a implementaÇÃo do jogo soma zero na aprendizagem …

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A IMPLEMENTAÇÃO DO JOGO SOMA ZERO NA APRENDIZAGEM DE NÚMEROS INTEIROS: UMA ABORDAGEM INCLUSIVA Weslley Cabral de Oliveira UEM 1 [email protected] Francielle Siqueira UEM 2 [email protected] Linha de pesquisa Educação Matemática nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. Resumo Este projeto tem por finalidade descrever um relato de experiência ocorrido em 2013 com o uso do jogo Soma Zero 3 na disciplina de Matemática, aplicado a alunos do oitavo ano do ensino fundamental, turma em que se encontrava um aluno diagnosticado com deficiência intelectual (DI). Além de ressaltar a importância de utilizar recursos alternativos em sala de aula, o trabalho foi elaborado a fim de constatar como o ensino da Matemática pode ser facilitado com o uso de jogos bem como permitir a análise da importância das relações cooperativas no desenvolvimento social e cognitivo do aluno com DI, e como essas relações interferem também na aceitação da inclusão no ambiente escolar. Palavras-chave: Matemática. Jogos educacionais. Deficiência intelectual. Cooperativismo. Introdução Segundo os PCN 4 (1998), é preciso mostrar aos alunos que a Matemática é parte do saber científico e que tem um papel central na cultura moderna, que as novas vivências e situações colocam em jogo os conhecimentos matemáticos evidenciando, aos alunos, sua importância e significado, fazendo com que se sintam mais competentes frente a esse conhecimento. Na fase final do Ensino Fundamental, o ensino da Matemática deve visar ao desenvolvimento do pensamento numérico, algébrico e geométrico, da competência métrica e, do raciocínio proporcional, estatístico e probabilístico. 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática (PCM). 2 Aluna não regular do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática (PCM). 3 Esse jogo pode ser proposto a partir do sétimo ano do ensino fundamental. 4 Parâmetros Curriculares Nacionais.

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A IMPLEMENTAÇÃO DO JOGO SOMA ZERO NA APRENDIZAGEM

DE NÚMEROS INTEIROS: UMA ABORDAGEM INCLUSIVA

Weslley Cabral de Oliveira – UEM1

[email protected]

Francielle Siqueira – UEM2

[email protected]

Linha de pesquisa

Educação Matemática nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio.

Resumo Este projeto tem por finalidade descrever um relato de experiência ocorrido em 2013 com o uso do

jogo Soma Zero3 na disciplina de Matemática, aplicado a alunos do oitavo ano do ensino fundamental,

turma em que se encontrava um aluno diagnosticado com deficiência intelectual (DI). Além de

ressaltar a importância de utilizar recursos alternativos em sala de aula, o trabalho foi elaborado a fim

de constatar como o ensino da Matemática pode ser facilitado com o uso de jogos bem como permitir

a análise da importância das relações cooperativas no desenvolvimento social e cognitivo do aluno

com DI, e como essas relações interferem também na aceitação da inclusão no ambiente escolar.

Palavras-chave: Matemática. Jogos educacionais. Deficiência intelectual. Cooperativismo.

Introdução

Segundo os PCN4 (1998), é preciso mostrar aos alunos que a Matemática é parte do

saber científico e que tem um papel central na cultura moderna, que as novas vivências e

situações colocam em jogo os conhecimentos matemáticos evidenciando, aos alunos, sua

importância e significado, fazendo com que se sintam mais competentes frente a esse

conhecimento. Na fase final do Ensino Fundamental, o ensino da Matemática deve visar ao

desenvolvimento do pensamento numérico, algébrico e geométrico, da competência métrica e,

do raciocínio proporcional, estatístico e probabilístico.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática (PCM).

2 Aluna não regular do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática (PCM).

3 Esse jogo pode ser proposto a partir do sétimo ano do ensino fundamental.

4 Parâmetros Curriculares Nacionais.

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De acordo com as DCE5 (2008), o ensino da Matemática passou a ser visto como

instrumento para a compreensão, a investigação, a inter-relação com o ambiente, e agente de

modificações do indivíduo, provocando mais do que simples acúmulo de conhecimento

técnico. É preciso, ainda, que o aluno “compreenda os conceitos e princípios matemáticos,

raciocine claramente e comunique ideias Matemáticas, reconheça suas aplicações e aborde

problemas matemáticos com segurança” (Lorenzato & Vila, 1993, p. 41).

Desta forma, o ensino da Matemática deve ser dinâmico e flexível, deve acompanhar

as Tendências da Educação Matemática e buscar extrapolar as dificuldades existentes no

processo de ensino e aprendizagem. Para que a aprendizagem possa ser efetiva e se torne

interessante, o professor pode propor situações de aprendizagem de modo a implementar o

uso de jogos ao decorrer das unidades didáticas. Tais atividades lúdicas são importantes ao

decorrer da aprendizagem e corroboram com o desenvolvimento cognitivo dos alunos, pois a

elaboração de estratégias, previsões, análise de possibilidades, cooperação e tomada de

decisões, colaboram para isso.

A motivação para o desenvolvimento deste trabalho se deu pelo fato de um dos autores

deste artigo ter participado, em 2013, do curso de aperfeiçoamento de professores ofertado

pela UNESP, campus Bauru, intitulado: Práticas Educacionais Inclusivas na área da

Deficiência Intelectual e, consequentemente, por ter escolhido participar, juntamente com o

professor da Sala de Recursos de uma escola pública, do acompanhamento de um aluno que

apresentava sérios problemas de aprendizagem e uma grande defasagem de conteúdos.

Posteriormente, após observações, questionários e relatos de professores, esse aluno foi

diagnosticado com DI.

Neste trabalho, relataremos a implementação do jogo “Soma Zero” em uma turma de

oitavo ano do ensino fundamental a fim de verificar, após diagnóstico, o desempenho desse

aluno ao retomar o conteúdo Números Inteiros ( ) na disciplina de Matemática. O objetivo

sua inclusão durante uma atividade colaborativa no grupo ao qual está inserido.

Ao decorrer do trabalho serão apresentadas algumas características desse aluno,

segundo seu professor de Matemática, e algumas características do ambiente escolar ao qual

está inserido. Com a implementação do jogo, os resultados indicam pontos favoráveis, como

sua aceitação pelos colegas de grupo e professor e desfavoráveis, como a baixa aprendizagem.

5 Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná.

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Jogos no contexto escolar

Autores como Moura (2007), Grando (2004), Starepravo (1999) e Borin (1998),

afirmam que o uso de jogos em sala de aula deve acontecer sempre com intencionalidade, que

o professor tenha objetivos ao escolher um jogo e que este seja coerente com os conteúdos

abordados no momento de estudos. O professor deve ter intenções didáticas e pedagógicas e

não deve considerar o jogo como mero divertimento e/ou passatempo para seus alunos, uma

vez que sua implementação vem a auxiliar os alunos na abstração de conceitos matemáticos e

consequentemente na aprendizagem da Matemática.

Os PCN ressaltam a importância dos jogos educativos durante o processo de ensino e

aprendizagem, ao afirmar que:

Os jogos podem contribuir para um trabalho de formação de atitudes –

enfrentar desafios, lançar-se à busca de soluções, desenvolvimento da crítica,

da intuição, da criação de estratégias e da possibilidade de alterá-las quando

o resultado não é satisfatório – necessárias para aprendizagem da

Matemática (Brasil, 1998, p. 47).

Entretanto, para que o professor possa trabalhar com jogos no ensino da Matemática

deve cuidadosamente planejar cada ação e decidir se será melhor implementá-lo no início,

meio ou fim do conteúdo em estudo. Esse planejamento envolve desde a escolha do jogo

(preferencialmente que acompanhe os conceitos abordados ou a serem abordados), sua análise

(jogar o jogo e prever possíveis jogadas – estratégias – a fim de levantar questões pertinentes

à aprendizagem dos conceitos por parte dos alunos), implementação (como procederá o jogo:

duplas, trios ou grupos maiores; viabilidade e disponibilidade dos jogos – uso de materiais

físicos ou digitais) e possíveis resultados (por meio do jogo, foi possível apresentar os

conceitos relevantes aos alunos? Ou ainda, ao concluir o conteúdo, por meio do jogo, os

alunos tiveram uma melhor compreensão do objeto estudado?).

É importante ressaltar que o professor deve participar de todo o processo. Sua

participação não será apenas na mediação do trabalho, mas é essencial que faça parte de um

ou de vários grupos para jogar com seus alunos, pois desta forma conhecerá os pensamentos,

as estratégias, as análises e as decisões dos alunos a fim de orientar todo o trabalho

pedagógico do grupo de trabalho como um todo. Starepravo (1999)

Para que o professor possibilite a implementação de jogos na sala de aula, Grando

(2004) considera sete aspectos essenciais para seu bom desenvolvimento:

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1º Passo Familiarização dos estudantes com o material do jogo: os alunos terão um

primeiro contato com o jogo proposto e poderão manipula-lo a fim de tirar

conclusões de como será o jogo.

2º Passo Reconhecimento das regras: os alunos lerão as regras do jogo ou as mesmas

poderão ser apresentadas/explicadas pelo professor aos grupos.

3º Passo Jogo pelo jogo: os alunos deverão jogar uma partida a fim de compreender as

regras do jogo para garantir que essas sejam realmente cumpridas.

4º Passo Intervenção pedagógica verbal: trata-se das intervenções realizadas verbalmente

pelo professor ao decorrer do jogo de modo a auxiliar os alunos a tirarem dúvidas

e a levantarem questionamentos e observações6.

5º Passo Registro do jogo: é por meio desse registro que o professor vai identificar o grau

de compreensão dos conceitos matemáticos apresentados, analisar as várias

representações e o grau de aperfeiçoamento cognitivo dos alunos.

6º Passo Intervenção escrita: trata-se da problematização de situações de jogo, uma vez

que os alunos podem resolver situações-problema propostas pelo professor ou por

seus colegas7.

7º Passo Jogar com competência: representa o retorno a situação real de jogo, sendo

considerados todos os aspectos anteriormente já analisados.

Quadro 1 - Sete passos para o trabalho com jogos educacionais em sala de aula (Grando, 2004).

Tendo em vista o apresentado, é possível considerar o uso de jogos no ensino da

Matemática como potencialmente importante para o desenvolvimento coletivo e cognitivo dos

alunos durante a aprendizagem. A seguir, será apresentado um breve conceito a respeito da

DI, as relações cooperativas em sala de aula e, por conseguinte, um relato de experiência.

Deficiência intelectual

Dada à importância acima apresentada do uso de jogos no ensino da Matemática, cabe

aqui, salientar outro fator igualmente importante: a realização deste trabalho com alunos que

apresentam alguma DI. O termo deficiência intelectual aqui adotado concorda com Sampaio e

Sampaio (2009) quanto ao seu uso: “Consideramos esta expressão mais adequada por

delimitar a deficiência à esfera cognitiva [...]”.

Todavia, antes de definir o que é um indivíduo deficiente, é necessário definir o

padrão de normalidade. “Em nossa sociedade, o padrão ideal de normalidade corresponde ao

6 Outra questão importante a destacar neste passo é a oportunidade dos alunos em analisarem suas jogadas e a

criarem procedimentos adequados de modo a resolverem o problema relacionando-o aos conceitos

matemáticos pertinentes (conhecimento que possui x compreensão do conhecimento apresentado). 7 Nesta etapa podem surgir aspectos ainda não evidenciados ou debatidos anteriormente durante a partida.

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sujeito jovem, do gênero masculino, branco, cristão, heterossexual, física e mentalmente

perfeito, belo e produtivo.” (Rodrigues e Leite 2012, apud Amaral 1998).

Desde os relatos da história primitiva pessoas com alguma deficiência física ou mental

eram tratadas à margem da sociedade. Muitas civilizações sacrificavam crianças logo após seu

nascimento e o motivo era um só: como sobreviviam da caça e pesca, uma pessoa não

produtiva só atrapalharia o grupo. Na idade Antiga Aristóteles e Platão eram condizentes com

o abandono e sacrifício de pessoas com deficiência física uma vez que se estes viessem a se

reproduzir poderiam gerar semelhantes.

Na Idade Média, após a difusão do cristianismo, atribui-se alma a estas pessoas,

principalmente porque Cristo teria curado leprosos, cegos e loucos. Passou-se a ter compaixão

e benevolência pelos considerados “anormais”. No entanto esta compaixão não impede atos

de crueldade física e moral que ocorreram ao longo de séculos até a Idade Contemporânea.

Somente na Idade Contemporânea médicos, psicólogos, epistemólogos passaram a

considerar a DI no âmbito de seus fatores biológicos e sociais e seu diagnóstico deve ser feito

de forma multifacetada. Porém uma prática comum adotada por especialistas para caracterizar

DI é o teste de QI (Quociente de Inteligência) que permite classificar os indivíduos de acordo

com sua deficiência cognitiva. Tal classificação levou instituições no Brasil, desde a Escola

Nova, a segregar turmas de alunos de acordo com seu QI acreditando assim que os

superdotados teriam melhores aproveitamentos e os deficientes intelectuais deveriam ter as

mínimas condições possíveis ao receber uma educação necessária, sendo então, impossível de

alcançar a “normalidade”. Tais medidas só serviram para aumentar a exclusão social de

alunos com necessidades especiais e, diagnósticos errôneos colocaram em classes especiais

alunos sem deficiência, mas que fracassavam no ambiente escolar.

Até a década de 1980, afastar os deficientes intelectuais das escolas regulares seria um

meio considerado ideal de tornar estas pessoas o mais próximo de condições normais de

vivência em sociedade. O aluno deveria adequar-se ao meio, seu fracasso escolar era atribuído

à sua necessidade especial e nada era feito de novo para torná-lo integrante participativo da

sociedade.

No Brasil, apesar da Constituição Federal, de 1988, afirmar que a educação é direito

de todos, somente nas duas últimas décadas é que se tem falado em inclusão educacional. “O

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aprovado em 1990, reitera os direitos garantidos

na Constituição: atendimento educacional especializado para portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino.” (Rodrigues e Leite, 2012)

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A inclusão é, portanto, uma inovação que implica um esforço de atualização

e reestruturação das condições atuais da maioria das escolas brasileiras. Para

uma efetiva implementação do modelo inclusivo na educação, faz-se

necessária uma profunda reorganização escolar, que vai muito além de

aceitar crianças deficientes na escola, ou até mesmo realizar adaptações

físicas ou curriculares de pequeno porte, que se restrinjam à sala de aula,

sem, contudo, contribuir para que haja uma real transformação da dinâmica

dos processos pedagógicos [...]. (Sampaio e Sampaio, 2009, p. 44)

Somente após a declaração de Salamanca em 1994, assinada por quase cem países, é

que ações que priorizam as condições de igualdade de aprendizagem e socialização

começaram a ser implementadas em nosso país. Ideias como o uso de materiais diversificados

nas aulas, qualificação de profissionais de educação, valorização das diferenças vem

lentamente ganhando espaço no ambiente escolar, portanto é papel fundamental da escola, e

do professor, criar condições de adaptação para o aluno portador de necessidades especiais.

Relações cooperativas no ambiente escolar

Não é possível falar em educação inclusiva sem falar em cooperativismo no ambiente

escolar. É necessário haver cooperação entre o educador, o professor da sala de apoio/recurso,

equipe pedagógica, pais e direção. Ao receber um aluno com DI surge uma ansiedade por

parte de todos os envolvidos e questões do tipo “como vamos proceder?”, “de que maneira

vamos agir?”, “como iremos avaliar?”. A resposta para estas questões aparece na medida em

que reuniões e trabalho em equipe são desenvolvidos.

Piaget (1973) define a cooperação com co-operação, é a ação que se constrói

por reciprocidade, pela coordenação de pontos de vista, pelas operações de

correspondência, ou complementaridade e pela existência de regras

autônomas de condutas fundamentadas no respeito mútuo. A cooperação

esta vinculada à interação, e essa, requer a formação de vínculos e

reciprocidade afetiva entre os sujeitos, o que possibilita que os sujeitos

solucionem problemas cognitivos com uma melhor qualidade, do que se

tivessem tentado solucioná-los individualmente. (Braga e Moraes, 2010

apud Piaget, p. 222)

Na sala de aula, o aluno com DI precisa sentir-se inserido naquele meio como um

integrante de igual importância, não pode ser privilegiado por sua condição, tampouco sentir-

se em desvantagem em relação aos demais. Neste ponto o trabalho do professor é criar

condições para que essa ambientação aconteça, um recurso comumente utilizado é o trabalho

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em equipe, que através de relações cooperativas irá enriquecer o aprendizado de todos os

envolvidos e em especial do aluno com DI.

Para Capellini, Zanata e Pereira, (2008) colaboração nos lembra apoio, ajuda e

companheirismo. Segundo as autoras, a colaboração está relacionada com a contribuição, ou

seja, o indivíduo deve interagir com o outro existindo ajuda mútua. Ao propor trabalhos em

duplas ou grupos o professor deve tomar cuidado e sempre diversificar sua organização, o

aluno com DI não deve ficar no grupo de um colega que por compaixão irá fazer tudo por ele,

nem em um grupo entre colegas que não o deixarão nada fazer.

Participar de um trabalho em grupo (desde que bem estruturado) permite ao aluno com

DI motivação na aprendizagem, e aos colegas, a oportunidade de compreender e aceitar a

diversidade, bem como entender que este aluno receberá uma avaliação diferenciada, uma vez

que aprende de forma diferente. Sampaio e Sampaio (2009) ressalvam a importância dessa

interação ao lembrar Vygotsky:

[...] Quando falam da diferença entre a performance solitária do aluno e o

seu desempenho quando assistido por um parceiro mais experiente, estão

abordando o conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky,

que justamente ressalta a importância de o professor estar atento ao indícios

do potencial do aluno a ser desenvolvido. E ainda ao reconhecerem os

ganhos na socialização dessas crianças. [...] (Sampaio e Sampaio, 2009, p.

103)

Portanto, é fundamental que o professor planeje atividades de cunho colaborativo, já

que a essência desse tipo de trabalho não qualifica apenas alunos com necessidades especiais,

pois melhora, significativamente, a condição de aprendizagem do grupo como um todo.

Desenvolvimento

Este Relato de Experiência é parcialmente proveniente de relatórios e atividades

desenvolvidas ao longo do primeiro semestre de 2013 no curso de Aperfeiçoamento em

Práticas Educacionais Inclusivas na área da Deficiência Intelectual8 9 ofertado na modalidade

a distância pela UNESP10

, campus BAURU.

8 Curso ofertado pelo Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial - MEC/SECADI.

9 Curso feito pelo primeiro autor desse relato.

10 UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

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O jogo “Soma Zero” foi implementado no primeiro semestre de 2013 na disciplina de

Matemática a todos os alunos com a finalidade de auxiliá-los na retomada de conteúdos em

relação às operações de adição e subtração de números inteiros.

O objetivo deste trabalho é apresentar informações coletadas por meio de relatórios e

atividades desenvolvidas em uma escola da rede pública estadual de ensino do município de

Maringá, Paraná ao decorrer do curso de aperfeiçoamento ofertado pela UNESP e, analisar o

desempenho colaborativo de um aluno diagnosticado com DI cursando o oitavo ano do ensino

fundamental.

A seguir, descreveremos brevemente algumas características desse aluno e como a

participação do grupo colaborativo se deu no seu desenvolvimento em relação à compreensão

dos conceitos matemáticos envolvidos no jogo segundo os aspectos apontados por Grando

(2004).

Relato do professor de matemática: características da escola do aluno com DI

O professor regente do aluno com DI leciona nesta escola há quase dois anos e relatou

que percebe empenho do corpo docente em desempenhar um trabalho com qualidade.

Entretanto, indica a necessidade dos professores em melhorar sua relação direta com os

alunos, principalmente aqueles que apresentam maiores dificuldades de aprendizagem e que

frequentam a Sala de Apoio e/ou Recurso no contra turno escolar. Para esses alunos, as salas

regulares superlotadas, entre 35 e 40 alunos, dificulta a aprendizagem, uma vez que os

professores não conseguem desempenhar seu papel como deveriam, pois não possuem suporte

adequado e professores auxiliares para melhor encaminharem o desenvolvimento

individualizado da aprendizagem durante as aulas. O suporte pedagógico auxilia pouco, dado

a sobrecarga de trabalho, o fato de cuidar simultaneamente de todos os alunos da escola e por

não contar com um profissional com dedicação exclusiva à educação especial.

O professor Regente, ao planejar, procura adaptar os conteúdos do currículo para que

o aluno com DI possa acompanhar a aprendizagem, mesmo que superficialmente, pois esses

conteúdos são básicos, sendo propostos pelas DCE, fundamentado pela LDB11

9394/96.

Relato do professor de matemática: características do aluno com DI

11

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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Atualmente (2013), o aluno está regularmente frequentando o oitavo ano do ensino

fundamental. Entretanto, seu professor o conhece desde o sétimo ano quando foi seu aluno,

2012. Uma vez por semana, o aluno participa da Sala de Recursos12

no contra turno escolar

para recuperar aos poucos sua grande defasagem de conteúdos na disciplina de Matemática.

Já reprovou por três vezes em diferentes séries e em consequência, sua idade/série não é

compatível com os demais alunos de sua turma. Em 2012 não ficou retido no sétimo ano

devido ao conselho de classe final ter considerado suas limitações de aprendizagem, sua

promoção de série foi aprovada com ressalvas.

Atualmente, o aluno têm dificuldades em compreender os conteúdos abordados devido

a ter dúvidas em diversos conceitos, principalmente nas quatro operações fundamentais de

números naturais: adição, subtração, multiplicação e divisão. Além de não saber corretamente

operacionalizar esses algoritmos, também se depara com dificuldades na interpretação de

situações problema, sejam elas fictícias (não pertencentes ao seu cotidiano) ou reais

(pertencentes). Outra vertente não menos importante é seu baixo conhecimento da tabuada

“raciocínio multiplicativo”, sabe do 1 ao 5 com certa autonomia (demora pra dar o resultado e

às vezes conta nos dedos), do 6 com dificuldades e as demais não sabe.

O professor ressalta que o aluno é um tanto tímido e têm dificuldades de se relacionar

com alguns colegas de sala, principalmente os que se sentam mais distantes. Entretanto, essa

questão é resolvida em dois momentos distintos, um quando o ensino é colaborativo, onde as

atividades são compartilhadas em pequenos grupos (para não haver dispersão) e outro quando

as atividades são solicitadas individualmente, uma vez que seus colegas sempre que possível

o ajuda com essas atividades durante a aula.

Apesar de todas as dificuldades com os conteúdos de Matemática, o aluno é sempre

gentil e educado. Um agravante a sua aprendizagem se deve a falta de comprometimento com

os estudos, pois não faz as atividades propostas como tarefa de casa ou as faz parcialmente.

Geralmente isso ocorre quando as aulas antecedem o fim de semana ou quando são solicitadas

depois de suas aulas semanais com o professor da Sala de Recursos. Como o professor

regente avalia praticamente todas as atividades propostas para casa, algumas vezes para não

perder a nota das atividades, o aluno acaba contando “mentirinhas” para o professor a fim de

12

O aluno em questão participa de estudos complementares no contra turno escolar desde 2011 (sexto ano).

Nestas aulas, o professor não contempla os conteúdos estudados pelo aluno no horário regular (auxilia apenas

quando o professor regente solicita trabalhos adicionais), mas, por meio da resolução de problemas, revisa os

conteúdos elementares, como as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão. Entretanto, essa

recuperação de conteúdos não está surtindo efeito, uma vez que seu desempenho não melhorou.

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acobertar e justificar as atividades ausentes ou ainda pendentes em seu caderno, mas o

professor quase nunca acata suas histórias, pois já conhece o aluno e suas justificativas vagas.

O professor acreditava que tais dificuldades estavam realmente vinculadas a algum

tipo de deficiência e em meados de 2012 solicitou que o professor da Sala de Recursos

(especializado em Educação Especial) fizesse um diagnóstico13

mais detalhado do aluno. O

resultado foi apresentado apenas no ano seguinte, cujo resultado apresentou que suas

dificuldades de aprendizagem estavam estritamente relacionadas à DI. O professor da Sala de

Recursos constatou também que o aluno não possuía dificuldades graves de escrita, apenas

precisa se adequar ao formalismo da linguagem por meio da correta ortografia de sua língua

materna, neste caso, o português. A partir desta análise, seus professores poderiam auxiliar o

aluno, segundo Emília Ferreiro apud Azenha (1995), partindo do pressuposto da Hipótese

Alfabética - quinto nível de compreensão da lecto-escrita. Entretanto, sua maior dificuldade

estava na leitura e interpretação, fator preponderante para todas as áreas do conhecimento.

Desta forma, analisando o que propõe Piaget apud Azenha (1995), o aluno se enquadrava no

nível de desenvolvimento operatório concreto e formal (3º e 4º estágio), pois possui

limitações em analisar situações concretas e, devido à série que se encontra, teria extrema

dificuldade em analisar, interpretar e resolver questões complexas, principalmente abstratas.

A partir de então, o professor procura trabalhar com atividades colaborativas, em

pequenos grupos de alunos para contemplar não apenas o aluno com DI, mas todos os

envolvidos no processo de ensino e aprendizagem de Matemática e das demais áreas do

conhecimento, já que os demais professores se propuseram a fazer o mesmo. Contudo, vale

ressaltar que mesmo o trabalho sendo colaborativo, o professor não deve desatentar-se desse

aluno ou de outros que possuam outros diagnósticos de deficiência ou síndromes.

Implementação do Jogo

O Jogo “Soma Zero” contempla, segundo as DCE, o Conteúdo Estruturante: Números

e Álgebra e, Específico: Números Inteiros ( ): operação de adição e subtração. O jogo

propõe aos alunos que somem uma carta de sua mão com uma ou várias da mesa, a fim de

13

O diagnóstico foi desenvolvido pelo professor da Sala de Recursos em conjunto com o professor Weslley

Cabral de Oliveira (um dos autores desse artigo) enquanto estava participando do curso de Aperfeiçoamento

em Práticas Educacionais Inclusivas na área da Deficiência Intelectual.

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obter zero como resultado. São 40 cartas, 20 numeradas de a com valores positivos

(números naturais) e 20 numeradas de a com valores negativos..

Primeiramente, o professor solicitou que fossem organizados oito grupos de quatro alunos e

um grupo de três, pois neste dia estavam presentes 35 alunos. O aluno com DI foi inserido em um dos

grupos de três, juntamente com outros dois alunos que conheciam o conteúdo matemático abordado e

que pudessem auxiliá-lo. Para cada grupo de alunos foi dado um jogo14

com as respectivas regras.

O professor explicou as regras que os alunos apresentaram dúvidas e deixou que explorassem

o jogo15

. Entretanto, no grupo do aluno com DI, o professor direcionou explicações mais

detalhadas para que o aluno em questão pudesse compreender as regras necessárias para

conseguir jogar. Sempre que algum grupo apresentava dúvidas e não conseguia resolver o

problema cooperativamente em seu grupo, o professor mediava auxiliando-os16

.

Após a primeira partida, o professor solicitou aos alunos que ao decorrer das demais,

em folha separada, anotassem as impressões do grupo em relação ao jogo, indicando os

conceitos matemáticos presentes, os cálculos desenvolvidos e possíveis questionamentos para

debate17

. Para os questionamentos, cada grupo deveria problematizar uma situação real de

jogo, simulando cartas que estivessem na mesa e na mão do jogador que estivesse na vez.

Depois de terminada a primeira aula e passados 15 minutos da segunda (geminada),

o professor esperou que todos os grupos terminassem as partidas para discutir as situações

problematizadoras18

. Deste momento até o término da aula, o professor apresentou aos grupos

quatro das nove situações problemas entregues para que pudessem resolver19

. Todas as quatro

situações foram analisadas, discutidas e resolvidas por algum grupo, fora quem as propôs.

Discussão dos resultados e conclusões

Em relação ao percurso da implementação do jogo “Soma Zero”, o aluno apresentou

algumas dificuldades ao operacionalizar números positivos e negativos, pois confundia as

operações e não conseguia somar dois números positivos, dois números negativos, número

positivo com negativo e vice-versa, mas, após algumas rodadas, percebeu que só somaria

14

O jogo “Soma Zero” não foi confeccionado pelos alunos desta turma, pois foi aproveitado da apresentação de

jogos matemáticos que ocorreu na última Feira de Integração entre Comunidade e Escola em 2012. Naquele

momento os alunos confeccionaram esse e outros jogos. 15

Até o momento o professor contemplou, segundo Grando (2004), os três primeiros passos. 16

Intervenção pedagógica verbal, quarto passo. 17

Registro do jogo, quinto passo. 18

Intervenção escrita, sexto passo. 19

Jogar com competência, sétimo passo (este passo representa a efetiva compreensão do jogo como um todo).

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números quando seus sinais fossem iguais, assim como: e .

Entretanto, para somar dois números, sendo um positivo e outro negativo ou vice-versa, o

aluno não compreendia, precisou de algumas partidas, várias rodadas e algumas explicações

extras para “mais ou menos” compreender, uma vez que para resolver esse tipo de questão,

ele deveria subtrair o módulo do maior número pelo módulo do menor e manter o sinal do

maior número. Contudo, em algumas situações, conseguiu resolver com números “baixos”

fazendo “continhas” no rascunho, como: e . Porém, não

conseguiu resolver esses cálculos mentalmente e tampouco, no rascunho, isso para valores

superiores a , sendo números positivos ou negativos. Em partes, apenas na socialização das

situações problematizadoras o aluno com DI pode compreender, foi quando o professor

sinalizou com o exemplo: tenho 15 reais na carteira e devo 7 reais na cantina,

vou ficar com dinheiro na carteira ou vou ficar devendo na cantina? Quanto?

Desta forma, pode-se afirmar que o uso de jogos em sala de aula é um aliado do

professor. É sabido que não é possível utilizá-los em todos os momentos e conteúdos, mas

nessa atividade auxiliou os alunos a retomarem os conceitos de números inteiros,

desenvolverem o raciocínio lógico e a resolverem operações de adição e subtração com

números positivos e negativos. Em suma, o professor considerou a atividade válida.

Referencial

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