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A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: sua trajetória no período de 2009 a 2017 em Londrina-PR. Thaís Aparecida de Souza 1 Sandra Maria Almeida Cordeiro 2 Camilla kethelyn Dias Alves 3 RESUMO: Este artigo analisa a Política de Habitação de Interesse Social no município de Londrina, por meio das contratações de programas habitacionais e de regularização fundiária implementados no período de 2009 a 2017. O estudo é resultado parcial de Projeto de Pesquisa, utilizando como metodologia pesquisa quantitativa e qualitativa, privilegiando o levantamento bibliográfico e documental, com recorte ao PLHIS destacando dois eixos para analises: a produção habitacional e a regularização fundiária. Os resultados alcançados apontam que, os investimentos na habitação de interesse social no município de Londrina são insuficientes no atendimento as famílias que dela necessitam. Palavras-chave: Moradia, Habitação de Interesse Social, Déficit Habitacional e Plano Local de Habitação de Interesse Social. ABSTRACT: This article analyzes the Housing Policy of Social Interest in the city of Londrina, through the contracting of housing programs and land regularization implemented in the period from 2009 to 2017. The study is a partial result of Research Project, using quantitative research methodology and qualitative, privileging the bibliographical and documentary survey, with a cut to the PLHIS highlighting two axes for analysis: housing production and land regularization. The results show that, investments in social housing in the municipality of Londrina are insufficient to provide services to families who need it. Keywords: Housing, Housing of Social Interest, Housing Deficit and Local Housing Plan of Social Interest. 1 INTRODUÇÃO Este artigo trata da questão habitacional e o desenvolvimento da habitação de interesse social no município de Londrina, como resposta à problemática. Dessa forma, 1 Assistente Social, colaboradora externa do Projeto de Pesquisa (10798) UEL-PR, bacharela em Serviço Social, e-mail: [email protected] 2 Assistente Social e Docente, Universidade Estadual de Londrina-PR, doutora em Serviço Social, e- mail: [email protected] 3 Assistente Social, colaboradora externa do Projeto de Pesquisa (10798) UEL-PR, bacharela em Serviço Social, e-mail: [email protected]

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Page 1: A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL...na demanda apresentada, com efeito, a política de habitação de interesse social em relação à realidade do Município tem sido ineficiente

A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: sua trajetória no período de 2009 a 2017 em

Londrina-PR.

Thaís Aparecida de Souza1

Sandra Maria Almeida Cordeiro2

Camilla kethelyn Dias Alves3

RESUMO: Este artigo analisa a Política de Habitação de Interesse Social no município de Londrina, por meio das contratações de programas habitacionais e de regularização fundiária implementados no período de 2009 a 2017. O estudo é resultado parcial de Projeto de Pesquisa, utilizando como metodologia pesquisa quantitativa e qualitativa, privilegiando o levantamento bibliográfico e documental, com recorte ao PLHIS destacando dois eixos para analises: a produção habitacional e a regularização fundiária. Os resultados alcançados apontam que, os investimentos na habitação de interesse social no município de Londrina são insuficientes no atendimento as famílias que dela necessitam.

Palavras-chave: Moradia, Habitação de Interesse Social, Déficit Habitacional e Plano Local de Habitação de Interesse Social.

ABSTRACT: This article analyzes the Housing Policy of Social Interest in the city of Londrina, through the contracting of housing programs and land regularization implemented in the period from 2009 to 2017. The study is a partial result of Research Project, using quantitative research methodology and qualitative, privileging the bibliographical and documentary survey, with a cut to the PLHIS highlighting two axes for analysis: housing production and land regularization. The results show that, investments in social housing in the municipality of Londrina are insufficient to provide services to families who need it.

Keywords: Housing, Housing of Social Interest, Housing Deficit and Local Housing Plan of Social Interest.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo trata da questão habitacional e o desenvolvimento da habitação de

interesse social no município de Londrina, como resposta à problemática. Dessa forma,

1Assistente Social, colaboradora externa do Projeto de Pesquisa (10798) UEL-PR, bacharela em

Serviço Social, e-mail: [email protected] 2Assistente Social e Docente, Universidade Estadual de Londrina-PR, doutora em Serviço Social, e-

mail: [email protected] 3Assistente Social, colaboradora externa do Projeto de Pesquisa (10798) UEL-PR, bacharela em

Serviço Social, e-mail: [email protected]

Page 2: A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL...na demanda apresentada, com efeito, a política de habitação de interesse social em relação à realidade do Município tem sido ineficiente

discorremos sobre os avanços obtidos no âmbito legislativo, a partir do ano de 2004 quando

foi promulgada e estruturada a Política Nacional de Habitação. O direito a moradia, por sua

vez, é resguardado por meio de uma emenda complementar4 que alterou o texto da

Constituição Federal de 1988, reafirmando no Art. 6. que: São direitos sociais a educação,

a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

(BRASIL, 1988)

Com a inclusão desse direito e as grandes mudanças ocorridas no cenário político

brasileiro no início do século XXI, as questões urbanas e em especial a habitação tiveram

destaque, tendo em vista a criação do Estatuto das Cidades, em 2001, do Ministério das

Cidades, em 2003 e em 2004 com a elaboração da Política Nacional de Habitação (PNH). A

PNH apresentava, primordialmente, o objetivo de garantir o acesso á moradia digna, bem

como reforçava que o problema da habitação era uma responsabilidade do Estado. O artigo

traz ainda, os pontos fundamentais na formação das cidades brasileiras com o processo de

industrialização e urbanização, que consequentemente teve reflexos significativos no

aumento demográfico, na expansão urbana e consequentemente na necessidade por

moradia.

O município de Londrina é um dos exemplos desse desenvolvimento urbano,

projetada para 20.000 habitantes, em 2000 já apresentava um número de 447.065

habitantes (IBGE 2000). O Município que, atualmente, vive um dilema na resolução das

demandas por habitação, já em 2017, conforme os dados levantados pela Companhia de

Habitação de Londrina (2018), contava com 3.860 famílias morando em áreas irregulares

em mais de 50 ocupações espalhadas pela cidade e região. O déficit estimado pelo Plano

Local de Habitação de Interesse Social - PLHIS, (2011), desse mesmo ano, apontava para a

carência de 17.884 moradias nas áreas urbanas e rural, já a demanda por habitação no

sistema da COHAB – LD contavam com mais de 50 mil inscritos.

Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo analisar a Política de Habitação

de Interesse Social do município de Londrina, no período de 2009 a 2017, identificando os

programas habitacionais que responderam à questão da habitação no Município, bem como

a regularização fundiária implementada neste período. Este estudo é parte do Projeto de

Pesquisa5 e o seu processo metodológico traz o direcionamento pela pesquisa quantitativa e

qualitativa, privilegiando o levantamento bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica

se constituiu em analisar as discussões sobre o processo de urbanização e seus reflexos na

4 Emenda Constitucional nº 26/2000

5 Projeto de Pesquisa: DIREITO A CIDADE: a Interface da Politica Urbana com a Habitação de

Interesse Social na Região Metropolitana de Londrina e seus instrumentos de controle social – UEL

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demanda por moradia, bem como sobre a política habitacional. No levantamento

documental foram realizadas leituras e análises do PLHIS elaborado em 2011 pelo

Município e do documento se extraiu dois eixos de estratégias: a produção habitacional e a

regularização de assentamentos precários.

A partir desses eixos, a análise demonstrou que os investimentos por parte do

Estado, no atendimento de moradia à população de baixa renda tiveram um reflexo ínfimo

na demanda apresentada, com efeito, a política de habitação de interesse social em relação

à realidade do Município tem sido ineficiente e insuficiente para atender a carência

habitacional das famílias de baixa renda.

2 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

Para discutir a questão habitacional temos como ponto de partida o processo de

industrialização e urbanização que seguiu o momento do capitalismo concorrencial no

século XIX.

Segundo LEFEBVRE (2001):

As forças produtivas da indústria que tende a se concentrar nas cidades agem poderosamente sobre os campos. É uma verdadeira revolução que a indústria provoca na agricultura e nas relações sociais dos agentes da produção agrícola: crescimento da superfície cultivada, mas diminuição da população rural, despovoamento dos campos. (LEFEBVRE, 2001, p.14)

A industrialização, a concentração fundiária e a mecanização do campo são

elementos inerentes que contextualizam o processo de urbanização. No Brasil, esse

processo teve as suas raízes na história colonial. Os primeiros centros urbanos surgiram no

século XVI, ao longo do litoral nordestino em razão da produção do açúcar. Nos séculos

XVII e XVIII, a descoberta de ouro fez surgir vários núcleos urbanos no interior do território e

no século XIX a produção de café se destacou dentro do processo de industrialização,

afirma Santos (1993). Para o autor, o Brasil deixou o século XIX com aproximadamente 10%

da sua população residindo em cidades.

Ribeiro (2006) afirma que:

[...] o solo urbano [...] traduz a existência de uma luta social por usos diferenciados, que ganha contornos mais claros quando se considera que, possa ser também esse solo terra de habitação, os mecanismos econômicos e jurídicos que geram remoção, localização diferencial e controle que implicam a segregação social e espacial de amplos segmentos da população metropolitana. (RIBEIRO, 2006, p.46)

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É importante frisar que, segundo ROLNIK (2015), o processo de industrialização no

Brasil, ocorreu de forma tardia, e somente com os investimentos por parte dos governos é

que esse processo pôde avançar. Com o objetivo global de fazer do Brasil um país

industrial, um conjunto de medidas começam a ser implementadas, entre elas: a

mecanização do trabalho no campo e a instalação das indústrias nas cidades. Os reflexos

dessas medidas são o deslocamento da população rural para a área urbana, em busca de

novas oportunidades de trabalho, desencadeando um novo processo no território brasileiro,

denominado como processo de urbanização.

No entanto, o deslocamento intenso da população rural para as áreas urbanas

combinadas com a falta de infraestrutura das cidades e de ações que visassem responder a

carência por moradia resultou em uma mudança significativa tanto nas demandas

apresentadas ao Estado, quanto no estilo de vida da sociedade. Segundo MARICATO

(2001), foi a partir do final do século XIX e início do século XX que, muito lentamente, as

cidades brasileiras conheceram algumas reformas urbanas. Essa iniciativa impulsionara,

ainda mais, o crescimento da população urbana e lançara as bases de um urbanismo

moderno.

Realizavam-se obras de saneamento básico para a eliminação das epidemias, ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento paisagístico e eram implantadas as bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista. A população excluída desse processo era expulsa para os morros e franjas da cidade. Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife, São Paulo e especialmente o Rio de Janeiro são cidades que passaram por mudanças que conjugaram saneamento ambiental, embelezamento e segregação territorial, nesse período. (MARICATO, 2001, p.17)

Historicamente, o processo de urbanização no País contou com inúmeras

intervenções do Estado. No período de 1930, essas intervenções tiveram o objetivo de

substituir o número de importações e atender as demandas locais, bem como, os

investimentos em obras de infraestrutura, que tinham como finalidade o desenvolvimento

industrial, oportunizando a ascensão da burguesia industrial ao cenário político.

Em 1940, percebe-se segundo SANTOS (1993, p.9), “uma verdadeira inversão da

população rural em urbana”, nessa década a população urbana representava o número de

10.891.000 pessoas. E isso, se intensificou ainda mais, como mostra o Censo de 1950, com

18.783.000 pessoas morando nas cidades, a partir da incidência de vários fatores: o

ingresso de estrangeiros no Brasil; com a adesão de um novo modelo de produção (sistema

fordista); com a alta taxa de natalidade e a queda nos números de mortalidade. Um dos

elementos relevantes, que incidiu diretamente no processo de urbanização, foi à omissão do

capital industrial em arcar com os custos da moradia para com a classe trabalhadora. As

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atrativas oportunidades de trabalho, que contribuíram para a vinda de grande parte da

população para as áreas urbanas, não eram de todo atrativas.

A moradia é um dos componentes essenciais à reprodução da força de trabalho, no

entanto, quando há omissão por parte do capital para custeá-lo ou mesmo do Estado na

viabilização do acesso à moradia, inúmeras famílias passam não só a compor parte do

déficit habitacional, como em algumas situações a adequar-se a condições desumanas.

Nesse contexto, a década de 60 é palco de um forte investimento na urbanização

brasileira com obras de infraestrutura na chamada política de industrialização, dentre elas,

destaca-se a construção de ferrovias. Com o golpe de 1964, o movimento militar criou as

condições de uma rápida integração do país à economia internacional que influenciou no

processo de urbanização. SANTOS (1993, p.36)

O processo de globalização foi outro fenômeno que ganhou espaço e que alterou

radicalmente o ordenamento das cidades. Este movimento teve início a partir da década de

1970 com o declínio econômico do pós-guerra e ganhando força por meio da injeção

monetária realizada nos países emergentes. Considerando que o Brasil, é um país periférico

e de economia em desenvolvimento, o tripé composto pela globalização, políticas

neoliberais e o acelerado e desordenado processo de urbanização das cidades, traz consigo

respostas negativas. Sendo um país de contradições onde o crescimento econômico

caminha junto com a pobreza constante, as autoras CARLOTO e CORDEIRO asseguram

que:

O acelerado processo de urbanização do Brasil, nas últimas décadas acarretou um quadro de deficiência, no que diz respeito ao desenvolvimento urbano, com déficit elevado em habitação, saneamento, infraestrutura e com acesso precário aos equipamentos públicos e sociais, afetando principalmente a população mais desprovida de condições econômicas. (CARLOTO E CORDEIRO, 2009, p.43)

A união da globalização com as políticas neoliberais contribui com impactos

calamitosos nas cidades, como o desenfreado crescimento populacional urbano. Os dados

do Centro Regional de Informação das Nações Unidas – UNRIC (2015) revelam que a

População Urbana Mundial tem crescido rapidamente passando de 746 milhões ano de

1950 para 3,9 mil milhões em 2014 e faz projeções:

Espera-se que em 2045 a população urbana mundial ultrapasse os seis mil milhões. Muito do esperado crescimento urbano terá lugar nos países das regiões em desenvolvimento. Consequentemente, esses países enfrentarão inúmeros desafios em atender às necessidades do crescimento da população urbana, inclusive para a habitação, para as infraestruturas, transportes, energia e emprego, assim como para os serviços básicos como a educação e os serviços de saúde. (UNRIC, 2015)

O processo intenso de urbanização aliado a um contexto de desigualdade

econômico social contribuiu para o aparecimento e acirramento de vários problemas no

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interior da sociedade, dentre eles a violência, o desemprego, as doenças, a insegurança, os

ambientes insalubres, a precariedade das condições de vida da população e a falta de

moradia. A realidade dos problemas urbanos, e entre eles a falta de moradia requereu do

Estado um posicionamento e intervenção a fim de garantir as famílias brasileiras,

principalmente às de baixa renda, uma condição digna de moradia. Como aponta a

habitação de interesse social que visa garantir o atendimento das camadas populacionais

mais vulneráveis em relação, a um dos direitos essenciais à vida humana, a moradia.

Nesse sentido, na história brasileira, puderam ser constatadas algumas

intervenções por parte do Estado, no intuito de minimizar ou solucionar a questão

habitacional. No entanto, a partir da inclusão do direito a moradia na Carta magna e com o

avanço legislativo referente à área da habitação, é que se acreditava na maior possibilidade

de progresso, no que tange a resolução da falta de moradia através da atuação do Estado.

2.1 O Estado brasileiro e o direito a moradia: a experiência de Londrina

A história das atuações estatais no Brasil, no enfrentamento do problema de

moradia, anterior ao marco regulatório habitacional, não estiveram sustentadas sobre um

planejamento urbano. Acrescentam-se, neste sentido, que tais investimentos na área da

habitação, além de terem sido insuficientes para suprimir o déficit habitacional existente, por

vezes, tiveram seus objetivos alterados em relação ao atendimento as famílias de menor

poder aquisitivo, contribuindo para a segregação sócio espacial.

Com o processo de redemocratização, a questão da moradia foi inicialmente

contemplada na nova legislação com a inclusão da função social da propriedade na

Constituição Federal de 1988. Dessa forma, a função social da terra desencadeou um

grande avanço, no que tange ao aspecto legislativo, como proposta de ações que visassem

à redução da desigualdade brasileira, contribuindo assim, para se pensar no atendimento de

moradia às famílias de baixa renda (OLIVEIRA, 2012).

Oliveira (2012) afirma que, o caráter social do atendimento à moradia para famílias

de baixa renda, recebe atenção especial, doze anos mais tarde com a afirmação da moradia

como um direito social. Para além da nova concepção sobre o uso da terra com vistas ao

enfrentamento da desigualdade no País, o novo marco legal propõe o rompimento de um

modelo centralizador na gestão das políticas públicas, até então pautada somente na esfera

federal. As diretrizes da Constituição de 1988 pressupunham a descentralização das

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políticas sociais, na perspectiva de responder aos problemas da sociedade, a partir das

especificidades de cada região.

[...] na década de 1990, observa-se que nas demais áreas estratégicas, principalmente ligadas ao desenvolvimento urbano, há um vazio institucional implicando diretamente na dificuldade ou na capacidade dos municípios desempenharem a gestão de determinadas políticas. (OLIVEIRA, 2012, p.54)

Esse vazio, mais tarde, no início do século XXI, é preenchido por um período de

estruturação de leis na área urbana, e com a aprovação do Estatuto da Cidade6 em 2001,

trouxe um conjunto de instrumentos visando o planejamento e a gestão da cidade. Em 2003

são criados o Ministério das Cidades composto por quatro secretarias: Secretaria Nacional

de Habitação; Secretaria Nacional de Programas Urbanos; Secretaria Nacional de

Saneamento Ambiental e a Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana e o

Conselho Nacional das Cidades composto por quatro comitês: Habitação; Planejamento

Territorial e Urbano; Saneamento Ambiental e Transporte e Mobilidade Urbana (MANCINI,

2008).

Já no ano de 2004 ocorre o marco da estruturação da Política Nacional de

Habitação que teve como objetivo central criar condições para o acesso à moradia digna a

todos os segmentos da população e, para tanto, está organizada em três eixos: política

fundiária, política financeira e estrutura institucional (BONDUKI; ROSSETTO; GHILARDI,

2009).

A Política Nacional de Habitação (PNH) estabeleceu o Sistema Nacional de

Habitação, á partir de dois subsistemas: Habitação de Interesse Social e Habitação de

Mercado. A regulamentação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social

(SNHIS), foi implementada pela Lei nº 11.124 em junho de 2005 e conta com o Fundo

Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), bem como, seu Conselho Gestor

(CGFNHIS), a partir da articulação com os órgãos gestores (BRASIL, 2004).

O momento singular para a área da habitação foi seguido de uma crise

macroeconômica, nesse sentido, a reação do governo brasileiro à crise internacional foi

rápida, adotando medidas de expansão do crédito pelos bancos públicos (Banco do Brasil,

BNDES e Caixa Econômica), de forma a compensar a retração do setor privado, e também

medidas de apoio aos setores em dificuldades. Outra medida do governo federal que veio

de encontro à área da habitação foi à criação do Programa Minha Casa, Minha Vida

(PMCMV), que permitia fomentar a economia no país e atender a demanda por moradia

existente. Dessa forma, os recursos disponíveis deveriam ser acessados mediante a adesão

6 Lei de nº 10.257 de 10 de julho de 2001, e teve como ponto de partida o Projeto de Lei nº181/1989,

que visava regulamentar o capítulo sobre a política urbana da nova Constituição Federal (Lei infraconstitucional).

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e cumprimentos de critérios dos entes federativos, igualmente recomendável ao município

de Londrina.

O município de Londrina em 2009 aderiu ao SNHIS cumprindo as condicionalidades

impostas, entre elas a elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS),

aprovado em 2011. Esse plano forneceu o conhecimento das fragilidades urbanas do

Município, o déficit habitacional e as diretrizes para a atuação habitacional. Dentre as

estratégias pontuadas como enfrentamento da questão habitacional, destacamos a

produção habitacional e a regularização fundiária. A partir desses eixos, realizamos uma

comparação com os dados fornecidos pela COHAB-LD na execução das ações definidas

pelo PLHIS e a evolução da demanda por moradia do Município.

Necessário se faz apresentar aqui, um panorama do contexto habitacional do

Município, que segundo a COHAB-LD (2017), entre os anos de 2009 a 2017, a realização

de novas inscrições no sistema da Companhia chegou a 45.782. Nos respectivos anos, a

demanda por moradia no Município alcançou seu auge no ano de 2009 com 13.073

inscrições, como demonstra a tabela abaixo.

Tabela 1 – Evolução da demanda por moradia em Londrina

INSCRIÇÕES POR ANO NA COHAB-LD

ANO 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

INSCRIÇÕES 13.073 6.641 6.794 5.806 3.921 4.172 2.706 1.241 1.428

Fonte: COHAB-LD 2017

A que se considerar que o auge de inscrições no ano de 2009 coincidiu com o

lançamento de um dos programas do governo federal, o PMCMV, que teve em Londrina um

dos seus maiores empreendimentos. O Residencial Vista Bela, localizado na região norte

que, posteriormente, veio a atender inúmeras famílias em condição de carência habitacional.

A COHAB-LD vive um dilema na condução da política habitacional, como a gestora

dessa política, atualmente convive com a ausência de recursos para investir em projetos,

que visem mitigar a demanda por moradia. Outro problema de grande proporção no

município, dentro do contexto habitacional, é o aumento das ocupações irregulares,

demonstrado pelos dados do último levantamento feito pela Companhia na tabela abaixo:

Tabela 2 – Evolução das áreas de reassentamento

NÚMERO DE OCUPAÇÕES IRREGULARES POR ANO

ANO DE LEVANTAMENTO

Nº DE OCUPAÇÕES Nº DE FAMÍLIAS Nº DE PESSOAS

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2009 36 2153 6171

2012 31 1154 4497

2013 29 1041 3294

2014 36 1439 4174

2015 40 1693 5764

2017 56 3160 10867

Fonte: COHAB-LD 2017

De acordo com a tabela acima, as ocupações irregulares de 2014 até 2017

aumentou significativamente, considerando o último levantamento, um total de 56

ocupações. Quanto ao número de famílias vivendo em situação de irregularidade, a região

norte comporta o maior número de famílias com 1578. Vale ressaltar, que uma dessas

ocupações está concentrada em uma das obras inacabadas do PMCMV denominada Flores

do Campo desde outubro de 2016, o que ocorreu após a paralização das obras.

Diante do déficit habitacional que apresentou o Município, no período

correspondente, consideramos analisar, a partir de dois eixos estratégicos: a produção

habitacional e a regularização de assentamentos precários, o impacto dos investimentos

estatais frente à demanda do Município por moradia. Tendo em vista que, em Londrina, nos

últimos anos assistimos a tão falada “lista” da COHAB-LD aumentando em grande número

os seus inscritos. Até o ano de 2017 o sistema contava com 57.492 inscritos, sendo que

desses, 51.093 apresentavam renda inferior a 1.800,00 reais, ou seja, enquadravam-se na

habitação de interesse social.

Conforme a COHAB-LD, o quantitativo de produção habitacional realizado no

período correspondente de 2009 a 2017 esteve em torno de 4.432 unidades nas

modalidades verticais e horizontais, e em sua grande maioria implementada pelo PMCMV.

Porém, se tomarmos como base somente as novas inscrições realizadas no sistema da

COHAB-LD, entre os anos de 2009 a 2017, (45.782 inscritos) e relacionarmos aos

resultados das produções de moradia no mesmo período, temos um percentual de

atendimento de aproximadamente 9%.

Em relação à regularização fundiária, os números se mostraram mais expressivos.

A COHAB–LD vem atuando no Programa de Regularização Fundiária por meio da Lei

Municipal nº 9.866/2005, parágrafo 3º do Art. 17, alterada pela Lei Municipal nº 12.215/2014.

Segundo a Companhia, até dezembro de 2017 haviam sido entregues 5.938 títulos de

propriedade em 33 áreas do Município. Por conseguinte, o levantamento do total de

assentamentos precários no Município apontou para 56 ocupações, não obstante, somente

13 áreas estão passiveis de regularização, e encontra-se em diversos estágios de

regularização. Tendo em vista, segundo o PLHIS, que em 2007 havia 69 ocupações

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irregulares, é possível que após dez anos o problema das ocupações irregulares ainda

persiste. Contando que, das 69 ocupações existentes em 2007, 33 áreas já foram

regularizadas, ao invés de contarmos com 36 ocupações, atualmente, o Município

contabiliza 56 ocupações irregulares. Sendo assim, podemos inferir que 20 novas áreas

foram sendo ocupadas, demonstrando a urgente necessidade de propostas efetivas para

essa população, caso contrário, esse problema está longe de ser resolvido.

3 CONCLUSÃO

A necessidade por habitação surge com mais intensidade diante da emergência do

processo de industrialização, provocando uma significativa transformação no mundo do

trabalho e nas condições de vida das famílias. A expansão do processo de industrialização

se deu no século XVIII com início nos países europeus, acontecendo de forma mais tardia

nos países periféricos. O Brasil, por sua vez, teve o seu desenvolvimento logo após a

Segunda Guerra Mundial (1945) e como aconteceu com outros países, no Brasil não foi

diferente, o processo industrial trouxe no seu bojo o processo de urbanização e o

crescimento populacional das cidades.

Os reflexos desse adensamento populacional exigiram por parte do Estado a sua

intervenção. Nesse sentido, o País teve vários ensaios políticos na tentativa de atenuar o

problema da falta de moradia, mas é nas três últimas décadas, que houve um avanço

significativo no reconhecimento da necessidade de habitação como fator essencial à

existência humana. A moradia já havia sido apresentada nos tratados internacionais como

um direito humano e essencial à vida. Mas, só vem ser contemplada como direito social,

doze anos após a elaboração da Carta Magna, que previa a democratização da terra, a

partir da inserção da função social da terra.

A partir de então, começam a serem estruturadas as legislações concernentes a

área urbana e em especial a habitacional, entre elas, a Política Nacional de Habitação

(PNH) em 2004. A PNH por intermédio do Sistema Nacional de Habitação de Interesse

Social (SNHIS) lançava as diretrizes para a habitação de interesse social, a partir de seus

instrumentos: o fundo, o conselho e o plano municipal de habitação de interesse social.

Porém, em 2009 com o lançamento do PMCMV, o município de Londrina, além de criar o

fundo e o conselho, iniciou a elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social –

PLHIS, documento que identifica as condições de carência urbana do Município, bem como

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as estratégias de intervenção a fim de aderir ao SNHIS e acessar os recursos disponíveis à

habitação.

Dado o exposto, consideramos que o município de Londrina durante os referidos

anos, a partir das diretrizes do SNHIS pôde empreender uma gestão que contemplasse a

proposta de descentralização. Pois, com a implantação do fundo, do conselho e do plano

local, o Município ia se estruturando e conhecendo as próprias dificuldades locais, no

entanto, ao se ancorar sobre o PMCMV, deixou de estruturar a política habitacional no

Município.

Em suma, mesmo diante de uma gama de legislações que apontam para o direito à

moradia, o Município vive hoje, o dilema do crescimento de ocupações irregulares e de

famílias que diariamente batem na porta da COHAB–LD demandando por atendimento de

moradia. Nessa lógica, podemos considerar que, atualmente, o município de Londrina não

conta com uma política efetiva na área da habitação de interesse social. Ademais, as ações

executadas pelo poder público como respostas ao problema habitacional no Município

figuraram-se como ações pontuais e fragmentadas, simbolizando os reflexos de uma política

de governo e não, como uma política de Estado.

Nesse sentido, consideramos relevante propostas como: a estruturação de uma

Política Municipal de Habitação; a busca por fontes de recursos que venham viabilizar a

execução de projetos habitacionais e o comprometimento com linhas de planejamento que

contemplem a interação com as demais áreas afetas ao problema da moradia, como o

Plano Diretor, o PLHIS entre outros, assegurando mais que uma edificação propriamente

dita, mas a moradia digna, ou seja, o Direito à Cidade.

REFERÊNCIAS

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