a imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos...

96
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo P rograma de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL SÔNIA CRISTINA PORTELA A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos oficiais MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM PUC-SP São Paulo 2006

Upload: others

Post on 11-Sep-2020

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

Pont i f í c ia Univers idade Catól i ca de São PauloP r o g r a ma d e P ó s - G r a d u a ç ã o e m L in g ü í s t i c a

Ap l i c a d a e E s t u d o s d a L i n g u a g e m - L AE L

SÔNIA CRISTINA PORTELA

A imagem discursiva do trabalho educacional

nos prescritos oficiais

MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

PUC-SP

São Paulo

2006

Page 2: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

SÔNIA CRISTINA PORTELA

A imagem discursiva do trabalho do educacional

nos prescritos oficiais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística Aplicada e Estudos da linguagem, sob a orientação da Profª Drª Cecília Pérez de Souza-e-Silva.

MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA

E ESTUDOS DA LINGUAGEM

PUC-SP

São Paulo

2006

Page 4: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

____________________________________ ____________________________________ ____________________________________

Page 5: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

Ao meu amado esposo, Manoel, companheiro de tantas horas. E aos nossos filhos, Vitor e Gabriela... Minha família, minha razão de viver.

À memória de meu pai, Adalberto Portela. Aos professores desse país que buscam a educação ideal e verdadeira.

Page 6: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

AGRADECIMENTOS A todos os colegas, amigos e familiares que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho. à Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, pelas competentes orientações e pela capacidade de mostrar-me um outro modo de olhar o trabalho educacional. à Ângela Brambilla C. Lessa e à Vera Lúcia De Albuquerque Sant’anna, que participaram da banca de qualificação com inestimáveis orientações. ao grupo Atelier, pelos momentos de discussão e críticas que contribuíram para o crescimento de minha pesquisa. aos colegas do Seminário de Orientação pelas trocas enriquecedoras e pelos momentos de alegria que proporcionaram o meu crescimento como pessoa e como pesquisadora. à Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, que me possibilitou participar do Projeto Bolsa Mestrado. à Dirigente Regional de Ensino de São José dos Campos Cleyde Pião Ferraz e ao Supervisor de Ensino Altimar Costa da Silva que viabilizaram esta empreitada. à Selma, do Setor de Finanças que, com paciência, orientou-me sobre os trâmites legais para a aquisição da Bolsa Mestrado. aos meus colegas professores que me trouxeram idéias inspiradoras e que me acompanharam nesse processo, torcendo por mim. à minha querida mãe, também professora, que sempre foi para mim exemplo de vida e de trabalho. A Liliane Macau, amiga de coração, que sempre me acalmou nas horas difíceis com palavras de sabedoria e de fé.

Page 7: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

RESUMO

A presente Dissertação de Mestrado em Lingüística Aplicada insere-se na

linha de pesquisa Linguagem e Trabalho e tem como objetivo identificar a

imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim de

compreendermos a sua complexidade. Para tanto, esta pesquisa se apoiará

nos fundamentos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa

preconizada por Dominique Maingueneau (1997/2002) e nos estudos das

Ciências do Trabalho, mais especificamente da Ergonomia (René Amigues,

2002/2004) e da Ergologia (Yves Schwartz ,1998/2000). São analisados dois

prescritos oficiais, também chamados, nesta pesquisa, de documentos, os

quais foram selecionados por apresentarem referência direta ao trabalho do

professor e : (1) Política Educacional da Secretaria da Educação do Estado

de São Paulo e (2) Orientações para Elaboração do Planejamento nas

Escolas e nas Diretorias de Ensino, ambos do ano de 2004. Esses

documentos foram retirados do site htpp://cenp.edunet.sp.gov.br. A análise

discursiva pautou-se, primeiramente, nos estudos das relações

interdiscursivas que perpassam nesses prescritos, para, em seguida, utilizar-

se das categorias lingüísticas nas formas de heterogeneidade marcada e não

marcada com o objetivo de compreender o embricamento de discursos

presentes nesses documentos. Por fim, o estudo do deslizamento das

designações das esferas organizacionais e empresariais para o campo

educacional é realizado a fim de compreendermos a imagem discursiva que

se tem elaborada a partir da presença dessas designações. Essas análises

apontam para a formação de uma imagem discursiva do trabalho

educacional, a qual compõe o gênero profissional do professor, mas que não

leva em conta as dimensões reais de seu trabalho presentes em seu dia-a-

dia.

Palavras-chave: trabalho do professor, prescritos, análise do discurso.

Page 8: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

ABSTRACT

This work in Applied Linguistics inserts in the research line Language and Work and has as

objective to identify the discourse image of the work of the professor in the official prescribed

ones in order to understand its complexity. For in such a way, this research will be supported

in the theoretical beddings of the Analysis of the discourse of French line praised by

Dominique Maingueneau (1997/2002) and in the studies of Sciences of the Work, more

specifically of the Ergonomics (René Amigues, 2002/2004) and of the Ergologia (Yves

Schwartz, 1998/2000). Official ones are analyzed two prescribed, also called, in this research,

of documents, which had been selected by presenting reference to the teacher´s work: (1)

Educational Politics of the Secretariat of the Education of the State of São Paulo and (2) Rules

for Elaboration of the Planning in the Schools and the Directions of Education, both of the

year of 2004. These documents had been removed of the site htpp://cenp.edunet.sp.gov.br.

The discourse analysis was made, first, in the studies of the interdiscourses relations for, after

that, using itself of the linguistic categories of the marked forms of “heterogeneidade” and,

finally, in the identification of the type of assignments the existence in documents. From the

analysis, the character could be evidenced fluid of the lapsings, therefore they present

themselves vacant however reveal “normatizadoras” in relation to teacher´s work. The

presence of the enterprise discourse also is found in the prescribed ones, what it demonstrates

the influence of this instance in the educational context. It could be perceived, also, that the

prescribed ones for the teacher are not obtaining to day-by-day breach the barrier of the reality

of its work in the e, consequently, perhaps, can there configure one of the possible causes for

its anguish in the work.

Keywords: work of the teacher; prescribed; analysis of the discourse.

Page 9: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10

PARTE I - FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA A COMPREENSÃO D OS

DISCURSOS SOBRE O TRABALHO DO PROFESSOR

1 A ANÁLISE DO DISCURSO DE CUNHO ENUNCIATIVO-PRAGMÁ TICO

1.1 As características do discurso ..............................................................................16

1.2 As relações interdiscursivas . .................................................................................17

1.3 A formação discursiva e campo discursivo ...........................................................20

2 A RELAÇÃO LINGUAGEM E TRABALHO

2.1 As áreas do conhecimento e as ciências do trabalho ..............................................23

2.2 Trabalho e linguagem ..............................................................................................28

3 O ENSINO COM ESTATUTO DE PROFISSÃO

3.1 Os níveis de prescrição para o professor .................................................................32

3.2 Gênero profissional e estilo profissional do professor ............................................41

3.3 O discurso empresarial na educação ........................................................................47

PARTE II- METODOLOGIA

1 DEFININDO UM CAMINHO METODOLÓGICO .................................................54

2 OS PRESCRITOS NA EDUCAÇÃO

2.1 O universo discursivo dos prescritos para a educação nacional...............................57

2.2 Os prescritos para a educação no Estado de São Paulo ............................................59

2.2.1 Primeiro Prescrito: Política Educacional da SEE do Estado de São Paulo.....62

Page 10: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

2.2.2 Segundo Prescrito:Orientações para Elaboração do Planejamento nas Escolas

e nas Diretorias de Ensino .........................................................................64

PARTE III- ANÁLISE DISCURSIVA DOS PRESCRITOS

1 O PROCESSO INTERDISCURSIVO NOS PRESCRITOS EDUCACIONAIS

1.1 As relações interdiscursivas .......................................................................................66

1.2 Os coenunciadores.......................................................................................................74

2 O deslizamento das designações do discurso empresarial para o discurso educacional...78

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................85

REFERÊNCIAS.................................................................................................................88

ANEXO I : Política Educacional do Estado de São Paulo...................................................91

ANEXO II : Orientações para o Planejamento nas Escolas e nas Diretorias de Ensino......92

ANEXO III: Lista de bons comportamentos do funcionário...............................................93

Page 11: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

10

INTRODUÇÃO

A pesquisa de mestrado que aqui apresentamos foi desenvolvida no

Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem

(LAEL-PUC-SP) e insere-se na linha de pesquisa Linguagem e Trabalho. A fim de

contextualizar nossa linha de pesquisa dentro da Lingüística Aplicada, achamos

necessário, primeiramente, apresentar as especificidades entre essa área e a

Lingüística chamada “pura”, uma vez que ambas possuem características

diferentes, bem como funções distintas a serem desenvolvidas por seus

estudiosos. É assim que, de um lado, encontram-se os lingüistas aplicados que

estão “diretamente empenhados na solução de problemas humanos que derivam

dos vários usos da linguagem, (...) estão envolvidos em trabalho que tem uma

dimensão especialmente dinâmica” (Celani:1992:21). De outro, os lingüistas que

se firmam ”no empenho de resolver problemas lingüísticos, relacionados com

alguns dos subsistemas da linguagem, que podem ser tornados estáticos, podem

encontrar-se isolados das variáveis complexas que afetam o comportamento

humano” (ibidem).

Esses excertos apontam para o caráter dinâmico da Lingüística Aplicada

em relação ao caráter estático da Lingüística dita “pura”. Todavia, a Lingüística

Aplicada apresenta, dentro de seu campo de estudo, várias correntes. A mais

conhecida é aquela que se filia aos problemas e às preocupações com o ensino e

a aprendizagem de língua e à formação de professores, com o desenvolvimento

de currículos e programas lingüísticos. Uma outra contempla os estudos de vários

subcampos: lingüística de corpus, lingüística forense, estudos de tradução e

interpretação, bilingüismo (...).A terceira contempla a Lingüística como

conhecimento básico no trabalho dos lingüistas aplicados, mas busca outros

conhecimentos especializados de outras disciplinas, como a Ergonomia e a

Ergologia. (Souza-e-Silva, 2004).

Ainda conforme Souza-e-Silva, a Lingüística Aplicada, por seu caráter

interdisciplinar, constitui-se como “pilar dos estudos do grupo de pesquisa

Page 12: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

11

Atelier/PUC-SP1, o qual envolve pesquisadores docentes e discentes de

instituições de pesquisa no Brasil e na França. Este grupo tem como premissa

pensar a linguagem na relação com o trabalho e apresenta as seguintes

especificidades: (a) o estudo das práticas de linguagem em situação de trabalho;

(b)o estudo dos discursos que remetem à atividade de linguagem em diferentes

contextos e, também, (c) o estudo dos discursos sobre o tema trabalho. Nossa

pesquisa, então, inclui-se na última vertente dos estudos do grupo, na qual

desenvolvemos uma análise discursiva de documentos que se referem ao trabalho

do professor. Nessa vertente, o analista do discurso tem a possibilidade de

desenvolver uma investigação peculiar, pois, ao contribuir com os estudos da

linguagem no entendimento dos discursos sobre o trabalho do professor, ele pode

participar na solução desses problemas humanos e na compreensão das questões

polêmicas de seu tempo.

Nosso objetivo principal de pesquisa é, pois, identificar a imagem discursiva

do trabalho educacional do professor nos prescritos oficiais do Estado de São

Paulo a fim de entendermos a complexidade desse trabalho e, mais

especificamente, refletir sobre as relações interdiscursivas que perpassam nesses

prescritos, as quais trazem características conceituais e linguageiras, não apenas

de instâncias educacionais, mas provenientes também das esferas político-

ideológicas e empresariais.

Como analistas do discurso, com o objetivo de compreender essas

questões discursivas que envolvem o trabalho do professor, escolhemos textos

escritos oriundos da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, os quais, a

nosso ver, apresentam certo distanciamento das condições reais de trabalho,

problema que nos motivou a realizar esta investigação.

1 Grupo coordenado pela Profª Drª Maria Cecília P. de Souza-e-Silva, certificado pelo CNPq e que trata das questões voltadas para a relação Linguagem e trabalho, sendo formalizado, em 1997, por meio do acordo Capes-Cofecub entre o grupo da PUC/SP, a PUC/RJ e e UFRJ, do lado brasileiro; e a Université de Rouen e a Université de Provence, do lado francês.

Page 13: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

12

Nesta pesquisa, esses escritos foram chamados de prescritos ou

documentos. Esses textos direcionam e norteiam o trabalho docente e dos

profissionais da educação, pois apresentam diretrizes e normas de ordem política,

organizacional e pedagógica que vão direcionar os “caminhos” das escolas

públicas paulistas, em uma das quais exerço o meu trabalho como professora.

E para compreendermos as relações interdiscursivas que atravessam

esses prescritos, optamos por lançar mão dos recursos lingüístico-enunciativos da

análise do discurso, em especial, a de linha francesa, desenvolvida por

Maingueneau.

Desse modo, algumas questões iniciais surgiram. Primeiramente, a questão

de se estudar textos prescritivos sobre o trabalho do professor. Qual a importância

desse procedimento para a compreensão de seu trabalho? Em segundo lugar, que

imagem do trabalho do professor os prescritos constróem? E, por fim, quais os

discursos que estão dialogando nesses prescritos sobre o trabalho educacional?

Essas perguntas que, de início, nortearam a pesquisa, foram encontrando

respostas no decorrer da investigação, mas elas não foram suficientes para

compormos a imagem do trabalho docente e suscitaram, posteriormente, outras

indagações referentes à noção de trabalho individualizado e trabalho coletivo e

mais: se as prescrições para o professor sempre existiram, por que razão, cada

vez mais, elas desencadeiam incômodos nesse profissional? Esses

questionamentos acrescentaram mais um viés a ser tomado na pesquisa, o qual

trouxe à tona a questão do trabalho do professor que, muitas vezes, é visto como

fragmentado e individualizado dentro da escola e tido como uma atividade voltada

unicamente para o alcance dos objetivos de sua disciplina administrada em sala.

Assim, o enfoque apresentado logo no início dessa dissertação procura

mostrar que um trabalho de pesquisa voltado para o ensino como trabalho –

tomado no sentido da Ergonomia (Amigues, 2002) - é um conceito em construção

no cenário acadêmico e traz alguns desafios que precisam ser acolhidos por

Page 14: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

13

outros pesquisadores, uma vez que há poucas investigações sobre o tema nesse

sentido. Normalmente, os estudos sobre o professor abrangem questões voltadas

para a sua atuação didática em sala de aula ou, então, para as reflexões

pedagógicas que este precisa conhecer a fim de desenvolver corretamente o

conteúdo de sua disciplina e não se voltam para os textos prescritivos que incidem

direta e indiretamente na relação prescrição e trabalho.

Também Souza-e-Silva (2003) fala sobre o ensino como trabalho e ressalta

o papel das prescrições na organização do trabalho docente. Para a autora, “Tais

prescrições, às vezes muito coercitivas, outras extremamente vagas, por vezes

contraditórias, não podem ser ignoradas se se quer compreender o que é possível

fazer, o que é autorizado, tolerado ou proibido.” É importante, então, entender o

trabalho do professor também a partir dos mecanismos subjacentes que

influenciam a sua atividade, os quais precisam ser explicitados e explicados,

lacuna que uma análise ergonômica do trabalho pode preencher.

Para apresentarmos, então, esta pesquisa, organizamos os nossos estudos

em três momentos. No primeiro, apresentamos os fundamentos teóricos para a

compreensão dos discursos sobre o trabalho do professor, apresentando as bases

da análise do discurso de cunho enunciativo-pragmático, a relação linguagem e

trabalho e o ensino com estatuto de profissão. Nesse capítulo, a intenção maior é

contribuir para que os estudos da linguagem de base enunciativa-discursiva

participem do entendimento das questões contemporâneas referentes ao universo

dos estudos do trabalho – Ergonomia e Ergologia.

O segundo momento expõe o caminho metodológico que foi definido a fim

de se alcançar os objetivos propostos inicialmente, apresentando os prescritos e

as características discursivas de cada documento. Por se tratar de uma pesquisa

que se respalda em documentos escritos próprios de uma esfera educacional de

nível estadual, houve a necessidade de se delimitar um “campo” dentro dessa

“formação discursiva” mais ampla. Assim, buscando o entendimento do trabalho

docente a partir das prescrições que o influenciam, optamos pelos documentos

Page 15: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

14

que apresentam as diretrizes políticas e ideológicas que vão direcionar a

educação no Estado de São Paulo. São eles: Política Educacional da SEE do

Estado de São Paulo e Orientações para Elaboração do Planejamento nas

Escolas e Diretorias de Ensino.

No caso desses documentos, justamente por se referirem a vários níveis de

organização educacional – avaliação dos alunos, desenvolvimento de currículo,

inclusão escolar, melhoria das estruturas físicas da escola – ativemo-nos aos

discursos que se referem diretamente a questões pertinentes ao trabalho

educacional e, mais especificamente, do professor, procurando analisar a

influência do universo empresarial no educacional, uma vez que, nesses

documentos, encontram-se, agora, designações dessa esfera referentes ao

professor como, por exemplo gestor do processo de ensino aprendizagem.

Também optamos por apresentar, nesse segundo momento, os enunciados de

natureza político-ideológica e institucional por serem, de acordo com nosso

enfoque teórico da Análise do Discurso, condição primeira para a compreensão do

contexto sócio-histórico nos quais esses documentos foram produzidos.

O terceiro momento está dedicado à análise discursiva dos documentos, a

qual possibilita estabelecer relações interdiscursivas presentes nesse corpus por

meio dos fatores de heterogeneidade do discurso e das categorias de análise dos

estudos da linguagem que, em nosso caso, firmam-se nas marcas de enunciação:

enunciador e coenunciador - e no deslizamento das designações das instâncias

técnicas-organizacionais para a esfera educacional. Os resultados dessa análise

permitiram-nos compreender o caráter injuntivo de vários discursos presentes

nesse corpus, o que nos possibilita contribuir, como lingüistas aplicados, com as

outras áreas interessadas (Ergonomia e Ergologia).

E, por fim, as considerações finais que apontam para outras perspectivas

sobre o trabalho do professor. Incluem-se, aqui, a necessidade de se realizarem

pesquisas em situação de trabalho e pesquisas feitas a partir de textos que

Page 16: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

15

prescrevem o trabalho docente, além de investigações que procurem a voz do

professor sobre o seu trabalho.

Ressaltamos que algumas considerações mais abrangentes sobre o

trabalho educacional apresentadas, nesta pesquisa, como a questão das

expectativas do professor em relação ao trabalho pedagógico e ao discurso do

“governo” sobre a educação, além de respaldarem-se em estudos e reflexões da

área de educação, também apóiam-se em nossa vivência como professora de

escola pública e em nosso convívio diário com os profissionais do ensino nas

escolas do nosso estado, condição que também nos motivou a estudar o papel

dos textos prescritivos dentro do universo educacional.

Passamos, então, à apresentação dos princípios teóricos da nossa

pesquisa. Explicitar a articulação da análise do discurso de base enunciativa-

pragmática com as ciências do trabalho, caracteriza-se como o primeiro momento

de nossa dissertação .

Page 17: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

16

PARTE 1 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA A COMPREE NSÃO DOS

DISCURSOS SOBRE O TRABALHO DO PROFESSOR 1. A ANÁLISE DO DISCURSO DE CUNHO ENUNCIATIVO-PRAGM ÁTICO

1.1 As características do discurso

Já é de conhecimento consensual que o termo discurso assume diferentes

sentidos e revela posições epistemológicas distintas de acordo com as diversas

correntes da filosofia e das ciências da linguagem a que a expressão se

apresenta filiada. Todavia, para muitos, essa distinção não apresenta relevância

quando o termo é tomado em seu aspecto amplo. Em relação a essa acepção

mais ampla de discurso, Maingueneau (2002:51) diz que

No uso comum, chamamos de “discurso” os enunciados solenes (‘o

presidente fez um discurso”), ou, pejorativamente, as falas inconseqüentes

(“tudo isso é só um discurso”). O termo pode também designar qualquer

uso restrito da língua: “o discurso islâmico”, o discurso político”, “o discurso

administrativo”, “o discurso polêmico”, “o discurso dos jovens” etc.

E, naturalmente, encontramos na esfera didática do ensino de língua a

conhecida acepção do discurso direto e indireto tão usualmente trabalhada nas

escolas pelos professores de português, caracterizando-se como uma prática

escolar condicionada a uma visão lingüística estrutural, em que se estudava a

frase2 desvinculada de qualquer contexto.

Mas quando, a partir dos anos oitenta, com o desenvolvimento das

correntes pragmáticas e enunciativas, vão-se confirmando os pressupostos de que

2 Na perspectiva enunciativa, a frase não se veicula a um dado contexto particular, estando desarticulada da qualquer situação de enunciação. (Maingueneau, 2002)

Page 18: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

17

a linguagem não é transparente, tampouco direcionada e interpretada

uniformemente pelos seus coenunciadores, cada vez mais a noção de discurso

assume seu caráter pragmático e interativo oriundo das ciências da linguagem.

É assim que, nessa perspectiva, a designação discurso vai se constituindo

de determinadas posições que reforçarão os fundamentos de uma outra forma de

conceber a linguagem. Sob esse ponto de vista, a enunciação traz caráter de

“interatividade”3 que é constitutivo da linguagem e mesmo que essa interatividade

não seja explícita entre o enunciador e o co-enunciador, a instância do outro

sempre estará presente nas formas de enunciação, pois o discurso é discurso

justamente por se remeter a um sujeito, a um EU, que está embricado em um

contexto no qual pessoa, tempo e espaço são constituintes da enunciação. Todos

esses fatores indicam a atitude4 que o enunciador assume em relação àquilo que

diz e também em relação a quem diz (seu co-enunciador).

Tal posicionamento demonstra a relação de força em que se constitui o

discurso. Nele, muitos aspectos estão envolvidos e cooperam para que as

relações interdiscursivas assumam caráter organizacional que vai mais além dos

estudos tradicionais que se baseavam fortemente nos aspectos lingüísticos da

linguagem, para dar, também, importância, às instâncias sociais e políticas que

também são inerentes ao discurso.

1.2 As relações interdiscursivas

Hoje em dia, considerar, então, o discurso sob uma concepção teórica

estruturalista em que o mesmo é concebido como uma atividade primeira,

progenitora de idéias e textos e desvinculada de qualquer contexto, caracteriza-se

como uma postura tradicional que não dá conta das questões reais que vêem a

3 Aspas de D. Maingueneau (2002) 4 Destaque de D. Maingueneau (idem)

Page 19: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

18

linguagem como dispositivo vivo das relações humanas em contextos concretos e

determinados.

A partir desta constatação, o analista do discurso de tradição francesa

concebe o discurso mediante alguns critérios, os quais têm como base, segundo

Maingueneau (idem), os textos produzidos:

- no quadro de instituições que restringem fortemente a enunciação;

- nos quais se cristalizam conflitos históricos, sociais, etc.;

- que delimitam um espaço próprio no interior de um interdiscurso limitado.

Logo, é dentro desse quadro que o discurso passa a ter sentido por ser

atravessado por outros discursos. Ainda nas palavras de Maingueneau, “O

discurso só adquire sentido no interior de um universo de outros discursos, lugar

no qual ele deve traçar seu caminho. Para interpretar qualquer enunciado, é

necessário relacioná-lo a muitos outros /.../ “

No caso desta pesquisa, o princípio do interdiscurso é imprescindível para

alicerçar a análise dos documentos da SEE no que diz respeito ao trabalho do

professor, pois a identificação e o entendimento do contexto sócio-político e

cultural no qual os discursos são produzidos, contribuem para a compreensão dos

sentidos aí produzidos. E, no bojo desse princípio amplo de interdiscursividade, as

noções de heterogeneidade constitutiva e heterogeneidade mostrada também se

fazem necessárias para entendermos as relações internas entre os discursos.

Como se sabe, essas expressões surgiram em 1982 com J. Authier

(Maingueneau, 1998), para designar o embricamento de um discurso externo em

um discurso interno, mostrando, dessa forma, o caráter subjetivo do enunciado e

do enunciador. Nessa perspectiva, o enunciador estaria, por meio de seu

enunciado, considerando o seu co-enunciador já na sua enunciação. Dessa forma,

a presença do “outro” constaria como aspecto inerente ao discurso, sendo uma

Page 20: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

19

das condições que, ao lado do contexto social, político e econômico, iriam

determinar o sentido do enunciado em relação aos coenunciadores.

É dentro dessas referências que a heterogeneidade mostrada ou

representada se caracteriza pelas formas marcadas e não marcadas. Segundo

Maingueneau (op. cit.), a heterogeneidade do discurso não marcada se apresenta

mediante os índices textuais e os conhecimentos que os coenunciadores trazem

consigo, como o discurso indireto livre, as alusões, a ironia..., conhecimentos

esses oriundos da sua cultura e do contato com a escrita e a leitura.

Por sua vez, a heterogeneidade constitutiva, de modo diverso, não seria

reconhecida na materialidade da língua ou na abordagem lingüística pura, pois

o discurso é dominado pelo interdiscurso. Assim, é não apenas um espaço

onde vem se introduzir o discurso outro, ele é constituído através de um

debate com a alteridade, independente de toda marca visível de citação,

alusão etc. /.../ Daí decorre o caráter profundamente dialógico de todo

enunciado do discurso, a impossibilidade de dissociar a interação dos

discursos do funcionamento intradiscursivo. [ interdiscurso] (Maingueneau,

op.cit.)

Como se deduz do trecho apresentado acima, é certo que o interdiscurso

tem primazia sobre o discurso. Por conseguinte, uma análise adequada se realiza

no espaço de troca entre os vários discursos que estão presentes numa formação

discursiva e é na intersecção desses discursos que o princípio da

heterogeneidade se manifesta com força mais evidente e, ao mesmo tempo, mais

abstrata.

Portanto, nesta pesquisa, as categorias de análise lingüística baseadas nas

noções de heterogeneidade podem nos ajudar a responder algumas questões.

Assim, quais discursos podem ser apreendidos por meio do princípio da

heterogeneidade marcada? E quais discursos, nos prescritos, podem ser

Page 21: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

20

explicitados de acordo com a categoria de análise da heterogeneidade

constitutiva?

Primeiramente, vamos nos deter nas formas marcadas de heterogeneidade,

as quais, apresentam-se mais claramente do ponto-de-vista lingüístico, mas nem

por essa razão, deixam de expressar a subjetividade da linguagem, pois, mesmo

sendo modalidades explícitas lingüisticamente, não deixam de constituírem-se

como fator assertivo de não transparência da enunciação – visão tradicional na

qual a materialidade lingüística possibilitaria uma compreensão uniforme do

enunciado . É o caso dos discursos direto e indireto, das aspas e dos grupos

proposicionais (segundo fulano..., conforme fulano...., para fulano... Ainda

conforme Maingueneau, o uso desses grupos proposicionais estabelece uma

distinção entre as idéias do enunciador e as idéias daquele de quem ele recupera

o discurso. Esse princípio da alteridade, então, inscreve-se numa esfera discursiva

em que a questão do outro é relevante para as relações interdiscursivas.

1.3 A formação discursiva e o campo discursivo

Até este momento, temos admitido que a análise do discurso aqui

preconizada, apóia-se na análise do discurso da escola francesa, pois

acreditamos que a relação entre o ideológico e o lingüístico é necessária para uma

compreensão maior das relações discursivas que estão presentes nos discursos

de nosso cotidiano. Dentro dessa perspectiva de análise, a preferência pela

formação discursiva se impõe como característica relevante dessa escola que

preza o corpus escrito como objeto de estudo, pois, este, em função da história,

dos enquadres institucionais e dos discursos ideológicos apresentam em sua

organização discursiva objetos reais de estudo que podem ser analisados

pertinentemente de acordo com os conceitos e métodos da análise do discurso

francesa de base enunciativa-pragmática.

Page 22: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

21

Dessa forma, é importante que o analista do discurso faça um levantamento

dos textos que circulam no universo discursivo5 de seu campo de interesse,

analisando a intersecção dos vários textos ali presentes, já que o estudo dos

mesmos, desvinculado das esferas sociais, econômicas e políticas nas quais

estão inseridos e também deslocado de suas condições de produção enunciativas,

configurar-se-ia ineficaz para resolver os conflitos e lacunas dos e nos quais os

discursos são constituídos.

Portanto, para o analista do discurso, dimensionar o universo discursivo

para que ele não se perca diante de um corpus de análise abrangente é primordial

para um estudo que procura aproximar-se, conforme Pêcheux preconiza, dos

níveis opacos à ação estratégica de um sujeito. Por isso, é necessário que se

especifique uma outra dimensão dentro do universo discursivo – a formação

discursiva, designação que provém da obra A arqueologia do saber de J.

Althusser e redefinido por M. Foucault que procurou conciliar a idéia de teoria,

com a de ideologia e de ciência, que são conceitos tradicionais dos estudos

científicos. Entretanto, com Pêcheux, essa expressão tornou-se conceito

importante para a análise do discurso.

Para o autor

toda formação social, passível de se caracterizar por uma certa relação

entre classes sociais, implica a existência de posições políticas e

ideológicas, que não são o feito de indivíduos, mas que se organizam em

formações que mantêm entre si relações de antagonismo, de aliança ou de

dominação. ( Apud Maingueneau, 2000:68).

A definição de M. Pêcheux coloca-nos frente a uma situação de análise

que, no caso desta pesquisa, como já foi explicitado anteriormente, configura-se

na análise de prescritos oriundos de um lugar institucional que é a SEE. Esse

5 Segundo D. Maingueneau (op.cit.) trata-se de uma extensão conceitual abrangente, que toma o conjunto de formações discursivas de todos os tipos que interagem numa conjuntura dada

Page 23: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

22

órgão é uma instituição do governo e, conseqüentemente, traz discursos que

estão em constante diálogo com as outras instâncias6 que atuam nesse órgão

oficial de educação. Entretanto, ao termos a visão da formação discursiva na qual

está calcado o sistema de discursos de uma determinada conjuntura histórica, é

necessário que percorramos a história desses discursos, não apenas para

conhecê-los e interpretá-los, mas também para termos condições de fazer um

recorte a fim de delimitar o corpus a ser analisado. Daí a necessidade de se

vislumbrar o campo discursivo em que há uma dimensão menor de uma formação

discursiva.

É importante não fazer dessas designações fatias isoladas de análise, o

que pode em um primeiro momento, mostrar-se como elemento facilitador para o

analista do discurso, mas perceber que as esferas discursivas estão

constantemente embricadas umas nas outras, confirmando a heterogeneidade do

discurso. Essa característica do interdiscurso impõe ao pesquisador uma reflexão

exaustiva, pois, conforme Maingueneau (2005), um campo discursivo dentro de

uma formação discursiva não garante que um discurso se “constitua da mesma

forma com todos os discursos desse campo; e isso em razão de sua evidente

heterogeneidade: uma hierarquia instável opõe discursos dominantes e

dominados e eles não se situam todos necessariamente no mesmo plano.”

Para exemplificar a questão do campo discursivo dentro da formação

discursiva, tomemos como referência, o panorama educacional da Alemanha de

1920 a 1940, o qual trazia, conforme conhecemos dos estudos sobre aquele

momento histórico, a ideologia que ressaltava a educação moral e cívica e

privilegiava os valores nazifascistas de pátria, disciplina e corpos saudáveis para a

perpetuação da raça ariana (Chauí:395). Compreender esse panorama

educacional e cultural da Alemanha, sem levar em conta o contexto sócio-histórico

nem as condições econômicas e políticas do regime totalitário que repercutiam

não só na Alemanha, mas também em todo o resto do mundo, contribuiria para

6 No capítulo Metodologia, apresentarei as instâncias sociais, políticas e econômicas que caracterizam o interdiscurso dos prescritos para o professor.

Page 24: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

23

realizarmos uma análise superficial e excessivamente fragmentada de uma

formação discursiva, pois, no caso desse exemplo sobre os discursos da

Alemanha de Hitler, a não referência ao discurso fascista de Benito Mussolini na

Itália, e ao discurso nazifascista da nacional- socialista alemã, que também

utilizava o discurso marxista contra o liberalismo, deixaria muito a desejar

enquanto análise discursiva de cunho enunciativo-pragmático.

Esses princípios expostos neste primeiro capítulo sobre as relações

interdiscursivas, a formação e o campo discursivos, juntamente com o as reflexões

sobre a heterogeneidade do discurso, são importantes para que possamos, agora,

articular a análise do discurso de cunho enunciativo-pragmático com as ciências

do trabalho, partindo, primeiramente, da relação linguagem e trabalho.

2. A RELAÇÃO LINGUAGEM E TRABALHO

2.1 As áreas do conhecimento e as ciências do trab alho

Os estudos voltados para as ciências do trabalho – Ergonomia, Ergologia e

Clínica da Atividade – aprofundaram-se na França a partir da década de oitenta7

e, mais atualmente, no Brasil8. Aqui, o diálogo entre essas disciplinas com a

Lingüística Aplicada é atual e suscita estudos pertinentes para compor um outro

olhar sobre o mundo do trabalho. Daí a possibilidade de se buscar entender o

trabalho a partir de uma outra abordagem que propicie, através da materialidade

da linguagem, compreender o trabalho em si e o agir do trabalhador, não somente

pela análise de sua atividade, mas também por meio de uma análise lingüístico-

discursiva de que o lingüista aplicado pode lançar mão a fim de compreender e

7 O grupo APST ( Université de Provence- Aix-Marseille) iniciou-se em 1984 com uma proposta de análise pluridisciplinar de situação de trabalho, cujo objetivo se pautava na confrontação de saberes teóricos universitários com experiências concretas dos trabalhadores. Nesse grupo, estão engajados um lingüista, , um sociólogo, Bernard Vouillon, e um filósofo, Yves Schwartz. 8 No Brasil, o grupo Atelier é formado por pesquisadores docentes e discentes dos programas de pós-graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem LAEL da PUC-SP e do programa de pós-graduação em Letras (lingüística) da UERJ.

Page 25: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

24

auxiliar os pesquisadores de outras áreas na solução dos problemas desse

complexo universo da atividade humana.

Assim, o trabalho como atividade humana organizada em função de um

produto advindo de uma técnica de produção é tema de estudo de vários campos

do saber e analisado de acordo com os conhecimentos epistemológicos de cada

prática científica. Numa breve apresentação das ciências humanas que têm por

objeto de estudo o trabalho, Souza-e-Silva (2002) diz que “o economista aborda o

trabalho como valor do produto; o sociólogo, segundo as relações que se

estabelecem entre os diferentes atores; o psicólogo volta-se para os componentes

físicos e mentais da atividade.” A partir desta retomada concisa das áreas de

conhecimento sobre o tema trabalho, podemos compreender que cada prática

científica procura analisar essa atividade a partir das perspectivas científicas

pertinentes a seu campo de estudo, o que justifica o fato de ser inconsistente a

análise que pretenda conceber em plenitude todas as formas de se entender o

trabalho.

Para esta pesquisa, seguimos, então, o enfoque das ciências do trabalho –

primeiramente da Ergonomia e, em seguida, da Ergologia - adotando os preceitos

teóricos dessas disciplinas para a compreensão do trabalho. Em seus estudos

sobre o percurso histórico da disciplina ergonomia, Souza-e-Silva (2004),

apresenta um panorama que trata das características pertinentes à área a partir

das obras de Guérin et al (1991/2000), Noulin (1992), Montmoulin (1995),

Daniellou e Wisner (1996), ressaltando o surgimento desta disciplina na Grã-

Bretanha, em 1947, junto ao órgão da Defesa Nacional Britânico, a qual tinha

como objetivo pesquisar alternativas de bem-estar para os esforços humanos em

condições de estresse. Mais tarde, ainda na Grã-Bretanha, as pesquisas se

voltaram para os problemas de adaptação inadequada do homem à máquina, o

que demandava uma análise diferente daquela proposta inicialmente.

Enquanto isso, na França, a ergonomia adquiria uma outra perspectiva

quanto à relação homem-máquina e apresentava, também, o envolvimento de

Page 26: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

25

alguns ergonomistas com o movimento operário. Esse rumo diferente daquele

iniciado no panorama britânico, desencadeou um estudo voltado mais para as

questões epistemológicas do trabalho, daí a designação ergonomia situada ou

ergonomia da atividade, condição em que as investigações sobre o trabalho

procuram soluções de adaptação deste ao ser humano. Assim, essa perspectiva

ergonômica francófona é que vai influenciar os primeiros estudos ergonômicos

aqui, no Brasil, referentes à relação linguagem e trabalho e, mais recentemente, à

área do ensino como trabalho.

Essa abordagem ressalta a relação entre o trabalho prescrito, frente ao

trabalho real e à atividade, pois as prescrições institucionais e normativas, quer

formais ou informais, é que regulam a atividade do trabalhador e do coletivo no

ambiente profissional. E é esse preceito da ergonomia que valoriza o escrito (no

papel ou na tela) por meio de memorandos, ordens de serviços, relatórios... e o

oral, que, mesmo tendo o caráter da oralidade, não deixa de apresentar

características normatizadoras também. A relação trabalho prescrito e trabalho

real caracteriza-se, portanto, como o pilar dos estudos ergonômicos, possibilitando

pensar o trabalho por meio de uma dimensão descendente das prescrições

(Amigues, 2002) , ou seja, refere-se às prescrições que vêm das instâncias

superiores para a realização da atividade.

Essa perspectiva das prescrições é diferente quando tomamos por base,

também, as prescrições ascendentes que influenciam o trabalho docente, ou seja,

aquelas prescrições próximas que apresentam caráter “informal”, mas não menos

importante - é o caso da cobrança dos alunos, pais, colegas. Dessa forma, ao

levar em conta a dimensão das prescrições como elemento constitutivo da

atividade humana, a Ergonomia se propõe a contribuir para melhorar as condições

do trabalhador no seu ambiente de trabalho.

É assim que, na vertente atual da relação Linguagem e Trabalho, o conceito

de prescrito é importante. Esta designação apresenta duas partes: pre – aquilo

que vem antes e escrito – registro sistemático, com sentido de obrigação, de

Page 27: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

26

cumprimento. No caso de nossa pesquisa, estamos nos baseando nos estudos

de Amigues (2002) e Sousa–e–Silva (2004), os quais consideram como prescritos

os escritos que trazem a organização do trabalho, os organogramas das

instituições e a descrição oficial dos postos e das obrigações de serviço. Há,

também, os escritos funcionais, considerados úteis para efetuar o trabalho, como,

por exemplo, a ordem de serviço e os escritos não-funcionais, como o panfleto

sindical.

Apresentados os conceitos da Ergonomia da Atividade e a sua relação com

o nosso trabalho, expomos, agora, os estudos sobre a Ergologia, a qual é uma

disciplina que também se ocupa dos conceitos e considerações sobre o mundo do

trabalho. Para a Ergologia o trabalho é um campo complexo, difícil de ser definido.

Do ponto-de-vista ergológico, o trabalho nunca se reduz ao que dizem ao

trabalhador para fazer, há sempre diante de qualquer atividade a ser realizada por

ele, a renormalização dessa norma exterior em qualquer grau, há sempre uma

modificação, uma vez que trabalhar de outro modo que aquele determinado já é

constitutivo ao trabalhar do trabalhador (Schwartz, 2000). Esse enfoque

diferenciado da Ergologia permite que se veja o trabalho por meio de uma

dimensão filosófica que perpassa pela condição de um “sujeito” que se manifesta

na atividade, pois esta é constitutivamente dinâmica e conta com normas

antecedentes na forma de regras/manuais falados ou objetivos anunciados em

grupo. As renormalizações dessas regras/normas representam a organização viva

do trabalho e firmam-se no debate entre as normas antecedentes e as suas

reformulações decorrentes de cada atividade, o que caracteriza o aspecto

dinâmico do trabalho.

Nesse sentido, a investigação, sob o enfoque ergológico, tem como

primazia a subjetividadedo, pois o trabalho é “um lugar de debate, um espaço de

possíveis sempre a negociar onde não existe execução, mas uso, e o indivíduo no

seu todo é convocado na atividade.” (Schwartz, 2000). Trata-se de compreender o

uso de si, ou seja, a subjetividade do trabalhador na realização das atividades – é

a condição do trabalhador de participar do processo de trabalho e responder a ele

Page 28: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

27

conforme a sua história, os seus valores. Trata-se, também, de compreender o

uso de si a que o trabalhador recorre a fim de realizar as imposições do trabalho,

tendo por premissa as condições não perenes desse trabalho que o mobilizam e

vão se configurar conforme critérios complexos oriundos de mudanças técnicas-

organizacionais, sociais e econômicas que determinam as diretrizes do trabalho.

Para o autor, “a forma dinheiro, lucro, o critério da rentabilidade financeira” são

inscrições importantes no funcionamento do trabalho. Dessa forma, o

embricamento das relações sociais e mercantis com a dimensão complexa

humana, que se caracteriza pela singularidade da história pessoal do homem e

seu destino singular (idem, 1997), constitui o panorama histórico da situação de

trabalho a que o indivíduo se vê convocado. O autor apresenta a seguinte reflexão

sobre o uso de si:

Também quando se diz que o trabalho é uso de si, isto quer dizer então que

ele é o lugar de um problema, de uma tensão problemática, de um espaço

de possíveis sempre a se negociar: há não execução, mas uso, e isto

supõe um espectro contínuo de modalidades. É o indivíduo no seu ser que

é convocado; são, mesmo no inaparente, recursos e capacidades

infinitamente mais vastos que os que são explicitados, que a tarefa

cotidiana requer, mesmo que este apelo possa ser globalmente

esterelizantes em relação ás virtualidades individuais. (Schwartz, 2000:41)

No enfoque ergológico, há que se considerar, também, o uso de si pelos

outros, já que o trabalho é, em parte, heterodeterminado por meio de normas,

prescrições e valores constituídos historicamente. Mas quem é que faz o uso nos

atos do trabalho? Segundo Schwartz (2000), há o uso que fazem do trabalhador e

o uso que cada um faz de si mesmo. Essas instâncias podem ser positivas

quando o trabalho traz benefícios aos homens e negativa quando a sua realização

resulta em situações desconfortáveis. No caso do professor, podemos pensar

sobre a confrontação do “bom” uso e do “mal ” uso que fazem dele em relação ao

seu trabalho, isto é, “bom” uso na convocação de suas atividades docentes que

desencadeiam bem estar a ele e “mal” uso no sentido das atividades solicitadas

Page 29: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

28

que lhe trazem frustração por não serem alcançadas. Quanto ao uso que ele faz

de si mesmo, muitas vezes há, também, um descompasso, pois ele, como

trabalhador, sabe o que esperam dele e o que ele espera de si, objetivos

diferentes que nem sempre podem ser alcançados e que podem ocasionar, então,

desconforto em relação ao seu próprio trabalho e à sociedade.

Os estudos da Ergonomia e da Ergologia, ao trazerem a dimensão subjetiva

do trabalho, articulam-se com a linha atual de pesquisa Linguagem e Trabalho.

Qual a contribuição, então, do lingüista aplicado junto a essas áreas? É o que

procuramos apresentar no próximo momento desta pesquisa.

2.2 Trabalho e linguagem

Sendo a Lingüística Aplicada disciplina que incorpora dentro de seus

interesses de estudo – bilingüismo, lingüística de corpus, estudos sobre línguas

em contato, valorização e evolução lingüística, tradução e interpretação, uso da

língua em contextos profissionais, lexicografia e elaboração de dicionários,

alfabetização, aquisição de primeira e segunda língua9 -o estudo da linguagem

alicerçada no mundo real em que a língua exerce um papel básico, como ficaria,

então, a sua relação com o campo do trabalho? E, sendo o trabalho entendido

como fonte de estudo para as diversas disciplinas, como a sociologia, a economia,

a antropologia, como ficaria também essa relação com as ciências da linguagem?

Essas interrogações permeiam não só as reflexões dos lingüistas, mas

também fazem parte das abordagens dos pesquisadores de outras áreas. Na

abordagem ergológica a linguagem é entendida como

um recurso operacional da circulação temática em um espaço conceptual:

entre o trabalho, os valores e a vida, compondo um desenho construído a

9 Souza-e-Silva (2003) “Quais as contribuições da lingüística aplicada para a análise do trabalho: ?” In ERGOLOGIA E ANÁLISE DO TRABALHO: EXERCÍCIOS PLURIDISCIPLINARES..

Page 30: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

29

partir do movimento continuum descontinu da atividade. Pode ser vista,

ainda, como recurso de negociação entre valores, saberes e atividades

gerados pelas exigências epistemológicas e éticas, pelos aportes de

diferentes disciplinas (pólo dos conceitos) e pelos trabalhadores na

atividade (pólo das forças de “convocação” e “reconvocação”).

(Schwartz,1996)10

A linguagem também é vista como dispositivo para se compreender as

relações humanas no trabalho na clínica da atividade (Clot, Faïta, Fernandes e

Scheller, 2001). Numa apresentação ampla desta abordagem clínica, a dinâmica

das ações do sujeito é objeto de análise, análise esta que procura levar em conta

o desenvolvimento do sujeito, do grupo e da situação de trabalho. Nessa

perspectiva, a análise do coletivo de trabalho é relevante para se compreender a

atividade realizada e não realizada, pois os coletivos profissionais caracterizam-se

por meio das modificações realizadas junto às normas iniciais que vão

desencadear essas atividades (Amigues, 2004). Em relação aos professores,

podemos considerar como coletivo de trabalho os professores de uma escola,

aqueles que ministram uma mesma disciplina , os que trabalham em uma mesma

série...

Na clínica da atividade, a linguagem é vista como co-construtora dos

sentidos dos objetos de trabalho “tanto quanto dos significados circulantes em

uma dupla via de sentido”, como possibilidade de “propor dispositivos de

confrontação dialógica para desenvolver a análise-intervenção em situação de

trabalho” (Vieira, 2002). Nesse sentido, os gestos, as palavras constituem-se

como recurso revelador da heterogeneidade de situações presentes na atividade,

o que auxilia o pesquisador a entender a história de um determinado meio de

trabalho.

10 Y. Schwartz (2002) In Vieira M.( 2002) “ A atividade, o discurso e a clínica: uma análise dialógica do trabalho médico”

Page 31: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

30

No artigo intitulado Quais as contribuições da lingüística aplicada para a

análise do trabalho, Souza-e-Silva (2003), depois de discorrer sobre a visão de

cada área acerca da linguagem, demonstra, por meio de um raciocínio claro e

sucinto, como esses os estudos da Ergologia, Ergonomia, Clínica da Atividade

vêem a linguagem

passa-se da delimitação do simbolismo linguageiro proposto por Schwartz;

da exígua produção de discursos sobre o trabalho, comparada a de outros

referentes sociais, postulada por Boutet; da revisão teórico-metodológica

(incorporação da noção de gênero e estilo profissional e do método da auto-

confrontação) convocados por Faïta e da complexa relação do locutor com

seu dizer, tal como expressa por França, para centrá-la mais diretamente

no pesquisador. (Souza-e-Silva, 2003:14)

Dentro desse quadro de análise referente às relações linguagem e trabalho,

a autora não invalida as duas primeiras hipóteses, como o faz França (2002), ao

contrariar a hipótese em relação à falta de discursos sobre o trabalho e à

dimensão simbólica que este assume nas relações humanas e mercantis. Sem

anular esses preceitos, Souza-e-Silva avança em suas reflexões quando diz “que

o pesquisador deve aceitar o “desconforto intelectual” 11 que “subjaz ao princípio

da interdiscursividade, pois o pesquisador só pode entender o outro/trabalhador a

partir de seu lugar como pesquisador”. Essas considerações tornam-se evidentes

quando levamos em conta o fato de que se o pesquisador não conhece a fundo a

tarefa pesquisada, como poderá ele discorrer sobre ela?

Com as novas formas de organização do trabalho em que se reconhece,

então, a linguagem como dispositivo revelador das relações profissionais, há um

consenso entre os lingüistas e os analistas das situações de trabalho sobre a

necessidade de se conceber a linguagem como atividade que constitui o próprio

trabalho. Nesta perspectiva linguageira, as prescrições para o trabalho continuam

sendo objeto de estudo e reflexões para uma compreensão maior do mundo do

11 A autora empresta a expressão de Schwartz,

Page 32: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

31

trabalho, pois este está em constante evolução e solicita cada vez mais pesquisas

que busquem entender o papel dessas prescrições em seu universo.

A Lingüística Aplicada, então, enquanto campo das ciências da linguagem,

pode contribuir para o avanço dessas pesquisas que não tinham como foco as

prescrições descendentes no mundo de trabalho, pois, cada vez mais, as relações

de controle e coordenação nessa esfera caracterizam-se pela comunicação e pelo

diálogo entre as instâncias e é nessa situação de interação que os prescritos se

constituem como dispositivos de normatização e norteamento das atividades de

trabalho.

Como pesquisadores, ao procurarmos as questões iniciais sobre as

prescrições, voltamo-nos para a concepção taylorista sobre trabalho, segundo a

qual as prescrições para a realização das atividades de produção construíam

“uma imagem de neutralidade e de eficácia de acordo com a representação

burguesa da técnica como matéria que contém leis próprias, objetivas e

imparciais, às quais não se pode nem se deve opor resistência” (Moreira, Rago,

2003). Por conseguinte, recuperamos também a sua fragilidade teórica, pois hoje,

mais do que nunca, os estudos ergonômicos recentes de tradição francesa

(Amigues, 2002) mostram que há necessidade de se relacionar as prescrições

com as condições para a sua realização, assim como entender as possibilidades

de interpretação e de redefinição que elas desencadeiam.

Se, de um lado, o mundo contemporâneo impõe padrões de trabalho

calcados na valorização do trabalho organizacional e na gestão das situações de

trabalho e, de outro, permanece com a necessidade de continuar com as tarefas

de execução para o desenvolvimento do processo produtivo, condição que

perpetua a competitividade entre as pessoas e que nem sempre se caracteriza

como uma condição positiva, nada mais urgente que se busque compreender

esse organismo vivo 12que é o trabalho e que traz na sua constituição, justamente

12 Expressão metafórica que utilizo a fim de designar a complexidade da constante evolução do trabalho.

Page 33: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

32

por ser vivo, a linguagem como cerne das relações humanas de troca, de

frustração e de crescimento do “trabalhador”.

No próximo segmento, daremos continuidade às reflexões sobre o papel

das prescrições para o trabalho educacional.

3 O ENSINO COM ESTATUTO DE PROFISSÃO

3.1 Os níveis de prescrição para o professor

O interesse pelo entendimento do trabalho do professor tem início na

França, apenas no final da década de 90. Conforme Amigues (2002), o paradigma

do “pensamento docente” (aspas do autor) ressalta principalmente o estudo das

práticas efetivas dos professores, ou seja, interação em sala de aula, concepções

pedagógicas, práticas didáticas, não enfocando as prescrições que direcionam o

seu trabalho.

Essa constatação é importante porque nos faz refletir acerca do trabalho do

professor que, normalmente, é analisado a partir dos resultados positivos ou

negativos de suas estratégias pedagógicas junto aos alunos – ao que o autor

chama de estudo por baixo, não por serem estudos inferiores, mas, justamente

por enfocarem as atividades ligadas à sala de aula. Tal quadro contemporiza o

grande interesse em estudos que privilegiam as questões epistemológicas ligadas

aos conteúdos a serem transmitidos aos alunos. Normalmente, os objetos de

estudo nessas pesquisas são os saberes e as competências que se instauram na

relação ensino-aprendizagem, e não há um enfoque em relação à atividade

docente no que diz respeito ao seu trabalho a partir dos prescritos provenientes

das instâncias superiores - abordagem descendente.

Dessa maneira, as pesquisas em educação, por exemplo, preocupam-se

com questões pertinentes de uma outra ordem de investigação, aprofundando-se

Page 34: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

33

nos estudos de interação entre aluno e professor, na análise de procedimentos

para a escolha de conteúdos seriais para a classe, nas pesquisas sobre a forma

de conduzir as tarefas e as atividades em sala de aula e em outras importantes

esferas de atuação sobre as quais não nos sentimos confortáveis para discorrer

devido ao grande número de trabalhos existentes na área.

Tendo em vista que as prescrições determinam outra dimensão para a

análise do trabalho do professor, é importante considerarmos, então, a tensão que

elas desencadeiam nos docentes, pois as normas que ali estão presentes são

renormalizadas na vivência da atividade, renormalização que é efetuada pelo

próprio professor e não por terceiros. O seu trabalho, então, é analisado e

comentado por diversas instâncias pessoais e institucionais, e nem sempre por

seus pares. Segundo Amigues (2004:38):

...os valores desse trabalho não são atribuídos pelas próprias pessoas que

exercem o ofício, mas por pessoas que se acham fora dele; e geralmente

as ações dos professores são submetidas a críticas repetitivas; o que é feito

não corresponde ao que deveria ter sido feito, os professores utilizam meios

diferentes do que deveriam utilizar, etc. Em suma, trata-se de julgamentos

externos que incidem sobre a forma de fazer do professor, que não são

estudadas por si mesmas e que desenvolvem em situações reais, que

também não são objetos de uma situação particular.13

Ao se negligenciar as dimensões da atividade do professor em situação

concreta de trabalho e ao não se considerar o papel que as prescrições exercem

em seu ofício, as pesquisas e análises sobre suas ações apresentam-se limitadas,

tanto nas esferas institucionais e governamentais, como nas sociais e

acadêmicas.

Na esfera institucional, porque não se leva em conta a voz do professor-

trabalhador na elaboração de escritos sobre o seu trabalho e sobre a sua

13 Amigues,R.(2004) Trabalho do Professor e Trabalho do Ensino. In Machado”O Ensino como Trabalho”

Page 35: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

34

experiência profissional, o que propicia o surgimento de textos de motivação, que

não se articulam com as suas reais necessidades, e de documentos, que trazem

os protagonistas do agir educacional, como objetos inanimados, desvinculados de

sua reais condições de trabalho.

Na esfera social, encontra-se a visão do trabalho docente sob a

égide do sacerdócio, da doação de saberes por parte daquele que se propõe a

ensinar. Nesse cenário, são comuns citações do tipo - “professor é aquele que

ensina”, “é aquele que doa o seu saber”, o professor é o segundo pai ou a

segunda mãe”. E, embora essas citações “sem autor” 14sejam amplamente

conhecidas por todos, elas ainda se instauram dentro de uma perspectiva diluída

do que venha a ser o trabalho real do professor.

Por fim, no âmbito acadêmico, as pesquisas em Didática, Filosofia,

Sociologia... voltam-se, primeiramente, para uma visão behaviorista, na qual se

evidencia o papel da formação docente na obtenção de comportamentos

desejáveis dos professores. Também, numa outra perspectiva, são evidenciados

os aspectos cognitivistas, que associam o pensamento docente à sua atividade de

ensino e, em terceiro lugar, o professor é inscrito como sujeito singular que se

mobiliza de recursos na contextualização de sua prática-reflexiva, ou seja, o

professor repensa suas ações mediante às conjunturas e às condições de

realização de suas ações . (Saujat, 2004:11)

A abordagem da ergonomia da atividades contribui, então, para o estudo

das dimensões reais da atividade do professor, pois analisa o papel das

prescrições que normatizam o trabalho docente, bem como investiga os aspectos

formais e informais que regem o seu ofício no dia-a-dia.

Portanto, assim como em outras esferas profissionais, o trabalho do

professor consiste em utilizar as prescrições oriundas de terceiros para a

execução de sua tarefa. É o caso das normas de utilização da sala de aula,

14 Expressão aspeada e utilizada por D. Maingueneau para explicitar a noção de hiperenunciador.

Page 36: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

35

horários a serem cumpridos, roteiros de planos de ensino, procedimentos para

com alunos indisciplinados,... Essas prescrições podem propiciar uma resposta

imediata no sentido da execução efetiva da ação, o que não significa que esta

venha a ser realizada como o previsto, pois sempre haverá distância entre o

prescrito e o realizado. Por exemplo: as salas de aulas, mesmo pré-determinadas,

podem estar indisponíveis; o conteúdo previsto pode não ser dado naquele dia,

mês ou ano; a ausência da direção escolar na aplicação de penalidades junto aos

alunos pode deixar as tarefas do dia tumultuadas... Em suma, aquilo que não é

realizado também se configura como trabalho. Daí as relações entre as condições

de trabalho reais e as condições idealizadas pelas prescrições interferirem

determinantemente na atividade e na saúde do profissional.

O que se constata, nesses casos, são prescrições caracteristicamente

vistas como intrínsecas ao trabalho imediato do professor, pois elas organizam a

instância das tarefas diárias e propiciam, por sua vez, uma outra instância que é

da realização da atividade a ser inventada por ele, já que, diante de situações

imprevistas, o trabalhador lança mão dos recursos humanos, técnicos e

institucionais para resolver os problemas do trabalho, os quais nunca estão

integralmente presentes e identificáveis nas prescrições.

No que se refere a esta pesquisa, o documento A Organização da

Escola15, traz o quadro referente às características funcionais dos profissionais da

escola, inclusive a do professor. Esse documento da Secretaria Estadual de

Educação de São Paulo dirige-se aos profissionais da educação e tem a função

de orientar e oferecer um material de consulta aos profissionais que atuam nas

diretoria de ensino e nas escolas.

O quadro que apresentamos a seguir está presente no documento e

organiza-se em três segmentos: núcleo (designação dada ao coletivo de

profissionais); composição (designação dada ao profissional de cada setor do

coletivo) e função (designação referente às atribuições específicas do

15 A Organização do Ensino na Rede Estadual-Orientação para as escolas. São Paulo: SEE/SP 1998

Page 37: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

36

profissional). Podemos entender que, dada à condição específica de produção

desse documento que objetiva orientar diretorias e escolas quanto à organização

da escola, a apresentação das funções dos profissionais em cada núcleo está

pertinente com os objetivos a que ele se propõe alcançar.

A descrição das funções é restrita no quadro, uma vez que, como dissemos

anteriormente, as condições de produção nas quais o documento está inserido,

assim desencadeiam a sua apresentação.Todavia, é do conhecimento comum que

Page 38: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

37

o detalhamento das funções, normas, direitos e deveres que se caracterizam

como prescrições ora mais normatizadoras ora mais abrangentes, como é o caso

das prescrições apresentadas no quadro anterior, não deixam de provocar um

certo desconforto no profissional da educação, justamente, por apresentarem um

distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real, pois as prescrições têm

caráter frágil ao não darem conta das situações reais de trabalho.

Em relação à fragilidade das prescrições, Daniellou (2002:01) diz que existe

a questão do déficit desses escritos e cita o exemplo de um educador, a quem

confiam um adolescente, dizendo-lhe: “este jovem tem problemas com drogas, na

sua família há o alcoolismo e o incesto, faça o melhor por ele.” Para o autor, é o

domínio da subprescrição, onde a invenção, tanto dos objetivos a atingir quanto

os meios para atingir esses objetivos, descansam sobre o trabalhador, sem que

este possa levar a efeito regras conhecidas, o que poderia desempenhar um papel

importante nos problemas de saúde daqueles trabalhadores que lidam com as

questõeseducacionais.

Partindo, então, do princípio de que as prescrições exercem influência no

trabalho do professor de maneira direta, quando determinam, por exemplo, o

prazo para entrega de notas, o cumprimento de horário das aulas, a execução do

Plano de Ensino... impondo caráter sistematizador de organização no cotidiano, e

de maneira indireta, quando provêm das instâncias oficiais mais distantes como

leis, decretos, podemos entender que essa desarticulação entre as prescrições se

reflete de maneira perturbadora no trabalho do professor, pois, se de um lado ele

pode ser punido por alguma irresponsabilidade profissional, fruto de uma

prescrição imediata, de outro, ele pode se ver à margem de uma prescrição mais

abrangente, mas que não deixa de, sobremaneira, influenciar o seu trabalho direta

ou indiretamente. Por exemplo: o professor pode ser punido por se recusar a ir a

um curso de capacitação, sem se dar conta de que essa prescrição faz parte de

uma prescrição maior que está registrada no documento que traz a política

educacional de seu estado. Os diferentes níveis de prescrição exercem, portanto,

influência no trabalho educacional.

Page 39: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

38

Nesse ponto, caminhamos para a noção de ação e atividade referentes ao

trabalho do professor. São noções diferentes: “A ação e a atividade não estão

sujeitas às mesmas restrições espaciais e temporais”, pois a ação é repetida e se

remete a uma situação singular, “a condições de realização e a um objetivo bem

preciso”, a atividade deve combinar várias lógicas e várias temporalidades”

Amigues, 2004). Em suas reflexões, o autor, baseando-se em Noulin (1995), faz a

seguinte reflexão sobre a atividade:

A atividade pode ser considerada o relacionamento de diversos objetos que

leva o sujeito a fazer um acordo consigo mesmo: A atividade [é] o reflexo e

a construção de uma história: a de um sujeito ativo que arbitra entre o que

se exige dele e o que isso exige dele, a história de um sujeito dividido em

suas dimensões fisiológicas, psicológicas e sociais e que sempre deve

construir sua unicidade regulando a relação que o liga ao real e aos outros.

Essa dimensão teórica traz uma outra perspectiva para o trabalho do

professor, pois evidencia, particularmente, o debate de valores a que ele se vê

convocado a todo momento no que se refere à relação entre as prescrições e à

sua atividade de trabalho: o que vou fazer agora diante desse imprevisto? Quais

são as normas que devo seguir diante desse problema? Essas circunstâncias

ilustram o caráter “fraco” das prescrições para o professor quando este se vê à

frente de situações em que as prescrições, mesmo aquelas de cunho

regulamentar, passam pela dimensão humana, mas de uma maneira mais

presente, como é o caso, por exemplo, de se cumprir a norma regimentar junto ao

aluno que traz problemas de disciplina. Nesse exemplo, o professor pode seguir

as prescrições do regimento da escola, solicitando as aplicações disciplinares

junto ao aluno, como também ele pode agir de acordo com a seu relacionamento

pessoal com esse aluno, não o encaminhando para a direção da escola para a

aplicação das penalidades cabíveis. Enfim, diante das prescrições, ele se vê no

embate da atividade a se realizar conforme as prescrições ou conforme seus

valores.

Page 40: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

39

Se, de um lado, o professor conta com prescrições mais “próximas” e,

portanto, mais normatizadoras, como é o caso do regimento escolar, horários de

aula a serem cumpridos, prazos para entrega de notas, orientações para

elaboração do plano de ensino; de outro, ele também se vê exposto a prescrições

que lhes são mais “distantes” ou apenas norteadoras. Na primeira acepção ,

chamamos de prescrições mais normatizadoras as que s implicam uma resposta

direta do professor junto a seu coletivo de trabalho, ou seja, ele precisa entregar

as notas , chegar ao local de trabalho no horário, não faltar excessivamente...

Na segunda acepção, as prescrições mais norteadoras configurar-se iam

como aquelas de ordem política e social, como é o caso dos documentos

provenientes das instâncias superiores dos órgãos oficiais da educação brasileira

que exercem influência sobre o trabalho, não só do professor, mas de todos

aqueles que estão envolvidos com o sistema educacional do país. São os

documentos provenientes dos ministérios de educação em nível federal, das

secretarias de educação em esferas estaduais, das coordenadorias de ensino em

níveis estaduais e municipais. Caracterizam-se como prescritos mais abrangentes,

uma vez que o professor-trabalhador pode executar as suas tarefas sem

necessariamente conhecê-los adequadamente para o desenvolvimento de seu

trabalho, como por exemplo, ele pode dar suas aulas sem necessariamente

conhecer todas as leis e decretos que regem a sua função como professor.

Boutet (1993, apud Sousa - e - Silva 2000) estabelece uma tripartição de

conceitos que oferece um avanço significativo para o entendimento dos níveis de

prescrições para o trabalho. Segundo a autora, no mundo atual, devido à evolução

natural do trabalho, as empresas e instituições são levadas a produzir escritos

para as atividades a serem realizadas. Apresentam-se, então, os escritos

democráticos, os escritos normativos e os escritos para trabalhar.

Os escritos “democráticos” são produzidos pelas empresas e instituições e

têm a função de informar, difundir idéias e conhecimentos. Por essa razão,

supõem-se “democráticos”, uma vez que escrever e ler são atividades que

Page 41: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

40

permitem ao assalariado compreender a instituição, sentirem-se parte dela,

exprimir suas idéias e dela participar.

Os escritos normativos permitem diretamente o cumprimento de uma tarefa.

São aqueles que trazem instruções para a utilização de máquinas e

equipamentos, e procedimentos a serem seguidos na execução de atividades,

como as das operadores de marketing, por exemplo. O conhecimento sobre esses

escritos não é novo, o que é novo é a importância que hoje se atribui a eles.

Os escritos para trabalhar, freqüentemente, são redigidos pela própria mão

do trabalhador: notas, frases curtas, lembretes contendo apenas palavras ou

números. Normalmente são produzidos para a própria pessoa ou para os colegas

imediatos, com características não oficiais, mas importantes para a execução do

trabalho sem incidentes constantes.

O que se depreende dessa tripartição sobre os escritos, a partir de Boutet,

é que os documentos mais abrangentes, como aqueles que trazem a política

educacional e as linhas norteadoras para as escolas, seriam considerados como

escritos democráticos, justamente por não imporem regras funcionais – prazos,

normas - para os profissionais da educação. Todavia, esses ditos escritos

“democráticos” não deixam de impor uma imagem discursiva que procura causar o

efeito desejado pela instituição junto a seus profissionais.

Tendo feito essas reflexões sobre os níveis de prescrição para o professor,

passamos, agora, para o entendimento da noção de gênero profissional e estilo

profissional do professor, noções que são importantes para se reconhecer no

ensino o seu estatuto de profissão.

Page 42: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

41

3.2 Gênero Profissional e Estilo Profissional do Pr ofessor

Pensar o trabalho na sua dimensão humana é recorrer à sua história ligada

ao campo social, em que se reconhece a questão da escravidão dos homens e do

constrangimento desencadeado por esse momento vivido por parte da sociedade

mundial, bem como evocar o seu lado capitalista, no qual o “saber-fazer”

apresenta uma dimensão significativa e menos individualizada, mas, ao mesmo

tempo, “coletiva” na sua configuração.

Assim, se de um lado, podemos observar a despersonalização do trabalho

escravo em um regime de servidão e de humilhação humana, de outro, podemos

constatar que o trabalho humano é influenciado pela história, pelas coerções

econômicas e pela tradição das profissões, momento em que as características

coletivas são mais evidentes em relação ao anterior. O enfoque sobre o trabalho

aqui apresentado mostra uma análise que se baseia, principalmente, nos

princípios sociológicos e históricos do trabalho e leva particularmente em conta as

mudanças de enfoque sofridas pelo trabalho humano no decorrer da história:

primeiramente, a visão do trabalho escravo despersonalizado e, por conseguinte,

a perspectiva do trabalho fruto de concepções capitalistas.

Se o enfoque dado por esses campos das ciências humanas – Sociologia e

História-, em linhas gerais, apresenta essas características, como, então, a

Ergonomia e a Ergologia, enquanto ciências que também estudam o trabalho,

abordariam esse tema do ponto-de-vista de suas especificidades individuais e

coletivas? Derivadas desse questionamento, outras indagações mais relativas a

esta pesquisa sobre o trabalho do professor também são pertinentes nesse

momento: a partir das noções de trabalho individualizado e trabalho coletivo, o que

vem a ser a noção de gênero profissional e estilo profissional em relação ao

trabalho e, mais precisamente, em relação ao trabalho do professor? E quais

influências essas noções exercem sobre o estudo do trabalho educacional?

Page 43: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

42

Tendo sido colocadas essas questões, partimos, novamente, para o nosso

propósito delineado no início desta dissertação que é compreender a imagem

discursiva do trabalho do professor nos documentos oficiais, buscando investigar

de que forma essa imagem é construída, tendo por base as características

históricas e particulares dessa profissão.

Já que nossa tendência para se buscar a compreensão das características

de uma determinada profissão, passa pela urgência de se entender

discursivamente as histórias e particularidades da mesma, a questão das relações

coletivas é, então, um traço inaugural para que esse estudo seja efetivado.

Partindo dessa premissa, acreditamos que a dimensão coletiva arraigada das e

nas profissões configura a essência delas; trata-se de entender a dimensão

coletiva como o espectro profissional acima do trabalhador, impondo-lhe

comportamentos e metas de pensar, agir e produzir em seu ambiente de trabalho.

Os especialistas do trabalho, ergonomistas e ergologistas, inscrevem essa

atividade humana numa perspectiva histórico-cultural que visa manter juntamente

o caráter institucional e tradicional do trabalho ao lado das experiências subjetivas

na realização da ação do trabalhador. Esse enfoque, em relação ao trabalho do

professor, é desencadeador de discussões inovadoras, pois, o pesquisador, ao

adotá-lo, não se pauta em somente estudar a ação do docente em um

determinado momento ou estágio de atuação, mas procura ressaltar os atos

coletivos que são constitutivos de sua profissão, isto é, a dimensão histórica de

seu trabalho, as suas tradições, ou seja, todos os discursos passados e presentes

que compõem o espectro profissional docente e que o fazem interagir nas

situações reais de trabalho.

Visto desse modo, o trabalho traz uma memória impessoal e coletiva,

mobilizada pela ação. Segundo Clot et al. (2001:18), seria o gênero social do

ofício ou gênero profissional 16 que trazem a memória impessoal, ou seja, as

16 Para esta pesquisa, adotamos a designação gênero profissional por entendermos que esta representa o caráter amplo e, ao mesmo tempo peculiar, que as profissão apresentam.

Page 44: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

43

obrigações que são inerentes da profissão. Segundo os autores, o gênero

profissional poderia ser identificado como

os antecedentes ou os pressupostos sociais da atividade em curso, uma

memória impessoal e coletiva que dá dimensão à atividade pessoal em

situação: maneiras de se portar, maneiras de comunicar-se, maneiras de

iniciar uma atividade,e de terminá-la, maneiras de conduzi-la com eficácia a

seu objeto. Estas maneiras de abordar coisas e pessoas num dado

ambiente de trabalho formam uma lista de atos previstos e redirecionados

que a história deste ambiente selecionou.

Entender o trabalho sob essas perspectivas, é procurar compreender a

dimensão impessoal que todas as profissões apresentam, isto é, todas têm

organizadas atribuições e obrigações que são pertinentes ao grupo de

trabalhadores pertencentes àquela profissão, as quais são conhecidas através da

tradição e da história compartilhadas pelo grupo e não provenientes das

necessidades subjetivas de cada indivíduo 17. Assim, poderíamos recuperar a

idéia do espectro profissional que as profissões apresentam no sentido de que

essa designação “atrai” uma pré-definição das ações que os profissionais daquela

profissão devem ou não devem executar, configurando-se como uma espécie de

memória coletiva do grupo.

Ao apresentarem a questão do gênero da atividade por meio da bipartição

gênero social do ofício ou gênero profissional e estilo da ação, os autores

explicitam a questão da memória coletiva para o agir, de Berthoz (1997, apud Clot

et al., 2001:02)

é preciso falar de memória para o futuro, constituída de uma gama

sedimentada de técnicas intelectuais e corporais tecidas entre as palavras e

17É provável que a profissão de professor seja uma das poucas sobre a qual se pode dizer que o gênero é de domínio não só dos profissionais da classe, como também da sociedade, pois todos aqueles que passaram pelos bancos escolares, vivenciaram o modo de agir dos professores, carregando, assim ,em sua memória, os gestos dos mesmos.

Page 45: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

44

os gestos do ofício, o todo constituído, para o profissional deste meio, um

esquema “pronto para a ação”, um meio econômico de se colocar no

mesmo diapasão da situação.

As formas de ação ou os gestos do ofício que, num primeiro momento

podem estar simplesmente inseridos no gênero da atividade, justamente por

apresentarem uma “memória impessoal e coletiva que dá sua característica à

atividade em questão: maneiras de lidar, de dirigir maneiras de começar e terminar

uma atividade...” compõem um conjunto de regras coercivas que “sufocam”, mas

que, ao mesmo tempo, servem de recurso ao trabalhador, e essa memória

impessoal e coletiva a que os autores se referem, caminha, a nosso ver, para uma

esfera maior, pois, os gêneros da atividade e aí constituídos o gênero social do

ofício ou gênero profissional, enquanto esquema “pronto para a ação”, configuram-

se dentro de um campo maior que se definiria como o gênero profissional,

segundo os autores, conforme já dito.

Portanto, para nós, quando tomamos emprestada a designação gênero

profissional, adotamos uma ampliação desse conceito no sentido de avançar a

noção de “memória impessoal do grupo” para as relações sociais, culturais,

políticas e econômicas que influenciam o trabalho do profissional. É uma posição

de não nos atermos somente à situação, à atividade, ao agir diante dos

imprevistos, mas também de recuperar todos os movimentos desse coletivo

profissional face à sociedade.

É dessa forma que, quando se pensa no trabalho do professor depreendido

das prescrições oficiais, recorremos à ampliação da noção de gênero profissional

na medida em que recuperamos não só os atos convencionados que a história de

um determinado meio preserva, mas também o contexto sócio-histórico e político

nos quais esses documentos estão inseridos.

Nessa perspectiva, encontramos, por sua vez, outra característica referente

ao trabalho do professor. Se, de um lado, nós temos prescrições que apontam

Page 46: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

45

para uma visão de tradição histórica da profissão, de outro, encontramos normas

que nos conduzem diretamente à atividade dessa profissão. Assim, há prescrições

que trazem também uma outra esfera da atividade de trabalho: o estilo

profissional. O estilo profissional possibilita a cada trabalhador desenvolver-se,

ajustar-se e modificar a abrangência das suas ações pertinentes ao gênero

profissional. Clot et al. (2001:02) falam, então, sobre uma dupla emancipação:

emancipação em relação à memória impessoal e emancipação em relação à

memória pessoal. Na primeira acepção, o trabalhador se distancia das normas,

inaugurando uma outra forma do gênero, a qual será corroborada ou não pelo

coletivo de trabalho.

Sob esse ângulo, o sujeito se distancia da coerção, conservando o

benefício do recurso, e, em caso de necessidade, modificando a regra, o

gesto ou a palavra, inaugurando, assim, uma variante do gênero, cujo futuro

dependerá finalmente do coletivo. Acontecendo isso, é o desenvolvimento,

a vida mesma do gênero que é assegurada porque ele recebe novas

atribuições por meio da recriação pessoal , avaliada e depois

eventualmente validada pelo coletivo.(Clot et al. 2001:2)

Na segunda acepção, os autores propõem uma emancipação em relação à

história pessoal, a qual vai se caracterizar pelos “esquemas pessoais que,

mobilizados na ação, são ajustados sobre o duplo impulso do sentido da atividade

e da eficiência das operações.” Seria a emancipação do estilo profissional que

desencadearia o desenvolvimento e a eficácia do trabalho propriamente dito na

prática pessoal do trabalhador.

Se há, então, um consenso sobre a existência de um grande número de

trabalhos sobre o professor, desenvolvidos sob as várias dimensões (cognitivas,

didáticas, sociais, históricas, psicológicas...), podemos entender, também, que um

Page 47: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

46

estudo que abrigue as reflexões sobre o ensino como trabalho, a partir dessas

concepções, traz contribuições ampliadas sobre o tema.18

Diante desses aspectos relativos ao gênero da atividade e estilo

profissional, como poderíamos analisar os prescritos oficiais para os profissionais

da educação quando das suas características constitutivas a partir desses

conceitos? E mais: os prescritos oficiais desta pesquisa privilegiariam o gênero da

profissional ou o estilo profissional do professor?

Numa primeira tentativa para responder a essas questões, poderíamos

dizer que os prescritos oriundos de uma esfera institucional mais ampla, como é o

caso dos documentos desta pesquisa, apresentariam, com maior evidência,

características do gênero profissional do professor, justamente por configurarem

vários discursos em seu processo de enunciação, ou seja, o discurso histórico da

profissão, o discurso do governo, o discurso dos dirigentes do ensino, o discurso

do próprio coletivo dos professores, o discurso dos alunos, enfim o discurso da

sociedade como um todo. Todos esses discursos impõem uma carga de

responsabilidade muito grande para o professor que não vê nesses prescritos um

discurso que vá ao encontro de suas necessidades de trabalho. Talvez aqui esteja

uma das causas de sua angústia enquanto profissional.

Quanto ao estilo profissional, inicialmente, parece adequado dizer que, ao

se resvalar para uma vertente mais ampla da atividade docente - justamente

aquela que não retrata as dificuldades de seu dia-a-dia, as situações de ação em

que o professor é convocado a agir - os prescritos não privilegiariam essa

instância de seu trabalho, o que, a nosso ver, também contribuiria para uma não

identificação entre os coenunciadores.

Outro aspecto importante inserido na questão do gênero e do estilo

profissional do professor diz respeito à influência dos discursos empresariais que

18 Essa abordagem, que se inscreve na tradição ergonômica francesa, está ainda pouco desenvolvida, segundo, Amigues (2004), mesmo na França, e não tem outro equivalente em outros países, com exceção de artigos em livro de Souza-e-Silva & Faïta (2002) e teses, produzidos por nosso grupo ATELIER.

Page 48: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

47

vão permear o campo da educação e provocar efeitos de uma outra ordem no

mundo do trabalho dos profissionais da educação e, mais precisamente, do

professor. Essa outra abordagem apresenta-se como tema do nosso próximo

momento da pesquisa.

3.3 O discurso empresarial na educação

É do nosso conhecimento que o sistema educacional dos países da

América Latina, e, no nosso caso, mais precisamente, o do Brasil, apresenta

grandes dificuldades que culminam com a crise atual da educação. Inúmeras

críticas são direcionadas a todos os envolvidos: governo, profissionais da

educação, pais, alunos... Segundo esses discursos, o sistema educacional passa

por uma crise de eficiência, pois não conseguiu distribuir adequadamente os

recursos financeiros oriundos dos órgãos internos e externos aos países latino-

americanos, a fim de que as suas instituições escolares se organizassem

positivamente nos respectivos cenários nacionais. Concomitantemente, há uma

crise de eficácia, uma vez que esses sistemas educacionais cresceram

quantitativamente, mas sem garantir um crescimento qualitativo dos índices de

aprendizagem dos alunos. E, por fim, apresenta-se uma crise de produtividade,

visto que as escolas não contam com uma forma produtiva de gerenciamento de

seus problemas e atribuições. (Gentili, 2002)

Esses discursos procuram expressar a incapacidade estrutural das

instâncias governamentais no sentido de organizar e administrar as políticas

sociais do Estado. Dessa forma, trata-se de um discurso neoliberal que atribui ao

assistencialismo estatal a deficiência dos programas sociais e, principalmente,

educacionais, pois, segundo essa visão neoliberal, a crise por que passa a

educação é conseqüência do centralismo e da burocratização próprias de todo

Estado interventor.

Page 49: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

48

Para esta pesquisa, o que chamamos de neoliberalismo trata-se de uma

teoria que, segundo Chauí (2003:401), caracteriza-se pelas propostas oriundas do

grupo Mont Saint Pélerin que, reunido na Suíça, formulou a teoria econômico-

política que se opunha ao Estado de Bem-Estar Social, as quais se definem por

a) um Estado forte que administre eficientemente o dinheiro público e

que corte os gastos com os encargos sociais e os investimentos

em economia;

b) um Estado que estabeleça a ordem monetária, diminua o

desemprego e o poder dos sindicatos, pois esses exigem o

aumento dos encargos sociais das empresas, o que causa a

inflação;

c) um Estado que não direcione a economia, mas que dê autonomia

a esse mercado, promovendo uma legislação que incentiva a

privatização.

Essas idéias influenciam a educação do Brasil no governo do presidente

Fernando Henrique Cardoso, no qual vão aparecer as primeiras propostas de

descentralização das secretarias educacionais com o objetivo de diminuir os

índices de exclusão e de marginalidade educacional provenientes da inaptidão do

Estado ao administrar o bem-estar da sociedade.

Outra característica dessa política neoliberal é a terceirização, isto é, o

aumento do setor de serviços na administração pública. Nesse contexto, há a

transferência de responsabilidade pela educação da esfera política para a esfera

do mercado, transformando-a num bem de consumo que pode ser adquirido

conforme as possibilidades dos consumidores. Segundo Gentili ( 2002:19), nessa

visão neoliberal

Page 50: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

49

A educação deve ser pensada como um bem submetido às regras

diferenciais de competição. Longe de ser um direito do qual gozam os

indivíduos, dada sua condição de cidadãos, deve ser transparentemente

estabelecida como uma oportunidade que se apresenta aos indivíduos

empreendedores, aos consumidores “responsáveis”, na esfera de um

mercado flexível e dinâmico (o mercado escolar).

Que influências, então, essas idéias exercem no trabalho do professor?

Existe relação entre as prescrições e esses discursos? Primeiramente, podemos

entender que um outro discurso aí se materializa, discurso este que ressalta a

capacidade empreendedora que o profissional deve apresentar a fim de se “dar

bem” nesse novo cenário político-econômico. É fundamental que ele invista em

seu êxito pessoal, que ele seja responsável pelo seu sucesso ou seu fracasso

profissional, que ele saiba competir, pois só os melhores sobrevivem.

Em segundo lugar, dessa retórica neoliberal, também podemos depreender

o sentido de que do esforço individual dos cidadãos depende a melhora do seu

destino e da sociedade como um todo, e não das intervenções do Estado. Ainda

nas palavras de Gentili (2002:23)

Trata-se de um chamamento para que cada um “ocupe seu lugar” e não

espere soluções milagrosas por parte daqueles âmbitos que criaram as

condições propícias para o desenvolvimento da crise. Em suma, a

mudança educacional depende, aparentemente, de que “cada um faça o

que tem que fazer” e reconheça a responsabilidade que teve com relação

à crise de qualidade da escola.

Disso resulta que a idéia de garantir as necessidades básicas da população

e aí, dentro dessa esfera - a educação - passa da ordem dos direitos sociais para

a ordem dos serviços privados regulados pelo mercado e, portanto, somente

aqueles que têm condição financeira e se prepararam para tal ascensão é que têm

direito de adquiri-la.

Page 51: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

50

Já que a crise na educação tem, aparentemente, identificado o seu

“responsável”, que propostas neoliberalistas podem surgir para superar essa

crise? Uma saída coerente seria, então, desenvolver uma estrutura de

administração que privilegiasse os níveis macro e microinstitucionais da educação.

Segundo Gentili, estaria institucionalizado o princípio da competitividade que deve

regular o mercado educacional.

Esse panorama é favorável para a migração de expressões provenientes da

esfera empresarial para o campo educacional, pois os problemas de ordem

administrativa, econômica e técnica, que, até, então, não se colocavam como

fatores determinantes para o processo educacional, passam, agora a ter um papel

fundamental nas esferas educacionais. É assim que “modelos empresariais” vêm

para o campo educacional a fim de se imporem como projetos de execução em

que práticas novas são apresentadas através de dispositivos lógicos e eficientes.

Portanto, no mundo do trabalho, o profissional, mais do que ter qualificação para o

trabalho, ele precisa ter competência para gerir as situações de trabalho.

De acordo com Schwartz (1998:105), a competência abrange um campo

muito mais vasto que ultrapassa a lógica dos “postos de trabalho”19, pois, nessa

idéia, contaríamos com a imposição e a impessoalidade do cargo ou da tarefa,

sem nos adentrarmos na trajetória individual e social a que o indivíduo é

convocado a percorrer, lançando mão, então, de suas escolhas, modificações e

valores na sua atividade de trabalho. Todavia, pode-se dizer, também, que essa

designação já faz parte do nosso vocabulário, porém esse deslizamento

semântico “qualificação/competência” traz outras questões importantes acerca do

mundo do trabalho. Segundo o autor, a questão das competências constitui um

problema atual e passa pela mesma ambigüidade que o conceito de trabalho

também apresenta, pois se o trabalho é “um lugar de debate, um espaço de

possíveis sempre a negociar onde não existe execução, mas uso e o indivíduo no

19 Aspas do autor.

Page 52: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

51

seu todo é convocado na atividade.”, também a questão da competência levanta

certas reflexões:

A competência é uma realidade vaga que recebe um conteúdo em

tendência no campo das atividades sociais; sendo assim, buscar definir

“suas condições nos limites” equivaleria à busca absurda do que poderiam

ser as “competências necessárias para viver”. (Schwartz, 2000:107)

Sendo o trabalho o lugar de várias tensões acumuladas pelo ser humano

durante toda a sua história, um lugar cujas questões de ordem física, biológica e

psicológica se embrincam, que equivalência teriam, então, as competências, que

por si só, caracterizam-se como “um exercício necessário para uma questão

insolúvel”, conforme Schwartz (2000) questiona em seu texto? O que podemos

constatar é que, se as competências trazem em sua configuração características

ambíguas quanto ao aspecto profissional do trabalhador, elas também se impõem

nas instituições organizacionais e técnicas atuais como o dispositivo primordial

para o ajuste das pessoas aos postos de trabalho, daí encontrarmos grades de

competências necessárias para determinados postos de trabalho20.

A análise e a avaliação das competências no trabalho constituem-se num

verdadeiro problema, segundo Schwartz (1998); e numa tentativa de decompor os

diversos “ingredientes” dessas competências para o mundo atual, o autor as

apresenta de acordo com o seu enfoque “ergológico”:

1º Ingrediente: saberes identificáveis e anteriormente armazenados – é a

tentativa de antecipar ou anular os imprevistos no trabalho, valorizando o conceito

frente à execução.

2º Ingrediente: saberes que tendem a alimentar-se a partir do diálogo com o

meio particular de vida e de trabalho - é a competência prática, difícil de ser

verbalizada ou transmitida porque é adquirida a partir da experiência histórica e

21 Verificar Anexo 3.

Page 53: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

52

não do enaltecimento do conhecimento teórico. É a capacidade de “desconfiar” e

prever acontecimentos nas situações de trabalho.

3º Ingrediente: estabelecimento de uma “dialética” ou “concordância” entre

os dois primeiros ingredientes. É a atualização das normas e procedimentos que

possibilita uma programação seqüencial de ações, estabelecendo uma relação

entre o método e a situação particular a ser considerada no trabalho.

4º Ingrediente: correlação dos valores que organizam o meio de trabalho e

o meio de trabalho que organiza os valores e a qualidade do uso de si. O quadro

relacional/interpessoal pode apagar ou, pelo contrário, fazer desabrochar

competências.

5º Ingrediente: qualidade sinérgica/competência coletiva – noção de equipe

como entidade funcional necessária e valorizada nos organogramas, o que faz

emergir a idéia da eficiência como resultado de um produto coletivo.

Conceito, prática, método, valores, equipe: palavras-chaves para um estudo

sobre as “competências” que não se caracteriza como uma receita, mas que

procura construir uma reflexão útil para o mundo do trabalho e como Schwartz diz:

“ a partir dessa hipótese de decomposição um apelo à inventividade foi lançado”.

Assim, entendemos que esses estudos ergológicos nos auxiliam a embasar a

nossa investigação no sentido de depreender nos prescritos esses critérios ou

grades que determinam a competência do profissional da educação.

No contexto educacional, então, é comum circularem listas e grades que

objetivam apresentar as características padronizadas de um bom funcionário, as

quais solicitam “competências” necessárias para o trabalho. Essa listas

,normalmente, encontram-se fixadas em quadros de aviso ou são distribuídas aos

professores no ínício do ano letivo. De acordo com Boutet (1993, apud Souza-e-

Silva, 2000) são os chamados“escritos democráticos” mencionados anteriormente.

Normalmente, esses discursos trazem em seu texto o título “Quem é o melhor

Page 54: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

53

funcionário?” e, a seguir, enunciados, como “Não é o mais inteligente e brilhante, é

o mais comprometido.” “ É o que atende os pedidos imediatamente, tanto dos

chefes quanto dos alunos e colegas de trabalho.” “ É sempre pronto a colaborar

com seus colegas de trabalho mesmo quando a tarefa não é sua.” “ É o mais

polido, e educado, além de competente.”21 Enunciados que ressaltam o trabalho

em equipe ou o trabalho coletivo passam a incorporar também esses prescritos.

O que podemos entender, então, é que os enunciadores desses discursos

consideram uma imagem prévia de seus coenunciadores, isto é - do Outro - no

caso, os professores e outros funcionários da escola. Ao apresentar uma pergunta

e, logo em seguida, as respostas o enunciador já se auto-caracteriza como a

instância maior do enunciado. Assim, são enunciados que trazem uma posição

interlocutiva detentora de efeitos discursivos que até há alguns anos não eram

próprios do discurso da educação.

Dentro dessa perspectiva, para ser um bom professor, o profissional precisa

ser um bom gestor de seu trabalho, designação proveniente do setor empresarial

que trata da gestão de recursos humanos. Sendo esta designação pertinente,

inicialmente no discurso empresarial e, posteriormente, passando a ser, também,

encontrada no discurso educacional, o qual, em nome de uma eficiência efetiva,

requer do professor a “competência” de saber organizar e administrar seu trabalho

por meio de projetos e empreendimentos direcionados para objetivos concretos e

palpáveis. Desse modo, o professor que até então, não teve o seu trabalho

reconhecido por meio de critérios tão “definidos” no sentido do que é esperado

dele e do que ele tem que fazer, encontra-se diante de um grande problema para

o qual ele não se vê preparado.

Outra questão importante que podemos depreender desse embate

discursivo das designações qualificação e competência, trabalho e gestão dentro

das esferas de trabalho, calcam-se nas palavras de Schwartz (2000:105)

21 Verificar o anexo 3.

Page 55: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

54

Os elementos que hoje podemos muito mais claramente identificar como

gestão de situação de trabalho e que motivam esse recurso ao conceito

mais vago de competência não nasceram do nada junto com as “novas

tecnologias”, “as novas formas de organização do trabalho, as novas

regras de avaliação dos agentes; já existiam nas formas anteriores, com

dimensões e objetivos aparentemente mais modestos, com formas

implícitas dissimuladas pela evidência da gestualidade apreendida como

repetitiva.

Se, como afirma Schwartz, a questão - qualificação/competência, gestão de

situação de trabalho - já existia antes, só que de uma forma subjacente ao

trabalho, por que, então, haveria o trabalhador de se sentir pressionado pelo maior

número de atribuições que esperam dele? Essas idéias e indagações

apresentadas, aqui, levam-nos a refletir sobre o fato de que alguns deslizamentos

de designações do discurso empresarial para o educacional podem explicar o

desconforto que acomete o professor, pois as funções que ele outrora exercia

extra-oficialmente, como, por exemplo, participar da avaliação física dos prédios,

colaborar para o envolvimento de todos os membros da escola...passam, agora a

ser cobradas dele oficialmente por meio de prescrições formais que trazem

designações de uma outra instância para a sua esfera de trabalho – gestão de

recursos físicos, gestão participativa - funções que, no passado, não se

materializavam lingüisticamente em normas a serem seguidas.

Na segunda parte desta pesquisa, organizamos a metodologia a partir de:

(a) apresentação do caminho escolhido para alcançarmos os objetivos da

investigação; (b) caracterização dos prescritos para a educação nos níveis

nacional e estadual ; (c) organograma das instâncias oficiais do ensino; (d)

apresentação do primeiro prescrito: Política Educacional da Secretaria da

Educação do Estado de São Paulo; (e) apresentação do segundo

prescrito:Orientações para a Elaboração do Planejamento de Ensino nas Escolas

e Diretorias de Ensino.

Page 56: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

55

PARTE II – METODOLOGIA

1 DEFININDO UM CAMINHO METODOLÓGICO

Para alcançarmos o objetivo principal desta pesquisa que é identificar a

imagem discursiva do trabalho do professor nos prescritos oficiais, tivemos que

definir um caminho que nos conduzisse a esse propósito. Partindo, então, do

princípio de que o interdiscurso tem primazia sobre o discurso, procuramos

aqueles discursos que estabelecessem relações com o trabalho educacional, não

só por meio da ótica educacional, mas, também, mediante outras perspectivas,

como as de cunho social, político e econômico.

Desse modo, tivemos a possibilidade de deparar-nos com vários

documentos - propostas pedagógicas das disciplinas, orientações para o conselho

de classe, orientações para planos de ensino... Mas esses documentos ainda não

se configuravam como um espaço de tensão em que o analista do discurso

pudesse atuar de maneira a ressaltar o intercâmbio entre os vários discursos.

Por conseguinte, chegamos, então, aos documentos das instâncias oficiais

– LDB - Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (Lei nº 9.394, de 20/12/96) e

os PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) - que poderiam formar nosso

corpus de pesquisa no qual os aspectos heterogêneos do discurso, ao serem,

analisados, contribuiriam para o estudo da imagem do trabalho docente. Todavia,

dada à necessidade de se delimitar esse universo discursivo (Maingueneau,

2000), como professora da rede estadual e pesquisadora, buscamos aqueles

prescritos que delimitassem um campo de discursos constituído de

posicionamentos discursivos que mantivessem relações de aliança e de conflito e

que fossem particularmente portadores de posições enunciativas que nos

favorecessem identificar a imagem do trabalho do professor num espaço

discursivo mais delimitado.

Page 57: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

56

Optamos, então, por ater-nos aos prescritos para a educação do estado

paulista e, por meio de “conversas” com diretores de três escolas estaduais - duas

de ensino médio e uma de ensino básico - obtivemos a informação de que as

atividades escolares eram norteadas por uma política maior do Estado, a qual

estava registrada em documentos. A partir dessas vozes, recorremos à Internet e

pesquisamos no site da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo22, os

quais foram escolhidos justamente por serem, conforme os diretores das escolas

disseram, “parâmetro para o posicionamento político-educacional das escolas”.

Para que a análise se efetivasse, optamos por caracterizar, primeiramente,

de maneira mais ampla, os prescritos referentes à educação nacional para, em

seguida, dedicarmo-nos à análise dos prescritos estaduais. Nesses últimos, o

“recorte” realizado pautou-se pelo critério de presença de discursos oriundos da

esfera educacional e não educacional, como o discurso neoliberal, o discurso

empresarial e o discurso da sociedade. E também pela presença de enunciados

referentes ao trabalho direto do professor, como sua integração com os alunos e

seu trabalho coletivo junto aos seus pares.

A abordagem hierárquica do trabalho defendida pela Ergonomia também é

apresentada na metodologia por meio do organograma dos órgãos oficiais que

compõem o quadro educacional de nível nacional e estadual.

Por fim, passamos à caracterização do nosso corpus de pesquisa que se

definiu na escolha dos seguintes documentos:

a) Política da Educação do Estado de São Paulo

b) Orientações para Elaboração do Planejamento nas Escolas e nas

Diretorias de Ensino.

.

Ainda na perspectiva de se aliar a análise do discurso às ciências do

trabalho, almejando uma concepção interdisciplinar entre essas áreas do

conhecimento, foi necessário trazer da Ergologia a dialética existente acerca da

22 www.educacaosp.gov.br

Page 58: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

57

busca pelas competências no mundo do trabalho em que novas regras, novas leis

e novos contratos são parâmetros cada vez mais vagos para o profissional, mas,

ao mesmo tempo, decisivos para a tomada de decisões dos gestores do trabalho.

Enfim, esta investigação, ao utilizar o estudo da rede discursiva que envolve

os prescritos oficiais voltados para o trabalho do professor, procura entender esse

trabalho, baseando-se nas relações interdiscursivas , no papel dos

coenunciadores e nas designações lingüísticas que compõem esses discursos.

Nos próximos segmentos, traremos o universo discursivo dos prescritos

para a educação nacional e estadual com o objetivo de estabelecer as relações

interdiscursivas que esses documentos apresentam, bem como analisá-los a partir

de dispositivos enunciativos-pragmáticos da Análise do Discurso.

2 OS PRESCRITOS NA EDUCAÇÃO 2.1 O universo discursivo dos prescritos para a ed ucação nacional Nos últimos anos, o Ministério da Educação vem implantando uma política

educacional que se coloca como portadora de reflexões sobre a educação a partir

de uma análise prospectiva proveniente de órgãos internacionais23, os quais

ressaltam os aspectos da formação humana, social e política que, posteriormente,

também se refletirão nos prescritos que influenciarão as políticas educacionais e

as orientações para o planejamento nas escolas dos estados e municípios.

23 Declaração Mundial sobre a Educação para Todos (1990)- estabelece que toda criança, adolescente ou adulto deve se beneficiar de uma formação concebida para poder responder às suas necessidades educativas fundamentais . Declaração de Nova Delhi – assinada pelos nove países de maior contingente populacional do mundo e que reconhece a educação como instrumento proeminente da promoção de valores humanos universais, da qualidade dos recursos humanos e do respeito pela diversidade cultural.

Page 59: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

58

Em termos legais, a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (Lei nº

9.394, de 20/12/96) foi a principal referência oficial para a formulação de

mudanças propostas nos documentos relativos à educação nacional. E é na

representatividade dessa lei que os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998)

alicerçam a concepção educacional para o país, a qual, norteando-se pelo eixo

Educação e Cidadania, firmará, uma relação de unidade de sentido que

perpassará os demais prescritos para a educação de todo o país.

Conhecida como Lei Darcy Ribeiro, a Lei 9.394/96, estabelece que a

“educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e

nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento

do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho”.

É dessa forma que enunciados provenientes de documentos dos órgãos

internacionais e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (doravante LDB/96)

podem ser identificados nos Parâmetros Curriculares Nacionais24, um outro

documento que assume caráter de “escrito democrático”, de acordo com Boutet

(1993), embora vigore com poder prescritivo, uma vez que esses documentos

provêm de uma instância superior, no caso o ministério da Educação e Cultura

estabelecendo relações interdiscursivas. Assim, logo na introdução desse

documento, depreendem-se temas25 que são pertinentes às preocupações

mundiais no que diz respeito às questões políticas e sociais já apresentadas na

LDB/96, como:

- Necessidade de se amenizar os níveis de desigualdade de

desenvolvimento nos diferentes países e dos “incluídos e excluídos” que neles

vivem e que convivem com o desencantamento e com a desesperança,

juntamente com a miséria e o desemprego;

24 Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília,1997. 25 Entendido na acepção de D. Maingueneau como unidade semântica de um texto.

Page 60: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

59

- Busca por uma maior conscientização da utilização do meio ambiente e da

utilização dos recursos naturais, pois ainda não há uma conduta eficaz por parte

da política social e educacional para solucionar esses problemas;

- Priorização de uma concepção de vida harmoniosa entre os povos, mas

que ainda não é ressaltada em nossos ambientes de convivência mais próxima:

região, estado, cidade, bairro.

A LDB/96 coloca-se, então, como o prescrito maior que rege a educação

do país e é, a partir dessa lei, que os dispositivos legais para a educação são

promulgados - pareceres, artigos, portarias, resoluções. Tal intersecção de textos

constitui uma rede discursiva na qual um discurso só vai ter sentido dentro de

outro discurso.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, por sua vez, constituem-se como o

prescrito que apresenta relevância no contexto educacional. E, ao estabelecerem

relações discursivas com a LDB/96, a qual, por sua vez, também estabelece

relação com o texto Declaração Mundial sobre a Educação para Todos (1990) e a

Declaração de Nova Dehli, colocam-se como elemento da rede discursiva que

compõe o campo discursivo da educação de nosso país.

2.2 Os prescritos para a educação no Estado de São Paulo Partindo da idéia de que o conhecimento sobre as instâncias

organizacionais referentes ao trabalho são importantes para a sua compreensão,

no caso desta dissertação, reconhecemos como um dos passos iniciais rumo à

análise do trabalho docente, organizar a “cascata hierárquica dos prescritos”26, a

qual determina a estrutura educacional do sistema de ensino nacional. Também

26 Designação criada dentro do Grupo Atelier, a qual faz referência ao conceito de “abordagem descendente”de R. Amigues.

Page 61: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

60

Bronckart (apud Machado, 2004) ressalta a necessidade de se articular textos

analisados com outros textos que circulam no contexto de produção dos escritos.

As redes interdiscursivas do universo dos prescritos e o contexto de

produção dos mesmos se colocam como relações imprescindíveis para se traçar o

caminho das prescrições que regulamentam e norteiam o trabalho do professor,

pois, se, de um lado, deparamo-nos com discursos de diferentes naturezas

institucionais que vão influenciar o trabalho docente, de outro, deparamo-nos com

o contexto em que eles são produzidos, fato que nos possibilita refletir sobre o

“sentido” dos discursos num dado momento.

A articulação das relações interdiscursivas com a Ergonomia que se propõe

estudar as relações das prescrições no trabalho e a hierarquia da qual elas são

constitutivas, colocou-nos a necessidade, como dito anteriormente, de identificar

as esferas organizacionais que influenciam o trabalho do professor. Para tanto,

descrevemos a hierarquia dos principais órgãos e instâncias que compõem o

cenário educacional e que aqui, tomamos pela designação formação discursiva,

no sentido amplo dado por Maingueneau (2000) – conjunto de enunciados

mantidos por uma administração numa dada conjuntura histórica.

É assim que encontramos vários discursos que dialogam na esfera de

trabalho do professor: o discurso dos pais, dos alunos, da comunidade na qual a

escola está inserida, da mídia, do governo, das instituições oficiais e dos próprios

professores. Percebemos nesse intercâmbio, ora explícita ora implicitamente,

marcas lingüístico-discursivas de discursos de natureza ideológica e institucional;

no primeiro prescrito a presença do discurso ideológico é mais clara e, no

segundo, o discurso institucional é mais evidente.

A hierarquia dos órgãos educacionais da rede pública estadual que rege o

trabalho do professor constitui-se a partir das seguintes instituições: o MEC -

Ministério da Educação e Cultura - órgão de organização máxima das diretrizes

educacionais do país, determinando seus princípios e o funcionamento das outras

Page 62: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

61

organizações a ele atreladas; a SEE – Secretaria Estadual da Educação –

instituição imediatamente ligada ao MEC e também com a finalidade de

determinar as diretrizes educacionais do estado com as determinações do MEC; à

SEE, subseqüentemente atrelada, está a Coordenadoria de Estudos e Normas

Pedagógicas – CENP – a qual tem papel determinante nas concepções e

determinações pedagógicas que regem a educação no estado; à CENP tem-se

interligada a CEI – Coordenadoria de Estudos do Interior, instituição

governamental encarregada de organizar as várias diretorias das cidades do

interior do Estado de São Paulo.

As principais instâncias oficiais que compõem o cenário da educação

nacional e do Estado de São Paulo, especificamente, mencionadas acima, podem

ser organizadas no organograma seguinte:

MEC

SEE

CEI CENP

DE

Escola

Direção

Professores

Alunos

Page 63: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

62

As secretarias estaduais de educação vinculam-se ao MEC por meio do

CNE –Conselho Nacional de Educação – o qual é uma instância oficial que tem

por função legislar e verificar os processos legais que as secretarias de todos os

estados organizam, como, por exemplo, direcionamento de verbas, planos de

organização do ensino e de gestão recursos humanos27.

Diretamente ligado à direção da escola, temos, também, o coordenador

pedagógico que articula as questões de ordem didática e pedagógica provenientes

da política educacional do governo estadual, numa esfera mais abrangente, com

as políticas de educação da escola, numa esfera mais circunscrita à realidade da

unidade escolar.

Os aspectos mencionados acima constituem uma dimensão enriquecedora

para a compreensão do trabalho educacional do professor, pois trazem à tona

instâncias que nem sempre são levadas em conta na investigação de sua

atividade.

Passemos, agora, para a caracterização dos dois prescritos oficiais que

norteiam a educação do Estado de São Paulo, os quais foram escolhidos segundo

critérios apresentados no início desse capítulo.

2.2.1 Primeiro Prescrito: Política Educacional da S ecretaria de Estado

da Educação de São Paulo

Para compreendermos melhor as relações interdiscursivas que permeiam

esse documento oficial, faz-se necessário, primeiramente, vislumbrarmos em qual

contexto os mesmos foram produzidos e a qual natureza ideológica eles se filiam

a fim de refletirmos sobre o porquê de suas características discursivas. É assim

27 Dados retirados do site http://www.crmariocovas.sp.go.br/og.

Page 64: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

63

que voltamos a Maingueneau (2002) para ressaltar a constituição do discurso

produzido no quadro das instituições que restrigem e definem a enunciação. Em

nosso caso, temos um discurso para a educação elaborado no governo de

Geraldo Alckmin, mas que também traz referências ao governo passado de Mário

Covas, governo este que foi o precursor das diretrizes políticas, sociais e

econômicas para o atual governo.

Ao lado do discurso de natureza ideológica, temos, também o discurso

vindo de um lugar institucional, que no caso desta pesquisa caracteriza-se como a

Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, portanto esse é um prescrito que

tem como fonte de seu enunciado uma instância governamental ampla o que, em

alguns momentos, pode causar um efeito de distanciamento entre enunciador e

co-enunciador, no caso desse último, o professor. Esse documento dialoga, então,

com outras esferas discursivas ao fazer referência à política da educação

nacional, ao modelo de gerenciamento das empresas, ao mundo do trabalho e ao

mundo da tecnologia.

Tal documento se constitui de quarenta e quatro páginas, as quais contêm

as diretrizes que o governo assume em relação à sua política e está direcionado a

todos os profissionais da educação – dirigentes de ensino, supervisores de ensino,

diretores de escola, coordenadores pedagógicos, assistentes técnicos

pedagógicos, professores – enfim, à sociedade como um todo.

Esse prescrito foi veiculado pela Internet28 no início do ano de 2004 e é um

texto que está presente no site da Secretaria da Educação de São Paulo até os

dias atuais. Esse aspecto é interessante, pois o acesso ao documento, por meio

desse dispositivo comunicacional, ocorreu, pela primeira vez, com esse prescrito,

o que é um diferencial para as diretrizes educacionais do país no sentido de que,

no passado, os documentos circulavam em cópia impressa.

28 No endereço www.educacao.sp.gov.br htpp://cenp.edunet.sp.gov.br

Page 65: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

64

2.2.2 Segundo Prescrito: Orientações para Elaboraç ão do

Planejamento nas Escolas e nas Diretorias de Ensino

Esse prescrito, por sua vez, também tem como enunciador a Secretaria

Estadual da Educação, todavia o seu co-enunciador tem na instância do professor

um destinatário especial e restrito, situação de enunciação que se caracteriza

como diferenciada da do primeiro prescrito, o qual contava com uma diversidade

de coenunciadores – dirigentes de ensino, diretores, coordenadores, professores...

E é a partir desse documento que cada escola vai elaborar o seu

planejamento nas primeiras semanas de aula. Portanto, trata-se de um documento

mais direcionador e com características mais institucionais que o primeiro, pois,

além de apresentar diretrizes sobre o acolhimento dos alunos pela escola e sobre

concepções de avaliação pedagógica, traz, também, por parte da SEE,

orientações específicas para o desenvolvimento dos conteúdo disciplinares a

serem dados nas escolas.

Trata-se de um documento, com trinta e cinco páginas, enviado pela CENP

para as diretorias de ensino no ano de 2004 o qual deve ser distribuído para as

escolas do Estado de São Paulo a fim de ser o direcionador das tomadas de

decisões e ações das escolas. Esse documento, primeiramente, chegou às

escolas por meio de papel impresso, posteriormente ele foi colocado à disposição

no site da CENP29 para que todos os interessados tivessem acesso a ele.

Justamente por ser um prescrito mais direcionado ao trabalho educacional

e, principalmente, ao professor, a presença de enunciados focados no seu

trabalho dão a ele um caráter mais direcionador para a realização das atividades

docentes. Embora seja um documento norteador no sentido de organizar o

planejamento nas escolas, o que a priore demanda um caráter sistematizador

justamente por se tratar de Planejamento de Ensino nas instituições, o mesmo

29 No endereço;http://cenp.edunet.sp.gov.br

Page 66: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

65

prescrito apresenta discursos de outro campo que não o das diretrizes

educacionais, como o literário, por exemplo. É dessa maneira que trechos de

autores consagrados como Cecília Meireles e João Guimarães Rosa são inseridos

nos enunciados, propiciando um efeito de sentido diferente daquele imposto por

meio de uma prescrição. Assim, na heterogeneidade dos discursos, o prescrito se

compõe a fim atingir o seu destinatário de uma forma não tão normatizadora como

assim o seria por meios de enunciados voltados somente para o campo das

normas e orientações educacionais.

Esse documento é antecedido por uma carta de apresentação da

Coordenadora da CENP - Sonia Maria Silva - caracterizando-se por um discurso

que está atrelado a outro. Nessa situação de enunciação, vamos perceber os

discursos que dialogam entre si, no caso, o discurso da Secretaria Estadual de

Educação com o discurso da Coordenadoria de Normas Pedagógicas. Mas,

embora esses discursos configurem subcampos da Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo, eles estabelecem uma relação de aliança, pois ambos

“caminham” para uma mesma concepção ideológica, a qual é reconhecida pela

administração do governo estadual.

Page 67: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

66

PARTE III – ANÁLISE DISCURSIVA DOS PRESCRITOS

1 O PROCESSO INTERDISCURSIVO NOS PRESCRITOS EDUCACIONAIS

1.1 As relações interdiscursivas

Para Maingueneau (2005), os diversos discursos não se constituem

independentemente uns dos outros para, em seguida, serem colocados em

relação, mas se configuram no interior do interdiscurso que estrutura a identidade

do discurso. Por isso, analisar o espaço de troca entre os vários discursos é mais

importante que a análise de um determinado discurso num dado momento.

Assim, analisemos os trechos oriundos do primeiro documento – Política

Educacional da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo - nos quais

depreendemos um espaço de troca com os discursos de natureza político-

ideológica:

(a) Discursos de natureza governamental: concepções neoliberais

Esse primeiro fragmento do documento demonstra o caráter político-

ideológico do governo na medida em que procura impor uma imagem de

eficiência, característica da concepção neoliberal, junto a seus interlocutores. Ao

se referir a “essas ações” o enunciador recupera o discurso do governo de Mário

1- O governo Alckmin, um Governo Educador,Solidário e Empreendedor,

pretende aperfeiçoar essas ações e, com isso, melhorar

significativamente a qualidade dos serviços que presta à educação.

(pg.02)

Page 68: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

67

Covas que deu início às mudanças na educação paulista e que, agora, são

aprimoradas no governo Alckmin.

Esse segundo fragmento foi escolhido por apresentar outra característica

de um governo neoliberal: a prestação de serviços de qualidade na esfera da

educação. Por meio dessa designação, que reflete o objetivo de um governo sério,

o enunciador atribui a si a competência de superar as crises na educação dos

governos passados.

O terceiro fragmento trata de uma questão relevante do discurso neoliberal:

o empreendedorismo. Percebemos que Secretaria Estadual de Educação, ao

utilizar essa designação, procura construir junto a seus co-enunciadores, a

imagem de que todos, inclusive seus educadores, podem ser indivíduos

empreendedores. Para que isso aconteça, o educador precisa usufruir dos

artefatos tecnológicos que o estado propicia.

3- O empreendedorismo também deve estar presente na

intencionalidade educativa e no modo de ser de agir dos educadores. A

SEE vem se equipando com os mais novos artefatos tecnológicos para

aprimorar a qualidade de suas ações, seja em sala de aula, na

administração escolar, na gestão educacional ou na educação

continuada de seus educadores. Tem desenvolvido e desenvolverá ainda

mais, sistemas de racionalização administrativa, pautados nos mais

modernos processos de gestão. (pg.06)

2- Pela sua relevância, esse propósito se constitui em outra

característica que deve marcar a atual administração, ou seja, a de ser

um Governo Prestador de Serviços de Qualidade .(pg.03)

Page 69: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

68

O quarto fragmento desse documento reforça a idéia neoliberal de que o

indivíduo, para ser competitivo num mundo globalizado, não pode ficar alheio às

mudanças, ele precisa ocupar o seu lugar, pois o Estado faz o papel dele com

“eficiência”, portanto, ele espera que o cidadão também se desenvolva

eficazmente.

Desse primeiro prescrito – Política Educacional do Estado de São Paulo –

retiramos, então, os fragmentos discursivos de natureza institucional que nele

aparecem:

(b) Discursos de natureza institucional: MEC, SEE, LDB

Nesse fragmento acima, o caráter interdiscursivo é relevante na media em

que temos no discurso da Secretaria da Educação uma interface com o discurso

da Constituição Brasileira que, aqui, é recuperado por meio da expressão “tal

expectativa ” a qual retoma o papel da escola para o desenvolvimento dos valores

humanos. Temos, também, a relação interdiscursiva dos discursos da LDB com a

política estadual paulista, estabelecendo, então, uma aliança de proposições.

4- A instabilidade produtiva decorrente dos avanços científicos e

tecnológicos e da globalização econômica exige do jovem uma

atualização contínua. (pg.06)

1- Tal expectativa está sinalizada na Constituição Brasileira e

explicitada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao

estabelecer que a educação será ministrada, oferecendo igualdade de

condições para ... (01)

Page 70: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

69

Esse segundo fragmento permite uma reflexão interessante do ponto de

vista enunciativo, pois aqui a SEE assume a sua condição de enunciador formal

que concebe a convergência de discursos vários da ordem pedagógica, funcional

e administrativa, os quais representam os discursos institucionais .

c) Discursos das instâncias próximas: pais, alunos, escola,

comunidade

O fragmento acima configura uma situação real que circunda a escola e,

principalmente, o professor no seu dia-a-dia de trabalho, ou seja, as expectativas

existentes à sua volta. Essas influenciam o seu comportamento no trabalho e as

suas reflexões no sentido de que ele, enquanto profissional, considera-se

elemento essencial para a melhoria do ensino, mas , muitas vezes, devido à sua

condição real de trabalho, não consegue realizar o seu trabalho conforme as suas

expectativas, tampouco conforme as expectativas da sociedade.

2- A SEE está, portanto, buscando promover o diálogo educador entre

todos os seus atores, seja naquelas situações explícitas de ensino e

aprendizagem com aluno, seja na educação continuada de seus quadros

ou em qualquer outra espécie de ação, incluindo as administrativas.

...(pg.03)

1- A expectativa da sociedade brasileira , em relação ao papel da

escola, é a de que, ela de fato, contribua para desenvolver os valores

essenciais ao convívio humano e, ao mesmo tempo, proporcione

oportunidades que permitam a inclusão ... (pg.01)

Page 71: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

70

Nesse trecho do documento, as vozes mais próximas dos alunos,

familiares e outros integrantes da comunidade colaboram para estabelecer a

subjetividade das relações interdiscursivas, na medida em que também

configuram como uma intersecção de discursos que incidem sobre o papel da

escola e, conseqüentemente, sobre o trabalho do professor. Dessa forma, embora

não sejam considerados discursos de instâncias oficiais, eles exercem influência

nas funções educacionais do dia-a-dia, como é o caso do discurso dos alunos que

não se identificam coma escola, com as disciplinas, com os professores.

(c) Discursos de instâncias técnicas-organizacionai s e econômicas:

empresas

Logo no início do documento – Política educacional da Secretaria de Estado

da Educação de São Paulo – encontramos designações referentes ao universo

das instâncias técnicas-organizacionais. Esse fato comprova uma tendência de se

trazer do universo empresarial para o educacional situações de gerenciamento

que privilegiam estratégias de ação.

2- Nessa perspectiva, a escola inclusiva é a que se mantém atenta às

necessidades de seus alunos e às expectativas da comunidade em que

se insere. Ela se constrói a partir da permanente interação com os

educandos, seus familiares e outros integrantes da comunidade.

(pg.05)

1- Visando a essa eficácia, a SEE vem aprimorando e ampliando o uso

de indicadores objetivos como forma de avaliar resultados e realimentar

suas estratégias de ação . (pg.04)

Page 72: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

71

Nesse fragmento, encontramos novamente uma designação proveniente do

universo empresarial e que discursivamente reflete a postura técnica-

organizacional que a SEE vem procurando apresentar quando chama de rede a

complexidade de sua organização que se destaca por ser uma das maiores do

país em número de sub-coordenadorias e de funcionários.

Essas reflexões, como dito anteriormente, partem do princípio maior do

interdiscurso. Assim, é na convergência dos discursos da Secretaria da Educação

de São Paulo com outros discursos que percebemos uma formação discursiva que

estabelece posições políticas e ideológicas, as quais configuram entre si relação

de aliança, uma vez que percebemos a intenção do enunciador interligar os vários

discursos: o discurso das leis, o discurso das instituições, o discurso dos pais e

alunos.

Desse modo, a interdiscursividade, nesta pesquisa, parte da singularidade

da heterogeneidade no discurso: heterogeneidade mostrada e heterogeneidade

constitutiva - definição apresentada, primeiramente, por Authier-Revuz (1982,

apud Maingueneau, 2002). Assim sendo, na relação interdiscursiva constitutiva

desse prescrito, é importante, perceber o diálogo aí estabelecido, o qual pode ser

estudado por meio da heterogeneidade mostrada com formas marcadas e não

marcadas do ponto-de-vista lingüístico.

Apresentamos, a seguir, alguns de enunciados que trazem a perspectiva

da heterogeneidade mostrada de maneira marcada – discurso direto ou indireto,

2- A Gestão de Operações ( dessa rede) é extremamente complexa e

tem exigido a conjugação de competências capazes de, a um só tempo,

abranger os aspectos de infra-estrutura tecnológica, informática,

comunicação, logística, engenharia e, especialmente, educação, ...

(pg.25)

Page 73: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

72

aspas, itálico, glosas - com o objetivo de identificarmos o discurso outro nesses

enunciados:

Enunciado (A )

A presença de um discurso outro é detectável nesse enunciado, pois o

próprio documento sobre a política educacional da SEE faz referência a outro

documento de nível nacional, no caso, aos PCNs. A designação desse prescrito

vem impressa com uma tipografia diferente, acentuando a sua caracterização de

discurso outro associado ao da SEE.

Enunciado (B)

Nesse enunciado, a percepção da heterogeneidade mostrada do discurso

apresenta-se de maneira mostrada quando consideramos o índice textual “de fato”

(aspeado por nós) como portador de um sentido que demonstra a não

coincidência do discurso da SEE com o discurso de governos passados, pois o

discurso da instituição, agora, manifesta-se no sentido de que a escola “de fato”,

isto é, “realmente” precisa contribuir para o desenvolvimento de valores essenciais

ao convívio humano. Ao usar, então, o índice lexical “de fato”, o enunciador

Esses princípios (orientações para o currículo escolar) não perderam

atualidade, pois estão reafirmados e referendados nas diretrizes curriculares

nacionais e nas orientações específicas para os professores – os Parâmetros

Curriculares Nacionais. (pg. 02)

A expectativa da sociedade brasileira, em relação ao papel da escola, é a de

que ela, de fato, contribua para desenvolver os valores essenciais ao convívio

humano... (pg. 01)

Page 74: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

73

direciona a compreensão do co-enunciador no sentido de que o compromisso da

SEE em relação à escola é real.

A questão da heterogeneidade mostrada não marcada no discurso é

exemplificada, a seguir, a partir do enunciado também retirado do primeiro

documento, os qual, para ser compreendido pelo co-enunciador, solicita que este

lance mão de seu conhecimento de mundo e de sua cultura para compreendê-lo.

Enunciado (A)

Nesse fragmento de discurso, a incidência de manifestações lingüísticas

explícitas é diluída na superfície textual, pois o sentido aqui exposto em relação à

política do governo quanto ao jovem infrator, é construído a partir de alusões

referentes a outros governos e não por meio de índices lexicais evidentes.

Todavia, na enunciação, percebe-se que esse governo se propõe a reorientar o

jovem que não era orientado de maneira adequada no governo passado, e mais,

agora ele não vai puni-lo, como nos demais governos, mas valorizá-lo.

O levantamento realizado das marcas de heterogeneidade mostrada nos

enunciados anteriores possibilitaram-nos compreender, nesse corpus de pesquisa,

a relação constante de aliança no interior de uma formação discursiva. Dessa

forma, foi possível identificar as posições políticas da SEE que se caracterizam

por apresentar uma imagem de administração empreendedora, eficaz e atualizada

Tal concepção é expressão de uma política pertinente de governo que reorienta

a maneira de perceber o jovem circunstancialmente envolvido com atos

infracionais para considerá-lo um adolescente em desenvolvimento cujas

potencialidades devem ser reveladas, valorizadas e expandidas em um

ambiente de formação e convívio humano. Por isso, quando a ênfase deixa de

ser a mera punição e contenção, a FEBEM transforma-se em uma entidade de

caráter educativo norteada pelas diretrizes da Secretaria da educação. (pg. 10)

Page 75: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

74

com os problemas educacionais de seu tempo e os discursos de outros campos

discursivos: o discurso dos órgãos oficiais MEC, CENP, CEI; o discurso das

organizações econômicas: empresas; o discurso da sociedade; o discurso dos

pais, alunos e comunidade; o discurso neoliberal.

Todavia, é importante lembrar que o estudo das marcas de

heterogeneidade no discurso somente tem valor significativo numa perspectiva

interdiscursiva, pois, do contrário, corremos o risco de ater-nos à análise

superficial de enunciados se ficarmos apenas no levantamento e classificação dos

mesmos. Portanto, quando analisamos a heterogeneidade dos discursos da SEE,

percebemos que neles há uma convergência de discursos “outro” e, ao mesmo

tempo, uma intenção de construir uma identidade discursiva . É dentro desse

princípio dialógico do discurso que a heterogeneidade constitutiva se configura,

pois o discurso não é homogêneo, ele é dominado pelo interdiscurso.

No prescrito da SEE , o discurso é “atravessado” por vários outros, como

dito anteriormente, e é a na intersecção desse discursos que encontramos a

subjetividade característica da linguagem. Estudar esses espaços de troca

discursiva nos escritos sobre o trabalho educacional constitui-se como tarefa

importante para o entendimento dessa atividade humana.

A seguir, o estudo dos coenunciadores é apresentado a fim de

aprofundarmos a nossa reflexão e análise sobre as relações interdiscursivas que

compõem a imagem discursiva do trabalho do professor.

1.2 Os coenunciadores

A interatividade entre os parceiros do discurso é constitutiva da enunciação,

por isso a preferência pela nomeação coenunciadores é mais coerente com esse

princípio do que aquela apresentada pelas tipologias comunicacionais mais

tradicionais, como emissor-receptor ou destinatário. Por isso, adotamos

Page 76: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

75

enunciador no lugar de emissor, e co-enunciador no lugar de receptor ou

destinatário.

Em nosso corpus de pesquisa a análise dos coenunciadores foi realizada a

partir da idéia de coenunciadores reais ou modelo (Maingueneau, 2002). Por

coenunciadores reais entendemos os de natureza empírica, isto é, aqueles

coenunciadores efetivos e por modelo aqueles que se constituem por uma

representatividade idealizada na enunciação. É assim que esta pesquisa evidencia

o papel dos coenunciadores no primeiro prescrito – Política Educacional da

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo – os quais são identificados e

analisados de acordo com o conceito de coenunciadores reais e coenunciadores

modelo:

Enunciado 1 (pg.05)

Nesse fragmento, a SEE, como enunciador, apresenta um discurso voltado

diretamente para o professor - “identificar o aluno pelo nome, /.../apoiá-lo em suas

incertezas”. Mas é um discurso que pressupõe um co-enunciador modelo, ou

seja, um profissional que ela, como instituição, vê como capaz de ser afetuoso,

amigo e sensível em todos os momentos. Nesse caso, a instituição considera as

atitudes idealizadas que ele precisa apresentar junto ao aluno, e não considera as

incertezas e dificuldades que interferem, também, em seu trabalho. Assim, trata-se

de um enunciado estabelecido a partir de uma visão idealizada do professor e de

seu trabalho educacional.

/.../ A integração positiva entre professores e alunos vai se

estabelecendo a partir de atitudes de acolhimento como identificar o

aluno pelo nome, dirigir-lhe a palavra com afeto, transmitir-lhe

sentimento de amizade, apoiá-lo em suas incertezas, mostrando-se

receptivo e sensível ao seu estado emocional.

Page 77: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

76

Enunciado 2 (pg. 06)

O segundo fragmento explicita a perspectiva assumida do enunciador em

relação ao co-enunciador no sentido de que há uma expectativa de que este

apresente características empreendedoras para o seu trabalho. Voltando à

questão do conhecimento das dificuldades reais em relação ao trabalho do

professor, novamente depreendemos, no caso desse enunciado, um discurso não

configurado dentro da realidade das instituições escolares, pois o co-enunciador,

no caso, o professor, normalmente, não se vê como ator de um discurso que

pressupõe condições ideais de trabalho.

Enunciado 3 (pg. 06)

O fragmento anterior também coloca o professor como um co-enunciador

modelo à medida que o vê como uma entidade que “encarna” a idéia de

profissional modelo, o qual é compreensível e humano. Mas é do senso comum

que a interação entre professor e aluno, na maioria das vezes, apresenta-se

atribulada, chegando mesmo a interferir no processo pedagógico em si e na saúde

O desempenho, o sucesso e a ampliação do potencial dos aprendizes

dependem de nossa sensibilidade para vê-los como seres humanos e

não apenas como números registrados nas listas de chamada. Por meio

dessa prática, poderemos ter a chance de ir além e de aprender com

nossos educandos. Educar é, sobretudo, nunca deixar de aprender e

acreditar. (G. Chalita, 2003)

O empreendedorismo também deve estar presente na intencionalidade

educativa e no modo de ser e de agir dos educadores.

Page 78: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

77

do professor30. Muitos fatores influenciam essa situação: classes numerosas,

excesso de carga horária, escolas depredadas, alunos violentos. Dessa forma, na

maioria de suas situações em educação, estabelece-se uma distância entre o que

é prescrito e o que é real nas atividades do dia-a-dia.

Enunciado 4 (pg. 07)

Nesse fragmento, a SEE, como coenunciador “constrói” a imagem do

educador (co-enunciador) , como a daquele interlocutor que necessita de

explicações que direcionem o seu trabalho no sentido de determinar o que fazer,

como fazer e para que fazer. Não há uma referência, por parte do coenunciador,

no sentido de considerar a história do professor como aquele que freqüentou um

curso de formação para aprender o ofício de ensinar e que conta com uma

experiência viva de trabalho.

Por conseguinte, podemos dizer que a visão da SEE em relação ao seu co-

enunciador, ou seja, o professor, apresenta-se de maneira desarticulada em

relação às condições reais de trabalho. Dessa forma, o professor, enquanto co-

enunciador, não se identifica com o discurso desse texto prescritivo, pois ele, na

constituição discursiva da enunciação, não é um co-enunciador modelo, mas uma

30 Posicionamento apresentado a partir do meu trabalho docente na rede estadual e na convivência com os meus colegas professores.

As SEE também irá coordenar a produção e distribuição de materiais didáticos

e de divulgação pedagógica que sejam fundamentais para o sucesso dos

processos de aprendizagem ou que contribuam para explicitar aos

educadores aspectos que são vitais ao seu trabalho , como é o caso, por

exemplo, de o que ensinar, para que ensinar, como ensinar e com o avaliar.

Page 79: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

78

instância real que traz uma história que não é considerada pelo enunciador, ou

seja, a SEE.

Com o objetivo de ressaltarmos as posições que ora são de aliança ora são

antagônicas nos prescritos, apresentamos, a seguir, as designações do discurso

empresarial das instâncias técnicas-organizacionais assumidas pelos discursos da

educação.

1.3 O deslizamento das designações do discurso emp resarial para o

discurso educacional

a) Análise de expressões que enfatizam a idéia de C ompetência

Coletiva próprias do discurso empresarial e, agora, presentes no discurso

educacional:

A utilização dos conceitos sobre Competência Coletiva e expressões como

Trabalho em Equipe é relativamente nova, conforme Schwartz (1998), e tem sido

empregada pelos chefes de projetos e de empresas a partir dos últimos quinze

anos para se referir aos ajustes dos trabalhadores às tarefas e aos objetivos a

serem alcançados pelas empresas. Todavia, essas designações próprias do

discurso empresarial são encontradas também no campo discursivo educacional

dos países latino-americanos, fato que vem se consolidando nos discursos

políticos da SEE e são apresentados, a seguir, por meio de enunciados que

trazem essa inserção de designações do campo empresarial no campo

educacional, a fim de compreendermos as mudanças de conceito sobre o trabalho

educacional a partir das alterações lingüísticas e sócio-históricas. Esses

enunciados foram retirados do segundo documento – Elaboração do Planejamento

nas Escolas e nas Diretorias de Ensino:

Page 80: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

79

As designações voltadas para o conceito de Trabalho Coletivo/Trabalho em

Equipe podem ser relacionadas com o conceito de Competência Coletiva no

sentido de que esta última apresenta a idéia de que a eficiência emerge como um

produto de trabalho coletivo.Todavia, essa perspectiva apresenta alguns

impasses, pois, o trabalho do professor é relativamente visto como individualizado.

Segundo Kleiman & Morais (1999), na maioria dos cursos para professores, o

enfoque dado à sua formação pedagógica pauta-se na fragmentação de

conteúdos específicos de cada disciplina cursada na graduação, o que contribui

para uma futura atuação fragmentada em relação ao trabalho coletivo da escola.

- Lembrando a dupla função de todo o professor, como gestor do

processo de ensino e de aprendizagem, dentro da especificidade de sua área

ou disciplina, e como integrante da equipe escolar, que compartilha da

construção coletiva de uma escola pública de qualidade,...(pg.01)

- O momento ideal para a definição e revisão desses critérios é quando o

coletivo dos professores está reunido para o estabelecimento dos pontos

comuns que nortearão todo o processo de ensino e de aprendizagem ... (pg.11)

- Estas são algumas questões com as quais nos deparamos e que

podem colaborar no planejamento do trabalho. Elas devem ser discutidas no

coletivo da escola. (pg.12)

Page 81: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

80

Outro aspecto importante a ser analisado quanto às designações que se

referem à idéia de competência coletiva/trabalho em equipe nas escolas é o fato

de que o coletivo de trabalho dos profissionais da educação, em especial, o do

professor, sofre alterações em seu quadro, ano a ano, com a legislação referente

à remoção31. Assim, esse prescrito em forma de lei – Concurso de Remoção -

contribui para alterar o princípio do trabalho em equipe proposto por outro

prescrito, também da SEE, que trata da organização planejamento nas instituições

educacionais, pois as escolas contam com um quadro diferente de professores a

cada ano. Dessa forma, o trabalho coletivo nas escolas sofre influências das

prescrições que não conseguem refletir as condições reais de trabalho, uma vez

que os coletivos de trabalho não são estáveis e circunscritos a um mesmo tempo

e a um mesmo lugar.

Diante desses fatos, percebemos que a esfera educacional é constituída de

uma dimensão estrutural diferente daquela empresarial. Se, nesta última,

percebemos, uma certa organização técnica valorizada por organogramas, metas

e métodos de trabalho, na segunda, o caráter “dinâmico” das prescrições oferece

a contínua formação de “coletivos” de trabalho, o que causa um embate entre

aquilo que é prescrito e aquilo que é real.

Em seguida, apresentamos as alterações lingüísticas, também provenientes

do campo organizacional-empresarial, dos termos trabalho e gestão, com o

objetivo de compreender o sentido que essas alterações assumem no campo

discursivo educacional.

b) Análise das alterações lingüísticas: os deslizam entos da

designação trabalho para o termo gestão :

31 Concurso promovido pela SEE com o objetivo de proporcionar alteração de local de trabalho dentro do Estado de São Paulo.

Page 82: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

81

O deslizamento semântico trabalho/gestão consta de enunciados referentes

às funções dos diretores e professores, bem como à estrutura organizacional que

avalia as dimensões da gestão de SEE.

- Com base na auto-avaliação e em sua proposta pedagógica, a equipe

escolar formulará um plano de melhoria em que serão redefinidas ações

voltadas para o aperfeiçoamento do trabalho dos gestores e docentes com

vistas a...

- Lembrando a dupla função de todo professor, como gestor do processo

de ensino e de aprendizagem ...

- Gestão de recursos: avalia os serviços prestados pela escola em

relação ao atendimento público, à manutenção do prédio, dos equipamentos,

bem como a utilização e aplicação de recursos financeiros.

- O instrumento de auto-avaliação utilizado pelo Prêmio Nacional de

Referência em Gestão escolar contém itens importantes para o desenho desse

mapa; percorre todos os momentos da gestão escolar, ...

- Gestão Participativa: avalia o nível do envolvimento do conjunto da

escola na tomada de decisões, a real participação dos conselhos escolares, a

APM, grêmios estudantis, o grau de socialização das informações;

Page 83: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

82

Os fragmentos anteriores nos remetem a um campo mais vasto do que

aquele circunscrito ao “posto de trabalho” de cada profissional ou às tarefas que

ele tem que realizar. O deslizamento trabalho/gestão implica um enfoque no qual

há uma dilatação da idéia de “capacidades para”, pois, se antes elas se

apresentavam por meio de um roll de competências definidas e exeqüíveis para o

trabalho (Schwartz, 2000), agora, essas capacidades são apresentadas numa

dimensão mais vaga, o que pode instaurar desconforto no trabalhador. Assim,

percebemos outra forma de organização para o trabalho educacional, a qual

solicita outras expressões lingüísticas para registrar a sua atual conceitualização.

A designação gestão no lugar de trabalho ou função exprime claramente as

tendências atuais de se conceituar o trabalho como gestão de situação de trabalho

(Schwartz, 2000), visão esta em que se encontra uma nova forma de organização

do trabalho que prioriza não somente o trabalho realizado, mas também a

organização e a avaliação desse trabalho no sentido de se identificar os seus

problemas, registrá-los e propor soluções que solucionem suas faltas. Seria o que

o autor chama de dimensão histórica do trabalho ao se referir às influências

desta conjuntura sobre o modo de se pensar o trabalho. Enfim, podemos pensar

que essas questões sobre trabalho coletivo, e gestão educacional são legítimas

porque por detrás dela há um jogo discursivo no qual os discursos se movem e

compõem a imagem do trabalho educacional do professor.

- Gestão de Pessoas: avalia o compromisso dos gestores, professores e

funcionários com o projeto pedagógico e o desenvolvimento de equipes;

Lembrando a dupla função de todo professor, como gestor do processo

de ensino e aprendizagem, ...

Page 84: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

83

Essas circunstâncias que hoje envolvem o trabalho educacional, como a

questão do trabalho coletivo, trabalho de equipe, gestão de trabalho, sempre

existiram, isto é, cobrava-se essa postura do professor, mas de maneira vaga e

modesta. No caso do trabalho docente, solicitar algumas normas de conduta

profissional, como elaboração de planejamento de ensino, organização de

cronogramas para avaliação de aluno, confecção de estratégias de recuperação,

adequação e aplicação de instrumentos de avaliação de nível estadual para o

institucional como o do SARESP32 já constituíam parte de sua função. Todavia, o

que percebemos nessas prescrições mais ”democráticas” (Boutet,1993,apud

Souza-e-Silva, 2000), que vão solicitar um trabalho “dilatado“ do professor no

sentido de não só executar, mas também de “gerir” o seu trabalho, é que estas

conferem a ele uma atuação que anteriormente ele já exercia de maneira informal,

mas que, agora, são “cobradas” dele oficialmente por meio de prescrições , as

quais trouxeram conceitos e designações das instâncias técnicas e

organizacionais para o seu campo de trabalho e também impuseram uma

dimensão de competências mais extensa para direcionar esse trabalho.

Por conseguinte, os discursos que convocam o professor a participar do

gerenciamento dos resultados educacionais, a colaborar na articulação da

participação de todos os membros da escola no processo educacional, a elaborar

a avaliação das condições físicas do ambiente de trabalho, instituem um ponto de

bifurcação, no qual, de um lado, há o trabalho que o professor já realizava de

maneira não-oficial; de outro lado, o trabalho que, pelas prescrições atuais, ele

agora precisa realizar, mas para o qual ele não se vê realmente responsável.

Esta condição original de trabalho que se impõe aos professores, nos dias

de hoje, por meio dos textos que prescrevem o seu trabalho e solicitam

competências heterogêneas que se situam nos pólos da inteligência, da prática e

dos valores, colabora para o seu estresse, como temos observado em nosso

cotidiano de trabalho, pois se ele já entendia o seu trabalho dentro de uma

perspectiva que vai além daquela de ensinar (pai, mãe, psicólogo, assistente

social...); hoje ele se depara com discursos que confirmam essa dimensão maior

32 Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo.

Page 85: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

84

de seu trabalho por meio de designações lingüísticas que, até então, não faziam

parte do campo discursivo da educação.

Então, na intersecção dos discursos que se configuram para compor a

imagem discursiva do trabalho educacional é que nos deparamos com dimensões

que podem ser evidenciadas a partir de uma análise discursiva que leve em conta

o contexto sócio-histórico no qual esses discursos são produzidos.

Dessa forma, a presença de discursos vários nos prescritos da SEE

possibilita a identificação de uma imagem que, num primeiro momento passa a

idéia de aliança no campo discursivo, como é o caso dos discursos que recuperam

enunciados de forma explícita por meio de índices lexicais (heterogeneidade

mostrada marcada ) presentes nos documentos da SEE e referentes aos PCNs e

ao diálogo com as outras esferas institucionais da educação – MEC,CENP, CEI - e

também, de maneira implícita (heterogeneidade mostrada não marcada), quando

o discurso da SEE faz alusão à política do atual governo que procura sincronizar o

discurso da sociedade à sua política educacional.

Mas, num segundo momento, esses discursos também estabelecem

posições antagônicas quando analisamos a relação enunciador e co-enunciador,

amparando-nos no contexto sócio-histórico em que essa relação se dá. Por isso, a

incidência do discurso empresarial, oriunda das posições econômicas atuais,

impõe um caráter de empreendedorismo e objetividade a ser passado pelo

enunciador, no caso a SEE. Mas a dimensão histórica do trabalho do professor

não traz em si esse aspecto característico do discurso empresarial, tampouco as

concepções neoliberais que reforçam a busca pela competitividade próprias de

todo “profissional bem sucedido” que precisa “gerir” de maneira eficaz o seu

trabalho. Pelo contrário, a história do professor é caracterizada por uma condição

de trabalho que não está em sintonia com a imagem que os documentos

apresentam, fato que podemos constatar no dia-a-dia em nosso ambiente de

trabalho.

Page 86: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

85

Considerações Finais

Uma pesquisa voltada para os discursos que envolvem o trabalho

educacional pode trazer, num primeiro momento, a idéia de que muito já foi dito

sobre o assunto. Todavia, é no caminhar das reflexões sobre esses discursos que

percebemos o quanto ainda temos que avançar nas investigações para

entendermos a complexidade desse universo.

Tal complexidade solicita do pesquisador um engajamento com os valores

educacionais e com as dimensões técnicas que envolvem essa esfera, assim,

entender o ensino como trabalho é resgatar, ou melhor, evidenciar as

características profissionais desse universo, valorizando o trabalho do profissional

nessa área, pois as características profissionais são muito evidentes em outras

profissões, mas não no ensino.

Dessa forma, ao utilizarmos algumas categorias da análise do discurso na

investigação do trabalho prescritivo educacional foi possível perceber, ao longo da

análise dos documentos, o caráter “fluído” que essas prescrições apresentam em

relação ao papel do professor, o que, ao nosso ver, pode causar um desconforto

maior do que o seu direcionamento incisivo para as suas atividades. Outro

aspecto a ser ressaltado, nesse momento, é o fato de os documentos se

constituírem como prescrição que estabelece o que precisa ser feito, mas não

como deve ser feito esse trabalho educacional. Essa dimensão enunciativa parece

pressupor, por parte do enunciador, um co-enunciador em concordância e

engajado com os seus princípios político-ideológicos, uma vez que as diretrizes

gerais foram postuladas e, agora, cabe a ele executá-las.

Nessas reflexões finais, também é pertinente voltarmos para a questão do

gênero profissional do professor no que diz respeito a sua presença nos

prescritos. Nesse sentido, as análises finais apontam para o predomínio dessa

Page 87: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

86

instância em relação ao estilo profissional, pois o gênero profissional apresenta

uma “parte estável da profissão” – o espectro profissional – e o discurso nesses

documentos não se volta para questões do dia-a-dia dos profissionais da

educação, isto é, aos embates que ele trava para resolver seus problemas de

acordo com o seu estilo, mas foca-se na figura idealizada de um profissional

empreendedor que, para estar em concordância com os tempos atuais em que

novas posturas profissionais são exigidas, precisa demonstrar capacidade de gerir

seu trabalho em prol de seu aluno que, nesta perspectiva, não é aquele que

apenas quer aprender, mas também é visto como aquele cliente que precisa ser

atendido com eficiência.

Todavia, é na continuidade dos estudos sobre o trabalho educacional que

poderemos avançar sobre as reflexões acerca das dimensões discursivas que se

inter-relacionam nesse campo, considerando as concepções provenientes do

campo empresarial para o educacional e as possibilidades de um outro olhar que

esse fenômeno pode oferecer para a organização da escola. Essa perspectiva é

interessante porque as redes e parcerias que o mundo atual impõe a todos cobra

da sociedade e, conseqüentemente da escola, uma organização de trabalho

estratégica que não foi constitutiva de sua existência no passado.

Também é preciso ressaltar numa investigação sobre as prescrições do

trabalho a possibilidade de o profissional renormalizar (Shcwartz, 2000) essas

prescrições, isto é, de seguir em frente e adequar as normas às situações reais de

trabalho, as quais apresentam imprevistos a todo instante. Esse aspecto é

importante no estudo do trabalho educacional, pois nessa atividade - os gestos, os

pensamentos, as atitudes e os anseios - são direcionados, não para objetos ou

máquinas, mas para seres humanos em constante estado de evolução. Podemos

evidenciar, assim, um outro aspecto que contribui para a fragilidade das

prescrições no trabalho humano.

Como afirmado anteriormente, é necessário o desenvolvimento de

pesquisas que busquem outras interfaces do trabalho educacional, isto é, que

Page 88: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

87

analisem os discursos sobre esse trabalho, os quais compõem movimentos que

enfatizam uma imagem a ser propagada , como também é importante destacar a

necessidade de estudos que busquem a voz do professor frente aos discursos

sobre o seu trabalho.

Assim, a análise discursiva dos prescritos referentes ao trabalho

educacional, na articulação da Lingüística Aplicada com as abordagens da

Ergonomia e da Ergologia, permite o embasamento em teorias que estudam o

trabalho humano, possibilitando a reflexão sobre a heterogeneidade das relações

sociais que permeiam esse complexo campo; e também afloram traços

característicos desse trabalho que precisam ser capturados pelo pesquisador e

socializados junto àqueles que buscam contribuir para o avanço das reflexões

sobre o ensino em nosso país.

Page 89: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

88

REFERÊNCIAS

AMIGUES, R. (2002). O ensino como trabalho. P. Bressoux . (ed.) Les estragies

de 1’ enseignanten situation d’ interactions. Note de synthèse pour Cognitique:

Progamme Ecole et Scienses Cognitives.

___________, R. (2004). Trabalho do Professor e Trabalho de Ensino. São Paulo:

Fapesp.

BRONCKART, J.P. & MACHADO, A .R. (2004). Procedimentos de análise de

textos sobre o trabalho educacional. São Paulo: Fapesp.

CELANI. M. A. A. (1992). (org.) Lingüística Aplicada – aplicação da lingüística à

lingüística transdisciplinar.

CHAUÍ, M. (2003) Convite à Filosofia. São Paulo: Ática.

CLOT, Y.; FAÏTA D.; FERNABDES, D.; SCHLLER, L. (2001). “Entretiens en

autoconfrontation erisée: une méthode en clinique de l’ activité. Educacion

Permanente, n°146.

DANIELLOU, F. As prescrições do trabalho.(2002) Texto proferido em Conferência

Inaugural. Toulouse.

GENTILI, P. (2002). A falsificação do consenso –Simulacro e imposição na

reforma educacional do neoliberalismo. São Paulo: Vozes.

KLEIMAN B. & MORAES S. E. (1999). Leitura e interdisciplinaridade: tecendo

redes nos projetos da escola. São Paulo: Mercado das Letras.

Page 90: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

89

MAINGUENEAU, D. (1997) Novas Tendências em Análise do Discurso. Tradução

de Freda Indursky. São Paulo: Pontes.

__________________(1998/2004) Análise de Textos de Comunicação. Tradução

de Cecília Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Cortez.

___________ (2000). Termos – Chave da análise do Discurso. Tradução de

Márcio Barbosa & Maria Emília A. T. Lima. Minas Gerais: UFMG.

___________ (2005). Gênese dos Discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba:

Criar.

MEC MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO (1997). Parâmetros

Curriculares Nacionais. Brasília.

MOREIRA, E. F. P.; RAGO L. M. (2003). O que é taylorismo. São Paulo:

Brasiliense.

SCHWARTZ, Y. (1998) Os ingredientes a competência: Um exercício necessário

para uma questão insolúvel. In: Educação e Sociedade, ano XIX.

___________(2000) Trabalho e uso de si. In: Pro Posições, Vol.1, n°5.

___________(2004) Conferência “Ergologia – competências, ofício do professor”,

proferida na PUC_SP em 24 de agosto de 2004.

SOUZA-E-SIL VA, M.C.P. (2004). Quais as contribuições da lingüística aplicada

para a análise do trabalho? In: Figueiredo, M., Atayde, M.; Brito, J & Alvarez, D.

(orgs). Labirintos do trabalho: interrogações e olhares sobre o trabalho vivo. Rio de

Janeiro: DP & A.

Page 91: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

90

___________(2001) Os escritos no trabalho. In: CD-ROM I CONGRESSO E IV

COLÓQUIO DA ASSOCIAÇÃO LATINOAMERICANA DE ESTUDOS DO

DISCURSO. Recife, Universidade Federal de Pernambuco.

___________(2004) O ensino como trabalho. In: MACHADO, A. R. (org.). O

ensino como trabalho – uma abordagem discursiva. São Paulo: Fapesp.

Textos da Internet:

htpp://cenp.edunet.sp.gov.br

www.educacao.sp.gov.br

Page 92: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

91

ANEXO 1 Política Educacional da SEE de São Paulo

Page 93: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

92

ANEXO 2 Orientações para a Elaboração do Planejamento

Page 94: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

93

ANEXO 3 Lista de bons comportamentos do funcionário

Page 95: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 96: A imagem discursiva do trabalho educacional nos prescritos ...livros01.livrosgratis.com.br/cp010131.pdf · imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo