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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CARLOS AUGUSTO THIVES DE CARVALHO A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DO JÁ CIVILMENTE IDENTIFICADO COMO FERRAMENTA PARA APERFEIÇOAR A SEGURANÇA PÚBLICA São José - SC 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CARLOS AUGUSTO THIVES DE CARVALHO

A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DO JÁ CIVILMENTE IDENTIFICADO COMO FERRAMENTA PARA APERFEIÇOAR A

SEGURANÇA PÚBLICA

São José - SC

2008

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CARLOS AUGUSTO THIVES DE CARVALHO

A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DO JÁ CIVILMENTE IDENTIFICADO COMO FERRAMENTA PARA APERFEIÇOAR A

SEGURANÇA PÚBLICA

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Marilene do Espírito Santo

São José - SC 2008

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CARLOS AUGUSTO THIVES DE CARVALHO

A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DO JÁ CIVILMENTE IDENTIFICADO COMO FERRAMENTA PARA APERFEIÇOAR A

SEGURANÇA PÚBLICA

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Penal e Processual Penal

São José, 10 de novembro de 2008.

Prof. MSc. Marilene do Espírito Santo UNIVALI – Campus de São José

Orientadora

Prof. Esp. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José

Membro

Profa. MSc. Alessandra de Souza Trajano UNIVALI – Campus de São José

Membro

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Dedico este trabalho ao meu inesquecível e amado pai.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha amada mulher; minha querida família, base sólida e

imprescindível em toda minha existência, em especial ao meu irmão Ivens por ter

sido e ainda ser um espelho para mim, influenciando sobremaneira na iniciação e

conclusão deste; aos meus amigos André, Giovani, Jaime, José Alexandre, Miguel,

Ortiga, Rodrigo e Romulo; ao Instituto Geral de Perícias – IGP, órgão que me

proporcionou realização profissional plena; a todos os funcionários e professores da

UNIVALI, principalmente ao mestre Rodrigo Mioto com seu conhecimento amplo e

inigualável dom para ensinar e, finalmente, um agradecimento especial a minha

querida orientadora, que com competência, paciência e carinho direcionou e

orientou-me nesta árdua missão.

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Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado.

(Rui Barbosa)

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 10 de novembro de 2008.

Carlos Augusto Thives de Carvalho

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RESUMO

A Constituição Federal determina em seu artigo 5º, inciso LVIII, que o civilmente

identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses

previstas em lei. Esta determinação do constituinte originário buscou impossibilitar

os arbítrios cometidos quando em nome da correta identificação do autor de um

crime, violava-se o direito fundamental da dignidade da pessoa. Entretanto como

determinado, passados doze anos, o legislador infraconstitucional previu as

hipóteses, através da Lei 10.054, de 07 de dezembro de 2000, possíveis de haver

identificação criminal do já civilmente identificado. Porém, observa-se que esta lei foi

posta no ordenamento desprovida de lógica jurídica, seu fundamento é precioso,

entretanto seu conteúdo peca pelo descompasso entre a necessidade e o

positivado. Exsurge a exigência de aprimoramento da Lei 10.054, principalmente no

inciso I, do artigo 3º, que possui um rol taxativo de crimes passíveis de identificação

criminal, mas que não encampa outros congêneres, colaborando para deixar o

direito fundamental da segurança pública vulnerável. Apresenta-se uma série de

incongruências na Lei, a possibilidade de alteração intrínseca dela e a importância

para a segurança jurídica com o aprimoramento da lei autorizadora da identificação

criminal e, por conseguinte, da persecução penal.

Palavras-chaves: Constituição Federal; art. 5º LVIII; Identificação Criminal; Lei

10.054/2000; Segurança Pública.

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ABSTRACT

The Federal Constitution stipulates in its 5th Article, item LVIII, that the civil identified

will not be subject to criminal identification, except in cases provided for in law. This

determination of the originating constituent tried the impossible when taxes

committed on behalf of the correct identification of the perpetrator of a crime, violated

the right of the fundamental dignity of the person. Meanwhile as determined, past

twelve years, the legislature below constitutional predicted the chances, by Law

10,054, of December, 7th, 2000, there are possible criminal identification of civilly

already identified. However, it appears that this law was put in the legal system

devoid of logic, its value is precious, but the content suffers imbalance between the

need and positive. Require the demand for improvement of Law 10,054, mainly in

item I, 3rd Article, which has an exhaustive list of crimes subject to criminal

identification, but not encamp other counterparts, contributing to leave the

fundamental right of public security vulnerable. It presents a series of inconsistencies

in the law, the possibility of change and its intrinsic importance to the certainty with

the improvement of the law's authorized criminal identification and therefore the

criminal prosecution.

Keyword: Federal Constitution, art. 5 LVIII; Criminal Identification; Law 10,054;

Public Safety.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1 O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO ............................................................. 13

1.1 Identificação Humana ..................................................................................... 15

1.1.1 A Importância da Identificação Humana ......................................................... 16

1.1.2 Métodos de Identificação Humana ................................................................. 16

1.2 Identificação Civil ............................................................................................ 22

1.2.1 Registro de Nascimento.................................................................................. 23

1.2.2 Carteira de Identidade .................................................................................... 25

1.2.3 Outros Documentos de Identificação Civil ...................................................... 28

1.3 Identificação Criminal...................................................................................... 29

1.3.1 Breve Histórico da Identificação Criminal ....................................................... 30

1.3.2 Elementos Identificadores ............................................................................... 32

2 IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ............... 35

2.1 Considerações Iniciais .................................................................................... 35

2.2 Princípios Correlacionados à Identificação Criminal ....................................... 37

2.2.1 Noções Gerais ................................................................................................ 37

2.2.2 Princípio da Dignidade Humana ..................................................................... 39

2.2.3 Princípio da Não-Culpabilidade ...................................................................... 42

2.2.4 Princípio da Não Auto-Incriminação ............................................................... 44

2.2.5 Princípio da Proteção à Imagem ..................................................................... 45

2.2.6 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado ..................... 47

2.2.7 Princípio da Segurança Pública ...................................................................... 49

2.2.8 Princípio da Eficiência..................................................................................... 50

2.2.9 Princípio da Proporcionalidade ....................................................................... 51

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3 O NECESSÁRIO APRIMORAMENTO DAS NORMAS RELATIVAS À

IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL ..................................................................................... 53

3.1 Considerações Iniciais .................................................................................... 53

3.2 Considerações sobre a Lei 10.054/2000 ........................................................ 54

3.3 Outras Normas Congêneres à Lei 10.054/2000 ............................................. 55

3.4 A Fragilidade e o Dever Estatal da Correta Identificação ............................... 57

3.4.1 A Identificação Criminal no Código de Processo Penal .................................. 57

3.4.2 Entendimento antes e após a Constituição Federal de 1988.......................... 58

3.5 Incoerência das Exceções do inciso I, do art. 3º, Lei 10.054 .......................... 65

3.5.1 Primeira Hipótese: “estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio

doloso” ...................................................................................................................... 67

3.5.2 Segunda Hipótese: “crimes contra o patrimônio praticados mediante violência

ou grave ameaça” ..................................................................................................... 67

3.5.3 Terceira Hipótese: “crime de receptação qualificada” ..................................... 68

3.5.4 Quarta Hipótese: “crimes contra a liberdade sexual” ...................................... 69

3.5.5 Quinta Hipótese: “crime de falsificação de documento público” ..................... 69

3.5.6 Crimes que deveriam estar relacionados nas Exceções do inciso I, do art. 3º,

da Lei 10.054/2000 .................................................................................................... 70

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 72

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 74

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INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988, em seu

artigo 5º, LVIII1, vedou a identificação criminal do indivíduo já civilmente identificado,

excetuando-se determinadas situações que o legislador ordinário estabeleceu.

Observa-se que o constituinte originário, ao insculpir o inciso LVIII no artigo

5º da Carta Magna, teve o intuito de restringir ao máximo as situações abusivas

quando em nome da investigação policial se procedia à identificação criminal

indistintamente.

Anterior à Carta Magna de 1988, em face do disposto no inciso VIII, artigo

6º2 do Código de Processo Penal (CPP), o Supremo Tribunal Federal (STF) havia

pacificado de forma diversa, Súmula 5683, ou seja, entendia ser possível a

identificação criminal independente de ser o indiciado identificado civilmente.4

O legislador ordinário, com um atraso de doze anos, introduziu no

ordenamento jurídico, em complementação ao texto constitucional, a Lei 10.0545, de

7 de dezembro de 2000, que dispondo sobre identificação criminal, fixou hipóteses

1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei; 2 Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; 3 BRASIL. STF. Súmula 568 aprovada em sessão plenária em 15/12/1976. Disponível em: www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_501_600, acesso em 08/09/2008. 4 A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente. 5 Art. 3º O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando: I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade; III – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; IV – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; V – houver registro de extravio do documento de identidade; VI – o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil.

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de exceção ao estabelecido na CRFB, corroborando com a intenção do constituinte

de admitir com excepcionalidade a identificação criminal e assim resguardar ao

máximo o princípio da presunção da inocência.

Por outro prisma, o dever do Estado de prestar segurança pública ao

indivíduo tutelando seu bem supremo, a vida, e o objetivo fundamental de promover

a manutenção da paz social, leva-o a interpretar a norma infraconstitucional, Lei

10.054/2000, incompleta e não condizente com o Princípio da Segurança Pública -

(CF, art. 1446) e com o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o

Particular, em que, conflitando interesse particular com interesse público coletivo,

este deve prevalecer.

Depreende-se assim, que a vedação constitucional de submissão à

identificação criminal do civilmente identificado, deve ter seu rol de exceções

ampliado e flexibilizado visando atender a necessidade coletiva de identificar o maior

número possível de criminosos e, por conseguinte, evitar que estes reincidam na

prática de atos delituosos.

Deste modo, o presente trabalho tem o escopo de fazer uma análise em face

do disposto no artigo 3º da Lei nº 10.054/2000, da necessidade premente de buscar

mecanismos que aperfeiçoem a segurança pública e de dirimir dúvidas sobre a

identidade dos envolvidos em ilícitos penais.

Para alcançar esse objetivo estruturou-se esta monografia em três capítulos.

O primeiro conceitua identificação humana e sua segmentação em identificação civil

e criminal; o segundo a correlação entre a identificação criminal e determinados

princípios constitucionais e, por último, capítulo no qual se apontam possíveis

alterações nas normas para flexibilizar o uso da identificação criminal.

Na presente monografia utilizou-se da forma de pesquisa bibliográfica em

qualquer documento que possa agregar valor probante a esta, entre eles: livros,

anotações, doutrinas, artigos e periódicos (revistas, boletins, jornais), além da

internet. Utilizou-se também o método dedutivo, partindo do geral, que é a

Identificação Civil e a Identificação Criminal, para o particular, que é a flexibilização

e/ou interpretação da norma tendente a autorizar a identificação criminal do

identificado civilmente além das exceções previstas. 6 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

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1 O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO

A questão da identificação humana, seja civil, seja criminal, é imperativa

para qualificar e distinguir os homens objetivando atribuir-lhes fatos, ordens,

atribuições, responsabilidades, direitos, deveres e personalidade. Venosa aduz que,

pelo lado do direito público, o Estado encontra no nome fator de estabilidade e

segurança para identificar as pessoas e, pelo lado do direito privado, o nome é

essencial para o exercício regular dos direitos e do cumprimento das obrigações. 7

A Bíblia, documento que influenciou decisivamente a civilização judaico-

cristã, traz a importância da identificação. De acordo com o Livro do Gênesis, o

primeiro assassino da história da humanidade foi Caim, em quem, segundo o Livro,

Deus pôs um sinal para identificá-lo perante os outros homens.8

A forma mais comum de identificar uma pessoa é pelo nome, mas a questão

dos homônimos de prenome constituiu-se um entrave à correta identificação. Diante

desta dificuldade na individualização deu-se o início da utilização do sobrenome.

Segundo Araújo, “Data de 2.850 a.C. o primeiro uso de nomes compostos, quando o

então Imperador Chinês Fushi decretou o uso de nomes de famílias ou

sobrenomes”9.

Entretanto, pelo fato da identificação através do nome não garantir a

individualização de um ser humano, pois há registros de diversas pessoas com o

mesmo prenome e sobrenome (Antônio dos Santos, José da Silva, Francisco dos

Santos, João Martins, entre outros), buscou-se uma alternativa que fosse

inquestionável, chegando-se ao processo datiloscópico de identificação, através das

impressões digitais.

A utilização das impressões digitais como forma de identificação é realizada

há séculos. De acordo com Kehdy:

A primeira vez na história que se tem notícia do uso de impressões digitais para identificar positivamente uma pessoa foi no século II a.C., onde governantes chineses usavam-nas para lacrar documentos importantes10.

7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. Volume 1. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 212. 8 BÍBLIA SAGRADA – Livro do Gênesis, (4;15), Editora Sivadi. 2000, p. 5. 9 ARAÚJO, Marcos Elias Claudio de, Datiloscopia: a determinação dos dedos – Brasília : L. Pasquali, 2006, p. 2. 10 KEHDY, Carlos., Papiloscopia: Impressões digitais, impressões palmares, impressões plantares. São Paulo: Serviço Gráfico da Secretaria da Segurança Pública, 1962, p. 36.

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O autor cita, ainda, que:

O arqueologista húngaro Aurel Stein, quando em expedição no Turquistão, retirou de cidades soterradas pela areia três contratos chineses, em placas de cerâmica, provavelmente do ano 782 d.C., que tinham o seguinte conteúdo: “Ambas as partes concordam com estes termos que são justos e claros e afixam as impressões dos seus dedos, que são marcas inconfundíveis”.11

Relatos históricos de Galante Filho informam:

No século quatorze antes de Cristo, impressões digitais foram usadas em papéis oficiais do governo da Pérsia; naquela ocasião, uma observação feita por um cientista, dizendo que impressões digitais de duas pessoas eram diferentes, foi gravada por um oficial.12 Na década de 1880, o antropólogo inglês Sir Francis Galton, começou suas observações de impressões digitais. Em seu livro chamado Finger Prints, publicado em 1882, sustentou afirmações anteriores, de terceiros, de que as impressões digitais nunca eram duplicadas e de que elas permaneciam inalteradas durante o tempo de vida de um indivíduo, descrevendo o primeiro sistema de classificação para as impressões digitais. Galton mencionou pontos das minúsculas estrias, o quais são algumas vezes referidos como Detalhes de Galton ou mesmo Características de Galton, através dos quais as impressões digitais podiam ser identificadas; estas mesmas características ainda são usadas hoje em dia e seu conjunto é chamado minutae. Galton provou cientificamente a imutabilidade e a perenidade das impressões digitais.13 Em 1902, o Dr. Henry P. Deforest, Chefe Médico Examinador da Comissão de Serviço Civil de New York, iniciou o primeiro uso sistemático de impressões digitas nos Estados Unidos. Ele tomou impressões digitais das pessoas que se candidatavam para empregos no serviço civil, a fim de impedir que pessoas mais qualificadas realizassem os testes por outras.14

O Brasil adotou o sistema datiloscópico como padrão nacional de

identificação civil, disciplinando a matéria por meio da Lei 7.116, de 29 de agosto de

1983, principalmente em seu art. 8º, que fazia a seguinte previsão: “A Carteira de

Identidade de que trata esta Lei será expedida com base no processo de

identificação datiloscópica”, ou seja, um processo indelével para identificação de

qualquer pessoa.

11 Ibidem, p. 37. 12 GALANTE FILHO, Helvétio [et al.] Identificação humana. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999, p. 73. 13 Ibidem, p. 76. 14 Ibidem, p. 80.

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15

1.1 Identificação Humana

As pessoas apresentam características que as inserem em determinado

grupo, tais como, cor, raça, estatura e idioma. Entretanto, respeitadas as

semelhanças, cada indivíduo apresenta sinais próprios que possibilitam diferenciá-lo

dos demais de seu grupo.

Conforme Pitombo, esse conjunto de caracteres que individualizam uma

pessoa denomina-se “identidade”, que significa “conhecer, por via das diferenças,

singularmente”15 ou “o conjunto de caracteres próprios e exclusivos que

individualizam pessoas, animais ou coisas”.16

Importante também estabelecer o que seja “identificação” que, de forma

concisa, Fernando Tourinho conceitua como “o processo usado para se estabelecer

a identidade. Esta, por sua vez, vem a ser o conjunto de dados e sinais que

caracterizam o indivíduo”.17

De acordo com Sobrinho, para obter sucesso na identificação humana faz-se

necessário o emprego de alguns procedimentos, em três etapas: registro inicial,

registro posterior e comparação:

1ª) registrar o grupo de caracteres permanentes de um indivíduo capazes de diferenciá-lo de outro; 2ª) tomar um segundo registro dos mesmos caracteres, quando o mesmo indivíduo for novamente encontrado; 3ª) julgar, comparativamente, ambos os registros de caracteres permanentes, para possibilitar a afirmação ou não da identidade da pessoa; A identificação humana é tarefa lógica e complexa iniciada com a tomada dos sinais exteriores, também chamados de elementos “sinaléticos”, que são anotados em uma ficha. A seguir, é feita a tomada de um segundo registro dos mesmos caracteres, finalizando com o julgamento ou comparação dos dados anotados, possibilitando um resultado objetivo.18

Como se observa, a identificação humana não é um simples reconhecimento

das características individualizadoras. Ao contrário, exige técnica em seu

julgamento, empregando-se métodos científicos e também pessoal especializado.

15 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes apud SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 19. 16 Departamento de Polícia Federal. Manual de Técnicas de Papiloscopia. Brasília: Serviço Gráfico do DPF, 2004, p. 01. 17 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 88. 18 SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 20-21.

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1.1.1 A Importância da Identificação Humana

Todas as pessoas precisam ter, perante a sociedade, uma identificação que

possibilite a preservação e o acesso a valores primordiais, alguns estabelecidos na

própria Constituição da República Federativa do Brasil, tais como a liberdade e a

dignidade. Exsurge a identificação como referencial de conhecimento do indivíduo,

ou seja, ser conhecido e reconhecido por toda sociedade nacional e internacional.

Esse entendimento é o que se depreende do inserto no Manual do Departamento da

Polícia Federal:

Na sociedade há necessidade de individualizar as pessoas, tanto para assegurar-lhes direitos, como para exigir seus deveres. Neste particular a IDENTIFICAÇÃO é um importante instrumento de que se utiliza para a aplicação dos direitos individuais e sociais.19

Ainda, segundo o mesmo documento, “O conhecimento da identidade é

imprescindível nas relações humanas de qualquer caráter; a finalidade primordial

desse conhecimento repousa no fato de se evitar erro sobre a pessoa”.20 Esse

conhecimento é fundamental para que o cidadão não seja confundido com outro

quando da celebração de negócios ou da imputação de responsabilidade, bem como

da garantia de direitos e exigência de deveres.

1.1.2 Métodos de Identificação Humana

No decorrer da história o homem desenvolveu, por necessidade, inúmeros

processos de identificação humana. Para Araújo “estabelecer a identidade de uma

pessoa incontestavelmente tem sido desde os tempos remotos uma meta

incansável”.21

19 Departamento de Polícia Federal. Manual de Técnicas de Papiloscopia. Brasília: Serviço Gráfico do DPF, 2004, p. 01. 20 Idem. 21 ARAÚJO, Marcos Elias Claudio de, op. cit., p. 1.

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1.1.2.1 Nome

Dentre os processos de identificação, o mais antigo, simples e usual é o

nome. No entanto, em razão da homonímia, em muitos casos ele se tornou um sinal

simbólico, ambíguo e não confiável como processo autônomo de identificação.

Sobre o tema Araújo discorre:

O mais antigo de todos esses métodos é o nome. Utilizado pelo homem para reconhecer seus semelhantes e as coisas que o circundam, e embora muitas vezes feito de forma leviana na cultura ocidental moderna, era objeto de grandes preocupações no passado, por ser visto como um presságio. Porém, sua utilização como processo identificador não teve tanto sucesso como o esperado, principalmente pela facilidade com que pode ser adulterado.22

1.1.2.2 Ferrete

Técnica rudimentar e desumana, consistia em marcar com ferro em brasa o

corpo da pessoa, deixando marcas que identificassem ser criminosos ou escravos,

sobre esta técnica se relata:

Baseava no uso de um instrumento de ferro aquecido para se marcar os criminosos, escravos e animais. Na Índia, as Leis de Manu preconizavam o talião simbólico, marcando com ferro em brasa a face do culpado, com símbolos indicativos do seu crime. Quem manchasse o leito de seu pai espiritual seria assinalado com desenhos representativos das partes sexuais da mulher; o que tomasse licores espirituosos, marcado com a bandeira do destilador; o que roubasse ouro de um sacerdote, com a pata de cão; o que assassinasse um Brâmane, com a figura de um homem sem cabeça.23

1.1.2.3 Mutilação

Outra técnica de identificação bárbara, a mutilação, que, conforme o relato

do manual do Departamento da Polícia Federal consistia em:

22 Ibidem, p. 2. 23 Leis de Manu, Livro IX, n. 237 apud ARAÚJO, Marcos Elias Claudio de, op. cit., p. 3.

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18

Mutilação em criminosos de órgãos essenciais, tais como dedos, pés, mãos e até mesmo a castração. O órgão mutilado variava de acordo com o crime e com as leis do país que a adotaram como processo de Identificação. Esse processo tinha como finalidade identificar o autor do delito, e reprimir o crime, entretanto, bania o mesmo da sociedade, impedindo desta forma sua possível reintegração.24

1.1.2.4 Tatuagem

Tal método de identificação consiste na utilização de substâncias corantes

para gravar na pele desenhos e pinturas. O manual do DPF esclarece que:

A Tatuagem foi oficialmente proposta como método de identificação em 1832, pelo Jurisconsulto e filósofo inglês Jeremy Bentham, vale ressaltar, que Bentham pretendia aplicar a Tatuagem não só à identificação criminal como também à civil. Porém não obteve aceitação social, pela impropriedade de sua aplicação.25

1.1.2.5 Fotografia

Até hoje é empregada, de forma acessória, na identificação civil e na

criminal. Porém, quando foi utilizada como forma principal não obteve o resultado

almejado, conforme relatado no Manual do DPF:

Como meio exclusivo de identificação criminal foi inicialmente de grande valia. Ocorre que na medida em que as coleções fotográficas se avolumavam, mais complexo se tornava a sua organização. Tinha também o inconveniente dos criminosos alterarem seus traços fisionômicos, por meio de bigodes, cor dos cabelos e diversos disfarces para dificultar o processo fotográfico.26

24 Departamento de Polícia Federal, op. cit., p. 04. 25 Idem. 26 Departamento de Polícia Federal, op. cit., p. 05

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1.1.2.6 Processo Antropométrico

Este processo tratava da individualização e identificação da pessoa pela

mensuração de parte de seu corpo:

Na segunda metade do século XIX a ciência progrediu de tal forma, que seus cultores aproveitaram, para a utilizar nos processos de identificação. Daí originou-se a aplicação Antropologia à identificação. Em 1879, Alphonse Bertillon, concebeu a idéia de aplicar à identificação criminal os processos de Antropologia, que consistia na medição das diferentes partes do corpo. No ano de 1882, chama a atenção das autoridades policiais de Paris, com sua genial criação, que lhe permite usar o método na Prefeitura de Polícia da capital francesa. Em 28 de agosto de 1885 é decretada a sua obrigatoriedade para identificação criminal”.27

Observa-se, entretanto, que este processo se mostrou ineficiente:

Não obstante o entusiasmo inicial, o Sistema Antropométrico, foi aos poucos perdendo o brilho, em razão de algumas objeções mais ou menos severas e consistentes, a saber: - Era aplicável somente às pessoas adultas, entre vinte e sessenta

e cinco anos; - Difícil utilização em mulheres; - As medidas tomadas tinham forte componente pessoal e

passíveis de erros. Apareciam variedade de resultados, consoante o indivíduo era examinado por dois observadores ou duas vezes pelo mesmo perito;

- Os adjetivos empregados no seu vocabulário não correspondiam nos diversos países;

- Poderia acontecer que dois indivíduos revelassem valores antropométricos sensivelmente iguais.28

Contudo, o sistema antropométrico demonstrou igualmente aos

anteriormente citados sua fragilidade na perfeita e inquestionável identificação do

indivíduo.

27 Idem. 28 Ibidem, p. 07.

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1.1.2.7 Tecnologia Biométrica

Como se observou em todos os processos de identificação

supramencionados, as técnicas utilizadas não contemplavam o objetivo precípuo da

identificação, que é identificar correta e singularmente uma pessoa.

Neste contexto surge a Biometria, que significa literalmente “medida da vida”

(do grego bios = vida, metron = medida). No mundo da segurança, biometria se

refere ao método de análise e comparação de características físicas/biológicas

únicas - DNA, íris, identidade da retina, voz, geometria das mãos e dedos - de cada

indivíduo através da utilização de mecanismos automatizados de identificação. Com

a utilização da biometria a certeza na identificação do indivíduo aumenta

exponencialmente. De acordo com YAGI:

A Tecnologia Biométrica é o reconhecimento automático do indivíduo através de suas características físicas ou comportamentais únicas. As características físicas podem ser: impressão digital, face, íris, retina, geometria da mão, mapa termal da face, veias da palma da mão ou do dedo e outras. As características comportamentais podem ser: dinâmica da assinatura, dinâmica da digitação, reconhecimento pela voz, pelo movimento e outras. Tecnologia Biométrica: não perde validade, você não esquece, é difícil de ser copiado, é irrefutável, é intransferível, é definitivo. 29

A autenticação biométrica envolve dois momentos distintos: primeiro

momento, deve haver o registro dos dados individualizadores da pessoa através da

gravação de elementos mensuráveis tais como voz, impressão digital, face, íris,

entre outros, em um banco de dados; segundo momento, para se ter acesso e

confirmação do indivíduo singularmente é necessário que este apresente em

momento diverso as características biométricas para que se possa comparar aos

registros armazenados no banco de dados.

YAGI, apresenta este entendimento utilizando-se da expressão “templates”,

veja-se:

Toda tecnologia biométrica é baseada na comparação de “templates” que são registros específicos da característica física ou comportamental de cada indivíduo. No caso da impressão digital, por exemplo, os pontos geométricos que mais diferenciam um indivíduo

29 YAGI, Ricardo Takeshi. A revolução no ambiente de segurança com a biométrica tecnologia. Revista Eletrônica Brasiliano & Associados, jul-ago 2008, nº 37, p. 10. Disponível em: www.brasiliano.org/revistas/edicao_37.pdf, acesso em 02/09/2008.

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do outro (também chamados de minutiae) são gravados em um registro chamado “template”. O tamanho de um template varia desde dezenas de bytes até mais de um kbyte, dependendo da tecnologia empregada. O template pode ser armazenado em cartões magnéticos, transponders, códigos de barra, laser cards, smart cards ou no próprio disco rígido da rede. Como é feito o processo: - Captura: Um dispositivo é utilizado para capturar a imagem ou informação básica da característica biométrica do indivíduo. - Extração: Através de um leitor biométrico, são extraídos os pontos geométricos que irão caracterizar unicamente o indivíduo (template). - Comparação: Um algoritmo é utilizado para comparar dois templates. - Autenticação: O resultado da comparação dos dois templates, trabalhando com uma precisão estabelecida previamente, determinará se o template apresentado pertence ou não ao indivíduo do template cadastrado. Toda vez que você se apresentar com sua característica biométrica (por exemplo a impressão digital), o template gerado será comparado com o banco de dados de templates e trará os dados daquele template, cujo resultado será o seu nome e demais dados pessoais 30

Dentro da biometria é possível observar vantagens e desvantagens em cada

uma das tecnologias empregadas conforme se observa no quadro a seguir:

Impressão digital: o uso de impressão digital é uma das formas de identificação mais usadas. Consiste na captura da formação de sulcos na pele dos dedos e das palmas das mãos de uma pessoa. Esses sulcos possuem determinadas terminações e divisões que diferem de pessoa para pessoa. Para esse tipo de identificação existem, basicamente, três tipos de tecnologia: óptica, que faz uso de um feixe de luz para ler a impressão digital; capacitiva, que mede a temperatura que sai da impressão; e ultra-sônica, que mapeia a impressão digital através de sinais sonoros. Um exemplo de aplicação de identificação por impressão digital é seu uso em catracas, onde o usuário deve colocar seu dedo em um leitor que, ao confirmar a identificação, liberará seu acesso; Retina: a identificação por retina é um dos métodos mais seguros, pois analisa a formação de vasos sanguíneos no fundo do olho. Para isso, o indivíduo deve olhar para um dispositivo que, através de um feixe de luz de baixa intensidade, é capaz de "escanear" sua retina. A confiabilidade desse método se deve ao fato da estrutura dos vasos sanguíneos estarem relacionadas com os sinais vitais da pessoa. Sendo mais direto, o dispositivo leitor não conseguirá definir o padrão da retina de uma pessoa se esta estiver sem vida; Íris: a identificação por meio da íris é uma forma menos incômoda, pois se baseia na leitura dos anéis coloridos existentes em torno da pupila (o oríficio preto do olho). Por essa combinação formar uma "imagem" muito complexa, a leitura da íris é um formato equivalente ou mais preciso que a impressão digital. Por nem sempre necessitar da checagem do fundo do olho, é um método mais rápido de identificação. A preferência por identificação da íris também se

30 YAGI, Ricardo Takeshi. op. cit.

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baseia no fato desta praticamente não mudar durante a vida da pessoa; Geometria da mão: este também é um método bastante usado. Consiste na medição do formato da mão do indivíduo. Para utilizá-lo, a pessoa deve posicionar sua mão no dispositivo leitor sempre da mesma maneira, do contrário as informações de medidas poderão ter diferenças. Por esse motivo, os dispositivos leitores contêm pinos que indicam onde cada dedo deve ficar posicionado. Esse é um dos métodos mais antigos que existe, porém não é tão preciso. Em contrapartida, é um dos meios de identificação mais rápidos, motivo pelo qual sua utilização é comum em lugares com muita movimentação, como universidades, por exemplo; Face: neste método a definição dos traços do rosto de uma pessoa é usada como identificação. É um processo que se assemelha em parte com a leitura da geometria das mãos, mas considera o formato do nariz, do queixo, das orelhas, etc; Voz: a identificação por voz funciona através da dicção de uma frase que atua como senha. O usuário deverá informar a um reconhecedor a tal frase sempre que for necessário sua identificação. O entrave dessa tecnologia é que ela deve ser usada em ambientes sem ruídos, pois estes podem influenciar no processo. Além disso, se o indivíduo estiver rouco ou gripado sua voz sairá diferente e poderá atrapalhar sua validação. Por esta razão, a identificação por voz ainda é pouco aplicada; Assinatura: esse tipo de identificação consiste na comparação da assinatura com uma versão gravada em um banco de dados. Além disso, é feita a verificação da velocidade da escrita, a força aplicada, entre outros fatores. É um dos mecanismos mais usados em instituições financeiras, embora não se trate completamente de um método biométrico. 31

A Tecnologia Biométrica propicia níveis de segurança elevados,

assegurando a autenticidade do usuário, visto que, o ser humano possui

características corporais únicas e que são em sua maioria estáveis.

1.2 Identificação Civil

Conforme exposto no item 1.1 deste trabalho, “identificação” é o processo ou

conjunto de processos destinados a estabelecer a identidade, que, por sua vez, é o

conjunto de caracteres que individualizam uma pessoa, ou seja, conhecer, por via

das diferenças, singularmente.

31 ALECRIM, Emerson Alecrim. Introdução a biometria. Disponível em www.infowester.com/biometria.php, acesso em 17/08/2008.

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O termo “civil”, do latim civile, refere-se às relações dos cidadãos entre si,

reguladas por normas do Direito Civil. Juridicamente, civil, diz-se por oposição a

criminal.32

Abaixo as disposições que em sentido lato determinam o que venha a ser

Identificação Civil:

A identificação civil tem o objetivo de identificar a população, garantindo-lhe sua individualidade nos diversos atos da vida em sociedade, de tal sorte que ela não possa ser usurpada por terceiros. Atualmente, a identificação civil dos cidadãos brasileiros é realizada por meio da emissão de documento conhecido como Carteira de Identidade, expedida pelos Institutos de Identificação dos Estados, conforme Lei nº. 7.116, de 29 de agosto de 1983. Observando os processos de identificação civil e sua seqüência lógica, o nascido vivo recebe a certidão de nascimento, documento este que será subsídio para a aquisição da carteira de identidade, primeiro número identificador do cidadão. Com o tempo o cidadão brasileiro aumenta suas relações com o Estado e, de posse do documento de identidade, começa a adquirir outros documentos e números identificadores, como: Cadastro de Pessoa Física - CPF, Título de Eleitor, Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público-PIS/ PASEP, Carteira de Trabalho, inscrição na Previdência Social e Carteira Nacional de Habilitação - CNH.33

Desta forma, dessume-se que Identificação Civil é o processo voltado a

qualificar e individualizar de forma singular o cidadão perante a sociedade. Esta

qualificação e individualização encontram-se insculpidas em determinados

documentos públicos, principalmente na Certidão de Nascimento e na Carteira de

Identidade.

1.2.1 Registro de Nascimento

A pessoa, ao nascer, deve ter o direito de ser inserida oficialmente na vida

social e jurídica, ou seja, os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à

saúde de gestantes devem fornecer Declaração de Nascimento e identificar o

32 DICIONÁRIO AURÉLIO Eletrônico; século XXI, versão 3.0. Rio de Janeiro, Nova Fronteira e Lexicon Informática, [1999], 1 CD-ROM. 33 BRASIL - MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Projeto RIC. Brasília: DPF/INI, [2008]. 1 CD-ROM.

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recém-nascido pelo método papiloscópico34, conforme previsto no Estatuto da

Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, art. 10, II e IV35.

Com base na declaração de nascimento, a criança deve ser registrada em

um Cartório de Registro Civil, em livro próprio e específico. Cada pessoa deve

receber um código, um nome pelo qual é identificado, sendo este registro

representado por um documento oficial denominado Certidão de Nascimento.

O nome mencionado constitui-se de diversos caracteres e a eles se

acrescenta uma qualificação, que se compõe de uma série de informações conforme

enumeradas no art. 54 da Lei dos Registros Públicos, Lei 6.015, de 13 de dezembro

de 197336.

Observa-se que é dever do Estado registrar a pessoa a partir do seu

nascimento, com ou sem vida. Desta forma, inclusive o natimorto tem direito ao

registro civil, porque legalmente e atendendo o princípio da dignidade da pessoa

humana todos devem ter o direito de serem reconhecidos pelo Estado como pessoa

e, desta forma, terem o direito de não serem enterrados como “não identificado”.

34 Método papiloscópico consiste na coleta de impressões digitais, palmares e/ou plantares. 35 Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato; 36 Art. 54. O assento do nascimento deverá conter:

I. o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada;

II. o sexo do registrando; III. o fato de ser gêmeo, quando assim tiver acontecido; IV. o nome e o prenome, que forem postos à criança; V. a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto; VI. a ordem de filiação de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou tiverem

existido; VII. Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se

casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal.

VIII. os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos; IX. os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento,

quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde.

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1.2.2 Carteira de Identidade

Extrai-se dos artigos 1º e 3º da Lei 7.116/8337 o conceito de Carteira de

Identidade, ou seja, é um documento nacional e oficial, expedido pelas Secretarias

de Segurança Pública e congêneres que contem elementos específicos que

identificam determinada pessoa, sendo regulada pela Lei Federal nº 7.116, de 29 de

agosto de 1983 e regulamentada pelo Decreto nº 89.250, de 27 de dezembro de

1983 (a identificação civil possui nessas normas seu arcabouço técnico e jurídico).

Depreende-se dos artigos 2º e 3º da Lei nº 10.05438, de 7 de dezembro de

2000, que dispõe sobre a identificação criminal que Identificação Civil comprova-se

com a posse de um documento de identidade.

A identificação civil é feita mediante o cadastramento das pessoas

interessadas na obtenção da Carteira de Identidade, as quais deverão apresentar,

conforme dispõe o Instituto de Identificação Civil e Criminal do Estado de Santa

Catarina, os seguintes documentos:

1) CERTIDÃO DE CASAMENTO Atualizada (*) � para casados, viúvos, separados judicialmente, divorciados e

desquitados � original ou fotocópia autenticada (não pode ser fotocópia simples) � com as devidas averbações para os separados judicialmente,

divorciados e desquitados 2) CERTIDÃO DE NASCIMENTO Atualizada (*)

� exclusivamente para quem sempre foi solteiro � original ou fotocópia autenticada (não pode ser fotocópia simples)

3) DUAS FOTOS 3x4 � recentes e iguais, nítidas, sem data, fundo branco ou claro, sem

retoque, de frente, DOS OMBROS PARA CIMA e com o rosto centralizado e em destaque;

37 Art. 1º - A Carteira de Identidade emitida por órgãos de Identificação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios tem fé pública e validade em todo o território nacional.[...] Art. 3º - A Carteira de Identidade conterá os seguintes elementos: a) Armas da República e inscrição “República Federativa do Brasil”; b) nome da Unidade da Federação; c) identificação do órgão expedidor; d) registro geral no órgão emitente, local e data da expedição; e) nome, filiação, local e data de nascimento do identificado, bem como, de forma resumida, a comarca, cartório, livro, folha e número do registro de nascimento; f) fotografia, no formato 3 x 4 cm, assinatura e impressão digital do polegar direito do identificado; g) assinatura do dirigente do órgão expedidor. 38 Art. 2º A prova de identificação civil far-se-á mediante apresentação de documento de identidade reconhecido pela legislação. Art. 3º O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal.

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� sem sorriso, com expressão facial normal, sem adornos (óculos, brincos, piercing, correntes, tiaras, etc.), nada que encubra total ou parcialmente o cabelo ou a imagem do rosto (a testa deve estar à mostra);

� sem uso de vestimenta incompatível (camisetas impressas com propaganda e/ou logotipos e dizeres inconvenientes, fardas, camisa de futebol,camiseta sem manga, top, etc.)

4) GUIA DARE (TAXA) Lei 13.248/04 paga no banco no valor de: - R$ 12,00 para 1ª via em SC � 10 dias úteis - R$ 20,00 para 2ª via em SC � 15 dias úteis

- R$ 5,50 para antecipar � 05 dias úteis39

Do exposto observa-se que apesar de haver um registro inicial

individualizador, Certidão de Nascimento, com o passar dos anos, este não

contempla as necessidades sociais para caracterização ideal do indivíduo. Destarte,

com os dados da Certidão de Nascimento, em conjunto com a datiloscopia, (visto a

seguir), a fotografia e a assinatura, expede-se a Carteira de Identidade.

1.2.2.1 O Processo Datiloscópico

O processo datiloscópico é empregado para confeccionar as carteiras de

identidades garantindo unicidade à mesma. Datiloscopia é o “sistema de

identificação por meio das impressões digitais”40, sendo este realizado através da

coleta e análise dos desenhos das polpas digitais. A datiloscopia é uma

segmentação da Papiloscopia, sendo que esta engloba também o estudo dos

desenhos característicos encontrados nas palmas das mãos (quiroscopia) e nas

plantas dos pés (podoscopia).

Por papiloscopia entende-se:

A ciência que trata da identificação humana por meio das papilas dérmicas. A palavra Papiloscopia é resultante de um hibridismo greco-latino (papilla = papila e scopêin = examinar). Papilas são pequenas saliências de natureza neuro-vascular, situadas na parte externa (superficial) da derme, estando os seus ápices reproduzidos pelos relevos observáveis na epiderme.41

39 Fonte: http://www.igp.sc.gov.br, link Instituto de Identificação, acesso em 12/03/2008. 40 DICIONÁRIO AURÉLIO Eletrônico; século XXI. Rio de Janeiro, Nova Fronteira e Lexicon Informática, 1999, CD-rom, versão 3.0. 41 Manual de Identificação Papiloscópica – Instituto Nacional de Identificação/Departamento de Polícia Federal. Brasília-DF: Ed. Serviço Gráfico do DPF, 1987, p. 14.

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A datiloscopia é utilizada como meio inconteste para identificação humana

por fazer parte da papiloscopia e esta possuir os seguintes princípios:

Os princípios científicos que motivaram que se reconhecesse a Papiloscopia como ciência são: • Perenidade: trata-se da característica de imperecibilidade que os

desenhos papilares têm de manifestarem-se entre o quarto e o sexto mês de vida intra-uterina até a completa putrefação cadavérica.

• Imutabilidade: os desenhos papilares não mudam durante toda a vida do ser humano, conservando-se idênticos a si mesmos, o que os tornam imutáveis;

• Variabilidade: é a propriedade dos desenhos papilares de variarem de pessoa para pessoa, não se repetindo. Nem mesmo na mesma pessoa é possível encontrar impressões papilares iguais.

• Universalidade: todo ser humano possui impressões papilares. Como exceção, que serve para comprovar a regra, podemos citar o caso da Queratodermia, que trata-se de uma enfermidade cutânea caracterizada por uma proliferação da camada córnea da epiderme em formas de escamas, lâminas ou de papilomas (verruga, calos). O excesso de queratina preenche os espaços dos sulcos interpapilares ultrapassando as cristas, ao cobri-las impede sua leitura.

• Classificabilidade: os desenhos digitais podem ser facilmente classificados em tipo e subtipo por meio de códigos, formando a Fórmula Datiloscópica, e posteriormente serem arquivados, o que possibilita que sejam recuperados para a realização de confrontos com outros desenhos, podendo assim afirmar se tratam dos mesmos ou não;

• Praticidade: a obtenção das impressões digitais é simples, rápida e de baixo custo”. 42

A aposição da impressão digital na cédula de identidade é o elemento descrito no

art. 3º da Lei 7.116/83, visto no subitem anterior, que garante singularidade à identificação

do cidadão. Na mesma norma, em seu art. 8º, o legislador dispôs que: “A Carteira de que

trata esta lei será expedida com base no processo de identificação datiloscópica” (figura 1).

42 ARAÚJO, Marcos Elias Claudio de, op. cit., p. 21-22.

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FIGURA 1 – Processo Datiloscópico de Identificação 43

1.2.3 Outros Documentos de Identificação Civil

No ordenamento jurídico brasileiro existem legislações que equiparam outros

documentos à Carteira de Identidade, como por exemplo, o disposto na Lei nº

9.503/1997, art. 15944, Código de Trânsito Brasileiro.

No mesmo sentido, citamos a Lei nº 6.206, de 07 de maio de 1975, art. 1º45

que dá valor de documento de identidade às carteiras expedidas pelos órgãos

fiscalizadores de exercício profissional.

Observa-se que o legislador de forma inconseqüente pretende estabelecer

outros documentos46 que se qualifiquem como válidos para identificar civilmente um

cidadão.

43 Fonte: http://www.igp.sc.gov.br, link Instituto de Identificação, acesso em 22/04/2008. 44 Art. 159 A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de identidade em todo o território nacional. 45 Art. 1º “É valida em todo o Território Nacional como prova de identidade, para qualquer efeito, a carteira emitida pelos órgãos criados por lei federal, controladores do exercício profissional”. 46 Projeto de Lei nº 3.171/1997. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/integras/25364.htm, acesso em 29/06/2008.

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Deve-se ter cuidado ao tentar equacionar uma situação e por não conhecê-

la, em seus meandros, produzir um resultado inferior ao atual. A intenção de diminuir

a burocratização, necessária, porém por vezes exagerada, atinge também o setor de

identificação do ser humano, fazendo surgir inúmeros registros e cadastros que lhes

atribuem códigos diferentes com a mesma função, é o que se observa com a

hipótese de aumentar o rol de documentos de identificação, aumentando igualmente

a probabilidade de fraudes.

1.3 Identificação Criminal

O mote desta monografia está diretamente relacionado ao entendimento do

que venha a ser Identificação Criminal, que nas palavras de Silva é:

O processo posto em prática pelos poderes públicos para que as pessoas se identifiquem por seus sinais característicos (antropométrico, dactiloscópicos e outros) de modo que, em qualquer contingência, perfeitamente se distingam umas das outras.47

Sérgio Pitombo assevera que identificação criminal é “o procedimento

técnico-científico por meio do qual se identifica alguém, reencontrando-lhe a

identidade, ou a descobrindo, por necessidade jurídica”.48

De acordo com os entendimentos supracitados, combinado com o inciso VIII,

do art. 6º49 do CPP e com art. 1º da Lei nº 10.05450, depreende-se, de forma

“Art. 2º A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos: a) carteira de identidade; b) carteira de trabalho; c) carteira profissional; d) passaporte; e) carteira de identificação funcional; f) outro documento público que permita a identificação do indiciado. Parágrafo único. Para as finalidades desta Lei, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares”. 47 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico - 12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 401. 48 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. A identificação processual penal e a Constituição de 1988. RT 635/172, 1988, p. 173. 49 Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: [...] VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; 50 Lei 10.054, de 07 de dezembro de 2000, dispõe sobre identificação criminal:

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minimalista, que Identificação Criminal é a anotação em prontuários, por parte do

Estado, dos dados individualizadores de uma pessoa incluindo as digitais e

fotografias, constituindo-se em um banco de dados cadastral de pessoas indiciadas.

1.3.1 Breve Histórico da Identificação Criminal

A identificação criminal surgiu com a necessidade das civilizações em

determinar quais pessoas eram consideradas nocivas à sociedade, para tal foram

utilizados métodos mais conspícuos e desonrosos para que todos pudessem

identificar os fora-da-lei de forma inequívoca.

Sobre o tema Araújo esclarece:

Em Roma e na Grécia, os criminosos eram marcados com desenhos de animais na fronte. Na França, com um ferrete em forma de flor-de-lis. Nos Estados Unidos, em 1718, os assassinos eram marcados com um M (“murderer”) sobre o polegar esquerdo. Contemporâneo ao processo de ferrete coexistiu o da mutilação, também denominado penalidade poética ou expressiva, que consistia na amputação de algum membro ou parte do corpo. Essa mutilação dependia do crime cometido e das leis do país que o adotava. Em Cuba, na Espanha e nos Estados Unidos, onde esse procedimento foi utilizado de 1607 a 1763, as orelhas é que eram amputadas, na Rússia e na França as narinas.51

Com o avanço cultural da sociedade, os métodos bárbaros de identificação

criminal foram se extinguindo, iniciando-se assim, uma lacuna na identificação dos

criminosos, uma vez que os métodos rejeitados não receberam substituição.

Somente em 1879, Alphonse Bertillon, perito francês, tido, na época, como a maior

autoridade mundial em grafotecnia, nascido em 23 de abril de 1853 em Paris, e

falecido em 13 de fevereiro de 1914, reuniu vários dos procedimentos

antropométricos na catalogação de criminosos, processos estes reconhecidos

Art. 1º O preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele que pratica infração penal de menor gravidade, assim como aqueles contra os quais tenha sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente, serão submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico e fotográfico. 51 ARAÚJO, Marcos Elias Cláudio de. op. cit., p. 3.

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mundialmente no primeiro Congresso Internacional de Antropologia Criminal, em

Roma, no ano de 1885, e que ajudaram na eliminação de erros pelo judiciário.52

Referindo-se aos métodos do processo antropométrico, os quais foram

adotados no Brasil a partir de 1894, Araújo relata:

O assinalamento antropométrico consistiu na medida das seguintes partes: - Diâmetro ântero-posterior da cabeça; - Diâmetro transversal da cabeça; - Diâmetro bizigomático; - Comprimento do pé esquerdo; - Comprimento do dedo médio esquerdo; - Comprimento do dedo mínimo esquerdo; - Comprimento do antebraço; - Estatura; - Envergadura; - Busto.53

Apesar do reconhecimento da eficácia na identificação ulterior do indivíduo

pelo processo antropométrico, este tornou-se obsoleto em virtude das dificuldades

na classificação e busca dos prontuários individualizadores. Sobre o tema, Araújo

expõe que “com o crescimento dos arquivos de Bertillon, pela forma como era

organizado já não permitia buscas.” 54

Diante das dificuldades apresentadas pelo processo antropométrico e com o

concomitante reconhecimento mundial do processo datiloscópico (identificação por

meio das impressões digitais) como método confiável, preciso e simples na

identificação de qualquer indivíduo, passou este a ser o principal procedimento para

identificação criminal.

Araújo, complementa:

Pode-se dizer que o Sistema Antropométrico de Bertillon foi o primeiro processo científico de identificação. Foi adotado em vários países por mais de três décadas até que o Processo Papiloscópico fosse comprovadamente estabelecido como um método científico de identificação, ao se mostrar mais eficaz, entre outros motivos, por respeitar os princípios do conhecimento científico, e conseguir individualizar as pessoas tanto civil quanto criminalmente. 55

52 ARAÚJO, Marcos Elias Claudio de, op. cit., p. 11. 53 Idem. 54 Ibidem, p. 15. 55 Ibidem, p. 19.

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A Identificação Criminal pelo método datiloscópico, vulgarmente conhecido

como “tocar piano”, foi oficialmente instituída no Brasil no início do século XX.56

O Brasil oficializou a Identificação Criminal em 5 de fevereiro de 1903, por meio do Decreto 4.764, que, em seu artigo 57 e em seu parágrafo único, informa nos seguintes termos: Art. 57 – a identificação dos delinqüentes será feita pela combinação de todos os processos atualmente em uso nos países mais adiantados, constando do seguinte, conforme o modelo do Livro de Registro Geral, anexo a este Regulamento: a) exame descritivo (retrato falado); b) notas cromáticas; c) observações antropométricas; d) sinais particulares, cicatrizes, tatuagens; e) impressões digitais; f) fotografia de frente de perfil. Parágrafo Único – Estes dados serão na sua totalidade subordinados à classificação dactiloscópica, de acordo com o método instituído por D. Juan Vucetich57, considerando-se, para todos os efeitos, a impressão digital como prova mais concludente e positiva da identidade do indivíduo, dando-se-lhe a primazia no conjunto das outras observações, que servirão para corroborá-la.

1.3.2 Elementos Identificadores

O prontuário da identificação criminal no Brasil não segue um padrão único;

diversifica-se de Estado para Estado e também no âmbito da Polícia Federal. Porém,

em todos os casos, a maioria dos elementos identificadores mantêm-se comuns.

Abaixo elencam-se os principais:58

1. Nome; 2. Impressões digitais; 3. Fotografia do Rosto, de frente e de perfil; 4. Alcunha; 5. Filiação; 6. Sexo; 7. Nacionalidade/Naturalidade; 8. Data de Nascimento;

56 Manual de Identificação Papiloscópica – Instituto Nacional de Identificação/Departamento de Polícia Federal. Brasília-DF: Ed. Serviço Gráfico do DPF, 1987, p. 20. 57 Dr. Juan Vucetich, oficial do Departamento de Polícia Central, em La Plata, Argentina, foi o idealizador de um sistema baseado nos padrões tipificados por ele e começou o primeiro uso estabelecido de arquivos de impressões digitais. Fonte: GALANTE FILHO, Helvétio [et al.] Identificação humana. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999, p. 79. 58 Departamento de Polícia Federal. Prontuário de Identificação Criminal.

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9. Documento de Identificação; 10. Profissão; 11. Endereços; 12. Estado Civil; 13. Escolaridade; 14. Nome da vítima; 15. Infração Penal; 16. Data do Fato; 17. Natureza da Infração; 18. Meios/Causas/Local; 19. Dados Antropológicos:

a. Cútis; b. Rosto; c. Cabelo; d. Testa; e. Sobrancelhas; f. Olhos; g. Orelhas; h. Nariz; i. Boca j. Lábios; k. Bigode; l. Barba; m. Pescoço; n. Altura; o. Compleição; p. Tatuagens; q. Cicatrizes; r. Amputações; s. Deformidades; t. Peculiaridades;

20. Delegacia/Órgão Instaurador do Processo; 21. Data da Autuação; 22. Presidente do Procedimento Investigatório; 23. Escrivão/Identificador; 24. Assinatura Indiciado.

É inegável, dentro da melhor técnica investigativa, a existência de um

cadastro criminal completo, para que possa servir como fonte de informação auxiliar

a persecução penal.

Por outro lado, a identificação criminal não pode ser realizada sem critérios,

cabendo ao agente estatal tomar as cautelas necessárias para que não ocorra

indistintamente. Tal identificação deve garantir a confirmação de quem praticou o

crime em tela, permitindo que somente a este sejam impostas as sanções cabíveis.

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Observa-se que a identificação criminal está amparada legalmente através

da sua previsão constitucional inserta na CF, art. 5º, LVIII, porém para ter

aceitabilidade deverá coadunar com princípios constitucionais, aos quais

analisaremos no capítulo seguinte comprovando a adequação aos mesmos.

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2 IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

2.1 Considerações Iniciais

Neste capítulo objetiva-se, ainda que não exaustivamente, sistematizar

determinadas reflexões acerca da análise de alguns princípios constitucionais

correlacionados à Identificação Criminal.

Antes de se iniciar os estudos comparativos entre os princípios, far-se-á uma

análise superficial sobre a subjetividade que permeia a ação ou omissão do homem,

pois é consabido que a interpretação do direito por ser um fenômeno

essencialmente humano, perpassa pela subjetividade interpretativa da norma.

Segundo Cretella Júnior: "O Direito subjetivo é a Faculdade ou possibilidade

que tem uma pessoa de fazer prevalecer em juízo sua vontade, consubstanciada

num interesse”59, ou seja, adaptar as normas existentes a interpretação mais

favorável aos interesses pessoais.

Na lição de Diniz “É preciso não olvidar que a norma jurídica, às vezes, está

sujeita a prudência política, que á virtude da qual o poder se valer para emitir normas

requeridas pelas situações fático-axiológicas”.60

Depreende-se assim que por mais objetiva e apolítica que possa ser a ação,

ou a omissão humana, haverá sempre um percentual de subjetividade e de interesse

político. A própria e decantada objetividade lógica da ciência contém em si mesma o

gérmen de subjetividade, porquanto, ela, a ciência, não pode, por si própria,

“oferecer os critérios de sua validade”61.

A própria escolha do objeto a ser estudado e do método de estudo sobre

esse objeto exige um mínimo residual de subjetividade. Esse arbítrio está

intrinsecamente relacionado a um exaustivo estudo que permita permear-se da

análise de dados que advém da evolução dos pensamentos éticos e morais, os

quais não se subsumem na linguagem formal das ciências tidas por exatas.

59 CRETELLA Junior, José. Primeiras Lições de Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 60 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p 334. 61 REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1989, p 22.

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Portanto, é preciso sempre considerar que os métodos de identificação

criminal e os dados a serem identificados pressupõem um mínimo necessário de

opção política e, esse mínimo, para adequar-se aos interesses sociais deve ser

coerente com o atual estágio de desenvolvimento do estado democrático de direito

vivenciado pelo Brasil, mormente a partir da promulgação da Constituição da

República Federativa do Brasil62.

Por outro vértice, é mister que o intérprete esteja sempre atento aos fins

teleológicos das normas vigentes, buscando sempre interpretá-las de maneira a

produzir os resultados mais adequados, quer no que tange ao espaço, quer no que

tange ao tempo, para a consecução do fim último de direito que é, segundo os

exatos termos do inciso IV do artigo 3º da CRFB, a promoção do bem de todos,

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.

Por serem salutares, transcrevem-se aqui as preocupações de Wolkmer:

À medida que a sociedade é vista como um sistema necessariamente conflituoso, tenso e em permanente transformação, toda e qualquer análise passa a ser considerada válida apenas se for capaz de identificar os fatores de mudança responsáveis pela contínua inadequação dos modelos culturais tradicionais – entre eles, o Direito. 63

Partindo-se desses pressupostos prossegue-se neste trabalho, sem a

pretensão de esgotar o tema, com a análise de alguns princípios constitucionais que

se correlacionam com a identificação criminal.

62 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. 63 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 2.

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2.2 Princípios Correlacionados à Identificação Criminal

2.2.1 Noções Gerais

Importante diferenciar-se duas espécies de normas, quais sejam, princípio e

regras. Segundo o professor Silva há equívoco por parte do positivismo jurídico que

entende o direito composto exclusivamente por regras, pois se assim o for, o juiz

acabará decidindo discricionariamente na hipótese de não encontrar nenhuma regra

aplicável ao caso concreto:

O positivismo, ao entender o direito como um sistema composto exclusivamente de regras, não consegue fundamentar as decisões de casos complexos, para as quais o juiz não consegue identificar nenhuma regra jurídica aplicável, a não ser por meio do recurso à discricionariedade judicial. O juiz, nesses casos, cria direito novo. 64

Neste diapasão, Virgílio destaca os princípios como normas a serem

validadas ao lado das regras, pois os princípios além de possuírem a dimensão da

validade, característica única das regras, possuem a dimensão do peso:

As regras ou valem, e são, por isso, aplicáveis em sua inteireza, ou não valem, e portanto, não são aplicáveis. No caso dos princípios, essa indagação acerca da validade não faz sentido. No caso de colisão entre princípios, não há que se indagar sobre problemas de validade, mas somente de peso. Tem prevalência aquele princípio que for, para o caso concreto, mais importante, ou, em sentido figurado, aquele que tiver maior peso. Importante é ter em mente que o princípio que não tiver prevalência não deixa de valer ou de pertencer ao ordenamento jurídico. Ele apenas não terá tido peso suficiente para ser decisivo naquele caso concreto. 65

Desta forma, dessume-se que as regras opostas excluem-se, enquanto os

princípios conflitantes coexistem, apenas, através do sopesamento deixam de ser

aplicados ao caso concreto ou aplicados em menor escala, mas não invalidando sua

aplicação em outros casos.

64 SILVA, Virgilio Afonso da. Princípios e Regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais, p. 2. Fonte: In <http://www.geocities.com/cesariopereira/dh/principios.doc>. Acesso em: 06/10/2008. 65 Idem.

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Antes de analisar-se a definição de princípios constitucionais, apresentam-se

dois conceitos de princípio. Para Bandeira de Mello66, a palavra princípio no contexto

de princípios constitucionais possui o significado de “mandamento nuclear de um

sistema”. Afonso da Silva67 por sua vez entende que os princípios são “ordenações

que se irradiam e imantam os sistemas”, de forma que eles norteiam e delimitam as

regras jurídicas.

Neste sentido, estendendo a análise para princípios constitucionais utiliza-se

a definição de Bester, que assevera:

Os princípios constitucionais fundamentais são aqueles que se traduzem em normas da Constituição Federal ou que delas diretamente se inferem (...) Por serem normas com um âmbito de validade muito maior do que qualquer outra norma, servem os princípios constitucionais como critério de interpretação e de integração do direito posto, dando coerência geral ao sistema jurídico. Em vista disso, é necessária muita atenção aos princípios constitucionais, uma vez que dão a diretriz axiológica, isto é, demonstram quais valores devem ser respeitados, observados, mantidos no processo de interpretação constitucional. Para aferir a essência, o espírito de uma norma, necessário se faz conhecer o todo normativo, o sistema normativo completo, para poder ver, em cada caso concreto qual é o princípio ou quais são os princípios que orientam a interpretação. 68

Ainda, sobre os princípios constitucionais Pazzaglini Filho, assim se

posiciona:

Os princípios constitucionais ostentam denso e superior valor jurídico, ou melhor, são normas jurídicas hegemônicas em relação às demais regras do sistema jurídico, de eficácia imediata e plena, imperativas, vinculantes e coercitivas para os Poderes Públicos e para Coletividade. 69

Os princípios constitucionais são extraídos em sua maioria do texto expresso

da carta magna. Contudo, há que se reconhecer a existência de valoração vinculada

ao caso em particular. Nas palavras de Carrazza:

66 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Criação de secretarias municipais. RDP, nº 15, 1971, p. 285. 67 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 96. 68 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional, v.1 : fundamentos teóricos. São Paulo: Manoele, 2005, p. 270. 69 PAZZAGLINI Filho, Marino. Princípios constitucionais reguladores da administração pública. São Paulo: Atlas, 2000, p. 11.

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O princípio explícito não é necessariamente mais importante que o princípio implícito. Tudo vai depender do âmbito de abrangência de um e de outro e, não, do fato de um estar melhor ou pior desvendado no texto jurídico. Aliás, as normas jurídicas não trazem sequer expressa sua condição de princípios ou de regras. É o jurista que, ao debruçar-se sobre elas, identifica-as e hierarquiza-as.70

Destarte, os princípios constitucionais são normas superiores que servem

para integração das regras dispostas, podendo ser explícitos ou implícitos, expondo

quais valores ao caso concreto devem ser observados para interpretar de forma

coerente a norma.

Feitas essas considerações acerca dos princípios, a seguir serão analisados

alguns princípios relacionados ao tema central deste trabalho, qual seja, a

identificação criminal.

2.2.2 Princípio da Dignidade Humana

O Estado Democrático de Direito tem dimensão antropocêntrica, porquanto

adere-se, fundamentalmente aos interesses e direitos do ser humano, dos quais

pode ser sublinhado o da dignidade da pessoa humana. Essa dimensão

antropocêntrica é reconhecida pelo legislador constituinte que, averiguando a

importância para a garantia de um estado democrático de direito, posicionou o

princípio da dignidade humana entre os incisos do primeiro artigo da Constituição da

República Federativa do Brasil, asseverando que a dignidade constitui um dos

fundamentos do Estado Brasileiro.

Ainda, para Streck:

O Estado Democrático de Direito tem como objetivo a igualdade e, assim,não lhe basta a limitação ou a promoção da atuação estatal, mas referenda pretensão à transformação do status quo. A lei aparece como instrumento de transformação da sociedade não estando mais atrelada inelutavelmente à sanção ou à promoção. O fim a que se pretende é a constante reestruturação das próprias relações sociais71.

70 CARRAZA, Roque Antonio. Princípios constitucionais tributários. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1986, p. 8. 71 STRECK, Lenio Luiz. Ciência política e teoria do estado. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 100.

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Nos dizeres de Sarlet, a diginidade da pessoa humana é:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.72

Portanto, qualquer ato que possa ferir a dignidade da pessoa humana

encontra óbice expresso na própria Constituição Federal e deverá ser repudiado por

todos os que se encontram incumbidos de defender a ordem constitucional.

Outrossim é imprescindível para o Estado Democrático de Direito o rigoroso

cumprimento do princípio da dignidade.

Porém, relativamente ao tema em análise neste trabalho, não se vislumbra

afronta ao princípio quando as informações obtidas durante a identificação criminal

não forem propaladas e não revelarem aspectos peculiares da pessoa identificada,

os quais poderiam submeter à pessoa identificada, situação indigna.

É o que pode dessumir do relato do Desembargador Mineiro, Paulo Cézar

Dias, ao se referir à utilização de dados colhidos em investigação:

O atual texto Constitucional, como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegura o direito à intimidade, proclamando no art. 5º, inciso XII, a inviolabilidade do sigilo das comunicações telegráfica, de dados e telefônica. Apesar da magnitude do direito em destaque, de cunho Constitucional, é sabido que as liberdades públicas estabelecidas não podem ser consideradas como tendo valor absoluto cedendo espaço em determinadas circunstâncias, sobretudo quando utilizadas para acobertar a prática de atividades ilícitas. Dados somente poderão ser usados para fins de investigação criminal, observando-se o devido segredo de Justiça, já que somente à parte interessada é facultado, se houver justa causa, deles se utilizar, podendo, inclusive, as autoridades policiais, que terão acesso a essas qualificações, serem responsabilizadas nos casos de abusos”.73 (grifamos)

72 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001, p. 60. 73 BRASIL. TJ-MG. Processo 1.0000.04.414635-5/000. Relator Paulo Cézar Dias. Disponível em: http://www.tjmg.gov.br, acesso em 12/07/2008.

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De acordo com Bobbio, citado por Maciel Neto74, a dignidade humana é

considerada como o núcleo dos direitos fundamentais do cidadão, integrando como

tal a vida, não podendo haver qualquer tipo de intervenção, salvo, quando visar a

garantia e proteção do Estado.

Sobre o sopesamento de princípios, Santos75 adota o entendimento de

Dworkin:

A colisão de princípios se resolve na dimensão de peso, tal como o expressa Ronald Dworkin. Quando dois princípios entram em colisão — por exemplo, se um diz que algo é proibido e outro, que é permitido —, um dos dois tem que ceder frente ao outro, porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro. O que não implica que o princípio desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se dá apenas entre princípios válidos”.

Ainda ocorrendo, então, conflito entre dois preceitos da Constituição, como

no caso em análise, o direito de não ser identificado criminalmente quando houver

identificação civil e o interesse público de segurança, há que se sopesá-los.

Ainda, os direitos fundamentais encontram limites, segundo Moraes, na

necessidade de preservação do próprio Estado de Direito:

Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.76

Embora se trate de princípio com elevada carga valorativa inerente à vida,

de cunho constitucional, é consabido que as liberdades públicas não devem ser

tomadas com valor absoluto, não podendo prevalecer incondicionalmente sobre

demais princípios constitucionais, quando colidentes, sobretudo se a interpretação

absoluta pode resultar no acobertamento de atividade ilícita, como no caso em que a

identificação civil não traz informações suficientes ou seguras para a investigação

criminal.

74 MACIEL NETO, Pedro Benedito. Não ao corporativismo. Publicado em 24/07/2008. Disponível em: www.conjur.com.br/static/text/68370,1 , acesso em 16/10/2008 75 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=160. Acesso em: 16/10/2008. 76 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 46.

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2.2.3 Princípio da Não-Culpabilidade

Conforme o artigo 5º, inciso LVII, da CRFB77, “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

De acordo com o referido princípio constitucional (nullum crimen sine culpa)

ninguém poderá ser considerado culpado pela prática de qualquer ilícito senão

depois de ter sido julgado como tal, observado todos os meios de defesa possíveis.

O princípio da não-culpabilidade confunde-se com o princípio da presunção

de inocência, mas ao se fazer uma análise perfunctória verifica-se que este coloca o

cidadão como “presumidamente inocente” enquanto aquele informa que o cidadão

“não será considerado culpado”, ambos até a decisão transitada em julgado.

Para Lemos Júnior, a presunção de inocência:

[...] se parece com uma ficção legal ou [uma] suposição. Assim, sem perder a estrita objetividade e, ainda, sem prejuízo do respeito ao status de inocente do imputado, tem o Ministério Público o poder-dever de, conforme sua livre convicção, produzir o máximo de prova possível para esclarecer o crime e, para tanto, de acordo com o caso concreto e não havendo outra alternativa menos constrangedora, nada impede – e, conforme o caso, tudo recomenda – que provoque, através do juiz de instrução, a imposição ao argüido/indiciado das medidas de coação previstas no CPP78

Nessa esteira, Mirabete expõe:

De tempos para cá, entretanto, passou-se a questionar tal princípio que, levado às ultimas conseqüências, não permitiria qualquer medida coativa contra o acusado, nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo. Por que admitir-se um processo penal contra alguém presumidamente inocente? [ ] Assim, melhor é dizer-se que se trata do ‘princípio de não-culpabilidade’. Por isso, a nossa constituição não "presume" a inocência, mas declara que ‘ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado. Pode-se até dizer, como o faz Carlos J. Rubianes, que existe até uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura a ação penal, que é um ataque à inocência do acusado e, se não a destrói, a põe em incerteza até a prolação da sentença definitiva.79

77 BRASIL, Constituição [1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. 40 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11. 78 LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de. O papel do Ministério Público, dentro do processo penal, à vista dos princípios constitucionais do processo penal – uma visão fundada no direito processual penal português, Revista dos Tribunais, ano 93, n° 819, janeiro de 2004, p.438. 79 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, 14ª edição, São Paulo: Atlas, 2003, p. 42.

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É verdade que o princípio da não-culpabilidade está relacionado com o

Estado Democrático de Direito, de outra sorte, estaríamos voltando há época da

conveniência do arbítrio estatal. Não obstante, tal princípio não impede que o Estado

tome medidas que solucionem os conflitos e busquem trazer paz social como fim

último da jurisdição.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através da súmula 09,

disciplinou que “a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia

constitucional da presunção de inocência”.80

Na mesma linha, o STF decidiu:

A regra da não culpabilidade – não obstante o seu relevo – não afetou nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assume a prisão cautelar em nosso direito positivo. O instituto da tutela cautelar penal, que não veicula qualquer idéia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não culpabilidade.81 (grifamos)

Em decisão semelhante o mesmo tribunal firmou o seguinte entendimento:

É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão - qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento jurídico positivo (prisão temporária, preventiva ou prisão decorrente de sentença de pronúncia)- não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade.82 (grifamos)

Importa frisar, haja vista que se insere no interesse desse trabalho, a perfeita

consonância da identificação criminal com os princípios que resguardam o direito

penal e processual penal, diante disto, o princípio da não-culpabilidade não afeta o

dever do Estado de identificar perfeitamente o suposto autor de uma infração penal.

Pelo contrário, o sentido da declaração de não-culpabilidade é justamente permitir a

80BRASIL. STJ. A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência. Súmula 09. 81 BRASIL. STF. Prisão decorrente de sentença de pronúncia – efeito jurídico-processual ordinário. Concessão de liberdade provisória. Faculdade Judicial. Prisão preventiva anteriormente decretada. Habeas Corpus 67.707. Paciente: Jefferson Antônio Disarz . Impetrantes: Bento de Freitas Cayres Filho, Carlos Aurélio Mota de Souza e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Celso de Mello. Decisão unânime. 82BRASIL. STF. Crime Hediondo – Alegada ocorrência de clamor público – Temor de fuga do réu – Decretação de prisão preventiva - Razões de necessidade incorrentes - Inadmissibilidade da privação cautelar da liberdade – Pedido deferido. Habeas Corpus 80.719. Paciente: Antônio Marcos Pimenta Neves. Impetrantes: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Celso de Mello. Decisão unânime.

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operabilidade dos mecanismos processuais de persecução e de cautela

resguardando a perfeita identificação do suspeito evitando assim a penalização de

um inocente.

2.2.4 Princípio da Não Auto-Incriminação

A identificação criminal não se constitui em si mesma prova a ser apurada

em inquérito policial, procedimento investigatório criminal ou processo-crime, em

nada interferindo com o direito de defesa do indiciado, investigado ou acusado e,

portanto, não há que se falar em malferir o princípio da não auto-incriminação (nemo

tenetur se detegere) quando da coleta de impressões digitais nos casos previstos na

Lei da Identificação Criminal.

Conforme ensina Fernando Tourinho o indiciado ou réu pode recusar-se a

tirar as impressões digitais, exceto quanto às hipóteses previstas na Lei

10.054/2000, pois neste caso estaria cometendo o crime de desobediência83.

A identificação criminal tem por desiderato legal estremar a identidade física

do suspeito do crime, de modo a que não paire qualquer dúvida quanto à sua

identidade, permitindo sua distinção com os demais cidadãos.

Conforme Sobrinho, o “[...] desenho das digitais e a fotografia colhida para

identificar o acusado são, em princípio, instrumentos usados para o conhecimento

ou a confirmação da identidade desta pessoa”.

Alerta, entretanto, o referido autor que:

Não cabe supor, em virtude do preceito previsto no art. 5º, LXIII, da CF, do qual é extraído o basilar princípio de que ninguém é obrigado a acusar-se (nemo tenetur se detegere), que os dados obtidos mediante realização da identificação criminal não possam ser empregados, de modo taxativo, para a comprovação de fatos controvertidos. 84

83 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 94. 84 SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 84.

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Salienta Sobrinho não ser possível supor que a realização da identificação

criminal possa ser evitada pelo indiciado, investigado ou acusado por intermédio da

alegação de possível afronta ao princípio nemo tenetur se detegere, discorrendo,

Porque o material colhido tem a finalidade básica de registrar os dados da identidade física do provável autor, propiciando o conhecimento ou a confirmação da identidade desta pessoa85

Assim, dentro dos ditames legais, não há que se cogitar em produção de

provas contra si mesmo a coleta de digitais nos casos previstos na Lei 10.054/2000.

2.2.5 Princípio da Proteção à Imagem

A identificação pessoal guarda relação, também, com a imagem do

indivíduo, que nos dizeres de Bianco é:

[...] emanação da própria pessoa e, assim, de elementos visíveis que integram a personalidade humana. Consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica, dos caracteres que a individualizam dentre seus semelhantes.86

Conforme Cahali, a doutrina ainda discute sobre o significado jurídico da

expressão “imagem”. O referido autor, após efetuar síntese das principais teorias

que buscam definir a natureza do direito à própria imagem, informa que:

[...] o direito a própria imagem, sem desvestir-se do caráter de exclusividade que lhe é inerente como direito da personalidade, mas em função da multiplicidade de formas como pode ser molestado em seus plúrimos aspectos, pode merecer proteção autônoma contra a simples utilização não consentida da simples imagem, como igualmente pode encontrar-se atrelada a outros valores, como a reputação ou a honorabilidade do retratado. 87

Dessa forma, o direito a imagem não se constitui sempre num direito

autônomo, revestindo-se dessa autonomia apenas quando se fala na utilização da

imagem da pessoa para fins de exploração não consentida. Assinala Cahali que a

85 Idem.

86 BIANCO, João Carlos. A obra fotográfica, o direito à imagem, à vida privada e à intimidade. Justitia, v. 62, n. 189/192, 2000, p. 202. 87 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 640.

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autonomia do direito da imagem cede espaço para um hibridismo quando se sopesa

o direito de imprensa ou:

[...] nas exceções referidas pelos doutrinadores, “como a da figura que aparece em uma fotografia coletiva, a reprodução da imagem de personalidades notórias, a que é feita para atender a um interesse público, com o fito de informar, ensinar, desenvolver a ciência, manter a ordem pública ou necessária à administração da justiça. 88

O direito à imagem encontra-se regulado no art. 20 do Código Civil89, este

artigo excepciona no seu caput a utilização da imagem para fins de administração

da justiça e para a manutenção da ordem pública, de forma que, a própria

legislação infraconstitucional, que trata em particular da jus imaginis do indivíduo,

autoriza a utilização da imagem para satisfação da ordem pública.

A Carta Magna90 brasileira, promulgada em 1988, resguarda o direito à

imagem elevando-a a um patamar de princípio, o qual, entrementes não deixa de

colidir, em certas situações concretas, com outros princípios, verbis gratia, o da

liberdade de expressão, traduzido no binômio “interesse privado” x “interesse

público”, jungindo a exposição da imagem ao interesse público.

Observa-se, que a proteção à imagem, que se reveste claramente de direito

autônomo quando se trata de proteção à exploração comercial, não possui essa

autonomia quando outras situações que não as meramente patrimoniais estão

envolvidas. É o caso devidamente assinalado do interesse para manutenção da

ordem pública e da administração da justiça dispostos no caput do art. 20 do

Código Civil.

88 Ibidem, p. 644. 89 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. 90 "Art. 5° . Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXVIII – São assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. (grifamos)

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Do mesmo modo que o direito à propriedade perdeu seu status absoluto,

devendo subsumir a função social, o direito de imagem também não pode ser

considerado absoluto. Portanto, não há que se falar em direito de proteção à

imagem quando se busca identificar cabalmente o autor de ato ilícito através da

extração de sua imagem principalmente por ainda estar o agente em posição neutra,

distante da inocência, conforme disserta Delmanto Júnior:

O fato do acusado não poder ser considerado culpado antes de decisão penal condenatória passada em julgado não autoriza que ele seja, todavia, presumido inocente; ele estaria, nas palavras de Del Pozzo, em posição neutra, eqüidistante da inocência e da culpabilidade.91

2.2.6 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado

Interesse público nas palavras do mestre Meirelles “são aquelas aspirações

ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada ou por uma

parte expressiva de seus membros”,92 por outro vértice, interesse privado,

constituído de conteúdo legal, não pode ser interpretado de forma diversa, a priori,

como as aspirações almejadas pelo indivíduo de forma a satisfazer seus anseios

pessoais.

Abaixo, com grifos nosso, o entendimento de alguns autores expondo de

forma categórica a validade da supremacia do interesse público quando em

cotejamento com o interesse privado.

Nas palavras de Bandeira de Mello:

Trata-se de um verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o particular, como condição até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último. É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados93.

91 DELMANTO JÚNIOR, Roberto. Desconsideração previa de culpabilidade e presunção de inocência. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.70/Ed.esp., set. 1998, p. 18-19. 92 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 80. 93 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 60.

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No mesmo sentido, Pazzaglini Filho, posiciona-se:

O interesse público expressa, sob a óptica jurídica, o bem comum, o bem-estar geral de uma coletividade. A supremacia do interesse público sobre o particular constitui princípio constitucional fundamental inerente a qualquer sociedade politicamente organizada: é conditio sine qua non de sua própria sobrevivência.94

Nas palavras de Meirelles, “sempre que entrarem em conflito o direito do

indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o

objetivo primacial da Administração é o bem comum”.95

E para Cretella Júnior:

A coexistência da liberdade individual com o poder de polícia repousa na harmonia entre a necessidade de respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social. O requisito de conveniência ou de interesses públicos é, assim, pressuposto necessário à restrição dos direitos individuais.96

Por fim Daniel Sarmento acrescenta que, “parece-nos constitucionalmente

possível a restrição de direitos fundamentais com base no interesse público”.97

Diante do pontificado pelos autores, é inegável o entendimento de que a

supremacia do interesse público existe para cumprir a finalidade do interesse da

coletividade, sendo que tal princípio geral de Direito remete, de forma alusiva, que a

identificação criminal, não obstante a existência da identificação civil, visa dar

garantias à sociedade de que a satisfação dos interesses públicos, está acima do

interesse particular e, portanto, poderá ser efetuada.

94 PAZZAGLINI Filho, Marino. Princípios constitucionais reguladores da administração pública. São Paulo: Atlas, 2000, p. 37. 95 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 43. 96 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 424. 97 SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais – Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 74.

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2.2.7 Princípio da Segurança Pública

O princípio da segurança pública encontra-se inserto na Constituição

Federal, art. 598, art. 699 e art. 144100. Este princípio se constitui, conforme

colacionado abaixo, em:

A Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei.101

A ausência de segurança em um Estado Democrático de Direito interfere em

todos os princípios fundamentais da pessoa, ademais, fere o próprio Estado e suas

instituições que se fragilizam pela ineficácia de suas atividades públicas.

O crescimento da violência, a ineficácia estatal no controle da criminalidade,

algumas normas penais obtusas que não atendem aos anseios da sociedade,

seguido por uma política criminal ineficaz são aspectos que contribuem para a

inquietação da sociedade.

Segurança pública é um valor social do cidadão, este incumbe ao estado a

garantia de que haverá busca pelo exercício pleno deste bem.

Nas lições de Scalquette temos:

Os fins do Estado não são mais do que os fins do homem, pois senão, qual seria o objetivo de viver em sociedade e munir um governo de poder, se este não tivesse como fim a proteção dos interesses de cada um. Não tomemos como afirmação que o governo deve ceder aos caprichos e vontades de cada qual, pois, assim, não se estabeleceria uma ordem mínima para vivência em sociedade102

O direito à segurança não pode se limitar à literalidade da norma, sempre

que exista a necessidade da identificação criminal, seja para garantir a ordem

98 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[...] 99 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 100 Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. 101 BRASIL, Ministério da Justiça. Disponível em www.mj.gov.br, acesso em 22/10/2008. 102 SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Sistema constitucional das crises. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Ed., 2004, p. 68.

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pública ou por conveniência da instrução criminal, deve romper com a abstração

normativa e determinar a sua verdadeira aplicação no mundo dos fatos, pois negar

eficácia imediata ao direito à segurança é negar eficácia a todos os demais direitos

fundamentais, principalmente por se tratar de segurança pública – “dever do Estado,

direito e responsabilidade de todos”.

2.2.8 Princípio da Eficiência

A Emenda Constitucional nº 19/98 inseriu de maneira contundente no caput

do artigo 37103 da Carta Magna o princípio da Eficiência, para que em conjunto com

os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Publicidade sejam

balizadores da função exercida pelo agente público e ditem as diretrizes da atividade

estatal.

No entendimento de Meirelles:

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.104

A jurisdição penal, enquanto manifestação da soberania estatal, orienta-se

pelo princípio da eficiência. A observação do princípio de eficiência na persecução

penal é imprescindível, sob pena de acarretar a absoluta imprestabilidade do

provimento jurisdicional.

Assim, a identificação criminal torna-se necessária para que haja efetiva

eficiência do sistema processual penal e da jurisdição penal, porquanto uma falha na

identificação do verdadeiro autor de uma infração penal acarretaria na

imprestabilidade de todos os atos processuais, acarretando, inclusive, o ferimento a

103 CF, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 104 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 89.

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outro princípio que também deve nortear os atos administrativos e jurisdicionais: a

economia processual.

Não se tem dúvida de que a função do processo pode se mostrar ameaçada,

o que demanda a necessidade de aparelhamento do sistema a fim de evitar esse

comprometimento e resguardar os fins perseguidos. É exatamente nesse contexto

de fundado receio de comprometimento da eficiência do processo que se insere a

justificativa para o emprego de meios que garantam a perfeita identidade da pessoa

que está sendo indiciada, investigada ou processada com aquela cujos caracteres

foram ressaltados na ficha de identificação.

A tecnologia adotada na identificação criminal pode evitar as inúmeras e

constantes farsas provocadas pelos autores de infrações penais que,

deliberadamente irão aproveitar as falhas da identificação civil para provocar a

nulidade do processo e, portanto, a ineficiência do sistema processual penal e da

jurisdição penal.

Nesse sentido, importa frisar que o sistema brasileiro, em determinadas

situações, já prevê objetivamente hipóteses em que a identificação criminal passa a

ser a regra geral: estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso,

crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de

receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de

documento público105.

2.2.9 Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade emerge como mediador quando da colisão

de princípios, sopesando os valores que deverão prevalecer no caso concreto.

Para Juarez Freitas:

O princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos.106

105 Lei n. 10.054/2000, art. 3º. 106 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 56.

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Como afirma Carvalho:

O bem jurídico protegido pela norma penal deve sofrer um processo de avaliação diante dos valores constitucionais de âmbito e relevância maiores, sendo certo que o Direito Penal, como parte do sistema global tutelado pela norma maior, dela não poderá afastar-se.107

É neste contexto que se coaduna o princípio da proporcionalidade quando

aplicado à identificação criminal. Dele depreende-se que valores constitucionais de

relevância maior devem se harmonizar, ou seja, os princípios da dignidade humana,

do direito à imagem, da segurança pública, da eficiência devem conformar-se entre

si e, essa conformação deve ser construída à luz do princípio da proporcionalidade,

que tradicionalmente atua como critério solucionador dos conflitos.

Porto, identifica como escopo do princípio da proporcionalidade:

A vontade de evitar resultados desproporcionais e injustos, baseado em valores fundamentais conflitantes, ou seja, o reconhecimento e a aplicação do princípio permite vislumbrar a circunstância de que o propósito constitucional de proteger determinados valores fundamentais deve ceder quando a observância intransigente de tal orientação importar na violação de outro direito fundamental ainda mais valorado.108

Infere-se que os valores fundamentais devem ceder quando em seus nomes

a persecução penal fica obstaculizada, não permitindo que o valor fundamental da

segurança - dever do Estado em assegurar a todos o exercício do direito à vida, à

integridade física, à liberdade, à igualdade, à propriedade, etc. – prospere, este

conflito soluciona-se com o emprego do princípio da proporcionalidade.

107 CARVALHO apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípios políticos do Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 91. 108 PORTO, Sérgio Gilberto. Cidadania Processual e Relativização da Coisa Julgada. Revista Síntese de Direito Civil e Processo Civil, Porto Alegre, n. 22, ano 4, p. 6.

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3 O NECESSÁRIO APRIMORAMENTO DAS NORMAS RELATIVAS À IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL

3.1 Considerações Iniciais

O presente estudo vislumbra na política - sendo esta a ciência ou arte de

governo – primordialmente da política criminal, o embasamento para flexibilização e

aprimoramento das normas relativas à identificação criminal, visto que, a política

criminal deve traçar as diretrizes para que os agentes públicos possam estabelecer

os meios adequados para efetivação da investigação criminal.

Zaffaroni e Pierangeli afirmam, ainda, que política criminal é, “a ciência ou a

arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e

penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente

implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”.109

Assim é papel da política criminal definir meios para a precisa identificação

criminal do suspeito ou condenado pela prática de algum delito visando a busca

inconteste da verdade real, impedindo desta forma que, equivocadamente, um

inocente seja punido pelo Estado ou que o Estado deixe de punir um culpado,

transmitindo assim sensação de impunidade e insegurança à sociedade.

Encontra-se nas palavras de Tourinho Filho, de forma concisa e precisa a

tradução do que se objetiva com o aprimoramento das normas relativas à

identificação criminal:

A função punitiva do Estado deve ser dirigida àquele que, realmente, tenha cometido uma infração; portanto o Processo Penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da sentença110

109 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal : parte geral. São Paulo: RT, 1999, p. 132. 110 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 8ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 17.

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3.2 Considerações sobre a Lei 10.054/2000

A Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, LVIII111 determina

que o identificado civilmente não deva ser identificado criminalmente, salvo

determinadas hipóteses previstas em Lei.

A Lei Ordinária 10.054, de 07 de dezembro de 2000, é a lei que após

diversas tentativas de Projetos de Lei112 para normatizar o art. 5º, LVIII da Carta

Magna regulamentou as hipóteses supracitadas, dispondo sobre a possibilidade de

identificar criminalmente os já identificados civilmente.

A Lei citada, em seu artigo 1º113, prevê que qualquer pessoa não identificada

civilmente e presa em flagrante ou indiciada em inquérito ou autora de infração de

menor potencial ofensivo ou ainda sobre a qual tenha sido expedido mandado de

prisão, será submetida à identificação criminal.

E mais, em seu artigo 3º114, estabelece que, os já identificados civilmente

serão identificados criminalmente, como ultima ratio, quando determinadas hipóteses

previstas em seus incisos se fizerem presentes.

Algumas das hipóteses de exceção aventadas no inciso I, do referido art. 3º,

são tipificadas no Código Penal, quais sejam, homicídio doloso, crimes contra o

patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação

111 CF, art. 5º, LVIII - O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei; 112 SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 161. 113 Art. 1º O preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele que pratica infração penal de menor gravidade, assim como aqueles contra os quais tenha sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente, serão submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico e fotográfico. Parágrafo único. Sendo identificado criminalmente, a autoridade policial providenciará a juntada dos materiais datiloscópico e fotográfico nos autos da comunicação da prisão em flagrante ou nos do inquérito policial. 114 Art. 3º O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando: I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade; III – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; IV – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; V – houver registro de extravio do documento de identidade; VI – o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil.

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qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento

público.

Outras hipóteses (incisos II a VI) são de cunho preventivo/administrativo, ou

seja, quando houver suspeita de adulteração do documento de identidade

apresentado, quando o estado de conservação do documento apresentado

impossibilite a completa identificação, quando constar de registros policiais o uso de

outros nomes ou diferentes qualificações ou quando houver registro de extravio do

documento de identidade.

Observa-se que a lei em comento, doze anos após a promulgação da

Constituição Federal, estabeleceu as hipóteses de identificar criminalmente uma

pessoa independente de estar ou não identificada civilmente.

3.3 Outras Normas Congêneres à Lei 10.054/2000

Em conjunto a Lei 10.054/2000, art. 3º, I, verifica-se duas outras hipóteses

normativas, a primeira refere-se ao artigo 109 da Lei nº 8.069/1990115 (Estatuto da

Criança e do Adolescente) e a segunda ao artigo 5° da Lei n° 9.034/1995116

(Controle do Crime Organizado).

Segundo Motta:

Antes do advento da Lei n° 10.054/2000, apenas o artigo 109 da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o artigo 5° da Lei n° 9.034/1995 (Controle do Crime Organizado) permitiam, não sem algumas dúvidas quanto aos limites de suas aplicações, a identificação criminal do civilmente identificado.117

115 Lei 8.069/1990, art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada. 116 Lei 9.034/1995, art. 5º. A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil. 117 MOTTA, Sylvio. Breves comentários à Lei nº 10.054/00. Disponível em www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_sub=5&page_id=152, acesso em 12/02/2008.

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Conforme já mencionado, a Lei nº 8.069/1990, Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA, prevê em seu art. 109 a identificação criminal quando houver

dúvida fundada na identificação da criança ou do adolescente.

Em relação ao art. 109 do ECA, Moraes assevera:

Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, uma vez que a identificação criminal somente será realizada se houver fundada suspeita sobre a autenticidade dos documentos apresentados. Assim, preserva-se a ratio da norma constitucional que somente autoriza a identificação criminal quando inexistente, ou mesmo incompleta, falsa ou duvidosa, a identificação civil.118

Com relação a Lei nº 9.034/1995 (Controle do Crime Organizado) esta prevê

em seu art. 5º a obrigatoriedade da identificação criminal de pessoas envolvidas em

organizações criminosas, existindo duas correntes sobre a constitucionalidade ou

não deste artigo, conforme discorre Sobrinho:

Após a sua entrada em vigor, foram feitos alguns comentários a respeito da identificação criminal das pessoas envolvidas em ações desenvolvidas pelas organizações criminosas, independente da identificação civil, no sentido de que este procedimento não seria incompatível com a disposição do art. 5º, LVIII, da CF, apesar de haver algumas divergências de interpretação, sendo possível fixar a existência de duas orientações a respeito do tema. 119

Quando da análise do caso concreto ter-se-á resposta sobre o entendimento

se o aludido art. 5º da Lei do Crime Organizado foi revogado tacitamente pela Lei nº

10.054/2000, em virtude da incompatibilidade nos critérios dispostos quando em

cotejamento com o art. 3º, I, desta, ou, se estaria autorizada a identificação criminal

das pessoas envolvidas em organizações criminosa por analogia ao disposto na Lei

nº 10.054/2000, art. 3º, II, “fundada suspeita de falsificação ou adulteração do

documento de identidade”, ou seja, parte-se do pressuposto que o agente envolvido

em organização criminosa utiliza-se de nome falso, e possível será sua identificação

criminal independente de possuir a civil.

118 MORAES, Alexandre, Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p. 395. 119 SOBRINHO, Mário Sérgio. op. cit., p. 160.

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3.4 A Fragilidade e o Dever Estatal da Correta Identificação

A fixação da identidade de uma pessoa, apontada em um termo

circunstanciado, inquérito policial, procedimento de investigação criminal ou

processo criminal como indiciada, investigada ou acusada de um crime, é uma

medida que busca a perfeita consonância entre o efetivo autor do delito e aquele

que está sendo indiciado, investigado ou acusado. Para que isso ocorra, é

necessário que sejam colhidos e materializados, no inquérito policial ou processo

criminal, caracteres indubitáveis de qualificação e identificação pessoal que

distingam o indiciado, investigado ou acusado das demais pessoas.

3.4.1 A Identificação Criminal no Código de Processo Penal

A legislação processual penal determina a perfeita identificação do acusado

para que se possa proceder à denúncia ou queixa. Entrementes, autoriza o

prosseguimento da ação penal sendo certa a identidade física, independente do

conhecimento do verdadeiro nome, conforme se depreende, respectivamente, dos

artigos 41120 e 259121 do CPP.

De acordo com Grinover é nulo o processo quando houver a incorreta

identificação do acusado:

Deve ser devidamente qualificado, de forma direta ou indireta, podendo a sua identificação também ser feita por outros meios que permitam distingui-lo de outras pessoas. O erro na identificação será causa de nulidade se, de alguma forma, dificultar a defesa, como, por exemplo, quando leve a que seja o réu confundido com outra pessoa, impossibilitando a sua localização.122

120 Art. 41 A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. 121 Art. 259. A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes. 122 GRINOVER, Ada Pellegrini. Nulidades do processo penal. São Paulo: RT, 2006, p. 112.

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Ainda, quanto à interpretação da lei processual penal, especificamente no

que tange ao inciso VIII, do art. 6º123, que determina que autoridade, de ofício,

proceda à identificação criminal, verifica-se que este, não obstante o disposto na CF,

art. 5º, LVIII, poderá ser utilizado de forma subsidiária através das hipóteses da Lei

10.054/2000, já analisada.

Desta forma, a importância da perfeita identificação da pessoa que está

sendo acusada de um crime decorre da necessidade de que a pena a ser aplicada

pelo Estado recaia exatamente sobre quem agiu contra o ordenamento jurídico, pois

é preferível absolver um culpado a condenar um inocente.

3.4.2 Entendimento antes e após a Constituição Federal de 1988

Com relação ao disposto no art. 5º, LVIII da Carta Magna de 1988

ressaltamos que o entendimento não era pacífico, antes da regulamentação taxativa

do tema no ano de 2000 pela Lei 10.054.

Parte dos tribunais e da doutrina entendiam ser possível a identificação

criminal como forma de evitar que um inocente fosse punido injustamente.

Neste sentido o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo decidiu:

97(b) - A decisão judicial que determina a realização de exame dactiloscópico de pessoa civilmente identificada não implica, necessariamente, em coação ilegal, pois a regra disposta no art. 5º, LVIII, da Constituição Federal, deve ser analisada com outras que agasalham o princípio do devido processo legal, uma vez que há a possibilidade de alguém ser processado indevidamente em decorrência de uma identificação equivocada. 124 (grifamos)

123 Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: [...] VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes. 124 BRASIL. TJ-SP. IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL - Realização de exame dactiloscópico de pessoa civilmente identificada - Admissibilidade - Coação ilegal - Inocorrência: - Inteligência: art. 5º, LVII da Constituição Federal. Habeas Corpus nº 286.510/5, Julgado em 05/02/1996, 12ª Câmara, Relator: - Ary Casagrande, RJTACRIM 30/337. Disponível em: www.tacrim.sp.gov.br/jurisprudencia/rjdtacrim/html/volume30.html, acesso em 22/08/2008.

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O STF evidenciou a importância do ato de identificação datiloscópica na

esfera criminal, evitando-se possível erro em sentença:

A IDENTIFICAÇÃO DO INDICIADO PELO PROCESSO DATILOSCOPICO, QUAL PREVE O ART. 6., VIII, DO C. PR. PENAL, E OBRIGATORIA ATÉ MESMO NO CASO EM QUE ELE EXIBE A AUTORIDADE O DOCUMENTO OU CEDULA POLICIAL DE IDENTIDADE, E EM SE TRATANDO DE UM ATO DE PROCEDIMENTO IMPOSTO POR LEI (ART. CIT.) NÃO SE PODE ARGUI-LO DE CONSTRANGEDOR, POIS O CONSTRANGIMENTO PROIBIDO E O ILEGAL. [...] Acresce que os dados identificadores da pessoa podem alterar-se, e os que interessam ao inquérito policial são obviamente os que se verificam na ocasião em que o indiciado comete o crime e não os registrados anteriormente e possivelmente desfeitos. [ ] Necessário e não vexatório, curial e não abusivo, sobredito ato é inerente a situação que a lei criou para o indiciado, cuja identidade atual constitui garantia contra possível erro judiciário [...]125. (grifamos)

A doutrina se posicionava de forma similar:

A dúvida, por mais tênue que seja, deverá orientar a autoridade policial para a realização da identificação datiloscópica, sob pena de acarretar sério gravame à Justiça, e evitar que pessoas inocentes venham a sofrer prejuízos pelo uso indevido de documento extraviado, situação que tem se demonstrado não rara, na praxe forense.126 (grifamos)

A necessidade da identificação criminal foi determinada pelo Supremo

Tribunal Federal, por intermédio da Súmula 568127, com a seguinte redação: “a

identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o

indiciado já tenha sido identificado civilmente”, elidindo, antes da Constituição da

República Federativa do Brasil, discussão sobre a ilegalidade da identificação

criminal.

125 BRASIL. STF. Recurso Extraordinário Criminal nº 80.732, Distrito Federal. Julgado em 04/06/1975. Tribunal Pleno. Relator: Min. Antônio Neder. Disponível em: www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp, acesso em 8/9/2008. 126 DERMERICIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 74. 127 BRASIL. STF. Súmula 568 aprovada em sessão plenária em 15/12/1976. Disponível em: www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_501_600, acesso em 08/09/2008.

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Entretanto, a Súmula 568 após a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil em 1988, deixou de ter aplicação pelo STF:

A SÚMULA 568 ESTÁ SUPERADA, CONSIDERANDO QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, EM SEU ART. 5º, LVIII, DETERMINA QUE O CIVILMENTE IDENTIFICADO NÃO SERÁ SUBMETIDO À IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL, SALVO NAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. 128

A partir da Constituição e da superação da Súmula 568 o STF começou a

julgar pela inaplicabilidade da identificação criminal do já civilmente identificado,

excetuando-se as hipóteses legais:

IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, PORQUE O ACÓRDÃO RECORRIDO DENEGOU O 'HABEAS CORPUS' EM CONSONANCIA COM A JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL (SÚMULA N. 568). CONCEDE-SE, POREM, A ORDEM, DE OFICIO, ANTE A GARANTIA INSERTA NO ART. 5., LVIII, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, ULTERIORMENTE PROMULGADA E TENDO EM VISTA QUE A PACIENTE JA SE ACHA CIVILMENTE IDENTIFICADA.129

Com o disposto acima percebe-se que não havia consenso quando da

análise dos pressupostos que deviam nortear a obrigatoriedade ou não da

identificação criminal, e que este consenso, inicialmente, foi obtido e sumulado pelo

STF, porém a assembléia constituinte decidiu em posição diametralmente oposta.

Por outro lado, a imperiosa necessidade da identificação criminal se avigora

principalmente se se observa algumas decisões nos tribunais pátrios, como por

exemplo, o entendimento da não configuração de crime de falsa identidade (Código

Penal, art. 307), o fato de o agente falsear a identificação perante autoridade policial.

Neste sentido o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, decidiu:

Assim é que a conduta do acusado, que falseia a identidade com simples intuito de autodefesa, não se subsume ao tipo em análise. Nesse sentido: Não há, entretanto, o crime de falsa identidade, quando o propósito do agente é apenas o de ocultar seu passado delituoso (RT 696/380).

128 Idem. 129 BRASIL. STF. RHC 66881, Distrito Federal. Julgado em 07/10/1988. Primeira Turma. Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI. Disponível em: www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp, acesso em 8/9/2008.

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Falsa identidade. Declinação de falso prenome na polícia. Intuito de autodefesa. configuração. impossibilidade. Aquele que, ao ser identificado na polícia, declina falso prenome, procurando defender-se, torna anódina a conduta, impossibilitando a configuração do crime previsto no art. 307 do CP (RJDTACRIM 14/77-8). Por isso, a absolvição do réu em relação ao crime de falsa identidade é medida que se impõe. 130 (grifamos)

Ora, se a própria Justiça entende plausível ao agente declinar seu prenome

diante da autoridade policial, como não inferir que esse, em mesma circunstância ou

diversa, ao apresentar uma Carteira de Identidade não esteja de posse de um

documento fraudulento, impedindo que se conheça o verdadeiro autor da infração, o

que, por conseqüência, resulta em total insegurança para sociedade.

Neste sentido a notícia publicada pelo Ministério Público do Mato Grosso,

que demonstra o quão imprescindível é a perfeita identificação criminal, pois ao

contrário poderá ocasionar situações nefastas e irreversíveis:

“ERRO MARCANTE: Homem é preso no lugar do irmão. 29/09/2008” Homem inocente é solto após cumprir pena de 1 ano e 6 meses na Penitenciária Central de Cuiabá (antigo presídio Pascoal Ramos). O encarregado de pessoal Júlio Iglesias Soares, 31, foi preso no lugar do irmão, Josias Eliel Soares, que furtou dinheiro de uma agência bancária do Sicredi em Barra do Garças (600 km de Cuiabá). A confusão começou quando o verdadeiro autor do crime foi preso em 2003, mas identificou-se com o nome do irmão para evitar que a investigação encontrasse as passagens pela polícia. [...] O caso foi encaminhado para a Procuradoria da Defensoria Pública que solicitou uma perícia. O laudo confirmou a confusão e certificou que as impressões digitais e as fotos não são de Júlio. [...] Após sair da prisão no domingo, a primeira coisa que Júlio Iglesias Soares fez foi ligar para a família. Desde que foi preso injustamente no lugar do irmão ele não tinha contato com a mulher e os 2 filhos. Ele conta que ligou na cidade e pediu aos parentes para procurá-la. A mulher falou pelo telefone que o casamento havia acabado. Júlio disse que está sofrendo muito com a situação porque devido ao erro da Justiça perdeu a família, o emprego e passou por muita humilhação dentro do presídio. Ele estava casado havia 3 anos quando foi preso. Tinha uma vida estável e trabalhava como encarregado de pessoal em uma fazenda produtora de maçãs.131 (grifamos)

130 BRASIL. TJ-MG. AC 1.0231.05.044761-5/001, julgada em 17/04/2007, 5ª Câmara Criminal, Relator: Hélcio Valentim . Disponível em: www.tjmg.gov.br/juridico/, acesso em 18/08/2008.

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O relato acima demonstra que aludido constrangimento advindo da

identificação criminal é muito menor do que os traumas causados a uma pessoa

inocentemente processada ou encarcerada.

Outra questão a ser enfrentada é a precariedade e falta de segurança na

emissão das Carteiras de Identidades no Brasil.

Tal pode ser demonstrado por meio do parecer feito pelo Instituto Nacional

de Identificação, no qual aponta as dificuldades encontradas no serviço de

identificação:

Atualmente a identificação civil no Brasil apresenta fragilidades intrínsecas que facilitam a realização de fraudes. As falhas na identificação não se restringem às multiplicidades de registros de indivíduo, mas principalmente ao seu baixo grau de confiabilidade em face de deficiências históricas dos serviços de identificação estaduais: pouco investimento, falta de recursos materiais e humanos, baixo grau de automação, grande volume de fichas a serem manuseadas e falta de intercâmbio no processamento de dados. Principais problemas verificados nos serviços de identificação estaduais: - Múltiplos registros de identificação para uma pessoa no mesmo

estado, com dados iguais ou divergentes, resultante de falha ou da ausência de pesquisa datiloscópica nos pedidos da primeira via da carteira de identidade.

- Documentos emitidos oficialmente por Institutos de Identificação com fotografia e impressão digital de uma pessoa e com o RG e demais dados (nome, filiação, data e local de nascimento) de outra; conseqüência de erro ou falta de pesquisa datiloscópica na emissão da segunda via da carteira de identidade.

- Baixa confiabilidade nos arquivos manuais de identificação, por apresentarem: registros incompletos; falta de individual datiloscópica, fotografia e/ou insuficiência de dados biográficos da pessoa; fichas fora de ordem, o que dificulta a consulta e impede a localização de registros de identificação existentes e número de RG da carteira não encontrado.

- Ausência e/ou ineficiência de controle para acessar os arquivos manuais e automatizados, o que pode facilitar sua violação, adulteração e exclusão de registros, muitas vezes com a conivência de maus servidores.

- Vulnerabilidade do sistema, particularmente dos registros em papel, sujeitos a sabotagens e a destruição.

131 RODRIGUES, Caroline. Erro Marcante - Homem é preso no lugar do irmão. Notícias 29 e 30 de setembro de 2008 - Ministério Público do Mato Grosso. Disponível em www.mp.mt.gov.br, acesso em 05/10/2008.

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- Isolamento e dificuldades de comunicação entre os institutos, o que impede confirmar a existência e o conteúdo de registros civis e criminais.

- Falta de integração e total descompasso entre os registros de identificação civil, criminal e penitenciário no mesmo ente Federado. Muitas vezes pessoas que cumprem pena não possuem registro de identificação, ou, quando possuem, não existem anotações de seus históricos criminais.

- Facilidade para falsificar carteiras de identidade, devido à ausência de critérios de segurança confiáveis, o que permite que indivíduos assumam falsa identidade mediante adulteração de documentos perdidos ou subtraídos.

- Pessoas que cumprem penas por crimes que não cometeram ou que respondem por dívidas que não contraíram.

Esses problemas abalam a credibilidade dos serviços estaduais de identificação, criam dificuldades para pessoas e facilitam ações criminosas132. (grifamos)

No mesmo sentindo a exposição de motivos de dois projetos de lei no

Congresso Nacional no qual apontam explicitamente a fragilidade dos atuais

sistemas de identificação, propícios à falsificação de Carteiras de Identidades. Veja-

se, inicialmente, o Projeto de Lei do Senado nº 328, de 2004, que visa instituir o

cartão do cidadão:

A sociedade brasileira tem experimentado, nos últimos anos, magnífico avanço tecnológico em todos os campos, desde a medicina até os meios de comunicação, dentre os quais a Internet é, sem dúvida um dos grandes expoentes. Tal avanço, todavia, não tem chegado satisfatoriamente a determinadas searas do Poder Público, como v.g., nos serviços de identificação civil, onde se verifica toda espécie de fraudes em decorrência da facilidade encontrada pelos malfeitores para a falsificação de documentos133. (grifamos)

E o Projeto de Lei do Senado nº 4.093, de 2001, que tem como objetivo

regulamentar o art. 5º, inciso LVIII ,da Constituição Federal:

No mérito, a regulamentação bem feita desse dispositivo constitucional (art. 5º, inciso LVIII) é relevante e a identificação criminal pela forma datiloscópica é de suma importância especialmente porque muitas vezes a polícia fica em dificuldades para saber quem o indiciado é na realidade, especialmente se

132 BRASIL - MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Projeto RIC. Brasília: DPF/INI, [2008]. 1 CD-ROM. 133 BRASIL. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado nº 328/2004. Institui o Cartão do Cidadão. Autor: Senador Alberto Silva. Disponível em: www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p cod_mate=71096, acesso em 12/09/2008.

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ele porta documento falso. Acrescente-se, ainda, que o Brasil é um País imenso e os Institutos de Identificação não estão todos ligados pela informática. E a identificação fotográfica também é relevante, inclusive para se proceder ao reconhecimento do autor do crime quando o réu é revel ou fugitivo134. (grifamos)

Assim, é clara a necessidade de debate e posterior regulamentação da

questão da identificação criminal, para que se possa efetivar, neste aspecto, a

segurança que a sociedade requer.

Para enriquecer a discussão acerca da ampliação do rol, hipóteses que

possibilitam a identificação criminal, mesmo quando da existência da identificação

civil, traz-se a respeito de controles e verificações de identidade o procedimento

adotado na França:

Poucos países na Europa Ocidental instituíram a carteira de identidade obrigatória e, no entanto, a maioria deles admite operações de controle de identidade, que não se limitam à repressão de infrações já cometidas (operações de polícia judiciária) mas estendem-se também à prevenção de infrações (operações de polícia administrativa). Admitidas principalmente na França, essas operações de controle deram lugar a práticas mais contestáveis em relação às liberdades individuais, ainda que estas sejam colocadas sob a garantia judiciária (art. 66 da Constituição). Trata-se de reter nas dependências da polícia pessoas que não são suspeitas de infração, mas recusam-se a prestar-se às operações de controle ou estão impossibilitadas de justificar sua identidade. [...] A prática da retenção para fins de verificação de identidade foi, a partir de então, legalizada (Leis de 1981, 1983 e 1986), com o aval do Conselho Constitucional, que acredita que uma “conciliação deve ser operada entre o exercício das liberdades constitucionalmente reconhecidas e as necessidades da busca dos autores de infrações e da prevenção de atentados à ordem pública, principalmente à segurança das pessoas e dos bens, ambos necessários à proteção dos direitos de valor constitucional. [...] A recusa de prestar-se à coleta de impressões digitais ou de fotografias autorizadas pela autoridade judiciária constitui um delito penal, punível com multa e encarceramento (art. 78-5, Lei de 3 de setembro de 1986). 135 (grifamos)

134 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 4.093/2001. Altera a Lei 10.054/2000. Autor: Deputado Alberto Fraga. Disponível em: www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=4268, acesso em 12/09/2008. 135 DELMAS-MARTY, Mireille. Os grandes sistemas de política criminal. Barueri: Manole, 2004, p. 228-231.

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Há, pois, no país apontado, um rigoroso controle de identidade buscando a

prevenção de infrações e, para a consecução deste objetivo, permite-se inclusive o

encarceramento para quem se recusar a coleta de suas impressões digitais.

É certo que a criação de norma restritiva quanto à identificação, ao invés de

impedir a forma vexatória que por vezes algumas autoridades policiais submetiam os

identificados, buscou vedar a identificação criminal, ressalvando apenas os casos

em que a legislação infraconstitucional entendesse de absoluta necessidade, o que,

ante as dificuldades apontadas, deve ser repensado.

3.5 Incoerência das Exceções do inciso I, do art. 3º, Lei 10.054

A forma açodada como a questão da identificação criminal foi tratada pelo

Legislador Constituinte, motivado pelas informações de que ela estaria sendo

efetuada de forma a causar constrangimento nos indiciados, acabou por determinar

a inserção de norma - CF, art. 5º, LVII - que, ressalvados os casos expressos em lei,

proibia a identificação criminal do civilmente identificado.

Alerta-se aqui que o movimento pendular, comum no processo histórico, que

normalmente busca consertar os equívocos de um período com a exacerbação das

ações em sentido contrário das que, até aquele momento, eram realizadas, atingiu a

legislação pátria, principalmente com a Constituição Federal de 1988.

A situação de vácuo normativo, Constituição Federal de 1988 e Lei

10.054/2000, que permeou o entendimento da autoridade policial diante de

situações dúbias causou grande dificuldade para a obtenção da certeza sobre a

identidade das pessoas que estavam sendo levadas às Delegacias para

investigação sobre crimes, inclusive crimes que atingiam bens de elevada

relevância, protegidos pela lei penal. Tal entendimento é enfatizado por Stacchini ao

tratar do art. 5º, LVIII, da CF, “paradoxalmente, o referido dispositivo constitucional

acabou por instaurar uma situação de total insegurança para todos os cidadãos”136.

136 STACCHINI, Ângelo Patrício. A identificação civil e a identificação criminal: um balanço após dez anos de vigência da Constituição Federal de 1988. Justiça Penal – 6: críticas e sugestões 6/163, 1999.

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Sobre o tema, Capez expõe:

A autoridade policial não pode mais submeter pessoa civilmente identificada, e portadora da carteira de identidade civil, ao processo de identificação criminal.137

Contudo, Capez informa que havia:

Entendimento isolado, em sentido contrário, na jurisprudência, sustentando que o preceituado no inciso LVIII do art. 5º da Lei Maior não é auto-executável, ficando, pois, na dependência de lei regulamentadora.138

Da Lei 10.054/2000 e do disposto na Constituição Federal, art. 5º, LVIII,

retira-se que a regra geral é a de que o civilmente identificado não será submetido à

identificação criminal, esta apenas ocorrerá, como ultima ratio.

Porém é necessário verificar se a enumeração efetuada pelo legislador é

numerus clausus, ou se trata de hipóteses sobre as quais se pode estender a

interpretação.

Certamente que não se pode aceitar uma liberalidade exagerada do

intérprete, sobre pena de tornar a norma constitucional em letra morta. Por outro

lado, é necessária a flexibilização para não se adentrar no campo da falta de lógica

interpretativa, pois uma norma por mais clara que possa ser sempre requer

interpretações, como adverte Diniz:

A clareza de um texto legal é coisa relativa, uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa quando se a aplica a outras relações que nela possa enquadrar e às quais não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente. 139

A seguir analisar-se-á as hipóteses previstas no inciso I, do art. 3º da Lei

10.054/2000, a ausência de lógica jurídica140 e a necessidade de aprimorá-la.

137 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 81. 138 Ibidem, p. 82. 139 DEGNI apud DINIZ, Maria Helena, op.cit., p. 415. 140 Maria Helena Diniz leciona que a Lógica Jurídica tem por objeto conhecer e sistematizar princípios gerais, leis e regras atinentes às operações intelectuais utilizadas no estudo do

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3.5.1 Primeira Hipótese: “estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso”

A primeira exceção da lei infraconstitucional que permite a identificação

criminal do civilmente identificado é quando o agente “estiver indiciado ou acusado

pela prática de homicídio doloso”. Aqui deveria se utilizar a interpretação extensiva e

admitir dentro desta primeira exceção outras hipóteses que decorrem, por exemplo,

do preterdolo, verbis gratia, a rixa qualificada pelo resultado morte (CP, art. 137,

parágrafo único), incêndio qualificado pelo resultado morte (CP, art. 250 c/c art. 258),

lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, § 3º), exposição ou abandono de

recém-nascido pelo resultado morte (CP, art. 134, § 2º), crime de trânsito sem

prestar socorro à vítima (CTB, art. 303 c/c art. 304), entre outros.

Segundo Diniz a interpretação extensiva desenvolve-se:

Em torno da norma, para nela compreender-se casos que não estão expressos em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente, incluídos, conferindo, assim, à norma o mais amplo raio de ação possível, todavia, sempre dentro de seu sentido literal, concluindo que o seu alcance é mais amplo do que indicam seus termos.141

Ainda, há crimes igualmente violentos e nocivos à sociedade que não

elencados entre os passíveis de identificação criminal por seus causadores, o que,

por certo merece reparo.

3.5.2 Segunda Hipótese: “crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça”

Os crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave

ameaça são o roubo142 (CP, art. 157, § 1º), extorsão143 (CP, art.158) e extorsão

mediante seqüestro144 (CP, art.159).

direito, na interpretação, na integração, na elaboração e na aplicação jurídicas. (DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 220). 141

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1035. 142 Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

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Nesta hipótese não estão elencados importantes crimes contra o patrimônio

que, apesar do não uso da violência e sim de meio ardil, exigiriam em virtude da sua

nocividade estarem no rol dos crimes sujeitos de identificação criminal, tais como,

crime de abuso de incapazes145 (CP, art. 173) que tem como sujeito passivo menor

ou alienado mental, e crime de induzimento a especulação146 (CP, art. 174) que tem

como sujeito passivo pessoas simples sem malícia ou de inferioridade mental.

3.5.3 Terceira Hipótese: “crime de receptação qualificada”

No crime de receptação qualificada147 (CP, art.180, §1º) verifica-se que o

legislador entendeu, corretamente, ser o receptador passível de identificação

criminal, sobretudo porque a conduta só pode ser praticada por quem desempenha

atividade comercial ou industrial. Porém, o estelionato148 (CP, art.171) não foi

incluído.

Segundo Capez o agente do estelionato não utiliza violência ou grave

ameaça mas:

Emprega um estratagema para induzir em erro a vítima, levando-a a ter uma errônea percepção dos fatos, ou para mantê-la em erro,

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. 143 Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: 144 Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate. 145 Art. 173 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro. 146 Art. 174 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa. 147 Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte. § 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime. 148 Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

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utilizando-se de manobras para impedir que ela perceba o equívoco em que labora.149

Desta forma, configura-se descompasso e falta de lógica a não inclusão nas

hipóteses, uma vez que no estelionato, via de regra, igualmente, há a prática de

conduta contumaz de violação de patrimônio.

3.5.4 Quarta Hipótese: “crimes contra a liberdade sexual”

Crimes contra a liberdade sexual150 são, de acordo com o disposto no

Código Penal, o estupro (CP, art. 213), atentado violento ao pudor (CP, art. 214),

posse sexual mediante fraude (CP, art. 215), atentado ao pudor mediante fraude

(CP, art. 216), assédio sexual (CP, art. 216-A).

Observa-se que os crimes acima são de reclusão, exceto o assédio sexual

(CP, art. 216-A), pois em virtude da Lei nº 10.224/2001, que dispõe especificamente

sobre o crime em comento, este possui como pena, detenção, de 1 (um) a 2 (dois)

anos, caracterizando-se como crime de menor potencial ofensivo, o que demonstra a

não adequação das normas posteriores à Lei 10.054/2000, propiciando insegurança

jurídica.

3.5.5 Quinta Hipótese: “crime de falsificação de documento público”

Aqui o legislador ao omitir as hipóteses dispostas no art. 304 do CP (uso de

documento falso) deixou claro que a flexibilização da norma urge, pois se a lei achou

temerário determinando a identificação criminal do falsário, por que não determinou

149 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal : parte especial, vol. 2, - 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004,. p. 479.

150 Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Art. 215 - Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude. Art. 216 - Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

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em relação ao usuário do documento falso, melhor seria, demonstrando

congruência, a determinação da identificação criminal de todos os demais ilícitos

tipificados no Capítulo III do Título X do Código Penal, referente aos delitos de

“Falsidade Documental”151 e não apenas aos relativos ao art. 297 do CP (falsificação

de documento público).

3.5.6 Crimes que deveriam estar relacionados nas Exceções do inciso I, do art. 3º, da Lei 10.054/2000

Hipótese antes aventada pela Lei nº 9.034/1995 (Controle do Crime

Organizado) em seu art. 5º, obrigatoriedade da identificação criminal de pessoas

envolvidas em organizações criminosas, traz insegurança ao operador do direito,

principalmente a Autoridade Policial, pois como visto no item 3.3 não está pacificado

se houve a revogação tácita desta hipótese de identificação pela Lei nº 10.054/2000,

pois não a relacionou no rol de exceções, ou se esta hipótese está subentendida no

rol da Lei nº 10.054/2000, pois o agente envolvido em organizações criminosas, leia-

se também quadrilha ou bando, não se afasta da índole de um indigitado em crime

maior potencial ofensivo.

Veja-se o conceito de “organização criminosa” disposta em Convenção das

Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, da qual o Brasil aderiu

através do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, e que traz em seu art. 2º, “a”:

"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;152

151 falsificação do selo ou sinal público; falsificação de documento particular; falsidade ideológica; falso reconhecimento de firma ou letra; certidão ou atestado ideologicamente falso; falsidade material de atestado ou certidão; falsidade de atestado médico; reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica; uso de documento falso; supressão de documento. 152 Fonte: www.planalto.gov.br , acesso em 01/10/2008.

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Importante destacar também, a ausência nas hipóteses previstas na Lei

10.054/2000 de alguns crimes previstos no rol estipulado na Lei 8.072, de 25 de

julho de 1990, que dispõe sobre crimes hediondos e os equiparados. Vejamos:

a) latrocínio; b) epidemia com resultado morte; c) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a

fins terapêuticos ou medicinais d) genocídio; e) tortura; f) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; g) terrorismo. Destarte, faltaria lógica ao sistema processual penal a exclusão dos crimes

tipificados acima, porquanto a natureza desses crimes é semelhante, com elevado

grau de prejuízo para toda a sociedade.

Diante de todo o exposto, conclui-se que a Lei nº 10.054/2000 deve ser

aperfeiçoada, seja pela sua falta de lógica, seja pela necessidade premente de dar a

sociedade segurança jurídica e criminal.

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CONCLUSÃO

Após um período considerável de estudos doutrinários e jurisprudenciais,

com auxílio da orientadora e concomitantemente com a função exercida em labor

diário, conclui-se a presente monografia com o relato abaixo.

Ao remeter-se ao capítulo 1 observa-se que ele trouxe a necessidade de

identificação exata e singular de todos os cidadãos como forma de possibilitar a

aplicação de garantias, direitos, deveres e imputação de responsabilidade à pessoa

determinada e específica, impossibilitando que alguns desses recaiam sobre outrem.

Pôde-se observar que a identificação é um método utilizado pela civilização

que antecede a era cristã, e que estes métodos foram e são utilizados tanto para

identificação civil como para identificação criminal, iniciaram-se com técnicas

rudimentares e hodiernamente empregam-se técnicas precisas, contudo, não

impediram que os registros civis, principalmente a Carteira de Identidade, fossem

facilmente fraudados. Desta forma, não está se inovando ao interpretar a

importância da correta identificação em conjunto com a utilização da identificação

criminal como ferramenta para aperfeiçoar a segurança pública.

No capítulo 2 quando do estudo da dogmática dos princípios constitucionais

que se correlacionam com a identificação criminal, não se olvidou dos direitos

fundamentais pétreos, principalmente o da dignidade humana, ao contrário, trouxe à

tona que o sopesamento deste com os demais princípios atinentes, principalmente o

da segurança pública e o da primazia do interesse público sobre o privado, é o meio

que habilita a identificação criminal do já civilmente identificado quando investigado,

indiciado, ou acusado, propiciando segurança jurídica e, por conseguinte paz social.

Ademais, a cláusula pétrea da dignidade da pessoa humana estará ferida

sim, mortalmente, quando em detrimento de um inocente e da correta persecução

penal a ausência da identificação criminal for a causa.

No capítulo 3 ficou patente que a determinação constitucional inserta no art.

5º, LVIII, de que o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal,

salvo nas hipóteses previstas em lei, deve ser respeitada sob pena da volta ao

estado de exceção consagrado pelo AI-5, contudo, é imprescindível que as

hipóteses de exceção previstas na Lei 10.054/2000, que dispõe sobre identificação

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criminal, principalmente no inciso I, do artigo 3º desta, sejam aperfeiçoadas, visto

serem numerus clausus, taxativas, não contemplando o rol necessário das

hipóteses, bem como, não existem critérios sólidos na determinação das exceções

da permissibilidade da identificação criminal do já civilmente identificado.

Depreende-se que a limitação à Identificação Criminal é desprovida de rigor

técnico e coerência, pois em nosso ordenamento jurídico temos a “prisão preventiva”

utilizada como garantia de efetividade da jurisdição penal. Desta forma, como

questionar a plausibilidade da identificação criminal como meio de aperfeiçoamento

da persecutio criminis, quando, por métodos legalmente instituídos, v.g., prisão

preventiva, está sendo malferido um direito fundamental maior de qualquer indivíduo,

a liberdade.

O brocardo jurídico ius est ars boni et aequi (o direito é a arte do bom e do

justo) deve ser empregado em sua plenitude, entretanto, em conjunto com a

razoabilidade, que deve nortear a aplicação das leis.

A identificação criminal não se trata de submissão do eventual investigado,

indiciado ou acusado a um ato vexatório. Trata-se, isto sim, de garantir o Estado que

a acusação que será procedida recairá exatamente sobre o autor do fato, evitando

assim que a futura sanção penal possa surtir seus efeitos sobre um inocente tão-

somente porque o Estado não soube identificar corretamente o verdadeiro autor da

infração penal.

Acredita-se que eventuais equívocos cometidos pela autoridade policial

quando da identificação do investigado, indiciado ou acusado e, continuados pelo

judiciário, não podem servir de base para se criar uma atmosfera propensa a ensejar

a descaracterização da identificação criminal por prováveis erros de identificação.

Por derradeiro, reconhece-se que o entendimento em relação à identificação

criminal é polêmico e pode causar inquietação em alguns dos operadores de direito,

principalmente os catedráticos, mas, data venia, não é da essência do Direito

permitir a discussão democrática dos assuntos que lhe são afetos?

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