a identidade em questÃo · 2014. 11. 28. · ao pessoal da igreja batista central, meus pastores,...

127
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS A IDENTIDADE EM QUESTÃO: PRIVATIZAÇÃO E FUSÃO BANCÁRIA NA DÉCADA DE 1990 MAYARA FERREIRA DE ABREU Belo Horizonte 2010

Upload: others

Post on 18-Jun-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

A IDENTIDADE EM QUESTÃO: PRIVATIZAÇÃO E FUSÃO BANCÁRIA NA DÉCADA DE 1990

MAYARA FERREIRA DE ABREU

Belo Horizonte

2010

Page 2: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

MAYARA FERREIRA DE ABREU

A IDENTIDADE EM QUESTÃO: PRIVATIZAÇÃO E FUSÃO BANCÁRIA NA DÉCADA DE 1990

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientadora: Juliana Gonzaga Jayme Co-orientadora: Lucília de Almeida Neves Delgado

Belo Horizonte 2010

Page 3: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Abreu, Mayara Ferreira de A162i A identidade em questão: privatização e fusão bancária na década de 1990 /Mayara Ferreira

de Abreu. Belo Horizonte, 2010. 126f. : Il. Orientadora: Juliana Gonzaga Jayme Co-orientadora: Lucília de Almeida Neves Delgado Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de

Pós-Graduação em Ciências Sociais

1. Bancos – Privatização. 2. Reestruturação produtiva. 3. Bancários. 4. Identidade. I. Jayme, Juliana Gonzaga. II. Delgado, Lucília de Almeida Neves. III. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. IV. Título.

CDU: 338.246.025

“Revisão Ortográfica e Normalização Padrão PUC Minas de responsabilidade do autor”

Page 4: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

Mayara Ferreira de Abreu A identidade em questão: privatização e fusão bancária na década de 1990.

Dissertação apresentada ao programa de Pós Graduação-Mestrado em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Prof. Doutora Juliana Gonzaga Jayme (Orientadora) - PUC Minas

Prof. Doutora Lucília de Almeida Neves Delgado (Co-orientadora) - PUC Minas

Prof. Doutora Magda de Almeida Neves – PUC Minas

Prof. Doutora Vanessa Andrade Barros – UFMG

Belo Horizonte, 23 de março de 2010

Page 5: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

Aos Bancários do BEMGE

Page 6: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

AGRADECIMENTOS

Segundo o dicionário agradecer é mostrar-se grato pelo recebimento de um benefício

de algo ou alguém. No meu entender agradecer é tentar mensurar em palavras algo que não

pode ser mensurado. Palavras nunca serão o suficiente para demonstrar as pessoas o apreço

que sempre terei por suas atitudes, incentivo, demonstrações de afeto e etc. Mas na tentativa

buscar reconhecer tais atos, seguem os meus mais sinceros agradecimentos.

Agradeço a Deus, acima de todas as coisas e por todas as coisas. Se cheguei até aqui

foi porque sua potente mão sempre esteve ao meu lado me suprindo sempre,me guiando, me

guardando do mal e me fazendo acreditar em mim mesma quando nem eu mesma acreditava.

Toda honra e toda glória seja dada a Ti!Agradeço a Jesus por seu amor por mim e se sacrificar

pra que eu pudesse ser livre, obrigado Senhor!Ao Espírito Santo meu fiel companheiro, por

sempre estar ao meu lado me consolando e me fortalecendo. Esta dissertação não seria

possível sem a ação divina. E obrigada Senhor por colocar ao meu lado pessoas especiais que

não posso deixar de agradecer.

Mãe, você é e sempre será o meu maior exemplo. Sua constante perseverança e seus

esforços por mim não tem palavras que podem expressar. Obrigada por sempre tornar o

impossível possível pra que eu pudesse chegar até aqui. Obrigada por me agüentar e me

apoiar em mais esta jornada.

Ao meu pai, por seu apoio e incentivo.

Aos meus tios, primos, primas e Vó. O meu muito obrigada a vocês que mesmo sem

entenderem bem o porquê dos meus caminhos e minhas escolhas me apoiaram cada um a sua

forma.

A Elaine, minha amiga de todas as horas e momentos. Obrigada por ser minha amiga e

estar sempre me apoiando. Obrigada por estar sempre disponível para me ouvir, pra conversar

e orar por mim sempre que era preciso. Obrigada por suas sugestões e por suas correções

acadêmicas sempre tão preciosas.

As minhas amigas de infância, Tetê, Cacá, Bebel, e Virgínia. Obrigada por sempre me

apoiarem, por me ajudarem, por me socorrem, e por serem sempre as melhores vizinhas que

alguém pode ter.

Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo,

apoio e orações.

Aos amigos Dani, Fefy, Junin, Pedro Martins, Estefânia, Isabela,Carol, Camila, Léo e

Guiu pelo apoio, incentivo e pelas orações.

Page 7: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

Orientar é muito mais que simplesmente dar a direção é estar ao lado acompanhando

nossos passos corrigir nossos erros e incentivar nossos acertos. A professora Juliana Jayme,

minha orientadora, o meu muitíssimo obrigada por tudo. Obrigada pela sua disposição em me

orientar, por acreditar no meu trabalho, pelo seu esforço e empenho pra que a dissertação

fosse à melhor possível. Obrigada por seu profissionalismo, cuidado, e incentivo.

A professora Lucília Neves, obrigada por me coorientar, por seu apoio e incentivo.

Obrigada por suas sugestões ao longo de todo o período e por acreditar no meu trabalho.

A professora Magda Neves, obrigada por suas ricas e sempre úteis sugestões e pelos

importantes comentários acerca deste trabalho na qualificação.

Aos professores do Mestrado em Ciências Sociais, por suas aulas instigantes e por

compartilhar com brilhantismo o conhecimento que adquiriram ao longo de sua jornada

acadêmica.

Aos meus colegas de mestrado, companheiros de uma jornada acadêmica desafiadora

e por vezes angustiante, obrigada por nossas conversas de corredor, por nossos lanches, por

nossas discussões em sala de aula, por nossos emails, e por compartilharem comigo um pouco

do trabalho de vocês. Obrigada a Ciça, Renato, Thê e Alexia, mais próximos nessa jornada.

A Cláudia, amiga mais que próxima nesta jornada acadêmica, o meu mais que

obrigada. Obrigada por nossas conversas, nossos emails, nossas idas a biblioteca, nossos

telefonemas, nossos risos e choros, por compartilhar suas angústias e por ouvir as minhas,

pelas nossas alegrias, enfim por todos os dias nestes dois anos que sempre pude contar com

seu apoio, consideração e principalmente com sua amizade. Esse mestrado não seria o mesmo

sem você.

Ao Pedro Velloso, Samuel Velloso, Gabriella Sampaio, Elaine Viza, Christopher

Battle pela ajuda no abstract.

Aos SEEB-BH pessoas de Marco Aurélio e Tatiane Norbertto. Essa pesquisa não seria

possível sem o apoio e contribuição de vocês.

A AJUBEMGE pelo apoio.

Aos meus entrevistados por compartilharem parte importante de suas vidas essa

dissertação não existiria se não houvesse esse desprendimento da parte de cada um de vocês.

A equipe da secretaria do Mestrado em Ciências Sociais, pelo apoio, presteza e

profissionalismo com que acompanharam a minha jornada. Ângela, Valéria e Guilherme, o

meu muito obrigada por tudo.

Ao CNPq pela concessão da bolsa que me possibilitou cursar o mestrado.

A PUC Minas, lugar onde aprendi mais que lições acadêmicas.

Page 8: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

“Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais

Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai querer ficar

Tem gente que veio só olhar Tem gente a sorrir e a chorar

E assim, chegar e partir.”

Encontros e Despedidas Milton Nascimento e Fernando Brant

Page 9: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo realizar um estudo acerca dos impactos do fenômeno da

Reestruturação Produtiva no setor bancário brasileiro na década de 1990 com foco específico

na discussão relacionada à identidade dos trabalhadores deste setor. Para tal foi escolhido

como objeto de análise o estudo de caso do processo de privatização do BEMGE, Banco do

Estado de Minas Gerais, a sua fusão com o Banco Itaú e os impactos desses processos na vida

dos trabalhadores. A privatização do banco e as mudanças que procederam a partir desse

evento foram o ponto de partida para as análises sobre a transformação da identidade do

trabalhador bancário e do seu perfil profissional. Por meio deste estudo foi possível perceber

que as perdas para o trabalhador bancário foram além das econômicas, envolveram sua

subjetividade, uma vez que uma importante parcela de sua constituição identitária foi alterada.

Observou-se que as formas que até então embasavam o trabalho bancário e que contribuíam

para a construção de uma identidade profissional solidificada, entre elas a estabilidade do

trabalho em bancos públicos, deram lugar a novas configurações no setor. Essas

configurações contribuíram para que surgisse não apenas um novo banco, mas também novos

bancários. Para este estudo foram realizadas entrevistas com os sujeitos envolvidos no

contexto, ex- funcionários do referido banco e sindicalistas, bem como consultas a jornais de

grande circulação e boletins específicos da categoria.

Palavras chave: Reestruturação produtiva. Privatização. Trabalho bancário. Identidade

profissional.

Page 10: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to perform a study about the impacts of the productive

restructure phenomenon in the Brazilian bank sector in the 1990s focusing specifically on the

related discursion about workers´ identity in this sector. For this end, it was chosen as an

object of analysis the process case of BEMGE’s privatization, its fusion with Itaú bank and

the impacts of this process in the workers lives.The bank’s privatization and the changes that

proceeded from that event were the starting point for the analysis about the bank workers

identity transformation and their professional profile. Through this study it was possible to

realize that the losses of the bank’s employees were beyond the economics; it involved its

subjectivity, since a significant portion of their identity constitution was amended. It was

observed that the forms that previously underpinned the bank work and contributed to

building a solidified professional identity, including job stability in a public bank sector, have

given way to new configurations in this industry. These settings have helped not only a new

bank to arise, but new bank clerks. For this research, interviews were conducted with

individuals involved in this context, former employees of that bank, trade unionists and

majors newspapers and specific newsletters of this category were consulted.

Key words: Productive restructure. Privatization. Bank work. Professional identity.

Page 11: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

LISTA DE FIGURAS

Figura 1-Manifestação na Praça Sete de Setembro, 1996 (BH).............................. 82

Figura 2- Manifestação na Agência Afonso Arinos, 1996 (BH).............................. 83

Figura 3-Manifestação na Praça Sete de Setembro, 1998 (BH).............................. 85

Figura 4- Manifestação na Praça Sete de Setembro, 1998 (BH)............................. 85

Page 12: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AJUBEMGE Associação Nacional dos Aposentados, Pensionistas, Funcionários e Ex-

funcionários do Conglomerado BEMGE BANDEPE Banco do Estado de Pernambuco BANEB Banco do Estado da Bahia BANERJ Banco do Estado do Rio de Janeiro BANESPA Banco do Estado de São Paulo BANESTADO Banco do Estado do Paraná BDMG Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais BEMGE Banco do Estado de Minas Gerais BNDS Banco Nacional de Desenvolvimento Social CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CREDIRAL Banco de Credito Real de Minas Gerais CRMS Centro de Referência a Memória Sindical CVRD Companhia Vale do Rio Doce DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos Ed. Editor FEBRABAN Federação Nacional dos Bancos LER Lesão por esforços repetitivos Org. Organizador PDI Programa de Demissão Incentivada PDV Programa de Demissão Voluntária PROER Programa de Estímulo a Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema

Financeiro Nacional PROES Programa de Incentivo a Redução do Setor Público Estadual na Atividade

Bancária SEEB-BH Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo

Horizonte SFN Sistema Financeiro Nacional

Page 13: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................13 2 MUDANÇAS E RUPTURAS: A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O SISTEMA

BANCÁRIO NACIONAL...................................................................................................20 2.1 A Reestruturação Produtiva em Contexto .....................................................................20 2.1.1 O contexto mundial da Reestruturação Produtiva.....................................................20

2.1.2 Reestruturação Produtiva no Brasil ............................................................................23 2.2 O sistema bancário em transformação ...........................................................................26 2.2.1 O sistema bancário e a reestruturação produtiva ......................................................26 2.2.2 Inovações tecnológicas e o sistema bancário ...............................................................27 2.2.3 Projetos de reestruturação do sistema bancário nacional .........................................32

2.2.4 Inovações e Conseqüências – novo sistema bancário .................................................36

2.3 Novo sistema, um novo banco..........................................................................................38 2.3.1 O sistema bancário e a cidade de Belo Horizonte.......................................................38 2.3.2 Banco Estadual Estudado -BEMGE............................................................................40 2.3.3 Banco Privado Estudado - Itaú – Uma trajetória de fusões e incorporações ..........42

2.3.4 Notas sobre a Fusão: Um novo banco para uma nova ordem...................................44

3 TRABALHO, IDENTIDADE E TRABALHADORES BANCÁRIOS: N OVAS

CONFIGURAÇÕES............................................................................................................47 3.1 Trabalho e Identidade......................................................................................................48 3.1.1 Identidade: conceitos e configurações na contemporaneidade..................................48

3.1.2 A Importância do trabalho para a configuração da identidade................................51

3.1.3 Trabalho e Identidade num mundo em reestruturação............................................54

3.2 Trabalho bancário e Identidade Bancária .....................................................................57 3.2.1 Características do trabalho bancário na contemporaneidade ..................................57

3.2.2 Identidades: rupturas e fragmentações .......................................................................61 3.2.3 Privatizações e conseqüências.......................................................................................64 4 NOVOS BANCOS,NOVOS BANCÁRIOS......................................................................68

4.1 A identidade e a privatização ..........................................................................................68 4.1.1 Família BEMGE –formas de ser e sentir em um banco ‘público’ ............................71 4.1.2 Os antecedentes da Privatização ..................................................................................79 4.1.3 Privatização – o fim da “família BEMGE”?...............................................................87 4.2 O banco, as identidades e suas novas configurações .....................................................95 4.2.1 O primeiro momento: a identidade em xeque.............................................................95 4.2.2 Formas de trabalho em conflito: Uma ‘(con) fusão’, ‘publico’ x privado................97 4.3 Bancários em questão: quem éramos e quem nos tornamos? Reflexões sobre a

fusão ................................................................................................................................107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................111 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................116 APÊNDICES.........................................................................................................................124

Page 14: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

13

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como foco a discussão do processo de fusão dos bancos

BEMGE, Banco do Estado de Minas Gerais, e Itaú na década de 1990, em Belo Horizonte.

Busca-se refletir de que forma as transformações ocorridas no setor bancário atuaram como

agente catalisador para a mudança do perfil da profissão de bancário. Para chegar a tal

objetivo o ponto de partida para a análise foi o contexto da Reestruturação Produtiva na

década de 1990 que alterou significativamente o mundo do trabalho.

A década de 1990 no Brasil foi marcada, entre outros fatos, pelo contexto do

neoliberalismo, personificado nas privatizações de empresas públicas dos mais variados

setores, como por exemplo, as ferrovias, as empresas de telecomunicações e os bancos

(BIONDI, 1999). Para os trabalhadores inseridos nesse contexto as demissões e as

transformações no mundo do trabalho foram realidades presentes. Os bancários que

pertencem a este grupo foram profundamente impactados pelas transformações advindas da

reestruturação produtiva, aceleradas pelas políticas neoliberais adotadas pelo governo

brasileiro. (ALVES, 2005; ALVES, 2006; JIKINGS, 1995; 2006; ANTUNES, 1997; 2006).

Considerando essas variáveis, o objetivo central da dissertação consiste em analisar as

transformações da identidade bancária no contexto supracitado. Como estudo de caso foi

escolhido o processo de privatização e fusão do banco BEMGE e Itaú com foco na cidade de

Belo Horizonte. O BEMGE, Banco do Estado de Minas Gerais, foi a leilão no dia 14 de

setembro de 1998. Para a maioria dos bancários, sua privatização representou o fim de

décadas de uma relação de amor, que era representada pela ‘Família BEMGE’ e pela

identidade BEMGEÁRIA. A percepção dos funcionários sobre a privatização e seus

desdobramentos na identidade profissional, é analisada na presente dissertação, a partir da fala

dos sujeitos inseridos no processo.

A dissertação se estrutura em três capítulos, dois teóricos e um capítulo onde são

apresentados dados da pesquisa empírica. O primeiro capítulo é intitulado “Mudanças,

Rupturas e Permanências: A Reestruturação produtiva e o Sistema Bancário Nacional”

e terá como principal objetivo analisar as mudanças e as rupturas ocorridas a partir da

reestruturação produtiva no sistema bancário nacional, visando dessa forma, contextualizar e

localizar o tema e o objeto da dissertação. Este se divide em 3 itens. 2.1. Reestruturação

Produtiva em Contexto onde será apresentado o contexto do processo da reestruturação

produtiva enfatizando suas particularidades no Brasil. A partir de autores tais como: Ricardo

Page 15: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

14

Antunes (1997; 2006) Ludmila Antunes (2001), Nise Jinkings (1995; 2006), Magda Neves

(1998), entre outros. 2.2. O Sistema Bancário em Transformação em que são analisados os

planos de reestruturação econômica e os planos de reestruturação do sistema bancário

nacional. São analisadas brevemente as principais transformações causadas pela introdução

das novas tecnologias, tais como a microeletrônica e suas conseqüências, como a mudança na

forma de produção no sistema bancário, bem como os planos de regulação econômica, como

o plano Collor e o Real e os planos de regulação e reestruturação bancária como o PROER

(Programa de Estimulo a Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional)

e o PROES (Programa de Incentivo a Redução do Setor Público Estadual na Atividade

Bancária). A partir de autores tais como Wilson Amorim e Hugo Cerqueira (1998), Ludmila

Antunes (2001), Rita de Cássia L. B. Ruhena (2004), Elton Araújo (2001), entre outros.

Finalmente, o tópico 2.3. Novo sistema, um novo banco, no qual é apresentado um breve

histórico dos bancos BEMGE e Itaú até o momento da fusão. Por se tratar do estudo de um

setor em constante transformação serão utilizados, além dos autores supracitados, elementos

tirados de entrevistas e de jornais e revistas sobre o tema.

O segundo capítulo intitulado “Trabalho, identidade e trabalhadores bancários:

Novas Configurações” tem como foco a análise das transformações causadas pelo processo

da reestruturação produtiva, um dos fenômenos da pós modernidade ou modernidade tardia,

trouxeram conseqüências para o trabalhador. Este capítulo possui duas subdivisões. O

primeiro tópico, 3.1. Trabalho e identidade busca refletir sobre as possíveis mudanças

ocorridas no mundo do trabalhador com o processo de reestruturação produtiva e se tais

mudanças alteraram, de algum modo, identidade do trabalhador. Essa questão será o norte do

item que tem como objetivo a discussão sobre a importância do trabalho para a configuração

das identidades. Os principais autores utilizados nesse item foram: Ricardo Antunes (2003),

Robert Castel (1998), José Mauricio Domingues (2001), Antonio C. Ciampa (2007), Kathryn

Woodward (2004) e Lucília Neves Delgado (2006). No item 3.2. Trabalho bancário e

identidade bancária serão apresentados elementos que caracterizavam e caracterizam a

profissão e as ligações entre a profissão e a identidade dos bancários. O item tem como

objetivo principal a discussão sobre quais eram os elementos que configuravam a identidade

ligada à profissão de bancário. O cerne do item é a seguinte questão: Qual era a configuração

da identidade bancária? Serão utilizados neste sub-capítulo dados de pesquisa bibliográfica e

pesquisa empírica. Os principais autores com quem dialoguei nesse tópico foram Lea

Carvalho Rodrigues (2004), Nise Jinkings (1995; 2006), Álvaro Merlo e Neuzi Barbarin

(2002), Sonia Laranjeira (1997) e Alcides Guzzi (2005; 2006).

Page 16: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

15

O terceiro e último capítulo, “Novos Bancos, novos bancários”, objetiva analisar de

que forma os impactos descritos nos dois primeiros capítulos atingiram os bancários do

BEMGE nos processos de privatização e fusão. O cerne do capítulo é a discussão sobre: Em

que medida a configuração da identidade profissional e as representações que a envolvem

foram afetadas no processo de privatização? Este capítulo se divide em três itens. 4.1.

Identidade e privatização onde serão discutidos alguns aspectos que envolviam a

configuração identitária dos funcionários do BEMGE, a saber, a Família BEMGE e os

BEMGEÁRIOS, nomenclaturas que revelam aspectos relevantes da relação dos funcionários

com o banco, elementos fundamentais para a construção identitária dos funcionários do

banco. 4.2. O banco, as identidades e suas novas configurações, onde serão analisados os

dados relativos ao momento da privatização e as transformações da identidade BEMGEÁRIA

na fusão. E finalmente, no tópico 4.3. Bancários em questão: Quem éramos e quem nos

tornamos? Reflexões após a fusão” serão apresentadas e problematizadas algumas falas dos

bancários sobre todo o processo. Foram escolhidos dois grupos para análise, sindicalistas e

funcionários. O capítulo baseia-se nas narrativas obtidas através de depoimentos, e dados

obtidos através de conversas informais e observação participante. Os boletins da categoria são

outra importante ferramenta para a construção do capítulo que juntamente com autores como

Gussi (2005; 2006) e Rodrigues (2004), corroboram com os dados obtidos no trabalho de

campo, para um melhor entendimento do objeto.

1.1 Procedimentos metodológicos

A partir do processo de reestruturação produtiva e do processo de privatização dos

bancos públicos nacionais, chegou-se ao objeto escolhido. Para a compreensão de um amplo

fenômeno que atingiu vários bancos nacionais como mostram os estudos de Jinkings (1995,

2006), Rodrigues (2004) e Gussi (2005; 2006), a opção recaiu no estudo de caso do processo

de privatização do BEMGE, Banco do Estado de Minas Gerais. Segundo Goldemberg (1999),

“Este método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno estudado a partir da

exploração intensa de um único caso”. (GOLDEMBERG, 1999, p. 33).

Na busca por fontes documentais recorreu-se ao SEEB-BH, Sindicato dos Bancários

de Belo Horizonte, pois este possui um importante acervo de pesquisa documental já

organizado e catalogado, o que possibilita maior agilidade na investigação. Foram consultados

Page 17: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

16

especificamente os boletins do sindicato direcionados aos funcionários do BEMGE, que se

intitulava “O BEMGEÁRIO”, de 1994 a 19991. Na intranet do sindicato foram levantadas as

principais notícias sobre a privatização do BEMGE em jornais regionais, como O Tempo e

Estado de Minas, em periódicos nacionais, como O Diário do Comércio. Outra importante

fonte de pesquisa foram os relatórios do DIEESE, dos anos de 1998 e 2008 onde se

encontram dados referentes ao processo de reestruturação produtiva, e suas conseqüências

tanto para os bancários como para os trabalhadores em geral.

Após o levantamento de fontes documentais foram iniciadas as entrevistas. Para tal

foram definidos os seguintes perfis de entrevistados: representantes sindicais da categoria, ex-

funcionários do BEMGE. Optou-se pela escolha exclusiva dos funcionários que trabalhavam

no BEMGE que foram demitidos ou aproveitados pelo banco Itaú.

O início do trabalho de campo foi o contato com o SEEB-BH. Por ter sido estagiária

da instituição, no período de 2002 a 2003 o contato foi facilitado e tive acesso às fontes

documentais supracitadas e pude fazer contatos com possíveis entrevistados. A pesquisa no

sindicato e as entrevistas tiveram início em agosto de 2008, mas os primeiros contatos com o

sindicato e com os entrevistados foram feitos a partir do mês de Julho de 2008. Daí até o

início de janeiro de 2010 foram realizadas várias visitas à instituição, onde além das

entrevistas aconteceram conversas informais com sindicalistas e ex-funcionários do

BEMGE.Ali também foram realizadas pesquisas no arquivo do CRMS – Centro de

Referência a Memória Sindical. Essa observação do cotidiano da vida sindical foi importante,

pois através dela puderam ser escutados e registrados os discursos dos sindicalistas e

militantes acerca do processo. O material obtido através dessa observação foi fundamental

para as análises finais. Segundo Tim May,

A observação participante diz respeito ao engajamento na cena social experienciando e procurando entendê-la e explicá-la. O pesquisador é o meio através do qual isso acontece. Escutando e vivenciando, as impressões são formadas e as teorias consideradas, refletidas e desenvolvidas e modificadas. (MAY, 2004, p. 202).

Paralelamente às pesquisas realizadas no sindicato foram utilizadas outras fontes e

outras formas do recrutamento de entrevistados. Alguns contatos foram feitos a partir de

amigos e parentes, sendo que desses, alguns desses resultaram em entrevistas outros em

conversas informais. A recusa de muitos BEMGEÁRIOS em dar entrevista se explica por

dois fatos. O primeiro deles é que o período da privatização e seus desdobramentos foi na

1 Esses boletins do sindicato não trazem os dias de sua edição apenas indicam o ano e o mês.

Page 18: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

17

visão de muitos bancários um processo traumático, que eles preferiram esquecer. Por outro

lado, apesar de serem informados que sua privacidade seria resguardada, alguns funcionários

do banco Itaú preferiram não dar entrevistas formais, mas conversaram informalmente e

indicaram amigos que seriam possíveis entrevistados.

Por fim, mas não menos importante também foram coletados dados via sites de

relacionamento na internet. Segundo Rocha, Barros e Pereira (2005) a utilização da internet

como ferramenta para os estudos nas ciências sociais é chamada de Netnografia, termo criado

pelo antropólogo e administrador Robert Kozinets. Para Kozinets a netnografia pode ser usada

como instrumento metodológico para estudar as “ciberculturas” e as “comunidades virtuais

puras”, que seriam “aquelas que se estabelecem somente pela mediação do computador [...]

uma vez que essa é a única possibilidade de acesso ao grupo pesquisado” (ROCHA;

BARROS; PEREIRA, 2005, p.135). Outro objeto em que se aplica a utilização da netnografia

são as “comunidades virtuais derivadas”, que são comunidades que se manifestam na vida

real “IRL-in real life”. Nesse caso o método funciona como um complemento uma vez que

está aliado a formas de contatos no mundo real, como entrevistas pessoais ou por telefone,

grupos de discussão, entre outros. (ROCHA; BARROS; PEREIRA, 2005).

Com isso em mente foram buscados grupos virtuais específicos de ex-funcionários do

BEMGE. Eles foram encarados como ‘comunidades virtuais derivadas’ uma vez que eram

constituídas de pessoas que possivelmente se conheciam e que interagiam fora do ambiente

virtual. Das várias comunidades encontradas foram escolhidas as duas que possuíam mais

membros. Foi postado no fórum das mesmas um tópico comunicando e explicado sobre a

temática da pesquisa, através desse fórum alguns BEMGEÁRIOS entraram em contato se

dispondo a dar entrevistas. Por restrições metodológicas e de recorte do próprio objeto da

pesquisa, não foi possível entrevistar formalmente todos os sujeitos que se dispuseram, mas

foram realizadas conversas informais por telefone, e-mail e MSN. No fórum das comunidades

alguns BEMGEÁRIOS se expressaram sobre a privatização do banco, essas opiniões bem

como todas as conversas informais realizadas com ex-bancários, foram importantes elementos

nas análises finais dos dados.

As entrevistas tiveram como objetivo caracterizar o momento da fusão dos bancos,

uma vez que há pouco material bibliográfico a respeito, bem como entender as percepções dos

bancários sobre o processo. O principal subsídio da entrevista é a memória. Ao narrar à

experiência o indivíduo recorre à sua memória e descreve no tempo presente uma construção

do seu passado. Nessa construção as variáveis da vida cotidiana dialogam entre si revelando

nas lembranças os principais fatos que marcaram a sua trajetória de vida. As lembranças

Page 19: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

18

podem ser estimuladas por meio de fotografias, imagens, músicas, e até mesmo o próprio

roteiro das entrevistas é um estimulo para que a memória do sujeito seja revelada.

(DELGADO, 2006).

A utilização de entrevistas para a compreensão das dinâmicas que envolvem processos

de fusão, compras e aquisição de empresas é, segundo Pardini (2004), relevante, pois elas

fornecem meios para a análise e observação dos elementos que fazem parte do cotidiano da

empresa. Outro ponto relevante é que “a história de um funcionário se entrelaça com as

experiências vividas nas organizações” (PARDINI, 2004, p.100). Segundo o autor desse

modo a formação do sujeito sofre influência da cultura das empresas a qual está ligado.

Assim, para a compreensão dos processos a que se propôs a presente dissertação tal método se

julgou relevante.

No presente estudo de caso, foram realizadas entrevistas temáticas. Segundo Delgado

(2006) esse tipo de entrevista é aplicável principalmente, a processos ou experiências

específicas que foram vividos pelo sujeito. As entrevistas focalizaram a trajetória profissional

dos entrevistados, desde o momento que se empregaram no BEMGE até o momento da

demissão ou até o presente momento, no caso de uma das entrevistadas que continua

vinculada ao banco Itaú.

O tipo de roteiro de entrevista escolhido foi o da entrevista semi-estruturada, um

roteiro com perguntas específicas acerca do objeto, mas aberto a possibilidades para a

realização de outras perguntas que pudessem surgir no decorrer da entrevista. Esse tipo de

entrevista permite que o pesquisador tenha mais espaço para interagir com o entrevistado,

capturando sua subjetividade. Uma vez que nelas o entrevistado responde nos seus termos,

diferentemente das entrevistas que possuem um padrão, como as estruturadas. (MAY, 2004).

Os primeiros contatos com os entrevistados foram feitos a partir de julho de 2008,

como já citado anteriormente. As entrevistas foram realizadas no período de agosto de 2008 a

janeiro de 2010. Foram feitas ao todo 12 entrevistas formais. Não foi estabelecido um número

específico de entrevistados, mas elas cessaram quando as informações tornaram-se

recorrentes2.

Após a realização das entrevistas, as impressões e as observações foram registradas

em um caderno de campo que posteriormente, aliado às transcrições ajudaram a elaborar uma

análise mais completa das entrevistas. As entrevistas foram transcritas e separadas por

2 Os perfis de cada entrevistado bem como a forma de abordagem estão brevemente descritos no apêndice da presente dissertação. Tendo em vista a privacidade dos entrevistados serão usados nomes fictícios.

Page 20: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

19

categorias de análise. Foi construído um quadro de associação de idéias em um modelo

semelhante a que sugerido por Spink e Lima (2000).

Após essa categorização os trechos selecionados foram interpretados, segundo a idéia

proposta por Geertz. Esse autor concebe a “cultura como um texto que os atores sociais lêem

para interpretar o curso dos acontecimentos sociais” (JAIME JUNIOR, 2004, p.156). Na

percepção de Geertz, o trabalho de campo é um esforço do cientista em ler e interpretar o

“manuscrito” construído pelos atores sociais e o resultado alcançado é passível de

reconstrução e questionamento. (JAIME JUNIOR, 2004).

O principal no método proposto por Geetz é a interpretação. A descrição acerca do

discurso social deve ser interpretativa tendo como objetivo não apenas responder as nossas

dúvidas, mas nos dar respostas baseadas em respostas que os outros nos deram.Na concepção

do autor é fundamental observar que essas interpretações não são de primeira mão, uma vez

que apenas o nativo a faz, e sim de segunda e terceira mão. Trata-se de ficções, não no sentido

de ser mentira, mas no sentido de que é construído, algo modelado pelo pesquisador, de

acordo com sua interpretação. (GEERTZ, 1989).

Para Jaime Júnior (2004) ao se analisar aspectos que envolvem empresas, como na

presente dissertação, é possível compreender a cultura organizacional como um texto

“polissêmico”, que os sujeitos elaboram e reelaboram através dos processos de interação

dentro e fora do espaço institucional. E “um contexto dentro do qual interpretam e dão sentido

às suas experiências no universo do trabalho” (JAIME JUNIOR, 2004, p.165). Assim buscou-

se interpretar as relações entre a identidade e as diferentes culturas empresariais na fusão dos

bancos, através das falas dos sujeitos envolvidos no processo e das observações obtidas ao

longo do processo do trabalho de campo. Dessa forma o presente trabalho apresenta-se como

uma interpretação da realidade contata pelos sujeitos que vivenciaram o processo.

Page 21: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

20

2 MUDANÇAS E RUPTURAS: A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O SISTEMA BANCÁRIO NACIONAL

As transformações e inovações tecnológicas afetaram e ainda afetam o cotidiano dos

indivíduos. Desde a Revolução Industrial o mundo tornou-se o lugar de convivência entre

homens e máquinas. Tal convivência nem sempre se mostrou pacífica, pelo medo de que as

máquinas substituíssem a mão de obra humana. Desde a introdução das primeiras máquinas se

percebem mudanças nas formas de produzir. A partir do século XX, as revoluções que

atingiram o mundo do trabalho tornaram-se mais aceleradas, tendo como principal agente

catalisador as inovações tecnológicas cada vez mais rápidas. Tais mudanças são ressaltadas

por Antunes (1997; 2006), Jinkings (1995; 2001; 2006) e Ruhena (2004), entre outros, que

atribuem à introdução de novas tecnologias a principal causa das mudanças nas esferas da

produção. Ao se alterarem os modos de produção, modificam demandas e conseqüentemente

as formas e as relações de trabalho.

O objetivo deste capítulo é apresentar o panorama em que se inserem tais

transformações e como elas atingiram o sistema bancário nacional. Para tal, em um primeiro

momento será apresentado o contexto do processo da reestruturação produtiva. Em seguida o

foco recairá sobre as principais transformações no sistema bancário nacional no período

proposto para análise, a década de 1990. Serão apresentados os projetos de reestruturação

econômica e os projetos de reestruturação do sistema bancário e suas conseqüências. Após tal

contextualização discorrer-se-á sobre o sistema bancário na cidade de Belo Horizonte e em

seguida serão apresentados os bancos escolhidos para análise, através de um breve histórico

dos mesmos.

2.1 A Reestruturação Produtiva em Contexto

2.1.1 O contexto mundial da Reestruturação Produtiva

I can't live when it lives It won't live if I die

Machine has no heart to give Heart it takes could be mine

(Never the Machine Forever- Soundgarden)

Page 22: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

21

Na visão de Dupas (2001) o processo de mudanças na produção da sociedade

capitalista não foi um processo novo, mas ganhou impulso com o avanço ocorrido nas

tecnologias da informação. Para o autor, tais mudanças permitiram que houvesse uma

reformulação das estratégias de produção e distribuição das empresas, o que contribuiu para a

alteração radical das atividades produtivas. Passou a se buscar não apenas mercados globais,

mas a produção tornou-se global. As formas de produzir foram afetadas dando lugar a uma

reestruturação na produção.

A partir dos anos 1980 os países de capitalismo avançado experimentaram uma

profunda modificação no mundo do trabalho e nas formas de inserção na estrutura produtiva.

Tal período teve como característica um grande salto tecnológico, foram inseridas no processo

produtivo a microeletrônica, a robótica e a automação. Entende-se que as transformações

ocorridas a partir daí, não ficaram restritas às formas de produção, foram muito além. Elas

influenciaram e influenciam diretamente todas as esferas da vida do indivíduo, pois são parte

de um amplo sistema de mudanças econômicas, culturais, sociais e políticas. (RUHENA,

2004; ANTUNES, 1997).

A partir desse desenvolvimento tecnológico tornou-se necessário um sistema que

pudesse organizar a produção de forma mais eficiente, Ludmila Antunes (2001) aponta que

após décadas de predomínio do fordismo, nos anos 1970 o mundo capitalista foi afetado por

mudanças drásticas que impulsionaram transformações nas formas de gerenciamento e

organização. Os princípios que organizavam o fordismo e o taylorismo, quais sejam:

produção em massa de produtos; divisão de tarefas; divisão entre trabalho intelectual e

manual; trabalho vigiado, entre outros, foram colocados em questão. Mas isso não significa

que eles foram abandonados. Em muitos casos foram alterados e inseridos na nova lógica,

como por exemplo, as linhas de montagem e a padronização dos processos. (MEIRELES

FILHO, 1998; LEITE, 2003).

Há, portanto uma coexistência da nova fábrica com a antiga fábrica; e da empresa em reestruturação com a velha empresa. Mais do que isto, novos rótulos como toyotismo e a ‘qualidade total’ se utilizam de alguns desses elementos também para sua sustentação , em especial para estudos de tempo e padronização. (MEIRELES FILHO, 1998, p. 315).

A Reestruturação Produtiva, visando superar a crise do fordismo, buscou formas de

regulação baseadas na intensificação do trabalho, flexibilização e desverticalização da

produção. Foram alteradas as tecnologias de produção, com a substituição da eletromecânica

pela microeletrônica, as formas de organização do trabalho e da dinâmica das empresas. Tais

Page 23: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

22

mudanças tanto no perfil das empresas quanto no perfil da produção apontaram para novos

rumos na maneira de se produzir. (ANTUNES, 2001; LEITE, 2003).

O crescimento da concorrência foi outro elemento que contribuiu para o avanço da

reestruturação produtiva nas empresas. A existência de um mercado consumidor cada vez

mais global levou as empresas a buscarem novas formas de produzir, visando maior lucro,

competitividade e a permanência no mercado. Assim foram modificados não apenas as

características dos produtos que disputam o mercado, mas a forma de produzi-los. (LEITE,

2003).

Para Neves (1998) as tecnologias que se desenvolveram e se desenvolvem no processo

têm como base dois princípios, a flexibilidade e a integração. Na visão da autora a utilização

de computadores para planejar e operacionalizar de modo ágil o processo produtivo faz com

que as exigências do mercado sejam atendidas de forma mais rápida e eficaz, promovendo

assim a maior circulação e produção de mercadorias. Toda a produção passa a ser avançada

tecnologicamente, integrada e com organização que possibilite produzir mais em menor

tempo.

Aliada à flexibilidade e à integração tem-se a ampla aplicação e o desenvolvimento

dos sistemas de Tecnologia de Informação, TIs, nos ramos produtivos e financeiros. Esses,

por sua capacidade de conectar diferentes setores das fabricas e indústrias, dão o tom de uma

nova dinâmica de transações, que transforma as noções de espaço e tempo. Pois a partir destas

tecnologias, mesmo as empresas que tem suas sedes em outros países ou continentes estão

interligadas e recebendo as mesmas informações em tempo real. No mercado financeiro tais

tecnologias figuram como um dos elementos que possibilitam a mundialização da economia,

uma vez que através dela se torna possível um aumento de aplicações em todo o globo, pois

não há mais barreiras geográficas que impedem as transações econômicas. (PAULA, 2000).

Percebe-se que as transformações propostas por esse processo indicam mudanças na

forma de organizar o trabalho e as esferas econômicas nos últimos tempos. A base de tais

alterações, como se percebe, é a exploração do trabalho e a expansão dos avanços

tecnológicos. Tais alterações provocaram mudanças nos padrões de produção e

conseqüentemente nos requisitos de qualificação profissional, buscando a organização do

trabalho de forma flexível e integrada. (ALVES, 2005).

As mudanças propostas pela reestruturação produtiva, grosso modo, indicam transformações geográficas no setor industrial, um novo entendimento do ‘espaço tempo’ crescimento no emprego do ‘setor de serviços’ e outra maneira de pensar o sujeito na organização. (ALVES, 2005, p. 63).

Page 24: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

23

Meireles Filho (1998) indica que o processo da Reestruturação Produtiva apresenta

cinco elementos básicos: 1. Informática e automação; 2. Mudança na relação entre as

empresas, com destaque para a terceirização dos serviços; 3. Mudança na organização dos

processos de produção; 4. Transformação na organização dos processos de trabalho; 5.

Mudanças na gestão empresarial. Percebe-se que os elementos básicos do processo propõem

uma nova forma de se produzir, gerenciar e organizar não apenas o trabalho, mas todas as

esferas envolvidas na produção que são transformadas ou adaptadas visando processos mais

rápidos, baratos e eficientes, que dêem para empresa maior retorno e lucratividade em menor

tempo.

Entende-se que o capitalismo recente está sendo profundamente alterado pelo processo

de Reestruturação Produtiva, de modo que não se pode ter uma conclusão acerca das

configurações que serão instaladas. Esse processo é, grosso modo, caracterizado por novas

práticas comerciais, tecnológicas e organizacionais. Tais práticas têm como foco dar

continuidade às evoluções do sistema capitalista. O que se percebe é que não há um novo

modelo de produção pronto e acabado, mas sim elementos de continuidade e de

descontinuidade dos antigos modos de produção. (RUHENA, 2004; ALVES, 2005;

ANTUNES, 2006).

2.1.2 Reestruturação Produtiva no Brasil

O desenvolvimento tardio do capitalismo brasileiro vivenciou a partir do governo de

Getúlio Vargas um processo de acumulação industrial. Houve então um salto industrializante

no país que era, até então, prisioneiro do processo de acumulação que se realizava dentro da

economia cafeeira. No entanto, a industrialização no Brasil deslanchou apenas a partir de

1930, quando Vargas chega ao poder e,mais tarde, com Juscelino Kubistchek na década de

1950 quando houve mais um salto na industrialização. A terceira etapa do desenvolvimento

da indústria no país ocorreu a partir dos governos militares, quando houve o aceleramento da

industrialização e a internacionalização do Brasil. No final da ditadura militar e durante o

governo de Sarney, o país se encontrava ainda distante do processo de reestruturação

produtiva do capital, que ocorria em países capitalistas centrais, mas já era possível perceber

os primeiros impactos da nova divisão do trabalho A partir dos anos 1980 iniciam-se aqui, os

primeiros passos em direção ao processo de Reestruturação Produtiva. Com certo atraso se

Page 25: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

24

comparado a outros países, uma vez que o mundo todo já se ajustou às novas tecnologias e

aos novos modelos de gestão (LEITE, 1997; ALVES, 2005; ANTUNES, 2006).

A partir da década de 1970, já podem ser encontrados indícios de mudanças na

indústria nacional. Não houve uma grande reestruturação nas empresas, mas já são dados os

primeiros passos em direção a esta, principalmente nos setores voltados para a exportação.

Esses primeiros passos levaram as empresas a adotarem, ainda que de modo restrito, novos

padrões tecnológicos e organizacionais e, conseqüentemente, novas formas de organização do

trabalho. Passou a ser utilizada a informatização produtiva e os programas de qualidade total e

ampliou-se a utilização da microeletrônica. Os maiores impactos dessa transformação só serão

percebidos a partir da década de 1980, quando se inicia efetivamente no Brasil o processo da

Reestruturação Produtiva (ALVES, 2005; ANTUNES, 2006).

Nesse período a necessidade de se elevar a produção e diminuir os custos gerou a

reorganização da produção que teve entre suas marcas a intensificação da jornada de trabalho,

o surgimento de círculos de controle de qualidade (CCQ’s), em fins da década de 1970 e

início de 1980; a adoção do sistema de produção Just in time e Kanban, que tem como

máxima a produção do necessário no menor tempo possível, programas como Controle

Estatístico do Processo de Produção e a Qualidade Total, nos fins de 1980. A partir de então,

intensificou-se a automação industrial, o que possibilitou que fossem ampliadas as inovações

tecnológicas de base microeletrônica em vários setores da produção. (ALVES, 2005;

ANTUNES, 2006). Para Neves as empresas “[...] se reestruturaram integrando-se numa rede

produtiva, externalizando parte de suas atividades e com uma crescente complementariedade

intersetorial visando à cooperação mais ágil e rápida [...]”. (NEVES, 1998, p. 331).

O que se percebe nas empresas entre 1984 e o início da década de 1990 é a introdução

de equipamentos de base microeletrônica, principalmente na indústria automobilística.

Contudo, se comprado a outros países do mundo, o uso e a difusão da tecnologia no Brasil

nesse período ainda é bastante limitada. Na década de 1990, são introduzidos nas empresas

programas que caracterizam as novas formas de gestão e organização do trabalho e da

produção. (BLASS, 1998)

No período Collor as políticas econômicas neoliberais adotadas no Brasil levaram a

uma grave recessão, que causou o aumento no nível do desemprego e ao mesmo tempo abriu

a economia brasileira. As empresas foram forçadas a se adaptarem à nova ordem estabelecida

e aceleraram ainda mais seu processo de reestruturação produtiva. (LEITE, 1997). Alves

(2005) aponta que é necessário para a compreensão do processo de reestruturação produtiva

no país destacar o neoliberalismo. Giovanni Alves (2006) indica que as medidas neoliberais

Page 26: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

25

que foram realizadas no Brasil a partir da década de 1990 tiveram como características a

privatização de setores estratégicos da economia, como banco e telecomunicações, abertura

comercial, entre outros.

A reestruturação produtiva assenta-se nas políticas de cunho neoliberal, como produto do plano de estabilização econômica tendo como parte essencial a desregulamentação da atividade econômica do capital, exaltando o mercado como única garantia de liberdade da sociedade. (ALVES, 2005, p. 74).

O processo deslanchou no país principalmente após 1994, no governo Fernando

Henrique Cardoso. Mediante programas como Qualidade Total, PLR – participação nos lucros

e resultados –, maior terceirização entre outros, praticas que se encaixavam nos desígnios

neoliberais. Houve aí a consolidação do processo de reestruturação no país. (ANTUNES,

2006).

Dessa forma, percebe-se que a reestruturação produtiva aqui passou por três períodos.

Do fim dos anos 70 até meados da década de 1980, quando houve a introdução de novas

formas de produção, o embrião da reestruturação produtiva. De meados da década de 1980 a

1990 quando foram introduzidas tecnologias microeletrônicas. E a fase pós 1990 que se

estende até os dias atuais. Nesse período, aliadas às novas tecnologias estão as novas formas

de organização do trabalho e da produção. (BLASS, 1998). Tais transformações afetaram

diretamente o trabalhador, mudando toda a lógica de produção que prevalecia anteriormente.

Uma nova forma de produzir tem a necessidade de um novo perfil de trabalhador. Muitos

setores que antes eram considerados grandes geradores de empregos foram aos poucos

perdendo tal capacidade e passaram a requerer de seus empregados novas qualificações.

Como exemplo, temos o setor de serviços que

[...] apontado no inicio da segunda metade deste século como grande esperança de geração de empregos, foi uma profunda decepção neste aspecto. Embora tenha aumentado intensamente de importância no mundo todo, esse setor foi mais sensível do que o próprio setor industrial ás novas tecnologias poupadoras de mão de obra na área de informática, automação e tele processamento. É certo que essas novas tecnologias também criam e abrem novas possibilidades de emprego. No entanto as qualificações requeridas para esses novos postos de trabalho têm pouca relação com as habilitações acumuladas pelos trabalhadores que terão seus postos de trabalho destruídos, o que altera o equilíbrio de forças entre diferentes tipos de trabalhadores. (DUPAS, 1999, p. 11).

Esse novo contexto redimensiona as relações e a organização do trabalho. Busca-se o

máximo da produtividade com um mínimo de tempo e custo. O planejamento e a agilidade na

resolução dos problemas tomam o lugar dos gestos e movimentos que caracterizavam os

Page 27: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

26

modelos de produção anteriores. O processo da reestruturação produtiva trouxe para os

trabalhadores a diminuição dos postos de trabalho e de empregos na indústria e uma crescente

diversificação nos setores de serviços, transformando as classes profissionais em heterogêneas

e fragmentadas. (NEVES, 1998). Para uma melhor compreensão de tal aspecto o enfoque da

próxima seção será discutir brevemente os impactos da reestruturação produtiva no setor

bancário.

2.2 O sistema bancário em transformação

2.2.1 O sistema bancário e a reestruturação produtiva

O sistema bancário em geral tem sido o foco de uma intensa reorganização

operacional e de trabalho, que visa adequá-lo à nova dinâmica do capitalismo mundial, que

tem como característica movimentos de liberação econômica, desregulação econômica e

mundialização do capital. A reorganização do sistema bancário no Brasil e em outros países

da América Latina se desenvolveu em um contexto de ajustes de suas economias às realidades

diversas e à grande difusão de princípios e programas neoliberais. A implementação de

medidas de liberalização comercial, desregulamentação financeira e as privatizações

permitiram, desde a metade da década de 1980, a ampliação dos fluxos de capitais externos,

ligando a economia de tais países à dinâmica das economias hegemônicas. Tais mudanças

tiveram como fruto a constituição de um novo sistema monetário financeiro mundial e

conseqüentemente a desestabilização dos sistemas bancários nacionais. (JINKINGS, 2006).

Com a intensificação do uso da informática nas agências na década de 1980, percebe-

se que os serviços rotineiros mudam drasticamente. Um bom exemplo de tal mudança é o

‘caixa on-line’. A partir daí são eliminadas várias etapas de trabalho. Na fase anterior, o

serviço começava no caixa e era passado para outros setores que processavam a informação.

Desde então o serviço passou a ser realizado no próprio caixa, sem a necessidade de tantas

etapas. Nos anos 1990 os microcomputadores foram introduzidos no serviço bancário, o que

contribuiu para a redução do volume de serviços nos núcleos de processamento de dados e

eliminação das funções de retaguarda nos bancos. (RUHENA, 2004).

Page 28: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

27

Os ajustes no sistema bancário buscaram a diminuição dos custos operacionais,

conforme pode se perceber no exemplo supracitado. Tais reduções foram embasadas na

intensificação do uso de tecnologias, em novas estratégias de mercado baseadas na

diversificação de produtos e serviços. Na primeira metade da década de 1990, tal processo

ficou mais evidente, pois além da busca da aplicação da tecnologia na maioria dos setores, o

que é percebido através da ampla proliferação de caixas eletrônicos, centrais telefônicas,

homebanking e internet, os bancos passaram a investir no desenvolvimento de áreas

comerciais. (JINKINGS, 2006; RUHENA, 2004).

Percebe-se que as transformações advindas da crescente automação no sistema

bancário ocorreram num período em que no Brasil se processavam mudanças econômicas

significativas. Estes contextos específicos fizeram com que a Reestruturação produtiva no

setor bancário operasse com algumas particularidades que serão detalhadas nas próximas

seções no presente capítulo.

2.2.2 Inovações tecnológicas e o sistema bancário

A metamorfose no trabalho bancário insere-se num contexto de transformações no qual a informática e os novos métodos de acumulação de capital e de expropriação da força de trabalho aumentam radicalmente e sua produtividade incrementa a concentração de riqueza privada e o fluxo de capitais, em níveis mundiais. (JINKINGS, 1995, p.19).

O processo da automação bancária no país teve seu início no começo das décadas de

1960 e difundiu-se a partir das décadas de 1970 e 1980. A grande transformação do período

foi a implementação dos sistemas on-line, que interligavam simultaneamente os dados das

centrais de informação com os dados das agências (MAHL e SCHMITZ , 2000). Examinemos

o processo.

Accorsi (1992) aponta que a automação do sistema bancário nacional teve impulso

após a reforma bancária de 1964, que alterou tanto a estrutura do sistema bancário nacional no

que diz respeito à organização dos bancos enquanto instituições financeiras, quanto buscou

introduzir tecnologias no serviço. Foram dadas condições aos bancos de se automatizarem e o

computador chegou aos bancos na metade da década de 1960. Para o autor a participação do

governo foi fundamental, pois subsidiou a compra dos computadores de grande porte em um

Page 29: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

28

primeiro momento e depois propiciou condições para que se produzissem e fossem

disseminados os microcomputadores no Brasil.

A partir daí os bancos iniciaram a utilização de computadores, foram introduzidos

equipamentos que possuíam a capacidade de armazenar as informações e seu uso ocorreu

devido à necessidade de processar os dados referentes às operações efetuadas pelas agências.

(MAHL; SCHMITZ, 2000). Os centros de processamento de dados, CDP’s, tinham como

objetivo modernizar e centralizar o processamento dos dados referentes à movimentação

financeira das agências. A criação desse setor fez com que deixassem de existir

procedimentos padrões realizados no fim do expediente bancário, o que alterou

significativamente o trabalho nos bancos. (ANTUNES, 2001).

As informações eram enviadas no fim do expediente bancário a este centro e lá eram

processadas e depois devolvidas às agências. Tal processo causava um grande acúmulo no

sistema, atrasando o reenvio das informações às agências. Tais problemas fizeram com que na

década de 1970 fossem criados subcentros que realizavam uma espécie de filtragem e

manipulação dos dados que eram então enviados ao centro de produção de dados. O sistema

foi evoluindo e se tornando mais eficiente, grande parte do processo nessa etapa era feito

pelas agências. (MAHL; SCHMITZ, 2000).

Esse processo de automação chegou também aos caixas, embora só fosse alterado

drasticamente na década de 1980, o que facilitou o serviço bancário. As etapas de serviço

foram sendo reduzidas pouco a pouco. Mas os trabalhos foram intensificados e houve ganho

com a produtividade nas agências, bem como um maior rigor no controle das atividades

realizadas, pois todo serviço era realizado com a supervisão do sistema informatizado.

(MAHL; SCHMITZ, 2000). Em fins da década de 1970, com a evolução nos CPD’s, uma das

características do sistema bancário era a descentralização dos processamentos dos dados nas

agências. (ANTUNES, 2001).

Mahl e Schmitz (2000) apontam que a difusão da tecnologia ocorrida no período deu-

se pela combinação de dois fatores: a confiança no sistema de automação e a melhoria de

serviços oferecidos aos clientes. Na década de 1980 surgiram os bancos eletrônicos, que

utilizavam sistemas automatizados para atender ao público. As inovações tecnológicas do

período mudaram o conteúdo e a organização da função bancária. Se primeiramente os setores

de processamentos de dados foram afetados, nessa nova etapa é o trabalho dos caixas que

passa por profundas transformações. (ANTUNES, 2001). Na fase anterior, o serviço

começava no caixa e era passado para outros setores que processavam a informação. Desde

Page 30: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

29

então passou a ser realizado no próprio caixa, sem a necessidade de tantas etapas. (RUHENA,

2004).

Nesse período foram introduzidos no setor os terminais de transferências de fundos, os

caixas automáticos e iniciou-se a difusão do cartão magnético.

A partir de 1980, com o processamento online, débito e crédito das diversas contas manipuladas pela agência passaram a ser imediatos, surgindo a figura do caixa online. Os bancos começaram a oferecer outros serviços automatizados aos seus clientes, como terminais de saque/extrato e os caixas automáticos. (ACCORSI, 1992, p. 41).

Algumas dessas inovações fizeram com que os clientes, ao utilizarem as máquinas,

começassem a substituir os bancários. Os saques, por exemplo, eram feitos pelos clientes no

atendimento automático sem a necessidade de ir ao caixa. Tal fato causou a diminuição das

contratações para o atendimento ao público. Mas o contraditório de tal transformação é que os

clientes não estavam preparados, ficando muitas vezes sem saber o que fazer diante do

terminal bancário. (ANTUNES, 2001).

Em fins da década de 1980 a crescente automação bancária passou a estar ligada às

necessidades impostas pelo próprio desenvolvimento do sistema capitalista. Buscou-se

diminuição dos custos com a mão de obra, ganhos de produtividade e maior racionalização

das funções bancárias, através de programas de qualidade e padronização, como as empresas

dos mais diversos setores no país já estavam adotando. (MAHL; SCHMITZ, 2000).

No início da década de 1990 as mudanças causadas pela automação aceleraram. Houve

uma crescente implantação de terminais ligados ao computador central do banco, o que

permitiu o abastecimento das informações em rede. Os sistemas on-line atingiram os serviços

internos dos bancos, agilizando a produção. (MAHL; SCHMITZ, 2000). Ruhena (2004)

ressalta a introdução dos microcomputadores nesse período, o que teria contribuído para a

redução do volume de serviços nos núcleos de processamento de dados e eliminação das

funções de retaguarda nos bancos. Externamente o atendimento aos clientes foi se

racionalizando cada vez mais com o crescente número de serviços de auto-atendimento.

(MAHL; SCHMITZ, 2000).

A utilização de programas de “Qualidade Total” foi outro fator que impulsionou as

transformações no setor. Com o crescente número de produtos e serviços em oferta, os bancos

iniciaram investimentos para que fossem desenvolvidas com mais precisão a sua área

comercial. Os sistemas que operavam nos bancos foram modernizados, buscando cada vez

mais a maximização da produtividade e a contenção dos custos. (RUHENA, 2004).

Page 31: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

30

Ruhena (2004), baseada em dados do DIEESE de 1994, aponta que buscando a

“Qualidade Total” os bancos aplicaram o projeto de “Qualidade em atendimento”

desenvolvido pela FEBRABAN, Federação Brasileira dos Bancos. O projeto propunha a

constituição de um modelo de agência que tinha como característica priorizar e segmentar os

clientes. Os preferenciais receberiam atendimento personalizado, os demais clientes seriam

atendidos nos terminais de auto-atendimento. Outro fator que contribui para a segmentação é

o desenvolvimento de canais alternativos de atendimento, como o recebimento das taxas

públicas por casas lotéricas, débito automático para correntistas, home banking, entre outros.

No que diz respeito ao profissional bancário, há uma busca por aquele que domine uma gama

de tarefas, visando tal objetivo cresceu-se o investimento dos bancos em treinamento e

reaproveitamento dos funcionários. Contribuindo para a alteração do perfil da classe bancária

o documento do DIEESE indica que a FEBRABAN, segundo Ruhena, recomenda a

terceirização das atividades de processamento de dados, digitação, contábeis, conhecidas

como atividade-fim. Esta é necessária para que haja uma redução de custos nos bancos e para

que as agências realizem apenas as atividades principais, pagamentos, depósitos, saques, entre

outros. (RUHENA, 2004).

Tais transformações afetaram o emprego bancário causando demissões e geraram um

grande numero de trabalhadores excedentes no setor. Dos cerca de um milhão de bancários

que atuavam em 1980 restam aproximadamente 400 mil. O uso da automação e das demais

mudanças nas estruturas do sistema bancário tem como resultado direto taxas crescentes de

desemprego e torna mais intensa a exploração da mão de obra. (JINKINGS, 2006)

Para Alves (2005) o processo de Reestruturação Produtiva desqualificou a classe

bancária, uma vez que o funcionário tradicional vem sendo substituído por dois tipos de

funcionários, o primeiro tipo é constituído de funcionários novos com menor nível de

qualificação que são instruídos para desenvolverem funções rotineiras. O segundo tipo são os

funcionários mais qualificados, que depois de treinados ocupam as funções que exigem

especialização, como por exemplo, a área administrativa. Tal fato contribui, segundo Alves,

para a concentração do saber da profissão em manuais de treinamento, uma vez que não é

mais necessária a intensa vivência do ambiente de trabalho para o exercício da função.

[...] muitos bancos passaram a recrutar externamente universitários para cargos técnicos e de média e alta gerência, em virtude do novo equipamento exigir nível de qualificação diferente do anterior, obtido basicamente pela experiência da função. (ACCORSI, 1992, p.41).

Page 32: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

31

De acordo com Antunes (2006), a crescente automação dos serviços e a mudança no

ritmo do trabalho trouxeram ao profissional bancário uma gama de desafios. Os trabalhadores

bancários foram atingidos por um violento impacto em suas formas de produção e em sua

rotina de trabalho, as tecnologias de base microeletrônica e as mutações organizacionais

impuseram ao trabalhador do setor mudanças em suas características pessoais e profissionais,

que podem ser entendidas como adequação às novas exigências do mercado bancário. Com o

objetivo de adequar os trabalhadores às novas modalidades exigidas, os bancos e demais

instituições financeiras têm requerido de seus funcionários uma nova qualificação. Na

tentativa de manter seus empregos os bancários são forçados a se capacitar, obtendo uma

formação geral e polivalente. Além desses fatores, os funcionários são submetidos a

exaustivas horas além do expediente. Tal fator contribui para o aumento das doenças

relacionadas ao trabalho, sendo, a LER uma das mais comuns. (ANTUNES, 2006).

Os trabalhadores que não se adéquam às mudanças são excluídos do setor. Os

funcionários considerados menos qualificados ou não adaptados aos princípios da qualidade

total e da excelência do atendimento ao cliente, por exemplo, são excluídos. São demitidos

primeiramente os funcionários de setores responsáveis pelo atendimento simplificado ou pela

infra-estrutura de apoio. Tais postos são freqüentemente substituídos por máquinas

automatizadas ou por trabalhadores terceirizados. Os profissionais valorizados pelo setor são

aqueles que compreendem a lógica do mercado financeiro, que têm habilidades em vendas e

em gerenciamento. Tal fato redefine o perfil profissional do bancário, que se transforma em

um bancário vendedor. Sempre pronto a se adequar a um novo serviço, a uma nova dinâmica.

(JINKINGS, 2006).

Percebe-se que há a busca por um profissional que tenha um conhecimento, ainda que

superficial, de todas as esferas do trabalho bancário. Tal conhecimento não é adquirido no dia

a dia da agência, na vivência da profissão, como anteriormente, é aprendido em cursos de

qualificação e de treinamentos, que moldam o funcionário para atender as necessidades da

empresa. Há uma retirada do saber próprio do profissional bancário. Um bom exemplo desse

fato são os cursos de treinamento para gerência, nos quais, em seis meses, o funcionário está

apto para assumir cargo de gerência em qualquer área do banco. Surge dessa forma um novo

perfil de profissional, bem como são estabelecidas novas relações sociais. (RUHENA, 2004).

Observa-se que esses fatores contribuem para a formação não apenas de um novo

perfil de trabalhador, mas também da própria categoria, não há mais a uniformidade da

categoria que era encontrada nos períodos anteriores. Esse perfil será discutido em análises

posteriores nesta dissertação. Reportemo-nos agora a um breve panorama das medidas

Page 33: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

32

econômicas do período e dos projetos que tiveram como objetivo a reestruturação do sistema

bancário nacional.

2.2.3 Projetos de reestruturação do sistema bancário nacional

Mahl e Schmitz (2000) indicam que a configuração do sistema bancário brasileiro é

resultado de um longo processo que se iniciou na década de 1970 com a interrupção da

concessão de novas-cartas patente para as agências bancárias. O resultado de tal medida foi

uma grande concentração do sistema financeiro. A partir de então, na década de 1980 houve

um crescimento de fusões e aquisições que deram origem aos grandes grupos financeiros que

se fortaleceram no país em virtude de uma menor concorrência e da situação econômica

brasileira. Os autores ressaltam que as modificações no setor bancário ocorridas entre as

décadas de 1970 e 1990, se deram em função das políticas governamentais de incentivo para

aquisições entre órgãos financeiros, esses incentivos foram as principais causas do

crescimento de fusões e aquisições no setor. Jinkings (2001) destaca que no período de 1994 a

2001, buscando o desenvolvimento capitalista, o governo brasileiro segue a cartilha

neoliberal, o sistema financeiro nacional se desancora da esfera produtiva e passa a ser

controlado pelo regime de finanças de mercado.

Os planos “Cruzado” (1986) e “Real” (1994), e os programas como PROER

(Programa de Estimulo a Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional)

e PROES (Programa de Incentivo a Redução do Setor Público Estadual na Atividade

Bancária), contribuíram para que houvesse no setor uma profunda transformação que motivou

fusões, incorporações, privatizações, parceria com grupos estrangeiros e conseqüentemente

um grande numero de demissões. (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE

ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2001; JINKINGS, 2006; SILVA,

2006).

Até a década de 1960 as instituições bancárias tinham como objetivo apenas a

captação de recursos financeiros, através de serviços como pequenos empréstimos e

financiamentos, mas os principais serviços prestados eram a poupança e a conta corrente.

Após o início do governo militar e da reforma bancária de 1964, as características das

instituições mudam. São criados os bancos de investimento, seguradoras, e os empréstimos

Page 34: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

33

feitos através do setor modificam consideravelmente. Ficam também a cargo dos bancos os

serviços de arrecadação de impostos e a cobrança das taxas públicas. (CHELOTTI, 2005).

Após a reforma bancária de 1964 o setor cresceu no país a partir do surgimento de

conglomerados e grandes redes de agências por todo o território nacional, uma vez que passa

a ganhar força a política de incentivo a fusões e incorporações. O Banco Central impôs como

limite aos bancos a abertura de apenas duas novas agências por ano, tal fato fez com que a

fusão fosse a única alternativa para as instituições que almejavam o crescimento. Dessa

forma, a utilização das agências já instaladas era uma importante estratégia de ampliação da

rede bancária. Tais fusões resultaram na formação de um conglomerado de grandes bancos.

(SCHWARTZMAN; SOUZA, 1988; AMORIM; CERQUEIRA, 1998).

Nas décadas de 1970 e 1980 tal setor teve como marca o fato de se mostrar altamente

lucrativo devido aos ganhos proporcionados pelas elevadas taxas de inflação. O sistema

financeiro manteve seus lucros acima do nível, diferentemente dos outros setores que tiveram

prejuízos já no início da década de 1980. Em 1986, após o plano Cruzado e com a contenção

do processo inflacionário, o período dos grandes lucros cessou por algum tempo. Com a

queda dos lucros o setor se deparou com uma máquina administrativa inchada e com uma

ampla rede de atendimento que não era adequada à nova realidade econômica do país. Foram

tomadas medidas para a contenção dos problemas, os bancos enxugaram os gastos e

realizaram diversos ajustes operacionais. Houve demissões e fechamentos de agência, em

todo território nacional. (AMORIM; CERQUEIRA, 1998; ANTUNES, 2001)

Em 1988 iniciou-se a desregulamentação do mercado financeiro brasileiro, motivado

pela revogação da necessidade de carta patente e pela criação dos bancos múltiplos, o que

proporcionou a entrada de novas empresas no setor bancário e permitiu uma otimização da

estrutura bancária, uma vez que possibilitou aos bancos operar com uma estrutura menor, mas

muito mais ágil. (AMORIM; CERQUEIRA, 1998; ANTUNES, 2001).

Araújo (2001) aponta que a década de 1980 foi marcada pelo esgotamento do sistema

desenvolvimentista vigente até o período. Os carros chefes desse modelo, os bancos públicos

e as empresas públicas, tiveram que arcar com as conseqüências de tal crise. Para Antunes

(2001), a configuração da estrutura do sistema bancário presente nessa época é conseqüência

da crise econômica marcada por alta inflação e grande instabilidade econômica.

A partir da década de 1990, percebe-se que as reformas ocorridas no setor bancário

estiveram mais ligadas à abertura do setor e à privatização dos bancos do governo, estudais e

federais. (ANTUNES, 2001). Mahl e Schmitz (2000) afirmam que o setor bancário

transformou radicalmente suas formas de atuar no mercado principalmente após o aumento da

Page 35: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

34

concorrência no setor. Tal concorrência, que se intensificou na década, foi motivada

especialmente pelas políticas econômicas que favoreceram a abertura do setor no Brasil para

os grandes conglomerados financeiro internacionais.

O período foi marcado por graves crises econômicas em seu início, com ameaças de

hiperinflação, queda no nível da produtividade, o Plano Collor e suas medidas de bloqueio

dos ativos financeiros, entre outros. Estes forçaram uma intensa reestruturação no setor

bancário, causando principalmente demissões em massa da categoria. (AMORIM;

CERQUEIRA, 1998).

Ruhena (2004) aponta que as medidas tomadas no início da década de 1990

contiveram a inflação por um tempo. Mas, uma vez que a inflação não era mais fonte de lucro

para os bancos no país, eles aderiram às tendências internacionais que propunham a

redefinição e a racionalização do trabalho no setor. Tal fato intensificou a Reestruturação

Produtiva acelerada, segundo a autora, a partir 1986, com o Plano Cruzado, sendo

intensificada a partir de 1994 com os ajustes impostos pelo Banco Central no sistema

financeiro nacional.

Após a estabilização da moeda, com o Plano Real, o setor foi impulsionado a mudar a

sua esfera de atuação e passou a implantar cada vez mais tecnologias. Tal transformação tinha

como objetivo recuperar as taxas de lucros que foram reduzidas em virtude da disputa pelo

mercado, das modificações da economia brasileira e mundial e da internacionalização do

mercado financeiro. (MAHL; SCHMITZ, 2000).

A implantação do Plano Real teve impactos profundos sobre o sistema bancário brasileiro, determinando, assim, um amplo processo de reestruturação do sistema financeiro nacional. São efeitos decorrentes da estabilização macroeconômica a perda da importante fonte de receita representada pelas transferências inflacionárias e o aumento na oferta e na demanda por empréstimos bancários. (ANTUNES, 2001, p. 23-24).

A queda da inflação provocada pela estabilização econômica, fruto do Plano Real,

trouxe impactos negativos sobre a rentabilidade bancária, o que impulsionou ajustes no

sistema bancário nacional. Os bancos estaduais e as instituições de pequeno porte foram os

mais atingidos. A preocupação do governo com os efeitos negativos da estabilização fez com

que uma série de medidas, que visavam o fortalecimento e a reestruturação do sistema

financeiro fosse tomada. Entre estas se destacam o estabelecimento de incentivos fiscais para

a incorporação de instituições financeiras e a instituição do PROER (Programa de Estímulo à

Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional). (ANTUNES, 2001).

Page 36: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

35

A instituição do PROER teve como objetivo evitar que uma crise sistêmica atingisse o

sistema financeiro do país. Através do programa o Banco Central iniciou o estímulo da

transferência do controle das ações dos bancos em crise para as instituições financeiras que

permaneceram fortes. O programa também envolveu a liberação de recursos financeiros para

bancos em dificuldade. Bancos como o Nacional, o Econômico e o Bamerindus, utilizaram

recursos do programa para sanar seus problemas e, posteriormente, foram incorporados por

outras instituições. (ARAÚJO, 2001).

Semelhante ao PROER, que foi específico para o setor privado, visando sanar os

problemas nos bancos estaduais foi criado o PROES (Programa de Estímulo à Redução do

Setor Público na Atividade Bancária Estadual). Os bancos públicos estaduais representavam a

parte do setor bancário com mais problemas, que se agravaram a partir da implementação do

Plano Real. Com o descontrole das finanças públicas e o crescente déficit fiscal, tornaram-se

necessárias intervenções em vários bancos estaduais, cada caso foi analisado pelo Banco

Central e foram tomadas medidas drásticas, levando inclusive às privatizações. (ARAÚJO,

2001). Através do PROES foi disponibilizado pelo Conselho Monetário Nacional linhas de

crédito para que o Banco Central, após a análise, viabilizasse alternativas para a solução dos

problemas. Foram propostas três alternativas, a primeira delas era financiamento de 100% dos

gastos para a transformação do banco em instituição não financeira, agência de fomento, ou

para uma possível liquidação. A segunda opção era a possibilidade do financiamento de 50%

dos gastos para a solução dos problemas financeiros dos bancos. Nesse caso o Estado do

banco credor continuaria como controlador acionário do banco. A terceira alternativa ficou a

cargo do Governo Federal e foi o saneamento e a federalização das instituições para posterior

privatização ou liquidação. (CHELOTTI, 2005).

Alguns estados buscaram a opção de sanar as dívidas de seus bancos, por exemplo,

Pará (Banpará) e São Paulo (Nossa Caixa - nosso Banco), outros transformaram tais bancos

em agências de fomento como o caso do BDMG em Minas Gerais. No início do programa 26

instituições foram enquadradas para deixar de ser bancos estaduais, 10 foram privatizados,

entre eles o BEMGE. (ARAÚJO, 2001).

O processo de ajustes dos bancos estaduais foi organizado pelo governo com o propósito de reduzir a presença do setor público estadual na atividade bancária, por meio principalmente da privatização e eventual transformação destes bancos em agencias de fomento. (ANTUNES, 2001, p. 26).

As medidas tomadas pelo governo, em relação aos bancos públicos, do ponto de vista

apresentado por Araújo (2001), têm buscado além da retirada destes da atividade comercial,

Page 37: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

36

incentivar a privatização e a sua aquisição por bancos estrangeiros, o que é feito direta ou

indiretamente através dos bancos nacionais. Tal fato reforça a presença dos bancos

estrangeiros no setor nacional, um movimento que foi iniciado de certa forma a partir do

PROER, quando bancos estrangeiros compraram bancos privados nacionais.

O contexto internacional da década de 1990 é considerado por Faria, Marinho e Paula

(2007) como fator que contribuiu para que tais medidas fossem tomadas. Os autores destacam

que no período ocorreram crises internacionais que devem ser levadas em conta ao analisar a

reestruturação bancária nacional. Entre estas estão a crise do México (1995) e a crise Asiática

(1997). Outro fator apontado pelos autores foi a busca do governo brasileiro à adequação das

instituições financeiras do país ao que foi recomendado no Primeiro Acordo de Capital do

Comitê da Basiléia. Esse comitê de supervisão bancária foi criado pelos presidentes dos

bancos centrais dos países que compõem o G-10. O comitê não tem poder para supervisionar

as instituições e não pode intervir nas mesmas, apenas estabelece padrões de supervisão e

orientações gerais. (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2008). No Brasil, segundo dados do

Banco Central (2008), o acordo foi implementado através da resolução 2.099 de 17 de agosto

de 1994, que introduziu no país a exigência de um capital mínimo em função do grau de risco

das operações realizadas pela instituição.

Ao analisar as transformações ocorridas no setor, Rodrigues (2004) destaca que de

1995 a 2000, aliadas a medidas econômicas, houve no país uma grande disputa por

dominação dos espaços do cenário financeiro. Os grandes grupos bancários, nacionais e

internacionais iniciaram uma disputa pelo mercado interno brasileiro. Os bancos Bradesco e

Itaú foram os “vencedores da briga” por espaço em Minas Gerais. O Bradesco adquiriu o

Credireal e o Itaú adquiriu o BEMGE em 1998. Para Dupas (1999) tais fusões e

incorporações, não apenas no setor bancário, mas nos diversos setores da economia, refletem

a nova lógica competitiva que busca mercados globais e que tem como marca a utilização de

um grande aparato tecnológico.

2.2.4 Inovações e Conseqüências – novo sistema bancário

O setor bancário no Brasil como se percebe, foi profundamente afetado pelas

transformações causadas pela Reestruturação Produtiva e por medidas econômicas que

buscaram a reestruturação do sistema financeiro nacional. Tais medidas atingiram

Page 38: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

37

principalmente o emprego no setor. O que até então em sua grande maioria era aparentemente

estável, foi impactado com a realidade de demissões. Até mesmo os bancos federais e

estaduais foram atingidos pela nova ordem imposta da produção capitalista. Observa-se que

os processos de fusão de bancos privados e a privatização de bancos públicos, que foram

vendidos para grandes grupos financeiros nacionais e internacionais, foram fatores que

contribuíram para demissões em massa no setor, sejam elas voluntárias, através dos diversos

PDV´s, ou não.

Em junho de 2001 foi lançado o PROFIF, Programa de Fortalecimento das Instituições

Financeiras Públicas Federais, uma medida provisória que impôs aos bancos federais as

mesmas regras que vigoravam sobre os bancos comerciais, o que impulsionou o

direcionamento de suas operações para os critérios do mercado privado. Tais transformações

tiveram como conseqüência a instauração de uma nova ordem no setor bancário no país.

(JINKINGS, 2006). A autora afirma ainda que as mudanças estruturais do sistema financeiro

nacional causaram uma modificação no perfil das instituições que o compunham, produzindo

uma intensa concentração e centralização de capital nos sistema. Para Jinkings tal fenômeno

ocorre em escala mundial, onde é verificado “um intenso processo de concentração e

centralização do capital” (JINKINGS, 2006, p. 192) que é resultado de privatizações,

incorporações e fusões.

Ao analisar as recentes transformações bancárias Faria, Marinho e Paula (2007)

indicam que as medidas de ajustes provocaram uma série de aquisições e fusões, bem como a

entrada de instituições estrangeiras no setor. O resultado de tais ajustes, segundo os autores,

foi um movimento que consolidou as instituições financeiras do país. Como agentes

importantes neste processo eles destacam:

A desregulamentação dos serviços financeiros em nível nacional; a maior abertura do setor bancário à competição internacional; os desenvolvimentos tecnológicos em telecomunicações e informática, com impacto sobre o processamento das informações e sobre os canais alternativos de entrega de serviços (redes de caixas eletrônicas, Internet, banco eletrônico e etc.); e, por ultimo as mudanças na estratégia gerencial das instituições financeiras, expressa, por exemplo, na maior ênfase no retorno dos acionistas; todos estes fatores juntos têm empurrado as instituições financeiras para um acelerado processo de consolidação. (FARIA; MARINHO; PAULA, 2007 p. 126).

As políticas gerenciais, que foram se transformando ao longo do período e se

adequando a novas realidades merecem destaque, pois contribuíram para que houvesse cada

vez mais transformações. O setor bancário mostra-se como um dos que mais tem sofrido

mutações gerenciais. Antunes (2006) aponta que as políticas gerenciais adotadas pelos bancos

Page 39: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

38

principalmente através de programas como “Qualidade Total”, “Remuneração variável” e

“Participação nos lucros e resultados (PLR)”, entre outros, incentivam a produtividade do

funcionário, o que trouxe um significativo aumento da produtividade. Para o autor tais

programas recriam estratégias de dominação do trabalho, uma vez que os bancários foram

“transformados” em “colaboradores”, “parceiros” e até mesmo, “sócios”.

Para Faria, Marinho e Paula (2007), as medidas tomadas pelo governo pós Plano Real,

com programas que visavam à reestruturação do setor (PROER e PROES), e, em um segundo

momento, à flexibilização das regras de entrada dos bancos estrangeiros no país, contribuíram

para que houvesse uma consolidação no setor privado nacional. O Brasil, assim como outros

países da América Latina, como Argentina e México, parecem ter, a princípio, iniciado a

consolidação no setor “como resposta a estruturas bancárias frágeis”. (FARIA; MARINHO;

PAULA, 2007, p. 128).

Conforme se percebe pelo exposto, as transformações ocorridas nos bancos brasileiros

fizeram com que o setor que aparentemente era vulnerável a crises se tornasse altamente

consolidado e forte. Um bom exemplo de tal fato é o fortalecimento dos bancos privados

nacionais que participaram ativamente dos processos de fusões e incorporações e que hoje se

constituem como uma grande força no país. (FARIA; MARINHO; PAULA, 2007).

2.3 Novo sistema, um novo banco

2.3.1 O sistema bancário e a cidade de Belo Horizonte

Desde a sua criação em 1897, a cidade de Belo Horizonte mostrou que sua vocação ia

muito além de ser apenas o centro administrativo do

Page 40: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,
Page 41: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

40

mantinham sua sede na capital: O Banco Hércules , em 1994,o Agrimisa, em 1995, e o

Progresso em 1997.” (CERQUEIRA; SIMÕES, 1997, p 459).

Contudo, apesar do esvaziamento da praça bancária na capital não houve uma retração

dos serviços bancários na capital e em Minas Gerais. Cerqueira e Simões (1997) apontam que

em tese Belo Horizonte perdeu muito, pois era a sede de muitos bancos. Porém, os

indicadores analisados pelos autores não apontam redução na realização dos serviços

bancários na cidade, pelo contrario, há crescimento do setor na capital. Tal fato indica que

apesar da perda da liderança dos bancos mineiros, a cidade manteve seu dinamismo

econômico.

2.3.2 Banco Estadual Estudado -BEMGE

Em 1911 foi criado o Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais. Ao contrário dos

outros bancos mineiros cujas sedes estavam na Zona da Mata e Sul, era um banco urbano, sua

sede ficava em Belo Horizonte e ele possuía 11 agências, se destacando entre os demais. O

banco foi fundado com capital francês, mas contando com os préstimos do Estado, que

assume sua administração em 1943, no processo de nacionalização dos bancos. (COSTA,

apud CERQUEIRA; SIMÕES, 1997). O Estado de Minas assumiu o banco com a alegação de

que seus proprietários viviam em território ocupado pelos nazistas e que, por isso, suas ações

deveriam ser expropriadas e passadas ao governo estadual. (DEPARTAMENTO

INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 1998).

O Banco Mineiro do Café, que mais tarde passou a ser o Banco Mineiro de Produção,

foi fundado em 1933 e transferiu sua sede para Belo Horizonte em 1937. Era um banco

grande para os padrões da época e a partir dos anos 1950 se expandiu, de forma que assumiu,

em 1964, o posto de 12º no ranking dos bancos brasileiro. Nesse mesmo ano o Hipotecário

figurou no 22º. (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS

SOCIOECONÔMICOS, 1998).

Segundo Cerqueira e Simões (1997) partir da década de 1940 os bancos mineiros

ganham expressão em todo território nacional, possuindo agências em outros Estados, e já

apareciam entre os 10 maiores bancos do país.

A partir da metade dos anos 1960, após a reforma bancária de 1964, houve um

estímulo por parte das autoridades financeiras do país a fusões e incorporações. Tal política

Page 42: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

41

teve como resultado o movimento de concentração bancária. (COSTA, apud CERQUEIRA;

SIMÕES, 1997). Tem início, segundo os autores, a tese da queda ou “esvaziamento” do setor

bancário mineiro. Os autores indicam que das 24 matrizes bancárias do Estado restaram

apenas 9. Outro fator que contribuiu para tal fato foi a tendência de se transferir as matrizes

para outros Estados, uma vez os clientes destes Estados fariam mais operações do que os

clientes mineiros. Em 1967 os bancos estaduais, Mineiro de Produção e Hipotecário, se

fundiram e deram origem ao BEMGE.

Os anos 1980, conforme já citado, foram marcados por graves crises nacionais que

impactaram o setor bancário nacional, atingindo principalmente os bancos estaduais. Com o

BEMGE não foi diferente. Para compensar as crises das finanças estaduais, com o

crescimento dos juros e a queda das receitas tributárias, os governos recorreram às operações

de crédito aos bancos estaduais com maior intensidade. Tais operações eram um grande risco

para os bancos, pois estes teriam que captar recursos em um curto espaço de tempo e com

altos juros, para que fossem possíveis os empréstimos ao governo estadual.

(DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS

SOCIOECONÔMICOS, 1998).

Essas operações deterioraram o patrimônio do BEMGE, causando grandes prejuízos

ao banco nos anos 1983, 1984 e 1987. Este então passou a adotar como política de ajuste a

redução de operações de crédito, do número de funcionários, passou a investir mais em

automação e tecnologia, entre outros. Tais medidas eram semelhantes às tomadas pelos

bancos privados, que também enfrentavam uma grave crise. (CERQUEIRA; JAYME

JÚNIOR apud DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS

SOCIOECONÔMICOS, 1998). Através de tais políticas o banco alcançou lucros e

experimentou crescimento, até a implementação do Plano Real. Após esse plano o banco

acumulou prejuízos, pois foram eliminadas as receitas inflacionárias e houve crescimento da

inadimplência. (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS

SOCIOECONÔMICOS, 1998).

Apesar de ser conhecido como um banco estatal, o BEMGE era de economia mista,

possuía capital estatal (77,2% das ações) e privado (22,8% das ações) organizado como banco

múltiplo. Na época da privatização era um dos 20 maiores bancos brasileiros e um dos 4

maiores bancos estaduais, de acordo com o ranking da Gazeta Mercantil de 1997

(DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS

SOCIOECONÔMICOS, 1998).

Page 43: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

42

2.3.3 Banco Privado Estudado - Itaú – Uma trajetória de fusões e incorporações3

Fundado em 1943 o Banco Central de Crédito, só iniciou sua atuação em 1945,

quando foi inaugurada a primeira agência em São Paulo. Em fins da década de 1940 já é

possível notar a expansão do banco que contava com 3 agências na capital e 5 nas cidades do

interior do estado de São Paulo, totalizando 8 agências. Em 1952 o banco passa a ser

chamado de Banco Federal de Credito S/A. Em um primeiro momento sua atuação era restrita

ao estado de São Paulo, pois a legislação em vigor imposta pela SUMOC, superintendência da

moeda e do credito, era restritiva. Exigia reservas e depósitos elevados para liberar a área de

atuação de um banco. (BANCO ITAU, 2009). Tal realidade se transforma a partir da década

de 1960. Em 1961 o Banco Federal de Credito comprou o Banco Paulista S/A, que havia sido

liquidado pela SUMOC. A primeira agência fora do estado de São Paulo foi inaugurada no

Rio de Janeiro. Iniciou-se nesta década a mecanização do banco. Em 1964 foi adquirido o

primeiro computador, acelerando o desenvolvimento do sistema de processamento de dados

dos correntistas. Nesse mesmo ano ocorre a fusão com o Banco Itaú S/A, o banco mineiro

ligado aos empresários do estado, surgindo assim o Banco Federal Itaú. Tal fusão

proporcionou que o novo banco rapidamente se expandisse ocupando o 16º lugar entre os

bancos privados nacionais. (BANCO ITAU, 2009)

Após a reforma bancária de 1964, foi autorizada no país a criação de bancos de

investimento. O Itaú foi o primeiro a possuir carta patente para exploração de tal setor. Em

1966 o Itaú se funde com o Banco Sul Americano S/A, dando origem ao Banco Federal Itaú

Sul Americano S/A, que já contava com 184 agências. No ano de 1969 funde com o Banco da

América S/A. O nascente banco, Itaú América S/A, já figurava como um dos grandes

possuindo 274 agências, e ocupando o 7º lugar no ranking dos bancos do país. (BANCO

ITAU, 2009)

Na década de 1970 continua o processo de expansão do banco através de fusões e

incorporações. É adquirido o Banco Aliança S/A, cujo foco de atuação era o nordeste, de

modo que o Itaú se expandiu para fora do eixo Rio/São Paulo/Minas. Em 1973 é incorporado

o Banco Português do Brasil, em 1974 o Itaú assume o controle acionário do Banco União

Comercial S/A, passando a possuir 561 agências. Outra marca da década de 1970 são as ações

de marketing do banco. Foram criados e patrocinados eventos esportivos, como a Copa Itaú

de Tênis, foi inaugurado o primeiro relógio de quartzo no país, que informava, além da marca

3 O presente texto foi escrito com dados retirados da página institucional do Banco Itaú.

Page 44: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

43

do banco, a data e a hora e podia ser visto de um quilometro de distância de onde estava

localizada, a Praça Ramos de Azevedo em São Paulo. O banco que já possuía várias obras de

arte iniciou a exposição dessas e de outras nas agências, criando o Itaú Galeria. (BANCO

ITAU, 2009).

Nos fins da década de 1970 é criada a Itautec S/A (Itaú tecnologia S/A), que passou a

atuar na área eletrônica, prestando serviços e fabricando componentes de informática,

suprindo assim a carência do mercado, uma vez que desenvolvia equipamentos de softwares

específicos para o setor bancário. (BANCO ITAU, 2009).

Na década de 1980 o banco ultrapassa os limites do território nacional e inaugura duas

agências fora do país, uma em Nova York e outra em Buenos Aires. O projeto de bancos

eletrônicos se inicia e em 1981 é instalado. A expansão da tecnologia é rápida e em 1984, 274

agências já possuíam terminais eletrônicos. Em 1985 são instalados quiosques em pontos

estratégicos. Neste mesmo ano é incorporado ao Itaú o Banco Pinto Magalhães. Uma

importante ação do banco é a criação do Instituto Cultural Itaú, em 1987. Tal instituto foi

criado visando estimular a pesquisa sobre a cultura brasileira, fornecendo um banco de dados

informatizados sobre o assunto. Este instituto é também um importante agente de marketing

do banco. No fim da década de 1980, com as reformas no sistema financeiro e bancário

nacional o banco passa a ser um banco múltiplo, centralizando as operações que eram

realizadas por outras instituições do grupo. Em 1989 visando atuação na Europa o banco

funda a sociedade de investimento Itausa Portugal. (BANCO ITAU, 2009).

Na década de 1990 o processo de fusões e incorporações é retomado. Sendo

privilegiado pelas políticas governamentais o Itaú expande sua atuação em território nacional

e internacional. O Itausa transforma-se em Banco Itaú Europa S/A, visando dar apoio a

empresas brasileiras na Europa e expandindo cada vez mais sua área de atuação. Após a

criação do MERCOSUL, a agência de Buenos Aires transforma-se no Banco Itaú Argentina

S/A. Em 1995, o Itaú assume o controle do Banco Francês e Brasileiro S/A. Em 1996

iniciam-se as privatizações dos bancos estaduais e ele adquire o BANERJ (1996), o BEMGE

(1998), o Banco do Estado do Paraná (2000) e o Banco do Estado de Goiás (2001). As

incorporações não atingem apenas o território nacional, o Itaú adquire o Banco Del Buen

Ayre, na Argentina e o incorpora ao Itaú Argentina, que se torna o Itaú Buen Ayre S/A. A

partir do ano 2000 o Itaú se consolidou como um dos maiores do país, incorporando outros

bancos nacionais e investindo em projetos sociais, que são um dos maiores carros chefes do

marketing da instituição. (BANCO ITAU, 2009).

Page 45: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

44

2.3.4 Notas sobre a Fusão: Um novo banco para uma nova ordem

Conforme o exposto percebe-se que o histórico dos bancos em questão é marcado por

fusões, incorporações e aquisições. O processo de privatização do BEMGE teve inicio em

1996 e foi efetuado em 1998. Participaram do leilão os bancos Bradesco, Itaú, Santander,

Bilbao Viscaya (BBV) e o ABN-Amro Bank. (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE

ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 1998). O Itaú arrematou o BEMGE,

acirrando assim a disputa pelo mercado nacional com o BRADESCO que segundo dados do

DIEESE (1998) na época da fusão era o maior banco do país.

Sobre tal processo, cabe ressaltar que quando houve a privatização do BEMGE o Itaú

era o segundo maior banco privado brasileiro, possuindo uma rede de atendimento de 993

agências. A rede do BEMGE era composta de 472 agências, 113 postos de atendimento

bancário que estavam localizados em 8 estados brasileiros. (DEPARTAMENTO

INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 1998).

Para Fernando Neiva (2007), ex-presidente do SEEB-BH4, a fusão trouxe grande

prejuízo para os mineiros. Para o autor o banco possuía importante função social e, assim, a

privatização teria deixado ‘órfãs’ várias cidades mineiras que tinham o banco como única

instituição financeira do lugar. Essa função social foi uma importante bandeira usada pelo

SEEB-BH na tentativa de luta contra a privatização, conforme apontam os depoimentos de

alguns representantes sindicais e ex-funcionários:

Bem, essa foi uma linha que nós adotamos nacionalmente de resgatar essa discussão, porque não é só essa questão de um banco estatal que nós defendíamos. Defendíamos um banco realmente público, voltado para os interesses públicos. Então nós destacamos bastante junto a população, junto aos trabalhadores. A população tinha uma resistência muito grande, a gente tava no primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso o discurso privativista estava em alta. (Cláudio - informação verbal).5

Cabe ressaltar que a questão da privatização das empresas públicas ia além da questão

do lucro ou não. Tais empresas e bancos eram considerados, pelo que se percebe patrimônio

dos cidadãos brasileiros, privatizar nesse caso era tirar dos cidadãos um bem. Essas empresas

levaram para as cidades onde se localizavam o progresso e o desenvolvimento, tornando-se

um motivo de orgulho para muitos de seus habitantes. Nessas localidades podemos dividir a

4 Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região. 5 Entrevista realizada dia 27/10/2009

Page 46: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

45

história das cidades em antes ou depois da empresa, como aponta Bastos (2008) no caso da

Companhia Vale do Rio Doce em Itabira. Com o banco a dimensão é menor, mas não deixa

de existir, como aponta Rodrigues (2004) no estudo de caso sobre o PDV do Banco do Brasil.

Tal discussão será explorada no próximo capítulo desta dissertação.

Ao se analisar o panorama do sistema bancário atual, de acordo com autores como

Araújo (2001), Antunes (1997; 2006), Antunes (2001), Jinkings (1995; 2006), Ruhena (2004)

entre outros, percebe se que o crescimento dos grandes grupos financeiros nacionais é fruto de

uma serie de ajustes que se iniciaram a partir das reformas bancárias e financeiras ocorridas

ao longo das décadas de 1980 e 1990. Como resultado de tais reformas se deram privatizações

de bancos públicos, liquidações de bancos privados e com isso houve o fortalecimento do

sistema bancário nacional, que hoje conta com menos instituições, mas que são fortes e bem

colocadas no mercado. Hoje há apenas dois bancos públicos de grande porte, a Caixa

Econômica Federal e o Banco do Brasil, que têm buscado se adequar às novas dinâmicas do

mercado financeiro.

Através de fusões e aquisições, surge um “novo banco”, não apenas novo, no sentido

de um novo banco no mercado, mas no sentido de apresentar uma nova dinâmica

organizacional. Essa nova forma de produção exige um novo perfil de trabalhador, conforme

já exposto anteriormente. Tal fato fica claro quando se examina o inicio do processo de

transição da fusão entre os bancos, BEMGE/Itaú. Após a compra do BEMGE pelo Itaú aos

poucos as agências, que não foram fechadas, principalmente as de Belo Horizonte, foram

deixando de ser agências do BEMGE e se tornaram Itaú, processo denominado como

“mudança de bandeira”.

O objetivo principal desse novo banco, o lucro já pode ser percebido no primeiro ano.

Neiva (2007) aponta que o ganho do banco Itaú com a fusão foi grande e se deu em duas

esferas, aumento da área de atuação em Minas Gerais, e alta obtenção de lucro. O BEMGE foi

vendido em 1998 por R$ 538 milhões e no ano de 1999 o Itaú lucrou 473 milhões de reais, ou

seja, no primeiro ano o Itaú lucrou quase o valor da compra do BEMGE.

A busca por crescimento dos bancos nacionais e por um fortalecimento ainda maior do

setor se mostrou ainda mais acirrada no período da crise de 2008, quando vários bancos e

instituições financeiras em todo mundo decretaram falência ou recorreram à ajuda de seus

respectivos governos para se reerguerem. Nesse contexto houve no Brasil a fusão de dois

grandes bancos nacionais, o Itaú e o Unibanco. Anunciada em 03 de novembro de 2008, essa

fusão deu origem, segundo a Gazeta Mercantil (ITAU..., 2008), ao maior conglomerado

financeiro privado da América do Sul e um dos 20 maiores do mundo. Tal fato, segundo o

Page 47: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

46

jornal, revela que as instituições financeiras nacionais são cada vez mais fortalecidas e prontas

para uma competição com os grandes mercados internacionais.

Page 48: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

47

3 TRABALHO, IDENTIDADE E TRABALHADORES BANCÁRIOS: N OVAS CONFIGURAÇÕES

A sociedade contemporânea impõe aos sujeitos situações de mudanças sociais

extremamente aceleradas que os forçam a se adequarem a novas realidades e a novas

estruturas socais e, portanto, a redefinirem sua posição na sociedade. O lugar das pessoas na

sociedade é redefinido bem como a relação dessas com seus pares e com as estruturas sociais

que surgem ou que deixam de existir. Essa redefinição induz ao processo que Domingues

(1999) denomina de “desenraizamento”, que pode ser entendido como conseqüência das

grandes transformações na própria estrutura da sociedade. Este pode ser impulsionado pelas

mais diversas situações, dentre as quais se destacam a escravidão, as constantes migrações, as

guerras e os mais variados conflitos. Tais processos contribuíram para que o homem

reelaborasse suas identidades, tanto as individuais quanto as coletivas. (DOMINGUES, 1999).

Percebe-se que tais fenômenos de reordenamento e redefinição de identidades têm

maior impulso com a chegada da modernidade. Segundo Anthony Giddens a “modernidade

pode ser entendida como o aproximadamente equivalente ao mundo industrializado, desde

que reconheça que o industrialismo não é sua única dimensão institucional”. (GIDDENS,

2002, p. 21). O autor recorre ao termo para se referir aos modos de comportamento, vida e

produção que se estabeleceram na Europa no pós Feudalismo e que atingiram todo o mundo a

partir do século XX. Domingues (2001) corrobora com essa idéia, pontuando que a

modernidade é um processo que apesar de ter se iniciado no período do Renascimento,

séculos XVI–XVII, continua em expansão na contemporaneidade.

O mundo moderno pode ser caracterizado como um local de permanentes

transformações onde a temporalidade é “frenética” e que passa por um processo de

desenraizamento. As sociedades nesse mundo podem ser entendidas como sociedades de

mudanças rápidas, constantes e permanentes. O ambiente social do indivíduo que a compõe é

afetado e as instituições, como por exemplo, a família, o casamento, a organização do

trabalho, além dos papéis sociais que antes eram rígidos, tornam-se flexíveis, assumindo

novos padrões. (GIDDENS, 2026; DELGADO, 2006; HALL 2006; CASTEL, 1998). Como

se percebe, um dos setores afetados pelas transformações da modernidade é o do trabalho,

conforme pode ser observado no primeiro capítulo da presente dissertação, uma vez que

entendemos Reestruturação Produtiva como um dos fenômenos da contemporaneidade.

Page 49: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

48

Tendo em vista tais aspectos, este capítulo terá como foco analisar de que forma as

transformações causadas pelo processo da Reestruturação Produtiva trouxeram conseqüências

para a identidade profissional dos sujeitos. No primeiro momento discorrer-se-á acerca de

conceitos e interpretações sobre a identidade em um sentido amplo, em seguida o foco recairá

sobre a relação entre identidade e trabalho, visando contextualizar e localizar o objeto da

dissertação. Para tal serão apresentadas as principais características do trabalho bancário e as

conseqüências das transformações causadas pelo processo da Reestruturação Produtiva no

setor em questão. Após tal apresentação será analisada a identidade dos trabalhadores

bancários.

3.1 Trabalho e Identidade

3.1.1 Identidade: conceitos e configurações na contemporaneidade

O termo identidade hoje é bastante discutido e, dessa maneira, apresenta controvérsias.

Niethammer (1997) indica que, ‘é uma das palavras-chave mais em voga hoje em dia, na

política, na mídia e nos estudos culturais. (NIETHAMMER, 1997, p119). Visando explicar

como o termo identidade foi construído o autor busca o conceito de identidade coletiva no

período entre guerras na Europa e aponta como precursores do conceito teóricos como Carl

Schmitt; Georg Lucáks; Aldous Huxley; Sigmund Freud e Maurice Halbwachs. No entanto,

para o autor, o termo ganhou o sentido social que conhecemos, a partir das teorias

desenvolvidas por Erik Erikson no fim da segunda guerra, quando ele utilizou o termo

visando descrever os processos de socialização dos indivíduos. (NIETHAMMER, 1997).

A concepção Erickson, segundo o autor, se considerada juntamente com as teorias do

interacionismo simbólico norte americano, pode ser entendida como fruto da diferença entre o

Eu e os processos de identificações e ou adaptações ao modelo social. (NIETHAMMER,

1997). Dentro dessa perspectiva o autor entende que “Identidade é, então, uma categoria

dinâmica que descreve os poderes de reflexão, equilíbrio que permite ao indivíduo

permanecer o mesmo dentro das adaptações sociais e do ciclo de vida, bem como das

transformações sociais.” (NIETHAMMER, 1997, p. 121).

Com as mudanças advindas na contemporaneidade percebe-se que as formas identitárias que

deram estabilidade ao mundo social estão em decadência. Tal fato faz com que surjam novas

Page 50: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

49

identidades e com que o individuo moderno seja fragmentado. Rompendo com a visão que

permanecia até então de que o sujeito era unificado. Essa crise que se instala na

contemporaneidade faz parte de um amplo processo de transformações que abala os quadros

de referência e estabilidade dos indivíduos na sociedade e no mundo social. Os processos de

fragmentação e desconstrução das identidades fazem com que o sujeito não tenha uma única

identidade, e sim várias que podem ser até mesmo contraditórias e mal resolvidas. E dessa

forma continuamente transformadas. (HALL, 2006).

Santos (1999) aponta que as identidades culturais hoje não são imutáveis e nem ao

menos rígidas, são frutos transitórios de processos de identificação que têm como um dos

fatores primordiais a diferença. Para o autor, vivemos em uma época em que as identidades,

até mesmo as mais sólidas, escondem jogos de sentidos e estão em constantes processos de

formação. Em suas palavras: “identidades são, pois, identificações em curso” (SANTOS,

1999, p. 135). Ao discorrer sobre a idéia de identidade de Santos, Delgado (2006) afirma que

na contemporaneidade as identidades podem ser renovadas e são demarcadas, na maior parte

das vezes, pela constatação e pelo reconhecimento das diferenças.

Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. (HALL, 2006, p. 9).

Agier (2001) entende que as identidades são declarações identitárias influenciadas e

alimentadas pelas relações do sujeito e do grupo, que compartilham informações, culturas,

modos de vida entre outros. Tais declarações na contemporaneidade são instáveis, múltiplas e

inacabadas, experimentadas não como fatos, mas como busca dos indivíduos.

Delgado (2006) interpreta as identidades como fruto de representação coletiva

contextualizada e específica de cada povo. Em cada um desses povos a identidade manifesta-

se através de formas e expressões específicas e originais, que podem ser traduzidas por várias

identidades, sejam elas nacionais, de gênero, religiosa, política, partidária entre outras.

A força motriz da identidade é a experiência e o vivido, dessa forma o exercício de

relembrar ou o lembrar faz com que haja o reconhecimento de características sociais comuns,

que mostram ao individuo que a sua história individual e a história coletiva em algum

momento se encontram construindo, assim, uma identificação e uma identidade. A memória

faz com que o individuo se reconheça e se sinta pertencente a um grupo que é diferente de

outro grupo com o qual ele não compartilha um passado em comum. A memória está ligada às

Page 51: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

50

coletividades, sua mentalidade e comportamento. O lembrar e o rememorar individual fazem

com que o sujeito se relacione com a sociedade e se insira na mesma. Se tornando, assim,

elemento de constituição e de reconhecimento que o sujeito faz dele mesmo como elemento

integrante de uma comunidade, seja ela a família, a nação ou outro grupo com o qual ele se

identifica. Dessa forma, ela contribui para que o indivíduo, através da lembrança e da

identificação com um passado em comum, se sinta pertencente a algo ou a algum lugar.

(DELGADO, 2006).

A identidade traduz um sentimento e uma convicção de pertencimento e vinculação a uma experiência de vida comum. A dinâmica constitutiva das identidades é a da experiência vivida, que pode vincular-se simultaneamente à alteridade e à igualdade. Ou seja, as identidades são constituídas por um mecanismo contrastante de afirmação das diferenças e de reconhecimento de similitudes. (DELGADO, 2006, p. 71).

Kathryn Woodward (2004) entende que a identidade pode ser percebida por meio das

concepções que assumimos e com as quais nos identificamos. Nesse sentido, ela é marcada

por símbolos. Dessa forma, conclui-se que existe uma associação entre as coisas que a pessoa

usa, faz, lê, diz e a sua identidade. Para Domingues (2001) é através da mesma que se torna

possível compreender como os indivíduos e suas coletividades se relacionam, na percepção e

na inserção dos mesmos no mundo. Na visão do autor a identidade é construída nas relações

dos sujeitos e das coletividades com outros sujeitos e coletividades. Para a sua formação é

importante que haja um compartilhar de elementos por aqueles que possuem uma

identificação.

Entende-se, desse modo, que as identidades, mesmo sendo fluidas e mutáveis, têm

papel fundamental na formação da individualidade e das relações coletivas dos sujeitos, pois é

através desta que ele percebe seu lugar na sociedade. Portanto ela permite aos indivíduos se

localizarem e darem referência de si próprios para o outro e para si mesmo. O que se percebe

na contemporaneidade é que as identidades, mesmo as mais estáveis, têm seu processo de

mutação e fluidez acelerados. As mudanças impostas por fenômenos como a globalização e a

Reestruturação produtiva, como se percebe, têm contribuído para que as identidades e

conseqüentemente a sociedade se transformem. Cabe ao sujeito se adequar a tais mudanças e

buscar uma redefinição de suas identidades. Um dos setores mais impactados pelas

transformações da contemporaneidade é o trabalho e, daí, a parcela da identidade ligada a este

tem sofrido a influência destas mudanças, o que será objeto de análise na próxima seção.

Page 52: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

51

3.1.2 A Importância do trabalho para a configuração da identidade

Tendo em vista as concepções de identidade apresentadas, percebe-se que as

identidades podem ser entendidas como declarações ou interpretações do sujeito sobre quem

ele é e onde ele se insere. Dessa forma é uma representação que se refere a quem o sujeito é e

a que grupo pertence, configurando-se como um elo entre o sujeito e a realidade. Ciampa

(2007) aponta que a identidade ou uma parcela dela pode ser percebida por meio da utilização

de substantivos que dizem o que ou quem a pessoa é:

Acabamos por usar substantivos que criam a ilusão de uma substância de que o individuo seria dotado, substância que se expressaria através dele. Por isso quando representamos a identidade usamos com muita freqüência preposições substantivas (Severino é lavrador) em vez de preposições verbais (Severino lavra a terra). (CIAMPA, 2007, p. 133).

O indivíduo, então, é identificado pelos seus pares e pelos outros por meio da forma

como se insere na sociedade e a identificação vinculada ao trabalho e à profissão, mesmo no

contexto de reestruturação produtiva e da chamada “crise das identidades”, é, na maioria das

vezes, a mais acionada. É comum, por exemplo, que ao se apresentar o sujeito fale o nome e,

em seguida, com que trabalha. A partir do esquema de Ciampa podemos exemplificar da

seguinte maneira: a representação individual seria “sou bancário”; a representação coletiva,

“faço parte da categoria bancária” e, por fim, é visto pelos outros como o (a) bancário (a).

A questão da identidade como auto-atribuição ligada ao trabalho é destacada por

Sennet (1999) ao citar o historiador inglês Edward Thompson. Esse autor destaca que no

século XIX as mais variadas categorias de trabalhadores, inclusive os menos favorecidos

buscavam definir-se como camponeses, tecelões, artesãos. A identidade profissional

funcionava dessa forma como elemento de integração e inclusão do indivíduo na sociedade.

Pelo que se percebe, o que importava não era o tipo de trabalho, mas sim o status de

trabalhador.

Dejours, Dessors e Desrlaux (1993) afirmam que a atividade profissional assume local

de destaque para o sujeito e para a sociedade a ponto de despertar o questionamento, que a

primeira vista pode soar como banal, “o que você faz da vida?” que faz parte do nosso

cotidiano. Na visão dos autores o trabalho não é apenas fonte de subsistência, mas um “status

social” ao qual estão ligados símbolos como um vocabulário específico e um estilo de vestir.

É, ainda, local de sociabilidade, amizade e conflitos. Ele pode ser fonte das mais variadas

Page 53: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

52

doenças, como LER, envelhecimento precoce, entre outras, “mas isso não nos deve fazer

perder de vista que o trabalho é, também, um fator essencial de nosso equilíbrio e de nosso

desenvolvimento”. (DEJOURS; DESSORS; DESRLAUX, 1993, p. 99).

Na concepção dos autores, a idéia difundida acerca da felicidade que envolve o “não

trabalho”, do “não ter nada para fazer” é questionada. Quando a recusa ao trabalho alcança

um estado de “inatividade quase total” fica claro, do ponto de vista psiquiátrico, o surgimento

de uma doença. A partir dessa concepção entende-se que o “não trabalho” à semelhança do

“trabalho” traz conseqüências à vida do indivíduo. Assim, a demissão pode encarada como

uma ameaça ao equilíbrio do indivíduo. (DEJOURS; DESSORS; DESRLAUX, 1993).

Corroborando com tal idéia está Robert Castel (1998). Para o autor, o trabalho é uma

referência não apenas econômica, mas psicológica, cultural e simbólica, ou seja, refere-se

também à constituição da identidade. De acordo com essa percepção está Bosi (2004), para

quem “o trabalho significa a inserção obrigatória do sujeito no sistema de relações

econômicas e sociais” (BOSI, 2004, p. 471). Segundo a autora, o trabalho representa para o

sujeito um lugar na sociedade e não apenas uma fonte de renda. Assim, ao perder seu trabalho

– ou ao ser impactado por alterações advindas de conseqüências da modernidade, como o

processo de Reestruturação Produtiva –, o sujeito têm sua referência identitária alterada.

Podendo ter dificuldades para localizar-se no mundo, uma vez que o trabalho funciona como

elemento essencial na constituição da identidade do indivíduo. Para um número considerável

de bancários, por exemplo, a profissão representa tudo o que eles são e têm. Sem o emprego e

sem as referências ligadas ao trabalho – como profissão, status, dentre outros – o sujeito se

perde. Esther, ex-funcionária do BEMGE, e atual funcionária do Banco Itaú, afirma que ser

bancária é tudo para ela, tanto sua referência profissional quanto pessoal:

É a minha profissão, é o que eu tenho, assim... Ser bancária pra mim seria isso, minha sobrevivência porque é o que me mantém. Tanto é que se eu sair do banco eu não tenho profissão, porque é a única que eu tenho. Eu acho que bancário é tudo pra mim (Esther – informação verbal)6.

Coutinho, Krawulski e Soares (2007) também entendem que o trabalho apresenta-se

como uma categoria importante para a compreensão do modo de ser dos indivíduos, bem

como dos processos identificatórios e das relações de sociabilidade que permeiam sua vida.

Na concepção das autoras “a dimensão ocupacional ainda ocupa um grande espaço na vida

das pessoas permeando as relações sociais” (COUTINHO; KRAULSKI; SOARES, 2007, p.

6 Entrevista realizada dia 20/11/2009.

Page 54: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

53

34). Nota-se que o trabalho é parte fundamental de identificação para o sujeito, constituindo-

se como importante elemento na socialização. Funciona não apenas como elemento

importante na configuração da identidade, mas no estabelecimento de laços sociais que o

integram com a sociedade. “[...] o trabalho, enquanto fenômeno ao qual os atores sociais são

convidados a vincular-se em algum momento do ciclo vital é elemento constituinte da

subjetividade humana e, portanto, de sua identidade.” (COUTINHO; KRAULSKI; SOARES,

2007, p. 34).

Até o advento da modernidade as sociedades conheceram padrões mais fixos de

organização social, como já citado anteriormente. Os indivíduos e os grupos aos quais

pertenciam possuíam elos sociais bem específicos e através destes as identidades tanto as

pessoais quanto as coletivas eram determinadas claramente. (DOMINGUES, 2001). As

relações de trabalho que se desenvolveram em fins do século XIX e ao longo do século XX

contribuíram para a formação de um padrão econômico e social em que predominava contrato

de trabalho assalariado por tempo indeterminado em uma mesma empresa ou para uma

mesma família. O tempo indeterminado significa que muitas vezes o sujeito encontrava no

empregador o primeiro emprego e nele permanecia até a aposentadoria ou a morte, quando era

substituído por seu filho ou por seus parentes que também trabalhavam para o mesmo

empregador. Dessa forma, toda história de vida do indivíduo, e na maioria das vezes de sua

família, estava ligada à história do empregador. Assim, percebe-se que o trabalho e as

relações estabelecidas nos locais de trabalho eram elementos de integração social,

socialização e constituição de identidade. (LARANJEIRA, 1997b). No Brasil essa relação

pode ser ilustrada da seguinte forma:

A identidade de membro de uma família extensa nucleada em torno da grande propriedade rural e sua casa-grande definia, para muitas gerações, o pertencimento às camadas dominantes da sociedade; enquanto para os trabalhadores, laços de subordinação pessoal eram característicos. (DOMINGUES, 2001, p. 23).

As identidades eram, como se vê, pensadas como fixas. Com o advento da pós-

modernidade tal padrão foi rompido. O trabalhador foi aos poucos sendo “liberado” de

relações trabalhistas/sociais estáveis, como esta supracitada. Apesar disso o trabalho, ou a

falta deste, ainda aparece como elemento importante na construção identitária do indivíduo,

configurando-se em um elemento chave para se entender quem é o sujeito. O trabalho é uma

categoria importante para a compreensão dos indivíduos, pois se constitui como fonte de

realização social dos mesmos. A identidade ligada ao trabalho, mesmo que mutável, fluída e

Page 55: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

54

em ‘curso’ ainda é fonte de referência dos sujeitos e para os sujeitos. (DOMINGUES, 2001;

ANTUNES 2003).

A identidade ligada ao trabalho na pós-modernidade assume um caráter mais

complexo na medida em que as estruturas sociais não estão tão definidas. Cabendo ao sujeito

a responsabilidade por suas escolhas e por conseqüência sua auto definição em termos

coletivos e individuais. Por ser uma escolha, na medida das possibilidades de cada um, o

trabalho transforma-se em elemento de realização social e permanece como elemento

importante para a construção identitária do sujeito. Tornando-se dessa forma um dos diversos

espaços de edificação de sentido e, principalmente, um local onde é possível conquistar e se

construir uma identidade, seja esta coletiva ou individual. (DOMINGUES, 2001;

ANTUNES, 2003).

3.1.3 Trabalho e Identidade num mundo em reestruturação

[...] inegavelmente o desenho do trabalho apresenta na contemporaneidade, características como precariedade, vulnerabilidade e fragmentação, impondo dificuldades para que se processem as identificações por seu intermédio e se construam identidades profissionais. (COUTINHO; KRAULSKI; SOARES, 2007, p. 33).

A partir da idéia acima nota-se que os atuais arranjos e configurações que compõem

do mundo do trabalho hoje, podem, de certa maneira, dificultar a formação de uma identidade

embasada no trabalho, mas, como já citado anteriormente, não a impede. O trabalho ainda tem

um importante papel na construção da identidade do individuo. Assim como houve um

rearranjo nas configurações dos mais variados elementos da sociedade, houve um rearranjo na

relação do trabalho e identidade na contemporaneidade. Ao buscar compreender a dinâmica

de tal relação há que se levar em conta elementos como as grandes fusões, a emergência de

novos mercados globais, as grandes transformações econômicas e suas mais variadas

conseqüências, como as demissões e a terceirização. Como se percebe, o mundo do trabalho e

as relações que ali se estabelecem mostram-se na contemporaneidade cada vez mais fugazes.

(COUTINHO; KRAULSKI; SOARES, 2007). Para essas autoras, as relações de trabalho no

contexto produtivo atual têm gerado nos sujeitos sentimentos de incerteza, estranhamento e

insegurança, uma vez que as mostram-se, em muitos casos, precárias e transitórias. Tal

contexto impõe a redução das possibilidades da construção de “narrativas individuais”

baseadas no trabalho.

Page 56: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

55

Essas narrativas individuais podem ser entendidas como o que descreveu Sennet

(1999) ao narrar à história de Enrico e seu filho Rico. Para este autor a trajetória de Enrico,

um faxineiro que através de seu trabalho e de sua esposa possibilitou ao seu filho Rico

ascender socialmente é um exemplo das diferenças entre a relação de trabalho estabelecida

entre duas gerações, ao longo do século XX.

Enrico construiu uma vida em um emprego estável que o possibilitou, apesar das

dificuldades, criar seus filhos e ver neles realizado o chamado “sonho americano”. Por estar

em um emprego onde as relações são estáveis, Enrico constrói uma trajetória que lhe deu

segurança e o possibilitou planejar seu futuro. “Enrico conquistou uma nítida história para si

mesmo, em que a experiência se acumulava material e fisicamente; sua vida, assim, fazia

sentido para ele, numa narrativa linear” (SENNET, 1999, p. 14). Já para Rico, apesar de toda

sua qualificação, não é possível construir tal narrativa, uma vez que o mercado de trabalho na

contemporaneidade impõe aos sujeitos outra realidade. “Hoje um jovem americano com pelo

menos dois anos de faculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes no

curso do trabalho, e trocar sua aptidão básica pelo menos outras três durante 40 anos de

trabalho.” (SENNET, 1999, p. 22).

Para o autor, o mundo contemporâneo, o mundo de Rico, tem como característica

principal a flexibilidade. As empresas terceirizam, fundem, dividem, aparecem, e

desaparecem com a mesma rapidez que contratam e demitem. É um mundo onde não são

oferecidas muitas possibilidades ou argumentos que possibilitem a construção de narrativas

individuais lineares, que levem à configuração de uma identidade. Nessa realidade como

apontam Coutinho, Kraulski, Soares (2007) o estabelecimento de vínculos interpessoais, fica

limitado, mas não é impedido.

Na contemporaneidade, apesar das limitações já apontadas, a relação entre identidade

e trabalho permanece, embora as demissões hoje atinjam postos de trabalho antes muito mais

estáveis, como os bancos públicos federais ou estaduais. O trabalhador é, a partir do momento

da demissão, no maior número dos casos, inserido no grupo dos sem trabalho ou

desempregados. A partir de então este busca uma maneira de mudar sua condição, em um

primeiro lugar buscando encontrar meios para sua subsistência e, em segundo lugar,

procurando recuperar o status de estar empregado. Na impossibilidade de fazê-lo em um

trabalho considerado formal e com a emergência de novas formas de trabalho, como

cooperativas, trabalho informal ou até mesmo precário, o trabalhador busca sua inserção por

estes meios no mundo do trabalho, mas talvez não no mundo do emprego. (COUTINHO;

KRAULSKI; SOARES, 2007).

Page 57: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

56

[...] não tendo mais as suas ações definidas em função do seu trabalho, como ocorria até então, nem a possibilidade de autodenominar-se como pertencente àquele grupo, esta situação de desemprego, como também aquelas de inserção formal e/ou precária, no mundo do trabalho, passam a ser constitutivas, elas próprias, dos processos identificatórios, na medida em que o trabalhador se vê impedido de continuar se identificando do modo como vinha fazendo e acaba desenvolvendo novas identificações, à luz de sua nova condição. (COUTINHO; KRAULSKI; SOARES, 2007, p. 34).

Percebe-se que o sujeito que antes se identificava com a empresa que trabalhava ao ser

demitido busca novas formas de se identificar. Ele assume então uma nova identificação. Ou é

um desempregado que busca se recolocar no mercado de trabalho através de um emprego

formal, ou um desempregado, que se insere no mercado informal através de uma cooperativa

ou em outra forma de trabalho que não esteja vinculada a uma empresa. (COUTINHO;

KRAULSKI; SOARES, 2007).

Clauss Offe (2010), aponta que o trabalho perdeu a sua centralidade enquanto

categoria chave da sociologia. No entanto, o que se percebe a partir de autores como

Coutinho, Kraulski e Soares (2007), é que o trabalho na contemporaneidade mesmo que

apresente alterações, ainda é uma categoria fundamental na constituição identitária do sujeito

e um importante elemento para se compreender a sociedade. Segundo as autoras as posições

assumidas pelos sujeitos no que diz respeito ao trabalho podem ser apresentadas hoje em dia

como fugazes, efêmeras, mas a relação com o trabalho continua fazendo parte da vida

cotidiana e “não é possível negar a coerência e a continuidade na história de vida de cada

um”. (COUTINHO; KRAULSKI; SOARES, 2007, p. 35).

Lima (2007) aponta uma série de dados que corroboram com as autoras supracitadas.

Segundo esta, o trabalho continua sendo, para a maioria das pessoas, a base fundamental da

identidade, da realização social e da integração pessoal. Lima cita o exemplo de camelôs que,

embora façam parte de um grupo submetido a condições de trabalho precárias, não tem no

trabalho apenas a fonte de subsistência, mas a fonte de realização pessoal e social.

Na ausência de uma inserção formal, de perspectivas de carreira e aposentadoria, o trabalho precário e informal, mesmo com todas as dificuldades, consolida a condição de ser trabalhador. E ser trabalhador é construir sonhos, desejos e perspectivas de futuro que se fundam no trabalho, mas que se remetem para além dele, fatores que se esvaem quando se está sem trabalho algum. (ORGANISTA, apud LIMA, 2007, p. 7).

Outro fator apresentado pela autora para confirmar a importância do trabalho para a

identidade dos indivíduos são os estudos que indicam que o afastamento do trabalho, por

qualquer motivo, gera um grande “vazio existencial”. Lima (2007) cita os estudos do

Page 58: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

57

psicólogo Dominique Clavier, que constata que o desemprego pode ocasionar distúrbios como

problemas neurológicos, insônia, dificuldades sexuais e doenças cardiovasculares. Aliado a

esses problemas o estudo mostra que a perda do trabalho causa “rupturas de identidade e

ausência de referência”, dentre outros.

O trabalhador está localizado no “coração” de um sistema de relações que dá suporte à

sua existência e o possibilita participar da construção da sua identidade pessoal e coletiva. O

trabalho ainda é o cerne da vida dos indivíduos, pois o define socialmente, contribui para a

formação da identidade e dessa forma lhes proporciona reconhecimento social e pessoal.

(BARROS; NOGUEIRA, 2007).

Como se percebe, as transformações que vêm ocorrendo na sociedade e nas esferas

que compõe o mundo do trabalho, não implicam na perda do valor do mesmo para a

configuração da identidade ou que o “trabalho perdeu a centralidade”, o desemprego não se

tornou algo “normal” e as pessoas não estão aptas a direcionar seus anseios e realizações para

outras esferas da vida. (LIMA, 2007).

3.2 Trabalho bancário e Identidade Bancária

3.2.1 Características do trabalho bancário na contemporaneidade

Como já foi discutido nesta dissertação, o mundo do trabalho sofreu grandes

alterações no contexto contemporâneo, com grande aceleração nas décadas de 1980 e 1990.

No setor bancário brasileiro essas mudanças ocorreram principalmente por meio do uso

intensivo de tecnologias e de novos métodos de gestão. Jinkings (2001) aponta que as

liquidações dos bancos estaduais, as fusões e as incorporações ocorridas a partir da década de

1990 resultaram na diminuição de instituições bancárias no país e na redefinição e

reorganização do trabalho nos bancos. Tais fatores contribuíram para a diminuição do número

de bancários. Segundo a autora os bancos se transformaram em “lojas eletrônicas de serviços

financeiros”. As grandes centrais de serviços foram desativadas e as funções mais

normatizadas foram terceirizadas.

Esse novo ambiente redefiniu não apenas a estrutura do sistema bancário nacional,

mas as atividades bancárias e as aptidões necessárias para a execução do serviço. Percebe-se

Page 59: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

58

no setor uma diminuição dos funcionários envolvidos nas áreas administrativas e operacionais

e um crescimento da participação de assessores especialistas em informática, no mercado

financeiro e gerentes. Outro fator relevante para a configuração de uma nova categoria de

trabalhador bancário é a busca pela qualidade total. (JINKINGS, 2001). O modo de gestão

da excelência, ou qualidade total, segundo Grisci e Bessi (2004), dá ênfase à qualidade e à

excelência, muitas vezes em detrimento do trabalhador. Esse modelo de gestão, para as

autoras, tem como base a idéia de que a empresa deve ser superior aos seus concorrentes em

todos os aspectos.

[...] enfatiza a primazia do êxito, a supervalorização da ação, a obrigação de ser forte, a adaptabilidade e o desafio permanentes, recompensas materiais individualizadas, polivalência da mão de obra e recrutamento seletivo. (GRISCI; BESSI, 2004, p. 167).

Nota-se que na busca pela qualidade total são utilizados métodos que visam envolver

os trabalhadores na dinâmica da empresa. Estes são incentivados a competir e a apresentarem

grandes resultados. De acordo com Segnini (1999) os programas de reengenharia que têm

como objetivo a minimização dos custos e de qualidade total, visando à maximização dos

resultados, transformam o temor em resultados. O medo de perder o emprego modifica o

trabalhador de forma que ele se adéqüe às mais variadas demandas. Ele se transforma em um

agente de contenção de despesa e de maximização dos lucros e é dessa forma transformado

em um parceiro da empresa, uma vez que participa do lucro que ela obtém com tais

programas. Nesse sistema o bancário não é mais visto como um funcionário que

simplesmente vende sua força de trabalho em troca de um salário no fim do mês. Há um

incentivo para que haja uma maior dedicação do funcionário através de métodos de PLR e

outras políticas participativas. Para Jinkings com tais políticas “nos ambientes produtivos,

recriam-se táticas para o aumento da produtividade no trabalho, mascaradas sob o discurso

patronal da ‘participação’, ‘qualidade total’, ‘competitividade” (JINKINGS, 2001, p. 6).

Nesse panorama o trabalhador bancário deve ser polivalente e cada vez mais

qualificado. A qualificação é, segundo Segnini (1999), uma das características marcantes da

categoria bancária, que se distingue por ser altamente escolarizada. Segundo a autora, hoje em

dia é cada vez mais crescente o numero de bancários com curso superior e pós-graduação

completos. Entretanto, segundo a autora, mais do que esse tipo de qualificação, o que se exige

do bancário é que ele seja um bom gestor e um bom vendedor. Merlo e Barbarini (2002)

comentam, inclusive, que isso é o que possibilita a promoção do bancário e, muitas vezes, a

Page 60: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

59

sua manutenção no emprego. Ao discorrer sobre o novo perfil dos profissionais bancários

Sônia Laranjeira aponta que,

O novo profissional deverá ser especializado em vendas necessitando de conhecimento sobre o mercado financeiro, sobre utilização de software (que permitem a utilização de recursos como simulação de negócios) de matemática financeira, além da aquisição de atitudes e comportamentos relacionados ao saber-vender. Suas funções são ampliadas, na medida em que se enfatiza a polivalência e desestimula-se a prescrição de tarefas, já que as rotinas são informatizadas. (LARANJEIRA, 1997a, p. 118).

O novo perfil do trabalhador bancário pode ser definido, além dos elementos

supracitados, por sua habilidade em lidar com tarefas que não são prescritas. O trabalho

bancário hoje conta com novas configurações e a realidade não é mais rotineira, como

anteriormente. O funcionário deve estar apto para este contexto, no qual não é mais possível

seguir rigorosamente o manual de instruções. (LARANJEIRA, 1997a). Corroborando com tal

idéia, Carvalho (2009) afirma que o trabalhador bancário deve estar apto a realizar várias

funções, trabalhar, estudar, participar ativamente dos programas da empresa, auxiliar os

gerentes e, mesmo assim, não tem garantia de reconhecimento da empresa e, tampouco, a

estabilidade no emprego. Na visão do autor tal fato ocorre, porque o trabalhador é incentivado

a competir e a alcançar melhores resultados em tudo, visando um bom salário, já que a

participação é parte da gratificação e da manutenção do emprego.

Além desses fatores, o trabalho bancário é na contemporaneidade marcado por três

características, que são ressaltadas por Segnini (1999): o desemprego, a terceirização e

precarização, e a intensificação do trabalho. O desemprego que atinge a categoria é motivado

por aspectos que envolvem principalmente a redução de custos e as novas formas de gestão.

Cabe ressaltar que a redução de postos de trabalho não é sinônimo de redução de

produtividade, muito pelo contrário. A produtividade no setor tem crescido, impulsionada

pelos softwares que possibilitam a transferência de algumas tarefas para os clientes. Um dos

postos atingidos por essa realidade foi o de caixa, conforme já citado anteriormente. Hoje o

cliente executa a maioria das tarefas, como saques, depósitos e transferências no auto-

atendimento na própria agência, pelo telefone e pela internet. Essa realidade reduz os postos

de trabalho nos bancos, causando o desemprego de uma categoria que é altamente qualificada

e especializada. O serviço que era executado pelo bancário é repassado ao cliente e favorece a

atuação de empresas terceirizadas especializadas em telemarketing, desenvolvimento de

softwares, entre outros, que contribuem para que haja no setor o crescimento da terceirização.

(SEGNINI, 1999).

Page 61: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

60

A terceirização é bastante vantajosa para o banco, pois reduz custos na medida em que

transfere para as empresas a responsabilidade e as obrigações trabalhistas. Na busca por

redução de custos acaba havendo uma estreita ligação entre demissão e terceirização. Ao ser

demitido do banco, o funcionário especializado encontra nas empresas terceirizadas uma

forma de se recolocar no setor bancário, embora em condições inferiores. (SEGNINI, 1999).

Na empresa terceirizadora de compensação de cheques, dos quatro mil funcionários, 95% haviam trabalhado no banco anteriormente. O salário de um compensador representa 33% do salário no banco estatal na mesma função, e 70%no banco privado estrangeiro. A jornada de trabalho é freqüentemente desrespeitada e mais longa em comparação aos bancos. (SEGNINI, 1999, p. 194).

Outro ponto ressaltado pela autora é a intensificação do trabalho bancário. Nos novos

programas de gestão aplicados no setor, a autora aponta que houve uma fusão de postos de

trabalho que contribuiu para que o bancário executasse uma gama de outras tarefas. Um

exemplo dessa fusão é o caso do caixa, antes responsável por tarefas cotidianas como receber

pagamentos, realizar saques e depósitos.

Percebe-se que esses fatores vêm contribuindo pra a precarização do serviço bancário.

O medo de perder o emprego e a dificuldade encontrada por alguns de se recolocar no

mercado em melhores condições ou em condições equivalentes faz com o que o funcionário

do setor bancário se submeta a condições de trabalho que não o favorecem, nem

financeiramente nem psicologicamente. Aumentando o nível de stress contribuindo para a

proliferação de doenças psíquicas e físicas. (JINKINGS, 2001; SEGNINI, 1999)

Jinkings (2001) aponta que os bancários vivem a realidade já experimentada por outras

categorias profissionais, a intensificação do serviço, a instabilidade no emprego e a pressão

por produtividade. Tais situações trazem ao trabalhador uma situação marcada pelo medo e

pela ansiedade impulsionada por “[...] um quadro de contínua ameaça do desemprego ou

subemprego, marca os ambientes bancários dominados pelo princípio e normas da excelência

do atendimento.” (JINKINGS, 2001, p. 5). Neste panorama de incerteza, de acordo com a

autora, cria-se o palco para o surgimento de doenças psíquicas e físicas, tais como a LER e

um alarmante numero de suicídios, que ocorrem principalmente com os ex-funcionários de

bancos estaduais.

Todas as transformações observadas no trabalho bancário contribuíram para que o

status da profissão e a identidade vinculada ao trabalho bancário fossem alterados. Merlo e

Barbarini (2002) indicam que o status que a profissão goza não é mais o mesmo que

antigamente. A diferença para os autores está baseada no fato que antes o bancário possuía

Page 62: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

61

um saber específico da profissão que o habilitava no conhecimento de todas as esferas do

banco. Hoje o trabalho no banco é fragmentado. E é exercido, em geral, por pessoas que não

têm perspectivas de se manter na profissão, pois devido às mudanças já apontadas é para

muitos um emprego incerto, já que apresenta altas taxas de rotatividade.

3.2.2 Identidades: rupturas e fragmentações

As conseqüências dos processos de reestruturação experimentada pelo setor, como se

percebe pelo exposto até aqui, contribuíram para que a categoria perdesse importantes

elementos que forneciam referência para que o bancário configurasse sua identidade

profissional. As novas formas de gestão e suas conseqüências, a saber, a terceirização, o

incentivo ao cumprimento de metas, as demissões, entre outros, contribuem para que as

percepções individuais e coletivas da categoria sejam constantemente colocadas em xeque. Na

visão de Grisci e Bessi (2004), até o inicio da automação no setor, o bancário desfrutava de

status na sociedade, que reconhecia o trabalho bancário como primordial e, também por isso,

o próprio bancário percebia seu trabalho como importante. “A natureza de seu trabalho, o seu

produto e o status da função de bancário proporcionavam a esse trabalhador a percepção de

que seu trabalho tinha uma importância elevada para a sociedade”. (GRISCI; BESSI, 2004, p.

172).

O status que a profissão gozava foi aos poucos se deteriorando em razão de constantes

transformações no mundo do trabalho em geral e no setor bancário em particular. A categoria

tornou-se fragmentada, instável e, assim, se distanciou, de algum modo, dos princípios

coletivos que a marcavam. Carvalho (2009) aponta que as recentes transformações

experimentadas pelos bancários causaram mudanças na constituição da categoria. Os

bancários de hoje são, segundo o autor, mais especializados, aptos a pensar e executar

movimentações financeiras rapidamente, a usar novas tecnologias e a realizar várias tarefas ao

mesmo tempo. Tais demandas eram inimagináveis para os bancários de 20 anos atrás. Os

constantes incentivos e a pressão para o cumprimento de metas e resultados envolvem o

funcionário de tal forma que os interesses da empresa se tornam seus interesses. Para o autor,

tais políticas contribuem para que o sujeito se afastasse do interesse coletivo e se voltasse para

o interesse da empresa.

Page 63: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

62

O funcionário do banco, ao ser incentivando a cumprir metas, “bater cotas”, vender

produtos, torna-se individualista. Na medida em que a recompensa é individual e por

produtividade. Visando melhores condições na carreira e estabilidade no emprego, a

coletividade perde espaço na vida do bancário. Conforme aponta Carvalho (2009), os

objetivos que ele almeja não têm mais o foco nos interesses coletivos da categoria. Com isso,

a representação sindical, forte espaço para a reivindicação e conquistas, perde espaço. Torna-

se um desafio para os representantes sindicais tentar representar essa categoria. Na visão de

um representante sindical hoje,

[...] o que a gente percebe nos trabalhadores é um medo de ser mandado embora e um certo individualismo, que acha que não adianta nada lutar, que as coisas vão ficar desse mesmo jeito, que manda quem tem força, quem tem poder , então assim é preocupante. (Eustáquio).7

A manutenção do emprego é a principal meta do bancário. O que ele não percebe na

maioria das vezes é que dessa forma ele pode contribuir para o enfraquecimento de sua

categoria e conseqüentemente da sua identidade coletiva vinculada a essa categoria.

A terceirização dos serviços é outro fator que contribui para a perda da identidade

coletiva da categoria. O funcionário terceirizado que atua no setor bancário não é bancário,

portanto não se identifica com as lutas e as reivindicações dos bancários. Segundo dados do

Dieese, as relações trabalhistas que as empresas terceirizadas têm com seus funcionários não

são reguladas pela Convenção Coletiva dos Bancários (DEPARTAMENTO

INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS apud ALVES,

2005). Para Cláudio, ex-funcionário do BEMGE e representante sindical, as empresas

terceirizadas contribuem para que o serviço e a profissão seja cada vez mais precarizada:

E diferença também e exemplo desses colegas do BEMGE, que acabaram parando em empresas terceiras é que muito dos serviços que eram feitos por bancário nas agências, hoje estão sendo feitos por outros trabalhadores, que executam o trabalho bancário, mas de uma forma precarizada. Não são reconhecidos como bancário, não têm os direitos da convenção coletiva dos bancários. Com a informatização, isso não tirou postos de trabalho, isso precarizou postos de trabalho. [...] E em vários casos isso ( o serviço) não é feito pelo funcionário direto do banco, é feito por uma empresa contratada e a pessoa tem um salário menor, uma jornada de trabalho mais extensa, uma possibilidade de quebra de sigilo bancário maior, uma segurança pro cliente menor do serviço. Então hoje o trabalhador tem menos direitos reconhecidos e a população tem um serviço pior. (Claudio)8

7 Entrevista realizada dia 18/11/2009 8 Entrevista realizada dia 27/10/2009

Page 64: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

63

Dessa forma, percebe-se que a terceirização contribui para a fragmentação da

categoria e, aliada a outros fatores, contribuiu para a diminuição do potencial de luta da

categoria e para a fragmentação da identidade sua coletiva. Não é possível para o sindicalismo

bancário representar todos os funcionários dos bancos, uma vez que cada funcionário da

empresa terceirizada possui vínculo com outro sindicato, dos telefonistas, dos digitadores,

entre outros. Até mesmo a luta desses profissionais e a sua representação coletiva é

dificultada.

Outro fator ressaltado por Carvalho (2009) que contribui para a perda da identidade

coletiva da categoria pode ser encontrado com o fim das fronteiras no sistema financeiro

mundial. A figura do banqueiro foi transformada na figura de grandes conglomerados

financeiros que incluem acionistas em várias partes do mundo. Esse novo ator não está em

uma sala, aberto ou não a negociar com a categoria. Para que essa negociação ocorra há que

se levar em conta vários fatores que envolvem o mercado financeiro mundial, tais como,

índice de rentabilidade dos bancos, juros, alta ou não das ações. A negociação fica

prejudicada, os sindicatos ficam “de pés e mãos atados”, uma vez que, segundo o autor, esta

passa a envolver outros fatores, como a legislação trabalhista de cada país.

O que se observa é que a identidade da categoria se tornou frágil. Tal fragilidade faz

parte de um processo que envolve tanto as constantes mudanças no setor bancário quanto os

sujeitos, os trabalhadores bancários. As identidades individuais ligadas ao trabalho, como

pode ser observado no item 3.1, foram impactadas pelas transformações advindas com a

contemporaneidade.

As rupturas no setor contribuíram para que a estabilidade, que era uma realidade para

a categoria, principalmente nos bancos públicos, deixasse de existir. Nos bancos públicos a

estabilidade era um paradigma, que com as transformações decorrentes dos processos de

ajustes e reestruturações foi quebrado, conforme apontam Rodrigues (2004) e Gussi (2006).

O medo da demissão faz com que o sujeito olhe apenas para o que restou dele mesmo.

Na busca pela manutenção do emprego há enfraquecimento da sociabilidade, na medida em

que o colega se torna um concorrente, e um enfraquecimento do próprio sujeito, que vive e

trabalha em função de sua não demissão. Assim, a noção de solidariedade de classe, conforme

apontaram Grisci e Bessi (2004), também deixam de existir.

Page 65: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

64

A mercantilização das relações estende-se entre os bancários, incentivados pela exacerbação do individualismo e pelas políticas de gestão de empresa, deixam de lado a solidariedade, dedicando-se com mais afinco às suas atividades. Assim, os novos modos de trabalhar bancário (re) constroem uma categoria fragmentada, em que as relações são permeadas pela individualidade, evidenciada na ausência de colaboração entre os colegas. (GRISCI; BESSI, 2004, p. 194-195).

Não há unidade na categoria porque não há unidade no sujeito que a compõe. Entende-

se que a partir do momento em que as identidades individuais se tornam, pelos motivos

expostos, fragmentadas, as identidades coletivas tendem a ir para o mesmo caminho. A

fragmentação da classe é reflexo da fragmentação do sujeito contemporâneo.

3.2.3 Privatizações e conseqüências

A Reestruturação produtiva e as transformações daí decorrentes impactaram o setor

bancário, modificando as formas de execução e gestão dos serviços. Tanto os bancos privados

quanto os públicos foram obrigados a se adequar a essas novas formas de gestão. Nos bancos

privados isso se deu conforme a lógica do sistema capitalista. Bancos médios e pequenos

foram vendidos para bancos grandes nacionais ou estrangeiros. Com isso, muitas pessoas

foram demitidas, a administração do banco foi transferida para o local da sede dos

compradores, as formas de gestão foram modificadas, entre outras mudanças. (ANTUNES,

1997; 2006; ANTUNES, 2001; JINKINGS, 1995; 2001; 2006; RODRIGUES, 2004, SILVA,

2006; ALVES, 2005).

Nos bancos públicos essa mudança se deu de forma diferente. Tais bancos sofreram

ajustes que tinham como objetivo a redução dos prejuízos que o setor vinha sofrendo. Nesses

foram tomadas medidas que os sanearam, mas que, na verdade, os preparou para a

privatização, conforme foi observado no primeiro capítulo. Na privatização dos bancos

públicos e até mesmo anteriormente, quando estes passavam pelos ajustes, outros fatores,

além do econômico, podem ser observados, como apontam Rodrigues (2004) e Gussi (2006).

Os estudos de Rodrigues (2004) sobre o Banco do Brasil mostram que este passou por

grave desequilíbrio financeiro na década de 1990 e para se reerguer iniciou uma série de

ajustes que culminou com o fechamento de agências deficitárias e com um Programa de

Demissão Voluntária, que resultou na adesão de mais de 13.500 funcionários e no fechamento

de várias agências no interior do país. O estudo de caso realizado por Gussi (2006) analisou o

processo de privatização e de compra do banco do estado de São Paulo, o BANESPA por um

Page 66: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

65

banco estrangeiro, o Banco Santander e as conseqüências desse processo de transição, de um

banco estatal brasileiro, para um banco privado estrangeiro. Em ambos os padrões de

identidade que davam suporte ao trabalhador foram rompidos, para os autores, havia nesses

tanto uma função social quanto uma identificação dos funcionários com este banco.

O banco era considerado um patrimônio do Estado e, portanto, havia uma relação de

identificação entre o banco, o estado e o cidadão. Assim, a função do banco ia além das

funções rotineiras, pagar e receber depósitos e contas. O banco possuía a função social, como

observado no primeiro capítulo. Aliada a essa função perpassavam outras questões tais como

a questão da identificação dos indivíduos, tanto funcionários quanto usuários com o banco, a

idéia de que o banco era um patrimônio do cidadão e a idéia de pertencimento ao banco, como

foi observado por Rodrigues (2004) e pode ser percebido nas entrevistas com ex-funcionários

do BEMGE. Observa-se através das falas, que para os funcionários do banco e alguns

sindicalistas, a questão da privatização ou não do banco estava ligada a outro fator. O

BEMGE era considerado um patrimônio de Minas Gerais e um patrimônio de todos os

mineiros e, como tal, tinha a função de contribuir para o crescimento econômico e social do

estado. A meta do banco era possuir uma agência em cada município de Minas Gerais. Com

isso contribuiu para crescimento econômico e social de muitos municípios.

Por ser um banco do estado, ele fomentava a economia do estado. No sentido de financiar pequenas e medias indústrias, pequenos e médios agricultores, cumprir essa função que o caráter dele deveria ser esse, de cumprir essa função. Além, do governo do estado ter o BDMG, que num tinha essa estrutura pra cumprir diferente do BEMGE que tinha quase que uma agência em todos os municípios de Minas. Ele tinha essa função nos municípios do interior que você não tinha agência bancária porque os bancos não achavam lucratividade em manter aquela agencia lá, em receber contas daquela população mais pobre. Essa também era uma função social do banco. Embora a agência não desse lucro, mas também não era deficitária. (Eustáquio - informação verbal)9.

Com a privatização, as agências do interior onde o BEMGE era pioneiro foram as

primeiras a serem fechadas. Não houve interesse do comprador, o Banco Itaú, em mantê-las,

uma vez que elas não davam lucro. Nessas localidades a privatização tornou-se um problema

social.

9 Entrevista realizada dia 18/11/2009.

Page 67: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

66

[...] na hora que fechou o BEMGE, você vê, as agências deficitárias foram as primeiras a fechar. Então muitas cidades deve ter sentido falta, ela era o único, que a pessoa tinha uma conta ... primeiramente nessas cidades pequenas ... porque a meta do BEMGE era ter uma agência em cada município, porque era o Banco do Estado. (Diogo - informação verbal)10.

Cidades do interior que só tinha BEMGE, eles fecharam as agências. Agências pequenas que não serviam pra pagar, que não davam lucro. Isso foi um problema pessoal muito grande, pessoas que iam lá pra receber, as vezes meio salário mínimo , um salário mínimo de pensão . Passaram a ter que viajar, gastando às vezes de passagem o dinheiro que eles tinham pra receber, e longe. [...] isso foi assunto, até tema de reportagem de telejornais, cartas de reclamações do povo e assim a minha mãe tem parentes em Formiga... Assim povo reclamando gente comentando casos disso. Simplesmente chegaram, fecharam as agencias e falaram tem um BEMGE perto, se quiser ir viajar ... Pessoas viajavam às vezes 100 quilometros ...pessoas pra receber o que elas estavam gastando , então houve esse problema social também...Dos aposentados, pensionistas...(Débora – informação verbal)11

Os bancos estaduais foram perdendo seu espaço e a idéia de que o banco estadual

tinha uma função social que os acompanhava, foi se diluindo. Essa função era fomentar a

economia regional e levar para os municípios alguma forma de progresso. Ter uma agência do

banco no pequeno município do interior do país, no caso do Banco do Brasil, ou no interior

do Estado, no caso dos bancos estaduais, significava para o município que ele estava

integrado ao restante do país ou do Estado, conforme aponta Rodrigues (2004).

Aliada à função social estava a idéia de pertencimento. Os funcionários dos bancos se

identificavam com eles de forma que, ao serem demitidos, ou a passarem por programas de

ajuste, sofreram graves danos em sua constituição identitária. O banco era mais que um local

de trabalho, era o local de estabelecimento de vínculos pessoais fortes. (GUSSI, 2006;

RODRIGUES, 2004).

Rodrigues (2004) aponta que as rupturas decorrentes das demissões e dos programas

de ajustes, provocaram nos funcionários dos bancos o sentimento de desvalorização e

deteriorização das relações internas, uma vez que os funcionários que se sentiam parte da

empresa, passaram a se perceber como um objeto descartável. Para a autora, os bancários se

referiam ao banco como se ele fosse uma pessoa com a qual mantinham um relacionamento

muito próximo. Era como se o banco fosse o todo e cada funcionário uma parte de sua

estrutura, “[...] a quem pertenciam ao mesmo tempo em que dele se sentiam parte.”

(RODRIGUES, 2004, p.136).

Para Gussi (2006), os processos pelos quais passaram os bancos apresentam duas

lógicas. A primeira delas está relacionada com a “lógica do capital” e a outra com a “lógica da

10 Entrevista realizada em 13/11/2009. 11 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 68: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

67

cultura”. A primeira capital envolve as mudanças e as conseqüências da privatização. A lógica

da cultura está ligada à trajetória de vida dos indivíduos na empresa, é construída

historicamente a partir do trabalho e envolve a sociabilidade e a identidade sócio-profissional.

Ou seja, a lógica da cultura está vinculada à identidade e à subjetividade do sujeito. Ao atingir

essa lógica, o que se coloca em jogo é a identidade, tanto a coletiva quanto a individual, uma

vez que, como aponta Turner (TURNER, apud, SAHLINS, 1997 b), cultura é o sistema que

dá significado à ação social, sendo entendida como a forma através da qual um povo se define

e se produz enquanto sujeito e elemento constitutivo de uma determinada sociedade em um

determinado contexto histórico. Nesse sentido, entende-se que a cultura é um elemento

importante na constituição da identidade de um grupo. A nova realidade imposta pela

mudança de gestão, no caso apresentado por Gussi (2005; 2006), a privatização e a compra do

Banespa por um grupo espanhol, destrói a idéia de cultura e rompe com a idéia de identidade

que os sujeitos tinham do banco e deles mesmos.

Gussi (2005; 2006) assim como Rodrigues (2004) apontam o uso das metáforas de

Vida e Morte para se referir à trajetória dos indivíduos nesses processos de ajustes. Para os

autores, a demissão é percebida e sentida pelos ex-funcionários dos bancos como se fosse a

morte. Ao serem impactados por demissões ou programas de ajustes, os bancários perdem

mais que o emprego, perdem algo que os constitui e do qual fazem parte. A perda não é

apenas do indivíduo, mas é uma perda da sua categoria, é uma perda tanto individual quanto

coletiva. Perder o emprego, segundo os autores, era perder a vida ou boa parte dela. O banco

representava mais que o emprego, representava o local onde eram construídos os laços de

sociabilidade. A trajetória profissional era, para esses funcionários, grande parte da trajetória

de vida. Tendo em mente tais aspectos reportemo-nos mais profundamente ao estudo de caso

em questão, os bancários do BEMGE em meio ao processo de privatização e fusão com o

Banco Itaú.

Page 69: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

68

4 NOVOS BANCOS,NOVOS BANCÁRIOS

Com as transformações advindas das mudanças no setor bancário, tais como as

medidas de reestruturação dos bancos públicos, as demissões, os Programas de Demissão

Voluntária e as novas formas de gestão, surgiu um novo tipo de banco e, dessa forma, um

novo tipo de trabalhador bancário. Os trabalhadores desse setor foram profundamente

atingidos pelas transformações que impactaram o trabalho. A identidade e as identificações

ligadas ao trabalho bancário “tradicional” foram dando espaço a novas formações identitárias.

As idéias de estabilidade do funcionário do banco público e do banco como uma família, entre

outras foram colocadas em questão. O fenômeno das fusões, as privatizações e as

incorporações reestruturaram o setor obrigando os trabalhadores a se redefinirem também

como sujeitos.

Tendo em vista esses questionamentos, este capítulo tem como objetivo analisar tais

impactos na vida dos sujeitos, por meio das falas dos próprios indivíduos que passaram pelo

processo. Em um primeiro momento serão analisadas a identidade ligada ao BEMGE e suas

transformações com a privatização. Em seguida discorrer-se-á acerca das percepções dos

sujeitos sobre o processo de fusão dos referidos bancos. E finalmente abordar-se-á a questão

da privatização para três grupos: os sindicalistas, os demitidos no processo da privatização e

os que permaneceram no banco.

4.1 A identidade e a privatização

Em meio a uma série de medidas tomadas pelo governo federal, visando à

reestruturação do sistema bancário nacional, foi confirmado o “boato” que circulava nas

agências do BEMGE, o banco do estado de Minas Gerais. O que antes era apenas um temor se

tornou a realidade no dia 14 de Setembro 1998, quando o banco foi a leilão, sendo arrematado

pelo Itaú e, de acordo com os BEMGEÁRIOS − como se intitulam os funcionários e ex-

funcionários do banco − a fusão afetou inclusive a forma de ser e se sentir bancário, em geral,

e funcionário do BEMGE, em particular12, ou seja, sua própria identidade. A estabilidade deu

lugar ao temor da demissão, a alegria de pertencer ao banco do estado e à família que fora

12 Dado obtido através de entrevista com ex-funcionário do BEMGE em 08/08/2008.

Page 70: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

69

constituída no ambiente de trabalho foi substituída pela angústia da incerteza sobre a

continuidade ou não da chamada ‘Família BEMGE’. O modo de trabalhar já não seria mais o

mesmo. O banco público não era mais público. O banco do Estado de Minas Gerais, regional,

mineiro, tornara-se um banco nacional, estendendo o número de agências em todo o território

brasileiro, além de algumas agências no exterior. O BEMGE transformou-se em Itaú, um

banco privado, voltado para outros interesses que não o desenvolvimento de Minas Gerais.

Em meio a tais mudanças indaga-se como os indivíduos envolvidos no processo se

comportaram diante dessa situação? Em que medida a configuração da identidade profissional

e as representações que a envolvem foram afetadas? Para Delgado (2006), as representações,

as identidades e a memória estão inter-relacionadas. Através da memória os indivíduos e as

coletividades têm a possibilidade de edificar representações sobre sua sociabilidade, inserção

social e cultural e, dessa forma, resgatar as identidades que de algum modo se encontram

ameaçadas. Como aponta a autora, a memória é fundamental para a compreensão e construção

das identidades, uma vez que não é a conservação do passado, mas uma reconstrução das

lembranças e da experiência vivida profundamente influenciada pela temporalidade em que se

está lembrando. Os funcionários do BEMGE recorrem à memória para a construção e

afirmação da identidade BEMGEÁRIA, que permanece mesmo após 10 anos de extinção do

banco.

Os mitos ligados ao banco, a forma de ser BEMGEÁRIO, e a Família BEMGE,

permanecem quase intocados na memória dos ex-funcionários do banco. Os valores atribuídos

ao BEMGE ainda persistem nas suas lembranças. E esses valores foram colocados em xeque

no momento da fusão e da adaptação, quando duas formas de ser e trabalhar bancários e suas

construções representativas foram postas frente a frente. Visando uma melhor compreensão

dessas construções que residem na memória dos indivíduos é pertinente tecermos breves

considerações sobre a memória.

Pierre Nora (1993) afirma que a “memória é vida”. Por ser carregada pelos indivíduos,

que estão em constante mudança, ela está também em permanente transformação. A memória

é, para o autor, um acontecimento sempre atual, que se alimentando do passado, das

lembranças, constrói no presente uma representação. Corroborando com o autor está Delgado

(2006), para quem a memória é ilimitada, mutável e cheia de significados que se confirmam e

se renovam.

A memória [...] traduz registros de espaços, tempos, experiências, imagens e representações. Plena de substância social, é bordado de múltiplos fios e incontáveis cores, que expressa a trama da existência reveladas por ênfases, lapsos, omissões. É a ressignificação do tempo [...]. (DELGADO, 2006, p. 61).

Page 71: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

70

A potencialidade da memória é tamanha que ela supera até mesmo o tempo da vida

particular. Através da narrativa do vivido pelos familiares, amigos, sindicatos e dos mais

variados grupos humanos é possível construir uma memória que precede a existência do

indivíduo. A memória, então, funcionaria como uma “máquina do tempo” onde as

experiências individuais e coletivas se encontram e se fundem, possibilitando a reconstrução

de um passado que é fonte para a interpretação da História dos grupos e uma compreensão das

suas identidades no presente. (DELGADO, 2006).

Gussi (2005) afirma que ao construir a narrativa de sua vida e de suas experiências, o

individuo dá sentido e recupera alguns fatos em detrimento de outros. Ele está construindo o

seu passado ao seu modo. Portanto, para o autor “São construídas subjetividades a partir das

experiências que não necessariamente reproduzem o contexto social, mas, também o modifica

num processo de constante re-elaboração do sujeito.” (GUSSI, 2005, p. 13).

Ao narrar o passado, os bancários utilizam a “máquina do tempo” e traduzem em

palavras as emoções, os sentimentos e as percepções sobre uma época passada que faz parte

de sua história de vida. Esse passado é narrado com demonstrações de orgulho e felicidade

por terem pertencido ao BEMGE, que é reconhecido como elemento importante para a

configuração de sua identidade tanto no passado, quanto no presente. Percebe-se que existem

para os BEMGEÁRIOS dois Bancos. Um BEMGE, que está na memória, cristalizado como

um mito e, portanto, intocado e um outro o BEMGE, ligado a governos e mal administrado,

que foi privatizado e que não existe mais. Separação semelhante foi apontada por Rodrigues

(2004) no caso do Banco do Brasil. Para a autora o termo “O Banco” se diferenciava

dependendo do referencial adotado. Existia o Banco do Brasil envolvido na história nacional e

comprometido com os destinos da nação, que era o banco com o qual os funcionários se

identificavam, e existia o Banco do Brasil referente ao momento de reestruturação que o

banco passava e com o qual os bancários não possuíam vínculos. A positividade do banco era

ligada ao passado e os aspectos negativos vinculados à administração que promoveu a

reestruturação.

No caso do BEMGE, nota-se que os bancários têm orgulho do passado. Mas, quando

se referem ao processo de privatização, às diretorias, ao governo de Minas e ao Itaú há a

atribuição de sentido negativo ao banco. Permanece intocado na memória dos

BEMGEÁRIOS, assim como nos funcionários do Banco do Brasil, segundo Rodrigues

(2004), o banco mítico, ao qual são atribuídas as melhores fases da vida, os melhores amigos,

a “Família BEMGE” e a identidade profissional, a BEMGÉARIA. E é na memória que esse

banco se localiza, como o ideal do melhor lugar para se trabalhar. O mundo da memória é

Page 72: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

71

percebido como o “melhor dos mundos possíveis”. Em contrapartida, se tem o mundo do

presente, visto como o local da realidade que os bancários enfrentaram com as privatizações,

demissões e impactos em sua estrutura profissional sobre a qual se discorrerá no presente

texto.

4.1.1 Família BEMGE –formas de ser e sentir em um banco ‘público’

Apesar de ser o Banco do Estado de Minas Gerais, o BEMGE era um banco de

economia mista, cujo maior acionista era o estado de Minas Gerais (DEPARTAMENTO

INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 1998). Os

funcionários eram contratados pelo regime da CLT e, a princípio, o ingresso ao banco não era

feito por meio de concurso público, mas por indicação e, daí, teste de datilografia,

conhecimentos gerais e uma entrevista. Segundo os BEMGEÁRIOS com quem converse esse

processo era bem mais rigoroso que um concurso público13. Havia concursos internos para

cargos de caixa, gerentes, mas o emprego no banco era muitas vezes obtido através de uma

indicação de algum amigo ou parente que já trabalhava lá ou de algum político influente. Os

primeiros concursos externos começaram em fins da década de 1980. A influência dos

políticos mineiros no BEMGE era grande, tanto que os altos cargos eram ocupados por estes

ou por seus indicados.

[...] até certo patamar são técnicos que sabem mexer, chega no superior o que é? Ai

já virava cabide de emprego é um político que perdeu o mandato que não entende nada e aí eles põe lá, então você vê... Você levava os balanços para o diretor assinar tinha uns que entendiam, outros não sabiam nada... onde é que assina? Só assinava não entendia nada de banco, entendeu, então a diretoria tem alguns técnicos, assim, no meu parecer, então era muito político, ex-político, cabide de emprego, então se você for fazer uma pesquisa você vai ver que a rotatividade de presidente e vice presidente e diretores lá era muito grande, na época de eleição então [...] quando é do Estado e não tem aquela parte que é... O estado tinha que separar né eu acho, o estado tinha que pegar só o lucro e a administração tem que ser a parte e não o estado influenciar, porque, perde [...] O político perde o emprego e tá lá ganhando, continua ganhando o salário dele ou até mais e fica lá só pra ir lá [...] Que era de um andar... Pra cima que 24,23 e 25 não era nem, praticamente era só mordomia e ali era um prédio super luxuoso [...] (Diogo - informação verbal)14.

Os problemas apontados pelo entrevistado foram mencionados em conversas

informais com outros BEMGEARIOS e com outros ex-bancários. A mistura da política 13 Entrevista realizada em 29/01/2010 14 Entrevista realizada em 13/11/2009

Page 73: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

72

estadual com a política administrativa trouxe prejuízos ao banco e, segundo os entrevistados,

pode ser apontado como um dos fatores que o levou a entrar em défict, fato que levou à

privatização. Um exemplo disso é o desvio de dinheiro proveniente do BEMGE e de outras

empresas estaduais mineiras que tem sido objeto de investigação no caso do chamado

“Mensalão Mineiro”. Segundo o site do jornal Estado de São Paulo do dia 27/09/2007, o

dinheiro teria sido desviado do banco e de outras estatais do estado visando financiar a

campanha de Eduardo Azeredo para o governo do estado de Minas Gerais.

Sendo o estado o maior acionista do BEMGE, ele estatal e, portanto, estava sujeito às

ações do governo do estado. Esse fato contribuía para que o banco fosse representado como

uma instituição pública para o estado e para os seus cidadãos, mas os BEMGEÁRIOS não se

reconheciam como funcionários públicos, apesar de reconhecerem que o banco era do estado

e, portanto,um patrimônio dos mineiros.

A gente sentia como funcionário do estado e como empresa. Porque o BEMGE ele era uma empresa de capital misto. Então ao mesmo tempo, às vezes a gente sentia, a mão do governo do estado. E ao mesmo tempo era cobrada a questão da produtividade. Então era uma relação dúbia. (Eustáquio - informação verbal)15

Os funcionários do BEMGE, no entanto, gozavam de privilégios exclusivos dos funcionários

do Estado, como 14º salário e outras gratificações e, além disso, a sociedade reconhecia os

BEMGEÁRIOS como funcionários públicos e isso lhes dava certo prestígio, como narra

Deborah,

As pessoas viam a gente com bons olhos também, sabe, tinham respeito [...] ‘-ah, funcionário do BEMGE’, não sei o que, e tal [...] Achava que a gente era funcionário público, que a gente tinha estabilidade, um monte de coisa. Achava que a gente ganhava muito bem, e ganhava bem mesmo. (Deborah - informação verbal)16.

Para outros entrevistados, no momento da fusão a idéia sobre os BEMGEÁRIOS

apareceu de maneira pejorativa, como se os funcionários públicos não trabalhassem. Tais

falas refletem o pensamento ambíguo que envolve os servidores públicos no Brasil. Ichiakawa

e Silva (2009) pontuam que o funcionário público no Brasil sempre foi criticado pela

sociedade, sendo caracterizado como “o trabalhador que não trabalha” (ICHIKAWA; SILVA,

2009). Do outro lado da questão estão autores como Gussi (2005) e Rodrigues (2004) que

pontuam que o funcionário público goza de certo prestígio. Então, ao mesmo tempo em que se

15 Entrevista realizada em 18/11/2009 16 Entrevista realizada em 20/11/2009

Page 74: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

73

tem a representação de que o funcionário público não trabalha, este goza de certo prestígio na

sociedade e na comunidade onde está inserido. Um exemplo do prestígio é o fato de nas

cidades do interior os trabalhadores dos bancos públicos, principalmente os gerentes, logo

alcançarem destaque naquela sociedade. Segundo Gussi (2005), os gerentes em pequenas

localidades possuíam um papel social na comunidade, que ia desde a concessão de créditos e

pequenos financiamentos até trabalhos voluntários, convites para as mais variadas

comemorações e festas na sociedade local, além de livre acesso aos políticos da região.

O que fica claro é que havia nos funcionários do BEMGE uma identidade que ia além

do questionamento de ser ou não funcionário público. Para eles o mais importante é que

independentemente de qualquer coisa eram BEMGEÁRIOS.

[...] olha eu vou falar assim do pouco que eu sei né... Eu por exemplo me sentia um funcionário do banco do estado e não, assim, um funcionário do estado... Compreende? Eu acho até interessante você citar isso [...] Porque assim é... Eu nunca me atentei de uma forma mais refletida sobre essa condição NE [...], mas o que eu me sentia mesmo era como o se diz, né, BEMGEÁRIO, ou seja, um funcionário do banco do estado. O bancário do banco do estado e não um funcionário do estado (Arthur - informação verbal)17.

Ser BEMGEÁRIO, então vai além de ser funcionário público. É a representação da

identidade do sujeito que permaneceu mesmo após o processo de fusão. Em nenhum

momento os entrevistados se auto intitularam Ex-BEMGEÁRIOS. Eles se referiam a si

próprios e aos colegas de banco reportando a essa identidade. Delgado (2006) afirma que no

intuito de se conhecer, o homem busca por laços que o identifique e que o referencie. Ao

usarem o termo BEMGEÁRIO para se identificarem, mesmo após a privatização e a fusão, os

funcionários e ex-funcionários do banco revelam que o significado do BEMGE em suas vidas

é muito mais amplo que o de simples local de trabalho. Ali, ou a partir das relações travadas

ali, esses sujeitos construíram e legitimaram uma identidade e, como tal, um sentimento de

pertença a um grupo ou, em suas palavras, a uma família: a Família BEMGE. Delgado

ressalta que a identidade, apesar de seus aspectos individuais, tem uma dimensão coletiva “no

que se refere à integração do homem como sujeito do processo de construção da História”

(DELGADO, 2006, p. 51). Ou seja, ao construir a representação individual de ser

BEMGEÁRIO, pertencente à Família BEMGE, o sujeito demonstrava e demonstra seu

vínculo de pertencimento e integração. Em primeiro lugar integração com o ambiente de

trabalho e com a coletividade com quem compartilhava do dia a dia do trabalho, em segundo

17 Entrevista realizada em 08/08/2008

Page 75: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

74

lugar integração com o banco, na medida em que a construção da sua história individual e

coletiva estava ligada àquela instituição.

As identidades construídas nos bancos públicos, como aponta Gussi (2005), ao discutir

sobre a privatização e internacionalização do Banespa, estão calcadas nas diferentes

trajetórias dos empregados dos bancos públicos e dos bancos privados. Para o autor, essas

diferenças estão baseadas nos direitos trabalhistas conquistados pelos funcionários dos bancos

públicos, como os planos de previdência complementar e de saúde que não se assemelham ao

dos funcionários dos bancos privados. Outro fator relevante é, segundo Gussi, que as

trajetórias profissionais construídas na empresa estão intimamente ligadas à vida pessoal dos

funcionários que se encontram nos clubes, nos jogos de fins de semana e nas

confraternizações promovidas pela empresa. Enfim, o banco e a vida dos indivíduos estariam

entrelaçados. Os laços de sociabilidade que ligam os funcionários ultrapassam o local de

trabalho. Tais elementos favorecem a formação da idéia de família, seja ela Banespiana no

caso estudado por Gussi (2005; 2006), ou no estudo de caso presente, a Família BEMGE.

O banco se torna, dessa forma, um importante referencial identitário para o sujeito,

uma vez que lá era o local onde grande parcela da história de sua vida foi construída, como

apontou Gussi (2005; 2006). Segundo o autor, para os funcionários dos bancos estaduais cujas

trajetórias, pessoais e profissionais, se estabeleciam e se consolidavam no banco, não se

encontra a separação entre a esfera familiar e a esfera profissional. “É que essas duas esferas

estariam entrelaçadas nas suas experiências de vida” (GUSSI, 2005, p. 26).

O termo Família BEMGE foi recorrente em todas as entrevistas e em conversas

informais com os Bemgeários. Os funcionários do BEMGE se referiam aos colegas de

trabalho como se fossem de uma família, a Família BEMGE. O que era essa família e o qual

seu significado? A busca pela resposta a esse questionamento deu início à pesquisas e foi o

norte para a compreensão do que o banco representava para os seus funcionários. Na visão

dos Bemgeários o banco era uma extensão da casa, assim como em Gussi (2005; 2006) e

Rodrigues (2004), o universo familiar como metáfora foi recorrente nas falas.

Em suas pesquisas sobre o Banco do Brasil (RODRIGUES, 2004) e o BANESPA

(GUSSI, 2005; 2006), os autores encontraram a utilização das metáforas que acionaram o

universo familiar. Rodrigues indica que o uso de tais metáforas está presente nos mais

variados tipos de desabafos, tais como entrevistas, depoimentos, cartas, entre outros. Para a

autora, o banco pode aparecer nas metáforas como diferentes figuras das relações amorosas e

do universo familiar. Pode ocupar o lugar de mãe, pai, namorado, e até mesmo de filho e de

Page 76: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

75

amante. A utilização dessas metáforas, segundo Rodrigues (2004), nos relatos expressa pontos

importantes para a compreensão das variadas relações existentes na empresa.

Gussi (2005) indica que as metáforas familiares encontradas no caso do BANESPA,

demonstram que elas podem se associar a uma forma de diferenciação. Os bancários do

BANESPA não “formavam apenas uma categoria de bancários ou mesmo de funcionários de

banco público: eles faziam parte de uma família extensa, a família Banespiana.” (GUSSI,

2005, p. 29). Formação familiar semelhante é percebida nos BEMGEÁRIOS.

Olha, na verdade é o seguinte, a gente tinha uma história. Porque a pessoa que entrava pro BEMGE, ela dificilmente era mandada embora, então quer dizer, ela constituía ali uma história de vida. E ali construía seus relacionamentos né, com os colegas de trabalho. E aí formava um laço muito forte de amizade onde passou a se denominar família BEMGE. Até hoje a gente tem aposentados do BEMGE que se reúnem na porta da antiga matriz pra tá conversando lá. (Eustáquio - informação verbal)18.

[...] O BEMGE era o terreiro da nossa casa... Era tudo pra gente, pelo menos pra mim [...] Eu falo pra gente porque eu sentia que existia isso nos colegas também... Esse amor... (Beatriz - informação verbal)19.

A fala dos entrevistados corrobora com a idéia supracitada, na medida em que, para

eles o banco era representado como algo íntimo, o local onde a família se reúne para

conversas, faz festas e estabelece laços com seus pares, seja familiares próximos ou distantes.

Ou seja, a interação não se limitava apenas à agência, “a casa”, era estendida aos de fora,

“outros parentes” que também pertenciam à família BEMGE. A casa dos bancários também

se tornava uma extensão do banco, na medida em que era local de interação e sociabilidade

dos demais funcionários do banco. Os colegas, irmãos BEMGEÁRIOS, freqüentavam as

casas uns dos outros e, dessa forma, como aponta Gussi (2005; 2006), a casa se tornava uma

extensão do banco.

Era uma família BEMGE a gente era amigo mesmo. Não era só ali no banco né, fora a gente tinha amizade, a gente saía. Se a gente estava triste eles perguntavam. Se tinha algum problema a gente chegava e contava. Tinha isso, dentro do BEMGE realmente tinha isso, essa relação sem ser profissional. (Esther - informação verbal)20.

18 Entrevista realizada em 18/11/2009 19 Entrevista realizada em 22/09/2009 20 Entrevista realizada em 20/11/2009

Page 77: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

76

[...] eu tratava os meus subordinados como parentes, como filho até, e eles tinham tanta confiança em mim, que alguns já me procuraram para pedir conselhos extra-banco, até da vida intima deles [...] era uma família BEMGE de verdade [...] (Benício - informação verbal)21.

[...] os colegas de trabalho naquela época eram muito mais que colegas, eles constituíam uma família porque participavam ativamente da sua vida [...]. Esses laços sabe [...] Antigamente, a empresa não somente o trabalho constituía uma família aparte (Ângela - informação verbal )22.

Pelo que foi dito, nota-se que havia nos funcionários essa idéia da comunidade e da

família. O amor era devotado ao banco e aos “familiares”. Ao relacionar o ambiente de

trabalho com a casa, o lar ou a família, pode se perceber que tanto havia liberdade em se

trabalhar no banco quanto prazer. O ambiente de trabalho caloroso e harmonioso, descrito

pelos BEMGEÁRIOS, era propício à constituição da idéia que o banco se configurava como

uma família. Sobre tal aspecto, também encontrado no BANESPA, Gussi (2005) indica que:

O valor que se agregava à família banespiana era o da união e a relação entre seus membros como se fossem entre irmãos. A hierarquia funcional dentro do banco era definida, sobretudo pelo critério de paternidade. Os chefes eram como pais e irmãos mais velhos que lidavam com os mais novos como se fossem filhos [...]. Portanto o corporativismo era simbolizado não como uma atitude profissional, mas como fruto de relações familiares na empresa, da família banespiana, justificado pela solidariedade que existia entre seus membros. Criava-se no contexto de trabalho uma distinção, uma identidade com a empresa, baseada em sentimentos que se confundiam com os que se têm nas famílias (GUSSI, 2005, p. 29,30).

O ambiente de trabalho era o ponto de partida para esse sentimento e para a formação

da família. Para alguns dos entrevistados, esse ambiente no banco era muito agradável, havia

liberdade e os funcionários se sentiam dentro da própria casa. O local de trabalho era visto

como lugar de felicidade e harmonia, o que muitas vezes não era encontrado por muitos nem

em suas próprias casas. Percebe-se nas falas emoção e amor ao descrever o ambiente de

trabalho, não um amor construído via instituição, mas construído pelos próprios funcionários

do banco que se esforçam para fazer do local de trabalho uma extensão da casa.

[...] é até difícil falar [...] Eu ficava contando as horas de manhã pra chegar a hora de eu ir trabalhar [...] Pra você ter uma idéia, era minha vida, eu era mais feliz lá do que em casa, pra você ter uma idéia [...] Era minha vida, era tudo a felicidade minha estava em ir trabalhar [...] (Beatriz - informação verbal)23.

21 Entrevista realizada em 23/04/2009 22 Entrevista realizada em 08/08/2008 23 Entrevista realizada em 22/09/2009

Page 78: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

77

Para a entrevistada, ainda que narrando o passado no presente, o banco é representado

como algo que está além do lugar onde se ganha o dinheiro, o trabalho naquele banco é

representado como realização pessoal.

Segundo os funcionários não havia tanta pressão para o cumprimento de metas. É

claro que haviam cobranças e metas a serem cumpridas ,a afinal se tratava de um banco , mas

o serviço era conduzido de uma maneira leve e prazerosa. Tal ambiente facilitava e fortalecia

a sociabilidade e criando entre os funcionários laços de solidariedade e a idéia que o BEMGE

era uma família.

Era um clima bem bom [...] Era menos [...] Tinha menos pressão do que tem hoje, era muito bom, a gente até brincava falávamos que ‘Éramos felizes e não sabiamos’, [...], mas era muito bom (Conceição - informação verbal)24.

A ausência de demissões dos funcionários contratados antes do concurso e a

estabilidade garantida para os concursados é outro fator que, de acordo com os entrevistados,

favoreciam o ambiente de trabalho, já que não havia tanta competição entre os funcionários,

antes, havia cooperação entre os colegas, características que segundo os BEMGEÁRIOS não

é encontrada nos bancos privados e nos ambientes de trabalho de hoje. O BEMGE, na

memória dos seus ex-funcionários, é representado hoje como o melhor lugar para se trabalhar.

Observa-se que há nesse discurso uma idealização com relação ao trabalho no BEMGE.

O corporativismo, o paternalismo, a irmandade, a união, a solidariedade e o amor, em que se mesclam sentimentos e valores entre a empresa e a família seriam, contudo, parte do passado [...] apresentado, às vezes, como idealizado em comparação ao tempo presente. (GUSSI, 2005, p. 31)

O fato do ambiente de trabalho ser percebido pelos BEMGEÁRIOS como um

ambiente familiar e um excelente lugar para se trabalhar contribuía para que os laços

estabelecidos entre os funcionários fossem reforçados. Como ressaltou Eustáquio, os

funcionários gozavam de estabilidade o que possibilitava a construção não apenas de laços,

mas de uma história de vida compartilhada. De acordo com Gussi (2006), a estabilidade e a

permanência, uma das características das relações de trabalho em bancos estaduais,

estabeleciam um vínculo entre o passado, o presente e até mesmo o futuro nas trajetórias dos

indivíduos, que por mais que fossem construídas individualmente estavam interligadas por

amizade e companheirismo. Os colegas da “Família BEMGE” participam dos casamentos,

dos nascimentos dos filhos, entre outros. Enfim, esses trabalhadores compartilhavam sua 24 Entrevista realizada em 27/10/2009

Page 79: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

78

própria dinâmica da vida. Tal fato, como aponta Rodrigues (2004), possibilitou a construção

de um grupo permanente ao qual iam se agregando sujeitos ao longo do tempo. Essa

permanência, para a autora, fez com que os funcionários se sentissem inseridos em um corpo

estruturado. Como uma verdadeira família, onde as pessoas se casam tem seus filhos, depois

genros, netos, sobrinhos, irmãos, avós.

A idéia que o banco era uma família era corroborada pela instituição BEMGE. A

instituição proporcionava ambientes fora do local de trabalho para o fortalecimento dos laços

entre os funcionários, como o Clube do BEMGE e as festas. O lazer era compartilhado e os

funcionários interagiam não somente com seus colegas de agência, mas com todos os

participantes da “Família BEMGE”. O clube se configurava também como uma extensão do

banco. Como foi observado, a idéia da família vinha dos próprios bancários, mas era

reforçada por ações do banco.

A gente ia no fim de semana pro clube pra encontrar os amigos lá e ter alguma coisa além daquele ambiente de trabalho, a gente falava que era o BEMGE, a gente não freqüentava outro lugar, e não era por falta de oportunidade não é porque era o BEMGE [...] e ai de quem falasse do BEMGE [...] (Beatriz - informação verbal)25.

Que aquilo ali sempre no fim de semana o povo ia era pra lá mesmo... A gente tinha torneio de futebol, a gente fazia na época né, a gente tinha lá. Ficava sábado, quase o dia todo lá a gente participava, era com a turma do seu setor do seu serviço [...] (Diogo - informação verbal)26.

As unidades do clube do BEMGE − uma em Betim e outra na região da Pampulha27 −

eram os locais onde a maioria dos funcionários passava o fim de semana, o lugar onde a

amizade e a convivência dos funcionários do banco eram estendidas para toda a família. Ali

eram realizadas as festas de fim de ano e as festas da família, promovidas pelo banco para a

confraternização e interação entre os funcionários. A noção da Família BEMGE era, dessa

forma, repassada aos familiares e à sociedade. Isso contribuía para o fortalecimento da própria

identidade BEMGEÁRIA e a relação dos funcionários com o banco, fazendo com que sua

vida, até fora do horário de trabalho, estivesse ligada ao banco, como se pode perceber pela

fala de Arthur,

25 Entrevista realizada em 22/09/2009 26 Entrevista realizada em 13/11/2009 27 A unidade de BETIM pertencia ao Banco e a unidade da Pampulha aos funcionários. Hoje a unidade de Betim

continua com o Itaú, que a administra e é aberta aos funcionários do Itaú e os que foram funcionários do BEMGE. Já a unidade da Pampulha é administrada pelos BEMGEÁRIOS. (Informação Verbal-entrevista dia 28/01/2010)

Page 80: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

79

[...] tinha uma identificação com o banco, e na medida assim que a relação de trabalho da gente não era uma relação de trabalho só destas seis horas. Então, por exemplo, assim no fim de semana a gente ia pro clube, aí, por exemplo, assim quando eu ia pro clube, eu tinha direito de levar familiares, por exemplo, eu não me lembro quantos convites eu tinha direito, mas eu poderia levar meus filhos, meus familiares... então não era uma relação só de trabalho de seis horas diárias durante os cinco dias na semana, havia isso... (Arthur – informação verbal) 28.

Enfim, o banco, a “Família BEMGE”, o ambiente de trabalho e todos os seus

benefícios possibilitavam a configuração de uma identificação dos funcionários com o

BEMGE. O banco com suas qualidades − estabilidade, bom salário, bom ambiente de

trabalho, entre outros − conquistava seus funcionários e fazia com que estes lhes devotassem

o seu amor e sua fidelidade. Mais que a força de trabalho, era o coração dos BEMGEÁRIOS

que o banco conquistara. O amor pelo banco pode ser percebido nas entrevistas de forma bem

marcante. O BEMGE aparecia em metáforas como mãe, e como o local mais seguro da terra e

a relação observada era uma relação idealizada de amor incondicional dos funcionários para

com o banco. Rodrigues (2004) encontrou sentimento semelhante entre os funcionários do

Banco do Brasil.

[...] de amor, de amor mesmo, eu dava o sangue dava a vida, ele era tudo pra mim [...] é fã numero um é impressionante, pra eu te falar a verdade, era um amor mesmo, muito grande [...] (Beatriz - informação verbal)29

O amor pelo banco e pela família que ali foi formada foi narrado com emoção e

saudade, como um tempo idealizado que não volta mais. A privatização do banco representou

para a grande maioria dos BEMGEÁRIOS, assim como a privatização do Banespa e as

mudanças no Banco do Brasil para os funcionários dos respectivos bancos, o fim da família

construída ao longo do tempo e o inicio de um período marcado por conflitos, traumas, e

muitas perdas pessoais e profissionais.

4.1.2 Os antecedentes da Privatização

A notícia da privatização do banco confirmou os rumores sobre o assunto que já vinham de mais tempo.

28 Entrevista realizada em 08/08/2008 29 Entrevista realizada em 22/09/2009

Page 81: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

80

Na eleição que o Azeredo perdeu e que o Itamar ganhou, o Helio Costa já tinha mandado umas cartas para os BEMGEÁRIOS falando que o Banco ia ser privatizado no governo Fernando Henrique. Agora você já começa a pensar, naquela época, não tava com essa política de privatização então de cara a gente já começou, o banco já estava sabendo, então de ante mão você fica com o pé atrás, vai ser privatizado então assim provavelmente amanhã a gente pode ser mandado embora, né [...] (Diogo- informação verbal)30.

Esse assunto começou com muita antecedência. Assim uns quatro anos antes já se falava ‘-ah, o banco está sendo preparado pra ser privatizado’. A princípio aquilo soou como um boato, ficamos um ano ouvindo essa história, mas não via nenhum movimento, aí depois começaram a, parece que ficar mais profissional, sai um pouco... Tinha uma coisa meio informal, começaram a ficar mais profissional, começaram a vir mais regras, mais cobranças. Depois começaram a mexer no layout. Por exemplo, na área de informática cada um tinha uma salinha meio que fechada mesmo, depois começaram a tirar aquelas divisórias, por meia divisórias, depois já começaram a fazer tipo aquele padrão americano, pondo aquelas ilhas, então começaram uns movimentos. Até que chegou uma consultoria que era a [...] e começou a preparar o banco, a vida financeira do BEMGE, ver como é que tava aquilo pra poder separar o que era titulo podre pra ficar pro governo pra deixar o banco um banco rentável pra ser privatizado. (Deborah - informação verbal)31.

A forma de trabalho no BEMGE já não era mais a mesma. A tensão tomou conta dos

corredores do banco e os funcionários não tinham nada a fazer, a não ser esperar.

De acordo com o artigo “Queremos trabalhar em paz” (1994) publicado no boletim da

categoria, “O Bemgeário”, já ocorriam no banco demissões, transferências e rebaixamentos

funcionais sem critérios claros. Outros boletins do mesmo período trazem denúncias dos

problemas enfrentados pelos funcionários do banco. Os artigos “Sindicato cobra do BEMGE

manutenção do nível de emprego” (1994) e “BEMGE aposta na confusão” (1994), afirmam

que houve uma drástica redução de funcionários do banco e terceirizados que, de acordo com

os artigos, causou grande acumulo de trabalho. Outro problema apontado por estes boletins

diz respeito aos trabalhadores lesionados que eram vítimas de discriminação e eram demitidos

quando retornavam ao trabalho após a licença. Tais fatos mostram que as relações cordiais e

familiares estavam se deteriorando, a “Família BEMGE”, como havia existido até aquele

momento, dava indícios de crise.

Com o início do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, intensificam-se as

reformas no país. Alegando o prejuízo que as empresas estatais davam aos cofres públicos,

iniciou-se no período o processo de desestatização. Foram privatizadas empresas estatais de

vários setores: siderurgia, telefonia, energia, rodovias e os bancos. Tais empresas foram

vendidas por valores ínfimos se comparadas ao lucro que obtinham e o que representavam

30 Entrevista realizada em 13/11/2009. 31 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 82: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

81

para o patrimônio público nacional. Os funcionários de todas as estatais ficaram alertas se

estas seriam vendidas, muitos seriam demitidos. (BIONDI, 1999).

Os BEMGEÁRIOS iniciam então suas lutas contra essas reformas. O boletim “O

BEMGEÁRIO” do dia 13 de março de 1995, traz o artigo “Como as reformas de FHC

atingem os Bemgeários” (1995), onde são feitos esclarecimentos à população sobre as

possíveis perdas advindas através das reformas propostas pelo governo federal. Os

funcionários do banco e a população são convidados a um ato público em defesa das estatais

− como os bancos públicos −, das universidades públicas, da previdência e de alguns direitos

adquiridos pela população, como a aposentadoria.

A idéia da privatização das empresas públicas era divulgada amplamente para a

população. O boletim “O Bemgeário” de abril de 1995 traz uma pesquisa realizada pela Vox

Populi acerca da privatização dos bancos estaduais. Segundo os dados da pesquisa

apresentados no artigo “Maioria é contra venda de banco estadual” (1995), 42% da população

era contrária à venda dos bancos estaduais a bancos estrangeiros, 18% era favorável e 40%

não sabia ou não respondeu. Tal fato indica que a população não aprovava totalmente o

discurso privatizacionista. Mas, para os sindicalistas, a população havia aceitado o discurso da

privatização imposto pelo governo.

A população tinha uma resistência muito grande, a gente tava no primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso, o discurso privativista estava em alta. Hoje eu acho que a sociedade já percebeu que não é por aí, que tem outro modelo de gestão política que está dando certo no país hoje, mas na época era muito difícil falar contra a privatização (Cláudio - informação verbal)32.

Para Biondi (1999) houve uma intensa campanha junto à população para que as

privatizações fossem aceitas. Os argumentos utilizados baseavam-se no fato de que as

empresas privadas trariam para o setor uma melhoria nos serviços e que os compradores que

não cumprissem tais melhorias seriam punidos.

Em 1995 o BEMGE bate um triste recorde, 60 casos de LER no primeiro semestre,

apenas na RMBH. No fim deste ano o balanço é de 117 casos. Os bancários acometidos pela

doença, como já dito, sofriam discriminação nas agências e, em geral, eram demitidos quando

deveriam retornar ao trabalho. Como se vê, as condições de trabalho no BEMGE não eram tão

ideais quanto aquelas descritas hoje pelos funcionários e ex-funcionários. A tensão entre a

realidade da época e a narrativa hoje se explicita. Segundo os dados apurados pelo SEEB-BH,

apresentados nos artigos “LER no BEMGE: mau sinal” (1995) e “LER cresce 200% no 32 Entrevista realizada em 27/10/2009.

Page 83: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

82

BEMGE” (1996) do boletim “O Bemgeário”, os casos de LER no banco só cresciam e em

1996 aumentaram 200%. De acordo com os entrevistados, o crescimento da doença estaria

vinculado ao aumento do ritmo de trabalho à piora das condições de trabalho. Cláudio,

acometido pela LER naquele período, diz:

No Santo Agostinho tinha muitas horas extras, o pessoal que estava contratado estava passando o serviço para os concursados, muitas horas extras, não tinha pessoal suficiente. Quando veio para a UAT Tamoios, inicialmente, cada um fazia a apreciação dos documentos das suas agências, depois de algum tempo passou a classificar da sua agência mais uma e assim de forma exponencial. Cada pessoa começou a fazer a classificação de quatro, oito, de várias agências e isso deixou um saldo de muitas pessoas com LER dentro do banco. Depois eu fui pra agência barro preto e lá fazia os lançamentos contábeis. Com uma máquina de caixa, uma postura inadequada, uma bancada alta, o que agravou ainda mais a situação e aí eu me licenciei e fui reabilitado na agência Santo Antonio. (Cláudio - informação verbal)33.

As demissões no BEMGE só cresciam. O que antes eram eventos esporádicos

tornaram-se rotina. Em março de 1996 “O BEMGEÁRIO” traz a seguinte chamada: “É

preciso parar com as demissões no BEMGE”. Segundo dados do jornal, esperava-se 500

demissões até o fim do ano, em sua maioria sem justa causa. Entre os demitidos estavam os

funcionários mais antigos e próximos a aposentadoria e os acometidos pela LER.

Em junho de 1996 deste mesmo ano iniciam-se as lutas específicas contra a

privatização do BEMGE. Os funcionários do banco e o SEEB-BH iniciam a “Semana de luta

em defesa do emprego e contra a privatização do BEMGE”.

Figura 1: Manifestação na Praça Sete de Setembro 26/06/1996 Fonte CRMS/SEEB-BH - Fotografa: Nívea Dias

33 Entrevista realizada em 27/10/2009.

Page 84: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

83

Figura 2: Manifestação na Agência Afonso Arinos 28/06/1996

Fonte:CRMS/SEEB-BH - Fotografa: Nívea Dias

As mobilizações e os debates não teriam surtido efeito e em Fevereiro de 1997 a

privatização do BEMGE foi aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado conforme

aponta o artigo “Governo anuncia a federalização do BEMGE” (1997). O BEMGE seria o

segundo banco estadual privatizado em Minas no governo Fernando Henrique Cardoso, o

primeiro foi o CREDIREAL em agosto de 199734.

Após a aprovação da privatização do banco inciaram-se os ajustes, que visavam tornar

o banco mais atrativo para o comprador. São eles o PDI, programa de demissão incentivada, e

o fechamento de agências em outros estados, 19 agências do Norte, Nordeste, Centro Oeste

foram fechadas e as agências de São Paulo e Rio de Janeiro começam a se preparar para isso.

Em Abril de 1997 é anunciado o PDI no BEMGE. O plano tinha como objetivo a redução de

25% das despesas com salários. Os funcionários receberam a noticia do PDI por meio da

circular “Bom Dia BEMGE”. De acordo com o artigo “Plano de demissões abre caminho para

a privatização” (1997) publicado no boletim “O Bemgeário”, o PDI teve como objetivo evitar

uma reação em conjunto dos funcionários e diminuir o desgaste. No mesmo mês o boletim “O

Bemgeário” seguiu com graves denúncias, nos artigos “Bemgeários decidem resistir às

demissões” (1997) e “Diminuir o tamanho do BEMGE é o caminho?” (1997) relacionadas à

adesão dos funcionários ao PDI. Segundo a publicação, os dirigentes sindicais, os membros

da CIPA e os funcionários afastados pelo INSS, além dos funcionários mais antigos de banco,

foram coagidos a aderirem ao plano. Observou-se nas entrevistas que tal fato variava de

acordo com a agência,

34

Informação verbal em entrevista realizada em 27/10/2009, com Conceição e Cláudio.

Page 85: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

84

Teve um PDV, o primeiro passo, antes até de se anunciar a venda o banco fez um enxugamento através de um PDV. Algumas pessoas saíram nesse PDV, e alias muitas pessoas saíram nesse PDV, e aqueles que ficaram é de certa forma ficaram mais porque precisavam [...] O PDV ele tinha indicação, mas era uma indicação, a gente não foi pressionada, num chegaram pra gente e falaram, olha você tem que sair nesse PDV, falava-se assim – se você quiser sair, você pode sair, foi bem light, foi bem voluntário, não foi muito pressionado, bom, pelo menos na agência onde eu trabalhava, eu não senti muita pressão, sabe, você tem que sair, você tal [...] (Conceição - informação verbal)35

No total o plano desligou 1350 funcionários e reduziu o gasto do banco em 16%,

conforme aponta o boletim “O Bemgeário” de junho de 1997 no artigo “PDI: e a situação dos

que ficam? (1997).

O ano de 1997 é marcado por denúncias. Denúncias contra a administração do banco,

contra os casos de LER, contra as adesões irregulares ao plano, falta de pessoal, processo de

modernização irregular nas agências, terceirização de serviços entre outras, essas denúncias

foram apresentadas a população e aos funcionários do banco através dos artigos “LER:

Ministério Público do Trabalho coloca BEMGE diante da verdade” (1997) e “BEMGE

implementa mudanças sem discutir com os funcionários” (1997), publicados no “O

Bemgeário” de julho e setembro respectivamente . O SEEB-BH e os BEMGEÁRIOS

tentaram, sem sucesso, reverter o processo que levou à privatização.

Em dezembro de 1997, conforme apresenta o artigo “GOVERNO anuncia

federalização do BEMGE” (1997) publicado no boletim “O Bemgeário”, foi anunciada a

federalização do BEMGE que iria ocorrer no início de 1998. A partir do início deste ano,

então, percebe-se segundo dados do boletim a luta contra a privatização se intensifica. Em

abril o SEEB-BH aprova o calendário de manifestações contra a privatização, as quais tinham

como objetivo manter a categoria unida e conscientizar a população sobre os efeitos da

privatização. No dia 15 de abril de 1998 foi realizada uma assembléia na agência matriz do

BEMGE com distribuição de carta aberta à população. A chamada para essa manifestação e a

divulgação do calendário de luta contra a privatização, ocorreu no boletim “O Bemgeário” de

14 de abril com a seguinte chamada “Resistir à privatização” (1998).

35 Entrevista realizada em 27/10/2009

Page 86: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

85

Figura 3: Manifestação 15/04/1998 Fonte CRMS/SEEB-BH - Fotografa: Nívea Dias

Figura 4: Manifestação 15/04/1998 Fonte CRMS/SEEB-BH - Fotógrafo não identificado

Ao longo do ano foram feitas manifestações em frente a agências, atos públicos,

denúncias contra as irregularidades no processo de privatização. Entretanto, como se sabe, o

banco foi privatizado e em “O Bemgeário” de abril de 1997 está o “Caledário da privatização”

(1997) divulgado pelo governo. Segundo esse calendário a privatização iria ocorrer no dia 31

de julho, mas esse calendário não foi seguido e a privatização do banco ocorreu em setembro

deste mesmo ano.

O leilão do BEMGE, no entanto, ocorreu bem depois da data prevista. No dia 14 de

setembro de 1998, na BOVEMESB − Bolsa de Valores de Minas, Espírito Santo e Brasília −

o banco Itaú arrematou o BEMGE por R$ 583 milhões. Segundo o jornal Estado de Minas o

leilão foi marcado por um grande suspense e por um grande cerco policial. Os possíveis

manifestantes foram mantidos afastados por cães e guardas, nem mesmo o SEEB-BH fez

Page 87: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

86

manifestações nas proximidades. Depois do leilão houve comemoração. “Ao final do leilão, a

alegria era geral entre os altos funcionários do BEMGE, executivos do Itaú e corretores. Foi

servido a todos um coquetel com salgadinhos finos, uísque escocês, vinhos e refrigerantes.”

(ITAÚ..., 1998).

Para os sindicalistas o processo de privatização do banco era o fruto da política vigente

no período. O sindicato tentou, através de manifestações e greves, reverter o quadro, pois para

os sindicalistas a privatização significava a demissão de muitos funcionários do banco e a

perda do patrimônio do estado e de todos os cidadãos.

Tínhamos aí um governo neoliberal, Fernando Henrique, o estado também, com Eduardo Azeredo. E como foi, né, foram vários bancos privatizados, todos os estados ficaram poucos bancos estaduais [...] Cheguei a participar de reuniões nacionais em que a gente discutia a realidade do BEMGE e do Credireal na época, dentro da realidade nacional, e fui o primeiro a propor na direção do sindicato que nós fizéssemos greve no BEMGE. Na época da campanha salarial, motivo pragmático a gente sempre jogava mais peso nas paralisações nos bancos que tinham força junto à mesa da FENABAN, então era o caso dos bancos estaduais [...] Mas desde aquele momento eu defendi a greve, quando fechou o acordo, o governo do estado não quis seguir o acordo que seguia todos os anos. E nós fizemos várias paralisações e uma greve que resultou na conquista, mesmo que de forma flexível, do acordo da categoria bancária [...] (Cláudio - informação verbal)36.

[...] o sindicato recebeu a noticia da privatização com preocupação porque sabia, o nosso lema inclusive era ‘privatização rima com demissão’. E sabia que vários pais e mães de família iam ser colocados na rua como de fato aconteceu. Então, assim, a gente ficava apreensivo, fizemos várias manifestações no intuito de demover o governo, de repensar a sua política, mas não foi possível. A gente sabia o custo social que se pagaria pela privatização. (Eustáquio - informação verbal)37.

Festa para os executivos, tristeza para os funcionários do banco. Não havia o que se

comemorar, a Família BEMGE estava no fim. A privatização era um fato consumado. Restou

ao sindicato lutar contra as demissões, contra o fechamento de agências, e pela minimização

das perdas dos BEMGEÁRIOS. Na visão dos sindicalistas estas conquistas foram apenas

parciais38, visto que a privatização era um caso encerrado, aos bancários restou esperar pelas

mudanças e se adaptar a elas. A partir da metáfora da família, usada pelos BEMGEÁRIOS, é

possível pensar que o processo que veio depois da privatização se aproximaria a um divórcio.

Tal metáfora foi utilizada por Rodrigues (2004) para exemplificar a situação dos funcionários

do Banco do Brasil no contexto das mudanças implementadas pelo PDV e é recorrente no

presente estudo de caso, já que a “Família BEMGE”, assim como a “família” estruturada no

36 Entrevista realizada em 27/10/2009. 37 Entrevista realizada em 18/11/2009. 38 Entrevista com Cláudio (27/10/2009) e Eustáquio (18/11/2009).

Page 88: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

87

Banco do Brasil no contexto estudado pela autora, dava indícios de crise e sinais que chegaria

ao fim. No BEMGE as representações podem ser definidas da seguinte forma: o estado −

visto como o pai − o BEMGE, como a mãe − e os funcionários – os filhos. Mas, pelas falas

observa-se que, de algum modo, o sofrimento desses funcionários foi representado como as

dores de uma crise familiar. Alguns bancários foram obrigados “a arrumar suas coisas” e

saírem, outros ficaram, mas com a certeza de que a vida deles no banco não seria mais a

mesma.

4.1.3 Privatização – o fim da “família BEMGE”?

Após o anúncio da privatização, os funcionários do BEMGE tiveram que encarar a

realidade temida, o banco havia sido vendido. Os temores com relação à privatização do

banco e com suas conseqüências, principalmente a demissão, começavam a se concretizar. O

banco Itaú, que arrematou o BEMGE, era um banco grande, mas, sua rede de agências era

menor que a rede do BEMGE, na capital e em todo estado.39 A esperança dos funcionários do

BEMGE era que o Itaú mantivesse as agências, pelo menos as principais, e que não demitisse

tantos funcionários. Mas o medo foi a primeira sensação descrita por eles ao narrar o

processo. O medo da demissão teria sido nessa ocasião, o maior.

[...] primeira reação foi (medo) da perda do emprego, mas tinha-se a esperança, eu no meu caso, como trabalhava na área administrativa, de que essa área fosse preservada. (Ângela - informação verbal)40.

[...] o medo maior era esse, perder o emprego [...]. O Itaú não vai ficar com os mesmos funcionários... Vai mandar muita gente embora [...] Vai enxugar... Era aquele terror [...] Era um clima de terror... Um terrorismo [...] (Beatriz - informação verbal)41.

Porque a primeira coisa que vai privatizar, vai mandar todo mundo embora, então, insegurança e medo. Muito medo. (Esther - informação verbal)42.

39Segundo o Jornal O Tempo (BEMGE..., 1999), antes da compra do BEMGE, o Itaú possuía no estado de

Minas Gerais 65 agências e após a aquisição passou a possuir mais de 500. 40 Entrevista realizada em 08/08/2008. 41 Entrevista realizada em 22/09/2009. 42 Entrevista realizada em 19/11/2009.

Page 89: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

88

A incerteza do que ocorreria, a angústia e o medo da demissão deram lugar à realidade

do desemprego. Os mais variados setores do banco foram impactados de diferentes formas

pelas transformações. Foram encontradas duas realidades distintas, a primeira delas diz

respeito aos funcionários dos setores administrativos internos do banco e a outra aos demais

funcionários. Os funcionários dos setores administrativos internos conservavam a esperança

de se manterem no banco, como se observa pela fala de Ângela. Para estes o serviço

continuou o mesmo e a transição foi sentida aos poucos, e muito pouco percebida, uma vez

que, a princípio, os setores mantiveram-se e funcionavam na mesma dinâmica do BEMGE.

O processo de licitação foi rápido, de venda do banco, foi tudo muito rápido, e eu fui ‘aproveitada’, eu iria pra uma empresa, terceirizada do Itaú, e não perderia meu emprego. Eu e uma equipe [...]. Eu fiquei quase dois anos nessa empresa, que na realidade ela tinha todo acesso do Itaú, era uma empresa terceirizada, mas que eu tinha todo acesso ao sistema do Itaú. Depois foram viradas todas as bandeiras, e não tinha mais necessidade dessa base, que éramos nós ex do BEMGE, todos foram demitidos. (Ângela – informação verbal)43.

Mas eu acho que não teve esse impacto não, porque lá continuou o mesmo setor, os mesmo funcionários, de vez em quando iam alguns funcionários do Itaú lá na gerência pra pegar informação, igual eu tô te falando, a gente passava relatórios para... direto pra São Paulo [...] então a chefia não ficava assim, ficava um subchefe e a chefia ficava no andar de baixo... Igual, eu ficava passando, eles pediam informação a gente passava, mas não chegou um monte de gente do Itaú pra assumir não. Continuou no meu andar, continuou normal, mas que eu lembre pode ser que um ou outro funcionário ou gerente conversava com o gerente e dava uma olhada no serviço, assim passamos o serviço. O BEMGE, eu não tô lembrado mais, parece que vinha um gerente do Itaú e conversava com o diretor e passava, mas assim nós continuamos, a única coisa, assim, é que mudou de conta, nós passamos a ter a conta Itaú, nos contracheques a conta bancária que abriu uma agência Itaú no primeiro andar, mas praticamente repassou, só mudou de nome... essas fases assim de ter, eu não lembro muito, pra mim o serviço, a gente continuou com o serviço como se fosse do BEMGE mesmo, só que agora era funcionário do Itaú. A gente foi funcionário do Itaú continuando a prestar aqueles mesmos serviços que o BEMGE... (Diogo - informação verbal)44.

Esses setores, porém, só foram mantidos por um período. Quando o Itaú passou, de

fato, a controlar o sistema BEMGE, a administração do banco começou a deixar Belo

Horizonte e foi, aos poucos, transferida para a cidade de São Paulo, local onde a

administração do Itaú estava consolidada. Percebe-se que enquanto foi necessária a base de

informação e de dados do BEMGE para a realização da transição, os funcionários foram

mantidos, depois disso ocorreram as demissões.

43 Entrevista realizada em 08/08/2008. 44 Entrevista realizada em 13/11/2009.

Page 90: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

89

E foi assim, não foi assim de uma leva... Então você sabia, passava uma parte do serviço pro Itaú, eles registravam nos computadores deles e falavam, agora este setor está desativado. Apesar de que esse meu chefe e mais uns dois ou três, que eram chefes também do setor [...]. Eles ficaram mais, no máximo que ficou lá foi mais de um ano depois que eu fui mandado embora. Mas ai o Itaú chamou, eles iam semanas, eles iam lá pra São Paulo, ficavam lá durante a semana passando o serviço, voltavam. Mas mesmo assim foram mandados embora. (Diogo - informação verbal)45

Alguns funcionários foram aproveitados e continuaram no banco, mas a grande

maioria foi demitida. Segundo os sindicalistas houve a tentativa, por parte do sindicato, de

reverter o quadro de demissões, mas não foi possível.

[...] o sindicato fez, ele interviu, nesse sentido, em reunião com o banco e tal, pra preservar os postos de trabalho, mas aí o Itaú ofereceu a seguinte condição, olha, nós estamos oferecendo as mesmas condições pra ele ir pra São Paulo, só que as mesmas condições, nós sabemos que o custo de vida em São Paulo é muito mais alto. Então o cara vai sair daqui moradia, família e se deslocar pra São Paulo com o mesmo salário. A opção dele, na maioria dos casos, era sair mesmo. Você oferecia outra opção, mas era uma opção de grego né? (Eustáquio - informação verbal)46.

Ao serem questionados sobre este contexto, os funcionários demonstram incertezas e

desconforto. Alguns não se lembram com detalhes sobre o que ocorreu, como uma forma de

apagar o evento de suas memórias. O esquecimento, nesse caso, deve ser levado em conta

uma vez que, como aponta Delgado (2006), a memória revela as lembranças de forma clara e

de forma velada, tem o poder de esconder os traumas, supondo inconscientemente estar

protegendo o sujeito das emoções ruins que marcaram sua trajetória de vida. Então, ao não se

lembrar de determinados episódios, o sujeito está se resguardando de emoções que não quer

reviver.

Outro fato a ser levado em conta é que, como se observa, para esses funcionários trata-

se de um momento que marcou em suas vidas uma espécie de “ruptura”, como tratam

Rodrigues (2004) e Gussi (2006), um momento de morte. O desligamento do banco é tratado

por Gussi (2005) como um desligamento do próprio sujeito, como uma morte. Para o autor

não é uma morte de apenas um indivíduo, mas do banco e de todos os laços que ligavam o

sujeito ao banco.

Aos poucos a estrutura BEMGE era desmontada e os setores transferidos para São

Paulo. Alguns funcionários foram absorvidos em outros setores, alguns permaneceram, mas a

maioria foi demitida e, de acordo com alguns BEMGEÁRIOS, sem um critério claro.

45 Entrevista realizada em 13/11/2009. 46 Entrevista realizada em 18/11/2009.

Page 91: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

90

[...] as demissões eram assim, o pessoal que chegou pra fazer todo processo, esse dimensionamento, essa mudança de bandeira, eles não conheciam as pessoas, então eles mandavam embora, só chamavam assim, e hoje nós vamos mandar fulano, você conhece fulano, pois é, chama, por favor, é esse que vai ser mandado embora [...] (Ângela - informação verbal)47.

Puseram chefias mais novas com outra mentalidade lá, entendeu, então na demissão mesmo, os setores, era uma coisa até meia... Chamava cinco ou seis funcionários e falava assim: ‘olha, a partir de agora você não está mais trabalhando você está demitido’. Então você sabia, você trabalhava, dava afinco lá, mas você sabia, então por exemplo meu setor lá de, lá a gente trabalhava, vários colegas, mas cada um tinha um departamento, eu mexia com os fundos de investimentos. Tinha um rapaz que era meu chefe, eu e mais dois, tinha uma turma da financeira que também mexia com isso. Então chamaram lá e ficou só ele [...] (Diogo - informação verbal)48.

Mas, para outros a demissão era justificada,

[...] mas é, eu sei que, que grande parte das pessoas que saíram do banco é porque elas realmente tinham que sair. [...] havia, por exemplo, aquelas que já no banco, meio que não trabalhavam mesmo e então, assim, veio o Itaú, elas, essas pessoas foram identificadas na época da compra... Elas apareceram realmente. (Conceição - informação verbal)49.

A forma que as demissões ocorreram também foi variada, mas, o que se percebe pelas

falas, é que, de toda maneira, elas sempre causaram grande impacto nos então funcionários do

BEMGE. As narrativas que envolvem a demissão são percebidas como experiências

traumáticas que, quando compartilhadas nos momentos de entrevistas, não deixam duvidas

sobre o caráter lesivo da demissão para os indivíduos, mesmo os que não foram demitidos

sentiram a perda do colega e de tudo que o banco representava. Até mesmo as demissões

feitas com acordos entre o funcionário e o Banco trouxeram traumas. Serão utilizadas aqui

duas narrativas de processos de demissão visando exemplificar a forma que elas ocorriam e o

seu impacto na vida dos sujeitos. O primeiro deles é o de Diogo, funcionário administrativo

demitido após desativação do setor. O outro é o caso de Beatriz, funcionária que fez um

acordo com o banco e foi demitida.

Diogo entrou para o banco ao terminar o segundo grau, com 18 anos. Começou a

carreira na área contábil da distribuidora de Títulos e Valores BEMGE. Seu pai era

funcionário do Banco Hipotecário e Agrícola no interior de Minas Gerais. Na fusão do

Hipotecário com o Banco Mineiro da Produção, o pai foi transferido para Belo Horizonte. A

princípio, a unidade onde Diogo trabalhava ficava em uma casa num bairro próximo ao

47 Entrevista realizada em 08/08/2008. 48 Entrevista realizada em 13/11/2009. 49 Entrevista realizada em 27/10/2009. Cabe ressaltar que essa funcionária não foi demitida .Continuou no banco

e se licenciou para exercício do mandato sindical, conforme consta no anexo da dissertação.

Page 92: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

91

centro, sendo, depois, foi transferida para o centro e mais tarde para o Edifício do BEMGE na

Praça Sete. Diogo ficou no banco por aproximadamente 10 anos, sendo demitido quando o

setor foi transferido para o Itáu.

O chefe chama, depois vai, assim, você não mexe mais nem no computador, nem chega perto e vai em cima e limpa sua mesa, como se você, que dedicou a vida toda, deu a camisa lá, você ia, em fração de segundos, você ia detonar, ou jogar um vírus. Na época não tinha isso, mas fazer alguma coisa e vai até lá embaixo com você, e pega o elevador, te leva na porta e tchau, então... Tudo bom [...] Você sabendo, né! Mas esse sistema eu não sei se foi desse chefe ou do patrão deles, mas tudo bem, ele também recebeu ordens não tem culpa, mas a situação foi meia, constrangedora, eu achei [...] Você dedica [...] Sabendo que vai embora... Vocês vão embora e tal [...] Agora ficar vigiando você desligar o computador, não, não pode nem chegar perto mais, limpa sua gaveta, então é a situação [...] (Diogo - informação verbal) 50.

O problema maior, aqui, parece não ser tanto a demissão, posto que os funcionários já

contavam com ela, mas maneira como essas demissões ocorriam, que, de acordo com os

funcionários era constrangedora e, é possível pensar, demonstrava uma decepção com a

“família”, que, parece, teria perdido a confiança nos seus. Quando Diogo diz “O chefe chama,

depois vai, assim, você não mexe mais nem no computador, nem chega perto e vai em cima e

limpa sua mesa, como se você, que dedicou a vida toda, deu a camisa lá, você ia, em fração de

segundos, você ia detonar, ou jogar um vírus”, ele demonstra claramente essa decepção. O

ambiente de trabalho que era um local, de certa forma pessoal e familiar, tornou-se, de

repente, um ambiente não familiar e não pessoal, o sujeito não pertencia mais a aquele local.

A “sua” mesa, o “seu” computador e “sua” gaveta, tornaram-se em fração de segundos, a

mesa do Banco, o computador do banco e a gaveta do banco e, pior, enquanto retirava seus

objetos, era vigiado e, assim como um visitante, era acompanhado até a porta, mas para não

voltar mais.

Pode-se pensar que, da mesma forma que ocorreu com os funcionários do Banco do

Brasil (Rodrigues, 2004) e do Banespa (GUSSI, 2005), essa ruptura deu-se como uma morte.

A morte do banco (representado como a mãe aqueles funcionários os filhos), e suas trajetórias

profissionais. E, como apontam Gussi (2005; 2006) e Rodrigues (2004) a representação da

morte não se deu apenas entre os funcionários demitidos. Os demais BEMGEÁRIOS, ainda

que permanecessem empregados, presenciaram a quebra dos valores fundamentais que

sustentavam a noção de pertencimento ao banco, à “família BEMGE”. O processo de

adaptação dos funcionários foi longo e nem sempre ocorreu de forma amigável. A dificuldade

dessa adaptação levou ao acordo na busca da demissão, como no caso de Beatriz.

50 Entrevista realizada em 13/11/2009.

Page 93: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

92

Beatriz entrou para o banco em 1977 e lá permaneceu até outubro de 1998. O BEMGE

foi o único banco onde trabalhou, ocupando cargos de escriturária e secretária da

superintendência. Na época da privatização já estava aposentada, mas continuava a trabalhar

no banco. O seu processo de demissão foi descrito da seguinte forma:

Foi assim, como que eu posso te explicar, a gente, eles separaram a gente, como eu estava na época, era secretária da superintendência, foi assim, ela foi mandando embora quem ela achava que tinha que mandar embora... Pra preservar o meu emprego ela me mandou pra uma agência [...] Quando chegou nessa agência, o meu salário, não era compatível com o das meninas da recepção... E como eu nunca tinha trabalhado em recepção de agência [...] Eu assim fiquei até envergonhada [...] porque às vezes alguém chegava e pedia pra eu olhar o extrato, eu sabia olhar o meu extrato [...] Você olhar o dos outros pra saber o que aconteceu, ir lá na conta da pessoa olhar [...] eu fiquei assim, como fala, eu ficava, eu me senti humilhada pra te falar a verdade... Então, assim, eu tentei segurar um pouco, porque eu não queria sair de jeito nenhum [...] Mas aí me falaram que pra eu ficar lá, eu ia ter que ser assistente de gerente [...] E ia ter que ter um curso superior, eu não tinha, quer dizer, eles iam me mandar embora, aí eu entrei em um acordo e minha chefe me mandou embora [...] (Beatriz - informação verbal)51.

Na verdade, pelo que parece, Beatriz apenas acelerou o processo de demissão. Seja

para não passar pela dor da demissão, seja por não suportar a situação, que segundo ela, era

humilhante, ou por tudo isso, ela preferiu se demitir do banco. Um dos requisitos para se

permanecer no banco, observado através das entrevistas, era a necessidade do curso superior

completo, o que muitos BEMGEÁRIOS não possuíam. Esse fato juntamente, com as pressões

e a nova rotina no banco, pelo que se percebe, contribuíram para o desligamento dela e de

vários funcionários. Depois da demissão, Beatriz buscou, como se fosse possível, desligar-se

de tudo que a lembrasse o banco. Como uma forma de se resguardar do sofrimento de ver o

banco ao qual ela dedicou grande parte de sua vida ser desconstruído.

Eu perdi o contato com muita gente de lá [...] Parece que eu quis me isolar mesmo, pra não sentir tanta saudade igual eu sentia de lá [...]. Olha, quando eu saí de lá eu fiquei assim abaladíssima também [...] Eu tive a pré depressão, porque, eu não queria saber de mais nada, nem saber notícias de lá eu não queira, porque, por mim eu teria continuado, eu estaria lá, mas eu sabia que pra mim ia ser difícil [...] (Beatriz) 52.

Na visão dos entrevistados, a perda com as demissões foi além da econômica, perdeu-

se um importante fundamento da identidade. Tal fato corrobora as idéias de Castel (1998) e

Bosi (2004), discutidas anteriormente, de que o trabalho envolve não apenas fatores

econômicos, mas tem ligação com a inclusão e a identificação do sujeito com ele mesmo e

51 Entrevista realizada em 22/09/2009. 52 Entrevista realizada em 22/09/2009.

Page 94: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

93

com a sociedade. O impacto das demissões, segundo os entrevistados, não foi somente

individual, mas coletivo. A dor do colega demitido foi sentida como a dor da própria

demissão, como apontam algumas falas:

[...] uns dois dias depois que eu pedi a demissão... Eu estava no alto da Afonso Pena com meu marido... Nós fomos passear de carro e, como chama aquele lugar lá perto da rua do amendoim, ladeira do amendoim? Lá no alto da Afonso Pena? Um lugar bonito que tem lá? [...] Mirante [...] Chegou um colega lá, eu pensei que ele fosse morrer [...] Ele chegou e falou assim, ‘- oi Beatriz [...] ’ Sabe a pessoa, quando você olha assim? Ele estava inchado, ele disse: ‘eu acabei de ser demitido’. Assim recebia notícias que o pessoal pedia pra morrer [...] Foi muito triste [...] sabe [...] muito mesmo [...] porque pessoas, assim, que não tinham a idade ou tempo de serviço pra aposentar, pessoas que tinham muito tempo, e assim foi, foi muito triste [...] (Beatriz – informação verbal)53.

Eu tinha um laço muito grande, afetivo com as pessoas, então, pra mim, o maior impacto foi essa angústia de ver as pessoas sendo mandado embora, saber que futuramente eu também poderia ser, e não podia fazer nada (Ângela - informação verbal)54.

Foi muito sofrimento [...] as pessoas começaram a sofrer por antecedência literalmente [...] Tinha pessoas que, assim, o banco era pra eles a vida, a vida deles, então essas pessoas se desestabilizaram, teve muita gente que apresentou problemas [...] e tem muito licenciado que tem problema até hoje, psiquiátricos, psicológicos. Então, assim, muita gente praticamente ‘pirou’. (Conceição - informação verbal)55.

[...] de uma forma geral, no banco todo você vai ouvir isso, quem viveu isso e como é traumático passar por um processo de privatização de demissão, sabe [...] como aquilo tudo, além de ser ruim dentro da empresa, afeta a vida pessoal de todo mundo, afeta a saúde, as relações com marido, com família. (Deborah - informação verbal)56.

Os impactos financeiros, evidentemente, também foram sentidos, houve queda no

padrão de vida na maioria dos BEMGEÁRIOS. As gratificações que eles recebiam foram

cortadas e para os demitidos restava ainda o drama do desemprego. A maioria destes dedicou

grande parte de sua vida ao serviço bancário no BEMGE. Para estes a recolocação no

mercado foi difícil. Alguns investiram no próprio negócio, outros buscaram voltar ao serviço

bancário. As dificuldades enfrentadas por eles na busca pela recolocação foram idade, falta de

qualificação, e até mesmo as doenças da profissão como a LER. Muitos não conseguiram

retomar o padrão de vida da época do banco.

53 Entrevista realizada em 22/09/2009 54 Entrevista realizada em 08/08/2008 55 Entrevista realizada em 27/10/2009 56 Entrevista realizada em 20/11/2009

Page 95: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

94

Então você sai de uma área que você trabalhou vinte anos, como alguns devem ter te falado, lá fora o sistema é totalmente diferente, então você sai sem saber nada. Até pra você arranjar um emprego é difícil, então tem vários colegas meus que não conseguiram emprego, uns montaram uma casa lotérica [...] Também a gente saiu assim tudo na faixa de 30. Eu saí com 39, 38 anos. Então a maioria tava nessa faixa de 35 a 45 anos, outros até mais. Então, os que não conseguiram emprego montaram um negócio, uns deram certo outros não. Da minha turma de convívio um montou uma loteria esportiva, outro montou uma casa de rações, não deram certo, sorveteria e foi assim cada um, outro entrou no emprego, outro cada hora estava em um emprego, entendeu, pra estabilizar é complicado [...] (Diogo - informação verbal)57.

Muitos funcionários do BEMGE eram reconhecidos e identificados pela sociedade

pela representação do local de trabalho. Ao comentar sobre o processo de privatização do

BANESPA, Gussi (2005) aponta que seus funcionários carregavam, de certa forma, o

sobrenome do banco, por exemplo, “Sr João do BANESPA”. Com os BEMGEÁRIOS,

parece, não era diferente e, dessa maneira, a demissão representava um estigma, uma perda

mesmo da sua identificação, tanto para o demitido quanto para a sociedade, como se o Sr.

João perdesse o seu sobrenome, de fato, o que o identifica. Ciampa afirma que

“interiorizamos aquilo que os outros nos atribuem de tal forma que se torna nosso”

(CIAMPA, 2007, p. 131). O nome funciona como uma representação da identidade. Desse

modo, ser reconhecido como o “fulano de tal do BEMGE” funciona, de acordo com Ciampa,

como um símbolo que autentica a identidade do sujeito e dá a ele uma noção de

pertencimento.

Na medida em que o individuo perde seu emprego, ele perde o que o identifica e o que

o referencia e é nesse sentido que Gussi (2005) coloca que a demissão estigmatiza essas

pessoas, na medida em que elas estão excluídas da coletividade que pertenceram e com a qual

se identificavam. Os anos de dedicação, o conhecimento da rotina bancária e o amor devotado

ao banco de nada serviam para a nova gestão do banco. O que antes era motivo de orgulho

tornou-se, com a demissão, um estigma. No caso aqui investigado, parece que há certa

ambigüidade nessa (des)identificação. Como foi dito, não existe ex-BEMGEÁRIO, ainda que

exista ex-funcionário do BEMGE. Pode ser que, ainda que inconscientemente, manter-se

como BEMGEÁRIO é não desfazer-se completamente do pertencimento àquela família,

mesmo que todos os seus membros estejam separados.

Para os funcionários que ficaram restava outro desafio: reaprender o serviço bancário e

se adaptar às mudanças propostas pelo novo empregador. Tal fato trouxe, como era de se

esperar, muitos conflitos. Mas, por outro lado, trouxe a certeza de que o serviço bancário no

Brasil estava em uma nova fase. A estabilidade do emprego nos bancos públicos estaduais não

57 Entrevista realizada em 13/11/2009.

Page 96: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

95

existia mais e mesmo os bancos públicos passavam por reformulações para se adequar ao

novo mercado mundial.

4.2 O banco, as identidades e suas novas configurações

4.2.1 O primeiro momento: a identidade em xeque

A idéia acerca do trabalho em um banco privado era fator de apreensão para os

funcionários que foram aproveitados pelo Itaú, tanto porque o “fantasma” da demissão ainda

permanecia, como porque imaginavam que teriam de se adequar a uma nova forma de

trabalho.

Nós nos sentimos iguais aos indígenas quando chegaram os portugueses, nós sentimos, assim, invadiram a nossa praia né?... (Deborah - informação verbal)58

Ao dizer que se sentia como os índios que viviam no Brasil em 1500, parece que

Deborah se refere a um sentimento de impotência. Como os portugueses, o Banco Itaú era o

“outro”, o estrangeiro colonizador que impõe sua cultura, sua visão de mundo e, nesse caso,

sua forma de trabalho. Gussi (2005) também encontrou o uso da metáfora da colonização e

invasão entre os funcionários do BANESPA na época da privatização. Para o autor a

utilização desse tipo de metáfora pelo indivíduo traduz “o que foram os impactos das

mudanças advindas com o Santander para o BANESPA e para sua vida em que esse banco vai

se tornando cada vez mais um estranho-e estrangeiro-” (GUSSI, 2005, p.44). O “estrangeiro”

nesse caso tem o poder de transformar o banco de tal forma que os funcionários, passam a

estranhá-lo, e não o identificam mais como o local onde eles construíram boa parte da sua

trajetória de vida.

Não haveria mais estabilidade nem os mesmos benefícios, gratificações, 14º e 15º

salários. Com o fim do BEMGE as relações que um dia foram próximas e harmoniosas como

as de uma família, se deterioraram. O clima nas agências, e nas demais estruturas do banco,

segundo os entrevistados, mudou. A leveza, que para eles era característica do trabalho no

BEMGE, deu lugar ao temor que tomou conta dos corredores e das vidas dos

58 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 97: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

96

BEMGEÁRIOS. Observa-se que há nas narrativas dos BEMGEÀRIOS uma idealização com

relação ao período em que trabalhavam no banco. Como considera Gussi (2005) essa idéia

deve ser relativizada, pois a situação atual dos funcionários, que passaram por mudanças após

a saída do banco, os induz a avaliar o tempo que permaneceram no BEMGE positivamente.

As metáforas do universo familiar também são acionadas nesse contexto. Nesse caso o

BEMGE aparece como a mãe, aquela que cuida e supre as necessidades dos filhos, buscando

o melhor para eles.

O BEMGE, vulgarmente falando, era a Mãe [...] era um tratamento paternalista... num banco privado há muita diferença [...] a cobrança que eles falam não é só de serviço... é das metas, eu acho que ninguém tá num lugar pra brincar de trabalhar, mas eu acho que pelo sufoco, eu diria um sufoco, pelas cobranças, bem diferente [...] (Beatriz - informação verbal59).

Aos poucos a cobrança que antes era feita de forma amigável, como a de uma mãe

corrigindo seu filho, deu lugar à cobrança por produção, por vendas de produtos e por metas.

A competitividade cresceu e os “amigos” e a “família” deixaram de existir, pois houve uma

necessidade maior, a de sobrevivência. Os BEMGEÁRIOS entenderam que tudo havia

mudado, não havia mais como reverter o quadro, era necessário que eles se adaptassem.

Começa uma nova era no novo banco. “Quando o Itaú adquiriu, aí mudou um pouco esse

clima, passou a uma coisa mais competitiva e aí as relações pessoais, que eram muito boas,

começaram a piorar. Tinha muitos atritos e tal”. (Deborah - informação verbal)60.

Para Gussi (2006), o que ocorre nesses casos é a perda dos sentidos que organizam a

identidade do indivíduo. A nova lógica imposta pela empresa é, para o autor, o principal fator

que leva à quebra do sentido de identidade ligada ao banco, na medida em que a nova

empresa busca novas diretrizes e novas formas de gestão. Para os BEMGEÁRIOS, a

percepção que se tem é que não era o trabalho bancário em um banco passando por

transformações, mas sim o trabalho bancário em uma nova empresa.

Olha, a melhor coisa de se trabalhar no BEMGE era a questão é, do relacionamento, a pressão interna não era tão forte, igual, é numa empresa privada. Essa questão de metas e hoje ela é muito forte. Você não tinha tantos afastamentos médicos. Então eu acho que o principal ganho que a gente tinha era a questão do relacionamento, era a questão da estabilidade. Então hoje eu encontro com vários companheiros que trabalharam no BEMGE e hoje estão no Itaú e eles falam –‘eu era feliz e não sabia’ (Eustáquio - informação verbal)61.

59 Entrevista realizada em 22/09/2009. 60 Entrevista realizada em 20/11/2009. 61 Entrevista realizada em 18/11/2009.

Page 98: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

97

Percebe-se que havia dois pilares que sustentavam a ‘Família BEMGE’ e

conseqüentemente a identidade BEMGEÁRIA. O primeiro deles era a estabilidade, que como

já apontado possibilitava a construção de laços fortes entre os funcionários. O segundo era o

relacionamento entre os colegas. Estes dois pilares teriam sido quebrados com a privatização,

através das demissões e do incentivo à competição. Conforme aponta Gussi (2006), se a

identidade era baseada em valores que incentivavam a constituição de um sentido de

coletividade, o novo modelo de gestão aplicado, incentivava a individualidade e a

competitividade no trabalho. Essas mudanças nas relações de trabalho, para o autor, levaram à

ruptura no sentido de identidade ligada ao banco.

A identidade BEMGEÁRIA que se forma nesse momento, e pode ser encontrada até

hoje nos discursos dos bancários, é ligada ao passado do banco e não ao momento da

privatização ou posterior a esse. Os indivíduos usam da memória para embasar sua identidade

no presente, embora esta esteja ligada ao seu passado. A memória atua dessa forma como

“construtora de identidades e solidificadora de consciências individuais e coletivas”.

(DELGADO, 2006, p. 38).

4.2.2 Formas de trabalho em conflito: Uma ‘(con) fusão’, ‘publico’ x privado

Não existe nada mais difícil de conduzir, nem nada mais incerto e

perigoso do que iniciar uma nova ordem das coisas. Maquiavel

A frase de Maquiavel (apud, TOMEI; BRAUSTEIN, 1994), traduz bem o período que

se iniciava para os BEMGEÁRIOS que permaneceram no banco. Para alguns era um novo

começo, para outros o início do fim. As dificuldades foram sentidas nos primeiros dias e eram

apenas o começo de uma conflituosa adaptação.

No primeiro dia a gente já se deparou com dificuldades, assim, terríveis de relacionamento, eu e outras pessoas também, porque, porque a cultura do banco do Itaú era dessa cobrança de metas que a gente ainda não tinha no BEMGE (Conceição - informação verbal)62.

62 Entrevista realizada em 27/10/2009

Page 99: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

98

O primeiro impacto sentido pelos BEMGEÁRIOS foi a dificuldade de relacionamento.

No novo banco o relacionamento entre colegas era o contrário de tudo que eles haviam

experimentado no BEMGE. As relações da “família” foram rompidas. Não havia família Itaú

e sim os chamados “Itaú raça pura”, adjetivo que os BEMGEÁRIOS não assumiram. Dentro

do banco passaram a existir dois grupos, os ‘Itáu raça pura’ e os BEMGEÁRIOS. Os

primeiros eram, na visão dos funcionários do BEMGE, todos os funcionários do Itaú. De

acordo com os entrevistados as primeiras impressões dos funcionários do Itaú já demarcavam

diferenças, a forma de se vestir, de falar e de se impor com relação aos funcionários do

BEMGE.

Primeiro foi a invasão de gente de São Paulo. Aí, assim, a gente aqui trabalhava muito informalmente, eram poucos que trabalhavam de terno e gravata, o BEMGE não exigia isso [...] a primeira mudança foi o terno e gravata! Uma invasão de paulista, de sotaques, terno e gravata, uma ‘homaiada’ danada que desceu [...] e depois as demissões [...] acho que foi o mais critico [...] e a cobrança. A gente era chamado pra entrevista, exigência de currículos e assim áreas foram sendo extintas, foram integrando, mudança na hierarquia, mudança de chefia, isso tudo aconteceu... mas o que abalou mais visualmente foi essa questão do sotaque [...] e depois as demissões, acho que foi o que mais impactou... (Deborah - informação verbal)63.

Eles se achavam [...] tem até uma brincadeira que o pessoal fala que era o ‘Itaú raça pura’[...] Conceição - informação verbal)64.

Com a introdução dos “Itaú raça pura” iniciou-se um clima de competição. Os

BEMGEÁRIOS foram transferidos de agências e, segundo eles, o ambiente de trabalho

amigável, foi sendo paulatinamente destruído. Os funcionários do Itaú eram em menor

número, uma vez que a atuação do banco no estado de Minas, conforme já apontado, era

menor quando comparada com a do BEMGE. O medo era percebido pelos dois lados. Por

parte dos funcionários do Itaú havia o temor com relação à competição e as metas, uma vez

que os funcionários do BEMGE estavam acostumados a serem multifuncionais, trabalhavam

em várias frentes.

Porque quando a gente trabalhava no BEMGE a gente trabalhava em todos os setores. Eu passei por todos os setores, eu fui atendente, eu fui gerente. Faltava um punhado a gente e a gente tava sempre fazendo outros serviços. (Esther - informação verbal)65.

Por parte dos funcionários do BEMGE o medo era a demissão.

63 Entrevista realizada em 20/11/2009. 64 Entrevista realizada em 27/10/2009. 65 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 100: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

99

Eles tinham que se adaptar ao modelo Itaú, e hoje nós temos a maioria, o Itaú tinha uma rede pequena, a maioria são funcionários do BEMGE, então muitos reclamavam de discriminação por parte das chefias, dos colegas. E só o impacto, né, de um novo modelo de trabalho, talvez sim aquelas pessoas que eram oriundas do Itaú também tinham algum temor com a situação profissional deles. Mas eu acho que isso foi um período mais de adaptação, para ambos os lados, trabalhadores do BEMGE e trabalhadores do Itaú. (Cláudio- informação verbal)66

O clima nas agências e a forma de se trabalhar no BEMGE, segundo dizem os seus

funcionários, era uma forma leve. Ainda que houvesse muito trabalho, havia flexibilidade e

possibilidade de negociação. No Itaú, diferentemente, as regras dificilmente eram quebradas e

as negociações não eram tão simples de serem feitas. Um exemplo disso é o registro no

horário da chegada.

Porque a gente não registrava ponto, assinava o ponto no BEMGE. Então a gente tinha direito a 15 minutos, mas a gente fazia meia hora de almoço. Igual, eu sempre almocei na rua, aí a primeira mudança foi isso, o registro de ponto nas estações, nos computadores. Então você chegava, registrava seu ponto ali, então 15 [...] passei a ter 15 minutos de almoço. Passei a levar marmita porque não tinha a possibilidade [...] então, assim, isso a gente sentiu porque tinha uma flexibilidade no BEMGE. Você fazia hora de almoço com mais tranqüilidade. Quando mudou o Itaú não, tinha que ser cumprido aquele horário. Então isso foi uma mudança que mexeu com a gente. Pelo menos com o os caixas né? (Esther - informação verbal)67.

O serviço no Itaú, ao contrário do BEMGE, era bem regulado, cheio de regras e

normas. Passaram a ser feitas novas exigências e as pressões por produtividade que antes não

existiam passaram a existir. Por este motivo surgiram elementos conflitantes, como a

necessidade de documentação, a burocracia, enfim, a exigência de um fazer bancário

diferenciado que era na visão dos funcionários do BEMGE a marca do Itáu.

A partir do momento em que o modo de trabalho das duas empresas foi colocado

frente a frente, as diferenças se ressaltaram e as diferentes identidades se afirmam, como

apontam autores como Delgado (2006), Barth (1998) entre outros. No caso aqui estudado, as

características específicas dos “Itaú raça pura” e dos BEMGEÁRIOS emergiram e, com isso,

explicitaram não diferentes formas de trabalhar, mas culturas empresariais conflitantes. O Itaú

mostrava-se um banco, na visão dos funcionários do BEMGE, como mais “profissional”. Esse

profissionalismo atribuído ao Itaú estaria relacionado com as regras, limites bem definidos e

com a burocracia, uma vez que o BEMGE, segundo os entrevistados, era ao contrário disso.

Era um banco onde tudo, ou quase tudo, era permitido.

66 Entrevista realizada em 27/10/2009. 67 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 101: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

100

O BEMGE não tinha aquele profissionalismo de banco, tudo era permitido. Tinha muita coisa errada feita. Assim o gerente mandava e ele fazia o que ele queria. Então era assim, era muita coisa errada que a gente via. Você era obrigado a fazer as coisas erradas... Mas aí eu senti isso porque a gente tinha isso. Às vezes a gente falava que não podia e o gerente falava ‘-pode’, então tirava aquela... Porque tudo era permitido. (Esther - informação verbal)68.

E eu vi que a gente trabalhava muito na informalidade, aquele jeito interior de ser, aquela coisa de antigamente, na confiança, na palavra... aquela coisa, assim era o Bemge, e no Itaú não... era tudo muito rígido, muito cheio de regras. Isso foi um lado que eu entendo hoje, eu acho que tem que ser mesmo, mas assim o stress que envolvia essa rigidez. (Deborah - informação verbal)69.

Essas diferenças foram reafirmadas ao longo de todo o “período da Virada” 70 e para

alguns que não se adaptaram – tanto do Itaú como do BEMGE - esse foi o momento de

decidir.

Pardini (2004) aponta que um dos principais desafios encontrados nas fusões e

aquisições das empresas está ligado à forma como gerenciar as pessoas nos diferentes

processos de trabalho. O autor indica que nesses casos há necessidade de uma cultura

corporativa que tem a função de conciliar as diferenças e criar condições favoráveis à

adaptação, o que podemos denominar “cultura de transição”. Pela fala dos entrevistados,

parece não ter havido a criação dessa cultura de transição, no caso do BEMGE e Itáu. Teria

havido a imposição de uma forma de trabalho sobre a outra.

Ao analisar a identidade Banespiana, Gussi afirma que essa identidade sempre foi

construída a partir da “oposição nós, banespianos e os outros os trabalhadores dos bancos

privados”. (GUSSI, 2005, p.143). Essa construção de identidade e cultura diferenciada está

envolvida em valores próprios dos funcionários de bancos públicos, como já exposto

anteriormente. A identidade de um trabalhador em um banco privado, pelo que se observa na

fala dos BEMGEÀRIOS, é construída de forma diferente, está ancorada em outros valores

como o cumprimento de metas, a burocracia, o lucro a qualquer custo e a concorrência,

valores que para os entrevistados não eram encontrados nos BEMGE. A partir do momento

em que os BEMGEÁRIOS e os “Itau raça pura” tiveram que conviver e trabalhar juntos, para

se manterem no emprego os ex- funcionários do BEMGE assumiram essa nova “cultura” que

lhes foi “imposta”.

Por este fato entende-se a utilização da metáfora de colonização citada anteriormente,

“Nós nos sentimos iguais os indígenas quando chegaram os portugueses” [...] (Deborah - 68 Entrevista realizada em 20/11/2009. 69 Entrevista realizada em 20/11/2009. 70 O período da Virada é o termo “nativo” utilizado pelos funcionários do BEMGE para descrever o momento da

mudança do sistema BEMGE para o sistema Itaú.

Page 102: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

101

informação verbal)71. Para muitos funcionários o sentimento foi esse, o BEMGE se tornaria a

colônia. O colonizador, paulista, impôs uma nova forma de trabalhar.

O Itaú foi transformando as agências aos poucos, implementando, implementando, então isso aí levou uns dois, três anos, o processo todo de transformação. Então, aos poucos, as pessoas foram sentindo, principalmente as pessoas mais velhas, que não tinham mais o espaço que elas tinham antes e foram ou pedindo pra sair ou aposentando prematuramente, proporcionalmente, porque ainda não tinha mudado a regra da aposentadoria. (Eustáquio - informação verbal)72.

Os funcionários que permaneceram foram aprendendo a trabalhar no Itaú e a lidar com

essa nova cultura, seja por meio de treinamentos, seja pela vivência no ambiente de trabalho.

Para uma das entrevistadas, a maneira Itaú de se fazer o serviço foi demonstrada de uma

forma bem traumatizante. A agência em que Deborah trabalhava ainda não havia “virado a

bandeira”, mas os funcionários do Itaú já estavam lá para o período de adaptação. Nesse

momento a agência foi alvo de um assalto e, de acordo com a entrevistada, explicitou-se a

mudança: não se tratava mais da “Família BEMGE”.

Quando o Itaú comprou o BEMGE ainda não tinha virado as bandeiras, ainda continuava BEMGE eu tive um assalto na agência. Assalto com arma, o cara com arma em mãos, na gente e tal. Então todo mundo abalado na agência, você acabou de ser assaltado como você... com uma arma na sua frente. E eu senti isso no Itaú, porque o pessoal do Itaú chegou e eu senti que eles não estão nem aí pra pessoa. [...]. Eles não [...] A tesoureira tal... e eles mandando a tesoureira fechar a tesouraria, pra reabrir. O assalto foi tipo às duas horas da tarde, o banco abriu tipo três e meia, três e pouco, pra fechar as quatro. Não tinha a necessidade de abrir a agência de novo. Então eles tiraram nosso caixa que tinha sido assaltado, tiraram outros caixas de outra agência pra abrir o banco, questão de vinte minutos de atendimento. Então a gente sentiu isso, que era muito lucro. Eles não estavam importando, você já imaginou o gerente ficar lá depois de assaltado, ter que atender gente, né? Tesoureira ter que dar dinheiro pra outros caixas, sendo que ela tava né... tinha acabado de passar por um assalto [...] então isso a gente sentiu, os guardas todos abalados... então a gente sentiu isso, que eles não estavam nem aí. Todo mundo tremendo, chorando e eles vão embora, vão embora... Mandando a gente ir embora. Então eu senti isso nessa época, que eles [...] né, é cada um por si que eles não estão nem aí. (Deborah - informação verbal)73.

A entrevistada percebeu a partir deste fato que havia uma nova política de gestão na

empresa, a partir da qual funcionário era, de fato, apenas o funcionário e não um familiar

como dizia a cultura BEMGE. A idéia da cultura privada, voltada para o lucro foi sendo

reafirmada. Paulatinamente a forma de se trabalhar nas agências e nos demais setores do

banco foi transformada. Após esse fato a entrevistada optou por permanecer no banco na

71 Entrevista realizada em 20/11/2009. 72 Entrevista realizada em 18/11/2009. 73 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 103: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

102

função que ocupa até hoje, caixa. Função que passou a exercer no Itaú sem qualquer

treinamento, ou seja, aprendeu no dia a dia da agência.

Alguns caixas foram fazer curso, foram aprender em outras agências. Eu não fui eu fiquei na minha agência, porque tinha que continuar caixa também né? Porque ainda era BEMGE e eu fiquei na minha agência. Aí no dia mesmo que inaugurou a agência Itaú, que tirou o nome BEMGE e passou Itaú [...] simplesmente sentei no caixa e mandei ver [...] aprender na marra, foram vários que fizeram isso, não foi todo mundo. Inclusive várias pessoas que fizeram o curso também, depois foram mandadas embora, assim, porque a principio foram alguns mandados. Depois... mesmo virando Itaú, depois, aos poucos, foram mandando também gente embora. (Deborah - informação verbal74).

A cultura Itaú, pelo que nota por essas falas, foi imposta de forma agressiva e só

permanecia no banco quem se adaptasse a essa nova cultura. Os funcionários passaram a ser

mais cobrados individualmente. Era necessário conviver com a pressão pelos bons resultados

e aprender rápida e objetivamente.

Tava acostumado com o BEMGE, que não tinha tanto profissionalismo, então, aquela pessoa, que era mais flexível e o Itaú mais exigente, então eles sentiram isso, eu tive colega que falou ‘- eu não fico nesse banco de jeito nenhum’. Pediu demissão porque viu que a pressão era muita. Então o Itaú tinha pressão, o BEMGE não. Então é... que eles sentiram mais foi a pressão do banco. E como era funcionário de outro banco, parece que eles pressionaram mais a gente, porque eles estavam a fim mesmo é de demitir, né? Tanto é que eu acho, na minha opinião, [...] que quem realmente ficou no Itaú, do BEMGE era porque trabalhava [...]. Então é isso que eu acho, estou te falando, eu tive muito colega que quando viu a pressão falou ‘- eu não quero isso pra mim’ e pediu demissão e saiu. Pra você ver que o negócio não era [...] tinha que trabalhar mesmo. (Deborah - informação verbal)75.

A cobrança por resultados é muito grande, e isso aí a gente passou a ver muito. No BEMGE a gente não era cobrado, é claro que você tinha que ter uma qualidade que visava um resultado, mas a gente não era cobrado de uma forma maçante, tem que dar lucro, tem que dar lucro. Então eu acho que a grande mudança foi essa, o resultado acima de qualquer coisa. A qualidade, a redução de custos, isso é o que a gente passou a ouvir né? Resultado versus redução de custos, corte de pessoal [...] (Esther - informação verbal)76.

O Itaú trabalha com um quadro muito enxuto de pessoas dentro da agência e a questão das metas, que é colocada pra se bater as metas, é uma coisa assim muito sacrificante, o funcionário é muito pressionado e um fica fiscalizando o outro. Então, assim, gera um clima muito ruim dentro das agências, embora o banco tenha um código de ética, mas não era a mesma coisa que era o BEMGE. (Eustáquio - informação verbal)77.

74 Entrevista realizada em 20/11/2009. 75 Entrevista realizada em 20/11/2009. 76 Entrevista realizada em 20/11/2009. 77 Entrevista realizada em 18/11/2009.

Page 104: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

103

O “momento da virada” para os funcionários dos setores internos do banco ocorreu de

forma parecida. Para eles a situação também é representada como desgastante, já que teria

havido um grande volume de trabalho para ser realizado em um curto espaço de tempo. Para

Conceição, escriturária do BEMGE, o processo foi complicado. A funcionária havia sido

admitida no banco por meio de concurso público, tendo assumido em 1992. Trabalhou como

escriturária, no BEMGE, e foi posteriormente transferida para setores operacionais internos e,

depois, para agente comercial. A funcionária narra o “momento da virada” como um período

conflituoso entre os colegas de banco, inclusive os do BEMGE. O “momento da virada”,

segundo os entrevistados, representou um teste. Quem suportasse permaneceria, os outros

seriam demitidos. Houve muito trabalho, todos os clientes do banco foram recadastrados e

esse recadastramento tinha que ser feito rapidamente e com muita precisão, por isso o

expediente no setor era irregular, sem folgas, até que todo o cadastro fosse refeito.

Foi muito difícil trabalhar na época da virada. A gente às vezes chegava no banco 8 horas da manhã e saía às vezes 10 horas da noite, no dia seguinte a mesma coisa , porque, a construção junta a gente montando novos cadastros de todos os clientes, tinha que pegar a documentação de todos os clientes, tinha que refazer todo cadastro do banco e, então, foi bem desgastante, a gente trabalhava bastante. Eu devo ter trabalhado uns dois meses sábado e domingo inclusive, foi bem cansativo... (Conceição - informação verbal)78.

O treinamento efetivo não ocorreu no setor em que a funcionária trabalhava. Devido a

isso, os problemas que surgiam não envolviam apenas a falta de familiaridade com o sistema

do banco, mas com os próprios clientes. Para esses, os funcionários do banco deveriam saber

operar o novo sistema, mas os funcionários não sabiam. Os depoimentos indicam que os

ânimos estavam exaltados. Os funcionários não sabiam executar o serviço, os clientes não

conheciam o sistema, as agências se tornaram um “caos”. As reclamações partiam de todos os

lados, dos funcionários para os gerentes, dos clientes para os funcionários.

Então vinham algumas pessoas, em cada área, pra exatamente mostrar pra gente o que era o Itaú... você fecha o seu sistema na sexta feira BEMGE, segunda-feira você entra e se depara com um sistema totalmente novo, que você não sabia nem ligar às vezes o computador e tinha que atender os clientes e resolver todos os problemas... em um novo sistema... que a gente não recebeu treinamento nenhum, nem pra conhecimento do sistema, eu lembro que eu fiz algumas, né, peguei o papel no começo do dia e comecei a anotar as coisas que eu mais usava, fazia e os clientes loucos ‘– Eu quero consultar meu saldo’, eu não sabia consultar um saldo, não sabia tirar um extrato, não sabia nada, e a gente realmente não teve nenhum treinamento anterior [...] (Conceição - informação verbal)79.

78Entrevista realizada em 18/11/2009. 79Entrevista realizada em 18/11/2009.

Page 105: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

104

E eu, particularmente, pra mim foi muito ruim, porque na época eu estava atendendo pessoa jurídica e a gente teve, a gente tinha um cliente que era muito difícil de tratar no BEMGE e aí quando virou Itaú esse cliente se tornou mais difícil ainda. E foi interessante porque no dia que a agência virou, no primeiro dia, na segunda-feira, ele fez um disque Itaú, o disque Itaú era a central de reclamação do banco, era não, é ainda, então, assim, no primeiro dia de trabalho você já leva uma reclamação e como eles diziam no banco aquilo era o pior que poderia acontecer... então foram uns dois meses pelo menos de muitas dificuldades. Só que o banco Itaú também ele deu, não as pessoas que estavam na minha agência, eu não considero que eu tive muito apoio não, na verdade até de um modo geral os colegas também, né, não tiveram muito apoio de quem estava na agência, efetivamente não, mas a gente conseguia resolver muita coisa por telefone, um auxílio externo [...] (Conceição - informação verbal)80.

Segundo a entrevistada, as reuniões com os funcionários da agência em que ela

trabalhava ocorreram não para treinamentos ou esclarecimentos, mas para cobranças. O

sistema estava em fase de implantação e as metas já eram cobradas.

[...] Então aí começou, veio na primeira semana, eu lembro que a gente... na primeira semana a gente teve uma reunião com o superintendente dessa agência, aí foi tão terrível a reunião, o cara xingava, tudo que a gente antes não via no BEMGE, o cara xingava e ele falava de uma forma tão grossa, horrorosa, ele desmoralizou tanto o gerente geral da agência que eu trabalhava na época, que no dia seguinte o cara foi pro pronto socorro, com a pressão dele altíssima, ele teve um problema sério, ele não voltou mais pro banco, daí mesmo ele já foi licenciado e recebeu o laudo de que ele não poderia mais trabalhar. Aí ele ficou licenciado assim até... e até sair do banco. Mas, assim, isso com o gerente geral, a pressão veio assim muito violenta mesmo. (Conceição - informação verbal)81.

Aliada à pressão por metas, a falta de treinamento e os conflitos internos, houve outro

agravante. Segundo os BEMGEARIOS, havia no imaginário dos funcionários do banco Itaú

um preconceito relacionado a eles. A idéia de que os trabalhadores do BEMGE eram

funcionários públicos era muito forte, e o lado pejorativo do funcionalismo público

prevaleceu no primeiro momento da fusão. Os “Itaú raça pura” resistiram aos BEMGÉARIOS

e houve discriminação, piadas e a dificuldade de convivência piorava a cada dia. Esse

preconceito, pelo que se percebe, estava ligado às diferentes (por vezes conflitantes) formas

de se realizar o serviço. Havia por parte dos funcionários do Itaú, segundo os entrevistados, a

idéia de eles eram superiores, por isso o termo “raça pura”, é utilizado pelos BEMGEÁRIOS

para descrever os trabalhadores do Itaú. Esse termo, usado de maneira pejorativa sempre,

revela que também havia resistência dos bancários do BEMGE em relação aos do Itaú.

80 Entrevista realizada em 18/11/2009. 81 Entrevista realizada em 18/11/2009.

Page 106: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

105

Olha, havia o clima que, primeiro, eles se sentiam discriminados. Havia piadinhas, as pessoas falavam ‘é funcionário publico, o ritmo é mais lento’. Então, assim, as pessoas às vezes colocavam a parte, não dava função importante ou de chefia, então houve várias resistências com relação a isso dentro do Itaú [...] (Eustáquio - informação verbal)82.

[...] Teve muito gerente que falou ‘-eu não trabalho com gente do BEMGE’ e não aceitava gente do BEMGE na agência. (Deborah - informação verbal).83

[...] os Itaú raça pura até hoje a gente encontra, ‘-não, eu sempre fui Itaú’, nunca fui BEMGE [...] (Conceição - informação verbal)84.

Ao serem questionados se sofreram o preconceito e de que forma esse preconceito se

manifestou, os funcionários do BEMGE não falaram muito. Fato que se explica pela ultima

fala da entrevistada. Para alguns BEMGEÁRIOS esse preconceito existe até hoje, mesmo que

de forma velada. Segundo os entrevistados, os funcionários do BEMGE, ainda hoje, são os

primeiros a serem demitidos. Talvez por isso os funcionários do Itaú gostem de marcar sua

posição, dizendo “eu sempre fui Itaú”. Por outro lado, alguns BEMGEÁRIOS afiram que o

preconceito inicial dos funcionários do Itaú em relação ao BEMGE teria deixado de existir,

pois no momento que foi demonstrado que os BEMGEÁRIOS que permaneceram conheciam

o serviço bancário e que o executavam da mesma forma que os funcionários do Itaú, não

havia razão para a existência do preconceito.

Eles começaram a ver que quem ficou trabalhava mesmo, trabalhava muito mais do que eles. [...] E aí eles tiveram que abaixar o facho. Nós estávamos superiores a eles [...] (Esther - informação verbal)85.

Nós conseguimos uma grande vitória, por exemplo, foi vencer o banco na questão que ele tinha do BEMGE, a visão que tinha do funcionário público que não trabalhava direito. Conseguimos demover isso daí, limpar a imagem (Eustáquio- informação verbal)86.

Em alguns aspectos o BEMGE, segundo os entrevistados, demonstrou ser superior ao

Itaú. As tecnologias que o banco possuía foram aproveitadas. O banco havia sido pioneiro em

muitos serviços como a digitalização de documentos e os saques de cheques em qualquer

lugar do país.

82 Entrevista realizada em 18/11/2009. 83 Entrevista realizada em 20/11/2009 84 Entrevista realizada em 27/10/2009. 85 Entrevista realizada em 20/11/2009. 86 Entrevista realizada em 18/11/2009.

Page 107: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

106

(O BEMGE) Passou por um processo de digitalização de documentos muito interessante, eles investiram muito dinheiro nisso. Não sei se o Itaú aproveitou, porque o Itaú viu várias idéias boas no banco, então, muita coisa [...] o que o banco tinha de melhor parece que eles pegavam, mas isso eu não sei te informar, porque é o que eu estou te falando, o que tinha de pior o Itaú, mas muita coisa o Itaú ficou surpreendido porque é processo interno do BEMGE [...] P-com a modernidade do BEMGE? R –é, na época, com o serviço que nós estávamos fazendo, porque no final o BEMGE investiu muito dinheiro, eu achei meio estranho, depois entrou esse negócio de privatização, tipo por um processo de digitalização. Há dez anos atrás eles escaneavam, tinha um processo, que você entrava no computador, você via qualquer documento, como tem agora hoje aqui na EMPRESA [...] isso há dez, doze anos atrás... Então ele investiu um investimento, tinha técnico lá de uma firma que ficou quase seis meses lá, uma firma, ele que criou esse processo, então era bem interessante, então o BEMGE investiu nisso, agora tem certos investimentos, sabendo que ia ser privatizado né?! (Diogo - informação verbal)87.

E o banco sempre tinha sido pioneiro em algumas medidas tecnológicas. O BEMGE sempre primou por isso, então, assim, vou te dar um exemplo prático, na época do BEMGE a gente já conseguia sacar um cheque de determinado valor em qualquer agência do estado do Brasil, através de um sistema de microfilmagem que ele tinha de assinaturas. Então, como ele buscava essa tecnologia e não cobrava da gente o cumprimento de metas a coisa andava, andava de uma forma tranqüila e todo mundo tinha esse respeito pela instituição. (Conceição - informação verbal)88.

Toda a tecnologia do BEMGE foi incorporada pelo Itaú e contribuiu para o

aprimoramento do banco. Na visão dos bancários, a forma BEMGE de se trabalhar era

melhor. Os mesmos resultados que o Itaú buscava eram encontrados no BEMGE sem tanta

pressão e tanta cobrança. O “velho BEMGE” ficou na memória e na identidade dos seus ex-

funcionários e até hoje BEMGEÁRIOS. Pessoas que mesmo com o fim do banco ainda se

emocionam quando passam na Praça Sete e vêem o edifício do BEMGE. Como já foi dito,

não foi encontrado nenhum ex-BEMGEÁRIO. Os funcionários do BEMGE carregam, com

orgulho, o fato de terem trabalhado no banco e até hoje alguns buscam estar em contato com

os antigos colegas. Seja indo à Praça Sete para conversar com os outros BEMGEÁRIOS, seja

participando de associações como a AJUBEMGE, uma associação de aposentados do

BEMGE que, entre outras atividades, luta pelos direitos dos ex-funcionários e pensionistas do

BEMGE, promove festas e confraternizações que visam manter vivos os sentimentos de

pertencimento e identidade, não com banco, mas com a história de vida que foi construída

nele. O BEMGE deixou de existir, mas ainda existem os BEMGEÁRIOS.

87 Entrevista realizada em 13/11/2009. 88 Entrevista realizada em 27/10/2009.

Page 108: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

107

4.3 Bancários em questão: quem éramos e quem nos tornamos? Reflexões sobre a fusão

O novo banco que surgiu a partir dessa fusão é hoje um dos maiores do Brasil, com

agências espalhadas em todo o território nacional e reconhecido internacionalmente como um

banco líder na América Latina (ITAÚ,2009). Com o processo de privatização dos bancos

estaduais, segundo os entrevistados, os compradores teriam sido quem mais lucrou. O que nos

leva a refletir sobre a necessidade da privatização dos bancos estaduais.

Ao avaliarem o processo de privatização, os BEMGEÁRIOS têm diferentes visões,

mas são unânimes em admitir que a venda do banco foi um erro. O neoliberalismo do período

Fernando Henrique Cardoso, aparece como o vilão e a venda dos bancos públicos e das

empresas estatais representa a liquidação do patrimônio do povo brasileiro.

BEMGE foi privatizado por 583 milhões, o governo gastou um milhão e meio pra saneá-lo . Depois que o banco estava redondinho, do ponto de vista econômico, aí foi entregue pra iniciativa privada. E, assim, foi com o CREDIREAL, eu não me lembro dos valores, mas eu sei que ele foi vendido por um terço que o governo injetou, e tem casos aí de privatizações federais em que o BNDS emprestou dinheiro [...] o caso da VASP, por exemplo, que é o mais emblemático, em que o governo emprestou o dinheiro pro Canhedo adquirir a VASP, ele lucrou durante um período com a empresa e deixou de pagar o empréstimo ao BNDS, então assim qualquer um quer adquirir uma empresa. As privatizações de um modo geral foram lesivas à a população, ao patrimônio publico e, então, eu acho que hoje os brasileiros estão mais conscientes do engodo que foi esse processo de privatizações. (Cláudio - informação verbal)89

As percepções sobre esse fato, porém, quando avaliadas hoje, variam de acordo com o

lugar de cada um dos entrevistados. A vida deles tomou outro norte após a privatização. Os

depoimentos, divididos em grupos de filiação, são identificados ao longo do texto.

A interpretação dos sindicalistas do processo é bem ligada à sua militância junto aos

bancários. Estes reconheceram, com mais clareza, os prejuízos que os colegas sofreram e, de

acordo com eles, tentaram e ainda tentam lutar para que estes prejuízos sejam minimizados. O

processo de privatização e suas conseqüências foi para o sindicato e para os sindicalistas um

momento de desafio de representação da categoria. Como representar a categoria que se via

impactada por um processo em que as perdas eram inevitáveis? A visão deles é mais ampla e

busca refletir sobre o processo não apenas no BEMGE, em Minas Gerais ou em Belo

Horizonte, mas sim no país. E comparativamente com outros estados o SEEB-BH foi um dos

que conseguiu a garantia de mais direitos dos funcionários dos bancos estaduais privatizados.

89 Entrevista realizada em 27/10/2009.

Page 109: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

108

Acho que nós fizemos o que foi possível na época, conseguimos uma grande mobilização, é ,as pessoas muitas perceberam o que ia se dar e já procuraram outras alternativas, mas saíram com mais direitos do que o estado e o sucessor queriam garantir no processo de privatização. Conseguimos manter um número razoável de postos de trabalho, mas perdemos aí cerca de 7 mil postos de trabalho, metade disso ou pouco mais antes de privatização, posterior a privatização uns 40% disso. Mas foi o que foi possível dentro daquela conjuntura, dentro da correlação de forças existentes, eu acho que foi feito, nós tivemos até, comparativamente a outros estados, nós tivemos êxito [...]. mas foi um verdadeiro genocídio aí nesse país afora de trabalhadores de bancos estaduais (Cláudio - informação verbal)90.

O que é mais questionado pelos sindicalistas é o saneamento do banco com o dinheiro

público para depois privatizá-lo. Para os mesmos não houve coerência ou transparência em

todo o processo que envolve a privatização. O banco Itaú é apontado como o grande ganhador

com a privatização do BEMGE e de outros bancos estaduais.

Hoje, avaliando o processo, não tinha necessidade de o banco ser privatizado. Eu continuo com a mesma idéia. O banco foi dado ao banco Itaú, porque a privatização, na época o governo injetou pra sanear o banco um bilhão e duzentos milhões de reais. O banco foi vendido por 583 milhões de reais. O banco tinha de credito podre, aqueles créditos duvidosos que você não ia receber foi provisionado em torno de 250 milhões e foi passado pro BDMG e de créditos bons que você ia receber, estaria em torno de 330 milhões. Então, olha, se você fizer uma conta muito simples, não precisa ser bom entendedor. Se você pegar 583 milhões, se você tirar 330 milhões que você vai receber, sobra uns 200 milhões que você vai desembolsar. Além do mais, o banco, a compra do banco foi financiada pelo BNDS. Então assim, o banco também ele tem um fundo previdenciário, que é a previdência privada nossa, chama fasbemge. Esse fundo de previdência privado nosso, na época ele tinha 600 milhões de saldo, em 1998 , quando o real era um por um em dólar. Então 600 milhões de dólares, você tinha ai. Então a dinheiro de hoje você tinha mais de um bilhão, em reais naquele fundo. Você vai comprar uma empresa, você vai ter todos esses benefícios, ainda vai gerir um fundo de um bilhão e duzentos, e vai direcionar pra onde quer que seja essa aplicação, na minha empresa. Ora isso é a mesma coisa de você colocar raposa pra tomar conta do galinheiro... Então foi isso que significou a privatização, foi entrega mesmo do patrimônio público. O Itaú cresceu muito, hoje é a maior potencia da America latina em bancos, muito em cima da privatização dos bancos estaduais. Comprou o BEMGE, comprou o banco do estado de Goiás, comprou o BANESTADO, banco do estado do Paraná e comprou o banco do estado da Bahia, comprou o BANERJ. Então porque que o Itaú se interessou tanto nos bancos estaduais assim? Porque ele descobriu o filé, ali o patrimônio tava sendo entregue ali e como foi entregue de mão-beijada. (Eustáquio - informação verbal)91.

A categoria bancária pode ser divida, na visão dos sindicalistas, como antes e depois

das privatizações. Essas, para eles, forçaram um reordenamento do modo de ser bancário e do

fazer bancário. Hoje não é apenas o trabalhador dos bancos que executa os trabalhos

bancários, é o funcionário da casa lotérica, é o digitador da empresa terceira, entre outros.

90 Entrevista realizada em 27/10/2009. 91 Entrevista realizada em 18/11/2009.

Page 110: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

109

Para os sindicalistas, a fragmentação da categoria é um dos grandes desafios na representação

sindical.

O maior desafio nosso é representar todos os trabalhadores do ramo financeiro, não dá pra fazer discussão mais, só enquanto bancário, porque não é só o bancário que executa os trabalhos bancários [...], o ordenamento do trabalho bancário, da forma como eles conceberam o trabalho bancário nas ultimas duas décadas, teve esse motivo, reduzir o custo, enfraquecer as entidades representativas e conseqüentemente reduziu o salário a força de trabalho e também, mesmo sob a velha discussão de qualidade total, qualidade total nada mais é que a maximização dos lucros, não tem melhora de qualidade para a população .A questão importante do crédito, ela é garantida hoje porque nós conseguimos resistir. No caso dos bancos federais inicialmente conseguimos resistir à privatização porque, se não, nós não teríamos o crédito àqueles que mais precisam, que são a grande massa da população, dos pequenos e médios empresários, micro empresários, que produzem a riquezas desse país [...] (Cláudio - informação verbal).

As novas formas de gestão forçaram o trabalhador bancário a se adaptar e com isso

houve a quebra de valores que eram os que ordenavam a categoria e os princípios sindicais,

como a coletividade e a importância da luta coletiva para a conquista de resultados mais

eficazes. Lutar contra o individualismo dentro da categoria é um dos desafios.

O principal desafio é quebrar o individualismo atual. Hoje, eu acho que é nosso principal desafio. Porque hoje em dia ta todo mundo muito preocupado em se sustentar em se fazer crescer. O Bancário hoje ele não se reconhece mais como uma coletividade, como uma categoria unida e forte que pode conquistar algumas coisas com união, então esse desafio incomoda muito. Eu acho o mais difícil, de todos eu acho esse o mais difícil. Mas aí tem as outras dificuldades que são mais atinentes à representação efetivamente que seria as conquistas, hoje em dia não são... são bem mais difíceis de serem alcançadas [...] a gente não tem mais não sei como era na época também né, talvez até pelo conjunto hoje em dia não se tem mais a união, a força da união e as conquistas são mais difíceis por isso. Por que a gente briga meio que só sozinho [...] (Conceição - informação verbal)92.

Para os funcionários demitidos por vontade própria, ou não, durante o processo, ficou

a marca da demissão e da dificuldade de recolocação no mercado de trabalho. Ficaram os

traumas, as doenças, as perdas financeiras e todo tipo de perda que o indivíduo pode sofrer.

Foi um impacto grande, um sofrimento, como trabalhadores e como seres humanos mesmo. [...] Foi um impacto emocional primeiramente, de saúde, e financeiro. Porque era um momento em que minha família estava muito jovem, meus meninos ainda eram muito novos, estudando, e o momento que eu mais precisava de uma estabilidade, e de um emprego. [...] eu até queria continuar no serviço bancário, porque eu sempre gostei, mas, no nosso país a discriminação por idade, embora eu fosse uma pessoa que tivesse um perfil pra trabalhar em banco, já tivesse curso superior, então a idade impediu que eu encontrasse outro emprego, tanto em banco quanto em outras empresas, foi muito difícil e fiquei muito tempo procurando. (Ângela - informação verbal)93.

92 Entrevista realizada em 27/10/2009. 93 Entrevista realizada em 08/08/2009.

Page 111: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

110

Para a maioria dos funcionários que ficaram, iniciou-se o contar de horas e dias para a

aposentadoria. Não gostavam de trabalhar para um banco privado, mas suportaram as

pressões pela própria sobrevivência.94 A necessidade do trabalho e do emprego falou mais alto

que o amor que eles tinham ao BEMGE ou ao serviço bancário.

Alguns BEMGEÁRIOS entenderam a privatização e a mudança de bandeira como

uma oportunidade para crescimento. Enquanto para alguns esse processo foi traumático a

ponto de fazê-los parar, abandonar o serviço ou perder o prazer em trabalhar, para outros foi a

oportunidade de continuar vivendo. Apesar das perdas, que foram inegáveis para todos, houve

em alguns BEMGEÁRIOS o reconhecimento de que foi possível crescer após o processo.

Acho que eu melhorei como profissional. Apesar de a gente ganhar muito mais... mas isso é o mercado, num foi o Itaú que diminuiu nosso salário. É assim a gente ganhava muito melhor, nossa! [...] Mas eu acho que é o mercado que foi defasando o salário da gente e a, gente num foi acompanhando. Então financeiramente não foi muito bom não, no tempo do BEMGE a gente ganhava muito mais. Mas, eu acho que como pessoa, como responsabilidade, eu acho que eu cresci muito depois que virou Itaú. (Esther - informação verbal)95.

Mas eu acho que todos nós que vivemos isso tudo, essa mudança de uma coisa muito boa pra uma coisa traumática, com cobrança, depois de superado o trauma aquelas perdas financeiras, aquelas perdas profissionais de ambiente de trabalho, garantia de emprego aquelas coisas, saiu fortalecido, saiu diferente, mais maduro. Isso foi bom é um processo que é traumático, mas que depois que você supera é bom é um saldo positivo. Você leva pra sua vida [...]. (Deborah - informação verbal)96.

Percebe-se que para a entrevistada o saldo positivo está ligado ao que foi construído

no banco ao longo do período em que ele existiu e em que foi possível trabalhar nele. A

“Família BEMGE”, os laços que foram ali estabelecidos, as festas, as reuniões, os amigos e as

várias boas lembranças do banco que, para grande parte deles, foi o local onde foi aprendida a

profissão que os deu uma identidade e uma identificação. O BEMGE estará na memória e nas

mais singelas recordações dos BEMGEÁRIOS. Assim como os filhos que sofrem com o

divórcio dos pais e ao longo do tempo vão superando a dor das mais variadas perdas há, nos

BEMGEÁRIOS, essa superação. Os filhos serão sempre filhos, independentemente dos rumos

dos pais. Os BEMGEÁRIOS serão sempre BEMGEÁRIOS, mesmo com o fim do BEMGE.

94 Entrevista realizada em 29/01/2010. 95 Entrevista realizada em 20/11/2009. 96 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 112: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

111

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação teve como objetivo central realizar um estudo acerca das

mudanças identitárias entre os bancários − tendo como ponto norteador a relação entre

identidade e trabalho − devido ao contexto de reestruturação produtiva e das privatizações e

fusões. O objeto empírico escolhido foi o processo da fusão do BEMGE com o Itaú na década

de 1990. O palco dos acontecimentos analisados foi a cidade de Belo Horizonte, por ser a

maior praça bancária do estado de Minas Gerais e por concentrar o maior número de agências

do BEMGE, sendo também a sede desse banco.

Esse processo de fusão, como se explicitou no primeiro capítulo, insere-se em um

contexto que é configurado por dois elementos: a reestruturação produtiva e a reestruturação

do sistema bancário nacional na década de 1990. Tais medidas redefiniram o perfil do sistema

bancário brasileiro, bem como o perfil do trabalhador do setor. A reestruturação produtiva

propõe – usado no presente porque se trata de um processo ainda em curso – novas formas de

gestão e organização do trabalho, visando maior aproveitamento de todas as esferas que

envolvem a produção. Está ancorada em elementos como informática e automação; mudança

de relação entre empresas; terceirização; transformações nos processos de produção e gestão

empresarial; alterações na organização do trabalho. No Brasil esse fenômeno ganhou

intensidade após o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, mas o seu embrião pode

ser encontrado em períodos anteriores. A partir de fins da década de 1970 já se nota as

primeiras transformações nas formas de gestão e produção. De meados de 1980 a 1990 são

introduzidas no país as tecnologias microeletrônicas que dão suporte às principais

transformações nas formas de gestão e organização do trabalho que se desenvolveram após

1990. (ANTUNES, 2001; BLASS, 1998; MEIRELES FILHO, 1998; NEVES, 1998).

O fenômeno da reestruturação produtiva atingiu o setor bancário nacional, impondo

aos bancos e ao próprio SFN − sistema financeiro nacional −, a readequação à nova lógica.

Desde a década de 1960 o sistema bancário brasileiro tem sido alvo de modificações tanto em

sua estrutura operacional quanto de trabalho, mas essas mudanças se evidenciaram a partir da

década de 1990 com a introdução de novos agentes, como o aumento do uso de tecnologias e

de métodos gerenciais diferenciados, que redimensionaram o serviço bancário, transformando

também o perfil do profissional da área. Aliado a esse fenômeno, no mesmo período, as

medidas que tinham como objetivo o ajuste do SFN ganharam força. Entre essas medidas

destacaram-se os ajustes nos bancos federais e o desmonte de empresas estatais, com a

Page 113: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

112

privatização de empresas públicas, entre as quais os bancos estaduais. (JINKINGS, 2006:

RUHENA, 2004; BIONDI, 1999).

Com as privatizações houve, além de demissões em massa, os programas de demissão

e aposentadoria voluntárias97. Ao saírem dos bancos, aqueles trabalhadores perderam a um só

tempo o emprego e sua identidade de trabalhador bancário. Como ficou claro a partir desta

dissertação, mas também explicita-se em Rodrigues (2004) e Gussi (2005; 2006), o trabalho

permanece, a despeito de todas as alterações, como um elemento fundamental na construção

da identidade, já que é ele que dá ao sujeito uma referência de quem ele é, conforme indicam,

entre outros, Castel (1998), Bosi (2004), e Coutinho, Kraulski e Soares (2007).

Notou-se no presente estudo de caso a partir da privatização do banco uma redefinição

no curso da trajetória identitária dos funcionários do BEMGE. Como apontou Gussi (2005;

2006), os pilares nos quais se baseavam a identidade dos funcionários dos bancos públicos, a

saber, a estabilidade a trajetória comum da coletividade, foram abalados. Assim os

BEMGEÁRIOS, tiveram que buscar a (re)construção dos fundamentos da identidade

profissional que foram abalados com a privatização.

Os funcionários do BEMGE utilizaram-se das mais variadas metáforas para traduzir

seu sentimento com relação àquele momento e, em comum, tais metáforas tinham a referência

clara a situações irreversíveis, como morte, separação, perda da família e “invasão”,

explicitando como aquele período foi pontuado por medo, seja da instabilidade da perda do

emprego ou simplesmente da mudança. Como se sabe, o que ocorreu no setor bancário já

havia acontecido em outros setores. Como indicam Neves (1998) e Dupas (1999), uma das

conseqüências da reestruturação produtiva para o trabalhador foi a sua exclusão do processo

produtivo e, muitas vezes, do próprio mercado de trabalho, em decorrência de fatores como a

idade e a falta de qualificação, já que as atividades que antes eram desenvolvidas por eles não

atendem as novas demandas do setor produtivo.

Rodrigues (2004), em sua pesquisa no Banco do Brasil e Gussi (2005; 2006), no

BANESPA, afirmaram que ao ser demitido ou ao se demitir, mesmo contra a vontade,

perdendo a “família” construída no banco, o indivíduo teve a interrupção brusca de um ciclo

que em sua concepção terminaria apenas com a sua aposentadoria, como se tivesse havido

uma “antecipação da morte”. Também no caso do BEMGE foi possível usar essa analogia, já

97 Como foi dito ao longo da dissertação, no caso do BEMGE/Itaú, alguns funcionários do BEMGE foram

mantidos no Itaú, mas a forma de ser bancário já não era mais a mesma, tanto porque já não se tratava mais de um banco de economia mista, seja porque a própria reestruturação produtiva afetou e modificou sobremaneira o tipo e a forma de trabalho.

Page 114: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

113

que os BEMGEÁRIOS explicitaram um sentimento muito próximo. Também eles falaram em

família BEMGE e no fim dessa família e, com isso, de uma parte de sua própria história.

A privatização e, mais tarde a demissão representou a “morte” de uma trajetória de

vida construída no banco e até mesmo de um possível futuro estável com uma boa

aposentadoria, como recompensa por seus anos de dedicação. Nota-se que houve, na

concepção dos entrevistados, o fim de uma coletividade. A “morte”, de um grupo que até

então tinha uma trajetória em comum com lutas e reivindicações específicas dos funcionários

dos bancos públicos. Os funcionários dos bancos públicos tinham uma trajetória diferente dos

funcionários dos bancos privados. Essa diferenciação, apesar de por vezes negada, se tornava

clara no momento da privatização, quando dois modelos de gestão foram confrontados, um

modelo de gestão público, voltado teoricamente para o desenvolvimento regional e um

modelo de gestão privado, voltado para o lucro (GUSSI, 2005; 2006).

No caso aqui investigado, como se explicitou ao longo da dissertação, ao discorrer

sobre esses diferentes modelos de gestão e de administração, havia certa tensão por parte dos

entrevistados. O modo de gestão Itaú, diferentemente do banco estadual era marcado, na visão

dos entrevistados pela burocracia, pela formalidade e pela política de incentivos à

produtividade, enquanto o serviço no BEMGE foi descrito como sendo mais “informal”, sem

muitas cobranças e, por outro lado, vinculado aos “desmandos” do governo estadual.

Observa-se que a tensão reside no fato de que mesmo considerando o BEMGE um ótimo

lugar para se trabalhar, havia certa discordância, por parte de alguns funcionários, com as

formas de gestão no banco. Nota-se que o Itaú é apontado por eles como um banco

“profissional” e o BEMGE não, exatamente porque ali era um lugar onde as regras de

trabalho eram freqüentemente quebradas.

Foi observado em todos os discursos o saudosismo e a idealização da “família

BEMGE”. A questão é: esse amor era devotado à “família” ou ao BEMGE? Esse

questionamento, apesar de não ter sido feito formalmente, é um dos mais intrigantes. Há

momentos de declarações de amor explícitas ao banco, mas que banco é esse? Ou, melhor

dizendo, quem é esse banco? O BEMGE era amado por causa das trajetórias construídas ali e

pelas pessoas que faziam parte da vida uns dos outros e dos laços de sociabilidade que ali

eram estabelecidos, esse era o banco que permanece na memória, idealizado pelos seus

funcionários. Como aponta Rodrigues (2004), pode-se perceber a existência de dois bancos, o

banco mítico que está idealizado na memória e o banco da realidade, aquele onde os

funcionários trabalhavam. Um banco com conflitos internos, com promoções que pareciam

injustas a alguns, por relações de apadrinhamento, um banco que era regido de acordo com os

Page 115: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

114

desígnios a política estadual e profundamente influenciado por ela, e que apresentou um dos

maiores quadros de funcionários com LER do Estado de Minas Gerais no ano de 1995,

segundo dados apresentados nos artigos, “LER no BEMGE: mau sinal” (1995) e LER cresce

200% no BEMGE” (1996) dos boletins “O Bemgeário” dos meses de agosto de 1995 e março

de 1996. Nota-se nos discursos essa separação e essa ambigüidade, que nos revelam o quão

eram contraditórias as relações estabelecidas entre o banco e seus funcionários.

Observa-se que é ao banco mítico que os BEMGEÁRIOS se referem e é nele que se

localiza sua referência identitária. A memória é nesse caso o suporte fundamental da

identidade que, mesmo alterada, permanece para os ex-funcionários do BEMGE. Nota-se que

há uma idealização do passado que sempre aparece como “o melhor dos tempos”, e a época

da privatização e o após a privatização é descrito como um tempo adverso, como o “pior dos

tempos”. Reside na memória dos entrevistados um BEMGE com certa “aura mítica”, sem as

contradições e conflitos que, se eles não negam que existiram, quando falam dessas

contradições o fazem de modo que as torna menos relevantes que as qualidades do banco,

essas descritas em uma lente de aumento, fundamentado uma identidade que lhes escapa hoje,

a partir de representações do BEMGE idealizadas pela memória.

Os trabalhadores que não se adaptaram ao novo banco e às novas demandas impostas

por ele e preferiram buscar novas trajetórias profissionais, ainda guardam na memória o banco

idealizado. Para esses sujeitos o BEMGE carrega aquela “aura mítica” a que se refere

Rodrigues (2004), em relação ao Banco do Brasil. A perda do banco é aliada a outras perdas,

a financeira, a da “família” e principalmente a perda, ou o enfraquecimento, dos laços de

sociabilidade que haviam sido constituídos naquele local e que eram parte fundamental da

identidade do BEMGEÁRIO.

Dos tempos de banco eles têm certo orgulho e guardam nas lembranças a

representação de uma “Família” e de uma identidade, que ainda que “esfacelada” resiste ao

tempo, mas carrega as ambigüidades e contradições de quem viveu o processo da privatização

e da demissão. É perceptível que esses funcionários sempre terão a referência do BEMGE

como o melhor lugar para trabalhar. Nota-se que os “bons tempos” estão ligados às

representações construídas no BEMGE e não à instituição BEMGE. Esses BEMGEÁRIOS

construíram e reconstruíram sua identidade pessoal e profissional tendo como referência as

experiências, ainda que idealizadas, que vivenciaram no BEMGE.

Os BEMGEÁRIOS que permaneceram no banco a despeito de todos os problemas que

surgiram com os “Itaú raça pura”, com o fim da “Família” e com a cultura de trabalho

Page 116: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

115

diferenciada, conseguiram traçar outra trajetória profissional no “novo banco”, como afirma

Deborah,

Mas eu acho que todos nós que vivemos isso tudo, essa mudança de uma coisa muito boa pra uma coisa traumática, com cobrança, depois de superado o trauma, aquelas perdas financeiras, aquelas perdas profissionais de ambiente de trabalho, garantia de emprego, aquelas coisas, saiu fortalecido, saiu diferente, mais maduro. Isso foi bom é um processo que é traumático, mas que depois que você supera é bom é um saldo positivo. Você leva pra sua vida [...]. (Deborah − informação verbal)98.

Embora reconheçam que o Itaú também tem suas vantagens, quando questionados:

qual lugar melhor para se trabalhar? Esses funcionários dizem preferir o BEMGE. E de novo

a pergunta vem à tona: a que BEMGE essas pessoas se referem? Ao mítico ou ao real? Ao

banco da memória ou ao das contradições? Nota-se que o banco das contradições e problemas

é esquecido e o banco idealizado aparece o que reforça a idéia que a memória tende a

idealizar o passado em detrimento do presente.

Apesar dos funcionários do BEMGE dizerem que com o fim do banco acabou a

“família BEMGE”, o que se nota é que houve, na verdade, uma alteração no “padrão”

estabelecido dessa “família”. Não há mais o espaço físico de encontros diários, como os que

ocorriam “no tempo de banco”, mas, a ligação identitária ainda existe, mesmo que alterada.

Os ex-funcionários ainda se intitulam BEMGEÁRIOS e alguns buscam estar em contato com

os colegas, como se viu nas comunidades virtuais. Observa-se que o que ocorreu é mais bem

descrito na metáfora de um divórcio que não significa o fim da família, mas um novo “arranjo

familiar”. Ou seja, mesmo com o fim do banco a identidade ligada a este permanece viva na

memória dos seus ex-funcionários. Apesar do discurso por vezes ambíguo, observa-se que

para os seus funcionários o BEMGE é o lugar onde se construiu e compartilhou uma trajetória

de vida, criando, assim, laços inquebráveis entre o banco e a identidade dos funcionários. O

“curso” da identidade BEMGEÁRIA mudou, mas não acabou, mesmo com o fim do banco. E

seu fundamento principal é a memória que, como aponta Delgado (2006), é “esteio” de

identidades.

98 Entrevista realizada em 20/11/2009.

Page 117: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

116

REFERÊNCIAS ACCORSI, André, Automação bancária e seus impactos: caso brasileiro. Revista de Administração, São Paulo, v.27, n.4, p. 39-46, out./dez. 1992.

AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. MANA , Rio de Janeiro, v.7, n.2, p.7-33, 2001.

ALVES, Ana Elisabeth Santos. Qualificação e trabalho bancário no contexto da reestruturação produtiva . Vitória da Conquista: Edições UESB, 2005. 300p.

ALVES, Giovanni. Trabalho e sindicalismo no Brasil dos anos 2000: dilemas da era neoliberal. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p.461-472.

AMORIM, Wilson A. C.; CERQUEIRA, Hugo E. A. da Gama. Evolução e características do emprego no setor bancário. Revista de Economia Política, v.18, n.1, p.141-157, jan./mar. 1998. Disponível em: <http://www.rep.org.br/pdf/69-9.pdf> Acesso em: 15 abr. 2009.

ANTUNES, Ludmila Rodrigues. Reestruturação produtiva e sistema bancário: movimento sindical brasileiro nos anos 90. 2001. 256fl. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000246432> Acesso em: 13 mar. 2009.

ANTUNES, Ricardo. A era da informação e a época da informalização: riqueza e miséria do trabalho no Brasil. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 15-25.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaios sobre a metamorfose e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1997. 155p.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Bointempo, 2003. 258p.

ARAUJO. Elder Linton Alves de. Os bancos públicos frente ao processo de privatização e internacionalização bancária no Brasil nos anos 90. 2001, 105fl. Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000225879> Acesso em:13 mar. 2009.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Manual da supervisão: acordo de Basiléia. Publicado em 23/09/2008. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/gmn/visualizacao/ listarDocumentosManualPublico.do?method=visualizarDocumentoInicial&itemManualId=205&idManual=1>. Acesso em: 21 maio 2009.

BANCO ITAU. ITAU 60 anos de história. Disponível em: <http://www.itau.com.br/ bem_vindo/conheca_emp_historiaitau.htm>. Acesso em: 21 maio 2009.

BARROS, Vanessa Andrade; NOGUEIRA, Maria Luisa M. Identidade e trabalho: reflexões a partir de contextos precarizados e excludentes. Educação Tecnológica, Belo Horizonte, v.12, n.3, p.10-12, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www2.cefetmg.br/ dppg/revista/revistan12v3.html#Tit4>. Acesso em: 10 fev. 2010.

Page 118: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

117

BARTH, Fredrik. Os Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne (Org..). Teorias da etnicidade. São Paulo: Editora da UNESP, 1998. p.187-227.

BASTOS, Elaine. Itabira e a Companhia Vale do Rio Doce: interações e identidade no tempo da modernidade. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=105526>. Acesso em: 29 dez. 2009.

BEMGE aposta na confusão. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, n.54, set. 1994.

BEMGE implementa mudanças sem discutir com os funcionários. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, set. 1997.

BEMGE lucra R$467 milhões no trimestre. O Tempo, Belo Horizonte, 26 ago. 1999. Disponível em: <www.intranet/ancoraseg/>. Acesso em: 21 set. 2009.

BEMGEÁRIOS decidem resistir as demissões. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo, Belo Horizonte, abr. 1997.

BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Perseu Abramo, 1999. 47p

BLASS, Leila Maria da Silva. O dito e o não dito nas propostas dos trabalhadores, sindicatos, governos e empresários. In: CARVALHO NETO, Antonio M.; CARVALHO, Ricardo Augusto A.(Org.). Sindicalismo e negociação coletiva nos anos 90. Belo Horizonte: IRT. PUC Minas, 1998. p. 287-301.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 2004. 484p.

CALENDÁRIO da privatização. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, abr. 1998..

CARVALHO, Guilherme. Impactos da internacionalização financeira sobre o sindicalismo bancário curitibano. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 14, 2009, Rio de Janeiro. XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://starline.dnsalias.com:8080/sbs/arquivos/19_8_2009_ 11_3_7.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2009.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. 611p.

CASTELLS, Manoel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 530p

CERQUEIRA, Hugo E. A. da Gama; SIMÕES, Rodrigo. Modernização e diferenciação econômica em Belo Horizonte. Vária História: Revista do Departamento de História da UFMG . Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1997. p. 443-463.

Page 119: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

118

CHELOTTI, Antonio C. S. Reestruturação produtiva no setor bancário e o adoecimento do funcionário: estudo de caso em um banco público. 2005. 100fl. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.

CIAMPA, A. C. A estória de Severino e a história de Severina: um ensaio de psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2007. 242p.

COMO as reformas de FHC atingem os bemgeários. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo, Belo Horizonte, 13 mar. 1995.

COUTINHO, Maria C.; KRAULSKI, Edite; SOARES, Dulce H. P. Identidade e trabalho na contemporaneidade: repensando articulações possíveis. Psicologia & Sociedade, v.19, n.1, p.29-37, 2007. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/ seerpsicsoc/ojs/viewarticle.php?id=151>. Acesso em: 28 dez. 2009.

DEJOURS, Christopher; DESSORS, Dominique; DESRLAUX, Francois. Por um trabalho fator de equilíbrio. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.3, n. 33, p 98-104, 1993. Disponível em: <http://www16.fgv.br/rae/artigos/680.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2010.

DELGADO, Lucília de A. Neves. História oral: memória, tempo e identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.136p.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Notas sobre a privatização do BEMGE. São Paulo, DIEESE, 1998. Disponível em: <http://www.dieese.org.br/cedoc/019648.pdf>. Acesso em: 21 maio 2009.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. O rosto dos bancários: mapa de gênero e raça do setor bancário. São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.dieese.org.br>. Acesso em: 12 dez. 2008.

DIMINUIR o tamanho do BEMGE é o caminho? O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo, Belo Horizonte, abr. 1997.

DOMINGUES, José Maurício. Desencaixes, abstrações e identidades. Revista USP, São Paulo, n. 42, p.20-33, jun./ago. 1999.

DOMINGUES, José Maurício. Sociologia e modernidade: para entender a sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.159p.

DRUCK, Graça; MONY, Annie Thébaud. Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A perda da razão social do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2007. p.23-58.

DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra. 2001. 257p.

DUPAS, Gilberto. Impactos sociais e econômicos das novas tecnologias de informação. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL: IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO: UNIVERSIDADE E SOCIEDADE, 1999, São Paulo. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~cesar/simposio99/Dupas.rtf>. Acesso em: 12 fev. 2009.

Page 120: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

119

É PRECISO parar com as demissões no BEMGE O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, mar. 1996.

FARIA, João Adelino; MARINHO, Alexandre; PAULA, Luiz Fernando de. Eficiência no setor bancário brasileiro: a experiência recente das fusões e aquisições. In: PAULA, Luiz Fernando de; OREIRO, José Luís (Org.). Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 125-154.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. 213p.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. 233p.

GOLDEMBERG, Miriam. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Record, 1999. 107p.

GOVERNO anuncia federalização do BEMGE. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo, Belo Horizonte, dez. 1997.

GOVERNO marca data da privatização: BEMGE desrespeita acordo com seus empregados. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo, Belo Horizonte, abr. 1998.

GOVERNO mineiro aumenta ataques aos bancos estaduais. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, fev. 1997.

GRISCI, Carmem Lígia I.; BESSI, Vânia Gisele. Modos de trabalhar e ser na reestruturação bancária. Sociologias, Porto Alegre, Ano 6, n.12, p.160-200, jul./dez. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/n12/22260.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2009.

GUSSI, Alcides Fernando. Entre mortes e (re)nascimentos no trabalho: mudanças de um banco público estadual, em narrativas biográficas. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 25, 2006, Goiânia. 25º Reunião Brasileira de Antropologia. Goiânia: Associação Brasileira de antropologia, 2006.

GUSSI, Alcides Fernando. Pedagogias da experiência no mundo do trabalho: narrativas biográficas no contexto de mudança de um banco público estadual. 2005. 356fl. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code= vtls000359158>. Acesso em: 25 nov. 2009.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. 102p.

ICHIKAWA, Elisa Y.; SILVA, Regina A. A representação social na esfera pública: percepções sobre o funcionário público em uma administração municipal. Qualit@s Revista Eletrônica, v.9, 2009. Disponível em: <http://revista.uepb.edu.br/index.php/ qualitas/article/view/573/349>. Acesso em: 02 fev. 2010.

ITAU anuncia fusão com o UNIBANCO. Gazeta Mercantil, São Paulo, 03 nov. 2008. Disponível em: <http://www.gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?Parms= 2160372,1,20,1> Acesso em: 20 out. 2009.

Page 121: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

120

ITAU compra o BEMGE por R$ 586 milhões. Estado de Minas, Belo Horizonte, 15 de setembro de 1998. Disponível em: <www.intranet/ancoraseg//>. Acesso em: 21 set. 2009.

JAIME JUNIOR, Pedro. Um texto, múltiplas interpretações: antropologia hermenêutica e cultural organizacional. In: CAVEDON, Neusa R.; LENGLER, Jorge Francisco B.(Org.). Pós-modernidade e etnografia nas organizações. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. p.145-169.

JINKINGS, Nise. A reestruturação do trabalho nos bancos. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p.189-206.

JINKINGS, Nise. O mister de fazer dinheiro: automatização e subjetividade no trabalho bancário. São Paulo: Boitempo, 1995. 135p.

JINKINGS, Nise. Os trabalhadores bancários em face da reestruturação capitalista contemporânea. Cadernos de pesquisa n.28, ago. 2001. Disponível em: <http://www. sociologia.ufsc.br/cadernos/Cadernos%20PPGSP%2028.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2010.

LARANJEIRA, Sonia M. G. O Trabalho em questão: transformações produtivas e a centralidade do trabalho no século XX. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v.15, n.22, p.39-62, 2º sem. 1997b.

LARANJEIRA, Sonia M. G. Reestruturação produtiva no setor bancário: a realidade dos anos 90. Educação &Sociedade, Ano 18, n.61, p.110-138, dez. 1997a. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v18n61/4701.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2009.

LEITE, Márcia de Paula. O paradigma produtivo. In: LEITE, Márcia de Paula. Trabalho e sociedade em transformação: mudanças produtivas e atores sociais. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo , 2003. p.33-61.

LEITE, Márcia de Paula. Reestruturação produtiva e sindicatos: O paradoxo da modernidade. In: LEITE, Márcia de Paula (Org.). O trabalho em movimento: reestruturação produtiva e sindicatos no Brasil. Campinas: Papirus, 1997. p.9-30.

LER cresce 200% no BEMGE. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, mar. 1996.

LER no BEMGE: mau sinal. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, ago. 1995.

LER: Ministério Público do Trabalho coloca BEMGE diante da verdade. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo, Belo Horizonte, jul. de 1997.

LIMA, Maria E. Antunes. Trabalho e identidade: uma reflexão à luz do debate sobre a centralidade do trabalho na sociedade contemporânea. Educação Tecnológica, Belo Horizonte, v.12, n.3, p.05-09, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www2.cefetmg.br/ dppg/revista/revistan12v3.html#Tit4>. Acesso em: 10 fev. 2010.

MAHL, Alzir A.; SCHMITZ, Arno. Reestruturação e automação bancária versus emprego: um balanço ao final dos anos 90. Teoria e Evidencia Econômica, v.8, n.15, p. 67-82, Nov. 2000. Disponível em: <http://www.upf.br/cepeac/download/rev_n15_ 2000_art4.pdf.> Acesso em: 12 maio 2009.

Page 122: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

121

MAIORIA é contra venda de banco estaual. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, abril de 1995.

MATTOSO, Jorge. A desordem do trabalho. São Paulo: Scritta, 1996. 210p.

MAY, Tim. Pesquisa social: questões, métodos e processos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

MEIRELES FILHO, José. Reestruturação Produtiva. In: CARVALHO NETO, Antonio M.; CARVALHO, Ricardo Augusto A.(Org.). Sindicalismo e negociação coletiva nos anos 90. Belo Horizonte: IRT. PUC Minas, 1998. p.313-321.

MERLO, Alberto R. C.; BARBARINI, Neuzi. Reestruturação produtiva no setor bancário brasileiro e sofrimento dos caixas executivos: um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.14, n.1, p. 103-122, jan./jun. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v14n1/ v14n1a07.pdf>. Acesso em: 15 maio 2009.

MONTE-MOR, Roberto Luís de Melo. Belo Horizonte, capital de Minas, século XXI. Vária História: Revista do Departamento de História da UFMG . Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1997. p. 467-486.

NEIVA, Fernando. Privatização do BEMGE foi prejuízo para todos. O Tempo, Belo Horizonte, 09 set. 2007. Disponível em: <www.otempo.com.br/otempo/noticias/?id Noticias=56298>. Acesso em: 20 maio 2009.

NEVES, Magda de Almeida. Reestruturação produtiva e estratégias no mundo do trabalho: as conseqüências para os trabalhadores. In: CARVALHO NETO, Antonio M.; CARVALHO, Ricardo Augusto A.(Org.). Sindicalismo e negociação coletiva nos anos 90. Belo Horizonte: IRT. PUC Minas, 1998. p. 329-338.

NIETHAMMER, Lutz. Conjunturas de identidade coletiva. Projeto História, São Paulo, n.15, p.119 -144, abr. 1997.

NORA, Pierre. Entre memória e a história a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10, p.7-28, dez. 1993.

O MENSALÃO mineiro. O Estado de São Paulo, São Paulo, 27 set. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/o-mensalao-mineiro,4200.htm>. Acesso em: 15 jan. 2010.

OFFE, Claus. Trabalho: a categoria chave da sociologia? Disponível em: <http://www. anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_10/rbcs10_01.htm>. Acesso em: 15 jan. 2010.

PARDINI, Daniel Jardim. A transformação cultural no processo de aquisição de empresas relacionadas do setor siderúrgico. 2004. 408fl. Tese (Doutorado em administração) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Ciências Econômicas, Belo Horizonte.

PAULA, Patrícia Pinto de. O trabalho na contemporaneidade. Do industrialismo ao informacionalismo: o trabalho humano continua na centralidade da produção?. Caderno de Debates Plural, Belo Horizonte, n.14, p.134-147, 2000.

Page 123: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

122

PDI: e a situação dos que ficam? O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, jun. 1997.

PLANO de demissões abre caminho para a privatização. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, abr. 1997.

QUEREMOS trabalhar em paz. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, n.55, set. 1994.

RESISTIR à privatização. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo , Belo Horizonte, 14 abr. 1998.

ROCHA, Everardo; BARROS, Carla; PEREIRA, Cláudia. Fronteiras e limites: espaços contemporâneos da pesquisa etnográfica. In: CAVEDON, Neusa R.; LENGLER, Jorge Francisco B.(Org.). Pós-modernidade e etnografia nas organizações. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. p.121-144.

RODRIGUES, Léa Carvalho. Metáforas do Brasil: demissões voluntárias, crise e rupturas no Banco do Brasil. São Paulo: Annablume, 2004. 389p.

RUHENA, Rita de Cássia Lage B. O sujeito bancário em face da reorganização do trabalho nos bancos: estudo de caso em um banco privado. 2004. 148f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.

SAHLINS, Marshal. O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção (parte I) Mana, Rio de Janeiro, v.3, n.1, p.41-73, 1997a.

SAHLINS, Marshal. O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção (parte II) Mana, Rio de Janeiro, v.3, n.2, p.103-150, 1997b.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999. 348p.

SCHWARTZMAN, Jacques; SOUZA, Ricardo C. G. O processo de fusões bancárias e o declínio do sistema financeiro mineiro. In: PAIVA, Paulo (Org.) Minas em questão. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 1988. p.171-216.

SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Reestruturação nos bancos no Brasil: desemprego, subcontratação e intensificação do trabalho. Educação & sociedade, Ano 20, n. 67, p. 183-209, ago. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n67/v20n67a06. pdf>. Acesso em: 28 dez. 2009.

SENNET, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

SILVA, Jair Batista da. A face privada de um banco público: experimentos flexíveis no Banco do Brasil. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 207-236.

Page 124: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

123

SINDICATO cobra do BEMGE manutenção do nível de emprego. O BEMGEÁRIO: Boletim Informativo, Belo Horizonte, n.52, jun. 1994.

SPINK, Mary Jane; LIMA, Helena. Rigor e visibilidade: a explicitação dos passos da interpretação. In: SPINK, Mary Jane (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, 2000. p. 93-122.

TOMEI, Patrícia, A.; BRAUNSTEIN, Marcelo, L. Cultura organizacional e privatização: a dimensão humana. São Paulo: Makron Books do Brasil, c1994. 94p.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz T. da (Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 07-72.

Page 125: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

124

APÊNDICES

APÊNDICE A - Perfil dos Entrevistados

� Arthur: Ex-funcionário do BEMGE que pediu seu desligamento após 12 anos de banco. Executou as funções de contínuo e escriturário. Atualmente é funcionário do SEEB-BH e foi através do sindicato que o contato com o entrevistado foi realizado.

� Ângela: Ex-funcionária do BEMGE que foi desligada aproximadamente um ano e meio após o processo de privatização. Por ser funcionária do setor administrativo, após a privatização do banco foi transferida para uma empresa terceirizada do Itaú, sendo demitida após a transferência dos setores administrativos para São Paulo após 20 anos de banco. Atualmente é funcionária pública. Foi realizado o contato através de amigos em comum.

� Benício: Ex- funcionário do BEMGE, aposentado após 30 anos de serviços bancários. Executou funções de contínuo, escriturário, chefe de serviços, subgerente e gerente. Após a aposentadoria não trabalhou em outro banco. O contato foi feito através de amigos em comum.

� Beatriz: Ex-funcionária do BEMGE, aposentada, trabalhou no banco por 21 anos. Ocupou cargos de escrituraria, secretária da superintendência, e no banco Itaú trabalhou por pouco tempo no atendimento ao cliente. Atualmente é estudante. O contato foi realizado através de um site de relacionamento.

� Conceição: Ex-funcionária do BEMGE e atual funcionária do banco Itaú, licenciada para exercer mandato representativo no sindicato da categoria a partir de 1998. Executou funções de escrituraria, setor interno, e agente comercial. Entrou para o serviço bancário através de concurso público. Atualmente é representante junto ao SEEB-BH, a partir de onde foi feito o contato para a entrevista.

� Cláudio: Ex-funcionário do BEMGE e atual funcionário do banco Itaú, licenciado para exercer mandato representativo no sindicato da categoria, a partir de 1998. Executou funções de escriturário. Foi vítimas da LER, Lesão por Esforços Repetitivos. Entrou para o serviço bancário através do concurso. Atualmente é representante junto ao SEEB-BH e o contato foi realizado através do mesmo.

� Diogo: Ex-funcionário do BEMGE demitido após a transferência do setor para São Paulo. Foi funcionário da financeira BEMGE e do banco BEMGE. Atuava no setor contábil. Atualmente é funcionário de uma universidade particular. O contato foi realizado através de amigos em comum.

� Eustáquio: Ex-funcionário do BEMGE e atual Itaú, licenciado para exercer mandato representativo no sindicato da categoria a partir de 1998. Antes do BEMGE havia trabalhado em um banco privado como caixa, no BEMGE executou a função de escriturário. Atualmente é representante junto ao SEEB-BH e o contato foi realizado através do mesmo.

Page 126: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

125

� Deborah: Ex-funcionária do BEMGE que foi transferida para o Itaú, sendo demitida em 2004. Ocupou cargos internos na área de informática e chegou a ser analista pleno do banco Itaú. Atualmente é estudante. O contato foi feito através de amigos em comum.

� Esther: Ex-funcionária do BEMGE e atual Itaú. Foi transferida para o Itaú onde exerce mesma função que exercia no BEMGE, caixa. O contato foi realizado através de amigos em comum.

� Daniel: Ex- funcionário do BEMGE aposentado após 30 anos de serviço bancário. Executou cargos de contínuo, escriturário, auxiliar contábil, contador, e setores internos administrativos e recursos humanos. O contato foi realizado através de uma entidade representativa da categoria BEMGEÁRIA, onde o entrevistado é militante.

� Fernanda: Ex-funcionária do BEMGE, admitida por concurso que permaneceu no Itaú até se aposentar. Executou as funções de escrituraria, secretária, e coordenação de setor interno. O contato foi realizado através de uma entidade representativa da categoria BEMGEÁRIA, onde a entrevistada presta serviços.

Page 127: A IDENTIDADE EM QUESTÃO · 2014. 11. 28. · Ao pessoal da Igreja Batista Central, meus pastores, amigos e amigas pelo incentivo, apoio e orações. Aos amigos Dani, Fefy, Junin,

126

APÊNDICE B-Roteiro de Entrevistas

Trajetória profissional - Banco

� Quando iniciou a carreira bancária?

� Por quais bancos passou, cite o período?

� Quais os cargos que ocupou?

� Qual era a sua relação com o Banco?

� Qual o significado do termo Família BEMGE?

Momento da fusão

� Como era o ambiente de trabalho no BEMGE?

� Qual era o melhor e o pior de se trabalhar no BEMGE?

� Como era realizado seu serviço no BEMGE?

� Como recebeu a noticia da privatização?

� Como os colegas receberam a noticia da privatização?

� Como se deu o processo da privatização?

� Quais as primeiras mudanças sentidas no ambiente de trabalho após a privatização?

� Como foi o encontro desses dois bancos em sua visão?

� Como ficou o ambiente de trabalho após a privatização?

� Como era realizado seu serviço no Itaú?

� Qual o melhor e o pior de se trabalhar no Itaú?

� Como você avalia o processo privatização, fusão?

� Algum outro tema relevante que não foi abordado?

OBSERVAÇÃO: Este foi o roteiro sugerido para as entrevistas, mas, por se tratar de um

roteiro aberto no decorrer das mesmas surgiram novas perguntas.