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A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DE UMA FORÇA NAVAL PARA O BRASIL Orestes Piermatei Filho, Doutor em Matemática – UFRJ; Prof. Departamento de Matemática – ICE – UFJF. [email protected] O mar é fundamental para o desenvolvimento e a sobrevivência das nações. Não há país que disponha de litoral e não identifique imensos interesses no mar. Desde épocas mais remotas, mares e oceanos são usados como via de transporte e como fonte de recursos biológicos. O desenvolvimento da tecnologia marinha permitiu a descoberta nas águas, no solo e no subsolo marinho de recursos naturais de importância capital para a humanidade. O transporte marítimo é responsável por mais de 95% do comércio exterior brasileiro. O petróleo é outra grande riqueza de nosso mar. Privados desse petróleo, a decorrente crise energética e de insumos paralisaria, em pouco tempo, o país. O petróleo proveniente do mar é uma riqueza vital para o Brasil. O gás natural é outra grande fonte de energia encontrada no mar. Os grandes depósitos descobertos na bacia de Santos, na bacia de Campos e no litoral do Espírito Santo viabilizam a consolidação do produto no mercado brasileiro, substituindo sua importação de regiões menos estáveis. A atividade pesqueira é outra potencialidade de nosso mar. No mundo, o pescado representa valiosa fonte de alimento e de geração de empregos. O potencial do mar brasileiro é imenso e vital para o desenvolvimento e sobrevivência da nação. Imensa e complexa também é a tarefa de proteger tão grande patrimônio. No mar, as fronteiras são linhas traçadas sobre uma carta náutica, só sendo respeitadas pela presença efetiva dos navios de nossa Marinha representantes do poder estatal. Encontra-se em fase de desenvolvimento pelo Ministério da Defesa do Brasil o Plano Estratégico Nacional de Defesa que tem como objetivo traçar as linhas mestras de uma estratégia de defesa para o País, realizar estudos para o reaparelhamento das Forças Armadas e reavivar a indústria de defesa de forma integrada ao processo. Membros do Governo Federal tem apresentado declarações à imprensa, onde se percebe desconhecimento ou visão equivocada no que se refere a capacitação do que deveria ser uma

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A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DE UMA FORÇA NAVAL PARA O BRASIL

Orestes Piermatei Filho, Doutor em Matemática – UFRJ;

Prof. Departamento de Matemática – ICE – UFJF. [email protected]

O mar é fundamental para o desenvolvimento e a sobrevivência das nações. Não há país

que disponha de litoral e não identifique imensos interesses no mar. Desde épocas mais remotas, mares e oceanos são usados como via de transporte e como fonte de recursos biológicos. O desenvolvimento da tecnologia marinha permitiu a descoberta nas águas, no solo e no subsolo marinho de recursos naturais de importância capital para a humanidade.

O transporte marítimo é responsável por mais de 95% do comércio exterior brasileiro. O

petróleo é outra grande riqueza de nosso mar. Privados desse petróleo, a decorrente crise energética e de insumos paralisaria, em pouco tempo, o país. O petróleo proveniente do mar é uma riqueza vital para o Brasil. O gás natural é outra grande fonte de energia encontrada no mar. Os grandes depósitos descobertos na bacia de Santos, na bacia de Campos e no litoral do Espírito Santo viabilizam a consolidação do produto no mercado brasileiro, substituindo sua importação de regiões menos estáveis. A atividade pesqueira é outra potencialidade de nosso mar. No mundo, o pescado representa valiosa fonte de alimento e de geração de empregos.

O potencial do mar brasileiro é imenso e vital para o desenvolvimento e sobrevivência

da nação. Imensa e complexa também é a tarefa de proteger tão grande patrimônio. No mar, as fronteiras são linhas traçadas sobre uma carta náutica, só sendo respeitadas pela presença efetiva dos navios de nossa Marinha representantes do poder estatal.

Encontra-se em fase de desenvolvimento pelo Ministério da Defesa do Brasil o Plano

Estratégico Nacional de Defesa que tem como objetivo traçar as linhas mestras de uma estratégia de defesa para o País, realizar estudos para o reaparelhamento das Forças Armadas e reavivar a indústria de defesa de forma integrada ao processo.

Membros do Governo Federal tem apresentado declarações à imprensa, onde se percebe

desconhecimento ou visão equivocada no que se refere a capacitação do que deveria ser uma

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marinha de guerra moderna. Isto pode ser visto em expressões do tipo: os navios de superfície são fundamentais para o transporte de tropas e para outras missões, mas tem efeitos limitados no papel de dissuadir uma força inimiga mais forte que queira se estabelecer nas águas territoriais brasileiras, onde se concentram as fontes de petróleo e os principais fluxos de comércio exterior do país.

Existem vários erros conceituais, por falhas de fundamentos, em uma única frase. Um

navio transporte de tropas é o alvo mais importante, em termos de vidas, para um suposto adversário. Sem as escoltas não haveria sua proteção. Cabe ressaltar que todas as tropas enviadas para o Haiti, e anteriormente para Angola e Moçambique, foram escoltadas por Fragatas e Corvetas.

Questiona-se a presença de uma força inimiga mais forte e que queira se estabelecer em

nossas águas territoriais brasileiras. Mas cabe lembrar que as águas territoriais brasileiras estão a 12 milhas náuticas da costa. Assim tal força inimiga estaria dentro do alcance da aviação de caça, de campos minados defensivos, de foguetes ASTROS, e de uma série de outras medidas que podem ser tomadas. Porém não devemos nos preocupar apenas com forças inimigas mais fortes, e ignorarmos as de igual ou menor capacidade que a brasileira.

Os navios patrulhas são normalmente armados com canhões de calibre de 40 mm,

armamento este ineficaz para defender as plataformas de petróleo contra navios mercantes tripulados por terroristas que queiram jogá-lo contra uma delas, por exemplo. Se ele apresenta este tipo de limitação, menos eficiente será contra navios de uma esquadra inimiga.

Navio Patrulha Bracuí (www.mar.mil.br/menu_h/fotos/navios/navios_p.htm) Os navios patrulha possuem apenas armamento de auto-defesa, logo não conseguem

criar o sentimento de dissuasão pretendido. O sentimento de dissuasão é criado por porta-aviões, fragatas de grande tonelagem, submarinos e aviação embarcada. Somente uma marinha balanceada será capaz de cumprir todas as tarefas básicas que dela se espera e que são praticadas pelas melhores marinhas do mundo.

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Navio Patrulha Bocaina (www.mar.mil.br/menu_h/fotos/navios/navios_p.htm) Ressalta-se também que os fluxos de comércio com o exterior se materializam através

dos navios mercantes. Se não existir capacidade de protegê-los em alto-mar, distantes de nossos portos, as nossas linhas de comunicações marítimas serão cortadas, eliminando o fluxo que abastece a economia nacional.

Outro erro é imaginar que se faz uma marinha de guerra apenas com a característica de

dissuasão. É necessário que se tenha um Poder Naval adequado, aprestado e balanceado, que inspire credibilidade quanto ao seu emprego, que também se evidencie por atos de presença ou demonstrações de força, quando e onde for oportuno, para coibir qualquer ameaça que se apresente.

Dado o desconhecimento dos fundamentos e a adoção equivocada de certos conceitos,

faz-se necessário alguns esclarecimentos que serão apresentados adiante.

O Poder Naval efetivo precisa ser capaz de atuar em áreas extensas, por um período de tempo ponderável, e nelas adotar atitudes tanto defensivas quanto ofensivas, explorando suas características de mobilidade, de permanência, de versatilidade e de flexibilidade.

A mobilidade representa a capacidade de deslocar-se prontamente e a grandes

distâncias, mantendo elevado nível de prontidão, ou seja, em condições de emprego imediato. A permanência indica a possibilidade de operar, continuamente, com independência e por longos períodos, em áreas distantes e de grandes dimensões. A versatilidade permite regular o poder de destruição e alterar a postura militar, mantendo a aptidão para executar uma ampla gama de tarefas. A flexibilidade significa a capacidade de organizar grupamentos operativos de diferentes valores, em função da missão.

Estes conceitos influenciam fortemente na escolha dos equipamentos para a Marinha do

Brasil. A aquisição de UAV (Unmanned Aerial Vehicle) parece ser uma alternativa viável

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para complementar os recursos da Marinha do Brasil, porém o mesmo apresenta a característica de baixa permanência nas operações, além de não ser muito versátil. A versatilidade dos submarinos também deve ser questionada. Este meio apresenta algumas limitações, não conseguem cumprir todas as tarefas desejadas para um Poder Naval efetivo, pois essencialmente disparam torpedos ou mísseis.

Um navio de superfície pode adotar diversas posturas, como por exemplo, se posicionar

em área de disputa, se antepor a uma força inimiga, fazer disparos de advertência, sobrevoar um objetivo com seus meios aéreos, etc. Os submarinos não permitem a graduação de força, eles usam armas de destruição, partindo diretamente para o conflito. São os navios de superfície que efetivamente graduam o uso da força.

A exploração dessas características proporciona a capacidade de atuar no mar e projetar-

se sobre terra, incluindo a capacidade de operar no espaço aéreo sobrejacente, indicar intenções e comprometimento em áreas críticas para induzir atitudes favoráveis ou dissuadir as desfavoráveis, aplicar o poder de destruição ou de ameaça, graduando-o adequadamente ao momento e ao local, atuar de forma balanceada contra diversos tipos de ameaça (aérea, de submarinos e de superfície), que se apresentem isolada ou simultaneamente, entre outras.

A crise é um estado de tensão no qual a animosidade fica próxima do emprego da violência, e surge quando são geradas oportunidades de alcançar objetivos ou para proteger interesses ameaçados. Em geral uma crise surge através de atitudes e de comportamentos que indiquem ser a situação extrema compatível com razões maiores, quase sempre ocultas ou não declaradas.

A manobra de crise, normalmente, realiza-se por período restrito para a tomada de decisões e para a preparação da eventual aplicação da força. A guerra, no sentido clássico, caracteriza um conflito envolvendo o emprego de suas Forças Armadas. Desencadeia-se de forma declarada e de acordo com o Direito Internacional.

Normalmente a crise antecede a guerra e é nela que os meios navais ganham preponderância. Se um exército é deslocado para a fronteira ou a força aérea é mobilizada e desdobrada, trata-se de uma clara indicação do que se pretende fazer.

As características de uma marinha de guerra permitem que se posicione uma força em

águas internacionais e que lá permaneça por períodos prolongados, nas proximidades de áreas críticas, sem comprometer juridicamente a soberania do país-alvo e pronta para intervir, se necessário.

Assim, se uma força naval se movimentar será em águas internacionais, lembrando que

o mar territorial brasileiro é de apenas 12 milhas náuticas. O deslocamento de uma força naval é indicação de que o estadista de determinado país não ficará imobilizado, mas também não fere nenhuma regra de convivência.

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Submarino da MB (https://www.mar.mil.br/menu_h/fotos/submarinos/submarinos-p.htm)

O submarino necessita permanecer oculto, para aproveitar suas características. Então

não é o instrumento adequado para manobra de crise, onde a intenção deve ser claramente explicitada, o adversário dissuadido, por meios que podem graduar o emprego da força, que tenham permanência, visibilidade, etc.

Um exemplo foi a Guerra da Lagosta, quando em 1963 o próprio Brasil viveu um

episódio com a França, que realizava pesca predatória da lagosta no litoral do nordeste brasileiro e, em resposta aos protestos do Brasil, enviou um navio de guerra para garantir a atividade de seus pesqueiros. A chegada da Esquadra brasileira à cena de ação, apesar da impossibilidade de se vencer qualquer guerra contra a França, mudou o curso dos acontecimentos, dando clara indicação à França de que o Brasil não aceitaria a situação, o que permitiu que a disputa fosse para o foro diplomático adequado.

Existem quatro Tarefas Básicas que o Poder Naval deve ser capaz de realizar: controle de áreas marítimas, negação do uso do mar ao inimigo, projeção poder sobre terra e contribuição para a dissuasão.

Os procedimentos que servem de critérios para subsidiar essas tarefas decorrem do

planejamento estratégico efetivo. Num país que dependa do mar e que seja vulnerável a agressões dele provenientes, como no caso brasileiro, o controle de áreas de interesse para as comunicações marítimas essenciais e para a defesa do território, bem como para a preservação do patrimônio e das atividades relacionadas à Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e à plataforma continental, merecem atenção constante e prioritária.

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A negação do uso do mar ao inimigo e a projeção de poder sobre terra são tarefas cujas prioridades dependem da importância do mar para o inimigo, da vulnerabilidade ao ataque pelo mar e da situação estratégica geral.

A contribuição para a dissuasão propiciada pelo Poder Naval é conseqüência natural da

capacitação e credibilidade para realizar com efetividade as demais tarefas básicas. É desenvolvida desde o tempo de paz.

O controle de área marítima visa garantir a utilização de áreas marítimas e é exercido na

intensidade adequada à execução de atividades específicas. O mesmo constitui a atualização da idéia clássica de domínio do mar.

Como o mar não admite frentes de combate precisas, o controle dificilmente será

absoluto, embora possa se aproximar dessa condição em área limitada e por tempo restrito. O controle de área marítima pode ter os seguintes efeitos desejados: provimento de áreas de operações seguras para projeção de poder sobre terra, provimento de segurança às comunicações marítimas, consentimento de exploração e explotação dos recursos do mar e impedimento ao inimigo do uso de área marítima para projetar seu poder sobre território ou área que se deseja proteger.

Os três primeiros efeitos desejados normalmente são atingidos por meio do exercício de um elevado grau de controle da área marítima onde se encontram as forças de projeção de poder, os meios de transporte e os de exploração e explotação dos recursos do mar.

No quarto efeito desejado, destaca-se a importância do controle da área marítima

lindeira ao território que se deseja proteger, como, por exemplo, a defesa contra invasão e ataques provenientes do mar. Efetivamente, esse controle é a mais eficiente defesa que poderá ser articulada contra a projeção do poder inimigo pelo mar. Ele reduz a necessidade de empenhar, em toda a extensão do litoral protegido, forças terrestres e aéreas, liberando-as para emprego em outras áreas ou missões.

A negação do uso do mar consiste em dificultar o estabelecimento do controle de área

marítima pelo inimigo ou a exploração de tal controle. Trata-se de uma tarefa geralmente desempenhada por um Poder Naval que não tem condições de estabelecer o controle de área marítima ou quando não há interesse em mantê-lo. Sob o ponto de vista da defesa contra a projeção de poder sobre terra, negar o uso do mar ao inimigo constitui uma segurança inferior ao controle efetivo da área marítima fronteira ao território que se deseja proteger. Para a consecução dessa tarefa, deve-se visar a destruição ou neutralização das forças navais inimigas e o ataque às linhas de comunicações marítimas e aos pontos de apoio.

A projeção de poder sobre terra abrange um amplo espectro de atividades, que podem incluir: o bombardeio naval, o bombardeio aeronaval, e as operações anfíbias. Nesta tarefa, também, estão enquadrados os ataques a terra com mísseis, a partir de unidades navais e

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aeronavais. A projeção de poder sobre terra pode ter um ou mais dos seguintes propósitos: reduzir o poder inimigo, pela destruição ou neutralização de objetivos importantes; conquistar área estratégica para a conduta da guerra naval ou aérea, ou para propiciar o início de uma campanha terrestre; negar ao inimigo o uso de uma área capturada; apoiar operações em terra; e salvaguardar a vida humana ou resgatar pessoas e materiais de interesse.

A dissuasão, realizada com o emprego de meios convencionais, é concretizada pela

existência de um Poder Naval adequado, balanceado e preparado, que inspire credibilidade quanto ao seu emprego e a evidencie, por atos de presença ou demonstrações de força, quando e onde for oportuno. Esta tarefa básica é uma conseqüência da efetiva capacidade de concretizar a negação do uso do mar ao inimigo, a projeção de poder sobre terra e o controle de área marítima. A dissuasão é uma ação que deve ser executada na mente do inimigo, fazendo-o acreditar que o balanço final de suas ações implicará em perdas elevadas, levando-o a desistir através do argumento da lógica da dor e da perda. A dissuasão também é realizada através da existência de meios críveis, adestrados, armados, mostrados em operações com outros países, em visitas a portos amigos e em reportagens em meios especializados, por exemplo.

Submarino S-31 Tamoio (https://www.mar.mil.br/menu_h/fotos/submarinos/submarinos-p.htm)

A disponibilidade de submarinos dotados de propulsão nuclear amplia, sensivelmente, o

potencial de dissuasão. Esta tarefa, a dissuasão, é executada desde o tempo de paz e continua a ser desenvolvida nas variadas situações de conflito. Assim, a existência de um Poder Naval convenientemente preparado, com prontidão, favorece a dissuasão e contribui para a rapidez na resposta às situações de conflito.

É importante observar que o Controle de Área Marítima é realizado primordialmente por navios de superfície, com os meios aéreos embarcados nos mesmos. Já os submarinos não

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controlam área marítima, eles são usados para a negação do uso do mar contra uma força superior. Assim sendo, uma marinha tem que ser capaz de cumprir estas duas tarefas, que não são excludentes.

Em tempos de incerteza, sem ameaças claras, um Poder Naval será avaliado por suas

capacitações para atuar em diferentes cenários. Em termos dissuasórios, um conjunto balanceado de meios que incluam submarinos e uma força de superfície nucleada em um porta-aviões com suas escoltas produzirão, certamente, um efeito dissuasório substancial, que jamais poderá ser alcançado, por exemplo, com uma força costeira baseada em navios-patrulha.

A capacidade de controlar áreas marítimas não pode ser alcançada somente com o emprego de navios escoltas e a aviação baseada em terra, que possui limitações de raio de ação, além de demandar tempo excessivo para reagir às ameaças aéreas provenientes do mar, principalmente para a defesa de objetivos situados a muitas milhas da costa, a exemplo das plataformas de petróleo.

Cumpre ressaltar que apenas oito países, além do Brasil, possuem e operam porta-aviões (esses países são: EUA, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Rússia, Índia e Tailândia), sendo que o nosso País está incluído nesse seleto grupo, o que reforça a capacidade dissuasória do meio, além de angariar uma posição estratégica vantajosa em termos comparativos com as marinhas regionais.

Navio Aeródromo São Paulo (www.mar.mil.br/menu_h/fotos/navios/navios_p.htm)

As operações navais multinacionais são excelentes instrumentos de aproximação e ao

mesmo tempo de dissuasão. Devido a isto todos os estrategistas importantes defendem o emprego do Poder Naval em apoio à política externa do País. Contrariamente, a fragilidade do Poder Naval tende a enfraquecer as posições brasileiras nos foros de discussão internacional.

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Os militares devem se colocar como colaboradores da política externa, mas sempre se

posicionando em segundo lugar, reconhecendo a precedência do Itamaraty e das negociações diplomáticas. Porém percebe-se que o Itamaraty parece não querer contar com os militares, passa uma sensação de que reconhecer a importância dos mesmos seria reconhecer sua incompetência negociadora, que sua colaboração não poderia ser cogitada. Porém o maior incômodo parece ser a ausência de diálogo entre os militares das três forças e o Ministério da Defesa. Isto se comprova através de várias entrevistas nas quais os civis sugerem uma visão de defesa para a Marinha do Brasil inconsistente com o que é moderno e já adotado pelos militares no País. Dado o retrocesso, tudo sugere não haver interesse na colaboração dos militares no que se planeja no Ministério da Defesa.

Fragata F-40 Niterói (https://www.mar.mil.br/menu_h/fotos/navios/navios_p.htm)

A dissuasão é um valor a ser buscado em tempo de paz, por meio do efeito silencioso

proporcionado pela simples existência das forças navais que imponham respeito. O porta-aviões, escoltas e submarinos, principalmente os de propulsão nuclear, trabalham continuamente em tempos de paz. A dissuasão produzida por estes meios precisa ser bem compreendida e valorizada, pois pode representar a grande economia do custo que um conflito produziria. Por outro lado, eles serão também fundamentais para o caso da mesma falhar.

Faz-se necessário a existência de uma força naval capaz de operar tanto em áreas

oceânicas quanto próxima ao litoral de regiões conturbadas. Ela também deverá ser capaz de fazer sua própria defesa de forma eficiente, inclusive contra ameaças aéreas. Deste modo passa a ser indispensável à presença de uma aviação embarcada em um porta-aviões.

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Caça AF-1 no Nae São Paulo (https://www.mar.mil.br/menu_h/fotos/aeronaves/aeronaves_p.htm)

Uma força naval que possua um porta-aviões possuirá as características de mobilidade,

flexibilidade, versatilidade e capacidade de permanência, que permitirá cumprir um amplo espectro de missões, desde as humanitárias e de paz, até as típicas de manobra de crise ou de conflito armado.

Um Poder Naval bem aparelhado permite graduar a aplicação da força, representa de

forma eficaz um elemento de dissuasão, pois poucos países são capazes de efetivamente operar em áreas distantes do seu litoral.

Atualmente as aeronaves que compõem a ala aérea do porta-aviões “São Paulo” destinam-se, primeiramente, à defesa aérea de nossas forças navais e, secundariamente, à projeção de poder. A Marinha do Brasil tem se esforçado para atender aos requisitos de adestramento, visando às operações aéreas embarcadas.

Caça AF-1 sobrevoando ao lado do Nae São Paulo

(https://www.mar.mil.br/menu_h/fotos/aeronaves/aeronaves_p.htm)

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Por outro lado, a disponibilidade, o adestramento específico e a características das missões da aviação embarcada fazem com que as aeronaves não devam compor o sistema de defesa aeroespacial brasileiro. É fundamental que haja cooperação entre a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira, pois esta última detém maior experiência na formação e adestramento de pilotos, com sólida base doutrinária e que pode ser adaptada à aviação naval.

O porta-aviões é um componente da força naval à qual estará atribuído um papel

político-estratégico. A Marinha do Brasil deverá investir em submarinos, escoltas e em porta-aviões. É

preciso considerar que cada qual tem seu papel e, para o Brasil, todos são indispensáveis. O submarino tem a característica de ser o grande dissuasor, uma vez que sua capacidade de ocultação resulta em elevado grau de incerteza para o adversário, que para compensá-la tem que dispor de elevado número de meios para contrapor-se e com discutíveis chances contra um único submarino, tornando a razão custo/benefício extremamente favorável ao último. O submarino é insuperável na tarefa de negar o uso do mar ao inimigo, isto é, impedir que ele controle determinada área marítima, explorando-a contra nossos interesses, porém o mesmo se torna mero coadjuvante na tarefa de controlar área marítima de nosso interesse. Para isso é fundamental dispor-se de forças navais de superfície, particularmente, dotadas de porta-aviões.

Corveta V-31 Jaceguai (https://www.mar.mil.br/menu_h/fotos/navios/navios_p.htm)

O significado vital dos interesses econômicos brasileiros no mar transforma-os em

vulnerabilidades a serem defendidas. Somente um Poder Naval apropriado com a magnitude destes interesses pode garanti-los.

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É claro que se impõem aqui considerações de outra ordem: qual a ameaça? Em situação

de ameaça reduzida e até indefinida, como no presente, basta dispor de um poder capaz, não de derrotar qualquer inimigo, mas de garantir a dissuasão contra pressões militares, tornando mais atraente a via diplomática. Para alcançar tal efeito desejado, entretanto, é fundamental que os meios disponíveis e o preparo do pessoal que os opera infundam credibilidade. Deve haver qualidade e incorporar tecnologia atualizada. Esta é a estratégia que norteou a elaboração do atual Plano de Reaparelhamento da Marinha e que contempla a existência de porta-aviões, escoltas e aviação embarcada, que garanta a defesa aérea da força naval operando em alto-mar e o controle de área marítima de interesse. Sendo esta a estratégia estudada e adotada pela Marinha do Brasil, se faz necessário que a mesma seja agregada ao Plano Estratégico Nacional de Defesa, e não o contrário.

É importante que fique claro qual o papel desempenhado por caças baseados em terra e

caças embarcados. Se houver uma ameaça aérea de um país vizinho a mesma terá que ser enfrentada por aeronaves baseadas em terra. Entretanto, se a ameaça for proveniente de aeronaves voando sobre o mar, a aviação embarcada poderá interceptá-las muito antes de entrarem no raio de ação da aviação baseada em terra. Assim a aviação naval garantirá o primeiro embate, reduzindo o ímpeto do ataque e aumentado as chances de êxito do esforço conjugado de ambas as aviações.

Somente a aviação embarcada pode garantir a defesa de uma força naval contra ataques

aéreos em alto-mar. Considerar que a aviação baseada em terra possa fazê-lo significa limitar a operação dos navios às cercanias das bases aéreas capazes de operar interceptadores e, levando-se em conta o tempo de reação entre detecção, acionamento, decolagem e interceptação, o conceito de "cercanias" pode ser de tal forma limitado que, na quase totalidade dos casos, terá eliminado a razão de ser da força naval, suprimindo-lhe a mais fundamental de suas características, a mobilidade.

Aparentemente o brasileiro comum não consegue identificar nenhuma ameaça iminente.

Porém se por um lado não há ameaças, por outro, há interesses nacionais. Sendo o Brasil uma potência emergente do porte que é, dificilmente poderá o país continuar disputando espaços e mercados sem despertar antagonismos, onde a origem dos conflitos está no choque de interesses. Porém é esperada uma solução pacífica das controvérsias. Por outro lado, o recurso a tal expediente será tão mais atraente quanto menos convidativa seja a via militar.

Os conflitos surgem inesperadamente, como que do nada. Já as Forças Armadas,

existem ou não. Não há como improvisá-las. Tomada a decisão de adquirir um navio de guerra, leva cerca de cinco anos, entre projeto, construção e aprestamento, para tê-lo pronto. A formação de pessoal, em todos os níveis, leva um tempo maior, enquanto que o desenvolvimento de uma adequada cultura de emprego é assunto para muito mais tempo.

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É papel do governo, através do Ministério da Defesa, convencer a sociedade que é necessário possuirmos Forças Armadas fortes, eficientes, preparadas e bem equipadas. Deve-se igualmente fazer um estudo amplo sobre a forma de atuação das Forças Armadas e dos equipamentos necessários para cumprir suas missões. A Defesa não é problema apenas dos militares, é problema da nação, dos políticos, dos segmentos esclarecidos e de todas as camadas sociais. A discussão desses assuntos deve necessariamente envolver a todos, em particular, a Imprensa.

Por outro lado é necessário ouvir os militares, que são os especialistas em defesa neste

País, principalmente no que diz respeito aos equipamentos a serem adquiridos e as estratégias mais adequadas ao cenário que estamos inseridos. Cabe ao governo promover um amplo debate sobre a forma de atuação de cada uma das três Forças Armadas e não tentar impor uma idéia teórica ou simplista sobre os assuntos delicados que permeiam o sistema efetivo de defesa do País, o pragmatismo e as experiências adquiridas pelos militares devem ser levados em consideração nos momentos de decisão.

Seria um grande retrocesso, por exemplo, vermos a Marinha do Brasil relegada a função

de “guarda costeira”, se o governo insistir que a mesma não precisa de porta-aviões e/ou navios de combate como as fragatas e corvetas. Igualmente seria desastroso ignorar a necessidade da aviação embarcada, principalmente caças, supondo que as ameaças aéreas viriam apenas dos países vizinhos. O Brasil tem uma ampla fronteira, e as ameaças podem não surgir apenas na fronteira terrestre, seria uma grande ingenuidade e irresponsabilidade agirmos desta forma.

Para encerrarmos, vale lembrar o grande brasileiro Rui Barbosa, em sua imortal “A

Lição das Esquadras”, publicada em 16 de setembro de 1898: “Povo descuidado, abrimos as pálpebras entre dois intervalos de sesta, à brisa

da costa domada pelo sol, banhando-nos na tepidez do ar, na volúpia do

colorido, na embriaguez ambiente da luz, e banindo d’alma os pensamentos

do imprevisto, cerrando-a ao sussurro da consciência, que fala pelo rugir das

águas eternas.”

E ainda: “O mar é o grande avisador. Pô-lo Deus a bramir junto ao nosso sono, para

nos pregar que não durmamos. Por ora sua proteção nos sorri, antes de se

trocar em severidade. As raças nascidas à beira-mar não têm a licença de ser

míopes.”

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