planos de benefícios administrados por entidades

fechadas de previdência complementar.

Perante o judiciário construiu-se entendimento segundo Enunciado de Sú-

mula do STJ no sentido de que o CDC seria aplicável à relação jurídica entre a

“entidade de previdência privada e seus participantes”, o que pode dar ensejo

à conclusão de que o Tribunal responsável pela harmonização das leis não

atentou para a taxativa diferenciação entre os microssistemas aberto e fechado

de previdência privada.

Demonstrar a natureza jurídica própria das relações entre patrocinador, parti-

cipantes/assistidos e os planos administrados por entidade fechada, na forma

que a Constituição Federal e as leis determinam, é o que motiva e conduz os

brilhantes artigos formadores dessa obra.

Com efeito, diante do cenário obnubilado que ainda prevalece sobre a temática

consumerista no âmbito da previdência privada, é mais do que bem-vinda a

coletânea de artigos sobre o CDC, das lavras de Ada Pellegrini Grinover, Adacir

Reis, Lygia Avena e Maria da Glória Chagas Arruda.

A partir de sólida, simples e objetiva fundamentação é possível concluirmos

pela não subsunção do microssistema fechado de previdência complementar

aos princípios e normas consumeristas. Por óbvio que, por simplicidade não

se leia simplismo ou incompletude, mas ausência de prolixidade.

Em ótima hora somos brindados pela coletânea de artigos sobre o CDC, em

razão da definição pelo STF da competência cível para dirimir conflitos sobre

interpretação do contrato previdenciário.

Exceleram, mais uma vez, nossos estimados autores.

José Luiz Guimarães Júnior

Advogado, Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo – PUC/SP, chefe da Consultoria Jurídica da Caixa de

Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – Previ e Coordenador do Centro

de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar – Cejuprev.

AS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E A SÚMULA N. 321 DO

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Adacir Reis *

I) Pontos centrais deste Artigo

Resumidamente, pretendemos abordar os seguintes tópicos neste artigo:

w a Súmula n. 321 do STJ (“o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à

relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”)

foi editada poucos meses depois da Súmula n. 297 (“O Código de Defesa do

Consumidor é aplicável às instituições financeiras”);

w a legislação federal (Leis Complementares n. 108/01 e 109/01) estabelece, a

começar pela reveladora nomenclatura, nítida distinção entre as entidades

fechadas de previdência complementar e as entidades abertas de previdência

complementar;

w os conceitos do CDC (Lei n. 8.078/90) não se aplicam às entidades fechadas

de previdência complementar;

w nas entidades fechadas de previdência complementar, como o nome eviden-

cia, o acesso é restrito a um grupo de participantes (LC 109/01, art. 31, I e II);

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 0

w as entidades fechadas de previdência complementar não têm finalidade

lucrativa (LC 109/01, art. 31, § 1º);

w na relação jurídica com a entidade fechada de previdência complementar não

há o conceito de remuneração por serviços ou produtos, já que “o plano de

custeio [...] estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição de

reservas garantidoras de benefícios [...] e à cobertura das demais despesas

[...]” (LC 109/01, art. 18);

w os participantes e assistidos têm assento nas instâncias decisórias das enti-

dades fechadas de previdência complementar (CF, art. 202, § 6º; LC 109/01,

art. 35, § 1º; LC 108/01, arts. 11 e 15);

w na relação jurídica com a entidade fechada de previdência complementar

não há mercado de consumo, nem tampouco remuneração pela comercialização

de serviços ou produtos; o que há é associativismo, grupo circunscrito de

pessoas (daí o nome de entidade fechada), relação condominial, conjugação

de esforços para uma finalidade social comum, a exemplo do que foi reco-

nhecido nos planos de saúde na modalidade autogestão, por ocasião do

julgamento do REsp 1.121.067/PR, de 2011 (Terceira Turma do STJ);

w as entidades fechadas de previdência complementar são fiscalizadas pela

Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, órgão

do Ministério da Previdência Social, com regime especial de proteção aos

participantes;

w por outro lado, as entidades abertas de previdência complementar são “aber-

tas”, ou seja, acessíveis a quaisquer pessoas físicas, daí a comercialização de

seus produtos no mercado de consumo; são constituídas como sociedades

anônimas e, portanto, com finalidade lucrativa, a estas equiparando-se as

companhias seguradoras (LC 109/01, art. 36); além dos participantes ou

segurados, existe a figura do acionista; não há eleição para representantes

dos participantes; tais entidades são fiscalizadas pela Superintendência de

Seguros Privados – Susep, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda;

Adacir Reis

1 1

w portanto, em face das enormes diferenças entre as entidades fechadas de

previdência complementar, sem fins lucrativos, e as entidades abertas de

previdência complementar e sociedades seguradoras, com fins lucrativos,

entendemos que a Súmula n. 321 do STJ reclama aprimoramento, de modo

a se explicitar que “o CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade

aberta de previdência privada, com fins lucrativos, e seus participantes”.

II) Breve histórico da Súmula n. 321 do STJ

A Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que “o Código

de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de

previdência privada e seus participantes”.

Tendo em vista que a referida Súmula não fez distinção entre as entidades

fechadas e as entidades abertas de previdência privada, o Poder Judiciário tem

aplicado o Código de Defesa do Consumidor indistintamente para todas as

entidades de previdência complementar.

Vale lembrar que a Súmula n. 321 do STJ foi publicada em dezembro de 2005,

ou seja, poucos meses depois de editada a Súmula n. 297, de setembro de 2004,

relativa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor para as relações com

as instituições financeiras.

A proximidade de datas entre a edição de uma súmula e da outra permite

afirmar que a longa discussão sobre a aplicação do CDC para as instituições

financeiras acabou por contaminar, de alguma forma, o rápido debate havido

no STJ acerca da questão da previdência complementar.

Dos cinco julgados do STJ que embasaram a aplicação do CDC para as entidades

de previdência privada (Súmula 321), quatro foram da Terceira Turma e apenas

um da Quarta Turma. O argumento que prevaleceu e acabou orientando os pre-

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 2

cedentes foi uma consideração abrangente de que as “entidades de previdência

privada”, genericamente retratadas, equiparavam-se às instituições financeiras,

tendo havido até mesmo remissão expressa à Súmula n. 297 dos bancos.

Não se colhe desses poucos precedentes qualquer discussão sobre as enor-

mes diferenças legais e doutrinárias existentes entre as entidades abertas de

previdência complementar (com fins lucrativos) e as entidades fechadas de

previdência complementar (sem fins lucrativos).

Pode-se afirmar com segurança que as entidades abertas de previdência com-

plementar, constituídas na forma de sociedades anônimas, incluindo as com-

panhias seguradoras, que também atuam no ramo da previdência privada,

possuem características similares às instituições financeiras. Por essa ótica, e

para esse ramo da previdência complementar, com fins lucrativos, a edição da

Súmula n. 321 (CDC para a previdência privada), na esteira da Súmula n. 297

(CDC para as instituições financeiras), é perfeitamente compreensível.

Porém, há uma realidade totalmente distinta ao se tratar das relações consti-

tuídas no âmbito da previdência privada operada pelas entidades fechadas de

previdência complementar.

III) As entidades fechadas de previdência complementar

não possuem finalidade lucrativa

Pelas suas características, as entidades fechadas de previdência complementar,

também conhecidas como fundos de pensão, não poderiam ser alcançadas pela

Súmula n. 321.

As entidades fechadas de previdência complementar são entidades sem fins

lucrativos, conforme expressamente dispõe o art. 31 da Lei Complementar n.

109, de 2001:

Adacir Reis

1 3

“Art. 31. [...]

§ 1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou

sociedade civil, sem fins lucrativos. [...].” (grifamos)

Diferentemente das sociedades empresárias, que são organizadas para a

exploração de atividades destinadas ao lucro, as entidades fechadas de pre-

vidência complementar nascem de um ato de inteligência dos trabalhadores

(participantes), que se associam voluntariamente para uma finalidade previ-

denciária, com ganhos de escala e cotização de despesas em favor do próprio

agrupamento social.

Há mobilização de valores, mas não existe o lucro, pois os recursos admi-

nistrados (reservas) pela entidade fechada de previdência complementar

destinam-se exclusivamente ao pagamento de benefícios previdenciários em

favor dos próprios participantes que dela fazem parte.

Não se pode confundir a existência de recursos garantidores de benefícios com

atividade comercial ou lucrativa.

As contribuições dos participantes, somadas às dos patrocinadores (empre-

gadores), destinam-se à constituição de um fundo que, baseado em cálculos

atuariais que levam em conta fatores como longevidade, inflação e retorno

dos investimentos, vai arcar com a complementação de aposentadoria do

agrupamento associativo da entidade fechada de previdência complementar.

Registre-se que a qualificação como entidade de previdência privada não remete

necessariamente à ideia do lucro, mas sim, e antes de tudo, ao fato de que tal

previdência não se confunde com a previdência pública.

Entretanto, é importante atentar para as diferentes formas de estruturação da

previdência privada brasileira, pois há a previdência privada desenvolvida

comercialmente, para fins lucrativos, e a previdência privada desenvolvida para

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 4

fins exclusivamente sociais, fechada, constituída por um grupo com uma iden-

tidade comum, sem qualquer pretensão de fazer do lucro sua razão de existir.

A entidade fechada de previdência complementar é privada porque seus recur-

sos pertencem a titulares determinados, assim como uma associação cultural,

uma cooperativa habitacional, um plano de saúde na modalidade autogestão

ou mesmo um condomínio de moradores de um edifício. O que move seus

integrantes não é o lucro nem o comércio, mas sim, a partir do esforço organi-

zado, um bem social comum.

Não pretendemos condenar as sociedades que se organizam em busca do lucro,

nem tampouco deixar de reconhecer os grandes avanços obtidos nas relações

de consumo em razão do Código de Defesa do Consumidor. Longe disso. As

empresas com finalidade lucrativa, inclusive instituições financeiras, cumprem

papel relevante, e indispensável, no mundo contemporâneo. O referido Código

funciona como importante ferramenta para a modernização das atividades

empresariais.

Nosso objetivo, no caso específico da previdência complementar, é realçar

que há grandes diferenças jurídicas, conceituais e doutrinárias que devem ser

observadas e respeitadas, inclusive pelo Poder Judiciário.

Sobre a distinção entre entidades fechadas e entidades abertas de previdência

complementar, a Professora Ada Pellegrini Grinover, uma das autoras do an-

teprojeto do CDC, esclarece:

“[...] Não há como, para o fim de aplicação do CDC, equiparar entidades

que, quando menos, se distinguem pela questão da busca do lucro (ino-

corrente nas entidades fechadas). Ora, como visto à saciedade, não há

como pensar na qualificação de uma relação de consumo sem que esteja

estabelecida uma forma de remuneração do suposto fornecedor (ainda

que indireta) e sem que esse esteja organizado ou estruturado precisa-

Adacir Reis

1 5

mente para a obtenção do lucro. [...]. Tudo isso, repita-se, aplica-se com

grande justeza às entidades fechadas de previdência privada, que só por

um equívoco podem ser tratadas como as entidades abertas.”1

A Súmula n. 321 do STJ não delimitou de que previdência privada está tratando,

razão pela qual tem sido invocada genericamente para permitir o enquadramento

de toda e qualquer entidade de previdência complementar no Código de Defesa

do Consumidor, inclusive as entidades fechadas de previdência complementar,

as quais, por comando legal expresso, não têm o objetivo existencial do lucro.

IV) Na relação jurídica com a entidade fechada de previdência complementar não há comércio

ou mercado de consumo

O próprio nome da entidade fechada de previdência complementar já evidencia

que os planos de previdência são de acesso restrito, pois o art. 31 da Lei Com-

plementar n. 109/01 estabelece que a entidade é fechada, ou seja, é acessível

“exclusivamente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e

aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

entes denominados patrocinadores” (inciso I) ou “aos associados ou membros

de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, entes denomi-

nados instituidores” (inciso II).

Portanto, não há que se falar em mercado de consumo.

O que existe é uma relação condominial, na qual tanto as reservas garanti-

doras dos benefícios como as despesas são suportadas por esforço solidário

dos participantes e assistidos do plano previdenciário e, se for o caso, do

empregador (patrocinador).

Não há fornecimento de serviço ou produto, posto que a entidade não comercia-

liza os benefícios previdenciários previstos no regulamento do plano.

1 Ada Pellegrini Grinover, Parecer jurídico à consulta formulada pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Abrapp.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 6

A entidade fechada de previdência complementar, sem objetivar o lucro, tem

como missão existencial recolher as contribuições dos participantes e patroci-

nadores, administrá-los e, ao final, converter tais recursos em benefícios pre-

videnciários em favor dos próprios participantes, os quais, ao se aposentarem,

assumem a condição de assistidos.

Sobre o tema, vale traçar um paralelo entre os planos de previdência com-

plementar e os planos de saúde. A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp

1.121.067/PR, de junho de 2011, para efeito de aplicação do CDC, reconheceu

por unanimidade as diferenças entre os planos de saúde comercializados por

operadoras que objetivam o lucro (empresas do mercado) e as entidades de

autogestão:

“A relação jurídica desses planos tem peculiaridades, seja na sua cons-

tituição, administração, obtenção de receitas e forma de associar-se,

completamente diferentes dos contratos firmados com empresas que

exploram essa atividade no mercado e visam o lucro. [...]

O tratamento legal a ser dado na relação jurídica entre os associados

e os planos de saúde de autogestão, os chamados planos fechados, não

pode ser o mesmo dos planos comuns, sob pena de se criar prejuízo e

desequilíbrios que, se não inviabilizarem a instituição, acabarão elevando

o ônus dos demais associados, desrespeitando normas e regulamentos

que eles próprios criaram para que o plano desse certo. [...]

Portanto, as restrições de cobertura ou de ressarcimento a eventos nos

planos de autogestão não violam princípios do Código de Defesa do

Consumidor.” (grifamos)

Tais fundamentos caem como uma luva para os planos de previdência das

entidades fechadas de previdência complementar. Assim como os planos de

saúde na modalidade de autogestão não se confundem com os planos opera-

dos por empresas que objetivam o lucro, as entidades fechadas de previdência

Adacir Reis

1 7

complementar, sem fins lucrativos, não podem ser equiparadas às entidades

abertas, companhias seguradoras e instituições financeiras que operam planos

de previdência complementar com finalidade lucrativa.

Não se trata do pretenso consumidor, de um lado, e da entidade fechada de

previdência complementar, do outro lado.

Há uma comunidade, num circuito fechado, daí o nome de entidade fechada

de previdência complementar. Um conflito entre participantes e a entidade

fechada de previdência complementar é, na verdade, um conflito entre par-

ticipantes e outros participantes da mesma entidade previdenciária, já que

esta não tem vida própria ou patrimônio autônomo, pois os recursos geridos

por essa entidade são destinados exclusivamente ao pagamento de benefícios

previdenciários para os que dela fazem parte.

O Ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, abordou tal tema nos seguintes termos:

“O art. 34 da Lei Complementar n. 109/2001 deixa límpido que as entida-

des de previdência privada fechada apenas administram os planos, isto

é, não são as detentoras de seu patrimônio, de sorte que o acolhimento

da tese dos recorrentes, que é contrária ao previsto quando aderiram ao

plano, coloca em risco o custeio dos benefícios, resultando em prejuízo

aos demais participantes e beneficiários, que são os verdadeiros deten-

tores do patrimônio acumulado.”2 (grifamos)

O conceito de mercado de consumo, a que alude o § 2º do art. 3º da Lei n. 8.078/90

(CDC), baseado na livre iniciativa e no oferecimento de produtos e serviços ao

público em geral, não é compatível com as entidades fechadas de previdência

complementar, as quais são fechadas, ou seja, criadas sob medida para um

agrupamento específico de pessoas. Por expressa disposição do art. 31 da Lei

Complementar n. 109/01, são “acessíveis exclusivamente” aos “empregados

2 REsp 814.465/MS (DJ 24/05/2011).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 8

de uma empresa ou grupo de empresas”, “servidores da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios” (vide a Lei n. 12.618/2012, que criou a

previdência complementar para os servidores públicos titulares de cargo efetivo

da União) e para “os associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter

profissional, classista ou setorial”.

V) Entidade fechada de previdência complementar:

ausência do conceito de remuneração

O art. 18 da Lei Complementar n. 109/01, ao tratar especificamente dos planos

de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar, não deixa

dúvidas sobre a natureza das contribuições realizadas pelos participantes:

“Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, esta-

belecerá o nível de contribuição necessário à constituição de reservas

garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais

despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador

e fiscalizador.

[...].”

Um fundo de previdência fechado é sempre a soma de esforços de um grupo

(participantes e assistidos) por um objetivo social comum, qual seja, a comple-

mentação de aposentadoria.

Portanto, o conceito de remuneração, que pressupõe contraprestação e margem

de lucro pelo fornecimento de um serviço ou produto no mercado de consumo,

conforme previsto no art. 3º da Lei n. 8.078/90 (CDC), é totalmente estranho

ao universo das entidades fechadas de previdência complementar.

A entidade fechada de previdência complementar não recebe qualquer van-

tagem econômica, pois as contribuições recolhidas e aplicadas destinam-se

exclusivamente à “constituição de reservas garantidoras de benefícios” e à

Adacir Reis

1 9

“cobertura das demais despesas”, conforme dicção expressa do art. 18 da Lei

Complementar n. 109/01.

Assim como não pode haver relação de consumo entre um condômino e o

condomínio (conjunto de condôminos) de determinado edifício residencial, não

parece apropriado falar-se em relação de consumo no interior de uma entidade

fechada de previdência complementar.

Um conflito entre um grupo de participantes ou assistidos do plano de previ-

dência e a entidade fechada de previdência complementar não é um conflito

entre fracos, pretensamente hipossuficientes, e um poderoso fundo de pensão.

Eventual conflito judicial entre um participante ou ex-participante e a entidade

fechada de previdência complementar é um conflito entre os próprios parti-

cipantes, pois, a depender do desfecho da demanda, todos serão chamados

a pagar a conta.

Ignorar tal realidade e aplicar o CDC indistintamente vai levar, como tem

levado, a preocupantes desvirtuamentos. De que forma aplicar a responsabi-

lidade objetiva para a entidade fechada de previdência complementar, como

suposta fornecedora de serviços, ou a inversão do ônus da prova se, ao final e

ao cabo, todos os participantes são solidários e concorrem para a constituição

de reservas que devem lastrear o benefício previdenciário?

José Marcos Lunardelli3, desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª

Região e Vice-Presidente da Associação dos Juízes Federais – Ajufe, esclarece:

“Ocorre que esse aparente conflito individual travestido de um problema

de justiça comutativa ou retributiva escamoteia um conflito distributivo

plurilateral, pois a Entidade Fechada de Previdência Privada nada mais

é do que uma ficção que representa a associação de pequenas poupanças

3 Fundos de Pensão: Aspectos Jurídicos Fundamentais. Capítulo I: Reflexões sobre o Judiciário Brasileiro. Organização: Adacir Reis. Edição Abrapp/ICSS/Sindapp, 2009.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

2 0

destinadas a constituir um Fundo comum para garantir o pagamento dos

benefícios previstos no plano aos participantes e assistidos. Trata-se de

um conflito entre o ex-participante e todos os demais participantes que

permanecem no Fundo, pois, ao fim e ao cabo, por força do princípio

do mutualismo, os que permanecerem serão chamados a arcar com o

ônus.” (grifamos)

Se a entidade fechada de previdência complementar for condenada a pagar ou

majorar um benefício para o qual não houve custeio, o fundo previdenciário

vai se desequilibrar e o seu reequilíbrio será alcançado com o esforço de todos

que solidariamente se vinculam ao plano, nos exatos termos do art. 21 da Lei

Complementar n. 109/01 (“O resultado deficitário nos planos ou nas entidades

fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na

proporção existente entre as suas contribuições”).

A exemplo do que ocorre numa cooperativa agrícola, em que os cooperados

arcam com os custos e resultados daquela atividade, o inadimplemento das

obrigações contratuais por um participante, ou a majoração de um benefício

sem o prévio custeio, acaba por gerar consequências negativas para o conjunto

dos participantes do mesmo plano de benefícios, visto que o custeio decorre

de rigorosos cálculos atuariais que levam em conta o total de associados (grupo

fechado) das entidades fechadas de previdência complementar.

Nessa mesma linha de entendimento já se pronunciou a Ministra Maria Isabel

Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça:

“Verifico, pois, que a extensão de vantagens pecuniárias ou mesmo rea-

justes salariais concedidos aos empregados de uma empresa ou categoria

profissional, de forma direta e automática, aos proventos de comple-

mentação de aposentadoria de ex-integrantes dessa mesma empresa ou

categoria profissional, independentemente da previsão de custeio para o

plano de benefícios correspondente, não se compatibiliza com o princípio

Adacir Reis

2 1

do mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada e nem

com dispositivos da Constituição e da legislação complementar acima

mencionada, porque enseja a transferência de reservas financeiras a par-

cela dos filiados, frustrando o objetivo legal de proporcionar benefícios

previdenciários ao conjunto dos participantes e assistidos, a quem, de

fato, pertence o patrimônio constituído.”4 (grifamos)

Se a entidade fechada de previdência complementar é a reunião de um conjunto

de participantes que se associa para um objetivo existencial comum (a comple-

mentação de aposentadoria), não parece apropriado presumir a hipossuficiência

do participante, que passa a ser visto como um consumidor, um destinatário

passivo, em contraposição à entidade fechada de previdência complementar,

retratada não rara vez em processos judiciais como a poderosa fornecedora que

possuiria milhões ou mesmo bilhões de reais. Como já exposto, tais recursos pos-

suem natureza previdenciária e nada mais são do que as reservas garantidoras

dos benefícios desse mesmo conjunto de participantes.

Aliás, não é apenas uma condenação judicial sem o correspondente custeio que

repercutirá para o conjunto dos participantes da entidade fechada de previdên-

cia complementar. O simples ingresso de uma ação judicial contra a referida

entidade previdenciária gera despesas com custas judiciais e com advogados,

peritos e atuários, especialmente se houver inversão do ônus da prova. Tendo

em vista que o compartilhamento de despesas também é solidário e mutualista,

e os recursos são finitos, o conjunto de participantes vai arcar com tais despesas

judiciais, nos exatos termos do art. 18 da Lei Complementar n. 109/01.

Nas entidades fechadas de previdência complementar, o esforço contributivo

do conjunto de participantes decorre de cálculos atuariais, que levam em conta

aspectos como taxa de longevidade e número de dependentes, num regime

mutualista em que o único objetivo finalístico é a constituição de reservas

4 REsp 1.207.071/RJ. DJ 08/08/2012.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

2 2

que garantam o benefício pactuado no regulamento, nos termos dos arts. 18 e

19 da Lei Complementar n. 109/01. Por óbvio, as despesas realizadas para a

consecução desse objetivo comum são também assumidas solidariamente por

todos os partícipes da mesma comunidade associativa.

Ausente o conceito de remuneração por serviço prestado no mercado de consumo

(Lei n. 8.078/90, art. 3º, § 2º), não há como admitir o enquadramento das rela-

ções com as entidades fechadas de previdência complementar no Código de

Defesa do Consumidor. Tal enquadramento partiria de um pressuposto falso,

o de que as entidades fechadas de previdência complementar estariam, como

um ente apartado dos participantes, auferindo vantagens econômicas e lucros

em face de suas atividades previdenciárias.

VI) As entidades fechadas de previdência complementar

são fiscalizadas pelo Ministério da Previdência Social

Em mais uma distinção legal e conceitual a ser observada para efeito de con-

sideração acerca do CDC, as atividades das entidades fechadas de previdên-

cia complementar estão sob a supervisão da Superintendência Nacional de

Previdência Complementar – Previc, autarquia vinculada ao Ministério da

Previdência Social, fato que por si só evidencia a natureza previdenciária e

social de tais entidades sem fins lucrativos.

À Previc, do Ministério da Previdência Social, compete “proteger os interesses

dos participantes e assistidos” (LC 109/01, art. 3º), além de lhe competir priva-

tivamente zelar pelas entidades fechadas de previdência complementar, não

se aplicando a estas os dispositivos do Código de Processo Civil e do Código

Civil que tratam do poder de velamento exercido classicamente pelo Ministério

Público em face das fundações (LC 109/01, art. 72).

Qualquer alteração estatutária ou de regulamento de plano de benefícios,

ouvido o conselho deliberativo da entidade fechada de previdência, deve ser

Adacir Reis

2 3

aprovada prévia e expressamente pela Previc, conforme prevê o art. 33 da Lei

Complementar n. 109/01.

Tais normativos, somados a regras específicas de divulgação de informações e

a um severo regime disciplinar, emprestam a essa relação previdenciária – con-

dominial e solidária – um microssistema especial de proteção aos participantes

das entidades fechadas de previdência complementar.

VII) Não há subordinação na relação com a entidade

fechada de previdência complementar, pois os

participantes, como o nome sugere, participam da gestão

A legislação especial de regência estabelece expressamente que os participantes e

assistidos terão assento nos conselhos deliberativo e fiscal das entidades fechadas

de previdência complementar (LC 109/01, art. 35; LC 108/01, arts. 11 e 15).

Aliás, é a própria Constituição Federal, em seu art. 202, § 6º, que determina que

a lei complementar, ao tratar das entidades fechadas de previdência comple-

mentar, “disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias

de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação”.

O art. 35 da Lei Complementar n. 109/01 e os arts. 11 e 15 da Lei Complementar

n. 108/01 disciplinam a inserção dos participantes nos órgãos colegiados das en-

tidades fechadas de previdência complementar, sendo que este último diploma

legal, em seu art. 11, ao tratar do conselho deliberativo, que é a instância máxima

de deliberação da referida entidade previdenciária, dá o seguinte comando:

“A escolha dos representantes dos participantes e assistidos dar-se-á por

meio de eleição direta entre seus pares.”

Assim, a fragilidade ou vulnerabilidade que caracteriza a relação de consumo

não se verifica no âmbito de uma entidade fechada de previdência comple-

mentar, na qual os próprios associados têm assento obrigatório nas instâncias

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

2 4

decisórias, participando dos esforços não só do custeio das reservas matemá-

ticas e das despesas havidas com a administração do plano de benefícios, mas

também da própria gestão de tais recursos e benefícios.

O Ministro João Otávio de Noronha, do STJ, ao abordar em palestra o tema da

previdência privada brasileira, já se manifestou sobre as peculiaridades das

entidades fechadas de previdência complementar, realçando o fato de que

nessa modalidade de previdência, além de não haver a perseguição do lucro,

os participantes elegem representantes para os órgãos estatutários, deliberam

sobre regulamentos e participam da elaboração e execução da política de in-

vestimentos dos ativos garantidores dos benefícios, daí uma das razões de não

ser apropriada, sob o ângulo jurídico, a equiparação dos fundos fechados de

previdência complementar às instituições financeiras do mercado5.

Nas relações constituídas entre participantes e entidades fechadas de previ-

dência complementar, o que se verifica é o associativismo voltado para uma

finalidade previdenciária, com base em uma gestão participativa e objetivos

sociais comun.

Tal aspecto foi captado por Massami Uyeda, ministro aposentado do STJ, em

artigo intitulado “Reflexões sobre Complementação de Aposentadoria”6, no

qual assevera:

“A paridade na administração e a ausência de fins mercantilistas da

previdência privada fechada (fundos de pensão) retiram dos associados

ou participantes a condição de meros consumidores, como é o caso da

previdência privada aberta, com fins lucrativos.”

5 Palestra proferida em evento do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magis-tratura – Copedem, agosto de 2011.

6 Revista Justiça & Cidadania, setembro de 2011.

Adacir Reis

2 5

Os benefícios pagos pelas entidades fechadas de previdência complementar

estão fixados no regulamento do plano, o qual, seja para entrar em vigor, seja

para ser alterado, depende de aprovação do conselho deliberativo, que é a

instância máxima da entidade de previdência, integrado necessariamente por

representantes eleitos pelos participantes e assistidos, além da necessidade

de sua expressa aprovação pela Superintendência Nacional de Previdência

Complementar – Previc.

Em face de tais constatações, não parece correto afirmar que o participante do

plano fechado de previdência privada, como pretensamente hipossuficiente,

estaria transferindo para um ente mais forte e dele apartado – a entidade fechada

de previdência complementar – determinados riscos e, dessa forma, lavando as

mãos em relação aos resultados por ela auferidos como nas relações securitárias

típicas de uma companhia seguradora.

VIII) As entidades abertas de previdência complementar e

as sociedades seguradoras

Fixadas as características centrais das entidades fechadas de previdência com-

plementar, vale registrar resumidamente os traços essenciais das entidades

abertas de previdência complementar e sociedades seguradoras.

Aqui, sim, cabe a equiparação com as instituições financeiras. Aliás, a rede

bancária é a grande distribuidora dos planos de previdência privada das en-

tidades abertas de previdência complementar e seguradoras que atuam nos

ramos vida e previdência.

O caput do art. 36 da Lei Complementar n. 109/01 dispõe que “as entidades

abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedade anônima e têm

por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário

concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a

quaisquer pessoas físicas”. (grifamos)

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

2 6

O parágrafo único desse artigo define que “as sociedades seguradoras au-

torizadas a operar exclusivamente no ramo vida poderão ser autorizadas a

operar planos de benefícios a que se refere o caput” (grifamos), em manifesta

equiparação das entidades abertas às seguradoras.

Como entidades abertas, “acessíveis a quaisquer pessoas físicas”, existe mer-

cado de consumo, relação de comércio e finalidade lucrativa.

Se nas entidades fechadas de previdência complementar o destinatário único é

o participante, nas entidades abertas e companhias seguradoras, equiparadas

às instituições financeiras, além do participante ou segurado existe a figura do

acionista, ou seja, daquele que investiu na companhia e, superados os compro-

missos com o plano de previdência, está à espera do lucro.

Na esfera das relações com as entidades abertas e com as seguradoras, uma

figura é a do segurado e outra, completamente distinta, é a da sociedade con-

trolada por acionistas.

Obviamente, existem aqui interesses e objetivos que não são inteiramente

comuns, pois o segurado busca ser protegido (consumidor) e a sociedade (for-

necedora) tem por objetivo alcançar o lucro para seus investidores.

Ao contrário das entidades fechadas de previdência complementar, subordina-

das à supervisão do Ministério da Previdência Social, as entidades abertas de

previdência complementar e sociedades seguradoras desenvolvem atividades

de “natureza securitária” (§ 2º do art. 3º da Lei n. 8.078/90) e se submetem à

supervisão da Superintendência de Seguros Privados – Susep, órgão ligado ao

Ministério da Fazenda.

A supervisão das demais atividades de “natureza bancária, financeira e de crédito”,

mencionadas no mesmo dispositivo legal do CDC, também está na estrutura

do Ministério da Fazenda, por meio do Banco Central do Brasil.

Adacir Reis

2 7

Registre-se ainda que na gestão de tais entidades abertas e seguradoras não

há previsão de qualquer inserção dos participantes e assistidos nas instâncias

decisórias, pois suas estruturas de governança são regidas pela Lei das Socie-

dades Anônimas.

IX) Conclusões

Conforme acima exposto, em face das enormes diferenças entre as entidades

fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos, e as entidades abertas

de previdência complementar e sociedades seguradoras, com fins lucrativos,

entendemos que a Súmula n. 321 do STJ reclama aprimoramento, de modo a

se explicitar que “o CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade aberta

de previdência privada, com fins lucrativos, e seus participantes”.

* Adacir Reis é Advogado e Presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. Foi Secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social.

PARECER JURÍDICO SOBRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

E AS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

Ada Pellegrini Grinover *

A CONSULTA

Honra-me o ilustre advogado Dr. Roberto Eiras Messina, encaminhando

consulta, acompanhada de documentos, com pedido de parecer em nome

da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Comple-

mentar – Abrapp.

Indaga a Consulente acerca da inaplicabilidade do Código de Defesa do Con-

sumidor, bem como do Enunciado n. 321 da Súmula do STJ à relação jurídica

instaurada entre as entidades fechadas de previdência complementar e os seus

respectivos participantes.

Conforme narra a Consulente, o Enunciado n. 321 da Súmula do STJ – “O Có-

digo de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade

de previdência privada e seus participantes” – teria sido editado a partir de

cinco precedentes julgados pelo STJ: REsp 591.756-RS, REsp 567.938-RO, REsp

600.744-DF, REsp 306.155-MG e REsp 119.267-SP.

Ada Pellegrini Grinover

2 9

Em apertada síntese, registra a Consulente que os aludidos julgados concluí-

ram pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às entidades de

previdência complementar fundada nas seguintes premissas:

i) por força do art. 29 da Lei n. 8.177/91, as entidades de previdência

privada seriam equiparadas às instituições financeiras que, por sua vez,

se submetem às regras consumeristas, conforme preceitua o Enunciado

n. 297 do STJ;

ii) os participantes dos planos de previdência privada poderiam ser caracte-

rizados como consumidores, uma vez que adquirem serviço na qualidade

de destinatários finais;

iii) os participantes dos planos de previdência privada seriam vulneráveis

técnica, jurídica e economicamente diante das entidades de previdência

privada, o que seria ainda corroborado diante da constatação de que os

contratos de previdência privada seriam notadamente contratos de adesão;

iv) as entidades de previdência privada poderiam ser caracterizadas como

fornecedoras, uma vez que são constituídas com a finalidade de prestar

determinado serviço mediante a cobrança de remuneração, sendo que o

fato de o produto ou o serviço ser ofertado apenas para determinado grupo

e não ao público em geral não descaracterizaria a relação de consumo; e

v) não haveria incompatibilidade entre as normas consumeristas e as normas

específicas que por sua vez regulam as entidades de previdência privada.

Contudo, salienta a Consulente que o referido Enunciado n. 321 teria sido

editado de maneira equivocada, uma vez que, nos termos do art. 12, parágrafo

único, inciso III do Regimento Interno do STJ, seria necessária a caracterização

de entendimento jurisprudencial uniforme das Turmas, ao passo que, dos cinco

arestos acolhidos como precedentes para a edição do aludido Enunciado, quatro

foram julgados pela Terceira Turma, ao passo que apenas um foi julgado pela

Quarta Turma, sendo ainda que este último envolvia a questão da aplicabilidade

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

3 0

do Código de Defesa da Consumidor apenas às entidades abertas de previ-

dência privada e não às entidades fechadas, havendo, portanto, tão somente

a configuração de uniformização do entendimento jurisprudencial de uma

única Turma no que tange à incidência do Código de Defesa do Consumidor

às entidades fechadas, de maneira que o referido Enunciado, quando muito,

só poderia ser aplicado às entidades abertas de previdência complementar.

Demais disso, além da inaplicabilidade do Enunciado n. 321 da Súmula do STJ às

entidades fechadas, aduz a Consulente que existiriam fundamentos relevantes

que também conduziriam ao afastamento das normas consumeristas no âmbito

dos planos de previdência complementar fechados, quais sejam:

i) a inexistência de finalidade lucrativa e empresarial, uma vez que o pa-

trimônio de tais entidades e respectivos rendimentos são integralmente

revertidos para a concessão e manutenção dos benefícios previdenciários

aos seus participantes;

ii) a ausência de concorrência e de livre disponibilização de produtos e

serviços no mercado, uma vez que as entidades fechadas de previdência

complementar ofertariam serviços de abrangência restrita, destinados

somente a um grupo determinado de pessoas e não ao amplo mercado de

consumo;

iii) os sujeitos e o objeto da relação jurídica previdenciária, bem como as ati-

vidades das entidades de previdência privada são regulados por normas

próprias que, por serem especiais em relação ao Código de Defesa do

Consumidor, prevalecem em detrimento das normas consumeristas;

iv) os participantes de entidade fechada de previdência privada têm a prer-

rogativa de ingerência nos contratos, de busca do acertamento de situa-

ções pessoais, de exigência de prestação de contas particularizada e de

representação nos conselhos deliberativos e fiscais das entidades de que

participam; e

Ada Pellegrini Grinover

3 1

v) a relação previdenciária desenvolve-se no âmbito da ordem social, ao passo que a relação de consumo, por sua vez, desenvolve-se no âmbito da ordem econômica e financeira.

Assim, sumariamente relatada a questão, a Consulente formula indagação úni-ca, consistente em saber se as relações que se estabelecem entre Fundos de Previdência Privada Fechada e respectivos participantes podem ser qualificadas como relações de consumo, regidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Bem examinada a questão, inclusive pelos documentos que a instruem, passo a proferir meu parecer, que se cingirá ao objeto da supramencionada indagação.

O PARECER

I) Delimitação conceitual de consumidor

A configuração de uma típica relação de consumo, tarefa que nem sempre se apresenta fácil, passa pelo exame de diferentes elementos que, somados, auto-rizam semelhante qualificação. Na realidade, tais componentes se entrelaçam, complementam-se e acabam formando uma unidade coerente. Basta pensar na busca conceitual de consumidor e de fornecedor; conceitos que bem poderiam ser assemelhados a dois lados de uma mesma moeda. Sem embargo disso, o exame desses elementos de forma segmentada pode ser metodologicamente útil, como forma de sistematizar o tratamento de uma matéria que, como dito, muitas vezes é permeada de dificuldades.

Tomando-se justamente o binômio acima mencionado, principie-se por lembrar que, no direito positivo brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) estabeleceu ser consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” e ser fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, monta-gem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (respectivamente,

arts. 2º e 3º da referida Lei).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

3 2

Mas a conceituação legal é ainda insuficiente na medida em que, apesar da definição objetiva contida no texto, é preciso determinar o que se deve entender por “destinatário final”, para que, definindo-se quem é consumidor, seja pos-sível determinar quais as relações jurídicas reguladas pelo aludido estatuto; o que, como bem observou Cláudia Lima Marques, “envolve a necessidade de uma visão clara tanto do critério da ‘pessoa’ (quem é consumidor), quanto do critério da “matéria” (quais as relações abarcadas pela lei)”1.

A corrente finalista é amplamente dominante no Brasil e no exterior. Conforme lembra a suprarreferida jurista, que a adora, “a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial”, interpretando-se a expressão “destinatá-rio final” “de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º”. E, nessa linha de pensamento, ainda conforme lição da referida e festejada autora, destinatário final “é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física” 2. (grifei)

Assim, “sendo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residên-cia, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço”3. (grifei)

Após exame das experiências francesa, belga e alemã, a citada jurista encampa a posição acima referida, observando textualmente que “a regra do art. 2º deve

1 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 98/99.

2 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 100. Essa corrente se contrapõe à Teoria Maximalista que é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço.

3 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 100.

Ada Pellegrini Grinover

3 3

ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código e con-

forme a finalidade da norma, a qual vem determinada de maneira clara pelo art. 4º do CDC”, de tal sorte que “só uma interpretação teleológica da norma do art. 2º permitirá definir quem são os consumidores no sistema do CDC”. De forma bastante expressiva, explica a consumerista que “O destinatário final é o Endverbraucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ‘ao adquirir

ou simplesmente utilizá-lo’ (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor. Portanto, em princípio, estão submetidos às regras do Código os contratos firmados entre o fornecedor e o consumidor não profissional, mas que, no contrato em questão, não visa lucro, pois o contrato não se relaciona com sua atividade profissional, seja este consumidor pessoa física ou jurídica”4. (grifei)

Na doutrina brasileira, esse é o pensamento largamente dominante. José Geraldo Brito Filomeno, por exemplo, salienta que o conceito de consumidor positivado pela lei brasileira tem caráter econômico, considerando-se con-sumidor aquele que adquire bens ou serviços como destinatário final, para atender a uma necessidade própria. Disse referido autor que “o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado

de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra

atividade negocial”5. (grifei)

4 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 107.

5 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 2001, p. 27.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

3 4

Nessa linha de raciocínio, Brito Filomeno complementa observando que pre-

valeceu no direito posto “a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como

‘consumidores’ de produtos e serviços, embora com a ressalva de que assim

são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que

adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade

lucrativa”6. (grifei)

Nesse mesmo diapasão, Arnoldo Wald observou que: “o consumidor protegido

pela lei é, pois, a pessoa que, para as suas necessidades pessoais, não profissio-

nais, contrata o fornecimento de bens e/ou serviços não os repassando a terceiros

nem os utilizando como instrumento de produção”7 (grifei). Da mesma forma

Roberto Senise Lisboa: “somente será consumidor quem adquirir ou se utilizar

de um produto ou serviço como ‘destinatário final’, ou seja, como sujeito que

retira o objeto do mercado de consumo, para uso próprio ou familiar, encer-

rando, desse modo, a cadeia econômica de consumo”8 (grifei). Assim também

José Reinaldo de Lima Lopes lecionou que “consumir é o contrário de investir e

produzir. Daí a expressão de nossa lei: ‘como destinatário final’. O consumidor

faz para si, não para o mercado. O que adquire é para seu consumo: não são

bens de capital”9. (grifei)

Ainda nesse mesmo sentido, Fábio Konder Comparato, com inegável auto-

ridade, lembrou que consumidores são aqueles “que não dispõem de controle

sobre bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos

6 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 2001, p. 29.

7 Cf. Arnold Wald, O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras, in RT 666/13.

8 Cf. Roberto Senise Lisboa, Contratos difusos e coletivos, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, p. 300.

9 Cf. José Reinaldo Lima Lopes, Responsabilidade civil do fabricante e da defesa do consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 80.

Ada Pellegrini Grinover

3 5

titulares destes”, enfatizando que “o consumidor é, pois, de modo geral, aquele

que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é,

os empresários”10. (grifei)

Na doutrina estrangeira, colhe-se a lição do Professor belga Thierry Bourgoignie, segundo quem “o que caracteriza o consumidor é que não há mais, neste estágio do ciclo econômico, de produção, de transformação, de distribuição, de nova prestação, senão fora de toda atividade comercial ou profissional”11 (grifei). Assim também a lição de Carmen Moreno-Luque Casariego que, ao tratar do tema do âmbito de aplicação do conceito de consumidor na legislação espanho-la, afirmou ser a noção de consumidor utilizada pela “LCU – Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios”, a noção concreta de consumidor, sustentando que “mucho más restringida es la noción de consumidor como consumidor final, entendiéndose por este a la persona que adquiere bienes o

servicios para su uso privado, incluyendo en esse uso privado, un uso familiar o doméstico. La diferencia entre ambas nociones esta en que el consumidor final no puede ser un empresario que realice la operación dentro del ámbito de la actividad de su empresa”12. (grifei)

Ainda no âmbito de aplicação da LCU, observou Maria Jose Reyes Lopez que “el criterio de determinación de la finalidad que motive la adquisición del

bien o la contratactión del servicio, lo que es equivalente a determinar en qué personas redunda la utilidad de la adquisición o el disfrute del producto o servicio y el destino asignado a los mismos. Y es que, el espíritu de la Ley general para la defensa de los consumidores y usuarios, como se refleja en su Exposición de Motivos, es proteger a los adquirentes o destinatarios finales de

los bienes o servicios, de los que se presume que se encuentran en una situación

10 Cf. Fábio Konder Comparato, A proteção ao consumidor: importante capítulo do direito econômico, in Revista de Direito Mercantil 15-16.

11 Cf. Thierry Bourgoignie, O conceito jurídico de consumidor, in Direito do consumidor 2/7.

12 Cf. Carmen Moreno-Luque Casariego, Derecho de consumo, Oviedo, Editorial Forum S.A, 1995, p. 75.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

3 6

de desprotección económica respecto a las empresas y que constituyen la parte

más desasistida del contrato. Atendiendo a este criterio son adquirentes fina-les, tanto las personas físicas como las jurídicas, siempre que la utilización que hicieren de los productos, bienes muebles o inmuebles, actividades, servicios o funciones queden al margen de la actividad productiva”13. (grifei)

II) Continuação: a questão da vulnerabilidade

Por outro lado, não se desconhece que parte da doutrina, ao buscar alargamento do campo de incidência de normas especiais de tutela ao consumidor, recorre à ideia de vulnerabilidade para, eventualmente, justificar maior amplitude na aplicabilidade das citadas regras particulares a pessoas ou a entes profissionais. Dessa forma, não apenas a qualidade de “destinatário final” do produto ou do serviço caracterizaria o consumidor como tal, mas também sua qualidade de parte frágil na relação contratual. Esse é, aliás, um dos fundamentos que orien-taram a tantas vezes mencionada Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, como bem disse Cláudia Lima Marques acerca do recurso a esse conceito, como forma de preconizar a extensão da tutela legal dedicada ao consumidor, “trata-se, porém, da exceção e não da regra” (grifei); quando muito uma espécie de válvula de escape para casos limítrofes, dando à jurisprudência alguma margem para alargamento dos princípios encampados pelo Código de Defesa do Consumidor para contratos que, por regra, a eles não estão sujeitos. A propósito, note-se que a vulnerabilidade técnica, no sistema do Código de Defesa do Consumidor, é presumida para o consumidor não profissional; não para o

profissional, isto é, para aquele que não é destinatário final do bem, inclusive

por empregá-lo em sua própria cadeia produtiva14.

13 Cf. Maria Jose Reyes Lopez, Derecho de consumo – la protección del consumidor en los contratos de compraventa de viviendas, de arrendamento de obra y financiación, Espanha, Editorial General de Derecho S.L., 1993, pp. 47/48.

14 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 107 e 106, respectivamente.

Ada Pellegrini Grinover

3 7

O mesmo se dá – além da vulnerabilidade técnica – com a vulnerabilidade jurí-

dica ou científica, entendendo-se, conforme pensamento exposto ainda uma vez por Lima Marques, que profissionais “devem possuir conhecimentos jurídicos mínimos e sobre a economia para poderem exercer a profissão, ou devem poder consultar advogados e profissionais especializados antes de obrigar-se”15. Da mesma forma, para que se pudesse reconhecer uma suposta vulnerabilidade “fática ou socioeconômica” – para, por argumentação, ensejar excepcional alargamento do âmbito das normas especiais do consumidor –, seria preciso divisar no fornecedor posição de autêntico “monopólio, fático ou jurídico”, a impor uma “superioridade a todos que com ele contratam”16. (grifei)

Ademais, embora a vulnerabilidade seja presumida em relação ao consumidor (=destinatário final de produto ou serviço colocado no mercado de consumo), não parece correto definir quem seja consumidor tão somente a partir da ideia de vulnerabilidade ou mesmo de hipossuficiência. Isso não apenas afrontaria o texto legal (que empregou critério objetivo em seu art. 2º) mas também poderia levar a graves distorções do sistema: sendo o destinatário final do produto ou serviço (=consumidor) pessoa com conhecimento técnico, jurídico e científico, além de ostentar posição socioeconômica quiçá superior à do próprio fornecedor, poder-se-ia, a seguir aquele critério, chegar à conclusão de que o consumidor não mereceria a proteção diferenciada, por não ser vulnerável. O que, convenha--se, seria um verdadeiro despropósito.

De outro lado, vulnerabilidade e hipossuficiência – vista como discrepância so-cioeconômica entre as partes – não são necessariamente conceitos idênticos. Conforme observou Roberto Senise, “por ser reconhecido internacionalmente como a parte mais fraca da relação de consumo – item 1 da Res. 09/04/1985 da Organização das Nações Unidas (ONU) –, o consumidor tem em seu favor

15 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 106.

16 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 106.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

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o princípio da sua vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, I, da Lei n. 8.078/90)”. Mas ressalvou: “Não se confunde a vulnerabilidade, entrementes, com a hipossuficiência, de vez que aquela se restringe à relação jurídica de consumo em si, enquanto esta compreende, ainda, a análise socioeconômica das partes inseridas no mercado de consumo. Tanto é assim que a vulnera-

bilidade do consumidor sempre incide nas relações de consumo, mas a hipos-suficiência não, pois a inversão do ônus da prova poderá suceder no caso de o juiz considerar o destinatário final de produtos e serviços hipossuficiente. Portanto, nem sempre o consumidor é hipossuficiente; sempre será, porém, vulnerável.”17 (grifei)

Assim, reconhecer que uma das partes, em dada relação contratual, possa ser hipossuficiente ou mesmo “vulnerável” não é pressuposto suficiente para que se qualifique uma relação jurídica como sendo de consumo e, portanto, sujeita às regras particulares e especiais do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, é oportuno observar que o direito privado “comum” não desconhece, pelo trabalho da doutrina e da jurisprudência, hoje positivado no Código Civil em vigor, princípios como os da boa-fé objetiva e da função social do contrato, princípios esses que são aptos a, quando da efetiva aplicação do direito ao caso concreto, resolver questões postas entre partes não necessariamente protago-nistas de uma relação de consumo.

III) Delimitação conceitual de fornecedor

Passando ao “outro lado da moeda”, cumpre examinar o conceito legal de fornecedor que, naturalmente, deve guardar coerência com tudo o que foi dito a propósito de consumidor; a principiar da verificação básica de que uma figura

exclui a outra18.

17 Cf. Roberto Senise Lisboa, Contratos difusos e coletivos, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 300.

18 Cf. Ada Pellegrini Grinover, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 2001, p. 29.

Ada Pellegrini Grinover

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Sobre o tema, Cláudia Lima Marques, cujas lições foram tantas vezes lembra-

das, reconheceu que a definição de fornecedor de produtos é ampla, sendo que

o critério caracterizador consiste em “desenvolver ‘atividades’ tipicamente

‘profissionais’, como a comercialização, a produção, a importação, indicando

também a necessidade de uma certa habitualidade, como a transformação, a

distribuição de produtos”19 (grifei). De forma análoga, Roberto Basilone Leite

registrou que “o que caracteriza a relação de consumo é o ‘profissionalismo’

do ato de venda do produto ou prestação do serviço. Só se considera relação

de consumo aquela que implique o fornecimento de produto ou serviço com

caráter profissional, ou seja, com intuito comercial”20. (grifei)

Nessa mesma linha, Newton de Lucca destacou que “A prestação de serviços,

assim, para sujeitar-se ao regime jurídico do CDC, deve consistir, primeiramen-

te, numa atividade – e não num simples ato, conforme já terá ficado demonstra-

do – e deve ser fornecida no ‘mercado de consumo’”. Assim, indagou referido

comercialista: “Como imaginar, com efeito, uma prestação de serviços que esteja

fora do mercado de consumo?” Descartando uma possível inutilidade da ex-

pressão contida no texto do § 2º do art. 3º da Lei n. 8.078/90, Newton de Lucca

bem apontou que ela “se repete, por mais de uma vez, no contexto do art. 4º do

CDC, um dos mais importantes do Código. Reaparece no inciso I, relativo ao

reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nesse mercado de consumo.

Ressurge, novamente, na alínea ‘c’ do inciso II, desse mesmo art. 4º, no sentido

da ação governamental para proteger efetivamente o consumidor mediante

a presença do Estado no mercado de consumo. Torna a reaparecer, ainda, por

nada menos do que três vezes, nesse art. 4º: no inciso IV, que alude à educação

e à informação dos fornecedores e dos consumidores quanto a seus direitos

e deveres, tendo em vista o aprimoramento do mercado de consumo; no inciso

19 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 116.

20 Cf. Roberto Basilone Leite, Introdução ao direito do consumidor, São Paulo, LTr, 2002, p. 43.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

4 0

VI, que trata da coibição e repressão eficientes a todos os abusos praticados no

mercado de consumo, quer sejam provenientes de atos de concorrência desleal,

quer oriundos da utilização indevida de inventos e de criações industriais das

marcas, nomes comerciais e sinais distintivos que possam causar prejuízo aos

consumidores; e, finalmente, no inciso VIII, concernente ao estudo constante

das modificações ocorridas no mercado de consumo”. Daí concluir que:

“Dessa singela observação, parece decorrer, necessariamente, a ideia de

que o mercado de consumo não é mera expressão expletiva que possa

ser considerado descartável na interpretação dos textos onde ela apa-

rece. Não é simples complemento da frase ou uma espécie de adorno de

linguagem. Trata-se, antes, de mais um componente indispensável para

a devida caracterização da relação de consumo.”21 (grifei)

Nesse contexto, dois elementos aparecem como rigorosamente indispensáveis:

a remuneração efetuada pelo consumidor em prol do fornecedor e, como con-

sequência disso e do caráter profissional desse último, a busca de lucro. Um e

outro conceito, por outro lado, ligam-se intimamente à noção de produto ou

serviço postos à disposição do mercado de consumo.

Quanto à remuneração, lembre-se que se trata de condição imposta pelo art. 3º

do CDC para a configuração da relação típica de consumo. Trata-se de conceito

que, sem dúvida, vai além da clássica distinção própria do direito privado, en-

tre negócios onerosos e gratuitos, de tal sorte que a opção da lei consumerista,

como destacou Cláudia Lima Marques, “permite incluir todos aqueles contra-

tos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação

escondida), uma remuneração indireta do serviço de consumo”22.

21 Cf. Newton de Lucca, Teoria geral da relação jurídica de consumo, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2001, pp. 150/151.

22 Cf. Cláudia Lima Marques, Comentários ao código de defesa do consumidor, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 114.

Ada Pellegrini Grinover

4 1

Como lembraram Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e

James Marins, a regra contida no § 2º do art. 3º do CDC definiu serviço como

toda a atividade remunerada fornecida no mercado de consumo. Pela expres-

são “mediante remuneração”, disseram referidos autores, deve-se entender

“não apenas como representativa da remuneração direta, isto é, o pagamento

diretamente efetuado pelo consumidor ao fornecedor. Compreende também a

remuneração do fornecedor o benefício comercial indireto advindo de presta-

ções de serviços aparentemente gratuitas assim como a remuneração ‘embutida’

em outros custos”23.

Nas palavras de Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano,

serviço consiste “na prestação positiva de algo economicamente relevante de

uma parte a outra mediante contraprestação igualmente de ordem econômi-

ca (remuneração)”, de tal sorte que “Sem remuneração não há falar-se em

serviço”24. Ou, como asseverou Tupinambá Miguel Castro do Nascimento,

serviço consiste na “prestação de atividade, é o laborar em favor de outrem”.

Contudo, com grande acerto, ressalvou que “Nem toda atividade, porém,

ingressa no conceito que interessa à lei de proteção ao consumidor. Primeiro,

tem que ser atividade que se localiza no mercado de consumo. E, mais do que

isto, “atividade remunerada”. Aqui, o caráter de ser gratuito o serviço prestado

exclui da lei a atividade”25. (grifei)

Para Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes, calcados na premissa de

que “A própria lei consumerista declara expressamente que serviço ‘é qualquer

atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração’, somente

‘desenvolve atividade’ quem obtenha benefícios, ganhos e lucros, diretos ou

23 Cf. Arruda Alvim, Thereza Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins, Código do consu-midor comentado, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 37/38.

24 Cf. Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano, Código de defesa do consumidor inter-pretado, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, pp. 28/29.

25 Cf. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Comentários ao código do consumidor, Rio de Janeiro, Aide Editora, 1991, p. 25.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

4 2

indiretos, com tal ação, trazendo um novo elemento básico, que é a noção de

profissionalidade”26. (grifei).

Entra aí, portanto, o segundo dos elementos supradestacados, que é a atividade

dirigida à busca do lucro.

Conforme corretas considerações de Bernardo Strobel Guimarães, “A conjuga-

ção do conceito de ‘produto’ com o de ‘fornecedor’ (absolutamente necessária)

indica que não basta que se oferte bem a alguém”, sendo necessário que tal

procedimento revista-se “do mínimo de organização econômica para ser objeto

de uma relação de consumo”. E é essa nota de organização econômica, com

vistas ao lucro, prosseguiu referido autor, que “separa o conceito de ‘bem’ (que

dela pode prescindir) do de ‘produto’” 27. (grifei)

Segundo Guimarães, produto, na acepção do CDC, é conceito que “requer

um plus em relação a bem para ser caracterizado como objeto da relação de

consumo. Nesta linha, todo produto é um bem (como afirma taxativamente o

CDC), mas nem todo bem é um produto”. A linha distintiva entre eles, prosse-

guiu, existe na medida em que “para que haja um ‘produto’ é absolutamente

necessário que se revista o processo de um intuito econômico”, ao passo que “no

caso de bens isto não se faz necessário, ou seja, não é imprescindível”. E frisou:

“produto é resultado de um processo de produção que, para fins do direito

do consumidor, reveste-se de organização econômica com o intuito de lucro.

É esta inteligência do vocábulo utilizado pelo CDC que corretamente remete à

noção de organização de fatores econômicos com o intuito de lucro.”28 (grifei)

26 Cf. Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes, Questões controvertidas no código de defesa do consumidor, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, pp. 87/90.

27 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por entidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169.

28 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por entidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169 e seguintes.

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4 3

De forma análoga, Roberto Senise Lisboa afirmou que “O legislador consume-

rista procurou relacionar a ideia de ‘produto’ a ‘bem’; e a noção de ‘serviço’ à

‘atividade’. O critério distintivo básico entre o serviço e produto é a atividade

profissional do fornecedor ser preponderante para a outorga de um bem material

ou imaterial. A diferença expressa entre produto e serviço teve como objetivo,

indubitavelmente, inviabilizar a incidência do Código de Defesa do Consu-

midor sobre a relação jurídica cujo objeto fosse a atividade humana, porém

não remunerada”. Daí por que “’Serviço’ é qualquer atividade remunerada

lançada no mercado de consumo por uma pessoa física ou jurídica, exceção

feita à relação trabalhista”29. (grifei).

Ainda a propósito do tema, Bernardo Strobel Guimarães salientou também

que a tradição de dinheiro ou de qualquer outro fenômeno que lhe faça as

vezes “não é elemento integrante do conceito de remuneração”, dado que “A

circulação de dinheiro entre os sujeitos é meramente acidental e não se conecta

à essência da remuneração”. Consequência disso é que “se é verdade que pode

haver remuneração sem pagamento é também verdade que pode haver paga-

mento sem que se efetive remuneração. Ambas as hipóteses são suportadas pelo

conceito escorreito de remuneração, enquanto vantagem econômica”30. (grifei)

Explorando esse importante aspecto da relação de consumo, Guimarães bem

destacou que “Tanto decorre do próprio conceito de remuneração que, como

visto, não se caracteriza ou depende do pagamento (elemento acidental) e,

em verdade, diz respeito à fruição por parte de quem oferta uma vantagem

econômica que reverte em seu favor. Assim, é perfeitamente admissível que

possa também não haver remuneração mesmo com a troca de dinheiro; mes-

29 Cf. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000, pp. 314/315.

30 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por entidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

4 4

mo havendo pagamento não há efetiva vantagem econômica para aquele que

oferece a utilidade a ser fruída”. Dessa maneira, “não haverá remuneração

quando não houver exploração econômica (com intuito de lucro) das utilidades

ofertadas. Frise-se, que, por vezes, inclusive, pode ser que haja um pagamento

pela utilidade, contudo, caso não haja vantagem econômica para quem a oferta

não haverá remuneração efetivamente” 31. (grifei)

Para verificar-se se há remuneração, ou não, prosseguiu ainda o mesmo autor,

“é de se empreender uma dupla pesquisa; primeiramente, é de ver se a pró-

pria estrutura do prestador da utilidade se orienta ao lucro (i.e. à obtenção de

vantagem econômica) e, posteriormente, é de se analisar se efetivamente não

está havendo de fato nenhuma apropriação econômica indevida das vanta-

gens advindas do oferecimento dos produtos ou serviços” (grifei). Assim, em

relação ao primeiro desses requisitos, “há arranjos jurídicos que, efetivamente,

mesmo disponibilizando produtos ou serviços não o fazem visando vantagens

econômicas e, pois, não se remuneram na acepção que estamos empregando

no presente estudo”, ilustrando com as “entidades privadas que atendem a

finalidades de interesse socialmente relevantes, cuja atividade desempenhada

não visa ao lucro”. Trata-se de formas de atribuição de personalidade jurídi-

ca que “não se vinculam ao desenvolvimento de atividades com finalidade

econômica”, de modo a impedir que “se trabalhe com o conceito de remune-

ração”. Em suma: “pode desenvolver-se atividade econômica sem finalidade

econômica” 32. (grifei)

31 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por en-tidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.

32 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por en-tidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.

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4 5

IV) Continuação: entidades cujo objetivo social é

resultado da vontade dos próprios partícipes

As considerações precedentes sugerem o tema da submissão – ou não – de certos

entes jurídicos que, conquanto possam até desenvolver alguma atividade de

conteúdo econômico, não se caracterizam propriamente por uma finalidade

econômica. Falta-lhes a organização com vistas ao lucro e, por isso, conquanto

possam até mesmo proporcionar a fruição de determinados bens, nem por isso

colocam um produto no mercado de consumo. Na atuação desses entes pode

até mesmo haver a circulação de dinheiro entre os envolvidos, sem que isso

caracterize, em um sentido mais estrito, uma remuneração; precisamente porque,

mesmo havendo pagamento, não há efetiva vantagem econômica para aquele

que oferece a utilidade a ser fruída.

Trata-se, segundo Bernardo Strobel Guimarães, cujas considerações são aqui no-

vamente invocadas, de entes ou universalidades de direito em relação às quais

“o benefício havido com a prestação de utilidades não se destina à apropriação

privada e sim para satisfação exclusiva dos objetos sociais que, no mais das

vezes, vinculam-se a finalidades incentivadas pela ordem jurídica”, de tal modo

que a finalidade dessa esfera de atuação “é a própria satisfação dos que recebem

as prestações (que podem ser produtos ou serviços)”. Nesses casos, “o tônus

da relação” reside “na própria figura do destinatário da prestação, sendo que

o particular ordena suas ações para tanto, permite que se invoque a figura do

regime de função”. Dessa maneira, nesses casos, “o destinatário de prestações

a título não econômico constitucionalmente não pode ser configurado como

consumidor (apenas o poderia numa acepção leiga), pois sua tutela se dá sob o

influxo de uma relação funcional, enquanto na relação de consumo o interesse

do prestador é o seu mesmo”33. (grifei)

33 Cf. Bernardo Strobel Guimarães, Conceito de relação de consumo e atividades prestadas por en-tidades sem fins lucrativos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 135/169-185.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

4 6

A propósito desse tema, José Geraldo Brito Filomeno falou de certas “uni-versalidades de direito ou mesmo de fato, como, por exemplo, associações desportivas ou condomínios, que propiciam serviços – bens, diríamos nós, com apoio nas considerações precedentes – tais como lazer, esportes e manutenção de áreas comuns”34. De forma rigorosamente correta, referido autor observa ser “evidente que aqueles entes, despersonalizados ou não, não podem ser conside-rados como ‘fornecedores’. E isto porque, quer no que diz respeito às atividades associativas, quer no que concerne aos condomínios em edificações, seu fim ou objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados ou não por intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação direta em assembleias gerais que, como se sabe, são os órgãos deliberativos soberanos nas chamadas ‘sociedades contingentes’”. E mais:

“Decorre daí, por conseguinte, que quem delibera sobre seus destinos são

os próprios interessados, não se podendo dizer que eventuais serviços

prestados pelos seus empregados, funcionários ou diretores, síndico e

demais dirigentes comunitários, sejam enquadráveis no rótulo ‘fornece-

dores’, conforme a nomenclatura do Código de Defesa do Consumidor.”35

(grifei)

Dando idêntico destaque para o papel que os filiados de certo ente tenham nos respectivos rumos, Roberto Senise Lisboa, ao tratar de entidade que não tem propriamente finalidade de lucro, assinalou que, para que seja ela considerada fornecedora, “é indispensável que ela forneça alguma atividade em prol de ‘filiados’, que possuem a obrigação de pagar uma manutenção periódica, mas que não têm qualquer poder deliberativo para influir, fazendo prevalecer a sua vontade nas decisões do ente moral”36. (grifei)

34 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, pp. 45/46.

35 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, pp. 45/46.

36 Cf. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2000, p. 238.

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4 7

Particularmente nas situações que envolvem interesses de diferentes pessoas

enfeixados por uma relação de condomínio, fica clara a impossibilidade de se

qualificar o vínculo como submetido às normas especiais que tutelam o consu-

midor. A propósito disso, para ilustrar, Danielle Machado Soares – tratando de

condomínio de águas – bem destacou que, aí, “não existe a figura do fornecedor

de serviço. Apenas existem pessoas que se encontram vinculadas por uma si-

tuação de carência que as une, e que sozinhas não poderiam suportar o ônus

proveniente do poder público, por ser este muito elevado, motivo pelo qual

concordam, expressamente ou tacitamente, em somar seus esforços para bene-

ficiarem em conjunto de um bem essencial que é a água. Todas são ao mesmo

tempo destinatárias da água e fornecedoras de si mesmas, só que não numa

relação de subordinação, mas de igualdade. A materialização dessa relação se

dá através do rateio de despesas entre todos os beneficiários, que provém da

construção e da conservação da rede hídrica, incluindo a energia utilizada, o

funcionário que cuidará da rede, com os devidos encargos trabalhistas, o ma-

terial para tratar a água, etc.”. E, de forma muito proveitosa para os termos da

presente consulta, pela analogia que propicia, concluiu referida autora:

“Assim, se um condômino deixar de contribuir para o sistema, os demais

terão de suportar as despesas do inadimplente, pois se houver a parali-

sação por falta de verba todos serão prejudicados.

Logo, como não se caracteriza a relação de consumo entre os condôminos

de fato, por serem estes os seus próprios gestores de suas necessidades,

consequentemente, não há que se aplicar o CDC”37. (grifei)

Nessa linha de raciocínio – que, frise-se, pode ser aplicada por analogia ao ob-

jeto da consulta – a jurisprudência é excelente fonte de exemplos a demonstrar

37 Cf. Danielle Machado Soares, ‘Condomínio de Águas’ – situações de fato ou de direito privado?, in Revista da EMERJ 21/150-151.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

4 8

que a reunião de pessoas, com as características anteriormente indicadas, não

autoriza a qualificação da relação daí resultante como de consumo.

Para ilustrar, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “O Código de

Defesa do Consumidor, embora muitos o considerem mesmo um ‘sobredirei-

to’, não pode ultrapassar os limites das relações de consumo. E tais limites

não alcançam, a meu sentir, as relações condominiais, que estão subordina-

das ao pacto representado pela vontade dos condôminos, manifestada na

convenção”38. (grifei)

Da jurisprudência daquela mesma Corte Superior se extrai que se acha “des-

caracterizada a relação de consumo entre condômino e condomínio”, vez

que “não há de se entender ser o condomínio prestador de serviços a serem

tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor, pois a atividade por ele

realizada frustra a definição de prestação de serviços em dois pontos, quais

sejam: remuneração e fornecimento no mercado de consumo. O condomínio

insere as despesas havidas sob essa rubrica no rol mensal a ser dividido entre

os condôminos. Não recebe remuneração específica para tal função e não detém

relação de consumo com os seus condôminos”. O condomínio “nada mais é

do que o conjunto dos moradores de uma habitação coletiva” e “cujo destino e

orientação são traçados pelos próprios moradores”. Mais ainda: “A mediação

da estrutura condominial não o torna um fornecedor dos serviços destinados

às unidades que o integram.”39 (grifei)

De forma análoga, e mais próxima da situação submetida à consulta, também

já se decidiu que “Participando o cotista do clube de investimento, no caso,

da própria administração, como membro de sua assembleia geral, podendo

ser eleito até para o conselho deliberativo, não há falar em relação de consumo

38 Cf. STJ, REsp 203.254/SP, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 6/12/99.

39 Cf. STJ, REsp 650.791/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, j. 06/04/06.

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4 9

para efeito da liberação integral de suas ações, o que ocorrerá na forma do que

estabelece o estatuto”40. grifo nosso)

Certo que são coisas distintas, entre si, os condomínios, as associações, os fundos

de investimento e, como no caso, os grupos de previdência privada fechada.

Contudo, em todas essas situações, é perfeitamente possível divisar aspectos

comuns, a afastar a caracterização da relação de consumo:

i) em todos eles há, ou pode haver, alguma atividade de conteúdo econômico,

mas não há propriamente uma finalidade econômica;

ii) falta-lhes a organização com vistas ao lucro e, por isso, conquanto propor-

cionem a fruição de determinados bens, nem por isso colocam um produto

no mercado de consumo;

iii) há, ou pode haver, circulação de dinheiro, sem que isso caracterize, em

um sentido mais estrito, uma remuneração e, mesmo havendo pagamento,

não há efetiva vantagem econômica para aquele que oferece a utilidade a

ser fruída;

iv) os integrantes ou partícipes deliberam sobre seus destinos ou sobre o

destino do grupo;

v) os membros são, de alguma forma, pessoas que se encontram vinculadas

por uma situação de carência que as une, sendo que, sozinhas, não pode-

riam suportar determinado ônus, donde a busca de soma de esforços para

benefício conjunto, não numa relação de subordinação, mas de igualdade;

vi) a relação gera despesas que são rateadas entre os interessados; e

vii) a mediação de tais estruturas – seja por um síndico, por um administrador

ou por um conselho – não faz do “mediador” um fornecedor dos serviços

destinados aos que o integram.

40 Cf. STJ, REsp 290.954/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 26/06/01.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

5 0

V) Breve exame das atividades bancárias (para identificar

o quê, nelas, justifica a aplicação do CDC)

Embora a atividade de previdência privada não se confunda com a atividade

bancária, mas justamente por isso, convém examinar, ainda que sumariamen-

te, o que, segundo a doutrina, justifica a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor às relações que ali se estabelecem entre instituições financeiras,

de um lado, e tomadores do crédito e serviços, de outro.

Segundo lição de Fábio Ulhoa Coelho, referida atividade “abarca uma gama

considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à con-

cessão, circulação ou administração do crédito. Estabelecendo-se paralelo entre

a atividade bancária e a industrial, pode-se afirmar que a matéria-prima do

banco e o produto que ele oferece ao mercado é o crédito, ou seja, a instituição

financeira dedica-se a captar recursos junto a clientes (operações passivas)

para emprestá-la a outros clientes (operações ativas)”41. (grifei)

Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery assinalaram que “Um dos produtos

comercializados pelo banco é o dinheiro, que se enquadra na definição de bem

juridicamente consumível do CC, art. 86 (CC de 1916, art. 51), é caracterizado,

portanto, como produto para efeitos de considerar-se como objeto da relação

jurídica de consumo. O crédito é outro produto imaterial comercializado pelo

banco. A atividade dos bancos se encontra regulada no caput do art. 3º do CDC

(comerciante) e não apenas no § 2º, que fala sobre o serviço bancário”42. (grifei)

Em outra passagem de sua obra, Nelson Nery Júnior acrescentou “O produto

da atividade negocial do banco é o crédito” e as atividades dos bancos, segundo referido jurista, “envolvem, pois, os dois objetos das relações de consumo: os

41 Cf. Fábio Ulhoa Coelho, O empresário e os direitos do consumidor, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 174.

42 Cf. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 951.

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5 1

produtos e os serviços”. Destacando a “finalidade dos contratos realizados com

os bancos” como ponto fundamental, disse Nery Júnior que “Havendo a outorga

do dinheiro ou crédito para que o devedor o utilize ‘como destinatário final’,

há a relação de consumo que enseja a aplicação dos dispositivos do CDC”43.

A preocupação das legislações estrangeiras e da doutrina alienígena de inserir

o crédito nas normas de proteção ao consumidor, disse referido autor, “não foi

desprezada pelo CDC, que de fato o incluiu quando definiu consumidor, for-

necedor, produto e serviço, fazendo expressa menção das atividades bancárias,

de crédito, financeiras e securitárias (arts. 2º, 3º e §§ e 52)”. Particularmente

quanto aos “contratos de financiamento de bens duráveis ao consumidor, não

há dificuldade para considerá-los como contratos de consumo, já que seu objeto

é emprestar dinheiro ao consumidor, como destinatário final”.

“O sentido teleológico dessas normas do CDC é, indisputavelmente, o

de considerar como serviço, objeto da relação de consumo, as atividades

bancárias, financeiras, de crédito e de seguros. Ainda que ad argumen-

tandum se diga que as operações bancárias não seriam ontologicamente

destinadas ao consumo, são elas consideradas ‘ex lege’ como produtos

e serviços para os efeitos de sua caracterização como relação de consu-

mo e o banco, igualmente, é considerado ‘ex lege’ (art. 3º, ‘caput’, CDC)

como fornecedor, sendo sempre sujeito de relações jurídicas de consu-

mo. No que toca ao objeto, haveria, por assim dizer, uma ficção jurídica

conceituando as atividades bancárias como sendo objeto das relações

de consumo.”44 (grifei)

De forma semelhante, Cláudia Lima Marques também ressaltou que “Em

todos os lugares do mundo, mesmo na minimalista França de Calais-Auloy, o

43 Cf. Nelson Nery Júnior, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante-projeto, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 471/477.

44 Cf. Nelson Nery Júnior, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do ante-projeto, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 471/477.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

5 2

crédito ao consumidor é considerado relação de consumo”. Também no Brasil,

disse ela, “Os serviços, no sentido do CDC, incluem as ‘operações e fazeres’

bancários perante o consumidor”. Considerando que o sistema do CDC “não

utiliza as definições de bem consumível do CC, nem a definição econômica

deste ‘insumo’, mas inclui todos os bens materiais e imateriais como produtos

lato sensu e, especialmente, um sistema que não especifica os tipos contratuais

utilizados, mas sim a atividade em si e geral dos fornecedores, a lógica está em

que o ‘produto’ financeiro é o ‘crédito’, a captação, a administração, a interme-

diação e a aplicação de recursos financeiros do mercado para o consumidor e

que a caracterização de fornecedor vem da operação bancária e financeira geral

oferecida no mercado e não só dos contratos concluídos”. Daí por que “O CDC

rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito”,

na medida em que “O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito,

bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o

mutuário ou creditado”45. (grifei)

Para José Geraldo Brito Filomeno “as atividades desempenhadas pelas institui-

ções financeiras, quer na prestação de serviços aos seus clientes (por exemplo,

cobrança de contas de luz, água e outros serviços, ou então expedição de ex-

tratos, etc.), quer na concessão de mútuos ou financiamentos para aquisição de

bens, inserem-se igualmente no conceito amplo de serviços”46. (grifei)

Também Márcio Mello Casado destacou que “Falar de consumidor de crédito

pressupõe enquadrá-lo no sentido anteriormente apresentado de sujeito que

obtém recursos em dinheiro para sua devolução ao término de um prazo. O

crédito bancário pode ser concedido de diversas formas, nas quais sempre estará

presente a contraprestação retributiva do juro em razão da profissionalidade

45 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 4ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, pp. 446/447, 449, 455/456, 458/460, 463/464 e 467/468.

46 Cf. José Geraldo Brito Filomeno, Código brasileiro de defesa do consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 45.

Ada Pellegrini Grinover

5 3

do fornecimento do produto e do tempo que transcorrerá até a restituição da

quantia”47. (grifei)

Segundo Alberto do Amaral Júnior, “Não é correto o entendimento segundo

o qual o Código de Defesa do Consumidor não se aplicaria às instituições

financeiras, porque não concebe a possibilidade de ser usado o dinheiro ou o

crédito pelo destinatário final, pois os valores monetários se destinam, pela

sua própria natureza, à circulação. A utilização do produto tem, aqui, sentido

mais amplo que o da mera fruição, abrangendo a possibilidade da disposição

do bem. Desse modo, o consumidor que celebra um contrato de mútuo com

a instituição bancária utiliza o produto recebido como meio de satisfazer as

suas necessidades”48. (grifei)

A propósito, conforme lembraram Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade

Nery, o fundamento de referido pleito está em que somente lei complementar

é que poderia regular o sistema financeiro brasileiro (CF, art. 192). Mas, como

salientou referido jurista, “Por regulamento do sistema financeiro deve entender-

-se a regulação das atividades do poder concedente (União) e das instituições

concessionárias (bancos, seguradoras, etc.). Isso nada tem a ver com as relações

jurídicas ‘privadas’ e as instituições financeiras. O que as regula são as normas

de direito privado que vigoram no país”49. (grifei)

Portanto, de tais lições se extrai que, de fato, nas atividades bancárias, as re-

lações estabelecidas com os correntistas e, de um modo geral, tomadores dos

serviços, estão mesmo sujeitas às regras do CDC. Ali, com efeito, é possível

entrever a existência de um produto ou serviço – e não apenas de um bem – com

47 Cf. Márcio Mello Casado, Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, pp. 30/31.

48 Cf. Alberto do Amaral Júnior, As condições abusivas na concessão de crédito bancário, in Revista do Direito do Consumidor 40/39-40.

49 Cf. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 951.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

5 4

correspondente destinatário final, sendo este um sujeito que retira o objeto do

mercado de consumo. Ali, ainda, é possível divisar aqueles que – verdadeira-

mente hipossuficientes e vulneráveis – não dispõem de controle sobre bens de

produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares de tais

bens, isto é, os empresários organizados profissionalmente para a obtenção de

lucros, advindos da autêntica remuneração que auferem. Nas relações bancárias,

ainda, está clara não apenas uma atividade, mas sim uma finalidade econômica,

materializada no fornecimento do crédito, mediante contraprestação.

Sob outro ângulo, resulta cristalino que, nas atividades bancárias, não há

margem para que os interessados – destinatários dos produtos ou serviços –

deliberem sobre seus destinos; sua relação com a instituição financeira jamais

é de igualdade, mas sempre de subordinação, não atuando o banco como

“mediador” dentro da estrutura assim estabelecida.

VI) Continuação: exame das atividades securitárias

Muito embora a atividade de previdência privada também não se confunda com

a atividade securitária (mas, de novo, justamente por isso), convém prosseguir e

lembrar, ainda que, mais uma vez muito brevemente, o que justifica a aplicação

do Código de Defesa do Consumidor às relações que ali se estabelecem entre

seguradoras, de um lado, e segurados, de outro.

A propósito, Nelson Nery Júnior bem observou que “O contrato de seguro de

vida em grupo se caracteriza como relação jurídica de consumo, subsumindo-se

à regulação legal do Código de Defesa do Consumidor. A companhia segura-

dora é fornecedora dos produtos e serviços securitários, porque exerce essa

atividade econômica de forma habitual e profissional no mercado”50. (grifei)

Da mesma forma, Cláudia Lima Marques: “os contratos de planos e seguro-

50 Cf. Nelson Nery Júnior, Contrato de seguro de vida em grupo e o código de defesa do consumidor, in Revista de Direito Privado 10/167.

Ada Pellegrini Grinover

5 5

-saúde são contratos cativos de longa duração, a envolver por muitos anos um

fornecedor e um consumidor, com uma finalidade em comum, que é assegurar

para o consumidor o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envol-

vendo a sua saúde, de sua família, dependentes ou beneficiários.” Nesse âmbito,

“não é a figura dos operadores ou fornecedores que une os campos de aplicação

do CDC e da lei especial – o que as une é a figura do consumidor-usuário ou

beneficiário de um plano privado de assistência à saúde, remunerado por ele

diretamente, por seu empregador ou pelo contratante principal dos planos

coletivos e/ou familiares ou individuais”. E mais:

“Há, pois, que se considerar que estes ‘planos’ operados por fornecedores,

com intuito de lucro e com livre iniciativa permitida pela CF/88 (art.

199), preenchem totalmente as características de relações de consumo,

e os usuários são pessoas físicas, destinatários finais dos serviços, con-

sumidores, pelo art. 2º do CDC, de serviços remunerados prestados por

fornecedores organizados em cadeia de fornecimento de serviços (art.

3º, caput e § 2º, do CDC).”51 (grifei)

Confirma esse entendimento Eduardo Gabriel Saad. Lembrando que “serviço é

qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”,

conclui que “as atividades, nos setores bancários, financeiro, de crédito e secu-

ritário, equiparam-se a serviços desde que sejam remunerados”. “Remunerar”,

prosseguiu, “tem significação muito ampla. Não se reduz apenas à retribuição

paga pelo serviço recebido; é, em verdade, a vantagem pecuniária obtida pelo

fornecedor e representada por taxas, lucros, juros, etc.”52. (grifei)

No mesmo sentido, Luiz Felipe Silveira Difini observou que “pode-se dizer que

51 Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do consumidor, 5ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, pp. 485/486.

52 Cf. Eduardo Gabriel Saad, Comentários ao código de defesa do consumidor, 3ª ed., São Paulo, LTr, 1998, pp. 104/105.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

5 6

o segurador enquadra-se no conceito de fornecedor, vez que exerce profissio-

nalmente a atividade de comercialização do produto ‘seguro’, inclusive porque

a atividade é privativa de sociedades autorizadas a operá-la pelo organismo

administrativo competente”53. (grifei)

VII) O exame da relação entre entidades de previdência

privada fechada e seus participantes: necessidade de

revisão do enunciado da Súmula n. 321

para exclusão dos referidos entes

Após o detido exame dos elementos que configuram – e que, por consequên-

cia, não configuram – uma típica relação de consumo, é chegado o momento

de examinar a particular situação das entidades de previdência fechada,

adiantando-se, desde logo, que uma interpretação sistemática e teleológica das

disposições contidas no CDC – à luz das disposições constitucionais, das nor-

mas especiais que regem a previdência privada e dos princípios anteriormente

examinados – leva à conclusão, que me parece inexorável, de que o Enunciado

n. 321 da Súmula predominante do Superior Tribunal de Justiça pode e merece

ser revisto, para que dali sejam excluídos os entes que gerenciam os mecanis-

mos de previdência privada fechada (deixando-se, portanto, apenas os entes

de previdência privada aberta).

Em primeiro lugar, convém ressaltar que a suprapreconizada revisão é, antes de

mais nada, conveniente e oportuna, tendo em vista que, como bem salientou a

Consulente, a edição do enunciado em tela não se assentou exatamente em um

entendimento jurisprudencial uniforme das Turmas do STJ. É que, dos cinco

arestos acolhidos como precedentes para a edição do verbete, quatro foram

julgados pela Terceira Turma, ao passo que apenas um foi julgado pela Quarta

53 Cf. Luiz Felipe Silveira Difini, O contrato de seguro à luz do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil, in Revista da Ajuris 98/205-206.

Ada Pellegrini Grinover

5 7

Turma. Este último, por outro lado, tratou da questão da aplicabilidade do

Código de Defesa do Consumidor apenas às entidades abertas de previdência

privada e não às entidades fechadas. Portanto, ao menos na origem, não havia,

entre as Turmas, uniformidade de entendimento com a mesma extensão que,

depois, veio a se conferir à Súmula.

Ainda que, a respeito, não se possa falar em error in procedendo a justificar uma

invalidade do julgamento do qual resultou a edição do enunciado, referida

circunstância fala expressivamente a favor da conveniência de se reexaminar

a matéria, atentando para a distinção, fundamental por sinal, entre entidades

abertas e fechadas.

No mérito da questão, por assim dizer, não há como subsistir a equiparação das

entidades abertas e das fechadas porque se trata de entidades com elementos

conceituais substancialmente distintos. Também não há como sustentar a exis-

tência de relação de consumo, inclusive sob pena de se inviabilizar o próprio

mecanismo em questão.

Quanto à distinção acima indicada, é preciso atentar com maior rigor para a

essência dos institutos em confronto. Tratá-los igualmente é um engano que

pode e deve ser corrigido. É que, como bem apontou Lygia Maria Avena, as

entidades fechadas de previdência complementar passaram “a ter importante

papel como formadoras de poupança nacional, na medida em que, por força da

própria legislação, atuam sob o regime de capitalização, acumulando recursos,

por anos a fio, para poderem conceder e manter os benefícios prestados aos

seus participantes (benefícios a conceder e concedidos)”. E mais:

“Nesse contexto, tais entidades, que, distintamente das abertas de

previdência complementar, não possuem qualquer escopo de lucro,

não distribuem qualquer parcela do seu patrimônio, investindo e

reinvestindo a totalidade das suas receitas e recursos integralmente

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

5 8

para a finalidade previdenciária supletiva, inexistindo ‘sobra’ a ser

distribuída.” 54 (grifei)

Da mesma forma, Fábio Zambitte Ibrahim destacou que “As entidades fechadas

de previdência complementar – EFPCs, ao contrário das abertas, são somente

acessíveis aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos ser-

vidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou aos

associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou

setorial”. Além disso, “As entidades fechadas, já que desprovidas de finalidade

lucrativa, ao contrário das abertas, são constituídas sob a forma de fundação

ou sociedade civil. A finalidade lucrativa é outra distinção relevante entre as

entidades abertas e as fechadas de previdência complementar”. E ainda:

“Diferentemente do segmento aberto, o controle, a regulamentação e a

fiscalização das entidades fechadas fica a cargo de Superintendência

Nacional da Previdência Complementar – Previc, criada pela Medida

Provisória n. 233, de 30 de dezembro de 2004. A Previc é autarquia de

natureza especial, vinculada ao Ministério da Previdência Social, e veio

a substituir a Secretaria da Previdência Complementar, que detinha esta

competência.”55 (grifei)

Para não deixar qualquer dúvida a respeito, traga-se aqui também a lição de

Paulo Sérgio João, correto ao lembrar que “As entidades abertas de previdência

privada estão situadas fora do âmbito do direito previdenciário, tratando-se

antes de tudo de uma maneira de poupança individual. Situam-se no campo do

Direito Comercial e a legislação prevê controle e subordinação de tais entida-

des pelo Ministério da Indústria e Comércio, através da Superintendência dos

54 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 52/53.

55 Cf. Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de direito previdenciário, 4ª ed., Niterói, Impetus, 2004, pp. 645/647.

Ada Pellegrini Grinover

5 9

Seguros Privados – Susep (art. 11, Lei n. 6.435/77)”. Já as entidades fechadas

de previdência privada “pertencem ao ramo da Previdência Social, posto que

as condições de funcionamento e o campo de atuação relativamente aos bene-

fícios estão limitados à legislação previdenciária. O controle e a subordinação

de tais entidades são exercidos pelo Ministério da Previdência e Assistência

Social, sendo consideradas pela Lei n. 6.435/77 como instituições de assistência

social (art. 39, § 3º)”. E mais:

“As entidades fechadas de previdência privada não poderão ter fins

lucrativos e serão sempre, neste sentido, constituídas sob a forma de

sociedades civis ou fundações (art. 4º da Lei, § 1º e art. 5º, II).”56 (grifei)

Portanto, uma das premissas em que assentado o verbete não subsiste, porque

não há como, para o fim de aplicação do CDC, equiparar entidades que, quando

menos, se distinguem pela questão da busca do lucro (inocorrente nas entidades

fechadas). Ora, como visto à saciedade, não há como pensar na qualificação de

uma relação de consumo sem que esteja estabelecida uma forma de remuneração

do suposto fornecedor (ainda que indireta) e sem que esse esteja organizado

ou estruturado precisamente para a obtenção de lucro.

Nesse particular, aplicam-se às entidades de previdência fechada, como uma

luva, todas as considerações precedentes quanto aos critérios para aferir se

há, ou não, remuneração: primeiro, é preciso saber “se a própria estrutura do

prestador da utilidade se orienta ao lucro”; segundo, “é de se analisar se efeti-

vamente não está havendo de fato nenhuma apropriação econômica indevida

das vantagens advindas do oferecimento dos produtos ou serviços”.

Ora, diferentemente do que ocorre nas entidades abertas, nas fechadas, como

já demonstrado, a estrutura não se orienta ao lucro. Da mesma forma, não há

56 Cf. Paulo Sérgio João, Previdência social complementar, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1983, pp. 74/75.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

6 0

apropriação econômica a caracterizar, ainda que indiretamente, uma forma

de remuneração. A esse propósito, são incensuráveis e lapidares as conside-

rações de Lygia Maria Avena, segundo quem “Sendo o custo dos seus planos

de benefícios calcado em rigorosas bases atuariais que visam ao seu perma-

nente equilíbrio, com fulcro na relação sinalagmática benefício-contribuição,

as entidades fechadas, ao receberem as contribuições dos seus participantes

associados, não as recebem como preços ou remuneração no sentido lato de

pagamento ou em um contexto comercial, até por não terem finalidade lucrativa

e nem distribuírem parcela de seu patrimônio. Recebem, sim, tais contribuições

para serem direcionadas estritamente à formação do fundo previdenciário, que

propiciará, no futuro, a concessão e a manutenção dos benefícios aos próprios

participantes. A estas são somadas relevantes contribuições das suas empre-

gadoras, patrocinadoras dos planos de benefícios”57. E mais:

“Inseridas na esfera de competência do Ministério da Previdência e

Assistência Social, como já dispunha o art. 34 da Lei n. 6.435/77 – já

revogada –, sendo idêntico enquadramento atualmente previsto no art.

74 da Lei Complementar n. 109/01, as entidades fechadas de previdência

complementar são reguladas pela legislação específica de sua regência.

Esta legislação é representada em especial pelas atuais Leis Complemen-

tares n. 108 (específica para entidades com patrocinadoras vinculadas à

Administração Pública) e 109, ambas de 29/05/2001 (esta última aplicada

em caráter geral, substituindo a anterior Lei n. 6.435/77), e demais nor-

mas do ordenamento jurídico aplicável. Apenas subsidiariamente são

reguladas pela legislação civil e da previdência social, naquilo que não

conflitarem com a legislação específica, afastada a incidência das leis

trabalhistas e outros diplomas legais.

[...]

57 Nos termos do caput do art. 19 da LC n. 109/01, “as contribuições destinadas à contribuição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar”.

Ada Pellegrini Grinover

6 1

Portanto, o vínculo jurídico entre as entidades, seus participantes e pa-

trocinadores é de natureza civil-previdenciária, conforme já reconhecido

pela Emenda Constitucional n. 20/98 (§ 2º do art. 202 da CF) e pela Lei

Complementar n. 109, de 29/05/01 (art. 68).”58 (grifei)

Não deve impressionar, portanto, o valor que é pago pelo partícipe porque,

como visto, não se trata de preço por serviço prestado. O conceito muito mais

se apresenta como despesa com que se depara o integrante do grupo; como,

analogamente, tem despesas para as quais deve concorrer um membro de

associação, ou um condômino, para ilustrar. No caso da previdência privada,

a contribuição é direcionada justamente à formação do fundo e não há como

equiparar isso ao preço pago por um produto. Ademais, circulação de dinheiro,

como visto, não é suficiente, por si só, para configurar relação de consumo.

Mais ainda: atividade econômica, como demonstrado à saciedade, não é si-

nônimo de finalidade econômica e a fruição de um bem, conforme também

comprovado, não pode jamais ser confundida com a venda de um produto ou

serviço. Tudo isso, repita-se, aplica-se com grande justeza às entidades fechadas

de previdência privada que só por um equívoco podem ser tratadas como as

entidades abertas.

Ainda sob um enfoque comparativo (que é realmente útil para confirmar a

conclusão já adiantada), não há como estabelecer sequer um paralelo entre

os fundos de previdência fechada, de um lado, e as atividades securitárias e

bancárias, de outro.

Quanto às empresas de seguro, a lição de Arnaldo Rizzardo é perfeita. Segundo

ele, “Cabe uma rápida distinção quanto aos seguros, como os de saúde ou de

58 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 52/53.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

6 2

vida. Existe alguma identidade, posto que tangenciam-se os resultados em

ambas as modalidades: o recebimento de prestações para manter o nível de

vida anterior ao risco, ou fazer frente em vista de determinados eventos. Mas

a distinção, na prática, é palpável: os seguros envolvem uma gama maior de

coberturas, enquanto a previdência privada não passa de uma suplementação

de receita da pessoa, em ocorrendo certos estados de necessidade, ou o imple-

mento do período de contribuições contratado. A rigor, não há a presença do

risco, próprio do seguro, mas há a presença de um evento certo e de ocorrência

necessária. Tanto isto que, nos sistemas de previdência, nem se fala em cobertura

de riscos, como no plano simples de complementação de renda, a ser obtido

após um determinado período de contribuições”59. (grifei)

Com efeito e conforme examinado em tópico precedente, nos seguros de vida

ou de saúde, é possível, com clareza, determinar a existência de um produto ou

serviço, posto à disposição de forma “profissional no mercado”60 de consumo.

Estão evidentes, também, a existência de remuneração, a vantagem pecuniária

obtida pelo fornecedor (taxa e juros) e a consequente busca de lucro, por parte

da empresa seguradora. Os segurados nenhuma ingerência podem ter nos ru-

mos das quantias que entregam à seguradora, quantias que inequivocamente

correspondem ao preço pago. Portanto, em tais seguros não há dúvida quanto

à qualificação do vínculo entre seguradora e segurado e a relação é, de fato,

de consumo.

No caso dos bancos, por outro lado e para reforçar o raciocínio aqui exposto,

avulta, como já foi dito, a existência de um produto ou serviço – e não apenas

59 Cf. Arnaldo Rizzardo, O código de defesa do consumidor nos contratos de seguro-saúde e previdência privada, in Revista Ajuris 64/81.

60 Cf. Nelson Nery Júnior, Contrato de seguro de vida em grupo e o código de defesa do consumidor, in Revista de Direito Privado 10/167.

Ada Pellegrini Grinover

6 3

de um bem – com correspondente destinatário final, sendo este um sujeito que

retira o objeto do mercado de consumo. Ali sim há que se falar em hipossu-

ficiência e vulnerabilidade, de pessoas que não ditam seus próprios rumos e

que não dispõem de controle sobre bens de produção, submetendo-se, por

isso, ao poder dos empresários. Os bancos, ao contrário dos fundos de previ-

dência fechada, são estruturados profissionalmente para a obtenção de lucros,

advindos da autêntica remuneração que auferem. Nas relações bancárias, ainda,

está clara não apenas uma atividade, mas sim uma finalidade econômica, ma-

terializada no fornecimento do crédito, mediante contraprestação. Portanto, é

errado estabelecer identidade entre as duas diferentes atividades, ou mesmo

um simples paralelo.

Ainda no necessário confronto entre entidades de previdência fechada, de um

lado, e instituições financeiras, de outro, não será demasiado lembrar – com o

escopo de extirpar qualquer dúvida que levasse a um mesmo e indevido trata-

mento de ambas – que, sendo o fundo de pensão um investidor institucional,

há disciplina para a alocação de seus recursos; sendo uma das possibilidades o

empréstimo a participantes. É que o art. 71, parágrafo único, da Lei Complemen-

tar n. 109/01 trata de “entidade de previdência complementar”, que é gênero,

além de mencionar patrocinador, participante e assistido, que são elementos

fundamentais da espécie “fechada”. Nesse contexto, mesmo em uma entidade

fechada, é factível cogitar de investimentos, como é o caso de um empréstimo

a participante ou a assistido. Trata-se tecnicamente de um investimento, assim

como a participação em empreendimento de que participe o patrocinador, em

alguma sociedade de propósito específico, por exemplo. Tais possibilidades são

objeto da Resolução n. 3.121/03, do Conselho Monetário Nacional (arts. 26, b,

2. e 39, I, de seu Regulamento Anexo, respectivamente).

Contudo, tal empréstimo rigorosamente não se confunde com aquele praticado

no âmbito das instituições financeiras. É que, sob o prisma entidade fechada

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

6 4

de previdência complementar, trata-se de um investimento com os ativos

garantidores dos planos de benefícios, regulamentado pelo órgão regulador e

fiscalizador, atendendo às premissas de rentabilidade, liquidez e, principalmen-

te, segurança, pois há o desconto em folha de salários da patrocinadora ou do

próprio benefício pago pela entidade, quando o participante já é aposentado.

Por outro lado, sob o ângulo do participante, tal empréstimo constitui um bene-

fício que pode eventualmente servir para suprir a uma situação de emergência,

sendo certo que normalmente as taxas desse empréstimo são muito inferiores às

cobradas pelas instituições financeiras, na medida em que devem bancar apenas

o chamado custo atuarial do plano, acrescido das despesas administrativas. Com

isso, confirma-se que a entidade de previdência privada fechada não possui

finalidade lucrativa. Ademais, tal benefício é restrito à massa de participantes

do plano que a entidade administra, não possuindo os contornos de produto

ou serviço, conforme considerações expendidas à saciedade neste parecer.

Por isso e por tudo mais, não há, em relação às entidades de previdência fecha-

das, como tratá-las como fornecedoras, não havendo sequer como sustentar haja

a colocação de um produto no mercado de consumo. A propósito, a mesma Lygia

Maria Avena bem ressaltou que as noções de comercialização pelo fornecedor

dos produtos ou serviços, a sua distribuição ou comercialização no mercado de

consumo, ao público em geral, e a finalidade lucrativa, para fins da incidência

das normas do Código de Defesa do Consumidor “não se coadunam com a

natureza jurídica, finalidade, operação, abrangência e legislação das entidades

fechadas de previdência complementar”. É que referidas entidades funcionam

como “Instrumentos da política de recursos humanos das suas empresas pa-

trocinadoras e auxiliares do sistema oficial de previdência, na medida em que

prestam benefícios de caráter previdencial supletivo”. Elas têm “patrimônio

destacado e aplicado integralmente para o cumprimento de tal finalidade”, de

tal sorte que “não possuem nenhum objetivo de comercialização nos benefícios

Ada Pellegrini Grinover

6 5

que prestam aos seus participantes, sendo impedidas, por força de lei, de terem

finalidade lucrativa”61. (grifei)

Não bastasse tudo isso, enfatizou a mesma autora, também sob o enfoque dos

destinatários dos benefícios de tais entidades, não se caracteriza a relação de

consumo. É que, “Nos expressos termos do art. 31, I, da Lei Complementar n.

109/01, os planos de benefícios da previdência fechada supletiva com patrocina-

dores são direcionados e prestados apenas a um grupo fechado de participantes

(‘empregados de uma empresa ou grupo de empresas’), sendo ainda previstos

como destinatários, pela citada Lei, os servidores da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios (matéria a ser regulada por lei específica),

desde que tenham se filiado ao plano de benefícios. No caso de associações ou

entidades de classe, de caráter profissional ou setorial, sem patrocínio – não

enfocadas neste estudo –, estas abrangem somente os seus associados ou mem-

bros filiados aos planos, denominados instituidores”. Vale dizer:

“Portanto, os benefícios prestados pelas entidades fechadas de previdên-

cia complementar não podem ser distribuídos no mercado de consumo ou

ao público em geral, uma vez que possuem, por força de lei, abrangência

restrita e delimitada.

[...]

Portanto, como resta evidenciado pela própria legislação específica

acima transcrita, as entidades fechadas de previdência complementar

não oferecem os seus benefícios ao ‘mercado’, e sim à parcela restrita

de participantes, em âmbito circunscrito pelo vínculo empregatício

61 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 53/58.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

6 6

com o patrocinador, ou associativo com o instituidor, sem finalidade

de lucro.”62 (grifei)

A opinião é compartilhada por João Paulo Rodrigues da Cunha, segundo quem

a relação dos participantes de tais fundos e respectivos beneficiários “é de

abrangência taxativamente restrita, não podendo ser distribuídos no mercado

de consumo ou ao público em geral. O art. 31 da Lei Complementar n. 109/01

dispõe que os benefícios são percebidos pelos participantes, os quais devem

estar vinculados por um liame empregatício com o patrocinador, ou associativo

com o instituidor, sem finalidade lucrativa”63; o que, segundo o autor, afasta

a incidência do CDC.

Mas há outros fundamentos que infirmam as bases em que lançado citado ver-

bete de n. 321. Com efeito, nas entidades de previdência fechada, os integrantes

ou partícipes deliberam sobre seus destinos ou sobre o destino do grupo; o que

rigorosamente seria, como é, incompatível com a qualidade de consumidores.

Os membros do fundo são, na verdade, pessoas que se encontram vinculadas

por uma situação de carência – para usar expressão colhida em doutrina já citada –

que as une; carência de recursos para o momento em que se aposentarem. Daí

a busca de soma de esforços para benefício conjunto. Não há, portanto, o que

se possa qualificar propriamente como uma relação de subordinação. Não há,

tampouco, hipossuficiência ou vulnerabilidade. Se os partícipes são frágeis,

ostentam essa qualidade diante do risco comum de padecerem de falta de re-

cursos quando vierem a se aposentar. Conforme já amplamente demonstrado,

a “mediação” ou gestão do fundo não faz do gestor um fornecedor dos serviços

62 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, pp. 53/58.

63 Cf. João Paulo Rodrigues da Cunha, (In)aplicabilidade do código de defesa do consumidor às entidades fechadas de previdência privada, in Revista da Previdência Social 273/670-672.

Ada Pellegrini Grinover

6 7

destinados aos que o integram e mesmo a remuneração pela administração do

fundo só pode ser entendida como despesa do próprio fundo, analogamente

ao que ocorre com o associado em uma associação, ou com o condômino em

um condomínio.

Finalmente, mas não menos relevante, fala em favor da não configuração da

relação de consumo a especialidade das normas que regem as entidades de pre-

vidência privada fechadas. Como resulta da doutrina, “as entidades fechadas de

previdência complementar, que passaram a ser reguladas pela Lei n. 6.435/77,

possuem lei específica de sua regência (atuais LC 109 e 108, de 25/05/01), inci-

dindo, além desta legislação, e apenas em caráter subsidiário, a legislação civil

e previdenciária, o que afasta a legislação trabalhista e outros diplomas legais,

inclusive o Código de Defesa do Consumidor, inaplicável à espécie. O próprio

enquadramento de tais entidades no Ministério da Previdência e Assistência

Social corrobora a sua não submissão à Lei n. 8.078/90”64. (grifei)

Como bem apontou Lygia Maria Avena, “se aplicadas as regras da Lei n.

8.078/90 às entidades fechadas de previdência complementar, exsurgiriam

diversas incompatibilidades com as normas específicas de sua regência. A

exemplificar, os regulamentos dos planos de benefícios, via de regra, preveem

que, na hipótese da ocorrência de fato superveniente que implique alteração

do plano de custeio (como é o caso do déficit do plano de benefícios), este

será revisto, o que implicará a revisão das contribuições. Na ocorrência de

déficit, a entidade poderá estabelecer, como uma das alternativas para o seu

equacionamento, mediante a revisão do seu plano de custeio, a majoração

das contribuições dos seus participantes e patrocinadores a serem aporta-

64 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, p. 65.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

6 8

dos, objetivando alcançar o equilíbrio do plano de custeio do seu plano de

benefícios, para a segurança de todos os seus participantes. Tal tratamento

está previsto na lei específica que rege tais entidades (§ 1º do art. 21 da LC

109, de 29/05/2001)”.

E mais:

“Ora, como coadunar tal hipótese e norma aplicável com a regra pre-

vista no art. 51, X, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe

ser nula a cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou

indiretamente, variação do preço de maneira unilateral?

Por certo não poderia ser atendido tal princípio, sob pena de manter

deficitário o plano, em prejuízo de todos os filiados da entidade de-

ficitária. Do mesmo modo, como antes analisado, a contribuição do

participante para o plano de benefício não pode ser tratada como preço,

evidenciando-se a inaplicabilidade da legislação do consumidor.”65

(grifei)

Note-se que, a prevalecer o teor da Súmula n. 321 aos entes de previdência

fechados, abertas estarão as portas para o desequilíbrio da relação entre os

diversos filiados. Ou seja, a pretexto de se proteger um dos partícipes, a

pretexto de que seria hipossuficiente, na verdade se está prejudicando toda

a coletividade restante. Isso é justo? A resposta só pode ser negativa.

Portanto, por todos argumentos expendidos, conclui-se que as relações que

se estabelecem entre Fundos de Previdência Privada Fechada e respectivos parti-

cipantes não podem ser qualificadas como relações de consumo e, assim, não são e

65 Cf. Lygia Maria Avena, Da inaplicabilidade do código de defesa do consumidor no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, in Fundos de Pensão em Debate, Adacir Reis (coord.), Brasília, Brasília Jurídica, p. 66.

Ada Pellegrini Grinover

6 9

não devem ser regidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, não preva-

lecem os fundamentos que levaram à edição do Enunciado n. 321 da Súmula

dominante de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que merece ser

revisto, para que se exclua de seu âmbito de incidência as entidades fechadas.

É o parecer.

São Paulo, 30 de outubro de 2006.

* Ada Pellegrini Grinover é Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

AS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E O CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR

Lygia Avena *

I) Introdução

As entidades fechadas de previdência complementar, também denominadas

Fundos de Pensão, inicialmente criadas no âmbito das empresas patrocinado-

ras vinculadas à Administração Pública, e, posteriormente, no contexto das

empresas patrocinadoras privadas, surgiram como instrumentos da política

de recursos humanos dessas empresas.

Tais entidades, cuja finalidade é a concessão e a manutenção de benefícios

de caráter previdenciário, foram criadas com o objetivo de propiciar uma

vida digna aos empregados das empresas patrocinadoras inscritos nos seus

planos de benefícios, quando da sua passagem para a inatividade laborativa,

incentivando, dessa forma, a aposentadoria dos empregados aposentáveis e a

renovação dos quadros de pessoal dessas empresas.

Atuando sob o regime de capitalização e constituindo reservas, provisões e

fundos destinados ao cumprimento dos compromissos assumidos nos seus

planos de benefícios, as entidades fechadas de previdência complementar

Lygia Avena

7 1

foram constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem finali-

dade lucrativa.

Na qualidade de prestadoras de benefícios de natureza previdenciária aos seus

participantes e beneficiários, sob a forma de rendas e benefícios suplementares

ou assemelhados aos da Previdência Social, inclusive concedendo benefícios

de risco nos eventos aleatórios como invalidez, morte ou doença, as entidades

fechadas de previdência complementar passaram a ter importante papel social.

Neste contexto, são enquadradas no Título VIII, da Constituição Federal, na

“Ordem Social”.

Nas últimas décadas, os Fundos de Pensão passaram a exercer um papel cada

vez mais relevante no cenário político-econômico brasileiro, seja em razão da

sua atuação como importantes instrumentos de recursos humanos das suas

empresas patrocinadoras, em relação aos empregados vinculados aos planos de

benefícios – hoje também propiciando a previdência complementar a milhares

de associados de diversas categorias profissionais, nos planos previdenciários

de Instituidor –, seja em virtude da sua relevância como formadores da pou-

pança nacional e propulsores do desenvolvimento econômico.

No contexto social e previdenciário, no âmbito da reforma da Previdência

desenvolvida nos últimos anos, com início no final da década de 90, a Previ-

dência Privada, de caráter complementar, passou a ser apontada como uma

das seguras alternativas para a viabilização e sustentabilidade do Sistema Pre-

videnciário Brasileiro, alcançando status constitucional efetivo com a Emenda

Constitucional n. 20/98.

A partir desse marco constitucional, complementado com a promulgação das

Leis Complementares n. 108 e 109, ambas de 29/05/2001 e com as sucessivas

normatizações decorrentes da referida legislação, uma série de profundas

inovações passou a ser operada no ordenamento jurídico dos Fundos de Pen-

são, o que permitiu a modernização e uma maior flexibilização dos planos de

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

7 2

benefícios, propiciando ainda a ampliação da abrangência e o incremento desse

Sistema Previdenciário.

Nesse cenário de ordenamento jurídico profundamente dinâmico e evolutivo,

as relações jurídicas estabelecidas entre os participantes e essas entidades pre-

videnciárias passaram a ter um grau de complexidade cada vez maior. Tal fato,

evidentemente, se reflete no Poder Judiciário, no âmbito de um contencioso

judicial altamente especializado, voltado para as especificidades da Previdência

Complementar.

Neste aspecto, uma questão de grande significado para o Sistema Previdenciário

Complementar e que vem sendo recorrentemente debatida nos Tribunais, é a

sujeição ou não das entidades fechadas de previdência complementar (dora-

vante também denominadas EFPCs) ao Código de Defesa do Consumidor, no

que tange aos seus planos de benefícios.

Em razão das significativas repercussões e dos efeitos jurídicos que decorreriam

do hipotético enquadramento das EFPCs à legislação do consumidor, o perma-

nente acompanhamento e a análise desse tema e da sua evolução, inclusive no

contexto jurisprudencial, fazem-se necessários e oportunos.

Este estudo visa, portanto, a abordagem da matéria sob um enfoque atual, consi-

derando a relativamente recente Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça,

o enquadramento jurídico, a natureza e a finalidade das entidades fechadas de

previdência complementar, bem como as especificidades próprias da legislação

do consumidor e da previdência complementar e os seus distintos objetivos.

II) Do Regime de Previdência Complementar Fechado. Enquadramento constitucional e legal.

Princípios fundamentais

Como abordado na introdução deste estudo, em razão da origem e objetivos

do Regime de Previdência Complementar Fechado (constituído por entidades

Lygia Avena

7 3

fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos), o enquadramento

desse Regime vem previsto no âmbito da “Ordem Social”, no Título VIII, da

Constituição Federal, nos termos do art. 202 da Carta Política que dispôs:

“Art. 202 – O regime de previdência privada, de caráter complementar

e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de Previ-

dência Social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que

garantam o benefício contratado, e regulado por Lei Complementar.”

Sob o prisma do enquadramento constitucional ora transcrito, já ressalta uma

primeira distinção entre a relação previdenciária que se verifica no âmbito do

Sistema Fechado de Previdência Complementar e a relação de consumo entre

consumidor e fornecedor de que trata o Código de Defesa do Consumidor,

consubstanciado na Lei n. 8.078/90. Enquanto aquela relação se desenvolve e

está inserida na Ordem Social, em razão da natureza jurídica das entidades e

os seus objetivos, esta se enquadra na Ordem Econômica.

De fato, o princípio de defesa do consumidor, nos termos do art. 170, inciso

V, da Carta Magna, é destinado expressamente à Ordem Econômica, estando

inserido no Título VII, da Constituição Federal, “Da Ordem Econômica e Fi-

nanceira” no Capítulo I, “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica” e

não no Título VIII. É, portanto, neste contexto, diverso daquele verificado na

relação previdenciária, que se insere a relação de consumo.

Pela leitura do dispositivo constitucional, consubstanciado no caput do art.

202, destacam-se os conceitos de autonomia da Previdência Complementar em

relação à Previdência Social, o caráter facultativo da inscrição dos participantes

nos planos de benefícios previdenciários e o estabelecimento de rígidas bases

atuariais para fins de suporte dos planos de custeio dos referidos planos de

benefícios, com a constituição de reservas necessárias para fins de prover e

garantir os benefícios concedidos e a conceder.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

7 4

Inseridas na esfera de competência do Ministério da Previdência Social, as

entidades fechadas de previdência complementar são regidas por legislação

específica, em especial pela Lei Complementar n. 109/01 (anteriormente

regidas pela Lei n. 6.435/77, ora revogada), que disciplina em caráter geral

tais entidades, bem como pela Lei Complementar n. 108/01, específica para

as entidades vinculadas às patrocinadoras enquadradas no âmbito da Admi-

nistração Pública.

Os contratos firmados entre tais entidades e os seus participantes são consubs-

tanciados nos regulamentos dos planos de benefícios, aos quais os empregados

das patrocinadoras aderem, em caráter facultativo, por sua livre iniciativa,

observando as regras dos Estatutos das entidades, bem como da legislação

específica aplicável. Tais contratos, de natureza privada, como são as EFPCs,

estão situados no campo do direito privado, das obrigações.

Portanto, o vínculo jurídico firmado entre as entidades, seus participantes e

patrocinadores é de natureza civil-previdenciária, consoante previsão contida

na Emenda Constitucional n. 20/98 (§ 2º do art. 202 da CF) e na Lei Comple-

mentar n. 109/01 (art. 68).

A referida legislação tem como princípios básicos:

w a preservação da segurança econômico-financeira e atuarial, da liquidez, da

solvência e do equilíbrio dos planos de benefícios e das entidades;

w o estabelecimento de um rígido regime repressivo e de uma eficiente fiscali-

zação das entidades e das suas operações; a vinculação facultativa ao regime

de previdência complementar;

w a aplicação do patrimônio integralmente voltada para a concessão e a manu-

tenção dos benefícios de caráter previdenciário complementar e a proteção

dos interesses dos participantes, de forma a garantir os benefícios contratados

e o pleno acesso às informações relativas à gestão de planos.

Lygia Avena

7 5

Além disso, a representação assegurada aos participantes ativos e assistidos

nos Conselhos Deliberativo e Fiscal das entidades, assegurada em sede de le-

gislação complementar, constitui um importante mecanismo de proteção aos

participantes, em linha com o princípio de gestão compartilhada.

Nos termos da legislação aplicável citada, a ausência de escopo lucrativo das

entidades fechadas de previdência complementar é expressa e determinada,

como também, por disposição legal, é delimitada e circunscrita à abrangência

de atuação dessas entidades na prestação dos seus benefícios previdenciários,

consistindo estas em características fundamentais que as distinguem das enti-

dades abertas de previdência complementar e dos denominados fornecedores,

sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor.

III) Do Código de Defesa do Consumidor: origem,

princípios e especificidades decorrentes de sua aplicação

Com o advento da atual Constituição da República Federativa do Brasil,

promulgada em 05 de outubro de 1988, o Código de Defesa do Consumidor

(doravante também denominado CDC) teve a sua origem e elaboração previs-

ta, em louvável iniciativa do Constituinte de amparar e regular os direitos e a

proteção do consumidor, objetivando estabelecer maior equilíbrio das relações

estabelecidas no mercado de consumo.

O art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, inserido no Capítulo dos Direitos

e Deveres Individuais e Coletivos, dispõe ser uma das atribuições precípuas do

Estado a promoção da defesa do consumidor, na forma da lei. Também o art. 170

da mesma Carta Política outorgou status constitucional ao princípio da defesa

do consumidor, estabelecendo este como um dos princípios a ser observado

pela ordem econômica “fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa”, na sua finalidade de “assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social”.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

7 6

Buscando concretizar a proteção prevista no referido princípio constitucional,

o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispôs que a ela-

boração do Código de Defesa do Consumidor seria efetuada no prazo de 120

(cento e vinte) dias, contados da promulgação da Constituição.

Neste contexto, e, com fundamento constitucional, embora ultrapassado o

prazo inicialmente previsto, adveio o Código de Defesa do Consumidor (CDC)

consubstanciado na Lei n. 8.078, de 11/09/90 (DOU, de 12/09/90), cuja vigên-

cia teve início 180 (cento e oitenta) dias da sua publicação, em 12/03/91, nos

termos do art. 118 da citada Lei.

Este Código veio a suprir importante lacuna legislativa nas relações entre con-

sumidor e fornecedor no mercado de consumo, incentivando a qualidade, a

segurança e o profissionalismo no fornecimento de produtos e serviços. A nova

legislação veio também estimular o desenvolvimento de uma nova cultura no

País, no âmbito desta relação comercial, através da qual os direitos do consu-

midor são cada vez mais reivindicados e reconhecidos, sendo o destinatário do

produto ou serviço o foco das atenções das empresas para a sua sobrevivência

em um mercado cada vez mais competitivo.

Esta Lei, de ordem pública e interesse social, trouxe ainda uma maior especi-

ficação da responsabilidade civil dos contratantes, além da previsão de diver-

sas e severas sanções administrativas, penais e processuais, em razão do seu

descumprimento e do abuso na relação de consumo.

Como diretrizes básicas, são estabelecidas nesta legislação a proteção à saúde, à

dignidade, à segurança econômica do consumidor (tratado na lei como a parte

vulnerável), bem como à transparência e à harmonia das relações de consumo,

seguindo, nos termos do art. 4º da mesma Lei, os princípios fundamentais da

Política Nacional de Relações de Consumo. São eles:

w o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de

consumo;

Lygia Avena

7 7

w a proteção direta e por meio de incentivos do Estado ao consumidor, com

a ação governamental voltada para a garantia dos padrões adequados de

qualidade, segurança, durabilidade e desempenho dos produtos e serviços;

w a harmonização dos interesses das partes na relação de consumo e a compa-

tibilização da proteção do consumidor com o necessário desenvolvimento

econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se

funda a ordem econômica;

w a educação e a informação quanto aos direitos e deveres de fornecedores e

consumidores;

w a repressão a abusos no mercado de consumo e à prática de concorrência

desleal;

w a racionalização e a melhoria dos serviços públicos e o acompanhamento

permanente das modificações no mercado de consumo.

Para melhor compreensão do poderoso alcance dos efeitos jurídicos da legisla-

ção protetora do consumidor, antes de ingressarmos no âmbito das entidades

fechadas de previdência complementar, cumpre destacar as relevantes conse-

quências decorrentes da aplicação do Código de Defesa do Consumidor:

1) adoção da teoria da imprevisão, com a possibilidade legal de alteração de

cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua

revisão, em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente

onerosas (art. 6, V);

2) possibilidade de inversão do ônus da prova no processo civil, com funda-

mento na vulnerabilidade do consumidor e na verossimilhança das suas

alegações (art. 6, VIII), alterando o princípio processual geral de que quem

alega é quem deve provar;

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

7 8

3) responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços – independentemente

de culpa – pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos

relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes

ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos (art. 14);

4) solidariedade do fornecedor do produto ou serviço com seus prepostos ou

representantes autônomos, respondendo por seus atos (art. 34 – fundamento

na “culpa in eligendo” prevista no Código Civil);

5) outorga de opção ao consumidor para, alternativamente, em caso de não

cumprimento da oferta pelo fornecedor, exigir o cumprimento da obrigação,

nos termos da oferta ou da publicidade, aceitar outro produto ou serviço

equivalente ou rescindir o contrato, com restituição da quantia antecipada

monetariamente atualizada, e as perdas e danos (art. 35);

6) interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao con-

sumidor (art. 47);

7) nulidade de cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou indi-

retamente, variação de preço de maneira unilateral (art. 51, X);

8) sentença produzindo coisa julgada nas ações coletivas, com os seguintes

efeitos: 8.1) erga omnes (válido para todos), exceto se o pedido for julgado

improcedente por insuficiência de provas (art. 103, I); 8.2) ultra partes (além

das partes no processo), limitadamente, porém, ao grupo, categoria ou classe,

salvo improcedência por insuficiência de provas (art. 103, II); 8.3) erga omnes,

apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas

e seus sucessores (art. 103, III).

Ocorre que, não obstante os reconhecidos aspectos positivos da tutela da legis-

lação do consumidor para a relação de consumo que lhe é pertinente, tal legisla-

ção, como se demonstrará adiante, não se coaduna com muitos dos princípios e

Lygia Avena

7 9

normativos da legislação da previdência complementar fechada. Estes, por sua

vez, possuem sólidos fundamentos e mecanismos de proteção aos participantes

dos planos de benefícios previdenciários. Com efeito, a legislação aplicável às

entidades fechadas de previdência complementar é uma das legislações mais

protetoras aos participantes, não sendo necessária ou pertinente a utilização

pelas EFPCs de uma legislação especial que não lhe é própria nem compatível

com a sua natureza, funcionamento e objeto de tutela.

IV) Distinção da relação previdenciária no âmbito das

EFPCs da relação de consumo

Pela leitura e interpretação sistemática da Lei n. 8.078/90 e dos seus princípios e,

em consonância com o fundamento disposto no art. 170 da Carta Política antes

citado, ressalta que a defesa do consumidor está voltada para a viabilização

dos princípios da “Ordem Econômica”, regulada no seu Título VII, de forma

que a mesma cumpra os seus valores constitucionalmente previstos, tais como

a valorização do trabalho, a livre iniciativa e a dignidade humana, buscando

sempre a justiça social.

E é no âmbito desta Ordem Econômica, na qual não se enquadram as enti-

dades fechadas de previdência complementar – inseridas na Ordem Social da

Constituição Federal (Título VIII – Capítulo II – Da Seguridade Social – Seção

III) – que esta legislação propiciou a proteção do consumidor, vulnerável diante

do fornecedor de produtos ou serviços que são distribuídos de forma ampla,

no mercado de consumo, sempre com finalidade lucrativa.

O art. 3º da Lei n. 8.078/90 conceitua o fornecedor, nos seguintes termos:

“Art. 3º Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou pri-

vada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que

desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

8 0

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização

de produtos ou serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,

de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhista.” (destacamos)

Nos termos da citada lei, portanto, a relação de consumo está vinculada às no-

ções de comercialização pelo fornecedor de produtos ou serviços e a sua distri-

buição ampla, no mercado de consumo, com finalidade comercial ou lucrativa.

Tais características, expressas no CDC para fins de configurar a relação de

consumo, não estão presentes na relação previdenciária entre participantes e

entidades fechadas de previdência complementar, sendo legalmente vedado

às EFPCs auferirem lucro ou distribuírem os seus planos de benefícios no

mercado de consumo.

Essas entidades, nos expressos termos do art. 31, inciso I, da Lei Complementar

n. 109/01, possuem abrangência restrita, tendo os seus planos de benefícios

direcionados a um grupo fechado de empregados de uma empresa ou grupo de

empresas patrocinadoras, sendo ainda previstos, como seus destinatários, nos

termos de lei específica a regular a matéria, os servidores da União, Estados,

Distrito Federal e Municípios, que optem por serem filiados aos planos de be-

nefícios. No caso de associações ou entidades de classe de caráter profissional

ou setorial, mencionadas no inciso II do mesmo artigo e não enfocadas neste

estudo, estas abrangem somente os seus associados ou membros filiados.

Neste sentido, dispõe o art. 31, incisos I e II da Lei Complementar n. 109/01:

“Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regula-

mentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:

Lygia Avena

8 1

I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servido-res da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e

II – aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissio-

nal, classista ou setorial, denominados instituidores [...].” (destacamos)

Portanto, conforme disposição legal, diversamente da relação de consumo na

qual os produtos e serviços são distribuídos de forma ampla, ao público em

geral, os planos de benefícios das entidades fechadas de previdência com-

plementar não podem ser distribuídos no mercado de consumo, sendo tão

somente oferecidos em âmbito circunscrito, para aqueles empregados dos seus

patrocinadores ou associados de instituidores que queiram se filiar.

Outra característica distintiva da relação previdenciária da relação de consumo

é a inexistência de finalidade lucrativa que se verifica na primeira, em razão

da natureza das entidades fechadas de previdência complementar e dos seus

objetivos.

Dispõe o art. 31 da Lei Complementar n. 109/01:

“Art. 31. [...]

§ 1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou

sociedade civil sem fins lucrativos.” (destacamos)

Idêntica redação consta do art. 8º da Lei Complementar n. 108/01.

Neste contexto legal, a contribuição previdenciária paga pelo participante

para o custeio do plano de benefícios de uma entidade fechada de previdência

complementar não possui o condão de constituir-se em preço ou remuneração,

na acepção comercial ou lucrativa de que trata o art. 3º do Código de Defesa

do Consumidor.

Nos termos do caput do art. 19, da citada Lei Complementar n. 109/01, “as

contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

8 2

prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as

especificidades previstas nesta Lei Complementar.” (destacamos).

Portanto, é para os próprios participantes que são destinadas as contribui-

ções por eles vertidas aos planos de benefícios dessas entidades fechadas de

previdência complementar, não podendo tais contribuições previdenciárias

ser enquadradas como remuneração, no contexto de comercialização de que

trata o art. 3º da Lei n. 8.078/90. Ressalte-se ainda que, em muitos planos, as

empregadoras suportam sozinhas os benefícios de risco (por morte, invalidez

e doença) concedidos, sendo tais contribuições, somadas às dos participantes,

direcionadas integralmente ao cumprimento da finalidade previdenciária

supletiva.

Aduza-se também que, nos termos do art. 14, inciso III, da Lei Complementar

n. 109/01, é previsto o resgate das contribuições vertidas pelos participantes,

na hipótese de os mesmos optarem por sua saída dos planos, antes de aufe-

rirem os benefícios, sendo previsto, em muitos regulamentos, o direito de os

participantes receberem de volta, além das contribuições que verteram para o

plano as respectivas contribuições das patrocinadoras.

Inexistindo, pois, distribuição do patrimônio destas entidades com escopo

de lucro, em razão da ausência de finalidade lucrativa, e, por consequência,

havendo o direcionamento integral das suas reservas para a concessão e a

manutenção dos benefícios previdenciários, não se poderá confundir a remu-

neração paga pelo consumidor, de que trata o art. 3º da Lei n. 8.078/90, com

a contribuição previdenciária aportada pelo participante destas entidades ao

plano ao qual se filiou.

Também sob este prisma, é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor no

âmbito do Sistema Fechado de Previdência Complementar.

No mesmo sentido, o § 3º, do art. 18 da Lei Complementar n. 109/01, reitera a

inexistência de finalidade lucrativa na relação previdenciária, ao dispor:

Lygia Avena

8 3

“Art. 18. [...] As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de

benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanente-

mente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de

benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador

e fiscalizador.”(destacamos)

Portanto, como resta evidenciado pela própria legislação específica da Previdên-

cia Complementar Fechada, o patrimônio de tais entidades e seus respectivos

rendimentos de aplicação são integralmente direcionados visando à concessão

e à manutenção dos benefícios previdenciários aos seus participantes. Desse

modo, o patrimônio é revertido em prol da finalidade previdenciária para a

qual foram criadas estas entidades.

Destaque-se ainda que, diversamente do consumidor, que não possui inge-

rência nos contratos que celebra com o fornecedor, o participante do plano de

benefícios das EFPCs possui representação nos Conselhos Deliberativo e Fiscal

dessas entidades. O primeiro Colegiado tem como uma das suas atribuições a

deliberação sobre a instituição e a alteração dos planos de benefícios, consubs-

tanciados nos seus regulamentos, instrumentos contratuais que vinculam tais

entidades aos seus participantes. A referida representação é assegurada nos

termos do art. 35, § 1º, da Lei Complementar n. 109/01, lei que propicia diversos

mecanismos de proteção aos participantes e sólidos princípios de segurança

jurídica para o Sistema de Previdência Complementar.

V) Aspectos jurisprudenciais. A Súmula n.321 do STJ e as

entidades fechadas de previdência complementar

Como toda a matéria que envolve o Código de Defesa do Consumidor, ve-

rificamos hoje uma controvérsia jurisprudencial quanto à aplicabilidade do

CDC às entidades fechadas de previdência complementar, a partir do marco

de sua vigência.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

8 4

Em relação aos contratos firmados anteriormente à vigência do Código, ou seja,

antes de 12/03/91, os julgados não manifestam divergência, embora não seja

frequente a abordagem dessa questão temporal nos processos. Na hipótese,

temos verificado decisões judiciais no sentido de afastamento da incidência

do CDC com fundamento no art 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna e no art. 6º,

caput, e § 1º, da então Lei de Introdução ao Código Civil (atualmente denomi-

nada Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). De fato, os princípios

de irretroatividade das leis e de respeito ao ato jurídico perfeito, ainda nos

contratos com produção de efeitos futuros, têm embasado esta jurisprudência,

conforme ilustra o julgado a seguir transcrito:

“Ação de Cobrança. CDC. Inaplicabilidade aos contratos firmados antes de sua vigência. Proteção constitucional do ato jurídico perfeito [...]”

(Apelação Cível n. 10024.02.867609-6/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apte.: Capemi – 17ª C.C. – TJ –MG – Rel. Eduardo Mariné da Cunha –

Julg: 22/03/2007 –Publicado em 11/05/2007.)

Quanto aos contratos celebrados posteriormente à 12/03/2009, destacamos

que, mesmo após a edição da Súmula n. 321 do STJ, a matéria é controversa nos

Tribunais, havendo diversos julgados no sentido de não incidência do Código

de Defesa do Consumidor às entidades fechadas de previdência complementar.

A Súmula n. 321 do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 05/12/2005,

traduz o seguinte Enunciado, oriundo da Segunda Seção daquele Tribunal:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de

previdência privada e seus participantes.”

Embora inexista na Súmula efeito vinculante, esta gera preocupação no âmbito

do Sistema de Previdência Complementar Fechado, uma vez que uma Súmu-

la representa formalmente a orientação de entendimento do Tribunal sobre

o assunto específico e sujeita as EFPCs a uma legislação que não se adequa

ao ordenamento jurídico que lhe é próprio, considerando as especificidades

previdenciárias.

Lygia Avena

8 5

Preliminarmente, verifica-se que a Súmula é direcionada de forma ampla e sem

distinção às entidades de previdência complementar, classificação que abrange

entidades abertas (com finalidade lucrativa e oferecimento amplo dos seus

benefícios ao mercado) e fechadas (sem finalidade lucrativa, com abrangência

restrita dos seus benefícios) de previdência complementar, sujeitando ambas ao

Código de Defesa do Consumidor. Aqui, portanto, em que pese o respeito ao

referido Tribunal Superior, evidencia-se no nosso entendimento um primeiro

equívoco na Súmula n. 321, na medida em que esta concede o mesmo trata-

mento e enquadramento a entidades tão distintas, com características, natureza

e objetos bem diferenciados.

Como verificaremos neste estudo, tal equívoco, entre outros aspectos jurídi-

cos que abordaremos a seguir, ensejam a necessidade de revisão da referida

Súmula, de modo a excluir do seu enquadramento as entidades fechadas de

previdência complementar, propiciando o adequado tratamento legal para tais

entidades, também denominadas fundos de pensão, em razão da sua origem,

características e objetivos próprios.

De fato, as entidades fechadas (EFPCs) são distintas das entidades abertas de

previdência complementar (EAPCs) em vários aspectos fundamentais:

i) quanto à natureza jurídica definida em legislação – as primeiras foram

criadas sob a forma de fundação ou então sociedade civil e as EAPCs sob

a forma de S/A, considerando a sua finalidade lucrativa;

ii) quanto ao enquadramento – as EFPCs são enquadradas no Ministério da

Previdência Social, já as EAPCs no Ministério da Fazenda;

iii) quanto à finalidade – as EFPCs não possuem finalidade lucrativa enquanto

as EAPCs têm no lucro o seu objeto;

iv) quanto à abrangência – as EFPCs, nos termos da legislação, como já ana-

lisado anteriormente, têm a abrangência circunscrita dos seus planos de

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

8 6

benefícios, enquanto as EAPCs podem distribuir os seus planos de bene-

fícios no mercado de consumo.

Desse modo, já sob este prisma jurídico, como poderiam as EAPCs e as EFPCs

ter o mesmo tratamento da Súmula n. 321, para fins de sujeição às normas do

Código de Defesa do Consumidor?

Em síntese, para embasar a referida Súmula, foram apresentados pelo STJ os

seguintes fundamentos jurídicos, indicando como referência legal os arts. 2º e

3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90):

i) a entidade previdenciária realiza atividade de natureza securitária;

ii) o participante do plano de previdência privada caracteriza-se como con-

sumidor, por tratar-se de pessoa que adquire a prestação de serviço como

destinatário final, para atender necessidade própria;

iii) as entidades de previdência privada enquadram-se no conceito de fornece-

dores de serviços do art. 3º do CDC, que dispõe: “é fornecedor de serviços

aquele que os presta no mercado de consumo”.

Considerando uma análise percuciente de cada fundamento embasador da

Súmula, passemos a analisá-los:

i) a entidade previdenciária realiza atividade de natureza securitária: em-

bora a atividade securitária não se confunda exatamente com a atividade

previdenciária, que possui características distintas daquela, apenas para

argumentar, se considerássemos o conceito de atividade securitária no

seu sentido amplo, de modo a contemplar a atividade previdenciária, tal

atividade, como previsto no CDC e na Constituição Federal, seria aquela

desenvolvida juntamente com outras atividades incluídas na ordem eco-

nômica e financeira (Título VII da CF), com prestação ampla, ao mercado

de consumo e finalidade lucrativa. Neste contexto não se situa a atividade

Lygia Avena

8 7

previdenciária das entidades fechadas de previdência complementar, mas

apenas das entidades abertas de previdência complementar, como antes

já demonstrado;

ii) o participante do plano de previdência privada caracteriza-se como con-

sumidor, por tratar-se de pessoa que adquire a prestação de serviço como

destinatário final, para atender necessidade própria: não basta ser destina-

tário final para ser consumidor. É preciso que este esteja enquadrado em

um contexto com todas as demais características da relação de consumo

já indicadas no item acima, com fornecimento no contexto da Ordem

Econômica, o que também não é a hipótese no caso dos participantes das

EFPCs;

iii) as entidades de previdência privada enquadram-se no conceito de forne-

cedor de serviços do art. 3º do CDC, que dispõe: “é fornecedor de serviços

aquele que os presta no mercado de consumo”. Conforme já demonstra-

do anteriormente, diferentemente das entidades abertas de previdência

complementar, as EFPCs não podem distribuir, nos termos da lei, os seus

planos de benefícios ao mercado de consumo, não estando estes dispo-

níveis a quaisquer pessoas físicas, mas tão somente aos empregados das

empresas patrocinadoras ou aos associados dos Instituidores. Também

não há relação de consumo em razão da inexistência do escopo lucrativo,

necessário para tal configuração.

Desse modo, em que pese a argumentação apresentada por aquele Tribunal

Superior, embasadora da Súmula sobre a matéria, por diversos fundamentos

constitucionais e legais, cumpre ressaltar que a relação jurídica entre os fundos

de pensão e os seus participantes não se enquadra na tutela do Código de De-

fesa do Consumidor, não se constituindo em relação de consumo. Portanto, sob

qualquer prisma jurídico que seja apreciada a referida Súmula, esta não merece

prosperar em relação às entidades fechadas de previdência complementar.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

8 8

Por tais fundamentos, mesmo após a Súmula n. 321 do STJ, temos verificado

jurisprudências de diversos Estados afastando a aplicação do CDC nos planos

de benefícios das EFPCs, como a seguir ilustrado:

TJ/RJ

“Agravo de Instrumento. Gratuidade de Justiça. Ação Coletiva. As-sociação dos Contribuintes Assistidos da VALIA – Aposvale. Revisão de benefício. Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social – Valia. Atividade previdenciária complementar privada de natureza supletiva. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Inexistência de relação de consumo. Inaplicabilidade do CDC [...]”.

De fato, “as entidades não se enquadram no conceito de fornecedores previstos no Código de Defesa do Consumidor, pois não comercializam os seus benefícios, nem os distribuem no mercado de consumo [...].”

(destacamos)

(Ag. Instrumento n. 18.524/2006 – 1ª Câmara Cível – Rel. Des. Maldonado de Carva-

lho – Publicação 07/05/2007 – Agravada: Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade

Social – VALIA)

Portanto, a ausência de finalidade lucrativa e a abrangência restrita dos planos

de benefícios da entidade foram as características determinantes para afastar

a incidência do Código.

No mesmo sentido, e analisando os objetivos da Súmula, o julgado abaixo

transcrito:

TJ/SP

Previdência Privada – Exceção de Incompetência – Acolhimento – Ina-

plicabilidade da Súmula 321 do STJ – Agravo Provido.

“[...] Embora inexista na Súmula 321 a distinção entre empresas abertas

ou fechadas de previdência privada, visa referida Súmula a proteção do

Lygia Avena

8 9

consumidor, figura presente apenas na relação existente entre as empresas

abertas de previdência privada e seus participantes.

Assim, inexistindo relação de consumo, no presente caso, resta inapli-

cável a Súmula 321 do STJ...” (destacamos)

(AI n. 847.502-5/6-00 – 4ª Câmara de Dir. Público – Rel. Thales do Amaral – Julg.

09/02/2009 – Reg. n. 02212549 – Pub. 24/03/2009 – Agravante: Volkswagen Previ-

dência Privada)

Também manifestou o mesmo entendimento o Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, nos seguintes termos:

TJ/RS

Ação Revisional. Mútuo Hipotecário. Inépcia da Inicial. Entidade de

Previdência Privada. CDC. Tabela Price. Capitalização. Multa Contratual.

Vencimento Antecipado. [...]. Não se aplicam as disposições do Código

de Defesa do Consumidor, porque a relação jurídica correspondente não

se enquadra como relação de consumo. (destacamos)

(AP. Cível n. 70022774707 – 10ª Câmara Cível – Rel.: Des. Luiz Ary Vessini de Lima –

Julg. 27/11/2008 – Pub. 16/01/2009 – Apelada: PREVI)

Poderíamos ainda citar, em caráter exemplificativo, em consonância com os

julgados acima, o ED n. 425.607-5/0-01, da 9ª Câmara de Dir. Público – TJ/

SP – Rel.: Peiretti de Godoy – Julg. 15/08/2007 – Embargado: Instituto Portus

de Seguridade Social; o ED em AI n. 10473/2007 – 19ª Câmara Cível – TJ/

RJ – Rel.: Denise Levy Tredler – Julg. 09/10/2007 – Embargada: VALIA e a

AP. Cível n. 1.0024.04.428763-9/001, da 16ª Câmara Cível do TJ/MG – Rel.:

Des. José Amâncio – Julg. 21/06/2006 – Pub. 14/07/2006 – Apelante: PREVI.

Mais recentemente, no mesmo sentido, o julgado do TJ/SP, de 22/05/2012,

publicado em 28/05/2012, que, tratando da relação de entidade fechada

de previdência complementar e seu participante, embora versando sobre a

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

9 0

prestação de assistência a saúde, pelos mesmos fundamentos aplicáveis aos

planos previdenciários de tais entidades, decidiu pela inaplicabilidade do

CDC (AP. Cível 9092033-96.2008.8-260000 – 2. Câmara de Direito Privado,

Rel. Des. Fábio Tabosa).

VI) Conclusão

Pelos fundamentos jurídicos já mencionados, verifica-se que são sólidas e bem

delineadas as distinções entre a relação de consumo firmada entre o fornecedor

de produtos e serviços e o seu consumidor, daquela relação civil-previdenciária,

desenvolvida entre as EFPCs e os seus participantes.

Podemos então sintetizar como principais diferenças entre a relação de consumo

prevista no Código de Defesa do Consumidor e a relação previdenciária no

âmbito do Sistema Fechado de Previdência Complementar:

1) Quanto à abrangência: enquanto a relação de consumo está inserida em um

contexto de abrangência ampla, no qual os produtos e serviços são distri-

buídos ao mercado de consumo e acessíveis ao público em geral, a relação

previdenciária no âmbito das EFPCs, por expressa disposição legal, ocorre

em âmbito circunscrito e delimitado, não podendo os planos de benefícios

ser oferecidos ao mercado de consumo ou à população em geral, mas tão

somente a um universo delimitado de participantes.

2) Quanto à finalidade lucrativa: nos termos conceituados pelo art. 3º da Lei

n. 8.078/90, a relação de consumo está vinculada às noções de comerciali-

zação de produtos e/ou serviços e sua distribuição ampla, no mercado de

consumo com escopo comercial ou lucrativo. Já na relação previdenciária,

por força da lei de regência de tais entidades, inexiste finalidade comercial

ou lucrativa, sendo estas entidades constituídas sob a forma de fundações ou

sociedades civis, sempre sem fins lucrativos. O fim de lucro é vedado pela

legislação em razão dos objetivos para os quais foram criadas tais entidades,

pelos fundamentos antes mencionados.

Lygia Avena

9 1

3) Quanto ao enquadramento: enquanto o princípio de defesa do consumidor está,

nos termos do art. 170, inciso V, da Constituição Federal, direcionado para a

Ordem Econômica (Título VII – “Da Ordem Econômica e Financeira” – Capítulo

I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”) como um dos princípios

ao qual esta deve observar, estando enquadrada a relação de consumo de

que trata o CDC neste contexto, as entidades fechadas de previdência com-

plementar e suas respectivas relações previdenciárias, em razão dos seus

objetivos e atuação, estão enquadradas na Ordem Social (Título VIII – “Da

Ordem Social” da CF), não estando inseridas, portanto, no âmbito da tutela

do Código de Defesa do Consumidor.

4) Quanto às especificidades das legislações próprias: no contexto indicado

no item anterior, voltado para a Ordem Econômica e suas atividades, o

Código de Defesa do Consumidor tem suas peculiaridades no tratamento

legal direcionado à relação de consumo, objetivando propiciar o equilíbrio

entre consumidor e fornecedor de produtos e serviços na cadeia econômica.

Tal legislação não se coaduna com as especificidades próprias do ordena-

mento jurídico específico aplicável às entidades fechadas de previdência

complementar, voltado para o equilíbrio dos planos de custeio dos planos

de benefícios, calcados em rígidas bases atuariais e considerando a sua ade-

quada operacionalização. A distinção dos ordenamentos jurídicos específicos

e os objetivos das suas respectivas tutelas refletem a distinção da relação de

consumo da relação previdenciária ora analisada.

A exemplificar, os regulamentos dos planos de benefícios, via de regra, pre-

veem que, na hipótese da ocorrência de fato superveniente que implique

alteração do plano de custeio (como ocorre no caso de déficit do plano de

benefícios), este será revisto, o que implicará, via de regra, revisão de con-

tribuições. Na ocorrência de déficit, a entidade poderá estabelecer, como

uma das alternativas para o seu equacionamento, mediante a revisão do

seu plano de custeio, a majoração das contribuições dos seus participantes

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

9 2

e patrocinadoras. A referida revisão objetiva alcançar o equilíbrio dos pla-

nos de custeio dos seus planos de benefícios, assegurando, dessa forma, o

cumprimento dos compromissos assumidos com os seus participantes. Tal

tratamento está previsto no art. 21, caput, e seu parágrafo primeiro, da Lei

Complementar n. 109/01, a seguir transcritos:

“Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições sem prejuízo da ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.” (destacamos)

Ora, como compatibilizar tal hipótese e norma aplicável com a regra prevista

no art. 51, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe ser nula

a cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou indiretamente,

variação de preço de maneira unilateral?

Do mesmo modo, como conciliar tal previsão inserta na legislação que rege

a relação de consumo com o princípio legal voltado ao equilíbrio econômico-

-financeiro e atuarial dos planos de benefícios, em proteção aos participantes,

previsto no art. 3º, inciso III, da Lei Complementar n. 109/01?

Portanto, também sob o ângulo das especificidades das legislações que lhe

são próprias, ressalta a distinção da relação previdenciária da relação de

consumo prevista no Código de Defesa do Consumidor.

5) Quanto à representação e ingerência nos contratos: enquanto o consumidor,

na qualidade de hipossuficiente na relação contratual, não possui ingerência

nos contratos firmados com o fornecedor, o participante de uma EFPC, pela

representação que lhe é assegurada nos termos do art. 35 da Lei Complemen-

tar n. 109/01, possui a possibilidade de interferir nos contratos (regulamentos

dos planos de benefícios) por meio dos seus representantes no Conselho

Deliberativo, colegiado que, entre outras atribuições, aprova a instituição

e alteração dos regulamentos dos planos de benefícios dessas entidades.

Lygia Avena

9 3

Finalmente, importante ressaltar que, não obstante tais considerações e as várias

distinções verificadas nessas relações, respeitadas as devidas especificidades

do CDC e da legislação que rege as entidades fechadas de previdência comple-

mentar, existem saudáveis e sólidos princípios de proteção aos participantes

dos fundos de pensão assegurados na legislação específica da previdência

complementar fechada, esta última uma das legislações brasileiras mais rígidas

e protetoras, a amparar os destinatários dos benefícios previdenciários.

A exemplificar tais mecanismos legais de proteção, poderíamos destacar:

i) a garantia de pleno acesso dos participantes às informações sobre a gestão

dos planos de benefícios (art. 3º, IV, e art. 24 da LC n. 109/01);

ii) a representação obrigatória dos participantes nos Conselhos Deliberativo

e Fiscal das EFPCs (art. 35, § 1º da LC 109);

iii) a ação do Estado voltada à fiscalização e controle das EFPCs e suas ope-

rações e à proteção dos interesses dos participantes (art. 3º, V e VI, da

LC 109);

iv) o rígido regime repressivo e disciplinar aplicado a dirigentes, conselheiros,

administradores dos patrocinadores e prestadores de serviços, com severas

penalidades administrativas aplicadas à pessoa física – agente do dano ou

prejuízo (arts. 63 a 67 da LC 109 e Decreto n. 4.942/03);

v) a responsabilidade solidária da Diretoria com o dirigente responsável pela

aplicação de recursos em caso de dano ou prejuízo (§ 5º do art. 35 da LC 109);

vi) a obrigatoriedade dos planos das EFPCs atenderem aos padrões de trans-

parência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial,

fixados pelos órgãos regulador e fiscalizador (arts. 3º, 7º e 9º da LC 109);

vii) a obrigatoriedade das EFPCs constituírem reservas técnicas, fundos e

provisões voltadas à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo

plano, atuando em regime de capitalização (§ 3º do art. 18 da LC 109/01);

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

9 4

viii) o privilégio dos participantes das EFPCs sobre os ativos garantidores das

reservas técnicas em caso de liquidação extrajudicial (arts. 50 e 57 da referi-

da LC 109) e o privilégio dos créditos das EFPCs sobre a massa liquidanda

ou falida dos patrocinadores;

ix) a previsão de destinação de superávit para fins de revisão do plano, visando

a melhoria de benefício e/ou redução de contribuições (art. 20 e seus §§,

da LC 109).

Por tais razões, ressalta a distinção da relação de consumo da relação previ-

denciária das entidades fechadas de previdência complementar com os seus

participantes. As características próprias de tais entidades as distinguem com

clareza dos fornecedores de produtos ou serviços no âmbito da Legislação do

Consumidor.

* Lygia Avena é Advogada graduada pela PUC/RJ, pós-graduada em Direito Empresarial, com MBA em Administração pelo IBMEC e especialização em Previdência Complementar na Wharton School – University of Pennsylvania, USA. Professora em Previdência Complementar nos Cursos de Especialização e Pós-Graduação das FGV/SP, UERJ/RJ, Escola de Negócios da Universidade Positivo do Paraná e do IDS – Instituto de Direito Latino Americano. Membro da Câmara de Re-cursos da Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, no período 2010/2011. É Coordenadora da Comissão Técnica Nacional de Assuntos Jurídicos da Abrapp e Gerente Jurídica da Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social-Valia.

Lygia Avena

9 5

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Anais do Seminário: Os Fundos de Pensão e a nova Legislação da Previdência Complemen-tar, Itapema, Cedes – Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Ed. Memory, Centro de Memória Jurídica, RJ: 2002.

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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, Ed. Saraiva, 9ª ed., São Paulo: 2003.

LOTUFO, Renan. Código Civil – Impactos sobre os Fundos de Pensão, Revista Fundos de Pensão, Ed. Abrapp/Sindapp/ICSS, n. 281, São Paulo: fev./2002.

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MESSINA, Roberto Eiras. Da não submissão da atividade de prestação de serviços assistenciais de saúde das entidades fechadas de previdência complementar ao Código de Defesa do Consumidor. Revista Abrapp do 22º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, ES.

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada: Filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Funenseg, São Paulo: 1985.

REIS, Adacir. Fundos de Pensão em Debate. Temas Centrais da nova Legislação, Brasília, Ed. Brasília Jurídica, 2002 e Fundos de Pensão – Aspectos Jurídicos Fundamentais, Autores Di-versos (Organização Adacir Reis), – 2ª ed., Ed. Abrapp/ICSS/Sindapp, São Paulo: 2010.

A PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR1

Maria da Glória Chagas Arruda *

I) Introdução

A previdência privada e a previdência social são campos integrantes do Direito

Previdenciário. O Regime de Previdência Privada, assim como o Regime Geral

de Previdência Social, é importante instrumento de proteção social que tem por

objetivo atender às necessidades dos sujeitos advindas das consequências da

ocorrência do risco social, por exemplo: velhice, doença, morte.

Da mesma forma que a previdência social, a previdência privada obedece ao

princípio do bem-estar social, vetor que decorre do direito que cada cidadão

tem a uma vida digna, axioma que deve ser atingido pelo esforço conjunto

do próprio indivíduo e da organização social. Por essa razão, sua disciplina

jurídica está inserta no Direito Social, sendo esses regimes parte integrante do

sistema de seguridade social posto na Constituição Federal de 1988 no Título

VIII, o qual versa sobre a “Ordem Social”.

1 Tal artigo foi escrito com base no meu livro “A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada”. São Paulo: Editora Ltr, 2008.

Maria da Glória Chagas Arruda

9 7

O sistema de previdência privada, inserto no art. 202 da Constituição Federal,

tem caráter complementar e facultativo, organizado de forma autonôma em

relação ao regime geral de previdência social, sob regulação e fiscalização

do Estado. Esse regime é baseado na constituição de reservas que garantam

o benefício contratado e regulado por meio da Lei Complementar n. 109, de

29/05/2001.

A previdência privada fechada é regida pelos princípios da facultatividade

(nenhum modelo de previdência privada deverá ser imposto tanto ao patroci-

nador como ao participante), pelo princípio da contratualidade (o plano previ-

denciário é figura contratual regido pela autonomia privada), pelo princípio da

publicidade, que no campo da previdência privada pode ser entendido como

o da transparência (aos participantes e aos assistidos deve ser garantido pleno

acesso às informações relativas à gestão de seus planos previdenciários), e, por

fim, pelo princípio da tutela do Estado (art. 3° da LC 109/ 01).

O custeio da previdência privada é suportado pelos participantes e pelas

empresas (patrocinadoras). Tal mecanismo é assentado na livre iniciativa dos

interessados e vive da vontade dos que a apoiam, ou seja, de cada participan-

te por si e/ou pela sua empresa. Dependendo do regime financeiro adotado,

forma-se um fundo estruturado atuarialmente, beneficiando-se da técnica

da divisão dos riscos de onde sairão os benefícios previdenciários que serão

concedidos no futuro.

Além dos princípios específicos aplicáveis à previdência privada aplica-se,

assim como no RGPS, os princípios gerais da seguridade social elencados no

art. 194, parágrafo único, do Texto Constitucional, que regem os dois regimes.

Porém dele se afasta, pois não é regido pelo Direito Público, como é o RGPS, e

não é compulsório e sim facultativo.

Tendo em vista tal proximidade, alguns doutrinadores chegam a afirmar que

tais relações jurídicas são idênticas, o que é errôneo, pois o RGPS é caracteri-

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

9 8

zado como verdadeiro serviço público prestado a certa categoria de pessoas

visando a cobrir os riscos previamente demarcados em lei. As relações jurídicas

que decorrem do regime geral de previdência social são regidas pelo Direito

Público e nascem diretamente da lei.

A conjugação do RGPS, modelo previdenciário básico, geral e obrigatório,

gerido pelo Poder Público, e de regimes complementares, facultativos, geridos

pela iniciativa privada, assegura a proteção necessária que, adequadamente

estimulada e garantida, poderá representar a realização dos objetivos funda-

mentais do Estado Democrático Social na finalidade de construir uma sociedade

livre, justa e solidária (art. 3°, I, Constituição Federal).

A previdência privada fechada é o contrato situado no interior do universo

previdenciário, cujo pressuposto é a existência da relação de seguridade social.

Tal relação não integra o contrato de trabalho mantido entre o participante e

o patrocinador, pois o vínculo trabalhista influi apenas de modo indireto na

concessão, manutenção ou extinção do benefício privado.

Por outro lado, a relação jurídica de previdência privada fechada converge com

a relação de trabalho, pois a par da discussão se tal liame é ou não trabalhista,

de fato pode-se afirmar que tal relação decorre inexoravelmente do contrato de

trabalho, já que acessível a determinados empregados ligados à patrocinadora

pelo contrato de trabalho.

Da mesma forma que a relação jurídica de previdência privada fechada guarda

grande similitude e proximidade com a previdência social e com o Direito do

Trabalho, tal relação aproxima-se do contrato de seguro, pois a sua base técnica

e operacional é muito semelhante ao seguro.

Porém, já defendi2 que a previdência privada não se confunde com o contrato

de seguro, pois, ao contrário deste, a previdência privada cobre apenas os riscos

2 A inaplicabilidade do código do consumidor em face da previdência fechada. São Paulo: Ltr, 2008, p.19.

Maria da Glória Chagas Arruda

9 9

sociais. A entidade fechada de previdência complementar não é seguradora e

não persegue o lucro. Além disso, no seguro não existe a propriedade comuni-

tária do patrimônio (previdenciário), como há na previdência privada fechada.

II – A previdência privada fechada

As entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs) são pessoas ju-

rídicas que não buscam lucros e têm por objetivo instituir e operar planos de

benefícios de caráter previdenciário, acessíveis exclusivamente aos empregados

de uma empresa ou grupo de empresas, aos servidores da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios ou aos associados ou membros de pessoas

jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, conforme estabelece o art.

31 da Lei Complementar n. 109/01.

Essas entidades operam planos previdenciários que podem ser instituídos por

patrocinadores (pessoa jurídica que patrocina EFPC para seus empregados

e administradores ou adere a plano de benefícios de caráter previdenciário

administrado por intermédio de EFPC já existente e participa total ou parcial-

mente do custeio do plano) ou por instituidores (pessoa jurídica de caráter

profissional, classista ou setorial, que institui plano previdenciário para seus

associados), conforme estabelecido no art. 12 da Lei Complementar n. 109/01.

O plano de benefícios de caráter previdenciário (ou plano previdenciário) é o

conjunto de regras definidoras dos direitos e obrigações dos participantes e

assistidos, dos patrocinadores ou dos instituidores e da entidade de previdência

complementar.

Segundo Póvoas, o plano previdenciário é: “uma elaboração intelectual que,

considerando as necessidades de certo segmento da população ou de um

conjunto definido de pessoas, se consubstancia num esquema de coberturas

que as podem satisfazer, dentro das exigências dos organismos executivos e

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 0 0

de controle da instituição; grande parte da elaboração intelectual recorre à

ciência atuarial.”3

Tais planos devem apresentar sólida estrutura técnica, sem a qual os planos

previdenciários, como um todo, inviabilizar-se-iam. A adoção de parâmetros

técnicos seguros tem o objetivo específico de assegurar a solvência, a liquidez

e o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial do plano de benefícios.

As bases técnicas consubstanciam-se num dos elementos que constituem o

custeio do plano previdenciário.

O plano de custeio é a previsão técnica-atuarial elaborada pelo atuário no

sentido de detectar a quantidade de recursos que deve ser arrecadada para

manutenção futura dos benefícios previdenciários a serem concedidos pela

entidade fechada de previdência complementar.

Os elementos técnicos que influenciam sobremaneira o plano previdenciário

são: as tábuas biométricas (instrumentos técnicos que preveem o comporta-

mento de um conjunto suficientemente grande de pessoas no que respeita a

determinados eventos aleatórios, tais como: a morte, a invalidez, a doença, etc.),

os regimes financeiros (critérios de cálculos das contribuições que corretamente

aplicados financeiramente serão suficientes para o pagamento dos benefícios

previdenciários, objeto do plano previdenciário), as reservas matemáticas

(obrigações da entidade que se destinam a garantir a operação do plano previ-

denciário) e a taxa de juros (hipótese utilizada na avaliação atuarial destinada

a projetar o comportamento, em longo prazo, dos retornos dos investimentos

dos recursos garantidores, excluído o efeito da inflação). Tais elementos serão

descritos na Nota Técnica Atuarial (documento que descreve a estruturação

técnica do plano previdenciário).

O plano previdenciário é o conjunto de regras definidoras dos benefícios de ca-

3 Previdência Privada. Filosofia..., 2ª ed., cit., p. 163.

Maria da Glória Chagas Arruda

1 0 1

ráter previdenciário, sendo que tais dispositivos devem ser objetivos e aplicáveis

necessariamente à totalidade dos participantes inseridos no grupo protegido. O

plano previdenciário é negócio jurídico plurilateral, pois integram tal negócio

jurídico os participantes, os assistidos, os patrocinadores ou instituidores e a

entidade fechada de previdência complementar.

III – O Código de Defesa do Consumidor – relação de

consumo: os sujeitos e o objeto

A relação jurídica previdenciária travada entre os participantes e a EFPC apre-

senta natureza singular e possui regras especiais que ensejam interpretação

própria, fato que impossibilita a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Para que seja possível concluirmos pela inaplicabilidade do CDC à previdência

fechada, é importante estudarmos as figuras do consumidor e do fornecedor

(sujeitos da relação de consumo) e a definição de prestação de serviços (objeto

da relação jurídica de consumo aplicável ao caso em estudo) para que possamos

identificar se a relação dos participantes com a EFPC e a operação do plano

previdenciário submete-se ou não ao CDC.

A inclusão dos contratos previdenciários no âmbito do CDC tem causado

grande controvérsia no meio jurídico, tanto assim é que várias lides foram

levadas ao Poder Judiciário, fato que levou o Superior Tribunal de Justiça

(STJ) a expedir o Enunciado n. 321, cujo teor determina: “O Código de Defesa

do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência

privada e seus participantes”. (grifamos)

A aplicação de alguns preceitos do CDC à previdência fechada poderá acarretar

importante desequilíbrio financeiro nos planos de benefícios operados por EFPC

(e até a sua inviabilização). As decisões fulcradas equivocadamente no diploma

consumerista e que são aparentemente mais benéficas ao participante litigante,

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 0 2

considerando-se o falso desequilíbrio econômico existente entre o indivíduo e

a EFPC, atingirão, na realidade, a coletividade protegida.

A relação jurídica previdenciária apresenta natureza singular, possui regras

especiais que ensejam interpretação própria, fato que a distingue da relação

travada no âmbito dos planos de benefícios operados por entidade aberta de

previdência privada.

A premissa dos planos previdenciários operados por EFPC é a de que todo

sistema deve ser baseado na constituição de reservas que garantam os bene-

fícios contratados.

Tais recursos são vertidos somente pelos sujeitos envolvidos na relação jurídica

previdenciária, razão pela qual não é demais afirmar que seus participantes são

os verdadeiros “condôminos” do patrimônio do plano. São eles os proprietá-

rios dos ativos que garantem o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial do

plano operado pela EFPC.

Portanto, não é possível identificar a presença, na relação jurídica que se con-

forma no âmbito de operação dos planos de benefícios operados por EFPC, de

elementos que possam submetê-la às normas emanadas no CDC.

A estrutura básica da relação jurídica de consumo, tal como de toda relação

jurídica, é formada pelo sujeito e objeto. Para que determinada relação seja

caracterizada como de consumo, deverá apresentar de um lado uma pessoa

enquadrada no conceito legal de consumidor e, de outro, uma enquadrável no

de fornecedor. Trata-se, portanto, de conceito relacional: não há consumidor

sem o fornecedor e vice-versa. Não há consumidor e fornecedor sem que haja

produtos e serviços.

O consumidor e o fornecedor só serão assim considerados desde que esteja

presente na relação jurídica a ser analisada o objeto de consumo: o produto ou

o serviço. O consumidor é definido como aquele que adquire, na qualidade

Maria da Glória Chagas Arruda

1 0 3

de usuário final, produto ou serviço. Da mesma forma, só será fornecedor o

agente que inserir no mercado de consumo, mediante remuneração, produtos

ou serviços.

A partir da definição de relação de consumo, é possível identificar os elementos

da relação jurídica de consumo. São eles: a) os sujeitos – o consumidor e o forne-

cedor; b) o objeto da relação – produtos e serviços; e c) o elemento teleológico,

assim definido por Nelson Nery Junior:

“[...] c) como finalidade, caracterizando-se como elemento teleológico

das relações de consumo serem elas celebradas para que o consumidor

adquira produto ou se utilize de serviço ’como destinatário final’”. (art.

2º, caput, última parte, CDC)4.” (grifo do autor)

Desse modo, estudaremos a seguir as definições de consumidor e de fornecedor

e o conceito de prestação de serviços em face do CDC (objeto da relação de

consumo). O elemento teleológico será estudado em conjunto com a definição

de consumidor.

Na seara do Direito do Consumidor Brasileiro, um dos temas mais controver-

tidos é o da definição da figura do consumidor.

Apesar da definição objetiva inserta no art. 2º do CDC, os doutrinadores pá-

trios divergem em relação à extensão de tal conceito. Logo após a edição do

CDC, alguns estudiosos chegaram a defender a existência de conceito amplo

de consumidor. Afirmaram que consumidores seriam todas as pessoas que

adquirissem bens ou produtos. Nessa linha ensina Thierry Bourgoignie5:

4 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 494.

5 O Conceito jurídico de consumidor, Revista do Consumidor, São Paulo, n. 02, março 1992, p. 21.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 0 4

“d) Desde que todo mundo é levado a consumir, todo mundo é consu-

midor; o consumidor não é um conceito único, mas difuso; a qualidade

de consumidor pertence a todos e a cada um, quer seja empregador, tra-

balhador, cidadão, produtor, distribuidor, profissional, rico, pobre, etc.”

Percebe-se, no entanto, que, se todos somos consumidores, não seria necessária

especial proteção jurídica à figura do consumidor, razão pela qual o CDC optou

pelo conceito objetivo de consumidor. A adoção de conceito muito amplo de

consumidor, de certo modo, desvia a finalidade do CDC, que é a de proteger

a parte mais fraca na relação de consumo6.

Para o estudo técnico-jurídico da relação jurídica em análise, é preciso analisar

o termo consumidor em consonância com o estatuído na legislação própria. A

definição de consumidor no art. 2º é a regra basilar do CDC e assim estabelece:

“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto

ou serviço como destinatário final.”

Percebe-se daí que o consumidor poderá ser tanto pessoa física como pessoa

jurídica. Como a norma não faz qualquer distinção quanto à pessoa jurídica,

nota-se que qualquer tipo de pessoa jurídica pode ser consumidora, desde que

adquira ou utilize produtos e/ou serviços como destinatária final. Ao estudar

esse dispositivo legal, nota-se que a única característica restritiva da figura do

consumidor é a aquisição ou a utilização do produto ou serviço como desti-

natário final.

Surge, assim, a grande polêmica: o que é ser destinatário final? A aquisição

de produto ou serviço para utilização em termos profissionais gerando ri-

quezas caracterizaria o adquirente como destinatário final e, por conseguinte,

consumidor?

6 BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e. O Conceito jurídico de Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 628, ano 77, fev. 88, p. 77.

Maria da Glória Chagas Arruda

1 0 5

O debate jurídico em torno desse termo está justamente nessa hipótese especí-

fica, pois ninguém classifica como consumidor o agente que adquire produto

ou utiliza serviços não como destinatário final, mas como intermediário da

produção. Essa conclusão é lógica: se a pessoa não adquire produto ou utiliza

serviços como destinatário final, não é consumidor.

A grande controvérsia surge quando a pessoa física adquire produto ou serviço

como destinatário final, porém o usa como típico bem de produção. O exemplo

desse caso é o advogado que adquire um computador numa loja de informática

para utilizá-lo em seu escritório de advocacia.

Desse modo, da interpretação do termo “destinatário final” surgiram duas

teorias: os finalistas e os maximalistas. Após o advento do novo Código Civil,

defende Cláudia Lima Marques a existência de uma terceira corrente (subdi-

visão da teoria finalista), que é a do finalismo aprofundado7.

Os finalistas defendem a ideia de que o termo destinatário final deve ser in-

terpretado de forma restrita, como orientam os princípios básicos do CDC,

conforme arts. 4º e 6º. O destinatário final é o destinatário fático e econômico

do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. O consumidor seria aquele

que adquire ou utiliza os produtos e serviços para uso próprio ou de sua família,

e não para uso profissional.

Se o bem fosse utilizado para uso profissional, o seu custo seria repassado para

o serviço prestado por esse pseudoconsumidor e, portanto, caracterizaria um

dos meios de produção, afastando assim a ideia do verdadeiro consumidor

que o Código visa a tutelar.

Para essa teoria, o advogado que adquire o computador, como destinatário

final, pois será ele que o utilizará para fins profissionais, não seria consumidor

e, portanto, não estaria tutelado pelas regras consumeristas.

7 Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2000, p. 305.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 0 6

Cláudia Lima Marques explica:

“Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumi-

dor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consu-

midores. [...] Propõem, então, que se interprete a expressão ‘destinatário

final’ do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos

do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º.

Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou

serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Logo, segundo esta interpreta-

ção teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da

cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência: é necessário

ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda,

não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um

instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do pro-

fissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação

final’ do produto ou do serviço.

Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire

(utiliza) um produto para uso próprio e de sua família, consumidor seria

o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um

grupo da sociedade que é mais vulnerável8.” (grifamos)

Os maximalistas, os quais possuem visão mais ampla do CDC, por sua vez,

consideram tal diploma legal como importante instrumento para proteger todos

os agentes do consumo, razão pela qual possuem definição extensiva do termo

consumidor. A definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se

a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire produtos

ou utiliza o serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto,

aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, seja desenvolvendo ou

não atividades profissionais.

8 Contratos no Código..., cit., p. 304.

Maria da Glória Chagas Arruda

1 0 7

Nesse caso, o advogado que adquire o computador do fornecedor, mesmo para

atividades profissionais, seria consumidor, pois retirou o bem do mercado,

consumindo-o (utilizando para seu uso pessoal).

Cláudia Lima Marques resume o entendimento da teoria maximalista:

“Consideram [autores que defendem a teoria maximalista] que a defini-

ção do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou

jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza

um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto,

aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a

fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de

celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado

que compra uma máquina de escrever para o seu escritório, ou mesmo o

Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, claro, a dona

de casa que adquire produtos alimentícios para a família9.”

Nota-se que as duas teorias são opostas, pois a primeira (finalista) afirma que

o consumidor é só aquele que adquire ou utiliza produtos ou serviços para uso

próprio. É o destinatário econômico do bem ou do serviço, isto é, o consumidor

que se encontra na última etapa da atividade econômica.

No entendimento dos finalistas, para o CDC: consumidor é a pessoa física ou

jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços com o intuito de suprir as

necessidades próprias e não para o desenvolvimento de atividade negocial10.

9 Contratos do Código..., cit., p. 305.

10 Cláudia Lima Marques defende expressamente a teoria finalista: “O destinatário final é o Endver-braucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econô-mico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor-final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor” (grifo da autora) (Contratos do Código..., cit., p. 338).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 0 8

A segunda teoria (maximalista) defende que o consumidor seria não só aquele

que adquire ou utiliza produtos ou serviços para uso próprio, como, também,

aquele que o faz em termos profissionais. É o destinatário fático, ou seja, o

adquirente que simplesmente retira o bem de circulação, independentemente

da finalidade que dará ao produto11.

A partir de 2003, porém, com a entrada em vigor do novo Código Civil, Cláudia

Lima Marques defende o surgimento de uma terceira corrente, subdivisão da

teoria finalista, a qual ela passa a denominar de finalismo aprofundado.

Segundo tal autora, a referida teoria surgiu em decorrência da jurisprudência,

em especial do STJ, em que os julgados, com fundamento na teoria finalista,

interpretaram com razoabilidade e prudência a expressão “destinatário final”

inserta no art. 2º do CDC. O consumidor deve assim ser caracterizado quando

estiverem presentes concomitantemente dois elementos: a destinação final e a

vulnerabilidade (art. 4º, I, CDC)12.

Não seria apenas a qualidade de destinatário final do produto ou do serviço

que caracterizaria o sujeito como consumidor, mas também, sua qualidade de

vulnerável (fragilidade) na relação contratual.

A vulnerabilidade é situação de desequilíbrio de poder negocial entre as partes

contratantes, que acaba por justificar tratamento desigual entre o consumidor

e o fornecedor. A vulnerabilidade pode ser técnica, jurídica ou fática.

11 O Código de Defesa do Consumidor em face do Código Civil de 2002, Convergências e Assimetrias. In: PFEIFFER, Roberto A. C. e PASQUALOTTO, Adalberto (coords.). São Paulo: RT, 2005, p. 135.

12 Cláudia Lima Marques expõe: “Esperamos, portanto, que a jurisprudência mantenha a linha atual de finalismo aprofundado (exigindo a prova da vulnerabilidade e da destinação final) ou de razoabilidade no controle dos contratos de adesão, privilegiando realmente aqueles consumidores-equiparados que se encontram em fática situação de vulnerabilidade e assegurando para os consumidores stricto sensu eficaz equilíbrio e boa-fé nas suas relações contratuais” (grifo da autora) (Contratos do Código..., cit., p. 363).

Maria da Glória Chagas Arruda

1 0 9

A vulnerabilidade técnica ocorre quando o consumidor não possui conhecimen-

to técnico sobre o objeto que está adquirindo ou serviço que está utilizando.

A vulnerabilidade jurídica é a falta de conhecimento jurídico específico, de

conhecimentos de contabilidade ou de economia13. Tais estados são presumi-

dos, pelo CDC, para os consumidores não-profissionais e para o consumidor

pessoa física.

A vulnerabilidade fática ou socioeconômica é analisada ante o outro sujeito da

relação de consumo, “o fornecedor que, por sua posição de monopólio, fático

ou jurídico, por seu grande poder econômico ou em razão da essencialidade

do serviço, impõe sua superioridade a todos que com ele contratam”14.

A vulnerabilidade não se confunde com a hipossuficiência.

A hipossuficiência é comumente definida como a “visão processual da vul-

nerabilidade fática”15 e é verificável diante do caso concreto, pois é requisito

exigido apenas como substitutivo da verossimilhança para que o juiz determine

a inversão do ônus da prova em favor do consumidor nas lides versando sobre

defesa de seus direitos, conforme estabelece o art. 6º, inciso VIII, do CDC16.

Passemos, então, a analisar a mesma questão sob outro ponto de vista, exposto

pelo conceituado doutrinador da matéria Luiz Antonio Rizzatto Nunes.

Em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material, o

autor, de forma didática, apresenta vários exemplos e a partir deles extrai suas

13 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos do Código..., cit., p. 322-323.

14 Idem, ibidem, p. 325.

15 Idem, ibidem, p. 326.

16 O art. 6º, inciso VIII, do CDC dispõe: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 1 0

inexoráveis conclusões. Assim, para que possamos analisar tais conclusões

faremos breve resumo de seu estudo.

Entre outros exemplos, o autor analisa o caso do despachante que adquire uma

máquina de escrever para seu escritório e indaga se nesse caso tal agente seria

ou não consumidor. Percebe-se que tal exemplo coaduna-se, perfeitamente,

com o exemplo do advogado que adquire o computador para seu escritório

de advocacia.

O autor antecitado indaga:

“Quer dizer, então, que a máquina de escrever é um bem de produção,

e quando ela tiver vício o despachante não poderá utilizar-se da Lei n.

8.078/90? Ora, que diferença existe entre o despachante pessoa jurídica,

que utiliza a máquina para preencher guias, e o despachante enquan-

to pessoa física, que leva a máquina para casa e escreve uma carta de

amor?17”

O mesmo autor explica e responde:

“O Código de Defesa do Consumidor regula situações em que produtos

e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer

pessoa os adquira, como destinatária final. Há, por isso, uma clara

preocupação com bens típicos de consumo, fabricados em série, levados

ao mercado numa rede de distribuição, com ofertas sendo feitas por

meio de dezenas de veículos de comunicação, para que alguém em certo

momento os adquira.

Aí está o caminho indicativo para a solução. Dependendo do tipo de

produto ou serviço, aplica-se ou não o Código, independentemente de o

produto ou serviço estar sendo usado ou não para a ‘produção’ de outros.

17 Ob. cit., p. 92.

Maria da Glória Chagas Arruda

1 1 1

Assim, podemos responder que, como o despachante adquiriu a máquina

de escrever produzida e entregue ao mercado como um típico bem de

consumo, a relação está protegida pelo CDC18.” (grifamos)

Daí, nota-se que o importante para a definição do consumidor não é a atividade

que o destinatário final desenvolve, mas sim a intenção do fornecedor ao ofe-

recer bens e/ou serviços no mercado de consumo. Se o bem foi produzido em

série e entregue ao mercado de consumo como típico bem de consumo e assim

adquirido pelo destinatário final, não importa se o mesmo está utilizando-o

em sua atividade profissional ou não.

Não importa se o advogado colocou o computador em sua casa ou em seu

escritório de advocacia (bem de produção), mas sim que o computador foi

fabricado em série e posto pelo fornecedor no mercado de consumo como um

bem de consumo. Qualquer pessoa que o adquira como destinatário final será

consumidor.

Nesse sentido conclui, com precisão, Luiz Antonio Rizzatto Nunes:

“[...] a Lei n. 8.078 regula o pólo de consumo, isto é, pretende controlar

os produtos e serviços oferecidos, postos à disposição, distribuídos e

vendidos no mercado de consumo e que foram produzidos para ser

vendidos, independentemente do uso que se vá deles fazer.

Quer se use o produto (ou o serviço) para fins de consumo (a caneta do

aluno), quer para fins de produção (a caneta idêntica do professor), a

relação estabelecida na compra foi de consumo, aplicando-se integral-

mente ao caso as regras do CDC19.”

18 Idem, ibidem.

19 Ob. cit., p. 94.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 1 2

A discussão não deve limitar-se ao fato de o destinatário final desenvolver

ou não atividade profissional, mas considerar como o produto é fabricado e a

forma de sua introdução no mercado de consumo, pois existem bens de con-

sumo (produtos e serviços) que são adquiridos com o fim de produção, sem

que a relação jurídica estabelecida entre os sujeitos deixe de ser de consumo.

Desse modo, adotamos, neste trabalho, o moderno conceito de consumidor

exposto por Luiz Antonio Rizzatto Nunes, o qual assim pode ser resumido:

“a) o CDC regula situações em que haja ‘destinatário final’ que adquire

produto ou serviço para uso próprio sem finalidade de produção de

outros produtos ou serviços;

b) regula também situações em que haja ‘destinatário final’ que adquire

produto ou serviço com finalidade de produção de outros produtos ou

serviços, desde que o produto ou serviço, uma vez adquiridos, sejam

oferecidos regularmente no mercado de consumo, independentemente

do uso e destino que o adquirente lhes vai dar;

c) o CDC não regula situações nas quais, apesar de se poder identificar

um ‘destinatário final’, o produto ou serviço é entregue com a finalidade

específica de servir de “bem de produção” para outro produto ou serviço

e via de regra não está colocado no mercado como bem de consumo, mas

como de produção: o consumidor não o adquire20.”

O estudo da figura isolada do consumidor não basta para que seja caracterizada

a relação de consumo. Deverão estar presentes as figuras do fornecedor e do

objeto da relação: produtos e/ou serviços, os quais serão a seguir analisados.

O outro sujeito da relação jurídica de consumo é o fornecedor de produtos e

serviços. É o responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição

do consumidor, no mercado de consumo.

20 Ibidem, p. 98.

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1 1 3

O CDC, em seu art. 3º, assim o define:

“Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização

de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,

de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhista.”

Da leitura do caput do art. 3º conclui-se que o CDC opta por uma definição

ampla do termo “fornecedor”, abrangendo todo o agente, pessoa física ou

jurídica, que pratica alguma atividade no mercado de consumo21.

O CDC é genérico, ou seja, não exclui qualquer pessoa jurídica ou física do

conceito de fornecedor. O diploma consumerista considera fornecedor todo ente

que provisione, mediante remuneração, o mercado de consumo, de produtos

ou de serviços. O elemento restritivo de tal sujeito não está na forma de sua

constituição, mas sim em sua atividade.

Apesar da ampla definição de fornecedor, é necessário que seja observado o

elemento caracterizador desse sujeito, que é a atividade desenvolvida por ele.

Para que o sujeito seja considerado fornecedor deve desenvolver atividade de

21 Nesse sentido, leciona, também, Arruda Alvim: “Neste art. 3º, tenciona-se estabelecer a maior abrangência possível para o conceito de ‘fornecedor’, ou seja, o sujeito de direitos que atua no pólo oposto ao consumidor, ou, que integra o conjunto de pessoas que compõem ou podem compor este pólo oposto” (Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., revista e ampliada, 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 31).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 1 4

forma habitual, inserindo produtos ou desenvolvendo serviços oferecidos no

mercado de consumo, mediante remuneração direta ou indireta.

O fornecedor seria todo agente que, habitualmente, mediante remuneração,

fornece produtos ou presta serviços a outro sujeito da relação de consumo, o

consumidor.

Luiz Antonio Rizzatto Nunes, ao discorrer sobre a figura do fornecedor, disserta:

“É importante centrar a atenção no conceito de atividade, porque, de um

lado, ele designará se num dos pólos da relação jurídica está o fornecedor,

com o que se poderá definir se há ou não relação de consumo (para tanto,

terá de existir no outro pólo o consumidor). E isto porque será possível

que a relação de venda de um produto, ainda que feita por um comer-

ciante, não implique estar-se diante de uma relação de consumo regulada

pelo CDC. Por exemplo, se uma loja de roupas vende seu computador

usado para poder adquirir um novo, ainda que se possa descobrir no

comprador um ‘destinatário final’, não se tem relação de consumo, por-

que essa loja não é considerada fornecedora. A simples venda de ativos

sem caráter de atividade regular ou eventual não transforma a relação

jurídica em relação jurídica de consumo. Será um ato jurídico regulado

pela legislação comum civil ou comercial22.”

Daí poder-se-ia definir fornecedor como toda e qualquer pessoa física ou

jurídica, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades

habituais de produção, montagem, criação, construção, transformação, impor-

tação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação

de serviços, conforme disposto no art. 3º do CDC.

No presente estudo, interessa analisar o fornecedor como prestador de servi-

ços. O art. 3º do CDC, ao conceituar o fornecedor como prestador de serviços,

22 Ob. cit., p. 101.

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1 1 5

menciona apenas um elemento para a sua caracterização: o desenvolvimento

de atividades de prestação de serviços.

Neste sentido, leciona Cláudia Lima Marques:

“Quanto ao fornecimento de serviços, a definição do art. 3º do CDC foi

mais concisa e, portanto, de interpretação mais aberta, mencionando

apenas o critério de desenvolver atividades de prestação de serviços. Mesmo

o § 2º do art. 3º define serviço como ‘qualquer atividade fornecida no

mercado de consumo, mediante remuneração [...]’23.” (grifo da autora)

É impossível, entretanto, apartar o estudo do fornecedor como prestador de

serviços (sujeito da relação de consumo) e os serviços (objeto da relação de

consumo). Assim, estudaremos em conjunto o sujeito e o objeto da relação de

consumo, quais sejam: o prestador de serviços e os serviços.

O § 2º do art. 3º do CDC define serviço como “qualquer atividade fornecida

no mercado de consumo, mediante remuneração [...]”.

Conjugados os dois elementos, percebe-se que, para a correta caracterização

dos serviços no âmbito do CDC, é necessária a presença na relação de jurídica

de dois elementos importantes: o mercado de consumo e a remuneração.

A doutrina consumerista é unânime no entendimento de que a prestação de

serviços no âmbito do CDC deve ser fornecida no mercado de consumo.

Newton de Luca explica e defende:

“A prestação de serviços, assim, para sujeitar-se ao regime jurídico do

CDC, deve consistir, primeiramente, numa atividade – e não num sim-

ples ato, conforme já terá ficado demonstrado – e deve ser fornecida no

mercado de consumo24.” (grifo do autor)

23 Contratos do Código..., cit., p. 393.

24 Direito do Consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 148.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 1 6

Luiz Antonio Rizzatto Nunes afirma:

“serviço é qualquer atividade fornecida ou, melhor dizendo, prestada

no mercado de consumo25.”

José Geraldo Brito Filomeno entende que:

“Fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título

singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de

forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica,

da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma ha-

bitual26.” (grifo do autor)

Portanto, para que o serviço prestado por determinada pessoa jurídica seja sub-

metido ao CDC é necessário, em primeiro lugar, que seja oferecido no mercado

de consumo27, isto é, a um conjunto indeterminado de pessoas.

Relativamente à inserção de produtos ou serviços no mercado de consumo,

Luiz Gastão Paes de Barros Leães leciona:

25 Ob. cit., p. 109.

26 Ob. cit., p. 43.

27 Conforme muito bem salientado por Newton De Lucca, não se pode afirmar que a expressão mercado de consumo foi distraidamente inserida no § 2° do art. 3°, pois “ela se repete, por mais de uma vez, no contexto do art. 4° do CDC, um dos mais importantes do Código. Reaparece no inciso I, relativo a reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nesse mercado de consumo. Ressurge, novamente, na alínea ‘c’ do inciso II desse mesmo art. 4°, no sentido da ação governamental para proteger efetivamente o consumidor mediante a presença do Estado no mercado de consumo. Torna a reaparecer, ainda, por nada menos do que três vezes, nesse art. 4°: no inciso IV, que alude à edu-cação e à informação dos fornecedores e dos consumidores quanto a seus direitos e deveres, tendo em vista o aprimoramento do mercado de consumo: no inciso VI, que trata da coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, quer sejam provenientes de atos de concorrência desleal, quer oriundos da utilização indevida de inventos e de criações industriais das marcas, nomes comerciais e sinais distintivos que possam causar prejuízo aos consumidores; e, finalmente, no inciso VIII, concernente ao estudo constante das modificações ocorridas no mercado de consumo” (grifo do autor) (ob. cit., p. 148).

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1 1 7

“Com efeito, ‘qualquer’ bem pode consubstanciar um ‘produto’ para

efeito da proteção da lei, mas a) desde que esse bem seja produzido em

série, para ser colocado no mercado de consumo; [...]

Com efeito, o chamado mercado de consumo, na medida em que o termo

‘mercado’ importa sempre numa substancial quantidade de bens transa-

cionada ‘com o público’, pressupõe a existência de empresas produzindo

em massa mercadorias (ou seja, produtos) para o mercado.

5.5. Análogas considerações também podem ser tecidas com relação à

definição de serviço, para efeito da legislação de proteção ao consumidor.

De fato, tal como dispõe o § 2º do art. 3º da Lei n. 8.078, acima reproduzi-

do, os serviços de que se trata são aqueles a) prestados, mediante remu-

neração, em série, fruto de uma ‘atividade’, ‘no mercado de consumo’,

b) destinados a satisfazer as necessidades dos usuários, como fruidores

finais28.” (grifo do autor)

Percebe-se, daí, que a prestação de serviço no mercado de consumo29 pressupõe

o oferecimento desse serviço ao público indeterminado. Da mesma forma que o

produto deve ser produzido em série e introduzido na cadeia de distribuição,

o serviço deve ser disponibilizado de maneira uniforme (em série) ao público

em geral.

Outro importante requisito para caracterização da prestação de serviço como

atividade típica de consumo é a remuneração. Para que determinado serviço

seja caracterizado como atividade sujeita ao CDC é necessário que o fornecedor

seja remunerado direta ou indiretamente.

28 Inexistência de relação de consumo entre o “shopping center” e seus frequentadores, Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, n. 122, abril-junho/2001, p. 218.

29 Sobre a definição de mercado de consumo, Newton De Lucca afirma: “Cabe destacar, desde logo, que não se encontra uma base sólida, quer no plano doutrinário, quer no próprio CDC, para definir--se, com precisão, o que seja efetivamente, o mercado de consumo. Trata-se de uma investigação que está a reclamar maior aprofundamento em nosso meio” (ob. cit.).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 1 8

Conforme ensina Cláudia Lima Marques, a expressão “remuneração” vai além

da tradicional classificação dos negócios como onerosos ou gratuitos.

Assim,

“a opção pelo termo ‘remunerado’ significa uma importante abertura

para incluir os serviços de consumo remunerados indiretamente, isto

é, quando não é consumidor individual que paga, mas a coletividade

(facilidade diluída no preço de todos), ou quando ele paga indireta-

mente o ‘benefício gratuito’ que está recebendo. O termo ‘remuneração’

permite incluir todos aqueles contratos em que for possível identificar

no sinalagma escondido (contraprestação escondida) uma remuneração

indireta do serviço de consumo30”.

Arruda Alvim, ao comentar o art. 2º do CDC, define serviço como “toda a ati-

vidade remunerada fornecida no mercado de consumo”31 e explica a expressão

“remuneração” da seguinte forma:

“Deve-se entender a expressão ‘mediante remuneração’ não apenas

como representativa da remuneração direta, isto é, o pagamento direta-

mente efetuado pelo consumidor ao fornecedor. Compreende também

a remuneração do fornecedor o benefício comercial indireto advindo de

prestação de serviços aparentemente gratuita assim como a remuneração

‘embutida’ em outros custos32.”

Percebe-se, então, que o elemento fundamental dos serviços prestados no âm-

bito das relações de consumo é a remuneração, ou seja, se houver prestação

de serviços entre a pessoa jurídica e o consumidor que envolva remuneração

e habitualidade, essa pessoa jurídica será considerada como fornecedora e tal

relação jurídica será regrada pelo CDC.

30 Contratos do Código..., cit., p. 394.

31 Ob. cit., p. 37-38.

32 Ob. cit., p. 37-38, nota de rodapé n. 20.

Maria da Glória Chagas Arruda

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A remuneração mencionada na definição exposta no CDC refere-se, portanto,

ao pagamento efetuado diretamente pelo consumidor (forma direta) ou ao

benefício indireto advindo da prestação de serviços aparentemente gratuita,

assim como à remuneração embutida em outros custos (forma indireta). A

remuneração indireta ocorre quando o fornecedor frui de algum proveito eco-

nômico advindo da prestação que não é cobrada diretamente do consumidor33.

Na relação de consumo é possível até inexistir a obrigação de pagamento, pois

esta é apenas uma das formas de remuneração. O que necessariamente deve

existir na relação de consumo é o ganho direto ou indireto para o fornecedor.

A remuneração inserta no CDC não é somente uma contraprestação pecuniária

paga pelo interessado (pagamento), mas qualquer tipo de lucro que se possa

extrair da atividade oferecida34.

Bernardo Strobel Guimarães é enfático ao afirmar:

“[...] a tradição de dinheiro (ou qualquer outro fenômeno que lhe faça

as vezes) não é elemento integrante do conceito de remuneração, que se

perfaz mesmo que não se evidencie nenhum pagamento direto. A circu-

lação de dinheiro entre os sujeitos é meramente acidental e não se conecta

à essência da remuneração, tanto que esta pode subsistir sem aquela35.”

Da mesma forma que há remuneração sem pagamento, é possível que ocorra

pagamento sem que haja remuneração, pois é possível haver troca de dinheiro

e o receptor não auferir nenhum proveito econômico por oferecer a vantagem

a ser fruída pelo consumidor.

33 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Conceito de Relação de Consumo e Atividades prestadas por Entidades sem fins lucrativos, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n. 135, julho-setembro/2004, p. 172.

34 1º TACivSP, Ap. Cív. 581.830/6, rel. Juiz Silveira Paulilo, j. 25.4.1996.

35 Ob. cit., p. 173.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 2 0

Portanto, para que seja verificada a existência de remuneração no âmbito do

CDC é necessário que aquele que oferece o serviço no mercado de consumo

aufira vantagem econômica, ou seja, é necessário que o fornecedor objetive a

obtenção de lucro ao prestar o serviço no mercado de consumo.

Bernardo Strobel Guimarães resume:

“Para verificar-se se há remuneração, ou não, é de se empreender uma du-pla pesquisa: primeiramente, é de ver se a própria estrutura do prestador da utilidade se orienta ao lucro (i.e. à obtenção de vantagem econômica) e, posteriormente, é de se analisar se efetivamente não está havendo de fato nenhuma apropriação econômica indevida das vantagens advindas

do oferecimento dos produtos ou serviços36.”

Para que determinado agente prestador de serviços seja considerado fornecedor

é preciso que ofereça serviços, no mercado de consumo, mediante remuneração

e com finalidade lucrativa (lucro), pois é possível que haja circulação de recursos

sem que seja caracterizada remuneração, para fins do CDC.

Analisaremos, após o estudo do objeto da relação de consumo, se a entidade

fechada de previdência complementar poderá ou não ser caracterizada como

prestadora de serviços previdenciários no mercado de consumo.

As relações de consumo são as relações jurídicas que se encontram sob a égi-

de do CDC. São relações que se formam entre o fornecedor e o consumidor,

tendo como objeto a aquisição de produtos ou a utilização de serviços pelo

consumidor.

O objeto da relação de consumo são os produtos e os serviços, cuja definição

está exposta no art. 3º, §§ 1º e 2º, do CDC:

“Art. 3º [...]

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

36 Ob. cit., p. 175.

Maria da Glória Chagas Arruda

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§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,

de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhista.”

O produto, objeto da relação de consumo, são os bens elaborados pelos fornece-

dores e postos no mercado de consumo, para satisfazer a necessidade humana.

Os produtos, conforme simples leitura do dispositivo legal supratranscrito,

podem ser móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, duráveis ou não durá-

veis. Assim, percebe-se, em suma, que qualquer bem pode ser produto, desde

que, evidentemente, seja objeto de relação de consumo.

Os serviços, objetos da relação de consumo, são as atividades prestadas no

mercado de consumo, de forma habitual, mediante remuneração direta ou

indireta pelos fornecedores.

Conforme muito bem exposto por Bernardo Strobel Guimarães37, a conceitua-

ção de produtos e serviços é, nos termos legais, essencial para a caracterização

dos dois sujeitos envolvidos na relação jurídica de consumo: o consumidor e

o fornecedor, pois tanto a definição de consumidor (art. 2º do CDC) como a de

fornecedor (art. 3º, caput, CDC) fazem remissão aos produtos e aos serviços.

Percebe-se, portanto, que a análise isolada dos elementos que integram a relação

jurídica de consumo faz-se necessária somente para fins metodológicos, pois

a relação de consumo é una, razão pela qual, por vezes, torna-se impossível

definir consumidor sem a presença do fornecedor, bem como tais conceitos

sem a abordagem da definição de produto e serviço.

37 Tal autor conclui: “Deste modo, o objeto é essencial para a identificação da relação de consumo, condicionando a própria definição dos sujeitos” (ob. cit., p. 169-185).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 2 2

IV) O Código de Defesa Do Consumidor e a sua inaplicabilidade ante a previdência privada fechada

Após análise dos principais elementos que integram a relação jurídica previ-

denciária complementar e os que integram a relação de consumo, passemos

a investigar se a relação jurídica de previdência privada fechada mantida

entre o participante ou o assistido e a EFPC pode ser classificada como re-

lação de consumo.

Ao analisar se dada relação jurídica submete-se ou não às regras consumeristas,

deve-se examinar se os sujeitos revestem-se da roupagem do consumidor e do

fornecedor, e se o objeto da relação jurídica é ou não de consumo.

Após tal abordagem, resta-nos responder a seguinte indagação: a relação jurí-

dica de previdência privada fechada é relação de consumo?

O primeiro elemento a ser investigado refere-se à figura do consumidor. Será

que o participante que se associa ao plano de benefícios operado por EFPC

pode ser classificado como verdadeiro consumidor?

O consumidor é qualquer pessoa que adquira produtos ou serviços como

destinatário final, desde que o produto ou o serviço, uma vez adquirido, seja

oferecido habitualmente no mercado de consumo, mediante remuneração,

independentemente do uso e do destino que o adquirente lhes vai dar. Para

que determinada pessoa seja considerada consumidor é preciso que seja veri-

ficada, também, a intenção do fornecedor ao oferecer tais serviços no mercado

de consumo.

O participante que integra o plano de benefícios operado por EFPC não deve

ser classificado como consumidor, pois não contrata o serviço prestado, em

série, pela EFPC no mercado de consumo.

Ao contrário, os planos operados pelas EFPCs são específicos (e assim dese-

nhados) para cada grupo de participantes (leia-se grupo restrito de pessoas

Maria da Glória Chagas Arruda

1 2 3

vinculadas ao patrocinador ou instituidor). O serviço não é oferecido no mer-

cado de consumo, como será analisado a seguir.

Em conjunto com tal análise, é preciso investigar a posição da EFPC na relação

jurídica previdenciária. Será ela fornecedora de serviços previdenciários?

Conforme já observado, o estudo da definição de consumidor e de fornecedor

deve ser realizado em conjunto com a do objeto da relação jurídica de con-

sumo, qual seja: a prestação de serviços no mercado de consumo e mediante

remuneração.

No caso em análise, interessa-nos estudar a figura do fornecedor como a pes-

soa jurídica que presta serviços, pois as EFPCs poderiam, eventualmente, ser

caracterizadas como prestadoras de serviços e daí a possibilidade de serem

equiparadas à figura de fornecedor.

O art. 3° do CDC, ao conceituar o fornecedor como prestador de serviços,

menciona apenas um critério para sua caracterização: o desenvolvimento

de atividades de prestação de serviços, cuja definição consta do § 2° do

referido artigo.

Conforme já estudado (art. 2º, § 3°, do CDC), serviços, no âmbito do CDC, po-

dem ser definidos como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração.

Em primeiro lugar, entendemos que os serviços previdenciários prestados pela

EFPC, consubstanciado na gestão do plano de benefícios, não estão disponíveis

ao mercado de consumo, mas sim a um grupo restrito de pessoas, cujo vínculo

decorre, inclusive, de disposição legal.

O art. 31, incisos I e II, da Lei Complementar n. 109/01 estabelece:

“Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regula-

mentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 2 4

I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servi-dores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e

II – aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissio-

nal, classista ou setorial, denominadas instituidores.” (grifamos)

Percebe-se, então, que o plano não é oferecido indistintamente ao público geral que deseje contratar tais planos. Os planos operados por EFPC só podem ser oferecidos ao grupo de funcionários e dirigentes do patrocinador ou do insti-tuidor (portanto, limitado) e a filiação é facultativa.

Lygia Maria Avena é clara ao afirmar:

“Nos expressos termos do art. 31, inciso I, da Lei Complementar n.109/01, os planos de benefícios da previdência fechada supletiva com patroci-nadores são direcionados e prestados apenas a um grupo fechado de participantes (‘empregados de uma empresa ou grupo de empresas’), [...] Portanto, os benefícios prestados pelas entidades fechadas de previdência complementar não podem ser distribuídos no mercado de consumo ou ao público em geral, uma vez que possuem, por força de lei, abrangência

restrita e delimitada38.”

João Paulo Rodrigues da Cunha concorda e expõe:

“[...] é de abrangência taxativamente restrita, não podendo ser distri-buídos no mercado de consumo ou ao público em geral. O art. 31 da Lei Complementar n. 109/01 dispõe que os benefícios são percebidos pelos participantes, os quais devem estar vinculados por um liame empregatício com o patrocinador, ou associativo com o instituidor, sem

finalidade lucrativa39.”

38 Da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no âmbito das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, Fundos de Pensão em Debate, Brasília. Coordenação: Adacir Reis. Brasília Jurídica, 2002, p. 57.

39 (In)aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às entidades fechadas de previdência privada, Revista de Previdência Social, São Paulo, ano 27, n. 273, agosto, 2003, p. 670-672.

Maria da Glória Chagas Arruda

1 2 5

Verifica-se, portanto, a inexistência do requisito referente ao mercado de consu-mo na relação jurídica previdenciária fechada complementar, razão pela qual se torna impraticável a aplicação do CDC.

O outro requisito também ausente para caracterização da figura do fornecedor é a prestação de serviços mediante remuneração.

De acordo com o exposto no item referente ao fornecedor, percebe-se que o elemento fundamental dos serviços prestados no âmbito das relações de con-sumo é a remuneração, ou seja, para o CDC, se há prestação de serviços entre a pessoa jurídica e o consumidor que envolva remuneração e habitualidade, essa pessoa jurídica será considerada como fornecedora e tal relação jurídica será regrada pelo CDC.

Dessa forma, indaga-se se a entidade fechada de previdência complementar presta os serviços mediante remuneração ou não, pois, dependendo da res-posta, poder-se-ia acrescentar mais um argumento para submeter tal relação jurídica aos ditames do diploma consumerista com todas as consequências que decorrem de tal classificação.

As EFPCs não visam ao lucro40-41, portanto, apesar de exercerem atividade de

conteúdo econômico, o exercício da administração do plano de benefícios não

40 Lygia Maria Avena afirma: “Instrumentos da política de recursos humanos das suas empresas pa-trocinadoras e auxiliares do sistema oficial de previdência, na medida em que prestam benefícios de caráter previdencial supletivo, as entidades fechadas de previdência complementar – com patrimônio destacado e aplicado integralmente para o cumprimento de tal finalidade – não possuem nenhum objetivo de comercialização nos benefícios que prestam aos seus participantes, sendo impedidas, por força de lei, de terem finalidade lucrativa” (ob. cit., p. 55).

41 Em relação à natureza jurídica das EFPCs, Sacha Calmon Navarro Coelho e Misabel Derzi afirmam categoricamente: “Entidades privadas assistenciais, como menciona Russomano, ou instituições de assistência previdenciária, como prefere denominar a lei mineira, as entidades fechadas obedecem ao princípio da solidariedade e não têm finalidade lucrativa, pois são criadas com o intuito de socorrer os seus participantes, por meio de benefícios mais amplos ou complementares aos da previdência social estatal. A Lei n. 6.435, de 05/07/77, que as disciplina, igualmente proíbe auferir lucros, as-sim dispondo em seu art. 4°, § 1°: ‘as entidades não poderão ter fins lucrativos’” (A imunidade das entidades fechadas de previdência privada (fundos de pensão) e a constituição de 1988, Rio de Janeiro, Revista Forense, n. 333, janeiro/março, 1996, p. 205-236).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 2 6

possui finalidade econômica para a EFPC, pois o resultado de sua atividade eco-

nômica na operação do plano de benefícios é utilizado em proveito do próprio

grupo para viabilizar o atendimento adequado de suas finalidades sociais e o

aprimoramento dos recursos destinados ao plano previdenciário, para melhor

atender ao interesse do grupo de participantes e assistidos42.

Conforme muito bem demonstrado por Bernardo Strobel Guimarães, para

verificar se há remuneração ou não em determinada prestação de serviços

é preciso investigar dois aspectos: a) se a própria estrutura do prestador de

serviço se orienta ao lucro, ou seja, se há obtenção de vantagem econômica ao

próprio prestador; e b) se efetivamente não está havendo nenhuma apropria-

ção econômica indevida das vantagens advindas da prestação dos serviços ao

próprio ente que presta o serviço43.

As EFPCs, apesar de exercerem atividade econômica, não perseguem o lucro,

conforme fixado no art. 31, § 2º, da Lei Complementar n. 109/01. A ausência

da finalidade lucrativa não significa que não haja circulação de dinheiro (pa-

gamento de contribuição pelos participantes e patrocinadores)44-45, mas sim

42 WALD, Arnoldo. Da possibilidade legal de aplicação de recursos de reservas técnicas de entidade de previdência privada em fundos de investimento no exterior e da ausência de conflito com a norma do N. II do art.14 do CTN. Revista de Direito Civil, Agrário e Empresarial, São Paulo, v. 71, jan./mar.1995, RT, p. 142-151.

43 Ob. cit., p. 175.

44 Segundo exposto por Lygia Maria Avena, o recebimento pela EFPC das contribuições dos parti-cipantes e dos patrocinadores não deve ser caracterizado como verdadeira remuneração por não ter a EFPC finalidade lucrativa. Assim se manifesta a autora: “Sendo o custeio dos seus planos de benefícios calcado em rigorosas bases atuariais que visam seu permanente equilíbrio, com fulcro na relação sinalagmática benefício-contribuição, as entidades fechadas, ao receberem as contribuições dos seus participantes associados, não as recebem como preços ou remuneração no sentido lato de pagamento ou em um contexto comercial, até por não terem finalidade lucrativa e nem distribuírem parcela de seu patrimônio. Recebem, sim, tais contribuições para serem direcionadas estritamente à formação do fundo previdenciário, que propiciará, no futuro, a concessão e a manutenção dos benefícios aos próprios participantes. A estas são somadas relevantes contribuições das suas em-pregadoras, patrocinadoras dos planos de benefícios” (ob. cit., p. 52).

Maria da Glória Chagas Arruda

1 2 7

que não há vantagem45econômica46 para aquele que oferece a utilidade a ser

fruída (EFPC).

O resultado obtido pela EFPC não se destina à apropriação privada, mas ex-

clusivamente à satisfação exclusiva de seu objeto social, qual seja: a gestão do

plano e a concessão de benefícios previdenciários aos participantes do plano

previdenciário. Os rendimentos obtidos pelas EFPCs devem ser aplicados

integralmente para a manutenção de seus objetivos institucionais.47

Luís Carlos Cazetta leciona:

“Como organizações instrumentais à execução de planos previdenciá-

rios, as entidades fechadas recolhem contribuições dos patrocinadores e

dos participantes para afetá-las exclusivamente à formação das reservas

necessárias ao pagamento de benefícios contratados com os participan-

tes e ao correspondente custeio administrativo e operacional, sem que

percebam, para tanto, qualquer tipo de contraprestação (transferência

patrimonial destinada a proveito exclusivo da entidade, como centro

de interesses e direitos autônomos em relação aos dos participantes).

45 Relativamente à contribuição recebida pela EFPC, Luís Carlos Cazetta defende: “Tecnicamente, as contribuições que são vertidas às entidades fechadas têm a natureza jurídica de cotização de custo (no regime de mutualismo quanto a benefícios de risco ou, genericamente, a espécies de benefícios definidos) ou de entrega de recursos para capitalização exclusivamente em favor do participante (nas hipóteses de gestão de contas individualizadas de capitalização, próprias a planos de contribuições definidas)” (ob. cit., p. 69).

46 Bernardo Strobel Guimarães explica com muita propriedade “[...] remuneração consiste em uma vantagem essencialmente econômica que acresce, ainda que indiretamente, o patrimônio dos que prestam utilidades (produtos/serviços) aos consumidores. É justamente a possibilidade de fruir desta vantagem advinda da prestação de utilidades que deve se entender por ‘finalidade econômica’ e contrapõem-se à ‘finalidade não econômica’ havidas nas pessoas em mira. [...] Em suma, pode-se desenvolver atividade econômica sem finalidade econômica” (ob. cit., p. 177).

47 Lygia Maria Avena ensina: “Nesse contexto, tais entidades, que distintamente das entidades abertas de previdência complementar, não possuem qualquer escopo de lucro, não distribuem qualquer parcela de seu patrimônio, investindo e reinvestindo a totalidade das suas receitas e recursos integralmente para a finalidade previdenciária supletiva, inexistindo ‘sobra’ a ser distribuída” (ob. cit., p. 52).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

1 2 8

No âmbito do sistema fechado, o proveito econômico, o resultado prático

das relações contratuais previdenciárias ajustadas entre as entidades

e os participantes tem indiscutível natureza unidirecional. Todas as

obrigações contraídas pelas partes destinam-se ao proveito único de uma

delas: o participante de um específico plano, na qualidade de destinatário,

em conjunto com as demais pessoas que ao mesmo plano se vinculam,

dos recursos previamente constituídos para o pagamento dos benefícios

contratados48.” (grifamos)

Nesse caso, portanto, a EFPC, ao contrário do prestador figurante da relação

jurídica de consumo, age em nome dos participantes e não persegue interesse

próprio. No final das contas, é para os próprios participantes que é destinado

o recurso do plano de benefícios, formado pelas contribuições dos participan-

tes e dos patrocinadores e receitas financeiras resultantes da aplicação dessas

contribuições.

A EFPC49 nada mais faz do que administrar tal recurso, que pertence aos par-

ticipantes e aos assistidos que tenham aderido ao plano operado pela EFPC.

Ela não possui interesse próprio, pois lhe é vedada qualquer outra atividade,

conforme estabelece o art. 32 da Lei Complementar n. 109/01: “As entidades

fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios

de natureza previdenciária. Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas

a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto,

observado o disposto no art. 76.” (grifamos)

É importante relembrarmos a lição de Wagner Balera no sentido de que a fi-

gura do fundo de pensão aproxima-se da figura jurídica do condomínio, “por

48 Ob. cit., p. 68.

49 Segundo Luís Carlos Cazetta: “Conceitual e juridicamente, as entidades fechadas de previdência complementar configuram organismos sem fins lucrativos (sem objeto empresarial) constituídos para a reunião e administração de reservas e o pagamento de benefícios aos participantes dos respectivos planos, cujos objetivos e necessidades conformam o âmbito limitado de abrangência e o regime de exercício de suas atividades” (ob. cit., p. 71).

Maria da Glória Chagas Arruda

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intermédio do qual acaba se estabelecendo a propriedade de cada condômino

sobre a totalidade da coisa que, como bem coletivo, lastreia específicos direitos

previdenciários”50. Continua o autor:

“De fato, esse ‘condomínio social’ foi sendo gestado com as contribuições

sociais de todos: participantes e patrocinadores e, também, com receitas

financeiras e patrimoniais geradas pela aplicação dos recursos. Receitas

que geram, devidamente capitalizadas, riquezas outras a serem, depois,

repassadas à comunidade protegida51.”

Com fundamento em tal lição, poderíamos até equiparar a atividade prestada

pela EFPC à atividade prestada pelo condomínio, pois, da mesma forma que

ocorre no condomínio, o objeto social da EFPC é deliberado pelos próprios

interessados no objeto da relação jurídica: os participantes, os assistidos e os

patrocinadores. Em última análise, a própria EFPC são os participantes, os

assistidos e os patrocinadores.

Os participantes e os assistidos deliberam sobre a atuação da própria EFPC e,

portanto, sobre seus destinos ou sobre o destino do grupo52. Não há subordina-

ção, vulnerabilidade ou hipossuficiência dos participantes ante a EFPC, pois,

em última análise, os atos (e, portanto, a consequência de tais atos) da EFPC

são efetivados pelos membros integrantes do grupo protegido: participantes

e assistidos.

50 A proteção jurídica..., cit., p. 94.

51 Ibidem, passim.

52 Luís Carlos Cazetta defende: “De outro lado, porque instrumentais à execução de planos de previ-dência, as entidades fechadas têm a sua existência e o seu funcionamento absolutamente vinculados à consecução dos interesses dos participantes, que, com o concurso dos patrocinadores, exercem sobre elas completo controle político, apto a decidir o regime pelo qual se dará a sua gestão, tanto na dimensão econômico-financeira, relativa à aplicação de recursos disponíveis, quanto na dimensão atuarial, corres-pondente à apropriada execução dos planos de benefícios e de custeio para a outorga regular de benefícios, como disciplinados nos regulamentos” (grifamos) (ob. cit., p. 68).

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

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Tais sujeitos não são meros destinatários finais dos serviços prestados pela EFPC,

são, na verdade, os sujeitos que participam da estruturação, da organização e

da gestão dos planos de benefícios previdenciários.

Relativamente àquelas situações que envolvem interesses de diferentes pessoas

enfeixados por uma relação de condomínio, observa-se claramente a impos-

sibilidade de se qualificar o vínculo como submetido às normas especiais que

tutelam o consumidor53-54.

Da mesma forma que o condomínio, a prestação de serviços pela EFPC frustra

a definição de prestação de serviços em dois pontos: remuneração e mercado

de consumo. Portanto, não há como classificar a EFPC como fornecedora sem

que esteja estabelecida na administração do plano previdenciário uma forma de

remuneração da EFPC (ainda que indireta) e sem que a EFPC esteja organizada

para a perseguição de lucro.

A segunda vertente a ser analisada, conforme proposto por Bernardo Strobel

Guimarães, refere-se à investigação sobre se há desvio da vantagem econômica

advinda da prestação de serviços. É necessário constatar que não há nenhum

desvio entre as atividades prestadas pela EFPC e os objetivos a serem perse-

guidos por tal sujeito, qual seja: a concessão de benefícios previdenciários.

53 Vide STJ, REsp 650.791/RJ, 2ª Turma, rel. Min.Castro Meira, j. 6.4.2006.

54 Sobre a aplicação da CDC ao condomínio, José Geraldo Brito Filomeno ensina: “Resta evidente que aqueles entes, despersonalizados ou não, não podem ser considerados como fornecedores. E isto porque, quer no que diz respeito às entidades associativas, quer no que concerne aos condomínios em edificações, seu fim ou objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados ou não por intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação direta em assembleias gerais que, como se sabe, são os órgãos deliberativos soberanos nas chamadas ‘sociedades contingentes’. Decorre daí, por conseguinte, que quem delibera sobre seus destinos são os próprios interessados, não se podendo dizer que eventuais serviços prestados pelos seus empregados, funcionários ou diretores, síndicos e demais dirigentes comunitários, sejam enquadráveis no rótulo ‘fornecedores’, conforme a nomenclatura do Código de Defesa do Consumidor” (ob. cit., p. 45).

Maria da Glória Chagas Arruda

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Aqui reside ponto importantíssimo, pois é imprescindível que haja severa

fiscalização da gestão dos planos e da EFPC pelos participantes, pelos patro-

cinadores e pelo Poder Público para que não ocorram desvios maléficos dos

recursos dos planos previdenciários para outros fins que não a concessão de

benefícios previdenciários.

Tendo em vista o importante papel social que tais entidades exercem, é neces-

sário que as suas atividades sejam rigorosamente fiscalizadas para que o seu

objeto social seja fielmente atingido.

Ante o estudo da previdência fechada e do Código de Defesa do Consumidor,

percebe-se a inaplicabilidade de tal diploma a tais relações jurídicas sob pena

de violação aos princípios técnicos e jurídicos de tão complexa relação jurídica.

A irregularidade na interpretação de tal contrato poderá acarretar importante

desequilíbrio dos planos de benefícios operados pela EFPC, fato que poderá

prejudicar a coletividade protegida, pois os verdadeiros proprietários de tais

recursos são os sujeitos que receberão os benefícios previdenciários.

* Maria da Glória Chagas Arruda é Mestre e Doutora pela PUC/SP, professora universitária e autora do livro “A inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em face da Previdência Privada Fechada”, publicado pela Ltr.

A Inaplicabilidade do CDC para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar

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Referências Bibliográficas

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