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O Ensino de Línguas Estrangeiras no Segundo Reinado
Romeu Porto Daros*
Resumo: O estudo do ensino das línguas estrangeiras dentro do contexto
educacional, social e político de cada período da história brasileira, verificando-
se as transformações pelas quais passou e sua contribuição na formação
cultural das gerações é um bom ponto de partida para a análise e
compreensão da sua situação no contexto do ensino e aprendizagem atual. O
presente trabalho pretende analisar o ensino de línguas estrangeiras durante o
segundo reinado do Império brasileiro, partindo da fundação do colégio Dom
Pedro II, em 1837, até o fim do império, em 1889. Considerando a importância
desse período, que antecede a proclamação da república, serão destacados os
principais marcos de sua evolução, o papel e o peso de cada língua estrangeira
e os elementos constitutivos das abordagens metodológicas utilizadas, com
atenção ao uso da tradução.
Palavras-chave: Ensino; língua estrangeira; tradução; abordagem.
Sommario: L’insegnamento delle língue straniere nel contesto educativo,
sociale e político di ogni periodo della storia brasiliana, facendosi la verifica
delle trasformazioni che ha sofferto e del suo contributo alla formazione
culturale delle generazioni è un buon punto di partenza per l’analisi e
comprensione della sua situazione nel contesto di insegnamento e di
apprendimento di oggi. Questo studio si propone di esaminare l’insegnamento
delle língue straniere nel secondo regno dell’Impero brasiliano partendo dalla
fondazione del collegio Dom Pedro II nel 1837, fino alla fine dell’impero, nel
1889. Considerata l'importanza di questo periodo, che precede la
proclamazione della repubblica, saranno evidenziati i principali episodi della sua
evoluzione, il ruolo e il peso di ogni lingua straniera e gli elementi costitutivi di
approcci metodologici, con particolare attenzione all'uso della traduzione.
Parole chiave: Insegnamento; lingua straniera; traduzione; approccio.
*Mestrando do curso de Pós Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC). [email protected]
Introdução
O Brasil europeu nasceu sob o marco da tradução. Os primeiros
oriundos do velho continente, ao aportarem nas novas terras da América,
tiveram que, imediatamente após a descida em solo, exercitarem sua
competência tradutória. Primeiramente tentando compreender signos através
de gestos, olhares, sinais e, mesmo mímica. Buscando posteriormente,
dominar as regras e léxico da língua do povo com o qual iniciavam uma
relação. A carta de Pero Vaz De Caminha a El-Rei Dom Manuel I, em 1500,
assim descreve a situação comunicativa no encontro dos portugueses com os
habitantes do Brasil:
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata (CASTRO, 1998, P. 21).
O empenho de fazer tradução neste primeiro contato foi motivado pela
necessidade de se relacionar com um povo do qual nada conheciam. Não
havia saber prévio dos seus costumes, da sua forma de organização social e
política, da sua história, da sua cultura e da língua falada por eles. Pode-se
dizer que a tradução aqui exercitada foi uma espécie de tradução pura e
imediata, pois, não foi mediada e nem orientada, seja do ponto de vista dos
europeus, seja pelo ponto de vista dos nativos, por nenhuma outra ciência. Não
foi mediada pela antropologia, pela filosofia, pela linguística e, nem mesmo, por
relações interculturais. Deu-se apenas pela necessidade de comunicação e
exercitada de forma oral.
Sobre este aspecto, Wyler (2003), coloca:
Em termos documentais a tradução oral teve início com o achamento do Brasil. A tradução escrita, por sua vez, fez sua primeira aparição em 1549, com a vinda dos jesuítas, praticamente limitada, durante séculos, aos universos escolar e burocrático – e para línguas-alvos diferentes do português (p. 29).
A necessidade de comunicação em situação tão adversa estabeleceu,
pode-se assim dizer, o primeiro método de estudo de línguas da história
brasileira; “os línguas”. De acordo com a Carta de Pero Vaz de Caminha, um
mancebo degradado de nome Afonso Ribeiro foi mandado “para ficar lá” junto
aos índios e “saber de seu viver e maneira” (CASTRO, 1998, p. 22). Para Wyler
(2003, p. 34) “os línguas ou intérpretes” funcionavam como mediadores para
que a comunicação efetivamente ocorresse entre os europeus e os habitantes
nativos.
Após este primeiro momento, o estudo de línguas, seu ensino e uso da
tradução no contexto educativo e comunicativo, começaram a sofrer
sistematizações. Dentre os vários períodos do ensino de línguas estrangeiras
no Brasil, um será objeto de maior detalhamento neste artigo: o período em
que o Brasil foi governado por Dom Pedro II, o imperador erudito, partindo-se
da fundação do colégio Dom Pedro II, em 1837. O segundo reinado,
propriamente dito, inicia em 1840 e encerra com a proclamação da república
em 1889.
Qual a importância do ensino de Línguas Estrangeiras (LE) durante o
segundo reinado? Qual o seu espaço no ensino formal, e, em particular, na
escola pública de segundo grau? Com qual objetivo era ensinado? E qual era a
abordagem metodológica predominante no período? Essas são as questões
principais pelas quais o artigo pretende navegar, buscando as informações em
textos atuais e históricos.
1 O Contexto
1.1 Europa
O século XIX irrompeu na Europa marcado pelos abalos gerados pela
Revolução Francesa e pelo novo papel social da burguesia. Entre 1789 e 1815,
a cultura da Europa foi transformada por revoluções e guerras, colocando em
crise as bases econômicas, sociais e culturais do século XVIII. Quirico
Filopanti, no primeiro volume de sua obra Storia di un secolo, dal 1789 ai giorni
nostri, assim demarca a importância da revolução francesa para o mundo:
La rivoluzione Francese, per confessione di amici e di nemici, ha cangiato, in qualche guisa, la faccia dell'Europa. Ripeto la domanda già da me fatta: l'ha mutata in meglio od in peggio? Senza dubbio in meglio dal lato materiale. Imperciocchè l'abolizione della servitù della gleba, dei maggioraschi1, della mano morta2, e dei più odiosi balzelli; la diffusione dell'istruzione mediante le scuole elementari e la libertà della stampa; (p. 47 V.1)3
No meio da disputa entre a França Napoleônica, com seus ideais
iluministas, e a Inglaterra, em expansão industrial, aliada à Áustria, Prússia e
Rússia, potências absolutistas e, portanto, contrárias aos ideais da Revolução
Francesa, o príncipe regente de Portugal, Dom João VI, mudou a corte
portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, elevando a categoria da colônia a
reino.
Para Sodré, em seu Panorama do segundo Império, a fuga de D. João
VI foi o “momento culminante da migração Lusitana” (p. 36) para o Brasil e
“Agora, não são mais os necessitados, de toda a espécie e de todos os graus
1 Instituto de direito feudal pelo qual, a fim de manter intacto um ativo, este era retirado da sucessão ereditária normal e transmitido a um só parente do sexo masculino, o mais próximo, e, em caso de igual categoria, ao de idade maior. (ALDO, Gabrielli. Dizionario della Lingua Italiana. Editore: HOEPLI. Disponível em http://dizionari.hoepli.it/Dizionario_Italiano. Acesso em 30 ago 2011). 2 Condição legal que impedia servos de transmitirem seus bens a herdeiros por testamento. Condição legal de inalienabilidade de bens (como os que pertencem a entidades como hospitais, instituições religiosas etc.). (iDicionário Aulete. Disponível em http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital. Acesso em 30 ago 2011).3 A Revolução Francesa, nas palavras de simpatizantes e antagonistas, mudou de alguma forma, a face da Europa. Repito a pergunta que eu já tinha feito: ela mudou para melhor ou para pior? Sem dúvida, mudou para melhor a vida material. Pelo fato que promoveu a abolição da servidão, reverteu com o direito de primogenitura, extinguio o direito de benz de mão-morta, e os tributos mais ofensivos, estimulou à difusão da educação através do ensino fundamental e à liberdade de imprensa; (tradução nossa)
que acorrem ao Brasil. É a sua nobreza. É a sua corte. É o seu rei”. (p. 36) e
descreve que à época “Portugal estava parado e assistia ao desenvolvimento
europeu ainda estratificado em formas econômicas as mais primitivas”. (p.34).
A Europa, na primeira metade do século XIX, atingiu níveis de
desenvolvimento significativos. Hobsbawm (2010) em seu livro A Era das
Revoluções acentua que:
A ciência nunca fora tão vitoriosa; o conhecimento nunca fora tão difundido. Mais de quatro mil jornais informavam os cidadãos do mundo, e o número de livros publicados anualmente na Grã-Bretanha, França, Alemanha e Estados Unidos chegava à casa das centenas de milhares. A inventiva humana dava, a cada ano, voos cada vez mais ousados. (p. 466)
A Revolução Industrial, que proporcionou à humanidade a máquina a
vapor, revolucionou os transportes. Em 1845, quarenta e oito milhões de
passageiros utilizaram as ferrovias no Reino Unido e o navio a vapor ligava a
Europa com a América e com as índias, via serviços regulares. (HOBSBAWM,
2010, p. 466-467)
O desenvolvimento industrial europeu consolidou o capitalismo e fez
emergir suas contradições e antagonismos de classe. O liberalismo, derivado
do racionalismo iluminista, originou uma sociedade baseada na exploração do
trabalho assalariado. No plano econômico, fundamentado na liberdade de
produção e de comércio e, no plano político, na liberdade individual e de
pensamento com a formação de governos constitucionais. No campo filosófico
crescia a influência do positivismo de Augusto Comte, que postulava a
separação entre religião e Estado, a universalização do ensino primário e maior
proteção aos operários.
Hobsbawm expõe que “O mundo da década de 1840 era completamente
dominado pelas potências europeias, política e economicamente, às quais se
somavam os Estados Unidos”. (2010, p. 473) e destaca que:
[...] dentro deste domínio ocidental, a Grã-Bretanha era a maior potência, graças a seu maior número de canhoneiras, comércio e bíblias. A supremacia britânica era tão absoluta que mal necessitava de um controle político para funcionar. Não restavam quaisquer outras potências coloniais, exceto com a conivência britânica, e consequentemente não havia rivais. (2010, p. 473)
Em 1848 a Europa era um caldeirão de revoluções onde se enfrentavam
as nobrezas absolutistas e as burguesias liberais. No meio desta disputa
nasceu uma nova filosofia de postulações socialistas e anticapitalistas, cujas
ideias foram publicadas, em 1848, no Manifesto Comunista de Marx e Engels.
Sobre o "espectro do comunismo" que aterrorizava a Europa neste período
Hobsbawm registra:
[...] a revolução que eclodiu nos primeiros meses de 1848 não foi uma revolução social simplesmente no sentido de que envolveu e mobilizou todas as classes. Foi, no sentido literal, o insurgimento dos trabalhadores pobres nas cidades - especialmente nas capitais - da Europa Ocidental e Central. Foi unicamente a sua força que fez cair os antigos regimes desde Palermo até as fronteiras da Rússia. Quando a poeira se assentou sobre suas ruínas, os trabalhadores - na França, de fato, trabalhadores socialistas - eram vistos de pé sobre elas, exigindo não só pão e emprego, mas também uma nova sociedade e um novo Estado. (2010, p. 477-478)
Entre 1815 e 1871, a Europa foi palco de um grande número de conflitos
e guerras de independência, com as populações incorporando o ideal
nacionalista (SCHNEEBERGER, 2006, p. 237). A ascensão de Napoleão III na
França, em 1848, ajudou na unificação da Itália - Napoleão III lutou contra o
Império Austríaco. Mesmo com a derrota militar da maioria das revoluções
liberais, muitos Estados europeus tornaram-se monarquias constitucionais e,
em 1871, Alemanha e Itália concluíram a unificação e se tornaram nações. O
Império Britânico emergiu como o primeiro poder global (SOUZA, 1979, p. 293-
294).
O desenvolvimento da economia capitalista chegou a um novo patamar,
onde a produção de bens de capital superou a de bens de consumo, fazendo
surgir o capitalismo monopolista no lugar do liberal. O capital fixo superou o
capital móvel e os trustes, cartéis e holdings se impuseram ante a livre
concorrência. O excesso de capitais criou a necessidade de novos mercados
consumidores e fez crescer a demanda por matérias-primas. Esses fatores,
somados à necessidade de áreas onde verter os excedentes populacionais dos
países europeus, levaram à busca de novos territórios, dando início à fase
imperialista do capitalismo (SCHNEEBERGER, 2006, p. 257).
Na segunda metade do século XIX, Inglaterra, França e Alemanha, as
grandes potências industriais, competiam entre si na formação de grandes
impérios econômicos e na influência sobre os países dos outros continentes.
Para Alencar (1996):
Os países industrializados, já na fase do capitalismo monopolista, se expandiram agora não apenas exportando mercadorias, mas através de investimentos de capitais nos países periféricos. Além de empréstimos que concediam habitualmente aos governos desses países, passaram a atuar diretamente no setor financeiro, abrindo bancos, participando da criação de serviços de infraestrutura – ferrovias, companhias de navegação, etc. (p. 163)
E quanto à inserção do Brasil neste contexto expõe que “Através da
exportação do café, a economia brasileira reintegrou-se ao mercado mundial”
(p. 163).
1.2 O Segundo Reinado no Brasil
O Segundo Reinado é o período em que o Brasil foi governado por D.
Pedro II, de 1840 a 1889. Iniciou-se com a declaração de maioridade de Dom
Pedro II, em 23 de julho de 1840, quando o jovem imperador tinha apenas
quinze anos incompletos de idade. A antecipação da maioridade de Dom Pedro
foi arquitetada pelos liberais, em oposição aos conservadores que dominaram
o cenário político nacional durante o período regencial, iniciado com a
abdicação de Dom Pedro I em 1831. Mas, tanto liberais como conservadores
representavam os proprietários rurais.
No entanto, essa linha divisória e imaginária, traçada pelo historiador político, nem sempre reflete a coerência das posições que assumiram as duas forças partidárias do Império, pois em face do poder que cobiçavam, a bandeira dos princípios era não raro deposta para prevalecerem os interesses áulicos, as conveniências de ocasião, as abdicações, as acomodações (BONAVIDES,1994. p. 492).
O autoritarismo dos conservadores gerou várias revoltas no Brasil
durante o período regencial. Já o reinado de Dom Pedro II foi um período de
relativa estabilidade. A última revolta interna enfrentada foi a Revolução
Praieira, em 1847. Entre os principais fatores desta estabilidade estavam a
habilidade política de Dom Pedro II para moderar as disputas entre liberais e
conservadores, e a economia, impulsionada pela ascensão do café. Surgiram,
então, os Barões do Café, a elite que dominou o cenário político e econômico
nacional durante o segundo reinado. Nelson Werneck Sodré, no seu livro a
Síntese de História da Cultura Brasileira (1978) diz que:
Ao iniciar-se a segunda metade do século XIX, a economia brasileira havia superado a longa crise que a golpeava desde o declínio da mineração. A lavoura do café expandira-se no vale do Paraíba, nas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A produção crescera em ritmo acelerado, passando das 100 000 sacas de 1820 ao milhão de sacas de 1840, aos dois milhões de 1860 (p. 44-45).
A consagração do café como grande produto agrícola nacional, dada a
grande demanda no mercado europeu, foi inicialmente sustentada pelo uso da
mão de obra escrava e, posteriormente, a imigrante. A diminuição do fluxo de
escravos a partir de 1850, com a consequente substituição da mão de obra
escrava pela assalariada, fez surgir um mercado consumidor, e a
industrialização começou a apresentar um considerável crescimento,
especialmente com o investimento nas atividades industriais no setor têxtil. A
criação de ferrovias também faz parte deste contexto, possibilitando a
circulação de mercadorias para exportação. (TEIXEIRA, 1979, p. 218-220)
O surto industrial e cafeeiro impulsionou o crescimento urbano de
cidades como São Paulo e Rio de Janeiro (ALENCAR, 1996, p. 182).
O fim do regime de escravidão com a assinatura da Lei Áurea, em 1888,
foi antecedido por alguns fatos importantes, entre os quais, a pressão
internacional, especialmente inglesa, que em 1845, através da Lei Bill
Aberdeen, proibiu o comércio de escravos entre a África e a América; a
assinatura, no Brasil, da Lei Eusébio de Queiróz, em 1850, que proibia o tráfico
de escravos no país; o término da Guerra do Paraguai, em 1870, onde milhares
de negros lutaram na defesa do Brasil; e, medidas restricionistas como a Lei do
Ventre Livre, em 1871 e a Lei do Sexagenário, em 1885 (TEIXEIRA, 1979, p.
212-213).
Mas a questão central foi a incompatibilidade do modelo capitalista
industrial, vigorante na Europa, com o regime do escravismo, pois este inibia o
surgimento de um mercado consumidor de massas no Brasil. Assim, a
Inglaterra passou a pressionar o governo brasileiro pelo fim da escravidão,
visando mercado para seus produtos industrializados. Sobre este aspecto,
Alencar (p. 169), diz:
[...] o que levou a Inglaterra a combater pela abolição da escravatura foi a necessidade de ampliar os mercados consumidores para seus produtos industrializados. À burguesia interessava a implantação de relações capitalistas em escala mundial, desde que sua hegemonia fosse garantida. (p.169)
A vinda dos imigrantes europeus fez crescer o trabalho assalariado no
Brasil e consequentemente o mercado para bens industrializados. Aos ex-
escravos não foi oportunizada esta condição, acarretando a não integração da
maioria dos negros à sociedade brasileira.
A perda de apoio junto à elite cafeeira, motivado pelo fim da escravidão,
fragilizou o império e impulsionou as ideias liberais e o movimento republicano
no Brasil. O antagonismo conservadores-liberais acabou em um desfecho um
pouco diferente do que estava acontecendo nos países vizinhos: a mudança de
regime teve o exército brasileiro como maior protagonista. Sobre as causas da
queda do império Alencar destaca:
As transformações econômicas e ideológicas da sociedade brasileira tornaram superado o regime monárquico. As chamadas “questões” – religiosa, militar, escravista e eleitoral – eram manifestações conjunturais do declínio político do império (p. 216).
Em 15 de novembro de 1889, militares proclamam a república,
sepultando a monarquia.
1.3 Dom Pedro II
Dom Pedro II, cujo nome completo é Pedro de Alcântara João Carlos
Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel
Rafael Gonzaga, viveu entre 1825 e 1891.
O ilustre governante, considerado um intelectual, admirador das
ciências, apreciador das artes e da literatura, teve seu governo caracterizado
pela liberdade de informação e pela tolerância. Governou um país em que o
analfabetismo atingia mais de 80% da população. Era sensível às
transformações sociais e defensor da abolição, mas foi sob a regência de sua
filha, a princesa Isabel, que se deu a abolição da escravidão – o Brasil foi o
último país da América a fazê-lo. Morreu no exílio sem jamais ter voltado a
rever sua pátria. A morte ocorreu em Paris, dois anos depois de proclamada a
república no Brasil.
Ainda hoje é admirado no cenário nacional e é lembrado pelo incentivo à
educação e à cultura, pela defesa da nação, pela diplomacia e relações com
personalidades internacionais como o poeta francês Lamartine, o escritor Victor
Hugo e o cientista Louis Pasteur. Durante seu governo, o Brasil viveu um
período de estabilidade e desenvolvimento.
Dedicou-se à leitura e estudou idiomas, entre os quais o grego, latim,
inglês, francês, italiano, provençal, alemão, hebraico, sânscrito, além do tupi-
guarani. Em artigo publicado na revista da SBHC, Nadja Paraense dos Santos
assim descreve Dom Pedro II:
Na Europa capitalista e industrial, o período é denominado de século da ciência, com as pesquisas, os laboratórios, o ensino técnico e científico, as associações científicas e os museus nacionais. No Brasil, D. Pedro II a tudo acompanhava. Assinava publicações científicas, correspondia-se com sábios, organizava expedições científicas e culturais, convidava cientistas para visitar o país, concedia bolsas no exterior para estudantes brasileiros, encorajava as pesquisas e discutia os novos conhecimentos, demonstrando um obsessivo amor à ciência (2004).
Traduziu poemas e textos religiosos da tradição judaica e católica e fez
traduções entre vários pares de línguas. O seu trabalho como tradutor é pouco
conhecido pela população e mesmo no mundo acadêmico, onde são exíguas
as pesquisas a respeito.
Como homem de cultura, incentivava a educação e o estudo de LE. Há
registros de que tenha, inclusive, acompanhado aulas de aplicação de novos
métodos de ensino de línguas estrangeiras, como o que consta da folha de
rosto do livro Novo curso de língua ingleza pratico, analytico e sinthetico, de
1856, por T. Robertson e organizado pelo professor Cyro Cardoso de Menezes
no Imperial Colégio de Pedro II (OLIVEIRA, 2006, p. 29).
2 Panorama do Ensino de Línguas antes do Segundo Reinado
Quando da chegada dos portugueses ao Brasil, estes se depararam com
centenas de línguas faladas por povos desconhecidos e com os quais tiveram
que estabelecer uma relação, primeiramente de colaboração, como registrado
na Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel e consagrada na famosa
ilustração da primeira missa no Brasil de Victor Meirelles, em 1861. Mas, na
sequência - sob a justificativa da carência de mão de obra - escravizando-os,
como historicamente se fez com qualquer povo conquistado. Esta situação
predominou até 1560, quando da proibição da escravidão indígena e início da
escravidão negra. Mas, a exploração do trabalho indígena ainda perduraria por
mais de um século.
Em 1534, na Capela de Montmartre, em Paris, Inácio de Loyola fundou a
Companhia de Jesus, em reação à Reforma Protestante. Com a chegada da
nova ordem ao Brasil, instala-se o primeiro sistema público de ensino: o Ratio
Atque Instituto Studiorum, abreviadamente Ratio Studiorum, idealizado por
Inácio de Loyola e publicado em 1599. Era o método pedagógico que
estabelecia normas para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Este
incluía no seu currículo o estudo do latim e do grego, as línguas clássicas. Em
1570, vinte e um anos após a sua chegada ao Brasil, a rede educacional
jesuíta já era composta por cinco escolas de instrução elementar (Porto
Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três
colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia).
Este sistema hegemonizou a educação brasileira até 1759 quando os
jesuítas foram expulsos do Brasil por decisão de Sebastião José de Carvalho, o
marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, em decreto assinado por
Dom José I. O momento político da Europa, neste período, é marcado pelo
absolutismo, que tem no iluminismo sua oposição. No contexto de inspiração
iluminista, ocorre a perseguição e expulsão da congregação religiosa de todos
os domínios portugueses. Os jesuítas despertaram a desconfiança dos
políticos e foram alvo das rivalidades de outras ordens religiosas e do clero
secular. As alegações vão desde por serem retrógrados e economicamente
poderosos, até por serem politicamente ambiciosos. No caso do Brasil, pesou a
defesa destes contra a exploração do trabalho indígena. No Decreto de
expulsão dos jesuítas (1759), consta a seguinte citação:
Declaro os sobreditos regulares na referida forma corrompidos; deploravelmente alienados do seu Santo Instituto e manifestamente indispostos com tantos, tão admiráveis, tão inveterados e tão incorrigíveis vícios, para voltarem à obediência deles; por notórios rebeldes, traidores, adversários e agressores, que tem sido e são atualmente contra a minha real pessoa e estados, contra a paz pública dos meus reinos, e domínios e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos; ordenando que como tais sejam tidos, havidos e reputados. E hei desde logo em efeito desta presente lei por desanaturalizá-los, proscritos e exterminados. Mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os meus reinos, domínios, para neles mais não poderem entrar... (LEITE, 2000, p. 150).
A educação brasileira, com este episódio, vivenciou sua primeira grande
ruptura histórica. Um alvará, expedido em 28 de julho de 1759, tentou organizar
um novo sistema determinando a instituição de aulas de gramática latina, de
grego e de retórica. Foi o advento das Aulas Régias. A educação passou a ser
obrigação do Estado que, além de garantir o pagamento de professores e a
manutenção de toda a estrutura necessária ao exercício desta, também passou
a determinar suas diretrizes, centralizando todo o novo sistema educacional. A
educação tornou-se leiga, embora hegemonizada pelo pensamento católico,
cujo ensino da doutrina permaneceu obrigatório.
Sobre este desenlace Nelson Werneck Sodré (1978) descreve:
É, pois, toda a estrutura do ensino que entra em derrocada; a reforma pombalina, que decorre de necessidades ligadas à expulsão dos jesuítas, não cria estrutura nova, limitando-se a prescrições gerais. Dela, no que afetou a colônia, a consequência ostensiva esteve na fragmentação, na dispersão, que passa a constituir, no ensino, a característica maior, e é o antípoda da unidade que tanto marcara aquele a que os jesuítas haviam emprestado o seu nome. A educação passou dos colégios de padres às aulas das escolas régias, com mestres de formação deficiente, ou nos próprios latifúndios, com os padres-mestres que, de capelães, passaram a professores (p. 28).
O objetivo da reforma educacional foi proteger a monarquia absolutista
e, paralelamente, modernizar Portugal. Por isso, seu caráter centralizador
excluía a autonomia pedagógica e o acesso à educação era restrito a uma
parcela da população. Para SODRÉ (1978, P.28) a reforma pombalina “teve
um traço significativo: representou o ingresso do Estado na solução do
problema” do ensino. Este sistema, no Brasil, predominou até 1822, quando as
Aulas Régias passaram a se chamar Aulas Públicas.
Tais medidas mostraram-se improdutivas, pois o sistema de ensino
tornou-se totalmente fragmentado. A educação jesuítica era, mesmo que
conservadora, bem estruturada, ao contrário da espécie de caos instituído pelo
sistema de Aulas Régias. Esta situação perdurou até que a Família Real,
fugindo de Napoleão na Europa, instalasse o Reino do Brasil.
O Rio de Janeiro, à época da chegada da família imperial, era uma
cidade economicamente ativa e seu porto realizava comércio com um número
significativo de nações importantes. Já se destacava, inclusive, na área
cultural,
[...] onde havia, por exemplo, 22 oficiais livreiros atuantes entre 1754 e 1799, que comercializavam com regularidade edições vindas de diferentes países europeus com os quais os livreiros mantinham relação direta. Além disso, constituiu-se no grande centro distribuidor de produções variadas, como livros ou calendários (CAVALCANTI, 1997, p. 228).
D. João VI instituiu a Imprensa Régia, onde foi publicado o primeiro
jornal do país: A Gazeta do Rio de Janeiro. Fundou a Biblioteca Real, o Teatro
São João e o Museu Nacional. Requereu a vinda de uma missão cultural
francesa que foi responsável pelo Salão Nacional de Belas-Artes e pelo Jardim
Botânico. Promoveu a abertura dos portos, além de várias intervenções na
infraestrutura física, econômica e cultural do Rio de Janeiro. Todas, medidas de
modernização da Colônia para alçar o Brasil à condição de reino unido a
Portugal (OLIVEIRA, 1999).
Essas medidas revigoraram o ambiente da cultura e propiciaram a D.
João VI transformar a cidade num núcleo cultural, condição que antes era
ocupada apenas pela metrópole, que detinha o controle da produção
intelectual do reino. Um relato do prussiano Theodor von Leithold, publicado
em Berlim, em 1820, e depois reunido em um único tomo com o relato de
outro prussiano que veio ao Brasil na mesma época, traduzido por Joaquim
de Souza Leão Filho, mostra a importância da ópera italiana, por exemplo, no
período joanino: “As óperas italianas representam-nas de maneira toda
especial” (1966, p.14) e descreve:
A ópera italiana Caccia di Henrico quarto, com Demoiselle Faschiotti no papel de Marietta, foi também levada muitas vezes. Tem ela dezoito anos, bela presença e muitas condições para ser boa cantora, as quais sob a direção do irmão sabe vantajosamente cultivar. Como atriz, falta-lhe ainda desenvoltura (1966, p14).
Na área educacional, Dom João instituiu a Academia de Ensino da
Marinha, a Academia Real Militar e a Escola Real de Artes, Ciências e Ofícios.
As escolas de direito e medicina foram os primeiros cursos superiores não
teológicos do Brasil.
A preocupação de Dom João com os cursos superiores atendia ao
interesse do Estado monárquico na formação de quadros dirigentes para a
administração e o exército, às maiores necessidades do novo Reino que, para
desenvolver-se, carecia de profissionais qualificados. Portanto, os cursos
instalados tinham um papel formativo-profissional para a constituição de
técnicos para o império. Dessa forma, manteve-se na educação a tradição
aristocrática implantada nos tempos dos jesuítas, já que eram as escolas
secundárias que davam acesso a cursos superiores, e estes eram
frequentados pelos egressos da classe dos latifundiários e da elite da Corte.
Com a chegada da família imperial, outro marco importante na história
do ensino oficial de LE no Brasil foi produzido: o Decreto de 22 de junho de
1809, assinado pelo Príncipe Regente de Portugal D. João VI, criando as
cadeiras de inglês e francês (OLIVEIRA, 1999, p. 18).
Com a abertura dos portos para o comércio estrangeiro, em 1808,
aumentou a necessidade prática do uso do inglês, o que fez crescer sua
importância no sistema de ensino. Na Carta Regia de 28 de janeiro, Dom João
ordenou que fossem “[...] admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e
quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias, transportadas ou em navios
estrangeiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha
Real Coroa,...” (CASTRO, 1998, p.98). E a Inglaterra era a principal aliada de
Portugal no cenário europeu.
Em 1831, o inglês passou a ser exigido na matrícula para os cursos
jurídicos. Em 1834, com o Ato Adicional de 12 de agosto, que concedeu às
assembleias legislativas provinciais o direito de legislar sobre a instrução
primária e secundária, o inglês passou a ser obrigatório no currículo. Porém a
descentralização do ensino de primeiro e segundo graus, dadas às diferenças
regionais, gerou desarticulação e fragmentação.
A partir do Ato Adicional, configuram-se dois sistemas de ensino secundário: o sistema regular seriado e o sistema irregular. O primeiro era oferecido no Colégio Pedro II (criado em 1837), nos Liceus provinciais e em alguns estabelecimentos particulares. O segundo, predominante, era constituído pelos cursos preparatórios que permitiam o ingresso no ensino superior sem a conclusão do ensino secundário regular, bastando o aluno ser aprovado nos exames parcelados. Os cursos regulares públicos eram os que gozavam de maior prestígio, por serem modelo e, portanto, privilégio da elite (Zotti, 2005).
Resumidamente, pode-se dividir o ensino de LE no Brasil, no período
pré segundo reinado, em 3 momentos: um primeiro, absolutamente não formal,
em que europeus, especialmente portugueses, aprenderam as línguas nativas
e introduziram sua língua entre os povos ameríndios; um segundo momento,
em que predominavam nos currículos dos sistemas de ensino as chamadas
línguas mortas ou clássicas nos quais o grego e o latim eram as disciplinas
dominantes; e, por fim, um terceiro momento, pós chegada da corte
portuguesa, no qual cresceu a importância nos currículos das chamadas
línguas vivas.
Mesmo assim, durante o período joanino, o primeiro império, e, até
quase o final do período regencial, o latim e o grego foram as disciplinas
dominantes na escola secundária e ensinadas, predominantemente, pela
abordagem gramática-tradução (AGT), com a tradução e análise gramatical de
textos como método de ensino básico. Tal abordagem, analogamente, se
transferia para o ensino das chamadas línguas vivas (CHAGAS, 1982).
3 O Ensino de Línguas no Segundo Reinado
Em 1840, a situação política brasileira é marcada pela disputa entre os
que defendiam maior autonomia para as províncias e eram, portanto,
partidários da descentralização e os que defendiam a continuidade da
centralização política. A ameaça à estabilidade política ocasionada por esta
disputa motivou a antecipação da maioridade do imperador, que em 1840,
assumiu o trono como D. Pedro II e assegurou a unidade do Estado imperial
brasileiro.
A fragmentação e pulverização do ensino secundário, ocasionado pela
descentralização promovida pelo Ato Adicional de 12 de agosto de 1834,
começaram a ser revertidas com o surgimento dos liceus, instituições criadas
por iniciativa do governo central e das administrações provinciais. Designadas
como estabelecimentos de instrução secundária, contemplavam os primeiros
currículos seriados e se preocupavam em oferecer as disciplinas exigidas nos
exames preparatórios para o ensino superior:
Com efeito, apesar de reunidas ainda sem o critério hierárquico da seriação, as aulas públicas de instrução secundária começaram a apresentar, nesses novos colégios e liceus, públicos como particulares, seus primeiros indícios de organização, assumindo o papel de cursos de preparação para o ensino superior (OLIVEIRA, 1999, p. 36).
Fato importante, ocorrido três anos antes da proclamação da maioridade
de Dom Pedro II, foi a fundação do Colégio Pedro II, por iniciativa do ministro
Bernardo Pereira de Vasconcelos, durante a regência de Pedro de Araújo
Lima, em 2 de dezembro de 1837, mesma data do nascimento de Dom Pedro
II.
O Seminário de São Joaquim, criado em 1739, tinha sido uma das
instituições de ensino mais prestigiadas da cidade. A perda deste prestígio
levou D. João VI, em 1818, a transformá-lo em quartel. Em 1821, a insatisfação
da população reabilitou-o como escola, surgindo, assim, o Seminário Imperial
administrado pela Câmara Municipal. Dezesseis anos depois, em 1837, por
decreto, foi transformado em estabelecimento de ensino secundário, com o
nome de Imperial Colégio Pedro II, funcionando, a partir de 1857, nos sistemas
de internato e externato.
O Colégio Pedro II foi a primeira instituição de ensino secundário oficial
do Brasil criada na Corte e mantida pelo governo. Também foi a única
instituição supervisionada diretamente pelo Ministério do Império, órgão
destinado a cuidar da instrução pública na Corte e nas províncias. Tinha a
finalidade de servir de modelo às demais e trazia a pretensão de formar uma
elite nacional com profissionais, intelectuais e políticos para suprir as
necessidades de quadros para a alta administração.
O corpo docente era composto de intelectuais de renome, e o corpo
discente, selecionado por exames de admissão e promocionais. Um decreto
de 1843 conferiu ao Colégio Pedro II a condição, até então inédita na instrução
secundária brasileira, de conferir o Grau de Bacharel em Letras a seus
formandos. O programa de ensino de base clássica e humanística tinha a
função de preparar os alunos para o ensino superior, onde ingressavam sem a
necessidade de prestação dos exames das matérias preparatórias. Embora
público, o ensino não era gratuito, cabendo aos alunos o pagamento de
anuidades.
Tal regulamento, entretanto, não foi utilizado como modelo pelos estabelecimentos de ensino secundário das demais províncias, uma vez que a concessão do grau de Bacharel em Letras, que a partir de 1843 habilitava os alunos para a matrícula em qualquer um dos cursos superiores do Império, era privilégio do colégio oficial da Corte. Os candidatos provinciais, mesmo concluindo o curso completo dos liceus, eram submetidos aos chamados “exames parcelados de preparatórios”, que, segundo os Estatutos, deveriam ser feitos perante as bancas organizadas junto às Faculdades (OLIVEIRA, 1999, p. 39).
A criação de uma escola-modelo do Império brasileiro permitiu às
línguas estrangeiras vivas uma relação, se não ainda de igualdade, mas de
maior deferência em relação às línguas clássicas.
No currículo predominavam os estudos literários, mas com espaço para
as ciências, a história e as línguas vivas. O art. 3º do Decreto de criação do
Colégio Pedro II de 1837, estabelece:
Neste colégio serão ensinadas as linguas latina, grega, francesa e inglesa, retorica e os principios elementares de geografia, historia, filosofia, zoologia, mineralogia, botanica, quimica, fisica, aritmetica, algebra, geometria, e astronomia (CASTRO, 1998, p.98).
Primitivo Moacyr aponta que o peso do ensino de LE era expresso em
tabelas que constavam do Regulamento do Colégio. O regulamento, expedido
em 31 de Janeiro de 1838 pelo ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos,
ministro encarregado interinamente dos negócios do Império, estabelecia o
peso das disciplinas em tabelas de acordo com os anos letivos:
Tabela 1ª - aulas 8ª e 7ª.
Disciplina Nº de Lições (semana)
Gramática nacional 5
Gramática latina 5
Total 24
Tabela 2ª - aula 6ª.
Disciplina Nº de Lições (semana)
Latinidade 10
Língua grega 3
Língua francesa 1
Total 24
Tabela 3ª - aulas 5ª e 4ª.
Disciplina Nº de Lições (semana)
Latinidade 10
Grego 5
Francês 2
Inglês 2
Total 25
Tabela 4ª - aula 3ª.
Disciplina Nº de Lições (semana)
Latinidade 10
Grego 5
Inglês 1
Total 25
Tabela 5ª - aula 2ª: 30 lições - 0 lição de LE.
Tabela 6ª - aula 1ª: 30 lições - 0 lição de LE
(MOACYR, 1936, p. 284-286).
A obrigatoriedade curricular do ensino de inglês e francês no colégio
modelo acabou servindo de referência para o sistema liceu no Império. No
entanto, a não equivalência em relação ao direito de acessar ao nível superior
sem a necessidade de exame admissional, surtiu um efeito desestimulante nos
alunos. Oliveira assim discorre sobre a situação na província de Sergipe:
Pelo relatório encaminhado ao presidente Luís Antônio Pereira Franco em 2 de novembro de 1853 pelo diretor do Liceu Antônio Nobre de Almeida, nota-se que na província em questão ocorria o mesmo problema das demais: o baixíssimo número dos alunos que freqüentavam as aulas, conseqüência do não reconhecimento dos estudos ali realizados para a matrícula nos cursos superiores. Em inglês, por exemplo, dos seis estudantes matriculados, cinco perderam o ano por falta (1999, p. 41).
Sucedeu-se a criação do Colégio Pedro II à reforma curricular aprovada
pelo ministro Antônio Carlos, através do Decreto nº 62, de 1º de fevereiro de
1841. Essa fixou o ensino em sete anos e estabeleceu o ensino das línguas
clássicas e vivas em quase todos os ciclos do curso. Do ponto de vista
pedagógico, foi perceptível o crescimento dos estudos científicos sobre os
literários. Durante os sete anos, os alunos estudavam as línguas antigas (o
grego e o latim) e as vivas (o francês e o inglês, mais o alemão, instituído no
ano anterior). Fernando de Azevedo descreve:
[...] as matemáticas e as ciências físicas, químicas e naturais amontoavam-se nos três últimos [anos], enquanto o grego é ensinado em quatro, e o latim, o francês e o inglês se estendem pelos sete anos, apresentando o latim maior número de lições do que o de quaisquer outras disciplinas. Esse plano de estudos consagra no Colégio Pedro II um ensino secundário de tipo clássico, com predominância dos estudos literários e adaptado menos às condições especiais do meio do que às tradições morais e intelectuais do país (AZEVEDO, 1971 apud OLIVEIRA, 1999, p. 38-39).
Em 1854, o latim, o francês e o inglês passaram a ser exigidos para
aceitação nos cursos de medicina. Em 1855, Couto Ferraz, o Visconde do Bom
Retiro, ministro dos negócios do império, patrocinou uma segunda reforma que
incluiu no currículo dos dois ciclos do ensino secundário o latim e o grego,
entre as línguas clássicas, e o francês, o inglês, e o alemão, entre as línguas
vivas, mais o italiano, em caráter optativo.
Na sequência, o ensino das línguas estrangeiras vivas começou a
perder peso no ensino secundário. As reformas do Marquês de Olinda, em
1857, e a de Sousa Ramos, em 1862, fixaram que o latim deveria ser ensinado
durante os 7 anos do curso e o grego durante 3 anos.
O conselheiro Paulino José Soares de Souza, ministro do Império,
possuía uma visão idealista da educação e a considerava fundamental para o
desenvolvimento nacional. Entendia que o ensino de línguas devia ser
humanista e, no Decreto n.º 4.468, de 1.º de fevereiro de 1870, agregou ao
ensino de inglês, elementos culturais. Estes superavam o fim meramente
prático de seu aprendizado. Ensinado do quarto ao sétimo ano, o programa de
inglês incorporava leitura, análise, composição, recitação, história da língua e
tradução. A cadeira de retórica foi transformada em história da literatura geral,
criando-se pela primeira vez o ensino das literaturas estrangeiras.
Com tal alteração do programa de retórica, instituiu-se, pela primeira vez no Brasil, o ensino das literaturas estrangeiras – e, conseqüentemente, da literatura inglesa –, que se consolidou com a publicação – dois anos depois da promulgação do decreto, pelo editor francês Louis Baptiste Garnier – do Resumo de História Literária, primeiro compêndio brasileiro de “literatura universal”, de autoria do Doutor Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, professor de retórica, poética e literatura nacional do Imperial Colégio de Pedro II, Comendador da Ordem de Cristo e membro dos Institutos Históricos do Brasil e da França, da Academia das Ciências de Lisboa e Madri e da Sociedade Geográfica de Nova Iorque, além de “outras associações nacionais e estrangeiras” (OLIVEIRA, 1999, p. 49).
A Reforma de Cunha Figueiredo, em 1876, estipulou para o ensino das
línguas estrangeiras vivas uma presença média no currículo de 6 anos de
estudo, contra uma média de 9 anos das reformas anteriores.
No Decreto n.º 6.884, de 20 de abril de 1878, relativo ao ensino
secundário, Leôncio de Carvalho tornou a frequência livre no Externato do
Colégio Pedro II e reintroduziu as matrículas avulsas. As línguas alemã e
italiana foram adicionadas nas fases preparatórios para as matrículas nas
faculdades de Direito e Medicina. O inglês teve a sua carga horária acrescida,
passando a ser lecionado no terceiro e quarto anos e mantendo a inspiração
humanista das reformas anteriores. A literatura geral transformou-se em
disciplina autônoma.
Em 1879, através do Decreto n.º 7.247, o conselheiro Leôncio de
Carvalho realizou uma reforma liberalizante, inspirada no modelo de ensino
norte-americano, tornando livre a frequência aos estabelecimentos de ensino
do país em todos os níveis.
O Barão Homem de Mello foi o protagonista da última reforma do
império e no Decreto n.º 8.051, de 24 de março de 1881, restringiu o inglês ao
quarto e quinto anos e manteve as bases da reforma de Leôncio de Carvalho.
Restabeleceu e manteve, no plano de estudos do Colégio Pedro II, as
seguintes línguas vivas: o francês, ensinado no segundo e terceiro anos do
curso, o inglês, no quarto e no quinto, e o alemão e o italiano, nos sexto e
sétimo.
O método de ensino pressupunha o estudo de temas, leitura e análise, tradução e versão de poesias e prosas, fáceis e difíceis, além, da conversação e de rápidas notícias sobre a origem e o desenvolvimento das línguas estudadas. O mesmo método se aplicava às línguas mortas e ao português (OLIVEIRA, 2006, p. 183).
A evolução do ensino de LE na escola secundária durante o segundo
reinado observou a redução dos anos de estudo, acompanhada da redução da
carga horária. Esta chegou a atingir o percentual de quase 50% das horas
dedicadas ao estudo das línguas até o fim do Império.
Leffa (1999) destaca que:
Somando os anos de estudo prescritos para cada língua, o número de línguas ensinadas e estimando uma carga horária semanal de 2 a 3 horas, chega-se, em termos aproximados, aos dados da Tabela 1. Esses dados mostram que os alunos, durante o império, estudaram no mínimo quatro línguas no ensino secundário, muitas vezes cinco e, às vezes, até seis, quando a língua italiana, facultativamente, era incluída.Embora o número de línguas ensinadas tenha permanecido praticamente o mesmo, o número de horas dedicadas ao seu estudo foi gradualmente reduzido, chegando a pouco mais da metade no fim do império.
A tabela abaixo (Leffa, 1999) demonstra a situação, em horas de ensino,
de cada língua a cada reforma que o sistema secundário sofria.
Tabela 1 - O ensino das línguas no segundo império em horas de estudo
Ano Latim Grego Francês Inglês Alemão ItalianoTotal horas
1855 18 9 9 8 6 3(F) 50
1857 18 6 9 10 4 3(F) 47
1862 18 6 9 10 4 6(F) 47
1870 14 6 12 10 - - 42
1876 12 6 8 6 6(F) - 32
1878 12 6 8 6 4 - 36
1881 12 6 8 6 4 3(F) 36
Obs. (F) = Facultativo
Em anos de estudo, segundo Chagas (1982), a situação era a seguinte:
Tabela 2 - O ensino das línguas no segundo império por anos de estudo
Anos
Reformas
Por anos de estudo
Línguas Clássicas Línguas Modernas
Latim
Grego
Total
Francês
Inglês
Alemão
Italiano
Total
1855Couto Ferraz
7 3 10 3 3 3 1F 9+1F
1857Marquês de
Olinda7 2 9 3 4 2 1F 9+1F
1862Sousa Ramos
7 2 9 3 4 2 2F 9+2F
1870Paulino de
Sousa6 2 8 4 4 - - 8
1876Cunha
Figueiredo3 2 5 2 1 2F - 3+2F
1878Leôncio de Carvalho
3 2 5 2 2 2 - 6
1881Homem de
Melo4 2 6 2 2 2 1F 6+1F
Obs. F = Facultativo
Observa-se que, enquanto o inglês e o francês gozaram de certa
estabilidade enquanto línguas de estudo, o mesmo não aconteceu com o
alemão e com o italiano. Estas, entre idas e vindas, ora constavam, ora saiam
dos currículos, ou mesmo permaneciam apenas em caráter optativo, quando
não relegadas a serem estudadas na hora do recreio.
4 As Abordagens no ensino de LE no Segundo Reinado
Embora o método predominante durante todo o império tenha sido o da
gramática e tradução, este, com exceção, talvez, do período jesuítico, não era
uma unanimidade entre os educadores e políticos da época. Luís Eduardo
Meneses de Oliveira, em sua tese de doutorado, A instituição do ensino das
Línguas vivas no Brasil: o caso da Língua Inglesa (1809/ 1890), defendida em
2006, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mostra que, no final do
segundo império surgiram vários críticos propondo mudanças na metodologia e
no objetivo do ensino de línguas vivas.
O professor Carlos Laet (1847-1927), em um relatório sobre os
acontecimentos notáveis do ano letivo de 1882 no Imperial Colégio Pedro II,
reclamava da exagerada influência da gramática no ensino de línguas,
argumentando que:
Duas línguas mortas e quatro vivas, afora a nacional, são hoje leccionadas no Collegio de Pedro II. O ensino destas ultimas resente-se, não há contestal-o, de exagerada influencia grammatical. O inconveniente que disto resulta é que, em geral, o alumno sae do Collegio conhecendo innumeras e minuciosas regras de grammatica de que não curam ainda os que bem fallam taes línguas, mas sem a necessaria pratica, para destas servir-se como de meio de communicação do pensamento, no que aliás parece estar a máxima vantagem da aprendizagem de estranhos idiomas (RM, 1882:p. A-C2-12).
E citava a seu favor o caso de François Gouin:
Em um interessante livro de François Gouin sobre a arte de estudar e ensinar as linguas vem, palpitante de verdade, a narrativa dos infructiferos esforços empregados pelo autor para aprender um idioma estrangeiro pelos methodos ordinariamente seguidos nas escolas; depois de consumir largos annos manuseando grammaticas e diccionarios, elaborando themas e versões, esmerilhando raizes e,
em poucas palavras, executando fiel e conscienciosamente tudo quanto soem preceituar os nossos programmas, vio-se elle na absoluta impossibilidade de entreter o mais banal dos dialogos e com admiração reconheceu que, no mesmo lapso de tempo, conseguira já fallar alguma cousa uma creancinha que se estreava na vida, sem a menor bagagem grammatical e philologica (RM, 1882:p. A-C2-12).
O professor Leat advertia sobre o prejuízo pedagógico da diminuição da
carga horária e do pouco tempo dedicado ao estudo das línguas vivas.
As conclusões do relatório do Inspetor Geral Antonio H. Filho, referente
ao ano letivo de 1883, apontavam para a importância do ensino das línguas
vivas nos primeiros anos de estudo:
2.º E’ fora de duvida que as linguas vivas devem ser ensinadas de modo que os alumnos cheguem a entender as obras nellas escriptas. Por isso muito imporia começar tal estudo logo nos primeiros annos do curso, na idade em que os orgãos da phonaçao têm maior flexibilidade e facilitam a acquisição da boa pronuncia, no tempo em que as faculdades mnemônicas guardam sem custo tudo quanto lhes é apresentado de modo simples e elementar (RM, 1882: p. A-C7-49).
Propunham uma sequência de aprendizado das línguas:
4.º Quando os alumnos já estiverem adiantados em latim e francez, línguas relativamente fáceis para elles, attento o proximo parentesco que existe entre ellas e o portuguez, será occasião de encetar o tirocínio do inglez, a que deverá seguír-se o allemão (RM, 1882: p. A-C7-49).
Discutiam a importância da uniformização do ensino da gramática:
6.º No ensino da grammatica de qualquer das línguas é de primeira intuição que aos professores cumpre uniformizar as definições e simplificar as divisões, abstendo-se das que não sejam de indeclinavel necessidado para a intelligencia de factos peculiares a cada língua. A variedade de definições, de classificações e de systemas de analyse serve apenas para derramar a confusão no espirito dos meninos, os quaes a cada termo novo pronunciado em qualquer aula pensam logo que está ligada doutrina defferente da que já sabem (RM, 1882: p. A-C7-50).
E apregoavam a liberdade do professor de, sob condições, escolher o
método que utilizaria em sala de aula:
7.º O próprio interesse do ensino exige que se deixe a cada professor a escolha do methodo que lhe parece melhor, uma vez que não sacrifique o que recommenda o Regulamento vigente a minudencias
grammaticaes, ou obrigue os alumnos a vencerem, entregues a si sós, as difficuldades de themas e traducções, de uma estensão enorme, que lhes absorvam o tempo que deveriam empregar na preparação das lições de outras aulas; nem tão pouco pretenda, ao inverso, por nimio apreço aos systemas de Ahn, Ollendorf ou Roberison, haver-se com estudantes já adiantados em latim com a materialidade sómente admissivel nas primeiras lições de línguas vivas, dadas a discípulos de um instituto industrial (RM, 1882:p. A-C7-50).
O advogado e crítico literário Silvio Romero (1851-1914), em seu
relatório relativo a 1884, afirmava que:
O estudo das linguas, iniciado nos primeiros annos, deveria ser levado até o ultimo do curso. O ensino das linguas antigas deveria ser acompanhado, nas classes adiantadas, do estudo das respectivas litteraturas mais ou menos desenvolvido. Na aprendizagem das linguas vivas prevaleceria o methodo pratico a ponto de chegarem os alumnos a fallal-as e escrevel-as méis ou menos regularmente. No correr de seis ou sete annos haveria tempo de assim a facil dispensabilidade de uma cadeira especial para litteratura universal e outra para rhetorica, poetica e a litteratura nacional. O estudo das duas linguas e litteraturas antigas ficaria representando a cultura classica, ainda e sempre considerada de valor inestimavel na vida espiritual da humanidade (RM, 1884: A-C1-7).
E defendia um método de ensino das línguas vivas prático que
habilitasse o estudante a adquirir proficiência na fala e na escrita e que
permitisse a este apropriar-se do melhor da literatura destas línguas e, assim,
iniciar-se no estudo da gramática.
Por fim, Rui Barbosa (1849-1923), que entendia a educação como
fundamental para a formação da “Inteligência Popular” e a constituição do
caráter nacional, enfatizava, no ensino das línguas vivas, a habilidade da fala e
criticava o ensino baseado nas versões.
Quanto às línguas vivas, o desenvolvimento que lhes demos, estendendo a dois anos o italiano, a três o francês e o inglês, a quatro o alemão, resulta do princípio, capital hoje, de que não há saber das línguas vivas, sem as saber falar. O ensino pelas versões e pelos temas é improdutivo (BARBOSA, 1942:189 apud OLIVEIRA, 2006 p.282).
Conclusão
O ensino das línguas durante o segundo reinado deve ser analisado
dentro do contexto das disputas ideológicas da época, onde, resumidamente,
duas grandes correntes se contrapunham: a corrente conservadora, pró-
Império e favorável à centralização do conjunto das políticas de governo, e a
corrente liberal, favorável à descentralização do poder e das políticas de
Estado. A maior ou menor influência de cada uma no governo do segundo
reinado influenciava os rumos da educação e, consequentemente, a concepção
de ensino de LE.
Essa circunstância, somada a outras típicas de um jovem país em
transformação e lutando por mudanças, parece ter obstado uma evolução mais
positiva do ensino de LE durante o segundo reinado e todo o período do
império em, pelo menos, duas perspectivas: a falta de um planejamento de
médio e longo prazo para a educação em geral e, em particular, a falta de uma
abordagem metodológica adequada para o ensino de LE.
A falta de planejamento é constatável pelas seguidas reformas e o vai e
vem da presença das LE no peso dos currículos do ensino público de segundo
grau, bem como, na exigência destas para o acesso ao ensino superior. Tal
situação deve ter agravado as dificuldades administrativas do sistema de
ensino e de suas escolas, agregando problemas à capacidade de gerenciar o
já instável ensino de línguas.
Segundo Chagas (1957, p. 88), "subtraiu-se à escola a sua função
primordial de ensinar, e educar, e formar, para relegá-la à burocrática rotina de
aprovar e fornecer diplomas".
É evidente que do início para o fim do segundo reinado o ensino de LE
perdeu prestígio, o que é demonstrado pela diminuição da carga horária e dos
anos dedicados ao estudo destas.
Grosso modo, a abordagem metodológica para o ensino das línguas
vivas era a mesma das línguas mortas e, mesmo, da língua vernácula. Estava
baseada na tradução de textos e análise gramatical, e o seu ensino, voltado
para as necessidades profissionais do país e, no caso do ensino do segundo
grau, como critério de acesso ao ensino superior. A opção por este tipo de
abordagem parte da ideia de que a competência fundamental a ser dominada
numa LE é a sua escrita, e de que esta é determinada pelo domínio das regras
gramaticais. Por isso, segundo Schütz (2006), o ensino de LE nesta
abordagem teve como objetivo principal “explicar a estruturação gramatical da
língua e acumular conhecimento a respeito dela e de seu vocabulário, com a
finalidade de se estudar sua literatura e traduzir”.
No entanto, embora hegemônica, a abordagem da gramática-tradução
parece não ter sido exclusiva. Observam-se tentativas de humanização do
ensino de LE, como na reforma do conselheiro Paulino José Soares de Souza,
em 1870, que agregou ao ensino de LE elementos culturais e incorporou à
metodologia de ensino atividades como a leitura, análise, composição,
recitação, história da língua e tradução. Pode-se presumir que, numa situação
como esta a tradução pudesse ter uma função didática mais ampla do que a de
suporte para o aprendizado da gramática. Corroboram com esta hipótese as
críticas aos excessos de gramaticalismo no ensino de LE que constam em
documentos históricos, como as feitas pelo professor Carlos Laet, pelo Inspetor
Geral Antonio H. Filho, pelo advogado e crítico literário Silvio Romero e,
mesmo por Rui Barbosa, que enfatizava no ensino das línguas vivas a
habilidade da fala.
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