a história de coari através da literatura de cordel
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A história de coari através da literatura de cordel - de chagas simeãoTRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
CURSO DE LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA
A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL,
DE CHAGAS SIMEÃO
DANIEL DE ALMEIDA ALVES
Coari
2014
A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL,
DE CHAGAS SIMEÃO
Artigo apresentado à disciplina Prática de
Ensino de Língua e Literatura Portuguesa:
estágio supervisionado III do Curso de
Letras da Universidade do Estado do
Amazonas pelo acadêmico Daniel de
Almeida Alves como requisito parcial
para a obtenção do título de graduado em
Letras-Habilitação em Língua e Literatura
Portuguesa, sob a orientação da professora
Núbia Litaiff Moriz Schwamborn.
Coari
2014
BANCA AVALIADORA
---------------------------------------------------------------------
Núbia Litaiff Moriz Schwamborn
Professora Orientadora
--------------------------------------------------------------------
Monica Dias de Araújo
Professora Avaliadora
-------------------------------------------------------------------
Atacildo Ferreira Fontes
Professor Avaliador
A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS
SIMEÃO
Daniel de Almeida Alves1
Núbia Litaiff Moriz Schwamborn2
RESUMO
A presente pesquisa objetivou identificar e exemplificar, sobretudo, fatos históricos do
Município de Coari explicitados pela Literatura de cordel, com acontecimentos narrados
por Francisco Chagas Simeão da Silva que apresenta, nesse gênero textual, uma riqueza
de detalhes da História coariense, Assim, o trabalho objetivou estabelecer um diálogo
entre a Literatura de cordel e os fatos históricos, políticos e socioculturais ilustrados
através dos cordéis A tragédia do Botafogo (sem indicação de data), Recordando os
esquecidos coarienses (1992), Os prefeitos de Coari (2002), As promessas de enrolar
besta (2009) entre outros, de autoria de Chagas Simeão. Considerando que a História de
um povo precisa ser registrada e que a cultura insere as tradições populares,
manifestações religiosas, costumes de um povo, logo, as lendas, trovas populares e a
Literatura de cordel, também são formas de expressão da realidade. Assim, os cordéis
geram inúmeras possibilidades de expressão do mundo e através dos elementos lúdicos,
da verossimilhança e da linguagem plurissignificativa, tornam-se um meio eficaz do
qual se vale o homem para obter conhecimento acerca da realidade. No transcorrer do
trabalho efetuou-se a leitura e análise das obras do cordelista Chagas Simeão e recorreu-
se ainda a Linhares, Marcuschi e Pontes para fundamentação geral do tema.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura de cordel – Chagas Simeão – fatos históricos.
1Graduando do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas – NESCOA/UEA. 2 Professora orientadora, Mestra do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas – UEA
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A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS
SIMEÃO
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta dados históricos do município de Coari explicitados pela
Literatura de cordel, com acontecimentos narrados por Francisco Chagas Simeão da Silva que
expõe, nesse gênero textual, uma riqueza de detalhes da História e da cultura coariense.
São objetivos deste trabalho, apresentar dados biográficos do cordelista coariense,
Francisco Chagas Simeão da Silva, identificar fragmentos ilustrativos acerca da História de
Coari, presentes na produção literária do autor referendado, sobretudo nas obras Recordando
os esquecidos coarienses, A tragédia do Botafogo, Os prefeitos de Coari, e As promessas de
enrolar besta; além de analisar a estrutura da métrica utilizada pelo poeta e possibilitar que o
gênero Literatura de cordel seja conhecido pelo meio acadêmico e por toda população
coariense, como um importante meio de formação e informação.
O artigo está organizada em três tópicos. O tópico 1 refere-se à apresentação dos
dados biográficos do poeta estudado. No tópico 2, optou-se por abordar os fatos da História
de Coari presentes na Literatura de cordel, de Chagas Simeão. O último tópico consiste em
uma análise sobre a temática e estrutura métrica utilizadas pelo cordelista coariense em sua
bibliografia.
A metodologia utilizada privilegiou a pesquisa bibliográfica, enriquecida com uma
entrevista feita com Chagas Simeão para melhor conhecimento sobre a vida e a obra do autor,
uma vez que os livretos analisados não trazem informações biográficas acerca do poeta
coariense de cordel. Para a fundamentação teórica sobre o tema, recorreu-se ainda a Linhares
(2009), Marcuschi (2003) e Pontes (2013).
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1. CONHECENDO O CORDELISTA COARIENSE, FRANCISCO CHAGAS SIMEÃO
DA SILVA.
Francisco Chagas Simeão da Silva nasceu em 04 de julho de 1948, no município de
Tefé. Aos 12 anos mudou-se para a cidade de Coari, onde reside atualmente. Filho do Sr.
Clodomiro Simeão da Silva e da Sra. Valdizia Rodrigues da Silva, ambos agricultores. É
casado com a Sra. Fátima Carvalho da Silva, com quem tem dois filhos, Heloneida Richer
Carvalho da Silva e Kleiton Richer Carvalho da Silva.
Chagas, como é chamado, faz parte de uma terceira geração de descendentes
nordestinos, o mesmo só estudou até a sétima série do Ensino Fundamental, porque ainda
jovem teve que abdicar de seus estudos para trabalhar. Mas, como sempre gostou de ler,
costumava importar livros e revistas para vender à população, no box em que trabalhava,
localizado no Mercado Municipal Clemente Vieira.
Foi no Mercado Municipal Clemente Vieira, que entre uma leitura e outra, Chagas
Simeão teve contato com a primeira obra de Literatura de cordel intitulada A luta do Zé do
Caixão com o Diabo, de Manoel D’Almeida Filho. Nasceu aí a sua paixão pelo cordel.
A aventura de Francisco Chagas Simeão da Silva, no mundo da Literatura de cordel
começou no início da década de 90, com a obra intitulada A tragédia do Botafogo. A referida
obra foi financiada pelo próprio cordelista, através do bazar que leva o seu próprio nome, o
Bazar do Chagas, localizado na Travessa Mota, nº 115, Centro do município de Coari. Em A
tragédia do Botafogo, impresso em Manaus pela Gráfica e Editora Líder Ltda, Francisco
Chagas Simeão da Silva, narra o naufrágio do barco Dominik, na localidade denominada
Botafogo, próximo à cidade de Codajás, também localizada no estado do Amazonas.
Na época, o acontecimento gerou muita tristeza e comoção tanto nos familiares das
vítimas quanto nas populações dos municípios vizinhos como podem ser observadas nos
fragmentos transcritos a seguir, de A tragédia do Botafogo.
Este motor meu amigo
O seu nome ninguém esquece
Dominik era o seu nome
Muita gente ali fez prece
Mas neste grande rio
Se naufragou, desaparece
Certo é que foi para o fundo
Em um lugar de horror
Uns chamam de Botafogo
Outros de ponta do pavor
Foi um naufrágio horrível
Que causou tristeza e dor.
(SILVA, s/d, p. 2 - 3).
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Após a publicação inicial de A tragédia do Botafogo, o poeta não parou mais de
escrever, atingindo a marca atual de onze publicações e de vários inéditos.
2. FATOS DA HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL
DE FRANCISCO CHAGAS SIMEÃO DA SILVA
O cordel é uma espécie de poesia popular que é produzido e divulgado em folhetins
ilustrados com gravuras (xilogravuras). A Literatura de cordel constitui uma poesia de
tradição oral, mas com influência notável na escrita. Embora o verbete "cordel", registrado no
Dicionário Português Caldas Aulete, apareceu apenas em 1881 com o sentido de publicação
de baixo valor, a Literatura de cordel, segundo o pesquisador americano, Mark J. Curran
(2011), professor da Universidade do Estado do Arizona e autor da obra RETRATO DO
BRASIL EM CORDEL, a chamada Literatura de cordel, que inclui os “folhetos” cumpriram
“o papel de jornal e novela do povo sertanejo e exerceram a função de, ao mesmo tempo,
informar e entreter”.
A Literatura de cordel é concebida como sendo uma manifestação artístico-cultural da
cultura popular que registra a História e a trajetória de um povo, assim como, caracteriza-se
por uma ação poética que dá vida à sociedade. De acordo com Cascudo (2001), a chamada
literatura popular “(...) tipicamente impressa, não exclui a passagem à oralidade. É veiculada
por meio de folhetos que abordam os mais variados assuntos”.
Na opinião de Linhares (2009), a literatura de cordel, representa um expressivo meio
de comunicação neste século XXI. A autora enfatiza que a Literatura de cordel, enquanto
expressão cultural:
permanece adaptada, reinventada, no desempenho de suas funções sociais. Informar,
formar, divertir, socializar ou poetizar, conforme os diferentes temas que retrata e o
enfoque abordado. Da oralidade, lá em suas origens remotas, à era tecnológica, hoje,
é real a transformação e adaptação, compatível à própria evolução da humanidade
(LINHARES, 2009).
E pelo fato de cultivar características próprias, a Literatura de cordel é concebida
como um gênero textual da literatura, firmando-se como uma das mais variadas manifestações
da linguagem popular.
Para Marcuschi (2003), os gêneros textuais “são fenômenos históricos, fortemente
ligados à vida cultural e social”, constituem, deste modo, entidades sócio discursivas e formas
de ação em qualquer situação comunicativa.
As características da Literatura de cordel despertam no leitor a prática da leitura
prazerosa por serem pequenos textos, com linguagem cotidiana, clara e rimada em tom
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humorístico. São textos cadenciados, com uso de rimas que prezam pela função poética,
podendo ser falado, declamado ou cantado com o acompanhamento de instrumentos musicais,
expondo com isso, o valor da mediação com o diferente, com a oralidade, à memorização, e a
abordagem é geralmente de assuntos relacionados à realidade dos espectadores.
Quanto à temática, de acordo com Ariano Suassuna apud GASPAR (2003): “a
literatura popular em versos do Nordeste brasileiro pode ser classificada nos seguintes ciclos:
o heroico, o maravilhoso, o religioso ou moral, o satírico e o histórico”.
Partindo das considerações de Ariano Suassuna, este artigo aborda, sobretudo, o
aspecto histórico e satírico da obra literária do cordelista Francisco Chagas Simeão da Silva,
apresentando, por meio do gênero cordelista, fragmentos significativos da História de Coari.
Dessa forma, pretende-se contribuir para que seja posto em prática o que preconiza os
Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN (2000) quando garantem que: “partilhar o
conhecimento socialmente instituído, aquilo que foi herdado do passado, é apenas o começo
do reconhecimento da parte que cabe a cada um no processo histórico, o dado”, nos quais as
linguagens, em todas suas vertentes, alcançam seus fins de características formativas,
informativas e educativas.
Ainda, segundo o que preconiza os Parâmetros Curriculares Nacionais, o exame do
caráter histórico e contextual de determinada manifestação da linguagem, pode:
permitir o entendimento das razões do uso, da valoração, da representatividade, dos
interesses sociais colocados em jogo, das escolhas de atribuição de sentidos, ou seja,
a consciência do poder constitutivo da linguagem (BRASIL/PCN, 2000).
No início, sabe-se que o cordel focava a divulgação de histórias clássicas, narrativas
de épocas passadas que a tradição popular cultivou e transmitiu. Conforme Pontes (2013)
“essas narrativas enquadram-se na categoria de romance de cavalaria, amor, guerras, viagem
ou conquistas marítimas”. Posteriormente, surge nessa narrativa poética-literária a descrição
de fatos sociais contemporâneos, e acontecimentos políticos e históricos que chamavam a
atenção da população. Particularidade que o poeta Francisco Chagas Simeão da Silva cultiva
desde o início de sua produção literária.
Em A tragédia do Botafogo (sem registro de data), primeira obra do escritor coariense,
além de narrar os detalhes do trágico naufrágio do barco Dominik, na localidade Botafogo,
próximo à cidade de Codajás, onde dezenas de coarienses e tefeenses perderam à vida,
explicitada na 27ª estrofe: “Foi como ali aconteceu / Se acabaram mães, filhos e pais / Certas
pessoas amigas / Que os nomes não lembro mais / Foi uma grande tragédia / Que ainda não
houve igual” (SILVA, s/d, p. 7), através do encaixe As belezas de Coari, a Rainha do Solimões, o
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autor também apresenta alguns aspectos das belezas da cidade de Coari, presentes em suas
ruas, praças e demais espaços públicos.
O que temos na cidade
Não posso guardar segredo
Depois que termina o morro
Chega na Gonçalves Lêdo
Com dica que estou dando
Já pode andar sem medo
Você seguindo tranquilo
Vai logo em frente encontrar
Uma praça muito bonita
Que vale a pena parar
E ficar observando
Que vale a pena trabalhar
(...)
Mesmo dia 2 de agosto
Eu vi uma amplidão
Procurei ver o que era
É a praça São Sebastião
Que fica em frente uma quadra
Onde acumula a multidão
(SILVA, s/d, p. 18 - 20).
No mesmo encaixe, o autor, registra o crescimento da cidade através do surgimento de
novos bairros, e os primeiros meios de comunicação de massa que se instalaram em Coari.
A cidade está crescendo
A cada dia sem parar
Surgiu o bairro Santa Efigênia
Com crianças pra estudar
Foi ali construído um grupo
Pra poder melhorar
(...)
Nos servindo de instrumento
Para as necessidades daqui
Temos uma rádio funcionando
A RÁDIO RURAL DE COARI
Com diversas programações
Mostrando a beleza em si
(...)
O progresso aqui é bonito
Garanto que não se acaba
Temos a TV Amazonas
E também a AJURICABA
Para mostrarem ao povo
Tudo que se necessitava
(SILVA, s/d, p. 24 - 27).
Nos livros Recordando os esquecidos coarienses (1992) e A praça que tem de tudo
(1992), Chagas Simeão descreve personalidades políticas e pessoas do povo que, de alguma
forma, conseguiram notoriedade em Coari. Em Recordando os esquecidos coarienses, o poeta
desafia o leitor a ver se ainda lembra das personalidades que fizeram sucesso na cidade, como
o prefeito de Coari, Alexandre Montoril: “Você talvez não conheceu / ou seu nome nunca
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ouviu / foi um grande prefeito / que nesta cidade surgiu / seu nome era conhecido / por
CORONEL MONTORIL” (SILVA, 1992, p. 3); Chico Enfermeiro, um dos primeiros
profissionais dessa área a trabalhar na cidade: “Assim passou o tempo / o Coronel foi primeiro
/ mas para recordação / ficou o seu companheiro / chamado CHICO ENFERMEIRO”
(SILVA, 1992, p. 4); e outras personagens, que por algum feito, profissão, ou mesmo por
causa de seus pseudônimos engraçados, foram recordados na obra.
Mas a vida é mesmo assim
Cheia deste bafafá
Creia que eu ia esquecendo
Desta beleza buscar
Será que já se esqueceu
Da nossa amiga BIÁ
Eu ainda não esqueci
Gostava do jeito dela
Mas agora lembrei outro
Que parecia com ela
Só o nome era diferente
Pois chamavam ZÉ REMELA
(...)
Se formos mexer com todos
Estes versos não resumo
Não estou podendo esquecer
Do meu amigo TIRA RUMO
Que carrega o seu carro
Tirando sempre no prumo
(SILVA, 1992, p. 11 - 12).
A praça que tem de tudo conserva as mesmas características de Recordando os
esquecidos coarienses, pois satiriza os codinomes e os traços dos motoqueiros coarienses,
uma classe que, hoje, é formada por cerca de três mil profissionais, e que tiram dessa
profissão o sustento para suas famílias: “Vou começar a mexer / pra ver dar o sururu / porque
tocando pra frente / a gente conhece o angu / vou apresentar pra vocês / o famoso Cara de
pacu” (SILVA, 1992, p. 3), mas ao mesmo tempo em que o poeta se diverte com os nomes
engraçados dos mototaxistas, também faz uma crítica social em relação a “fama” desses
profissionais serem mulherengos, mencionando, inclusive, que há em Coari, um número de
filhos oriundos de relacionamentos extraconjugais: “Esta praça está sortida / com tudo que
você quer / Tem peixe, ave e caça / da espécie que quiser / Não vá dar é muita corda / pois são
sagazes por mulher” (SILVA, 1992, p. 3).
Ainda acerca dessa crítica, o autor descreve nos cordéis.
FULENGA nome famoso
Tem gata por todo lado
O povo anda espalhando
A fama do desgraçado
Tem pra mais de trinta filhos
Por esse mundo espalhado
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FULENGA vou quietar
Se não a conversa estira
Pode cuidar dos meninos
Que isto não é mentira
Enquanto eu vou mexer
Com a vida do MAMBIRA
(SILVA, 1992, p. 12).
Além de narrar momentos históricos, políticos e fatos do cotidiano do município de
Coari, observa-se que uma das características marcantes de Chagas Simeão, em toda sua
biografia literária é a forma como desenvolve as narrativas, sempre satirizando e/ou
moralizando, mas sem nunca perder a comicidade. Às vezes, o poeta se utiliza de acróstico,
usa o próprio nome para finalizar os cordéis.
Comecei a contar ao povo
Histórias da nossa praça
A esperança é ver todos
Gritando e fazendo graça
A felicidade é bonita
Surgindo de qualquer raça
(SILVA, 1992, p. 21)
Na obra Os prefeitos de Coari (2002) é feito um apanhado geral sobre a história e o
legado dos prefeitos que administraram o município desde a época em que não havia nem
eleição para a escolha dos gestores municipais, ou seja, nesse cordel há descrições dos
mandatos dos superintendentes, dos majores e dos alcaides escolhidos pelo voto popular.
Inclusive, há em muitas estrofes particularidades da História de Coari, que certamente a
“história oficial” não registrou, pelo menos não se tem informação. Nesse cordel, encontra-se
a descrição de qual prefeito que trabalhou ou que deixou de trabalhar durante sua gestão, no
qual o autor fez questão de advertir que dependendo do feito de cada mandatário seria
enaltecido ou depreciado: “Depois eu não quero choro / Dizendo que eu não avisei / Se você
foi bom prefeito / Ao povo todo direi / Mas se você não prestou / Seus defeitos mostrarei”
(SILVA, 2002, p. 01).
Nesse contexto histórico, o poeta conta que os prefeitos coarienses que mais se
destacaram foram: Alexandre Montoril, Clemente Vieira Soares e Enedino Monteiro da Silva.
De acordo com uma relação existente na Câmara Municipal de Coari a qual lista os
nomes dos prefeitos que administraram o município e os respectivos períodos que cada um
passou à frente da prefeitura municipal, sem dar outros detalhes. Alexandre Montoril exerceu
o cargo de prefeito de Coari por três mandatos, de 1932 a 1936, de 1937 a 1939 e de 1960 a
1963. Ele é apresentado, por Chagas, como “(...) um grande prefeito, que esta cidade já viu”,
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constituindo-se nessa conjuntura, o prefeito que iniciou o processo de urbanização da sede do
município de Coari, que acabara de ser elevada à categoria de cidade.
Um homem trabalhador
Cheio de disposição
As sete horas já estava
Com um guarda-chuva na mão
Verificando as obras
Que estavam em construção
Fez uma ponte de madeira
Desta ainda me lembro
Começava na Getúlio Vargas
Até a rua 02 de dezembro
Nesta feira do produtor
Era um igarapé tremendo
Em frente a Getúlio Vargas
Feito com maior capricho
Uma ponte de madeira
A qual chamavam de trapiche
Para embelezar a cidade
E não deixar acumular lixo
(SILVA, 2002, p. 04).
Clemente Vieira Soares, foi prefeito de Coari por dois mandatos, de 1964-1968 e de
1977 e 1982, ele, o autor o apresenta como o prefeito das grandes obras, “um prefeito que
deixou, o nome na cidade inteira”, mas que não teve o reconhecimento da população, pois
mesmo disputando outros pleitos, não ganhou mais nem para vereador.
Por onde você passar
Encontrará na sua frente
Uma obra bem trabalhada
Feita pelo prefeito Clemente
Vou mostrar algumas delas
Que ainda alegram a gente
Vou começar pelo porto
E subir pelo mercado
Pela rua Independência
Esta foi toda aterrada
Tinha o Pavilhão Santana
Pelo comércio foi tomada
(...)
Hoje cinquenta por cento
Do que temos n cidade
Foi feito pelo Clemente
Que trabalhava de verdade
Fazendo coisas bonitas
Para embelezar a cidade
(SILVA, 2002, p. 07-14).
“Foi candidato 7 vezes / Na oitava ele ganhou / Eu não sei porque razão / tanto tempo
demorou / Mais estamos satisfeitos / Com o papel que praticou” (SILVA, 2002, p. 13), é deste
modo que o poeta coariense, Chagas Simeão, refere-se a Enedino Monteiro da Silva, em seu
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cordel. Enedino Monteiro governou a cidade de Coari de 1973 a 1976, e ainda que não tenha
feito grandes realizações em sua administração o autor lhe faz grandes elogios.
O nosso amigo Enedino
Este quase não fez nada
Porque passou o seu mandato
Pagando conta atrasada
Deixada pelo tal Mussa
Que não prestava pra nada
(...)
Foi o único prefeito
Que por essa cidade passa
Que quando o outro entrou
Achou dinheiro em caixa
Trabalhou pouco na cidade
Mas deixou limpo na praça
(SILVA, 2002, p. 12).
Ainda com relação à história dos prefeitos, o poeta popular coariense menciona os
que, na sua opinião, foram os piores administradores de Coari. Nessa relação estão Mussa
Abrahim Neto, Evandro Aquino de Oliveira e Jamil Morais. Mussa foi prefeito de Coari no
período de 1969 a 1972, após o primeiro mandato de Clemente Vieira. Nas palavra do autor,
“com Mussa, foram quatro anos de desgraça que Coari enfrentou”.
Mussa chegou com pinta
De quem bota pra quebrar
É verdade ele entrou
Só vendo pra acreditar
Começou rasgando tudo
Lá na Chagas Aguiar
Só fez essa arrumação
Para enganar a moçada
Daquela data em diante
Só foi fazendo cagada
Deixou a cidade toda
Por todo canto endividada
(SILVA, 2002, p. 11).
Evandro Aquino administrou o município de Coari, de 1989 a 1992. Na época um
jovem intelectual que se tornou a esperança dos coarienses, pois ele havia feito parte da
primeira administração do prefeito Roberval Rodrigues da Silva (1983-1988), da qual ele era
vice, num mandato que foi marcado pela valorização da zona rural, construindo escolas e
levando educação para aproximadamente setenta por cento das comunidades. Mesmo com
alguns outros feitos, a dupla chegou ao final do governo com a popularidade baixa, causada
principalmente pela nomeação de parentes de Roberval para assumir o primeiro escalão da
gestão municipal. Mesmo assim, Evandro Aquino se candidatou e saiu vitorioso. Contudo, na
opinião de Chagas foi uma decepção.
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Começou até bonito
A muita gente empregando
Uma boa administração
Todo povo admirando
Quando dava o fim do mês
Os empregados ia pagando
(...)
Foi se perdendo aos poucos
Mexendo o que não era seu
Começou comprando terreno
Todo o povo percebeu
Uns já querendo saber
Como foi que enriqueceu
(...)
Até hoje ainda sente
Os efeitos disso aí
Nunca mais o quiseram
Para prefeito de Coari
Eu acredito que tão cedo
O povo não lhe quer aqui
(SILVA, 2002, p. 20-21).
Em Os prefeitos de Coari, Jamil Morais, figura-se também como um dos prefeitos
digno de ser satirizado. Ele era vice de Odair Carlos Geraldo, e administrou o município de
Coari por pouco mais de um ano.
Com a morte do Odair
O seu vice apareceu
Meus amigos esse aí
Só fez coisa que fedeu
Foi um dos piores prefeitos
Que em Coari apareceu
(...)
O sujeito era terrível
Gostava de fazer besteira
Vocês estão bem lembrados
Daquela ponte do Pêra!
Foi por onde começou
Fazendo a bagaceira
Botou o Cristo na praça
Com o braço aberto indicando
Onde mostrava para o povo
O buraco que ia ficando
Hoje quando você olha
Disto aí vai se lembrando
(SILVA, 2002, p. 25-26).
A história da política coariense, reserva dois fatos que são decorrentes da sempre
ferrenha e brutal disputa política que se arraigou em Coari desde sua origem, levando dois
prefeitos a serem assassinados, Herbert Lessa de Azevedo (1927) e Odair Carlos Geraldo
(1995), assim descritos pelo cordel, do autor coariense.
Vou continuar mexendo
E descobrindo os segredos
Agora veio a minha mente
O prefeito Herbert de Azevedo
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Este pelo que me contaram
Foi desta terra mais cedo
Deste não posso dizer nada
Pois poucas coisas restaram
Com pouco espaço de tempo
Com um tiro lhe mataram
Não deixou nem lembrança
Para os que nele votaram
(SILVA, 2002, p. 03-04).
De acordo com a Coleção Amazoniana, de 1930, apud GÓES (2014), em transcrição
de A “Vanguarda”, do Rio de Janeiro, de 17 de agosto de 1927, “o prefeito Herbert de
Azevedo foi assassinado aos 25 anos de idade com um tiro no abdômen, no dia 23 de junho
de 1927, dentro do prédio da Prefeitura Municipal, onde também funcionavam a Delegacia e a
Promotoria”. O local fora invadido por vinte homens armados com rifles, vindos de canoa da
comunidade Apaurá, localizada às margens do rio Solimões, entre as cidades amazonenses de
Coari e Tefé.
Herbert de Azevedo era filho do jornalista e escritor Raul de Azevedo, deputado
amazonense e administrador dos Correios do Amazonas e Acre. Nasceu em Manaus, era
solteiro, formado bacharel em Direito e funcionário postal dos Correios.
Com relação ao também trágico homicídio do 14º prefeito de Coari – o 7º eleito pelo
voto popular – o médico paulista Odair Carlos Geraldo, foi morto com um tiro no peito, no
dia 14 de agosto 1995, em um tiroteio entre os seus seguranças e o então presidente da
Câmara de Coari a época, Arnaldo Almeida Mitouso, condenado por unanimidade, em 22 de
novembro de 2011, pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, como o autor do tiro que matou
Odair. Esse acontecimento, assim foi registrado no cordel de Chagas Simeão.
Odair Carlos Geraldo
Também foi nosso prefeito
Mas o destino não deixou
Chegar ao fim do seu pleito
Com um ano e seis meses
Morreu com uma bala no peito
Nos deixou muitas saudades
Pois era um homem excedente
Um que não tinha hora
Para atender qualquer gente
Morreu por viver cercado
De muitos incompetentes
(SILVA, 2002, p. 23-24).
Ademais, os livros Comendo o povo na conversa (2008), As promessas de enrolar
besta (2009) e Coari agora é enxergado (2010) são o retrato do contexto histórico, político e
social dos últimos treze anos do município de Coari. Nesse período o município passou a
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experimentar um novo momento em seu desenvolvimento com a exploração de petróleo e gás
natural, extraídos da Província Petrolífera de Urucu. Contudo, as cifras milionárias que a
Petrobras já pagou, em royalties ao município, pela exploração do “Ouro Negro” em seu solo,
pouco colaborou para que a população alcançasse uma qualidade de vida significativa, pelo
contrário, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2012) em
duas décadas o número de habitantes de Coari dobrou, passando de 38 mil em 1991 pra 77
mil em 2012. Ainda de acordo com o IBG o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
registrado em Coari é de 0,586 o que é considerado baixo pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD). Entre os municípios do Amazonas, Coari ocupa a 21ª
posição na questão do IDH. O que não é exagero afirmar que Coari se tornou um município
rico, de um povo pobre. “É triste mais é verdade / Tudo o que acontece aqui / As frutas vem
de fora / Nada mais produz aqui / Porque não tem incentivo / Dos governantes de Coari”
(SILVA, 2008, p. 25).
Por conseguinte, todos os fatos políticos que marcaram as últimas décadas da História
de Coari estão relatados na produção literária do poeta coariense, Francisco Chagas Simeão
da Silva, nas escolhas, nas decisões, nas promessas políticas e nos escândalos de corrupção e
pedofilia envolvendo, principalmente, o atual grupo político que administra o município
amazonense com a maior renda per capita do estado, pela terceira vez. Assim se expressa
Chagas Simeão: “meu povo já estou cheio / De ver tanta enganação / Por isso leia este livro /
Prestando muita atenção / As coisas que são feitas / Para enganar o cidadão” (SILVA, 2008,
p. 01). E continua sua crítica satírica com os versos a seguir.
É tanta promessa feita
Que o povo até esqueceu
Mas vou lembrar a Orla
Que aqui não apareceu
A famosa ponte do Pêra
Esta desapareceu
(SILVA, 2008, p. 26).
Na cidade não tem um campo
Porque ele mandou acabar
Transformando em cemitério
Pra os defuntos enterrar
Dizendo vou fazer outro
Antes do mandato findar
(SILVA, 2009. p. 08).
É um homem sem moral
Metido na vaidade
Dizia eu só quero menina
De 15 anos de idade
Se tiver mais do que isso
Está fora de validade
(SILVA, 2009. p. 21).
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Dia 20 de maio de 2008
Não devemos esquecer
Que a Polícia Federal
Fez muito negro tremer
Levaram só um bocado
Botam outros pra correr
Assim ainda pegaram
7 malas de dinheiro
Pra você ver como aqui
O roubo é verdadeiro
É por isso que em Coari
Há um sumiço de dinheiro
(SILVA, 2008, p. 28).
3. ANÁLISE SOBRE A TEMÁTICA E ESTRUTURA MÉTRICA UTILIZADAS PELO
CORDELISTA COARIENSE EM SUA BIBLIOGRAFIA
A Literatura de cordel por constituir uma manifestação popular no Brasil, originária do
Nordeste, tem como precursor Leandro Gomes de Barros, paraibano nascido em 1865. A
partir da atuação de Leandro Gomes de Barros (1865- 1918), surgiram outros poetas-editores
que escreviam e imprimiam seus próprios “folhetos”, como eram denominados os poemas
pelos portugueses.
A principal característica da Literatura de cordel no nosso país está relacionada à
riqueza de temáticas: a imensa diversidade dos temas abordados nas estrofes cordelistas.
Francisco Chagas Simeão da Silva também conserva em sua bibliografia essa característica.
Seus cordéis apresentam uma diversidade de temas: fatos históricos como o naufrágio do
barco Dominik, fatos cotidianos como a descrição de pessoas e seus nomes engraçados em A
Praça que tem de tudo e em Recordando os Esquecidos Coarienses, ambos de 1992. Os fatos
políticos, que inclusive estão sendo denunciados pela imprensa regional e nacional estão
claramente retratados em Coari agora é enxergado (2010): “Antes tivesse perdido / A
segunda eleição / tinha saído daqui limpo / E com dinheiro na mão / Não saía como pedófilo /
Nem também como ladrão” (SILVA, 2010, p. 28).
É importante enfatizar que o próprio cordelista tinha consciência do que escrevia.
Preocupado em mostrar a verdade e, assim “abrir os olhos do povo” escreveu em As
promessas de enrolar besta (2009) para o leitor: “talvez não fosse este livro / que você estava
esperando / leia com bem atenção/ e sempre observando / Você vai ver que é verdade / Tudo
o que estou falando” (SILVA, p. 31). E o autor continua tentando chamar a atenção do leitor
para a enganação: “eu não vou fazer livro / que não possua valor/ Quero chamar atenção / Do
meu querido leitor / Pra me ajudar a divulgar / a podridão que passou” (p. 31).
17
Ainda quanto à temática, o cordel literário do morador coariense, Chagas Simeão, tem
uma relação muito semelhante à obra de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”. São
bastante conhecidos os poemas de caráter crítico do autor barroco que, na época do Brasil
colonial, satirizava o clero, os políticos, comerciantes, colonizadores e até mesmo o povo.
Para isso, usava um vocabulário bem “baixo” em suas poesias.
Assim, através das mesmas, podia-se conhecer melhor a sociedade do Brasil colonial,
conforme exemplificam os fragmentos do poema intitulado “Epílogos” (Juízo anatômico dos
achaques que padecia o corpo da república). No texto barroco, o escritor faz uma análise,
válida para os dias atuais, dos problemas do país, cuja capital era então a Bahia. Sua crítica
volta-se para a situação econômica, a corrupção das autoridades, a farsa dos políticos e o
mercantilismo a que a justiça se submete.
EPÍLOGOS
(Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república)
Que falta nesta cidade?...................................Verdade
Que mais por sua desonra ..............................Honra
Falta mais que se lhe ponha ...........................Vergonha.
O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.
Quem a pôs neste socrócio?.............................. Negócio
Quem causa tal perdição? ................................ Ambição
E o maior desta loucura?.................................. Usura.
Notável desaventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.
(...)
O açúcar já se acabou?..................................... Baixou
E o dinheiro se extinguiu?................................. Subiu
Logo já convalesceu? .......................................... Morreu.
À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.
A Câmara não acode?........................................ Não pode
Pois não tem todo o poder?.............................. Não quer
É que o governo a convence? ........................... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.
(Gregório de Matos)
18
Na mesma linha temática de Gregório de Matos, o cordelista Chagas Simeão critica
satirizando, de forma bastante cômica, episódios da vida popular, cotidiana e política.
A semelhança temática do cordel de Chagas Simeão com as poesias satíricas do poeta
baiano se evidenciam em As promessas de enrolar besta. Na obra, constata-se que o autor faz
duras críticas aos governantes coarienses e recrimina as pessoas que não sabem votar.
O povo desta cidade
Parece não ter cachola
Vão rodando na conversa
Como se rola uma bola
Você prestou atenção
No rabo do ônibus a Orla?
É uma coisa incrível
Que deixa a gente “nervoso”
Em ver nas traseiras dos ônibus
O Centro de Convivência do Idoso
É mais uma falcatrua
Deste bicho mentiroso.
(SILVA, 2009, p. 03).
E o autor, na obra, continua com suas denúncias e críticas, através de suas sextilhas.
A Orla que tanto falaram
Só era fazendo chantagem
Pois é tipo de gente
Que quer virar visagem
E deixar sua propaganda
Ao menos para sacanagem.
A estrada foi duplicada
Até hoje pra nada presta
Veja esta do Itapéua
Que é só buraco que resta,
Porque o dinheiro aqui
Se acabava em festa...
(SILVA, 2009, p. 09-10).
Mas aqui, este povo
Gosta de ser enganado,
Chegou fazendo promessa,
Logo confiam no safado
Depois estão arrependidos
Se maldizendo para todo lado.
(...)
Vai entrando e se acabando
E o povo rodando na peia
O asfalto que jogam na rua
Pode ver que é só areia
E a cidade de Coari
Cada vez fica mais feia...
(SILVA, 2009, p. 11-13).
Na mesma linha satírica, as sextilhas transcritas do cordel As promessas de enrolar
besta (2009) fazem referência à omissão e participação das autoridades no desmando político
coariense.
19
E quanto mais aparece roubo
O sujeito é mais elogiado
Pois no meio da sem-vergonhice
Tem Promotor, Juiz e Advogado
E mais os Governadores
Pra ficar tudo abafado.
Ainda passa a mão por cima
Elogiando o ladrão
Dizendo eu não pensei
Que tivesse aqui um irmão
Vou mandar mais dinheiro
Pra nós fazermos a divisão.
(SILVA, 2009, p. 15).
Porém, o cordelista do município de Coari, não escreveu apenas poemas de caráter
satírico, o poeta Chagas Simeão também faz relatos saudosistas, num vocabulário bem
popular, de personalidades políticas e de acontecimentos do cotidiano coariense em
Recordando os esquecidos coarienses (1992).
Você talvez não conheceu
Ou seu nome nunca ouviu
Foi um grande prefeito
Que nesta cidade surgiu
Seu nome era conhecido
Por CORONEL MONTORIL
(SILVA, 1992, p. 4).
E louvando o trabalho dos antigos prefeitos Montoril e Clemente Vieira, as sextilhas
transcritas de Os prefeitos de Coari (2002) continuam com os relatos saudosistas.
Do Coronel Montoril
Ainda trago na mente
Uma frase muito linda
Que dizia num repente
Que o homem preguiçoso
Não serve para semente
Trabalhou muitos anos
Não deixou rastro de besteira
Para continuar o progresso
Entrou o Clemente Vieira
Um prefeito que deixou
O nome na cidade inteira
(SILVA, 2002, p. 07).
Com referência à estrutura formal, todos os cordéis são escritos através de estrofes
regulares, utilizando-se de sextilhas. O primeiro cordel, A tragédia do botafogo, possui cento
e oito estrofes, o segundo cordel, intitulado Recordando os esquecidos coarienses é
constituído de quarenta e nove estrofes. O livro A praça que tem de tudo possui setenta e três
agrupamentos de versos. O livro Os prefeitos de Coari é organizado com cento e trinta e uma
estrofes. O quinto cordel, que tem como título Comendo o povo na conversa é o que tem o
20
maior agrupamento de estrofes, composto cento e cinquenta. As promessas de enrolar besta é
o segundo maior folheto, com cento e trinta e quatro estofes e o livro Coari agora é
enxergado é formado por setenta e sete estrofes.
Predominantemente, nos versos escritos, o autor utiliza versos que constituem a
medida velha, versos curtos, de cinco sílabas, a redondilha maior e versos de oito sílabas, mas
não há rigidez, quanto à quantidade de sílabas poéticas. Em Coari agora é enxergado (2010),
impresso no próprio município, há uso dos versos de sete sílabas e versos de oito sílabas
(medida velha), mas há versos também construídos com outras medidas.
A / qui/ se / faz / a / qui/ se / pa / ga = oito sílabas poéticas
É / um / di / ta /do /po /pu / lar /= oito sílabas poéticas
Tem /gen / te / pa / gan / do/ ca / ro = sete sílabas poéticas
O / que / fez / a / qui/ sem / pen/ sar/ = oito sílabas poéticas
Ven/ do o/ sol / nas /cer/qua /dra / do = sete sílabas poéticas
Que / ren /do a / té/ se en/ for / car/ = sete sílabas poéticas.
A preferência métrica do autor evidencia-se, inclusive, no encaixe intitulado: AS
BELEZAS DE COARI – A RAINHA DO SOLIMÕES. Nesse cordel, o que se tem
conhecimento até agora, é que o mesmo constitui o primeiro registro de exaltação à cidade de
Coari, através do gênero Literatura de Cordel.
Quem vem a esta cidade
Volta sempre com frequência
Por ver as maravilhas
Da Avenida Independência
Coari, uma cidade bonita
Que encanta com a presença
(...)
Você seguindo tranquilo
Vai logo em frente encontrar
Uma praça muito bonita
Que vale a pena parar
E ficar observando
Que é bonito trabalhar...
(SILVA, s/d, p. 17 - 18).
Quanto ao esquema de rimas, o autor rima sempre os versos pares, geralmente o
segundo rima com o quarto e com o sexto verso. Partindo desses pressupostos, conclui-se que,
a Literatura de Cordel, produzida pelo morador coariense Francisco Chagas Simeão da Silva,
apresenta uma linguagem cadenciada, simples, de fácil entendimento.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi bibliográfica de análise qualitativa, caracterizando-se como um estudo
de caso. Primeiramente foi feito o levantamento da literatura de Chagas Simeão. Após a
leitura sistemática e análise, privilegiou-se como temática a descrição dos fatos históricos e
21
políticos do município de Coari, relatados nos cordéis do autor em estudo. Também foi feito o
levantamento bibliográfico para teorização do tema selecionado.
Como instrumento, utilizou-se também de uma entrevista feita com Chagas Simeão,
para melhor conhecimento sobre a vida e a obra do autor, uma vez que os livretos analisados
não trazem informações biográficas acerca do poeta coariense de cordel.
22
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a Literatura de cordel, produzida pelo morador coariense Francisco
Chagas Simeão da Silva, desempenha um singular e relevante registro de aspectos históricos e
políticos do município de Coari.
Ao cumprir todos os objetivos propostos neste trabalho, percebeu-se que os cordéis do
poeta são, de fato, uma fonte de informação histórica real que de uma maneira ou outra tem
incansavelmente contribuído para ajudar no processo de educação e politização da população
coariense, ou seja, formar cidadãos críticos e conscientes dos seus deveres e direitos políticos,
por motivar o cidadão/eleitor a fazer melhores escolhas na hora de eleger o seu representante.
Com este artigo, observou-se a nítida habilidade do poeta em transformar a notícia em
história, e, que seus cordéis têm proporcionado à sociedade coariense uma alternativa
diferenciada e legítima de fazer com que esta fique “por dentro” dos fatos do cotidiano.
Entretanto, embora este trabalho tenha sido muito importante para conhecer a História
de Coari, ficam as seguintes recomendações: que os leitores, sobretudo os discentes, tenham a
curiosidade de pesquisar, entender e escrever sobre a História de Coari retratada através dos
cordéis de Chagas Simeão.
Recomenda-se também que as instituições de ensino, responsáveis por formar e
informar, procurem a possibilidade de encontrar saídas para o desenvolvimento da pessoa
humana, através dos mais diversos gêneros da linguagem, entre eles o cordel; que o cordelista
coariense possa ter apoio de instituições para suas futuras publicações e, dessa forma produzir
obras focando também o público escolar/universitário e que a população de Coari possa
valorizar a Literatura de cordel do autor em estudo, pois a História de um povo precisa ser
registrada, visto que “um povo sem memória é um povo sem cultura”. E se cultura insere as
tradições populares, as manifestações religiosas, os costumes de um povo, as lendas, as trovas
populares, insere também a Literatura de cordel, com fatos narrados por Francisco Chagas
Simeão da Silva que apresenta, nesse gênero textual, uma riqueza de detalhes da História e da
cultura coariense.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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junho de 2013.
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<http://dilsoncatarino.blogspot.com.br/2012/10/poemas-de-gregorio-de-matos-guerra-
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Como morreu o Prefeito de Coari. Disponível em:
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Manaus/AM, 1992.
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_______________ Comendo o povo na conversa. Gráfica MA. Coari/AM, 2008.
SILVA, Francisco Chagas Simeão da. As promessas de enrolar besta. Gráfica MA.
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Disponível em:< http://www.queimabucha.com/index.php?pagina=Artigos&ida=2>.
Acesso em: 18 de outubro de 2013.
ANEXOS / APÊNDICES
Entrevista:
Francisco Chagas Simeão da Silva – O Poeta Coariense de Literatura de Cordel
Coari-AM, em 20 de novembro de 2013
Por: Daniel de Almeida Alves Acadêmico do Curso de Licenciatura em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA/NESCOA
Francisco Chagas Simeão da Silva, nos recebeu para esta entrevista em seu
bazar, localizado na Travessa Mota, centro de Coari (AM). Aos 65 anos, sempre bem
humorado, o poeta cordelista não hesitou em responder uma só pergunta que lhe foi
dirigida. Ele tem 14 escritos de cordel, entre obras publicadas e inéditas. É comerciante
dedicado, e também um apaixonado por leitura. Quando não tem clientes para atender
está sempre lendo jornais e/ou revistas, ou então rabiscando seus cordéis atrás de sua
escrivaninha.
Daniel Almeida – Fale um pouco de você: sua idade, sua profissão,
formação, cidade onde nasceu, se é casado ou solteiro etc.
Chagas Simeão – Eu tenho 65 anos, nasci no dia 04 de julho de 1948, na zona
rural de Tefé. Quando eu tinha 02 anos, o meu pai saiu para pescar, sofreu um ataque de
epilepsia e morreu afogado. Uns anos depois a minha mãe se juntou com um “cara”, só
que ele bebia, e numa de suas bebedeiras o “sujeito” chegou em casa querendo bater na
minha mãe, foi então que eu peguei uma enxada e botei para cacetar o “bicho” (risos).
Foi! Só não aconteceu uma tragédia porque ele se defendeu e correu (risos)!
Depois desse caso, eu já tinha 12 anos, a minha mãe me mandou aqui para
Coari, para morar com o meu tio, Alfredo. Então, desde menino eu tive que aprender a
me virar. Estudava em um horário e trabalhava em outro, até que chegou um momento
que, por uma questão de sobrevivência, e também por me aparecer a mesma doença
neurológica (epilepsia) que levou o pai à morte, não deu mais para estudar, e aí eu parei
na 7ª série. Desde então, eu trabalho com comércio, antes lá no mercado, e agora aqui
nesse “bazarzinho” (risos). Essa é a minha profissão!
Ah, eu sou casado com a Sra. Fátima Carvalho da Silva, com quem tenho 2
filhos, Heloneida Richer Carvalho da Silva e Kleiton Richer Carvalho da Silva.
Daniel Almeida – Como surgiu o seu interesse pela literatura de cordel?
Chagas Simeão – O meu envolvimento com o cordel aconteceu de uma certa
forma até engraçada, porque como eu disse, eu trabalhava em um dos “box” do
Mercado Municipal Clemente Vieira, onde eu comercializava diversos tipos de livros,
que eu mandava pedir de São Paulo (SP), isso em meados da década de 80, no meio
desses livros eu encontrei a obra A luta do Zé do Caixão com o Diabo, de Manoel
D’Almeida Filho. Foi lendo as histórias de Manoel D´Almeida Filho, em diversos
outros cordéis, que eu vi, que eu também poderia ser um escritor de literatura de cordel.
Isso ficou na minha cabeça por vários anos.
A inspiração para escrever o meu primeiro cordel só veio com o naufrágio do
barco Dominik, lá perto de Codajás, uma tragédia que eu nunca tinha ouvido falar na
minha vida. Assim, nasceu A tragédia do Botafogo na qual eu narro como tudo
aconteceu e ainda alerto o povo para ter cuidado ao viajar por esses rios.
Daniel Almeida – Quantos cordéis você já compôs e onde os divulga?
Chagas Simeão – Já escrevi 14 livros, 11 já foram publicados: A tragédia do
Botafogo, Recordando os esquecidos coarienses, A Praça que tem de tudo, As proezas
de um preguiçoso, Os prefeitos de Coari, As quadro drogas que matam sem compaixão,
A crueldade dos homens, As promessas de enrolar besta, Comendo o povo na conversa,
Coari agora é enxergado, Lembrança da vovó Suzana, e por falta de patrocínio, 3 estão
por serem publicados. E eu só vendo aqui mesmo, quem faz a divulgação é o povo.
Daniel Almeida – Qual a temática principal de seus cordéis? Eles se
diferenciam dos cordéis tradicionais?
Chagas Simeão – A temática mais presente nos meus cordéis é a política,
porque eu acredito que as decisões da política é que decidem os rumos da sociedade.
Mas eu também gosto de escrever sobre as história do dia a dia do povo, porque o
cordel é poesia popular, não da elite. É poesia do povo, feita em folhetos baratos,
humildes. Essa poesia o povo transmite de geração para geração porque nela está a sua
identidade cultural. O que diferencia o meu cordel do tradicional é que o tradicional
valoriza mais as histórias dos bois brabos que ninguém pegava, dos cangaceiros. O meu
não, o meu valoriza as histórias do povo.
Daniel Almeida – Os cordéis têm uma função didática, entre outras. Como
tem sido a reação do público com a temática de seu cordel?
Chagas Simeão – O povo tem sido muito receptivo com o meu trabalho. Tem
muitos pais que não sabem nem ler, mas que compram os meus cordéis para ouvir os
filhos lerem e se divertirem com o jeito que eu descrevo as histórias, e depois eles saem
contando por aí (risos).
Daniel Almeida – Você já sofreu algum tipo de retaliação por causa do
cordel?
Chagas Simeão – Não, porque por mais que eu faça um cordel que satiriza sem
dor nem piedade as besteiras que esses políticos fazem, eu só falo a verdade, nada mais
que isso.
Daniel Almeida – De que forma os cordéis colaboram em prol da cidadania
coariense?
Chagas Simeão – Minha missão é através do cordel registrar os acontecimentos que
giram em torno da política para ir alertando o povo a fazer escolhas inteligentes na hora
de votar.
Daniel Almeida – Chagas, se você pudesse deixar uma mensagem para os
jovens, o que você diria?
Chagas Simeão:
Jovens de todo o Brasil
É hora de despertar
Procurando as coisas boas
Que vocês possam aproveitar
O estudo é uma delas
Pode você acreditar
Estude com dedicação
Não deixe o tempo passar
Aproveite enquanto é jovem
Porque a velhice vai chegar
Leia com bem atenção
Pra aprender e pra ensinar
Um jovem bem preparado
Tem a vitória pela frente
Vive uma vida feliz
Bem alegre e contente
Desvie-se do mal
Pra ser uma boa gente