a história da cultura brasileira segundo as línguas nativas

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A HISTÓRIA DA CULTURA BRASILEIRA SEGUNDO AS LÍNGUAS NATIVAS Greg Urban

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Page 1: A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas

A HISTÓRIA DA CULTURA BRASILEIRA

SEGUNDO AS LÍNGUAS NATIVAS

Greg Urban

Page 2: A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas

• Greg Urban é antropólogo e professor da Universidade de Pensilvânia, com especialização nas áreas de Antropologia Cultural e Linguística. Tem publicado diversos livros e trabalhos sobre Metacultura e Cultura Indígena da América (linguagem, ritos, mitologia).

• O presente ensaio foi compilado no livro “História dos Índios no Brasil” (1992), organizado pela antropóloga Manoela Carneiro da Cunha.

• A pergunta que Greg Urban se coloca no início do seu trabalho é: o que seria possível aprender acerca da história pré-colombiana do Brasil, através do estudo das línguas ameríndias historicamente documentadas?

Page 3: A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas

• O período focado é o de 4000-5000 a.C. até o presente

• Sobre a localização dos povos indígenas podem ser formuladas hipóteses. Neste breve ensaio, Greg Urban desenvolve uma hipótese da periferia ou regiões de cabeceiras

• Segundo o antropólogo americano, pode-se aprender muito sobre a história da cultura brasileira por meio das línguas se:

... possuirmos gramáticas, fonologias e vocabulários organizados e detalhados para todas as línguas

... aplicarmos o método de reconstrução desenvolvido na linguística comparada

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Reconstrução linguística

• Trabalhosa e demorada

• Técnica envolve juntar longas listas de palavras das línguas a serem comparadas/ isolar correspondências de som e reconstruir a partir delas uma protofonologia/ estabelecer um protoléxico ou protovocabulário/ mostrar como as palavras “filhas” podem ser derivadas do protoléxico através de regras de transformação sonora (“cognatos”)

• A reconstrução nos mostra quais línguas estão mais próximas entre si e quais mais distantes dentro do grupo

• Possibilidade de construir uma “árvore genealógica” de uma família linguística. Exemplo: línguas Jê tem origem comum, porém as línguas Kaigang e Xokleng separaram-se muito antes das primeiras diferenciações

• Importância da profundidade cronológica (em percentuais de cognatos)

• Distinção entre cognatos e empréstimos

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Quatro grandes grupos linguísticos no Brasil

• Estima-se que cerca de 1.300 línguas indígenas diferentes eram faladas no Brasil há 500 anos (Fonte: FUNAI)

• Segundo o Instituto Socioambiental (ISA) existem hoje no Brasil 225 etnias indígenas, que falam 180 línguas

• Quatro grandes grupos são: ARAWAK (ou Aruak), KARIB, TUPI e JÊ, com possíveis interligações entre eles

• Cada um dos quatro grandes grupos linguísticos têm numerosos membros, espalhados por vastas áreas, com diversas famílias ultrapassando as fronteiras do Brasil

• Existem grupos linguísticos menores além daqueles quatro: Chapacura, Guaycuru, Katukina, Maku, Mura, Nambikwara, Pano, Tukano e Yanomami

• Além disso, há línguas isoladas, desligadas de famílias

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(quadro línguas Macro-Jê)

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Macro-Jê

• Compõe-se do grupo Jê (3000 mil anos ou mais) + Kamakã, Maxakali, Botocudo, Pataxó, Puri, Kariri, Ofaié, Jeikó, Rikbaktsá, Guató (5 ou 6 mil anos)

• Famílias concentradas na parte oriental e central do planalto brasileiro

• Origem entre as nascentes dos rios São Francisco e Araguaia

• Primeira separação entre os Jê meridionais (Kaigang e Xokleng, migrando em direção ao sul) e o resto, dispersão acontecida 3000 anos atrás

• Diversas outras cisões dos Jê aconteceram (setentrionais, para a bacia amazônica e também para o oeste )

• Se reconhecem alguns cognatos com as línguas Tupi e Karib, mas não com os grupos Pano e Arawak

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(quadro línguas Macro-Tupi)

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Macro-Tupi

• A filiação genética entre as línguas deste grupo é mais conhecida do que as do grupo Macro-Jê

• A principal família dentro deste grupo é a Tupi-Guarani

• Existe uma grande expansão geográfica das línguas Tupi, não estando aquela associada à antiga dispersão Macro Tupi (entre 4 a 6 mil anos, entre os rios Madeira e Xingu) e sim com a expansão da família Tupi-Guarani (2 a 3 mil anos)

• As línguas Tupi parecem se distinguir das línguas Jê em seu padrão de dispersão geográfica

• Entre os Tupi, em vez de ramificações, encontra-se um padrão de explosões e radiações a partir de centros. Línguas muito distantes acabam se revelando relacionadas

• A mobilidade geográfica é um traço essencial da língua Tupi, o que indicaria uma maior migração destes grupos

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(quadro línguas Karib)

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Línguas Karib

• Existe um conhecimento rudimentar destas famílias

• Segundo pesquisas de ligação genética, as línguas Karib, Tupi e Jê poderiam derivar de um ancestral comum muito remoto

• A família Karib originou-se em algum ponto das cabeceiras guianenses, entre a Venezuela e as Guianas / Não podemos falar de um grupo “Macro-Karib”

• Existem empréstimos entre as línguas Tupi e Karib, ocorridos no sentido das primeiras citadas para as segundas, associando-se ditos empréstimos ao tipo de contato que, provavelmente, envolveu comércio e troca

• As línguas Karib podem ter desempenhado um papel “mediador” (a partir de redes navegáveis com intenso tráfico de pessoas e bens, requerendo línguas francas ou de comércio)

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Línguas Arawak

• O termo arawak refere-se a um conjunto geneticamente mais abrangente que as línguas Maipure, principal família integrante deste grupo

• As outras famílias geralmente incluídas são as línguas Aruan (sudoeste amazônico), a língua Puquina (Bolívia) e as línguas Toyeri ou Harakmbet (Perú)

• As línguas Maipure foram organizadas em cinco subdivisões: setentrional, oriental, central, meridional e ocidental, não havendo consenso quanto à origem geográfica do tronco Maipure

• A área peruana se apresenta como a provável área de dispersão do ramo Maipure dos Arawak, há talvez uns 3000 anos ou mais

• Segundo Urban, o rio Amazonas não foi a principal rota de dispersão dos Arawak (migração “periférica” dentro da bacia)

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Famílias menores

• Geograficamente mais compactas e com profundidades cronológicas não muito grandes, com datas de separação de não mais de 3 mil anos

• Menores agrupamentos genéticos: Pano, Guaykuru, Nambikwara, Chapkura, Mura e Katukina ao sul do Amazonas, e as famílias Puinave e Yanomami ao norte

• A família Pano é a maior delas ao sul do Amazonas, concentrada no oeste do Brasil, Peru e Bolívia

• A família Guaykuru tem um representante remanescente, o Kadiwéu, localizados na fronteira Brasil – Paraguai

• A família Nambikwara é formada por três línguas, no oeste de Mato Grosso e Rondônia

• As famílias Chapacura (em terras altas) e Mura (em terras baixas) encontram-se ao longo do rio Madeira

• Outro grande grupo é o dos Tukano, no noroeste da Amazônia

• A família Yanomami é formada por quatro línguas, no norte de Roraima e Venezuela, em altitudes entre 500 e mais de 1000 m

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Línguas isoladas

• Muito importantes para se compreenderem as fases mais antigas da história da cultura – além do alcance da técnica comparativa (anteriores a 4000-5000 anos)

• A área geográfica na qual estão concentrados os membros é provavelmente a sua área de origem

• Distribuídas de modo uniforme em três áreas principais: nordeste brasileiro (onde todas as línguas estão extintas), planalto ao oeste do Brasil e na vizinha Bolívia e norte do Peru e Equador

• Os três grupos podem estar associados ao resultado das dispersões dos Macro-Jê, Macro-Tupi e dos Arawak, respectivamente

• Uma família permanece fora desse quadro, a família Karib, reforçando a probabilidade de que o Karib esteja geneticamente relacionado ao grupo Tupi

Page 18: A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas

A hipótese das cabeceiras ou periferia

• As áreas de origem dos ancestrais das famílias Jê, Tupi e Karib são todas cabeceiras de rios (Jê -> rio São Francisco/ Tupi -> entre rios Madeira e Tapajós/ Karib -> altiplanos guianenses ou venezuelanos)

• Os ancestrais da família Arawak também teriam sua origem nas cabeceiras amazônicas (hipótese de Urban, contestada)

• A ocupação das cabeceiras dos rios estariam situadas em altitudes variáveis ente 200 e 1000 metros

• No caso das outras famílias mais importantes, o padrão da origem nas cabeceiras ou periferia (e não das várzeas) seria mantido, com algumas exceções

• Não há famílias linguísticas com profundidades cronológicas superiores a 1000 a.C., com zonas de origem no médio e baixo Amazonas

• O desenvolvimento refletido na língua sugere um movimento gradual para regiões de menores altitudes, não antes de 1000 a.C. (importância da agricultura vs. a coleta?)

Page 19: A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas

O papel da língua no desenvolvimento histórico-cultural

• As mudanças sociolinguísticas das comunidades podem ser uma força atuante em desenvolvimentos culturais mais amplos

• Os empréstimos podem ser elucidativos dos contatos entre grupos

• Papel ativo da língua em integrações de larga escala

• Num modelo cultural brasileiro, as fases mais antigas caracterizar-se-iam pelo contato limitado entre membros de comunidades linguísticas distintas

• No norte e no oeste da região amazônica se desenvolvem diferentes padrões linguísticos (multilinguismo difundido?)

• Possibilidade de fenômenos sociolinguísticos conduzirem, em vez de apenas seguirem, outros processos aos quais os associamos (comércio, integração política, etc.)

Page 20: A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas

Conclusões

• No atual estágio, não se deve esperar que estudos de língua possam resolver questões ligadas à origem dos povos sul-americanos

• Padrão de ocupação antiga no Brasil (4000-5000 anos a.C.), periférico ao curso principal do Amazonas

• Três grandes troncos linguísticos: Jê, Tupi e Arawak, cada qual associado a um foco em cabeceiras e /ou periférico

Jê -> planalto oriental do Brasil Tupi -> Chapada dos Parecis (oeste do Brasil) e

na Bolívia Arawak -> centro-norte do Peru

• Ocupação de terras baixas se fez mais tarde (posterior a 1000 a.C.)

• Situações de intenso contato, multilinguismo, línguas de comércio, aconteceram em uma região que vai do extremo oeste da bacia amazônica para o norte e em seguida para o leste, cruzando toda a América do Sul, ao norte do Amazonas / No centro e oeste do Brasil, hipótese tradicional: uma língua/ uma cultura/ um povo