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Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”,
11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis
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A história do livro “Programa de Admissão” e a seleção dos conteúdos de
História do Brasil assinada por Joaquim Silva (décadas de 1950 a 1960)
Cristiani Bereta da Silva1
Stefanie Schreiber2
Thais Cardozo Favarin3
Resumo: O presente trabalho pretende historiar o percurso editorial do livro Programa de
Admissão, publicado nas décadas de 1950 e 1970 pela Companhia Editora Nacional, e a seleção dos
conteúdos de História do Brasil assinada por Joaquim Silva, considerando, sobretudo, o contexto
histórico abordado. Os exames de admissão ao Ginásio foram instituídos na esteira da Reforma
Francisco Campos, pelo Decreto n.19.890 de 18 de abril de 1931, que reformou o Ensino Secundário
e perdurou oficialmente até 1971, quando foram extintos pela Lei 5.692/71. Durante quarenta anos,
estudantes do Primário que desejavam ascender ao Ginásio submeteram-se a verdadeiros
vestibulares orais e escritos que eram os exames de admissão. Nesta discussão privilegiar-se-á a
análise de diferentes edições do livro Programa de Admissão. Esse foi um dos livros mais vendidos
pela Companhia Editora Nacional e marcou gerações de estudantes que – ao terminarem o Primário
- se preparavam para os exames de admissão. A 18ª edição, publicada em 1968, teve tiragem de
cerca de 250 mil exemplares (VALENTE, 2008, p.33). Foi possível acompanhar até a 22ª edição,
publicada em 1970, um ano antes do final dos exames de admissão. Esta pesquisa constitui recorte
de pesquisa mais abrangente intitulada Exames de admissão ao ginásio: livros, narrativas e
memórias na construção da disciplina escolar de História (Décadas de 1930-1970), aprovada
pelo CNPq (Processo: 304878/2012-0) com concessão de bolsa produtividade para o triênio 2013-
2016, na área de História.
Palavras-chave: História do livro, exames de admissão, História do Brasil.
Os exames de admissão ao ginásio foram instituídos com a Reforma Francisco
Campos, pelo Decreto n.19.890 de 18 de abril de 1931, que reformou o Ensino Secundário4 e
perduraram oficialmente até 1971, quando foi extinto pela Lei 5.692/71, que fixou diretrizes e
bases para o ensino de 1o e 2
o graus. A compreensão da criação e consolidação desses exames
1 Doutora em História, professora do Departamento de História e dos Programas de Pós-Graduação em História,
em Educação e do Mestrado Profissional em Ensino de História da UDESC. Bolsista produtividade do CNPq. E-
mail: [email protected]. 2 Estudante do Curso de História da UDESC. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. E-mail:
[email protected]. 3 Estudante do Curso de História da UDESC. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. E-mail:
[email protected]. 4 A Reforma Francisco Campos organizou o ensino secundário em dois cursos seriados: Curso Fundamental de 5
anos e Curso Complementar de dois anos.
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durante quarenta anos precisa considerar, ao menos, duas questões que se articulam e
complementam. A primeira diz respeito à expansão do ensino secundário do país, que cresceu
390% entre as décadas de 1930 e 1950 (HALLEWELL, 2005). A segunda diz respeito ao
caráter elitista e excludente das políticas voltadas a este nível de ensino nas décadas de 1930 e
1940, período em que foram formuladas duas importantes leis que visavam conferir
organicidade ao secundário, a de 1931, já citada, e a 19425.
Os exames de admissão acabaram constituindo-se como um dispositivo ao mesmo
tempo divisor e seletivo entre os ensinos primário e secundário. Durante quarenta anos,
estudantes do primário que desejavam ascender ao secundário submeteram-se a verdadeiros
vestibulares orais e escritos. Ele mobilizava não apenas o estudante, mas toda a sua família,
pois obter a aprovação nas provas tinha uma importância equivalente à aprovação nos exames
vestibulares para o Ensino Superior, no presente. A seletividade e a distinção faziam parte de
uma rede de significação simbólica que atribuía aos exames a ideia de senha para a ascensão
social do estudante e, por extensão, da sua família (NUNES, 2000, MINHOTO, 2007).
Para além dessas questões os exames provocaram mudanças substantivas tanto na
organização do currículo, nas finalidades de cada disciplina selecionada para os testes:
Português, Matemática, História do Brasil e Geografia. Compreende-se que os exames
exercem um papel regulador sobre a disciplina chegando mesmo a alterar as finalidades
inicialmente prescritas pelas políticas educacionais (CHERVEL, 1990). Certamente as
escolhas dos conteúdos relativos a História do Brasil feitas pela instituição de ensino
secundário, a partir dos programas oficiais, contribuíram para reorganizar o próprio ensino
dessa matéria no primário, haja vista a necessidade de preparação para os exames. Outro fator
importante que acabou também por contribuir para a organização dos conteúdos de História
do Brasil refere-se ao crescimento das publicações didáticas destinadas ao secundário, e
também para a preparação dos exames. Para Luis Reznik (1992) se o boom editorial para o
nível primário teve como marco o início da República, em consequência da expansão das
escolas primárias, para o ensino secundário o marco inicial da indústria editorial de livros
didáticos, foi a reforma de 1931. O crescimento do mercado livreiro, por sua vez, fez
multiplicar os autores didáticos, principalmente os de História, haja vista que as décadas de
5
A Reforma Gustavo Capanema (Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de Abril de 1942) organizou o secundário em dois
ciclos. O primeiro um só curso: Ginasial com duração de 4 anos e o segundo, dois cursos paralelos: Clássico e
Científico com duração de 3 anos.
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1930 e 1940 foram marcadas por discursos relativos a importância do ensino de História para
a construção dos ideais de nação, de povo e de unidade pautados especialmente na Era
Vargas.
A obrigatoriedade dos exames constituiu-se em solo fértil para a emergência de um
novo nicho no mercado editorial brasileiro: livros preparatórios destinados aos estudantes do
4o e/ou 5
o ano
6 do Primário. Os livros dos exames de admissão alcançaram grande sucesso
editorial, muitos deles com sucessivas edições até a década de 1960. Tais exames marcariam a
memória de crianças e jovens do século XX. A aprovação nos exames era sinal de distinção
para elas suas famílias. Aulas particulares nas casas dos professores ou em cursinhos
especializados, concomitante ao ultimo ano do Primário, era uma realidade para aqueles que
pretendiam ascender ao ginásio. Atrelado a esses “cursinhos” e “aulas particulares” estavam
os livros publicados por diferentes editoras específicos para a preparação dos exames. O livro
Programa de Admissão estava inserido nessa lógica tendo como público alvo tanto
professores, quanto alunos prestes a prestar os exames de admissão. Com conteúdos de
Português, Matemática, História e Geografia ele trazia na capa os nomes dos professores
organizadores da obra, nomes reconhecidos nacionalmente como referência em cada área.
Neste trabalho privilegiar-se-ão três diferentes edições do livro Programa de
Admissão - editadas a partir da década de 1950, pela Companhia Editora Nacional - que teve
Joaquim Silva (1880-1966) como principal nome da disciplina de História. Esse foi um dos
livros mais vendidos pela Companhia Editora Nacional e marcou gerações de estudantes que
– ao terminarem o Primário - se preparavam para os exames de admissão. Entende-se que as
seleções de conteúdos observadas nos livros de admissão são práticas que informam e
representam percepções do social, da elite intelectual e política em cada contexto histórico
específico. Certamente que longe de constituírem-se em discursos neutros eles produziram
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tinham como principal objetivo “impor
uma autoridade a custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador
ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas” (CHARTIER, 1990,
p.17). Em seus aspectos simbólicos e políticos essas chaves de leitura também possibilitam
interpretar as marcas e interesses sociais que produziam e reproduziam a História como
disciplina escolar, ou seja, um “conjunto de conhecimentos identificado por um título ou
6 O chamado 5
o ano destinava-se aos estudantes reprovados nos exames de admissão ao término do 4
o ano ou
aqueles que não possuíam idade mínima para prestar os exames (11 anos). Por essa razão era considerado pelos
estudantes, famílias e professores como “ano de preparação”.
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rubrica e dotado de organização própria para o estudo escolar, com suas finalidades
específicas ao conteúdo de que trata e formas próprias para sua apresentação” (FONSECA,
2006, p.5). Acompanhando Dominique Juliá (2001) e André Chervel (1990), não se entende a
disciplina escolar de História nem como uma vulgarização nem como uma adaptação da
ciência de referência, mas sim como um produto específico da escola, que põe em evidência o
caráter eminentemente criativo do sistema escolar. Os livros de admissão fizeram circular
prescrições de conteúdos de História e, ao constituírem representações - como resultado de
uma prática leitora dos seus usuários - também contribuíram para instituição da disciplina
escolar de História.
História do Brasil no livro Programa de Admissão
A escolha do livro Programa de Admissão e não outro como principal lócus de
investigação deve-se ao nome do professor Joaquim Silva (1880-1966), como o responsável
pela disciplina de História, nas diferentes edições. Assinava com ele a organização dos
conteúdos de História do Brasil o professor José de Arruda Penteado, que à época do
lançamento desse livro estava à frente da redação da revista Atualidades Pedagógicas7,
projeto pertencente à Companhia Editora Nacional. Informações relativas a parceria entre
José de Arruda Penteado e aspectos de sua biografia ainda não foram pesquisados ainda. Esse
texto se aterá, portanto, apenas a Joaquim Silva.
Nascido em Sorocaba/SP, em 1880, Joaquim Silva foi um homem das letras em seu
tempo, marcado por uma formação “sociocultural urbana, liberal, republicana, positivista,
maçônica e, posteriormente, católica” (PINTO Jr. 2010, p.80). Passou a exercer o magistério
ainda bastante jovem, recém-formado complementarista, aos 19 anos de idade, no Grupo
Escolar Antônio Padilha, em Sorocaba. Permaneceu nesse grupo escolar até 1911, quando foi
nomeado diretor do grupo escolar de Tatuí. Mas foi o trabalho na Escola Normal de
Pirassununga, cargo para o qual foi nomeado em 1921, que abriria novas possibilidades de
contato para Joaquim Silva, pois a partir de então, ele passaria a conviver no círculo de
profissionais da educação mais valorizados nos aspectos profissional e social. O prestígio de
Joaquim Silva como professor teria crescido a partir de então, tanto que aos quarenta e sete
7A criação dessa revista foi uma iniciativa de Ênio Silveira, seu diretor-responsável e editor entre 1950 e 1959.
Seu destinatário privilegiado era o professor do ensino secundário. A revista teve 54 números entre 1950 e 1962
(SILVA, 2002).
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anos de idade, após encerrar sua carreira no magistério público de São Paulo, foi convidado a
trabalhar no Liceu Nacional Rio Branco na cidade de São Paulo. Sua transferência para a
capital para trabalhar como professor de História na recém-inaugurada, mas já conceituada
escola paulistana lhe abriria novas oportunidades de projetos a partir da década de 1930
(PINTO Jr., 2010).
Os contatos com a elite do campo educacional paulistano e o prestígio como professor
de História certamente conferiram a Joaquim Silva a legitimidade necessária para ser
convidado a escrever materiais didáticos para a Companhia Editora Nacional, no início da
década de 1930. Fundada em 1925 - por meio de uma associação comercial entre José Bento
de Monteiro Lobato e Octalles Marcondes Ferreira - no início dos anos 1930 a editora já
liderava o mercado editorial de São Paulo, sendo que já na segunda metade dessa década
passaria a liderar o mercado nacional. (HALLEWELL, 2005). A produção editorial para o
mercado didático se acelera a partir de 1950. Para Hallewell (2005) o crescimento da
Companhia Editora Nacional foi paralelo ao desenvolvimento do Ensino Secundário, com
início a partir da década de 1940, devido à ampliação da rede de ginásios, intensificando-se na
década de 1950, com as criações de novas escolas.
A primeira experiência de Joaquim Silva como autor na Editora foi escrever a parte de
História do Brasil para o livro destinado aos exames de admissão, recém-instituídos pela
reforma Francisco Campos. Essa primeira publicação foi assim apresentada pela Companhia
Editora Nacional:
Exame de Admissão – Aos Gymnasios officiaes. Por uma reunião de Professores
do Lyceu Nacional Rio Branco, de São Paulo. A melhor compilação de pontos para
exames de admissão aos gyminasios até agora publicada. Cada ponto foi escrito por
um professor da materia. Obra optimamente impressa e illustrada. (Catálogo Geral,
1931, p. 52, apud PINTO Jr., 2010, p.119).8
Segundo Arnaldo Pinto Jr. (2010, p. 119) a participação de Joaquim Silva nesta obra
acabou por projetar seu nome em todo o Brasil e o credenciar para outras publicações de
História da Civilização e História do Brasil, bem como de outra obra coletiva que seria grande
sucesso editorial da CEN: Programa de Admissão, publicada em 1956.
8
Livro ainda não encontrado. Espera-se localizá-lo ou, ao menos, encontrar mais informações sobre ele na
pesquisa junto ao arquivo da Companhia Editora Nacional abrigado pela Editora IBEP, em Jaguaré, São Paulo.
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Imagem 1: 2º Edição, 1956, tiragem de
100.000 exemplares. 350 páginas.
Imagem 2: 3º edição, 1957, tiragem de 100.000
exemplares. 380 páginas
“Nova Edição inteiramente revista”
Imagem 3: 5º edição, 1959, 150.000 exemplares.
349 páginas.
Imagem 4: 12º edição, 1965, 150.000 exemplares.
412 páginas.
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O nome do professor Joaquim Silva foi sinônimo de livros didáticos de História
produzidos para o Ginásio entre as décadas de 1930 e 1960 (HALLEWELL, 2005; PINTO
JR., 2010). As sucessivas edições e tiragens informam que seus livros foram sucessos
editorias da Companhia Editoria Nacional, o que, em parte, explica a escolha do nome de
Joaquim Silva para compor o conjunto de autores do livro Programa de Admissão. Esse
livro foi um dos mais vendidos pela editora e marcou gerações de estudantes que – ao
terminar o ginásio - se preparavam para os exames de admissão. A 18ª edição, publicada em
1968, teve tiragem de cerca de 250 mil exemplares (VALENTE, 2008, p.33). Pode-se
acompanhar até a 22ª edição, publicada em 1970, marco que assinala o fim dos exames de
admissão.
Sobre a capa
Ao longo da trajetória de publicação do livro Programa de Admissão foi possível
perceber algumas mudanças relativa a capa: 4 vezes. Seu formato não de alterou, mantendo-se
14 cm x 20 cm; e o número de páginas variou entre 350 e 412 páginas. Entre a segunda e
terceira edição do livro Programa de Admissão9 não há mudanças além das cores da capa. Na
capa da segunda edição predominam tons fechados de verde, preto e vermelho e, na terceira,
tons abertos de verde e preto. Em ambas estão identificados, além do título, os nomes dos
organizadores/autores e da Editora Companhia Nacional. Nas capas da 2ª e da 3ª edições
encontram-se desenhos que representam as matérias abordadas pelo material didático: um
livro e uma pena representam o Português; desenhos geométricos, a Matemática; um mapa
mundial, a Geografia e a Acrópoles de Atenas representa a História do Brasil. Essa última
representação embora não simbolize a parte que diz respeito à história nacional propriamente,
caracteriza uma perspectiva evidente da abordagem histórica do período e que ainda ressoa
nos livros didáticos de História do presente: a perspectiva eurocêntrica.
Já nas capas da 5ª e 12º edições parece haver uma mudança na abordagem com o
público leitor, se antes a interlocução parecia buscar o público adulto agora se busca maior
aproximação com meninos e meninas no final do primário, na faixa dos 11 anos (idade
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regulamentar para a prestação dos exames). A partir da 5ª edição o sujeito da ação é
principalmente o menino, que aparece mais vezes ao longo do livro e a capa da 12º edição
passa a incluir também uma menina. Além da questão de gênero que aparece com a inclusão
das meninas como estudantes – tais quais os meninos – na capa de 1965 uma representação de
escola parece mudar em uma edição e outra. Se na capa de 1959 o menino aparece no interior
de uma sala de aula, introspectivo ao ler um livro, com uma postura ereta em sua carteira
individual, indicando maior disciplina; na capa de 1965, as crianças aparecem felizes e ativas
em um lugar que poderia ou não ser o ambiente escolar, mas que se liga a ele por mostrar
estudantes com uniformes carregando livros. Pode-se supor, a partir da mudança de imagens,
não só a valorização de uma escola mais ativa (o que remeteria às discussões feitas há 30 anos
antes da referida capa), mas, a mudança de público alvo. Afinal, se na capa de 1959 o ideal
aluno disciplinado parece muito mais direcionada aos professores; a capa de 1965 parece
atrair, antes de tudo, os estudantes que poderiam associar a escola às alegrias e sociabilidades.
Outra questão importante refere-se a supressão do nome de José de Arruda Penteado10
na 12º edição. A capa traz apenas o nome de Joaquim Silva como responsável pela área de
História.
Abrindo o livro...
Na contracapa da segunda edição informa-se a consonância com os novos programas
da “Portaria no 501, de 19-5-1952” pela qual se tornou exigido um certificado de conclusão do
ensino primário ou atestado de educação primária satisfatória para a inscrição no exame de
admissão (MINHOTO, 2007, p.254).
Na primeira página dessa edição, além do título em destaque, seguem-se os nomes dos
organizadores e as matérias pelas quais cada um assina como responsável. Nessa mesma
página se destaca, também, o desenho de um garoto com o dedo indicador levantado em
frente à bandeira do Brasil. Essa imagem de abertura do livro na parte interna parece guardar
ainda aspectos das discussões relativas aos conteúdos de História do Brasil que estiveram em
pauta nas décadas de 1930 e 1940. Muitas das discussões que circularam neste período
alçaram a pátria como categoria central. Segundo Resnik (1992, p.81-82) no discurso
10
José de Arruda Penteado teria saído da Editora no final da década de 1950 para assumir funções junto a uma
faculdade no interior de São Paulo (SILVA, 2002).
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estadonovista os termos pátria e patriotismo “carregados de significações” passam “a inserir o
enunciador num grande campo discursivo identificando-o com uma concepção de cidadania
brasileira. Na medida em que a Pátria estava fundada no passado, seria fundamental para a
formação de todos os patriotas o estudo da História do Brasil.”
Os principais programas relativos aos conteúdos para o secundário foram formulados
na esteira das reformas de 1931 e 1942, e tiveram poucas mudanças mesmo na década de
1950, período de publicação do livro. Por essa razão acredita-se que os conteúdos
selecionados continham ressonâncias das ideias e valores atribuídos à pátria e ao patriotismo.
O próprio índice geral da obra informa isso. Por exemplo, os textos de Português recebem
títulos como: “Nossa Pátria”, “A Pátria” e “O patriotismo”; entre os títulos dos trechos para os
exercícios de ditado estão: “Hino nacional” e “A bandeira do Brasil”, no que se refere à
Geografia do Brasil, há um sub-tópico chamado: “Grandeza territorial e situação” e, quanto à
parte de História, a abordagem exclusiva da “História do Brasil” também é fator que permite
identificar a preocupação com a construção de uma nação brasileira.
Em relação aos conteúdos de História do Brasil, a tabela 1 faz uma comparação dos
títulos informados no índice das 2ª, 3ª e 12ª edições.
Tabela 1 – Índice História do Brasil no livro Programa de Admissão.
2º edição
67 páginas no total:
3º edição
92 páginas no total.
12º edição
Páginas: 93 páginas no total.
I Descobrimento da América
II Descobrimento do Brasil
III Os indígenas
IV As Capitanias Hereditárias
V Os três Primeiros Governadores
Gerais
VI Invasão do Rio de Janeiro pelos
franceses. Fundação da cidade
VII Invasões Holandesas
VIII Entradas e bandeiras
IX Inconfidência Mineira
X Transmigração da família real para
o Brasil
XI Independência do Brasil. Pedro I
I Descobrimento da América
II Descobrimento do Brasil
III Os indígenas
IV As Capitanias Hereditárias
V Os três Primeiros Governadores
Gerais
VI Invasão do Rio de Janeiro pelos
franceses. Fundação da cidade
VII Invasões Holandesas
VIII Entradas e bandeiras
IX Conjuração Mineira
X Transmigração da família real para
o Brasil
XI Independência do Brasil.
Vultos históricos
1 O descobrimento da América
2 O descobrimento do Brasil
3 Os indígenas
4 As capitanias hereditárias
5 Os três primeiros Governadores-
Gerais
6 Invasão do Rio de Janeiro pelos
franceses. Fundação da cidade
7 Invasões Holandesas
8 Entradas e bandeiras
9 Conjuração Mineira
10 Transmigração da família real
para o Brasil
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XII 7 de abril. Regências. Padre Feijó
XIII O segundo reinado de D. Pedro
II
XIV Guerra do Paraguai
XV A abolição
XVI A proclamação da República
XVII Governos republicanos
XII 7 de abril. Regências.
XIII O segundo reinado
XIV Guerra do Paraguai
XV A abolição
XVI A proclamação da República
XVII Governos republicanos
11 Independência do Brasil.
12 7 de abril. Regência.
13 O segundo reinado
14 Guerra do Paraguai
15 A abolição
16 A proclamação da República
17 Governos republicanos
Vocabulário
Podem-se perceber nas diferentes edições algumas mudanças. Há adição de “Vultos
históricos” e “Vocabulário” na 12ª edição. A seção “Vultos históricos” é um índice que indica
quando nomes de pessoas consideradas importantes aparecem no texto. E “Vocabulário” traz
o significado de termos usados no texto, considerados mais difíceis para o público leitor.
Ambas as seções apontam para uma preocupação com o entendimento do leitor, com a
facilidade destes de se localizarem dentro da obra. O mesmo poderia ser pensado ao se
comparar a mudança de numeração romana para decimal – que, sem dúvidas parece mais
acessível. Isso nos leva a algumas questões como: quem era o público-alvo? Em 1965, houve
mudanças no público alvo? Quais as características desses leitores? Nossa hipótese - que
certamente ainda precisa ser desenvolvida - é que os primeiros livros visavam atingir um
público adulto ou ao menos mais erudito: professores, para que estes preparassem os alunos
para os exames. Com o passar do tempo e com o significado distintivo dos exames, mesmo as
famílias mais pobres passaram a adquirir o livro para que o/a estudante pudesse ele mesmo
estudar em casa e, assim, se preparar melhor para os exames. A mudança da estrutura do
livro, nesse sentido, aponta para um público menos instruído, maior e mais diverso. Ou então
para uma educação menos voltada à erudição e mais voltada para as massas. (Aliás, nesse
caso, o próprio aumento de tiragem aponta para a expansão dos leitores
estudantes/professores).
Em relação aos conteúdos observa-se que sua organização parte da abordagem que
conta a história a partir dos “grandes homens” e ainda “acontecimal” que mobilizaram o
debate sobre o ensino de História nas décadas de 1930 e 1940 (REZNIK, 1992) o capítulo da
História do Brasil inicia com o “descobrimento da América”, o qual é aberto com uma
ilustração de Cristóvão Colombo, seguido pelo “descobrimento do Brasil”.
O uso do termo “descobrimento” por si só reforça a característica eurocêntrica que
também é percebida em diversas formas como nas linhas que iniciam a “história do
descobrimento”.
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O mundo Antigo – Até cerca de cinco séculos antes, pouco se conhecia do mundo
além dos países da Europa, parte do ocidente da Ásia e do norte da África.
Tinham-se algumas noções muito vagas da Índia e da China. Mas, com a aplicação
da bússola à navegação, foi Possível realizar as grandes viagens e chegar a novas
terras. (grifo no original) (SILVA; PENTEADO, 1957, p.163).
Nota-se que o mundo em questão é a Europa, portanto, é essa perspectiva que dá
início a narrativa e que define os sujeitos ativos nessa história: reis e “descobridores” vindos
de Portugal e Espanha. Rico em mapas coloridos e outros desenhos, o livro traz esses
elementos sem qualquer referência de data e/ou autoria, dessa forma, todas as imagens têm
um caráter meramente ilustrativo.
Na 3ª edição foi adicionado, ao final de cada tópico, e antes dos exercícios, um item
intitulado “Leituras”. Esse item traz aspectos do conteúdo abordado numa narrativa mais
fluida que parece falar diretamente ao aluno. Essas narrativas são curtas e procuram destacar
aspectos considerados interessantes do ponto de vista social ou econômico ou mesmo
aspectos “pitorescos”. Por exemplo, no tópico sobre o Descobrimento da América:
A vida no mar. A vida no mar, no tempo dos descobrimentos, era duríssima: falta
de comodidade, falta de asseio, falta de boa alimentação (principalmente de verduras
e frutas secas), falta de água potável, falta de segurança, falta, enfim de quase tudo
quanto é necessário à vida civilizada. Os marujos desse tempo foram verdadeiros
heróis. Muito poucos marinheiros eram voluntários, porque bem conheciam a dureza
da vida no mar. Tratava-se, às vezes, de condenados à morte, a quem se prometia a
vida se embarcassem, como fez Vasco da Gama a fim de conseguir gente para sua
audaciosa expedição; ou eram apanhados a força, depois de embriagados, coisa que
se fez, vergonhosamente durante séculos! (grifo no original). (SILVA;
PENTEADO, 1957, p.169).
Nota-se nesse trecho certa contradição quanto à figura dos marujos/marinheiros: ao
mesmo tempo em que são colocados como heróis por sobreviver à vida dura no mar, ressalta-
se que poucos eram voluntários a essa tarefa, sendo que parte da tripulação era formada por
homens à margem da sociedade (condenados à morte, embriagados que se deixavam ser
enganados). Nesse caso parece que o aspecto “fantástico” da narrativa (expresso na frase que
faz o juízo de valor “Os marujos desse tempo foram verdadeiros heróis”) de certa forma
redime os homens que, naquela perspectiva, vão “descobrir” o Brasil. Estes, de marginais
passam a ser conquistadores.
Há também supressões, por exemplo, até a 2ª edição juntamente ao “Questionário”
havia os “Exercícios” que desaparecem nas edições posteriores. As atividades, de maneira
geral, eram feitas de modo a valorizar a memorização e a erudição. Pedia-se, por exemplo,
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que os alunos ligassem proposições correspondentes, completassem lacunas nas frases (o que
incluía nomes de lugares, pessoas ou mesmo datas) ou até mesmo que identificassem frases
corretas ou erradas. Não eram exigidas de forma alguma, atividades que estimulassem o
pensamento crítico ou qualquer resposta mais elaborada.
Imagem 5: “Exercícios” referentes ao tema “ O Descobrimento do Brasil”
na 2a edição (1956) do Programa de Admissão. (p.170)
Em relação aos conteúdos propriamente ditos foram encontradas poucas mudanças nas
edições localizadas. Mesmo em outros livros de Joaquim Silva analisados, observou-se que o
autor fazia poucas mudanças em seus conteúdos. Luis Reznik (1992, p.107) analisou duas
coleções do autor publicadas entre as décadas de 1930 e 1940 e notou que ele havia feito
apenas pequenas ou poucas mudanças nas obras. Ele percebeu que autor copiava e/ou
reorganizava parágrafos, “pontos” e “capítulos” apenas para se adequar aos novos programas
oficias. Muito provavelmente essas pequenas mudanças também refletiam na seleção de
conteúdos para o livro Programa de Admissão, mesmo considerando a hipótese de que o
professor Joaquim Silva não fizesse a seleção pessoalmente. Algo que ainda pretendemos
descobrir nos arquivos da Editora. Outra questão a ser investigada é quais conteúdos de
História do Brasil presentes nos livros de Joaquim Silva foram selecionados para compor a
parte relativa ao conteúdo no livro Programa de Admissão.
Considerações finais
Se é verdade que a História como disciplina escolar tem gozado de certa estabilidade
nos programas curriculares nas últimas décadas, em diferentes países, não é verdade que seu
Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”,
11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis
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percurso tenha sido tranquilo (FERNANDEZ, 1997, p.322). Raimundo Cuesta Fernandez, ao
fazer um balanço sobre o ensino de História na Espanha, chama a atenção para o fato de que a
História escolar tem sido submetida a uma crise de identidade nos últimos quarenta anos, “tal
crisis se explica por la ruptura del consenso social implícito sobre sus funciones educativas”
(1997, p.322). Julgam-se pertinentes essas considerações, pois, guardadas as devidas
especificidades, podemos percebê-las também nos cenários nacional e regional. Quais
mudanças e continuidades podem ser percebidas na trajetória do ensino de História no Brasil?
Os conteúdos selecionados relativos a História do Brasil e apresentados em livros
didáticos são de longa duração, remetem a uma tradição que dão conta ainda da própria
invenção para um passado do Brasil no século XIX. Encontramos permanências em algumas
explicações e mesmo formas de organizar os conteúdos em livros no presente em relação a
seleção de conteúdos do livro Programas de Admissão. Certamente que há diferenças na
abordagem de determinados conteúdos e inclusive inserção de novas narrativas frutos de
revisão da historiografia. Quando se trata de mudanças a respeito do Ensino de História, é
necessária a compreensão das continuidades e descontinuidades históricas de tal processo.
Apesar de, no presente, haver um movimento que incentiva a reflexão de temas na disciplina
de História ou mesmo a abordagem a partir de outros lugares e sujeitos (antes invisibilizados);
é possível perceber uma continuidade no que se refere aos termos (como o citado
“descobrimento do Brasil”), ao destaque conferido a determinadas figuras (como Tiradentes e
D. Pedro I) ou à própria divisão temporal linear (chegada dos portugueses – império –
República).
Também, a necessidade de memorizar uma série de eventos, nomes e datas expressas
nos exercícios que, muito embora tenha sido amenizada nas aulas e em exames nacionais
como o ENEM, não foi extinta completamente. Ela permanece nas provas de vestibular, nos
exercícios dos materiais didáticos dos “cursinhos”, na demanda daqueles que tiveram sua
formação nas décadas anteriores (o que inclui pais e professores).
Referências
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José, SANGIORGI, Oswaldo. Programa de Admissão. 2º ed. São Paulo: Cia Editora
Nacional, 1956.
Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”,
11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis
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AZEVEDO, Aroldo de; SILVA, Joaquim, PENTEADO, José de Arruda, CRETELLA JR.
José, SANGIORGI, Oswaldo. Programa de Admissão. 3º ed. São Paulo: Cia Editora
Nacional, 1957.
AZEVEDO, Aroldo de; SILVA, Joaquim, PENTEADO, José de Arruda, CRETELLA JR.
José, SANGIORGI, Oswaldo. Programa de Admissão. 5º ed. São Paulo: Cia Editora
Nacional, 1959.
AZEVEDO, Aroldo de; SILVA, Joaquim, PENTEADO, José de Arruda, CRETELLA JR.
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