a guitarra elétrica no brasil - novas perspectivas

52
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETAS E ARTES ESCOLA DE MÚSICA DEPARTAMENTO 04 - MUSICOLOGIA E EDUCAÇÃO MUSICAL A GUITARRA ELÉTRICA NO BRASIL: NOVAS PERSPECTIVAS ROGÉRIO LOPES RIO DE JANEIRO, 2011

Upload: luiz-carlos-figueiredo

Post on 18-Aug-2015

252 views

Category:

Documents


24 download

DESCRIPTION

A Guitarra Elétrica No Brasil - Novas Perspectivas Rogerio Lopes

TRANSCRIPT

1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROCENTRO DE LETAS E ARTESESCOLA DE MSICADEPARTAMENTO 04 - MUSICOLOGIA E EDUCAO MUSICAL A GUITARRA ELTRICA NO BRASIL: NOVAS PERSPECTIVAS ROGRIO LOPES RIO DE JANEIRO, 2011 2 1. INTRODUO Estamonografiapartedequesteslevantadasanteriormenteemminhamonografiade finaldecursonaUniRio(2005),abandonaquestesreferentessuanoaceitaona academia eaprofundaquestes tericas queforampossveis deser levantadasnas aulas de MusicaPopularBrasileira,ministradapelaprofessoraReginaMeirellesnomestradoda UFRJem2011,almdeapresentarmaisdadosbibliogrficosemaisentrevistasdeoutros notveis do objeto de estudo: a guitarra eltrica brasileira. A guitarra eltrica, instrumento de grandeapelopopulardesdeadcadade1960e1970(Gomes,2005),possuicursos superioresnosEstadosUnidosdesdeento(Murphy,1994apudGomes,2005,p.1).No Brasil a guitarra eltrica foi associada a um tipo de msica descartvel e sem relao com a msicapopularbrasileiradequalidade.Apesardisso,grandesguitarristasbrasileiros conseguiram utilizar este instrumento de maneira irreparvel, e sem prejuzo de identificao com a msica brasileira. o caso, por exemplo, da atuao do guitarrista Hlio Delmiro em Elis&Tom,LannyGordinemGalFa-Tal,emuitosoutros.Noentanto,parecequeos cursossuperioresdeguitarraeltricanoBrasilnoestoemquantidadeproporcional popularidadedoinstrumento,mesmoemcrculosacadmicosvoltadosmsicapopular,e aindaparecehaverresistnciadaacademiaaestetipodemsicaedeinstrumento (Lucas,1992).Seriaaaparenteno-identificaocomamsicabrasileira?Assim,cabe perguntar: o que constitui uma identidade brasileira na guitarra eltrica? Estamonografiabuscarefletirumpoucomaisprofundamentesobreaidentidade brasileiranaguitarraeltricaeidentificar,apartirdosdadosdaliteraturaedapesquisade campo,osaspectosquepoderiamservalorizadosnumapropostapedaggicadeguitarra eltrica (doravante chamada apenas de guitarra) coerente com a identidade musical brasileira. Este tema tem crescido em interesse ao longo dos anos nos crculos acadmicos. Affonso de Miranda (2005) citava em tom queixosoque No Banco de Teses da CAPES na internet no consta nenhum trabalho realizado at o ano de 2003 sobre guitarra ou guitarra eltrica, o que demonstra que os estudos sobre o assunto so recentes.Deste ano em diante, os textos 3 acadmicostratandodeguitarracresceramemtamanhoeimportncia(Gomes,2005; Machado,2009;Costa,2009;Visconti,2005;Mendona,2006;Neto,2006;Correa,2007). Maisdoqueumacontinuao,estetrabalhosesomaatodososoutrosereforaumalinha acadmica de estudo da guitarra. Paraacontextualizaodoproblema,serorecontextualizadosostrabalhosacadmicos recolhidosnaocasiodaprimeiramonografia,asaber:ostextosacadmicosdeGomes (2004,2005),Guimares(2007),Miranda(2005,2006),Furtado(2006),ArnaldoContier (Edu Lobo E Carlos Lyra: O Nacional E O Popular Na Cano De Protesto, 1998), Maria ElizabethLucas(otextoMsicaPopular:AportaOuPortadaAcademia?,de1992), Mrio de Andrade (o livro Ensaio Sobre a Msica Brasileira, 1972), Jos Miguel Wisnik (o texto A Msica na Semana de Arte Moderna, 1977); alm de apresentados os trabalhos de EduardoVisconti(2006,2009),queapresentamgrandescontribuies.Comoreferencial bibliogrfico especfico do instrumento, foram utilizados os livros The Guitar Player Book (2010),TheGuitarHandbookdeRalphDenyer(1982),queteveediobrasileiraem forma de fascculos na revista Toque,alm de dados colhidos nas revistas especializadas emguitarranacionaiseestrangeirasenainternet;soma-seaelestrabalhosmaisrecentes. Como quadro terico, Stuart Hall em A Identidade Cultural na Ps-Modernidade(2006) o referencialquedarosuportemaior,almdereutilizadosostextosdeDavidHargreaves (2005),LiliaSchwarcz(1993),RenatoOrtiz(1985),nioSqueff&JosMiguelWisnik (1980) e Roque de Barros Laraia (2001). Ametodologiadestetrabalhofoicompostadepesquisabibliogrficaepesquisade campo.Apesquisadecampotinhacomometaentrevistarguitarristasconhecidosna comunidademusical,quetivessemounoumalinguagemmusicalbrasileiracomo caracterstica. Num primeiro momento (2009), foram entrevistados Z Menezes, Heraldo do Monte,RobertinhodoRecife,AlexandreCarvalhoeVinciusRosa.Soma-seaesta monografiaasentrevistascomKikoLoureiro,ToninhoHortaeRomeroLubambo.Havia inicialmenteaintenodesetrabalharcomodepoimentodeHlioDelmiro,umdosmais representativosintrpretesdaguitarrabrasileira,masomesmonosesentiuconfortvel como o que ele mesmo descreveu acerca do que pensa sobre si mesmo e seus pares. A forma demanterpartedeseudepoimentofoireferend-lo,mesmoqueforadoambienteda entrevista,emconsideraesqueconsideropertinentessobreadiscussosobreas 4 hibridizaesdamsicabrasileira.Asentrevistasforamfeitasinloco,napresenado entrevistado,portelefoneepelainternet(e-mailouSkype),dependendodadisponibilidade doentrevistado.Espera-sequenumaoutraoportunidade,emquesepossaaprofundara pesquisasobreoassunto,sejapossvelentrevistarosmsicosaindaindisponveiseampliar ainda mais a amostragem de entrevistados. 5 2. HISTRIA DA GUITARRA ELTRICA 2.1. Origem A guitarra eltrica uma inveno norte-americana, bem como grande parte da maneira como tocada fruto de uma maneira afro-americana de se tocar o violo. A influncia da guitarra eltrica e de seus msicos se deve inquestionavelmente influncia cultural dos Estados Unidos sobre o mundo desdeofimdosculoXIX(PradoapudLopes,2008,p.4).Aguitarraeltrica,comoconhecemos, existeapartirdanecessidadedeamplificarosomdoviolocomoinstrumentodeacompanhamento emorquestras,nocomeodosculoXX(Prado,2007,p.42;Denyer,1982).Masantes,duranteo sculoXIX,queocorremexperinciasembuscadeampliarovolumedosvioles.Nesseperodo, marinheirosportuguesesevaqueirosmexicanosapresentamosviolesespanhisnasilhasdoHava (cujaforamusicalacaboucontribuindoparaodesenvolvimentodaguitarra,comoseveradiante); estesviolesutilizavaminicialmentecordasdetripa.Sooshavaianososprimeirosaproporum encordoamentodeaoaestesvioles,cujasonoridademaisafeitasafinaesslackkeyutilizada emsuamsica(Blackettetal,2007).Asexperinciasdeexpansosonoracontinuamatravsde Christian Frederick Martin e seus violes dreadnought (conhecidos no Brasil como violes folk) e os violes ressonadores dos irmos Dopyera, os chamados Dobro, onde um disco metlico transmite a vibraodascordas,criandoumsommetlicoecommuitomaisvolumequeosinstrumentos convencionais(Denyer,1982;Borda,2005;Blackettetal,2007;Machado,2009).Osportugueses aindaparticiparamindiretamentenoqueocasionouaintroduodaguitarranafricaquando,da mesmamaneiraquecomoshavaianos,apresentaramovioloaosmarinheirosKru,daLibria (Blackett et al, 2007). 6 ApartirdotrabalhodoprojetistaLloydLoarnaGibsonapartirde1920comcaptadores magnticos, chegou-se ao que se conhece hoje como guitarra semi-acstica, basicamente um violo provido de toda tecnologia disponvel pela companhia Gibson para se ter o som do violo crescido em amplitude, acrescido de um captador. O captador um dispositivo embutido no tampo do instrumento capazdetransformarasvibraesdascordasemimpulsoseletromagnticosparafinalmenteterem estes impulsos novamente transformados em som por um amplificador .O problema decorrente deste avanotecnolgicoeraofeedback(realimentaosonora)resultantedavibraodocorpopelosom amplificado;da,soluesprecisamserpropostas.GoergeBeauchampeAdolphRickembacker desenvolvemosprimeirosmodelosmaciosdeguitarrahavaianaem1931,feitasnumcorpode alumnio.AgrandepopularidadedamsicahavaiananosEUAentreasdcadasde1920e1930 tornou por ajudar o desenvolvimento da guitarra (Denyer,1982). 2.2 Histria e caracterizao do instrumento Na dcada de 1940 os violes eltricos da Gibson estavam consolidados no mercado. Em 1944LeoFendereDocKauffman,ex-empregadodeRickembacker,criamaK&F,uma fbricadeamplificadoresesteelguitars(instrumentoalgosemelhantesguitarrashavaianas). LeoFender,aotestar um modelomenos pesado de captador, montou-o numa guitarrahavaiana macia mas com trastes. O que era apenas um prottipo de demonstrao dos captadores caiu no gosto dos msicos profissionais de country ao ponto de se abrir uma fila de espera para alug-lo (Denyer, 1982). Enquantoisso,omsicoeinventorLesPaulfaziaexperimentosnamesmadireo, primeiro com captadores e depois, inspirado no violino macio de Thomas Edison, constri em 1941nasoficinasdafbricaEpiphoneaclebreguitarralog(tora).LesPaulcortouaomeio umvioloEpiphonedebocasemfeinseriunocorpoumblocode10por10cmdemadeira, 7 sobreoqualmontoudoiscaptadoreseumbraoGibson.Estafoiaprimeiraguitarraeltrica verdadeira na histria (Denyer, 1982; Blackett et al, 2007). Les Paul teve importncia crucial na histria da tecnologia aplicada msica, pois no somente criou guitarras eltricas mas tambm o inventor do gravador multipistas e outros recursos eletrnicos de gravao como o eco, delay, reverb, phasing e o criador do primeiro baixo eltrico (bass guitar) (Cibula, 2007; Blackett et al, 2007). Em 1947, Paul Bigsby em parceria com o guitarrista Merle Travis construiu uma guitarra eltricamacia.Esteinstrumentoguardaimpressionantessemelhanascomosmodelos popularizados por Les Paul, em 1950, e Fender, em 1948: o formato do corpo, o modo como as cordas passavam atravs desta, o desenho da mo (headstock), com as seis tarraxas de um s lado.BigsbyeTravisconstruramsuaguitarraemDowney,Califrnia,nomuitolongede Fender,emFullerton(aapenas15milhasdeDowney).Issogerouumasriedecontrovrsias sobrequemteriacopiadoquem.Fendercertamentenofezsegredosobresuaspesquisasefoi visitado por Les Paul e outros (Denyer, 1982, p. 42 e Watson, 2003). QuandoLeoFenderdesfezasociedadecomDocKauffman,passouafazeroutro instrumento,comumsomclarocomoodeumaguitarrahavaiana(naspalavrasdoprprio), massemosproblemasdefeedback(microfonia)dasguitarrasdeento.Oresultadofoia Broadcaster,depoisrebatizadaTelecaster,em1948.Estaguitarratinhavriosaspectosque faziamdelaumaguitarrasingular:braodesmontvel,headstockcomascordasviradaspara um lado s, dois captadores de bobina simples e um som cristalino. Mas quando Fender lanou mais tarde, em 1954, a Stratocaster, havia neste instrumento muitas coisas que faziam dela uma 8 guitarrarevolucionria:umcorpo(slido)desenhadoparaofereceromximoconforto,um sistema de alavanca de trmolo1 muito superior aos da poca e trs captadores. As Stratocaster se transformaramnumpadropraticamenteinalteradodedesigndeguitarras,queinspirou fabricantes de guitarras geraes adentro (Denyer, 1982, p.41-42; Blackett et al, 2007, p. 170). DepoisdolanamentodaBroadcaster,aGibsonpassouaseinteressarporguitarras eltricas macias, em grande parte por causa de Les Paul. Em 1950, a companhia convidou-o a assinarumcontratonoqualreceberiaumroyaltyporcadaguitarralevasseseunome.A princpio,pormedodacompanhia,levariamapenasonomedoartista.Comosucessodas vendas,mudaramrapidamentedeidia.LesPaulqueriaquesuasguitarrastivessemuma sustentao natural de 20 segundos, por isso so to pesadas: elas tm um corpo de mogno slido com um tampo de maple de 12 mm de espessura (Denyer, 1982, p. 68). Captadoresmagnticossosujeitosinterfernciaderadiaoeletromagntica,oque gerarudos,ouzumbidos,indesejveis.Foisomenteem1955queumengenheirodaGibson chamadoSethLoverdesenvolveuoscaptadoreshumbuckers(literalmente,supressoresde rudos) e passa a instal-lo na maioria de suas guitarras (Denyer, 1982, p.15). Nofimdosanos1950,aGibsondecidiuinvestiremdesignsnovos.Dasurgemos modelos SG (um prottipo que Les Paul se recusou a assinar), Explorer, Flying V e Firebird, que setornarammodelosmuitopopularesentreosguitarristasdeheavymetalnosanos 1980.(Denyer,1982, p. 69 e Lemelson, 2007). 1 Aalavancadetrmolo(cujonomeincorretoparasuafinalidade)ummecanismoconjuntodemolas, rastilho e cavalete do instrumento que permite a deflexo simultnea de todas as cordas. Uma barra acoplada a este mecanismo(aalavancapropriamentedita),quandopressionada,diminuiatensonascordas.Quandosesoltaa alavanca,ascordasvoltamposionormal.Problemasdeafinaosofreqentesquandoascordasvoltamao estado normal, situao que a Fender tentou reverter com seu modelo de alavanca (Denyer, 1982, p.15) 9 Pode-se afirmar que Gibson e Fender so padres, verdadeiros paradigmas, na construo de guitarras eltricas, sobretudo a partir dos anos 50 , praticamente inalterados desde ento. Em todasasguitarrasqueforamconstrudasdcadasadianteporfabricantesdiversos(Vox, Danelectro,Ibanez,Jackson,Washburn,etc)percebe-seainfluncia:oformatoStratocaster,os captadores humbucking, reformulaes de formatos como SG, Explorer e Flying V. 2.3. Principais representantes Para cada etapa evolutiva da guitarra houve um respectivo heri do instrumento, msicos quesouberamextrairnovaspossibilidadesetiraroinstrumentodoostracismosubmetidopelo acompanhamentoquasesilenciosonasorquestras(ChristianapudLemelson,2007a).Assim,na faseseminaldasGibsonES_150electricspanish,CharlieChristian(cujonomebatizouos captadores destas guitarras), no jazz, Merle Travis no country, Muddy Waters e T-Bone Walker comseublueseletrificadofaziam-senotarnaquelesanos1930-40.Todosestesajudarama expandiraspossibilidadesdestenovoinstrumentoeatrairumanovageraodeouvintese instrumentistas (Lemelson, 2007b). Maisadiante,comopadroguitarrasemi-acsticaGibson,outrosmsicosgarantema popularidadedesteinstrumentotantoemgnerosmusicaisvigentescomoemoutrosqueo mundovianascercomoorocknroll:ChetAtkins,HerbEllis,ChuckBerry,ScottyMoore (guitarristadeElvisPresley),DuaneEddyeBillHalleygarantemvisibilidadeaoinstrumento. Este modelo de guitarra acabou sendo a preferncia adotada por guitarristas de jazz dcadas mais tarde,comoGeorgeBensoneWesMontgomery,nosanos60.Nafasedasguitarrasmacias, Buddy Holly e sua Stratocaster e o prprio Les Paul (um msico de country muito famoso pela 10 sua dupla com Mary Ford) com sua guitarra-assinatura chamam ateno com aquele instrumento to novo e j to modificado.Mas quando o rock aumenta exponencialmente seu pblico durante os anos 1960, com a grandeexplosodepopularidadedosBeatleseamudanaradicalnocomportamentojovem deflagradaapartirdeles,quesecristalizaoarqutipodoguitarhero(umherideguitarras macias, importante salientar): guitarristas so verdadeiros superstars (Lemelson, 2007c); h o resgate do blues americano por bandas inglesas como Rolling Stones, Cream (do guitarrista Eric Clapton),Yardbirds(grupoquerevelouvriosguitarristassignificativosdosanos1960/1970 como o prprio Clapton, Jimmy Page e Jeff Beck), os muros pichados no metr de Londres com Clapton is God (Clapton Deus, uma referncia a Eric Clapton, guitarrista do Cream e do John Mayall Bluesbrakers na ocasio) , para finalmente haver o pice artstico em Jimi Hendrix. SeHendrixnofoiuminventorcomoLesPaul,certamenteeleesuamsicaforamogrande catalisadordograndesaltotecnolgicoqueocorreunaguitarraemsuapoca,atravsdos apetrechosdenominadospedais(processadoresdesomligadosentreaguitarraeo amplificador e acionados com o p) que modificavam o som de maneira inusitada para a poca, como o som do wah wah (um regulador de freqncias mdias atenuadas ou acentuadas pelo uso dopedal),fuzz(umgeradordeondaquadradaquedistorceosomdoinstrumento),oitavadores (fazemoinstrumentotocaroitavaabaixoouacima)eoutros(Hunter,2004).Aalavancade trmolofoiutilizadaaoextremo,emulandosonsdebombardeioseinspirandogeraesadiante (Denyer,1982eBerendtapudGomes,2005,p.38).Tantooumaisdoqueaguitarra,Hendrix tocou sua msica com toda a tecnologia disponvel em sua poca (Hunter, 2004). Com toda a revoluo snica gerada por Hendrix, os anos 70 e 80 foram frteis em gerar sub-gnerosderivadosdorock,tendoaguitarragrandepapelnadivulgaodetodosestes 11 formatosmusicais,cadaumcomseurepresentantenaguitarra:rockprogressivo(SteveHowe, JanAkkerman),heavymetal(TonyIommi,RitchieBlackmore),jazz-rock(oufusion_Larry Coryell,AlDiMeola),punkrock(MickJones),newwave(AndySummers,JohnnyMarr). Particularmenteofusioneoheavymetalrevelaraminstrumentistasqueajudaramaexpandira tcnicadoinstrumento.Nofusion,JohnMcLaughlin(queparticipoudomarco-zerodestesub-gnero,odiscoBitchesBrewdeMilesDavis)oguitarristamaispopular,senoomais tcnico deste movimento nos anos 70 (Denyer,1982 e Gomes, 2005) . No heavy metal, estilo que se cristalizou durante os anos 80, o destaque para Edward Van Halen , divulgador da tcnica de tapping(ondeseusaamoquetangeascordasparaampliaraspossibilidadesmeldicas, comoumquintodedo)edeumadasltimasinovaestecnolgicasdaguitarra,aalavancade trmoloFloydRose2(Calamari,2007)eYngwieMalmsteen,esteltimocomsuafusode guitarra distorcida e arpejos rapidssimos que remetem a Bach e Paganini, gerou uma legio de seguidores (ou imitadores) dispostos a quebrar a barreira da velocidade com seus solos (Bastos, 2004).Pode-seafirmarqueestavertentetcnicadaguitarranosanos80,cujocenrionos EstadosUnidos,pecoupeloexcessodevirtuosismoemdetrimentodamusicalidade(Tadeu, 2004),diferentementedaestticaminimalistadanewwave(queusavaaguitarracompoucas notaseefeitoscomfimdetexturas)queflorescianaInglaterraduranteomesmoperodo,cujo representante de maior visibilidade era a banda The Police, de Andy Summers (Molenda, 2007 e Denyer, 1982). Hoje, quase 30 anos depois, o padro inaugurado durante os anos 1980 de tocar guitarra permite aderncia de estilos na poca incompatveis, como a mistura de heavy metal e as texturas minimalistas punk/new wave a la Joy Division, como a praticada pelo guitarrista Davon 2 A alavanca Floyd Rose permite tanto deflexo das cordas quando acionada quanto a flexo, alm de assegurar a afinao das cordas mesmo sob uso constante, graas a um dispositivo de trava de cordas junto ao headstock e um sistema de micro-afinao semelhante ao do violino, posicionado junto ao cavalete do instrumento. 12 Malakiane sua banda System Of A Down, banda denu metal que se tornou conhecida a partir dos anos 2000. O heavy metal, estilo repleto de guitarras e tido como o de ouvintes pouco afeitos a outros estilos musicais, proporcionou algumas fuses interessantes com estilos muito distantes de sua matriz como o funk e o hip hop, gerando subgneros denominados funk-metal e rap-metal,praticadoporbandasdistintascomoInfectiousGrooves,LivingColour,Anthraxeoutros, duranteoinciodosanos1990eathojeembandascomoLimpBizkiteRageAgainstThe Machine,cujoguitarristaTomMorellotrouxeinovaessignificativa,desconstruindoouso habitual da guitarra e aproximando sua sonoridade s das turntables dos DJ s (Keys, 2004). 13 3. A GUITARRA ELTRICA NO BRASIL 3.1 Histria do instrumento no Brasil AguitarraeltricanoBrasilcomeacomumaadaptao.Otermovioloeltrico utilizado para o instrumento, ambguo: o nome indica tanto uma adaptao rudimentar de um microfoneoucaptadoracopladoaumviolo(Menezes,2007),comoguitarrassemi-acsticas (http://guitarrasvioloesguitarrasguitarras.blogspot.com).Ospioneirosdoinstrumento,durantea chamada Era de Ouro do Rdio (1927-1946) tinham uma ampla vivncia com instrumentos de cordas trasteadas, como o violo (Gomes, 2005, p.32). NaSalvadorde1942,ocorrempropostasmaisradicais.Paratocarnosconjuntosde Frevo,Dod(AdolfoNascimento,1920-)adaptoucaptadoresfeitosporelebocados instrumentos.Comoamicrofonianocessava,eleresolveufazeruminstrumentodemadeira macia:surgeopaueltrico,depoischamadodeguitarrabaiana,curiosamentecriado paralelamente scriaes de Leo Fender e Les Paul (Marsiglia & Almeida apud Gomes, 2005, p.41). Aconstruoemescalaindustrialdeguitarraseltricasdetipomaciossedarno Brasil a partir da dcada de 1960, com a demanda gerada pela exploso da Beatlemania, a partir dosfabricantesdeviolesDelVecchioeGiannini,almdaPhelpaeSnake.Tambmnessa pocacresceaatividadedeluthiersqueconstroemguitarrasartesanalmente,comVictorio Quintillo,quejhaviatrabalhadoparaaDelVecchio(LancelottiapudDenyer,1982,p.93). Destesfabricantes,apenasaGianniniconstriguitarrasathoje.Observandoosinstrumentos feitosnestapoca,percebe-seapoucahabilidadecomasuaconstruo,cominstrumentos parecendocpiasgrosseirasdasguitarrasamericanas.JosMenezes,umdospioneirosdo instrumento no Brasil, afirma que seu primeiro instrumento decente (guitarra) foi uma guitarra doada por Les Paul em 1962, em troca de um violo Di Giorgio que eu tinha (Menezes, 2007). 14 Pdeseconstatarqueosaltodequalidadenosinstrumentosnacionaispartiudosinstrumentos construdos por luthiers, dcadas mais tarde. Um deles, Seiji Tagima, tornou-se o dono da fbrica deguitarrasqueatualmentetemomelhornveleamaiorpenetraonaindstrianacional,as guitarras Tagima (Caesar, 2007). 3.2. Principais representantes SegundoJosMenezes(2007eGomes,2005),PereiraFilhofoioprimeiromsicoa utilizar o violo eltrico no Brasil. Ainda no perodo da poca de Ouro destacam-se o prprio Jos Menezes, Bola Sete (Djalma de Andrade, 1923-1987), Laurindo de Almeida (1917-1995) e Pol (ngelo Apollonio, 1920-1985).Segundo Jos Meneses, Pol era um grande msico de So Paulo(Menezes,2007)eumespecialistaemguitarrahavaiana(MenezesapudGomes,2004; Machado,2009).Nesteperodo,destacam-seaindaLusBonf(1922-2001)eGaroto(Anbal Augusto Sardinha, 1915-1955). Garotofoiuminstrumentistadegrandeinfluncianomovimentomusicalqueviriaa seguir, a bossa nova (Gomes, 2005, p. 30; Castro, 1990), assim como o prprio Menezes (como citado em entrevista ao programa Conversa Afinada, TVE, 2007). Segundo Menezes, Garoto foi um grande incentivador do uso da guitarra nas rdios, como instrumento de base3, e um msico comgrandeproficinciaemvriosinstrumentos,entreelesaguitarrahavaiana,comosepode constatarnagravaodeAmoroso(1942),emboraelenogostassedeinstrumentoseltricos (Gomes, 2005, p.28-31; Menezes, 2007; Lopes apud Visconti, ). Embora a bossa nova no fosse um movimento diretamente ligado guitarra (a imagem mais comum a de instrumentistas empunhando um violo, instrumento de Joo Gilberto, cone do movimento), no se pode esquecer que um dos discos que mais influenciou aquela gerao de 3 Tal qual dito em entrevista concedida a mim (2007), o que s faz aumentar a confuso de terminologias. 15 msicos da zona sul do Rio de Janeiro foi Julie Is Her Name, da cantora Julie London, com a emblemtica cano Cry Me A River, onde ela acompanhada apenas pelo guitarrista de jazz BarneyKessel4(Castro,1990).RobertoMenescal,compositordegranderelevnciado movimento foi visto vrias vezes empunhando guitarras (violes eltricos) em shows da poca5. Durval Ferreira tocou guitarra na orquestra de baile de Ed Lincoln e em sua banda Os Gatos, de grandeimportncianacenadosamba-jazz,umsub-gnerooriundodabossanova(Miguel, 2007).OviolonistaecompositorBadenPowelltambmtocavaguitarraembailesantesdese tornar um msico renomado (Miranda, 2005, p.2).Antesdeprosseguircomospersonagensdamsicapopular,precisomencionarna msicaeruditaopioneirismodocompositorRadamsGnattaliquedesdeadcadade1950 comps vrias peas para guitarra eltrica e orquestra. Possivelmente foi o primeiro compositor erudito no mundo a escrever para o instrumento embora no tenha sido devidamente reconhecido (BaconetalapudMendona,2006,p.57).Destaspeasdestaca-seoConcertoCariocaNo1 paravioloeltrico,pianoeorquestra,compostoem1950eexecutadopelaprimeiravezem 1965,sobaregnciadeHenriqueMorelembaum(Gomes,2005;Mendona,2006).Segundo Mendona,ousodotermovioloeltricopodeterocorridoporumatraduoliteralde electric guitar ( importante lembrar que o instrumento no era muito conhecido no Brasil), o queseconfirmanestedepoimento:ApresenteioConcertoCariocaNo1paraguitarraeltrica (...) no Teatro Municipal. Quem dirigiu foi Henrique Morelembaum... (Didier apud Mendona, 2006, p.56). 4 Embora Castro escreva Menescal (...) passava horas escutando o disco (...), no por causa da voz de cama da cantora (...), mas pelo acompanhamento de violo de Barney Kessel (p.128), o que se ouve uma guitarra semi-acstica. 5 H pelo menos duas fotos com Menescal empunhando o instrumento em Chega de Saudade (Castro,1990). 16 Apartirdadcadade1960,sobainflunciadabossanova,surgiuumageraode compositores e intrpretes que aparece graas aos festivais e programas de msica na televiso e queseroosresponsveispelacriaodogneroMPB.Paralelamenteorock,gnero estrangeiro,cresciaempopularidadedesdeaprimeiracomposioderockfeitanoBrasil, EnrolandooRock(1956),deBetinho(Gomes,2005,p.38).SurgeaJovemGuarda, movimentoquetememRobertoCarlosseurepresentantemaissignificativoemgrandeparte graas a um programa de TV que comandava (chamado Jovem Guarda) de grande audincia em 1966(Arajo,2006).Comonorockaguitarratempapelpreponderantetantonafuno harmnicacomonacriaodesuasonoridadecaracterstica,seriadeseesperarqueseus instrumentistassedestacassem,eassimacontececomRenatoBarros(dabandaRenatoeSeus Blue Caps que gravou alguns dos discos de Roberto Carlos6 dessa poca) e Gato, ex- membro da bandaderockinstrumentalJetBlackseposteriormentemembrodabandadeRoberto,oRC-5 (Arajo, 2006). OespaodeprogramaodaemissoraRecorderaomesmopreciosoespaoaser divididopelasduasvertentesmusicais(MPBeJovemGuarda).Assimocorremacaloradas pelejasdisfaradasdeconfrontosideolgicos.Nosepodeesquecerqueomomentohistrico emqueistoocorresoostensosanos1960eBrasiljviviaumaditaduramilitareosartistas mantinham h algum tempo seus focos de resistncia, como o CPC (Centro Popular de Cultura). Daaassociarumgneroestrangeirocomumanovaformadecolonialismoculturalparecia inevitvel (Arajo, 2006, p.186; Gomes, 2005; Contier, 1998). Do lado da MPB, surge o Quarteto Novo, banda que acompanhou Geraldo Vandr, Edu Loboeoutros,cujoguitarrista,HeraldodoMonte,abraouacausadasrazesbrasileirase 6 Os primeiros discos de Roberto Carlos foram gravados pela orquestra da CBS, sua gravadora, cujo guitarrista era Jos Menezes (Arajo, 2006). 17 buscou uma linguagem de improvisao e interpretao que pudesse nacionalizar, abrasileirar aquele instrumento to atacado (Gomes, 2005; Lancelotti apud Denyer, 1982, p.58-59).SurpreendentementesurgeoTropicalismoouTropiclia,ummovimentoartsticoque deveseunomeaumaobradeHlioOiticica(Lima,1996)equenoramomusicaltinhatanto respeitoporJooGilbertoeLuizGonzagaquantopelaJovemGuarda.Causaramestardalhao em 1967 quando dois de seus representantes ficaram em quarto e segundo lugares, no Festival da MsicaPopular,promovidopelaTVRecord(Tinhoro,1972,p.238):CaetanoVeloso acompanhadopelogrupodei-i-iargentinoBeatBoyseGilbertoGilacompanhadopelos Mutantes.SrgioDias,guitarristadogrupo,podeserconsideradooprimeiroguitarristado Tropicalismo seguido logo depois de Lanny Gordin, guitarrista de grande fluncia em estilos to dspares como o rock, jazz e msica brasileira em geral (Gomes, 2005; K.Shima, 2003). OTropicalismoaindarevelaria,svsperasdoexlioforadodeCaetanoeGilna gravaododiscoBarra69CaetanoeGilAoVivoNaBahia,obaianoPepeuGomes, verdadeiro cone da guitarra brasileira. Admirador confesso de Hendrix, gravou o disco-show da cantora Gal Costa Gal Fa-Tal em 1971, dividindo as guitarras com Lanny Gordin. Mas com ogrupoNovosBaianosqueeleseaproximarealmentedamsicabrasileira,empartegraasa um bandolim dado de presente por Paulinho da Viola (que fez Pepeu adotar o choro com uma de suasmaioresinfluncias),almdoclebreencontrodogrupocomJooGilberto.Acabou Chorare,de1972,ummarcodoperodops-tropicalistaporqueequilibrasonseltricose acsticos com maestria, em grande parte graas a Pepeu (Miranda, 2006). Grandepartedasbandasderockduranteosanos1970voltaramseustrabalhosparaa vertentedorockprogressivo,entreelesosprpriosMutantes(deSrgioDias),OTero(de SrgioHinds)eogrupocariocaVmana.OVmanafoiumgrupoemqueboapartedeseus integrantesseriamprotagonistasdaexplosodoRockBrasilouBRocknosanos1980:o 18 vocalista-flautistaRitchie,obaterista(depoiscantor-compositor)Loboeoguitarristaecantor Lulu Santos, um admirador confesso do trabalho de Srgio Dias (Dapieve, 1996). Em 1977 lanado A Pgina do Relmpago Eltrico, do cantor e muiti-instrumentista Beto Guedes. Fazia parte do movimento musical denominado Clube da Esquina, movimento que, emboradistantemusicalmentedoTropicalismo,abraaacausadohibridismomusicalentrea bossanova,jazz,Beatles,msicasacramineirae(nocasododiscoreferido)rockprogressivo. Uma das figuras centrais do disco o msico Toninho Horta, guitarrista de capital importncia no movimento musical com suas harmonizaes riqussimas (Borges, 1996; Gomes, 2005). Nomeiodadcadade70surgeomovimentoBlackRio,calcadonaestticanegrasoul norte-americanadegrandepenetraonossubrbioscariocas.ArtistascomoTimMaia, Cassiano,Hyldon,CarlosDafeoutrossoautnticosrepresentantesdesteestilo.Amsica soul-funkcaracterizadaporguitarrasquerepresentamumpapelrtmicocrucialparaa caractersticadanantedoestilo.Destacam-seRobsonJorge,RenatoPiau,CludioStevenson (da Banda Black Rio, outro caso de hibridismo funk-samba), Perinho Santana e Cludio Zoli, um representanteisoladodosoulcariocanosanos1980,futuromembrodaBandaBrylho(Gomes, 2005; Dapieve, 1996; Guimares, 2007). Apartirde1980comeaasurgirachamadaMsicaInstrumentalBrasileira Contempornea,forjadaapartirderelaesdeidentidadeestticaevnculosafetivoscom correntesmusicais(BezerraapudGomes,2005,p.47).Ojazzeamsicabrasileiraregional como o samba e o baio so o foco. H grandes destaques na guitarra como Fredera, , Heraldo do MonteeHlioDelmiro.FrederaegressodoClubedaEsquina,ondeacompanhavaMilton Nascimento no grupo Som Imaginrio, e destacou-se com seu disco Aurora Vermelha (1981). Heraldo do Monte se destacou no 1 Festival of Jazz Montreaux (SP), arrancando elogios de um deseusdolos,BarneyKessel(Gomes,2005eLancellottiapudDenyer,1982,p.57).Hlio 19 Delmiroumoutroconedaguitarrabrasileira,maisvoltadaaojazz,diferentementedePepeu Gomes que tem mais ligao com o rock. Acompanhou inmeros artistas da MPB, entre os quais se destaca Elis Regina, e monstros sagrados do jazz norte-americano como Sarah Vaughan, que o considerouumdosmaioresguitarristasdomundo,opiniodividapormsicoscomoLarry Corryel,PhilipCatherineeJoePass,quedividiramopalcocomelenofestivalcitadoacima (Gomes, 2005; Lancellotti apud Denyer, 1982, p.130). Comosanos80orockatingeumsucessodepblicoquenuncahaviaconseguidono Brasil, em parte graas a uma esttica mais palatvel de guitarras sem distoro e tendendo mais estticaminimalistadosgruposdepunkenewwaveinglesescomoPolice,TheClash,The SmithseJoyDivision.NoBrasilpossvelenxergarumgrandenmerodeguitarristasque tocamseuinstrumentocompropriedadeapesardasamarras 7doestilo.CarloBartolinie SrgioSerra(osegundosubstituindooprimeironoUltrajeARigor),HerbertVianna(do Paralamas),EdgarScandurra(doIra!),BrunoFortunato(doKidAbelha)eRobertoFrejat(do Baro Vermelho) so os principais guitarristas. Sobre Herbert Vianna importante frisar que sua banda tambm flertou com hibridismos (ao compor com Gilberto Gil, cone do Tropicalismo), de certaformacriticadoporoutrosrepresentantesdoBRock(Preto,2007).Estehibridismona msica brasileira acabou propiciando tempos mais tarde a aceitao de uma cena musical como o MangueBeatdeChicoScience&NaoZumbiquejuntavatamboresdemaracatuguitarra lisrgico-hendrixiana de Lcio Maia (Dapieve, 1996). Ainda nos anos 80 importante lembrar da cena heavy metal brasileira da qual participou um guitarrista muito ligado MPB descoberto pelo cantor Fagner: Robertinho de Recife (Leo, 7 Aoobservarmosaatuaodosmsicoscitados,comoseaformaomusicaldelestendessemais msica que privilegia guitarristas, como o rock tradicional e oheavy metal da dcada de 1980, em contraste com a esttica punk-new wave de seus grupos. Dos grupos citados, apenas o Baro Vermelho no tem muita conexo com estasvertentesmusicais,sendomaisrelacionadocomumaestticaderocktradicionalmuitoinfluenciadapelos Rolling Stones (Dapieve, 1996). 20 1997; Fres & Petrillo, 1996). Seu disco Metalmania em nada lembrava outros trabalhos como Robertinho no Passo (com composies de Hermeto Paschoal) ou Jardins da Infncia. Esse disco,assimcomoosoutroscitados,funcionoumaiscomoumlaboratrioparaaspesquisas tcnicasdomsico(RobertinhodeRecife,2007)edecertaformaajudouadarvisibilidade comunidademusicaldeheavymetaldopasquecresceriamuitomaisgraasascenso internacional nos anos 1990 do grupo Sepultura, dos guitarristas Max Cavalera e Andreas Kisser, este ltimo um dedicado estudioso do violo erudito (Barcinski & Gomes, 1999). Outros grupos deheavymetaltiveramreconhecimentointernacionalapartirdosanos1990(sobretudono Japo)comooVipereoAngra,dosguitarristasRaffaelBitencourteovirtuoseKikoLoureiro (Leo, 1997), um adepto dos arpejos e escalas rpidas Yngwie Malmsteen. A banda Dr. Sin, do guitarristaEduArdanuy,tambmtevereconhecimentointernacionalmesmapocadoAngra. Assim como Loureiro, Ardanuy conhecido pelo uso de escalas e arpejos velozes (Leo, 1997). Dasmanifestaesmusicaisquetornaram-seconhecidasnosudestedoBrasil,amdia televisiva apresentou recentemente a banda Calypso, do estilo brega paraense, cujo guitarrista Chimbinha ajudou a tornar conhecido um outro estilo do Par, a guitarra, de forte influncia do calipsocaribenhoe,comoonomesugere,temaguitarraemdestaqueconstruindotramas meldico-harmnicassimilaressqueseveemcomautilizaodaguitarranamsicaafricana (Vianna, 2007e).21 4.IDENTIDADE, MSICA POPULAR BRASILEIRA E ACADEMIA Identidadeeidentidadenacionalestorelacionadosaoconceitodecultura.Cultura,na definiodeEwardTylor(apudLaraia,2001,p.25)estetodocomplexoqueinclui conhecimentos, crenas, arte, moral, leis, costumes ou qualquer capacidade ou hbitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Tomemos a abordagem de Laraia (2001) em seu livroCultura:umconceitoantropolgico.Paraele,fatoresgenticosougeogrficosno explicamasdiferenasentreoshomens,istolhesensinado(ouapreendido)atravsdeum processochamadoendoculturao,oquefaz,porexemplo,meninosemeninassecomportarem diferentesumdooutro,independentedesuasdiferenasbiolgicas.Emesmoculturasdistintas podemapresentarpontoscomuns.Paraisso,Laraia(2001)usaotabudoincestodeLevi-Strauss:emtodasasculturasnopermitidoqueohomemtenharelaessexuaiscomcerto grupo de mulheres (no nosso caso, mes, irms e filhas), e no h nenhum componente biolgico que justifique isso. Na segunda parte do livro, Laraia (2001) alerta para o fato de algumas culturas s enxergarem a sua prpria como a mais correta e natural (a isto se chama de etnocentrismo), o que naturalmente gera conflitos entre culturas com pontos de vista diferentes.Apalavraidentidadetrataliteralmentedeumaidentificao,quesegundoo Dicionrio de Cincias Sociais designa: a) reconhecimento de outro por um aspecto, propriedade ou atributo: identificar algum; b) assimilao de um aspecto, propriedade ou atributo :identificar-se (Seminrio,1987, p.518).Tomemos como referncia David Hargreaves, msico e professor de desenvolvimento infantil, que esteve envolvido num projeto chamado DELTA (Desenvolvimento da Aprendizagem e do Ensino nas Artes), durante os anos 1980 na Inglaterra (Hargreaves, 2005). Nesteprojeto,quetrabalhoucomcrianasdoensinofundamental,constatou-seque diferentementedeumestudoanterior,haviaumgrandeinteressedosalunospelasaulasde 22 msica.Aprincipalrazo,entremuitasoutras,seriaoalargamentodoprogramademsicanas escolas, incluindo a msica pop e o rock. De todas as atividades, os alunos descreviam tocar e cantar como as mais prazerosas. So habilidades que permitem o aluno executar e compor por conta prpria. Com os atuais recursos de gravao e manipulao de msica no computador, tocar ecantartornou-seumaatividadeaindamaisprximadessesjovens,umaidiatalvezgeradah muitos anos atrs pelos Beatles, artistas que introduziram a idia do artista compor e arranjar (em parte) seu prprio repertrio. A tecnologia tambm facilitou o acesso a culturas remotas, algo que se deva tambm ao grupo de Liverpool e seu interesse pela msica indiana. A msica pop um forte elemento identificador entre os adolescentes (Hargreaves, 2005). H um elemento agregador nestafaixaetriaquenoaescolanemacasa.Podeseroplayground,garagensdeensaio, clubesouaprpriarua.NoBrasil,omovimentomusicalClubedaEsquinaganhouseunome graasaosencontrosinformaisacuabertodaquelageraodemsicosnumaruadeBelo Horizonte, MG (Borges, 1996). Stuart Hall (2006), a partir da constatao de que o sentido de identidade (de indivduos e sociedades)temsediludoaolongodosanos,teorizasobreumprocessoqueeledenominade descentrao,esobrecomooprocessodeglobalizaoapartirdosanos1970catalizoueste processo.Oautorpartedaanlisehistricadossentidosdotermoidentidade,apartirdos conceitosidentitriosdosujeitonoIluminismo,tidocomosenhorcompletodesuasatitudes,passandopelaconcepodesujeitodasociologia,obviamentemaisinfluenciadopeloseumeio(sociedade),atchegaraosujeitops-moderno,cujainflunciadeelementoshistricoscomoo marxismo e at o inconsciente de Freud atentam para processos sutis os quais o sujeito no tem o domnioplenodasituao.Ataqui,Hallsdissertousobreamenorcluladasociedade,o sujeito. Vejamos adiante como ele analisa a sociedade como um todo. 4.1.1 O que seria identidade nacional? 23 Identidade nacional estaria ligada ao que Squeff e Wisnik (1982) chamam de nacional-popular,umconceitoemltimaanlisefortementebaseadonageopoltica.Iniciamaanlisea partirdeAntonioGramsci,tericomarxista.SegundoGramsci(apudSqueff&Wisnik,1982, p.16-21), em vrias lnguas os termos nacional e popular so sinnimos ou mesmo grafados comamesmapalavra,eistonoocorreunaItlia,pasdoterico,porqueaselitesintelectuais estavam afastadas do povo e da nao. Para ele a palavra popular tem muitos significados. Um delesacapacidadedeumartistaouintelectualuniversalizarsuasidias,demodoacertas obras se enxergarem menos no pas de origem do autor e mais em outros, por artistas do povo ou identificadoscomele.Entretanto,emmuitosmomentoshistricosoiderionacional-popular foiutilizadoporgovernosnacionalistaspopulistascomoofascismoemesmonoBrasilda ditaduradeVargas.Arazopodeestarnasrazesdarepblicamoderna,aRevoluoFrancesa, quepretendedarpoderparaopovo.MasanoodepovodaRevoluoFrancesaestmuito mais ligada idia de cidados economicamente ativos do que ral (Vrancken apud Squeff & Wisnik, 1982, p.26), j que esta repblica fortemente influenciada pelo modelo romano. Assim, umsofismasubstituiafragmentaodosindivduospelaidiadepovoeafragmentaodas classes [sociais] pela idia de nao (Squeff & Wisnik,1982, p.29), que se unem por um terceiro elemento, a ptria.Oconceitodeptria,umaentidademoraloutica(Saint-JustapudSqueff&Wisnik, 1982,p.29)unindosetoresfragmentadosdomesmoestado,cresceapartirdaascensode NapoleoeajudaaconsolidarestadoscapitalistasEuropaafora.Aistosesomaaelaborao geopoltica,umacomplexarelaodeestratgiaspolticasquemobilizampovo(sejaemque sentido for) em funo de suas fronteiras, raa, lngua e cultura, com diferentes Estados unindo-se emtornodeeixos,comohouvenopassadoosblocossocialistaecapitalista.Estaquestode raa e ptria gerar alguns paradoxos no Brasil, como se ver mais adiante. 24 Hall(2006)observaqueahistriadasnaesguardaemsi,namaiorpartedasvezes,a alternncia de povos e culturas dominadoras e dominadas, e que na verdade a nica coisa que se mantmigualoterritrio.TomandocomoexemploaInglaterra,queporsculosalternou dominaes vikings, celtas, saxnicas e outras, hoje um caldeiro de todas as culturas que por lpassaram,equenaverdadeoconceitodenaocomoconceitofechadosexistedefatono campodasideias,comoumacomunidadeimaginada,aindaquehistriaslendaseheris possam supor o reforo de uma cultura nica vinda de tempos imemoriais; em grande parte, trata-se apenas do que Hobsbawn (apud Hall, 2006, p. 54) chama de inveno da tradio: um hbito relativamente recente tomado como muito antigo.OsconceitosdeculturapropostosporLaraia(2001)endossamodeidentidadede Hargreaves(2005)aoinserirosjovensouvintesdemsicapopnummesmocontextoculturale explicamoconflitoentrediferentesidentidadesnacionais-popularespeloetnocentrismoda cultura inerente a cada nao. 4.1.2 Identidade nacional no Brasil OgrandedilemadaintelectualidadebrasileiraentrefinaldosculoXIXeinciodoXX, momentohistricoquecorrespondeaofimdoimprioeinciodarepblica,convivercoma idia de um pas to miscigenado e que quer crescer como nao face s teorias raciais da poca, chamadas de darwinismo social e importadas por Agassiz, Gobineau e outros, estrangeiros que desfrutavam de farta entrada nos governos de ento8, supostamente sustentados pelos estudos de craniologiatcnica(quetraavaparalelosentreotamanhodocrnioepoucaintelignciaou pendorcriminalidade)edaantropologiacriminal(argumentavaqueacriminalidadeeraum trao hereditrio) (Schwarcz, 1993, p.48-52). 8 Gobineau era ntimo de D. Pedro II (Ortiz, 1985). 25 Osgrandesfocosdoestudocientficodapocaconcentravam-senosmuseus(Museu Nacional, Museu Paulista e Museu Paraense Emilio Goeldi). Evolucionistas sociais convictos, os cientistasdosmuseusaceitaramasdisposiesdostericosdasraas(Schwarcz,1993,p.93). Algunsintelectuaisdapocaacreditavamnobranqueamentocomonicasoluoparaa evoluo do pas, como Batista Lacerda. Com os anos 1930, cai por terra a idia corrente de que estudar a natureza das plantas no diz respeito aos seres humanos (idia disseminada nos crculos intelectuaisdosmuseus)eahumanidadedivididaemraasnosesustentavacientificamente. Ficaaconstataodequehaviaunidadenamultiplicidadedamiscigenaobrasileira (Ortiz,1985). Omomentoposteriorodeexaltaomiscigenaobrasileira,bandeiralevantada fortemente nos crculos de cultura, que culminam com a Semana de Arte Moderna em 1922, que buscavaunidadenamultiplicidadebrasileira.Eraumamostradeartedoscrculosintelectuais, mas fortemente influenciada pelas manifestaes de cultura popular, abertos a deglutir toda sorte deinfluncias(daautilizaodotermoantropofagiapelosmodernistas).MriodeAndrade, principalfiguradomovimento,afirma:oartistanodevesernemexclusivistanemunilateral (Andrade,1972,p.37).Villa-LobosfoiorepresentantedamsicanaSemanadeArteModerna, ainda que contasse com executantes como Guiomar Novaes e Ernani Braga, pianistas conhecidos portocarumrepertriomaistradicional(Wisnik,1977,p.76).Omovimentomodernistaeo prprioVilla-Loboseramconectadoscomastendnciasmusicaisdevanguardadapoca (Stravinsky, Debussy), mas tinham fortes componentes da cultura brasileira, ainda que Mrio de Andrade guardasse com reservas a imagem do ndio de casaca de Villa-Lobos, a quem parece se referir em seu Ensaio Sobre A Msica Brasileira: Si a gente como brasileiro s o excessivo caracterstico,cainumexotismoqueexticoatprans...(Andrade,1972,p.27,grifodo autor). 26 QuandoGetlioVargastomaopoderem1930,umprojetonacionalimpostocomo objetivo de fazer do carnaval carioca o grande smbolo da cultura popular (Guimares, 2007, p.3). No carnaval carioca, de ento, tocava-se samba, marcha, maxixe. S que o samba foi beneficiado graas inveno de um desfile (de escolas) de samba que passa a constar do calendrio oficial da prefeitura carioca a partir de 1935 (Vianna apud Guimares, 2007, p.2). Some-se a isso o fato da capital nacional ser no Rio de Janeiro; havia a coincidncia da msica tocada na capital do pas refletir-se como msica do pas inteiro, ainda mais numa situao onde quer se afirmar identidade culturalatodocusto.AdemaisnosedeveesquecerquenoRiodeJaneirohaviaumagrande conflunciadeclassessociaisquerefletiamnasreuniesnacasadeTiaCiata,umadasmuitas negrasbaianasquemigraramparaoRionasprimeirasdcadasdosculoXXeemcujacasa aconteceramclebresreunies,bailes,ondesetocavaumtipodemsicadiferenteemcada cmododesuacasa,separadosporbiombosdevassveis,quemaismostravamqueseparavam. Assim,osambaperpassouclassessociaisdiferentesefoiadotadopelaclassedominantebranca comolibideautenticidadenacional(Squeff&WisnikapudGuimares,2007,p.4).Eassim compositorescomoAryBarroso,IsmaelSilvaeNoelRosaajudamaamalgamarosambacomo patente nacional (Contier, 2001). Tempos mais tarde, no fim dos anos 1950, o samba vive uma crise que v na bossa nova como uma soluo de modernizao, em parte insuflada pela modernizao industrial proposta por Juscelino Kubitschek (Tinhoro, 1975, p.224). Assim, uma juventude de classe mdia da zona suldoRiodeJaneiroarticulaseuspassosrumomodernidadeatravsdabossanova.Comoa esperadaprosperidadenoocorre,natentativadefazerummeaculpa,passaaquererinterferir politicamente,atravsdoscrculosuniversitrios.Dispostosarecuperarotempoperdido,se esforam em reconhecer as classes sociais menos favorecidas e formam a UNE (Unio Nacional dos Estudantes) e, no mbito cultural, o CPC (Centro Popular de Cultura). 27 Com um discurso anti-americano, convivem com um dilema: seu background musical americano, como o caso do bossanovista Carlos Lyra (compositor do hino da UNE), que chega ao paradoxo de criticar uma influncia do jazz no samba em uma cano chamada Influncia do Jazz, que de forte acento jazzstico (Tinhoro, 1975, p. 230 e Contier, 2001). Como j foi dito no captulo anterior, o momento histrico so os tensos anos 1960 de ditadura militar que duraria aindamaisduasdcadas.Aosolhosdosartistasditosengajados,qualqueradesomsica estrangeiraeraconsideradoentreguismo(Arajo,2006).OTropicalismopodetersidoum choque e tanto, pois era impossvel descrever aquilo como legitimamente brasileiro ou estrangeiro apenas. Gostassem ou no o pessoal do CPC, este hibridismo acabou proporcionando a sada para amsicapopularbrasileiranadcadade70,noexatamentedemisturas,emboraelasainda houvessem como foi o caso da Black Rio, mas de tantas coisas to distintas uma da outra sendo chamada igualmente de MPB (Mello & Severiano, 1998, p. 187-189; Guimares, 2006). AccioTadeudePiedade,notextoBrazilianJazzandFrictionofMusicalities(2003), dissertasobrearelaotensaeparadoxalentreojazznorte-americanoeoBrazilianJazz (chamadopeloautordemsicainstrumentalbrasileira),queoautorconsideraumgnero musicalbrasileiroenoumsubgnerodojazz,numarelaoqueeledenominadefricode musicalidades,umconceitosimilarteoriadefricointertnicadeRobertoCardosode Oliveira,usadaparacapturarasrelaesdesiguaiseparadoxaisentrepopulaesindgenase brasileiras. O texto foi baseado em pesquisa etnogrfica feita atravs de entrevistas e jam sessions entre msicos de So Paulo. Num tempo de identidades culturais descentradas como as descritas por Stuart Hall, a anlise de Piedade acrescenta uma perspectiva diferenciada, ressaltando o fato dequedeterminadasingernciasculturaisnoocorremsemquehajaalgumtipodeconflito, diferentementedeumaideiapreconcebidadequens,brasileirosefacilmentecolonizveis, estaramosdebraosabertosatodaequalquerinfluncianorte-americana,porparadoxalque 28 parea a afirmao num contexto francamente favorvel ao colonizador (de um gnero que s pelonomeassociadoaosamericanos).Sobreafricodemusicalidades,convmlembrardo texto de Visconti (2010), em que A descrio da relao de amor e dio nos escritos de Garoto (Anbal Augusto Sardinha), feita durante a anlise de Jos Menezes, um achado, pois corrobora demaneiramuitofelizcomosescritosdePiedade(citadosposteriormenteemsuatese), sugerindo a hiptese de que os hibridismos na msica brasileira ocorrem por atrito muito antes do que os escritos modernos faam supor. E s pra finalizar o assunto frico de musicalidades, gostaria de reproduzir um pequenotrechodeentrevistaquefizcomoguitarristaHlioDelmiroquelanaalgumasquestes interessantes sobre o assunto: O que era o Garoto? Influncia inegvel do jazz (grifo do autor), o chorinho isso. Pixinguinha, a mesmacoisa.EufuiprodutordaClaraNunes,eporissoeuandeioRiodeJaneirointeiro, resgatando o trabalho dela, pra ela gravar o disco. Um dia eu me vejo na casa do Cartola (Agenor de Oliveira, 1908-1980), ouvindo ele cantando, e cantar e cantar e cantar, pra gente escolher msica, e oCartolameconfessaqueelegostavamuitodejazz,ouviamuito(grifodoautorparaenfatizara fala do entrevistado, que enfatizou o trecho em itlico) e quem ele preferia mais ouvir era a banda do Tommy Dorsey (risos)... engraado? Tu acha que essas coisas todas lindas [que ele fez] saem assim, caem do cu? Ento no h conflito(sic) (Delmiro, 2007). 4.2.1 Msica Popular Brasileira e academia Dentro da academia a msica popular sempre gozou de pouco prestgio, supostamente por serorientadocomopadroindustrial,musicalmenteredundantesehomogeneizadospor frmulasquebuscariamosucessoimediatoentreosconsumidores(Lucas,1992,p.5).Estas barreiras de sustentao da msica popular nos crculos escolares e acadmicos sustentam-se mais pelaideologiadeconfinaraformaomusicalaumtipoexclusivodeexpressomusical. Entretanto, o mercado de trabalho para estudantes e professores de msica abarca prticas que as universidadessevemobrigadasaaprender,conhecerconvenesmusicaisetecnolgicasda produodemsicaemmassa(jingles,msicapopular,trilhasonora)eparecemnodarconta (Lucas, 1992, p. 4). 29 Nadcadade1970aparecemosprimeiroscontornosacadmicosparafinalmente apareceremasprimeirasteses,artigoselivrosnadcadade1980,produzidosporespecialistas. Em1981criadooperidicoPopularMusic(CambridgeUniversityPress)eaIASPM (InternationalAssociationfortheStudyofPopularMusic).Desdeoinciodaproduo acadmicaadificuldadeasuperarnosestudosdemsicapopularadificuldadeemabordaros aspectosmusicaisemsi.Oquesevsotextosrelacionandomsica/sociedade,msica/poesia, msica/cultura, o que constitui um enfoque parcial do assunto, alm do foco estar demasiado na relaoletra-melodia,abandonandoosparmetrosderitmo,harmonia,arranjoinstrumental, emissovocaletimbrescomoparteessencialdotodochamadocano(Lucas,1992,p.8). Existetambmumaduracrticaamusicologiatradicional,pordesdenharasmsicaspopulares. Cabe ressaltar que, embora definir msica popular j foi amplamente discutido, a quase totalidade dosestudosereflexesfoicalcadoemcanes,sobvriasfeies,emuitopoucoemmsica instrumental.No Brasil, os estudos sobre msica popular ocorreram mais emprica e ocasionalmente do quecomoresultadodepesquisaacadmica.Entretantohmuitasmonografiasbaseadasno trabalhodecrticosmusicaiscomoJosRamosTinhoro,HermnioBellodeCarvalho,Srgio Cabraleoutros.Emvriosmomentoshistricosabordou-seamsicapopularpejorativamente. MriodeAndradeemAMsicaeaCanoPopularesnoBrasil(1936)serefereaelacomo popularesca,emoposiomsicapopular(dofolk)autntica(apudLucas,1992,p.10). Renato Almeida (1940), embora utilize o termo popularesca sem o carter pejorativo, opta por focarsuaspesquisasnamsicafolclricaporconsider-laportadoradevaloresculturais autnticos(apudLucas,1992,p.10).Assim,coubeaoscientistassociaisedeliteratura elaboraremotema.Entreospioneiros,ressalte-seospolmicostextosdeTinhoro,osensaios sobre a bossa nova, tropicalismo e Jovem Guarda durante a dcada de 1960 reunidos por Augusto 30 deCamposem1968,oslivrosdeOthonJambeiro(1975)eGilbertoVasconcelos(1977)eo estudo do poeta e literato Affonso Romano de SantAnna sobre os textos da MPB (1978)9. Emmeadosdadcadade1980,ocompositoreprofessordeliteraturaLuizTatit desenvolveuumaabordagemsemiticadacano,analisandomaisdecemexemplosdaMPB. Este pode ser considerado o primeiro trabalho consistente de anlise de msica popular no Brasil. Apesar de no contemplar aspectos scio-econmicos, amplia a anlise propondo que o arranjo e osrecursosdeestdiocontribuemparaaeficcianoprocessodecomunicaotexto-melodia (Lucas, 1992, p. 10-11). 4.2.2 Consideraes pessoais Daminharelaodealunodaacademiaemsicopopular,observoomovimentoe algumaanimosidadeentremsicoseprofessoresdediferentesgnerosmusicais,emuma faculdadequeconhecidaatualmentecomovoltadamsicapopularbrasileira,emborahaja muitos alunos (e professores) dentro da noo tradicional de academia, voltada msica erudita .Comunidadesmusicaisemgeralsoexcludentes,ouseja,umestilotendeaexcluirooutro, pormexistemindivduosquecostumamtransitarporvriascomunidadesmusicais,numa complexa trama social (Serafine apud Gomes, 2005, p.20). Acredito ser um exemplo deste tipo de indivduo, pois convivi desde os anos de formao com estilos totalmente diferentes como o soul(TimMaia),MPB(Simone),freejazz(OrquestraBrasileiradeGuitarras),jazztradicional (RioJazzOrchestra),heavymetal(GangrenaGasosa),pop(FelipeDylon),gruposdesambae orquestrasdebaile,almdeterestudadodiletantementeovioloerudito.Talvezestetipode 9 CAMPOS, Augusto de. Balano da Bossa. So Paulo: Perspectiva, 1968 JAMBEIRO, Othon. Cano de Massa. So Paulo: Pioneira, 1976. SANTANNA, Affoso Romano de. Msica Popular e Moderna Poesia Brasileira. Petrpolis: Vozes, 1978. VASCONCELLOS, Gilberto. Msica Popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro: Graal, 1977. 31 indivduodescritoporSerafineatuecomoumaespciededisseminadordamiscigenao musical to comum msica brasileira. Ao menos, o que minha histria profissionalfaz supor. 32 5. APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS Comoditoanteriormentenaintroduo,houvenapesquisadotemadestamonografia umaanlisededadosqualitativa,queconsistiaemselecionarumgrupodenotveisdaguitarra eltricanoBrasil,tantoosquetinhamidentificaoimediatacomamsicabrasileiracomoos que no tinham identificao aparente. De uma lista inicial de dez msicos, em grande parte por causadeindisponibilidadesporcompromissosprofissionais,conseguiu-seentrevistarcinco:Z Menezes,HeraldodoMonte,RobertinhodeRecife,AlexandreCarvalhoeVinciusRosa.A posteriori,foramadicionadasasentrevistascomToninhoHorta,RomeroLubamboeKiko Loureiro. A estes msicos foram feitas as mesmas perguntas: 1. A histria da MPB nos anos 60 foi pontuada pela tenso ideologia regional versus influncia norte-americana. Como voc lidou, desde sua formao, com tal tenso? 2. Como voc equilibra as duas influncias ? 3. O que identidade na msica brasileira? 4. Como voc falaria dessa identidade brasileira na guitarra eltrica ? Aprimeirapergunta,comoeradeseesperar,teverespostasmuitodiferentesentreos entrevistados, j que estamos falando de geraes e estilos de guitarristas muito diferentes entre si,emuitosdelesnotmrelaocomatensoideolgicacitadanapergunta.ZMenezes, 33 multi-instrumentistaeumdospioneirosdaguitarraeltricanoBrasil,evocaumdado interessante que a escassez de arranjos feitos por brasileiros. Eu na verdade acompanhei o Orlando Silva l no Cear e naquele tempo eu j tocava violo tenor. Tocavaviolotenor,tocavaviolo,fuidiretordoregionalldardioPR69ldeFortaleza...E quandoeuvim,euvimcontratadodaRdioMayrinkVeigaprasubstituiroGaroto,quetinha sadopraRdioNacional(...)NaqueletempoquandoeuchegueinoRiodeJaneiro...Anica pessoaquetocavaaqueletipodeviolo,quechamavamdevioloeltrico,eraPereiraFilho(...) Eu vim do cinema mudo, eu trabalhei ... No existia arranjador no Brasil, a gente s tocava arranjo americano (...) E naquela poca, nos anos 40, eu tocava banjo na banda, nem era usado guitarra no Brasil, na Amrica j usava uma guitarra como base. E o Garoto teve com a Carmem Miranda nos EUA e quando ele chegou ele foi um dos que incentivou usar a guitarra como instrumento de base (...) (Menezes, 2007). Heraldo do Monte respondeu as perguntas por e-mail ; da as respostas mais sucintas. Eleevoca suas razes nordestinas em contraste com o jazz e a bossa nova. Antes do Quarteto Novo, nos anos 60,eu tocava mais jazz e bossa nova, os estilos requisitados nas casas noturnas "classudas" da poca. Durante o trabalho com o Quarteto, houve uma atitude, uma deliberaodecriarumalinguagemdeimprovisaobaseadanamsicaqueosvioleiros nordestinos e bandas de pife (flautas de madeira) tocavam no serto.Acho que Hermeto Pascoal, Theo de Barros, Airto Moreira e eu, conseguimos (Monte, 2007). Robertinho de Recife parece ter vivido a tenso das ideologias como o inimigo ideolgico asercombatido,nuncaseenvolveucomconflitosinternos.Emvriosmomentosdesua entrevistaelechamouaatenosobreapatrulhaideolgicadapoca.Jsuaspreferncias musicais so bastante claras. Euvimdaquelagerao:AlceuValena,GeraldoAzevedo...Nstnhamosumtrabalho.Eele (Alceu)setornouumexpoentedaguitarranordestina,nasmsicasdele,temaquelacoisa.Mas quandoeutocavacomele,eleerapreconceituosoarespeitodisso.Porqu?Porquetinhauma crtica de no, guitarra... Principalmente porque eu venho de Pernambuco, Pernambuco o lugar maiscomunistadoBrasil.Entoaculturaamericanaera,no,americanoisso.ramos socialistas (...) Ento eu sei bem falar sobre isso, eu sei bem como que a cabecinha que a gente ficacompreconceito,tipoassim,eusouFlamengoeorestonoexiste,entendeu?Calma. Futebol uma coisa muito mais ampla, ento msica uma coisa muito mais ampla, cultura uma coisamuitomaisampla,dequechegaredizerqueuminstrumentoassimouassado.Porquea forma de tocar o instrumento, a que t o diferencial, aquilo que se torna...(...) A situao que mefezcomearatocarfoiquandoeufuiatropelado,fiqueioitomesesdeitadonumacama,sem nadaprafazereviBeatlesnateleviso.EoquemesurpreendeunofoiBeatles,emborasejaf deles. Foi a guitarra, o som daquele instrumento alucinante. Ento.. Fiquei alucinado com aquilo, faleieuqueroessenegcioaqueelestotocando,eunoqueroodiscodeles,euqueroesse negcioa(risos).Eeunotocava.Etodomundodiziano,voctemqueaprenderoviolo antes, no, eu quero aprender a tocar guitarra. S que ningum quis me ensinar, as pessoas que tocavam violo no queriam me ensinar, porque eu tinha o dedo pequeno, eles diziam que eu no tinha entonao , que no tinha ritmo, cantava parabns pra voc desafinado e fora do tempo. Eu souumaprovadequeessahistriadedom,noseiqu..meiohistriamitolgica,entendeu? (Robertinho de Recife, 2007, grifos nossos). 34 AlexandreCarvalho,guitarristareconhecidonacomunidademusicaljazzsticacarioca, surpreendeu ao falar de seu comeo no choro. Eu comecei tocando chorinho em 79, com um grupo de chorinho l da Tijuca. Mas o meu ouvido harmnico comeou naturalmente a abrir, o chorinho s no era bastante. Comecei a ouvir outras coisascomharmoniasmaiscomplexas,bossanova,jazz..Aentreipelaveiadojazz,acabei virando um guitarrista de jazz. Tocava violo de 6. Mas tinha umas msicas desse grupo da Tijuca queeramaisbossanova.Eraumaharmoniaquemeagradavamaisqueaquelacoisatridica, clssico-romnticadochoro...Quemuitolegal,mas..Sentiafalta.Algumacoisanomeu inconsciente, talvez porque meu pai ouvia muito jazz quando eu era moleque, sentia falta de uma harmoniamaiscomplexa.Comeceiamefascinarpelosimprovisosdejazz,quesomuito profundos melodicamente (...) (Carvalho, 2007) ToninhoHorta,umguitarristaconhecidopela riquezaharmnica de suas composies e seutrabalhodiferenciadocomosacordesnovioloeguitarra,tambmcitaojazzcomo influnciadebase,semesquecer-sedasmanifestaesculturaistpicasdeseuestado,Minas Gerais. Ouo musica americana, brasileira , de todos os estilos desde criana, sendo que o jazz e musicais americanos descobri por volta de 8, 10 anos de idade. Quando comecei a me entender por gente, nemquestionavanada;ouviaoqueeugostava,tiravadosdiscosoquequeriadeacordese inspirao. Ate hoje sou f da musica americana e dos artistas tradicionais e contemporneos dojazzepop.PoroutroladoouviaasfestasdecongadoemBH,Minasetudoquepassavapela frente,depoisosamba-cano,abossanova,semprefuimusicodesentiremeexpressar naturalmentedoqueestudarfrmulasecoisaschatasdeescolasdemusica(risos)(sic)(Horta, 2008) Vincius Rosa, um guitarrista ligado comunidade musical pop-rock e um instrumentista muitorequisitadoporartistasdoestilo,rememorouatensodeideologiasmusicaiscomoum assuntodomsticosempesopoltico,jqueestavabastantedistantedodebateideolgicodos anos 1960 (ele aprendeu a tocar durante os anos 1980): Quandoeucrieiuminteresseporguitarraeueramuitomoleque...Foinaquelahoraqueminha memedeuumaguitarra(...)com9pra10anos.EugostavadoBaroVermelho,Paralamas...Era em 83, era o incio ainda desses caras, n,eu lembro que[ainda] tinha a Blitz. E eu gostava daquiloali,etinhaguitarraeeuachavauminstrumentomaneiroetal.Issofoiaprimeiracoisa. Mas a eu tambm quando comecei a ter aula de guitarra, conheci o Rmulo10 (...) Eu me lembro, eu era muito moleque e ele j botava o Robben Ford, o Jeff Beck, os caras... Grandes (...) Naquela 10Rmulo Thompson, professor de guitarra de muitos instrumentistas que se tornariam conhecidos no Rio de Janeiro como o prprio Vincius, Bernardo Bosisio, Max Vianna, Srgio Morel e outros 35 pocaeudetestavamsicabrasileira.Pelomenoseuachava,assim,oqueeupensavademsica brasileira,aquelacoisadocaratocandoumviolo,doCaetano...Euodiavaaquilo.Equandoa gente criana a imagem influencia pra caramba, eu no gostava daquilo. Mas ao mesmo tempo minhameemeuirmosempreescutaramChicoBuarqueeeusempreadorava,melembroda peradoMalandrotocavaemcasa(sic)euadoravaaquilo.Entoomeuproblemaerado instrumento, a imagem daquele cara tocando no banquinho voz e violo eu odiava. Hoje em dia eu acho at isso engraado porque hoje em dia eu toco direto,acho que de uns 10 anos pra c, 15 anos pra c, eu venho tocado mais as coisas que no incio eu abominava (risos) do que as coisas que eu sempre gostei (Rosa, 2007). Romero Lubambo, guitarrista e violonista brasileiro radicado h muitos anos nos Estados Unidos, traz uma interessante considerao sobre pensar vrios estilos como uma coisa s. Euachoqueeupensoemmsicacomoumacoisas,sabe?Domesmojeitoqueeumoronesse planeta,eusoucaraqueexistoaqui[nosEstadosUnidos],euexistonaFrana,noBrasil,no Japo...Eu no gosto de label anything [rotular tudo], no gosto de botar rtulo nas coisas; porque aquinosEstadosUnidosmuitorotulado,tudo,n?Quequevoctoca,quetipodemsica voctoca?...Eutocomsica,eutocoguitarra!Ento,ojeitoqueeucomecei,fuicriadoevia msica,eunoseparavamuito.Pramim,eusempregosteiprincipalmentedetrscoisas:msica brasileira,msicaclssicaeojazzamericano.Ento,pramim,eucomeceiatocarastrscoisas como se fossem uma coisa s dentro de mim, e at hoje eu acho isso, entendeu? Ento, eu pego a guitarra eltrica e toco bossa nova e pego o violo e toco jazz ou funk, entendeu? [] Eu preferi no ver esses rtulos. O primeiro instrumento que eu ganhei, quando eu tinha 13 anos de idade, em termosdeguitarra,foiumacpiadaStratocaster,queaguitarramaisfamosaderock'n'roll americana.Entoeucomeceiatocartudoqueeutocavanaqueleinstrumento,eutocavaJobim... At msica clssica eu tocava naquela guitarra (risos). Eu uso muito o violo de uma maneira que aspessoasnofazemmuitoaqui[nosEstadosUnidos],eutocojazz,bebop...(sic)(Lubambo, 2008). KikoLoureiro,guitarristadabandadeheavymetalAngra,muitoconhecidanoBrasil, Japo e diversos pases da Europa, diz no ter vivido esta tenso. Eunosoudessageraoqueviveuessatensogrande,queteveatpasseatacontraa guitarra...EssageraodosMutantes,dagaleraquetavatocandonocomeodosanos60,seeu no estiver errado...Eu comecei a estudar guitarra com 14 anos, isso foi em 86. Teve o Rock In Rio em 85, quer dizer, eu j tava ouvindo rock, mas tava estudando violo com professor aqui em casa, musiquinha de acordes, revistinha de banca, que era o que rolava pra caramba na poca, no tinha internet, ou muitos livros...E a o caminho era cair naquelas partituras do Trrega, Carulli, aquela onda, n, de msica erudita. S que a comecei a ouvir rock, depois teve o Rock In Rio[...]O que pegava no Brasil era as bandas tipo Paralamas, Lulu Santos, a Blitz, todas bandas tinham solos de guitarrasetinhamgrandesguitarristas,oHerbertVianna,oBaroVermelho,oLobotinhao [Marcelo] Sussekind...No vivi esse preconceito (Loureiro, 2008). O que se percebe nas repostas , primeira pergunta que todos, seja por afinidade ou por obrigao profissional, lidaram com msica americana. O dado de Z Menezes sobre a escassez dearranjosfeitosporbrasileirosdemonstraqueamsicaestrangeiratinhaimpactona comunidadeouvintedemsicadesuapoca.Amsicaestrangeiraeraumarealidade,eos reflexosincontestesdelasodemonstradosemseushibridismoscomosamba,fosseobolero 36 (samba-cano),ojazz(bossanova)eatmuitotempodepoisorock(samba-rock,gneroque tornou Jorge Ben e outros conhecidos). Sobre a segunda pergunta, seja pelas vicissitudes da vida profissional ou pela habilidade aparentemente natural do brasileiro de mesclar influncias culturais, todos os entrevistados lidam athojecommsicabrasileiraeamericana,oqueparecejustificaraescolhadosentrevistados nesta amostra de guitarristas brasileiros. Z Menezes : EueramsicocontratadodaCBS,eutocavacomaquelepessoaltodo,inclusiveosprimeiros discos do... Roberto Carlos, essa gente toda (...) Voc imagine, eu comecei com 9 anos de idade, toqueiemcirco,toqueiemcinemamudo,toqueiembandademsica..Eagentevaimudando comotempoeascoisasvoacontecendoevoccomoprofissionalvaiterque..(ir) assimilando...Vocescuta,vocimagine,eutoqueinanoite,toqueiemboate,toqueiemcassino. Na poca de cassino a gente tocava mais msica americana. Ento , por exemplo se voc quisesse fazerumbailedehojepraamanhestocarmsicaamericanatradicionaleuseitudo,quer dizer..Euconheoessasmsicastodas.Eagentevaiseadaptando.Masagentenopode desprezaroespritodanossamsica,donossogneroVocimagine,eutenhoumaquantidade enormedechoros(...)Massobreoquevocmefalouarespeitodagenteirseadaptandonum estudo diferente, o profissional tem que realmente procurar fazer de tudo (Menezes, 2007). Heraldo do Monte respondeu segunda pergunta com base na sua resposta da primeira: Hoje aquela linguagem no mais uma 'obrigao', mas uma ferramenta que foi acrescentada. Hoje,tocodeacordocomoprojetoartsticoemqueestouenvolvidonomomento11.(Monte, 2007). RobertinhodeReciferessaltouodiferencialculturaldeserbrasileiroemumacultura estranha sua: Quando eu fui l pra fora eu comecei a pensar e ver.. Que as pessoas viam em mim um diferencial terrvel,mesmoquandoeutocavarock.Bicho,essecaradeonde...?Eelesnoacreditavam que eu era brasileiro, porque pros americanos eles achavam que aqui era s Amaznia, Brasil era Amaznia, era ndio, ento como que um ndio toca guitarra? Como que voc conseguiu uma guitarra l, se l selva? Onde que voc liga (risos)? A que t o barato (sic). A que entra a cultura.Noimportaoinstrumento.Temumahistriaqueeuleveiunsamericanospracomprar, foidaqueeufizumamsicachamadaElefante(...)Umamigocomprouumaesculturadeum elefante l na feira de Caruaru e ele foi perguntar ao escultor, uma cara rude, artista nato (...) A eu perguntei pra ele Olha, ele vai comprar seu elefante mas ele quer saber que tcnica voc usou. Aelepegouumafaquinha,memostrouedisseassim:olha,eunouseitcnicano,useiisso aqui(risos).Fiqueiolhandoprumtocodepau,tudoquenoeraelefanteeufuitirando(sic). Quando eu pego a guitarra igual, tudo que no elefante eu vou tirando (gargalhadas), como se fosse um toco de pau pra mim. Essa a tcnica (Robertinho de Recife, 2007). Alexandre Carvalho pensa em influncias brasileiras na sua msica como algo natural : 11Heraldo tocou com artistas de gneros musicais muito diferentes entre si, de Paulo Moura e Arthur Moreira Lima at Waldick Soriano e Lindomar Castilho (Hepner &Ruschel, 1998, p.41) 37 Eumeconsiderouniversalista.Minhascomposiestmumagrandeinflunciadejazz,de improvisao,demsicaerudita,principalmentedeRavelatStravinsky,algunsmomentosde msica serial12... Mas.. Quem ouve, sente uma coisa brasileira mas nas entrelinhas, eu no coloco nadabrasileiropoliticamentecorreto,obrigatoriamente,natural(...)Eunoparoprapensar, eu sou brasileiro, eu tenho que tocar coisa brasileira, como eu j vi uma composio defusion, com guitarra distorcida, que no tem nada a haver com msica brasileira, mas bota um tamborim ali s pra justificar... Isso me soa gratuito (Carvalho, 2007). Toninho Horta chamou ateno para o seu ecletismo: Notenhomedida...Afrmuladobomgosto...Hojeminhamsicauniversal,comrazes brasileiras e mineiras, com influncia do jazz, do pop e das culturas internacionais. Porm tudo questodeoportunidade,sevocconvidadopratocarnumgrupodebossanova,vocsfaz aquilo; numa banda de jazz, a mesma coisa, com algumas variantes...Mas se voc tocar baile, tem quetocardetudo.Apreciotodasasvertentesmusicaiseprocuroabsorveroquemaismeagrada em cada uma delas (Horta,2008) VinciusRosaressaltouopesodasprimeirasinflunciasmusicaisseperpetuandopor toda a trajetria artstica do indivduo: Euachoqueoincio,oqueteleva,n,aqueleimpulsoassim,fundamentalproquevocvai acabar sendo. Mas eu acho tambm que voc pode tambm depois...Por exemplo , conheo alguns msicosdejazz,queescutaramissodesdeoincio,eelessobonspracaracamesmo.Eeus posso acreditar que eles bons desse jeito porque aquilo muito natural pra eles, entendeu? Mas eu tambmnopossoacreditarqueah,entoessescarasnuncavotocartango,porexemplo,no d pra ser assim tambm, n? Eu at acho que os caras do samba tocam assim porque fazem isso desde que nasceram, mas.. Voc adequa tambm, eu acredito..O cara no vai ser igual...Sei l, vai tocaraqueleviolocomosotaqueigualzinhoaoqueoGilbertoGiltoca,masvaitocarbem,vai serlegal.Hojeemdiaeuescutomuitomaisissodoqueemqualquerpoca,euacho...Euacho legal (Rosa, 2007). RomeroLubambo,porcontadarespostadaprimeirapergunta,acabounovendo necessidadeemresponderasegunda,porcontadesuaconcepodepensartudodemaneira fundida.KikoLoureiroatribuiaseuspaisamotivaoinicialpelointeresseemmsica brasileira, acrescida de um vizinho ilustre: Achoqueosmeuspais,eospaisdopessoaldaminhageraoforammuitoinfluenciadospela coisadosfestivais.Eucomeceiaestudarvioloouvindofalar_noquemeuspaisfossem msicos,noeram_queobomeraoChicoBuarque,oqueerabomeraoCaetano,sabe?Era aquela coisa: se voc tocar bem, voc vai t tocando a msica desses caras, do Edu Lobo, sei l, de tantos outros.[...] Ento eu sempre tinha isso na minha cabea, aquele era o mximo, entendeu? Noeraoflamenco,noeraoPacodeLucia,queatouviaquandoeueramoleque...Depoiseu descobri a guitarra e comecei a ouvir os guitarristas de rock, que o que eu te falei de 85 do Rock 12 Alexandre Carvalho h alguns anos tem se dedicado composio erudita (ele formado em composio e tem o mestrado em composio pela UFRJ), numa ramificao com influncias jazzsticas denominada third stream. 38 InRio,Whitesnake,Ozzy,IronMaiden,Scorpions,tudocomgrandeguitarristasderock,todos. Depoisnomeiodosanos80,(Joe)Satriani,SteveVai,aquelescarasvirtuoses,quefoioque realmentemepegou.Maseusempretivenaminhacabeaqueeuprecisavatocarmsica brasileira, porque aquilo que ia me tornar um msico de verdade. Alguma coisa me dizia aquilo. E desde moleque eu morava no prdio do Tom Z. E eu tinha uma certa amizade com ele, achava legal aquilo de bater papo no elevador e ter os discos do cara em casa[] (Loureiro, 2008) Chama a ateno nas respostas segunda pergunta como a primeira e a ltima gerao de guitarristasentrevistados(respectivamente,ZMenezeseVincius)falamsobreomesmo assunto: o contato com gneros musicais distintas aos de sua formao, como uma forma de no estagnarosconhecimentosmusicais.OuniversalismodeAlexandreCarvalhoumreflexo destamesmaexposioadiferentesculturasmusicais,umavariantemusicaldatoconhecida miscigenao cultural dos brasileiros (Ortiz, 1985 e Schwarcz, 1993). Sobreaterceirapergunta,ZMenezescitouofrevoeochorocomomsicasdegrande identidadebrasileiraedecartertcnico.HeraldodoMonterespondeuaestaperguntase remetendo aos questionamentos naturais de um msico em busca de sua identidade musical:Aidentidadenoumdrama,comomuitagenteteme.Temfrasesqueagentegosta, outras no, articulaes que so mais fceis para a gente, coisas que a gente descobre sozinho em casa...Fatalmente, isto tudo vai dar na tal identidade!(Monte, 2007). RobertinhodeRecifechamouaatenoparaumaidentidadebrasileiramuitoalmda estereotipada: Comonegofalaassim,ah,porqueosamba,noosamba,nooestiloquebrasileiro, quembrasileirosomosnsquecompomosascoisas!Noottulo,seamsicabaio,samba, noseiqu_osambaveiodafrica,osambanobrasileiro!Abossanova...Veiodojazz. Porqueantesasmsicasderaiz,dosbrasileirosanterioresatodoopessoal,JooGilberto,do ChicoBuarque...Notdizendoissoqueeunosejafdamsicabrasileira...Maseuachoque preconceitos parte, seno voc comea a excluir muitas coisas que so nossas. Por qu ? Porque quemcriamsicabrasileirasoosbrasileiros.EntoquemtocarocknoBrasil,umbrasileiro fazendo um rock brasileiro. Tanto que temos um sotaque diferente (...) Ento o rock feito pela Rita Leenobrasileiro?brasileiro.OrockdoBaroVermelhobrasileiro.OrockdoSepultura no brasileiro? brasileiro. Mesmo os brasileiros tocando msica clssica tm um outro sabor . EutiveaoportunidadedeconversarcommaestroscomoGeorgeMartin,quandoregeuuma orquestra brasileira e ele achava legal aqui os msicos daqui terem suingue, ele dizia [imitando o sotaque] tudo aqui vira meio samba (risos) (sic) (Robertinho de Recife, 2007, grifo nosso) . 39 AlexandreCarvalhoacabounorespondendoterceirapergunta,talvezporterfalado extensamentesobreguitarrabrasileira,comoseverposteriormente.ToninhoHortarespondeu de maneira quase ufanista: As razes do samba e do choro, a caracterstica inventiva e original da msica de Minas Gerais, a poesia de(Dorival) Caymmi, os versos de Vincius (de Moraes)_ so tantos os talentos e vertentes musicaisqueprefirodizerque,dequalquerpartedestepasvoctemumsommusical caractersticocapazderepresentaroBrasilemqualquerpartedomundo,comoriginalidadee expresso (Horta, 2008). Romero Lubambo atenta para questes muito intrnsecas da cultura, um sotaque: Eu acho que a identidade aquele sotaque que sempre vem quando o brasileiro t fazendo msica, n?Euvivoaquih23anosnestepas[osEstadosUnidos],tocomsicaaquih23anosefalo ingls h 23 anos, mas no s na na lngua americana (sic) eu vou ter sempre um sotaque falando, como vou ter um sotaque tocando_ porque eu fui criado a no Rio de Janeiro, e fui criado com essa msicada,essamsicapertenceaomeuser.Ento,essesotaquequeeuapresentotocando qualquertipodecoisaumaidentidade,queeuachomuitoimportante,porquefazvocser diferente, faz voc ser nico, aqui ou em qualquer parte do mundo. Ento a identidade da msica brasileira aquela coisa que vem com aquele peso da raiz, da cultura brasileira (Lubambo, 2008). KikoLoureiroreforouumequilbriodecomplexidadeeacessibilidadenamsica brasileira: ,amsicabrasileira,quantomaisseestuda,maissedescobrequeelatemessaidentidade.E aindamaiseuqueviajeimuito,n,pramuitospasesdiferentes,muitasculturasdiferentes...E realmenteexisteaformabrasileiradetocar,edecompor,ela...Eunovoufalarqueamais ricaqueparecequeagentepuxasacopronossoladoetal...Harmonicamentee melodicamente,umadasmaisricasecomplexasqueexiste...Voctemumeruditismomuito fortej dentro da msica popular, quer dizer, as pessoas cantam e danam msicasque so muito ricas meldica e harmonicamente, como um Chico Buarque, por exemplo. Porque se voc cai no jazznorte-americano,elemenospalatvel,elesevoluram,evoluram,ecainoJohnColtrane, porexemplo,asmsicasdelejcomeamaentrarnumacoisaconfusa...Ningumvaicantare danar e tal. um cone nacional, mas no como os nossos, que conseguiram misturar o popular eoerudito[...]Achoqueaverdadeiraidentidademusicalbrasileiratnessaformadepegaressa complexidademusicaledeixarelaumacoisaboadeouvir,eoBrasilinteiroconseguir cantar...(Loureiro, 2008) VinciusRosa,aexemplodeRobertinhodeRecife,relembraaorigemdecertos instrumentos tpicos da msica brasileira, como que questionando a originalidade absoluta da msica brasileira: Oquegenuinamentebrasileiromesmo,p,achodifcildedizer,n?...Brasileiro mesmo..Assim,acoisaqueeuassociodemsicabrasileira,altimacoisaqueapareceudeveter 40 sido a bossa nova. De l pra c no teve nada assim.. Apesar da bossa nova tambm ter influncia pracarambadestandardsdejazz,bvioquetem.Mastemumacoisatambmnovaali.Antes disso,oscaras,[como]Cartola...essescarastodoserambrazucapracaramba.Maseutambm nosei...Porexemplo..Villa-Lobos,n?...Lgico..Maseutambmnoestudeihistriada msica,assim,aquelacoisacronolgicapradizeraondequeminfluenciouoque..Hojetemuma caraprajurardepjuntoquepandeirouminstrumentoafricano,umbaiano,falandoqueo pandeiro no foi inventado no Brasil, que a cara do Brasil,n? P, pandeiro, n, coisa de samba. E o cara jura de p junto que no.Um instrumento que depois mudou.O pandeiro que hoje a gente chamadepandeiro...Jnomaisaqueleinstrumentoqueveiodafrica(...)MasoBrasil grande pra caramba, eu moro no Rio de Janeiro mas, por exemplo, quem mora em Minas sabe que amsicamineiraumamisturadacoisabrasileiramesmocomalgumascoisasinglesas,n?Os grandesclssicosdamsicamineiravocvnitidamenteainflunciadeBeatlesmascoma harmonia mais complexa. O resultado disso eu acho que nico tambm, voc no vai escutar um cara em Londres fazendo uma msica, sei l, como Travessia (risos), no vai ter, ento no d pradizerqueaquilotambmgringo,euachoqueamisturaquevaiaolongodotempose transformando... (sic) (Rosa, 2007). Chamaaatenonasrespostasterceiraperguntaanegaoveementedasuposta originalidade musical brasileira, uma recusa a no esquecer das influncias estrangeiras, nas falas deRobertinhoeVincius,doismsicosdegrandecirculaonacomunidademusicaldepop-rock. Naquartaperguntamuitosresponderamutilizandoinstrumentistascomoumconede identificao da guitarra com a msica brasileira, com uma nica exceo. Z Menezes cita a si mesmo como smbolo de identidade brasileira na guitarra, fato corroborado anos mais tarde pelo trabalho acadmico de Visconti (2010). Olha,existeumapronnciabemdiferentenoestilodaguitarrabrasileiraeaguitarraamericana (...)Eudou uma demonstrao dissonesseCdque euacabei de fazer,um Cd degafieira carioca dos Anos 50, onde os temas so feitos e depois cada msico faz o seu solo ad libitum e que o meu solo de guitarra eu t exatamente fazendo como a guitarra brasileira tem que se comportar dentro de um tema, sem ele interferir na linguagem americana. Fazer a guitarra brasileira diferente. (...) um estilo jazzstico mas no ... As frases tm que ser bem diferente do linguajar americano (...) Comoeutavatedizendo,alinguagemdamaneiradetocaraguitarrabrasileira,existempoucos guitarristas que fazem esse tipo de coisa. Eu , modstia a parte , fui muito procurado pra fazer esse tipo de coisa. (Menezes, 2007). Heraldo do monte se limitou a responder (Mais ou menos respondida acima.), ou seja, repita-se aqui o que eu disse na resposta da pergunta anterior, o que significaria que para ele a identidadebrasileiranaguitarraseriafrutodereflexesmusicaisnaturaisqueamadureceriam com a trajetria musical do indivduo. 41 RobertinhodeRecifefalousobreosinstrumentistas-cone,mastambmdosqueno estariam ligados a uma tradio que ele chama de folclrica: Levando em conta todos esses conceitos que gente falou anteriormente, a guitarra brasileira a de um brasileiro tocando. Tem gente que tem at, pras pessoas, uma caracterstica mais brasileira, por exemplo..Que...Superinteressante.Porexemplo,oPepeu[Gomes],oPepeuuma pessoa...Mas..Deumcertomodo,eunoguentomaisvereletocarBrasileirinho,entendeu? (risos) Nem Tico-Tico no Fub, s pra poder carregar aquela coisa brasileira... Embora ele tenha umaobramaravilhosa,fuiprodutordeumdiscodele,tiveesseprazer.OArmandinhouma pessoatambmqueeuadmirobastante.TemoHeraldodoMonte,oLannyGordin,tem...Tem outras pessoas que tm um trabalho super brasileiro mas no aquele brasileiro folclrico. Pra mimfolcloretudoquevclevantaumabandeira,assim,nacionalista.Ah,eufaonewbossa nova, ele t fazendo folclore, entendeu? (...) Mas tem pessoas como o Lulu Santos, por exemplo, tem uma guitarra brasileirssima. Embora pra muita gente [fala com um tom esnobe] ah, o Lulu pop...Avemaquelahistriadaspalavras,sabe?Voucitaroutroscaras:HerbertVianna_tem uma guitarra brasileira.[fala da mesma maneira novamente] Ah, mas ele no imita aquele cara do Police?...Bicho,tomarcomopontodepartidaelepodetertomado,masdepoiseleusouaquilo liquidificou,juntouosanguedele,saiumesclado,saiuumfilhocomoutroDNA.Notnem aquidiscutindotcnica,essascoisas,tdiscutindoumresultadofinal...Porquesevocficar pensandoqueaguitarrabrasileiraslimitarquemficatocandochorinhoefrevonaguitarra_ Bicho,limitou,acabou,destruiu!Fechouasportaspraaconteceralgumacoisa.Primeiroque.. isso que faz s vezes_ s vezes no, na maioria das vezes_ os meios de comunicao fecharem as portas (sic) (Robertinho de Recife, 2007). Alexandre Carvalho, apesar de ter citado os guitarristas cone, se posicionou de maneira um pouco diferente de Robertinho de Recife: Identidade brasileira na guitarra... Eu acho que o Toninho Horta um cara que comeou isso, um dosquecomearamisso.Sabeporqu?Porque...OcaraquetocaguitarramastocaBeatlesno Brasil,elenotexatamentecontribuindopraidentidadebrasileiranaguitarra.Issoacontecena dcadade60.Achoquequandocomeouasecriarumaidentidadequandocomeouaseusara guitarranamsicabrasileira.ApodefalardoZMenezes,ChiquitoBraga,HlioCapucci...Eu achoquevocpoderiafazerumapesquisainteressante,pegarosprimeirosdiscosdeMPBever onde tem guitarra eltrica (...) Teria uma boa pesquisa pra fazer, eu acho. Analisar qual era o papel daguitarranessesdiscos.Atchegarnosguitarristasdosanos80,RicardoSilveira,Victor Biglione...Ah,temtambmoRobertinhodeRecife,quegravoudiscosdefrevo.Fredera...Tm muitos. Eu no me considero um guitarrista de MPB, gravei s uns discos do Joo Bosco... Acho quesoumaisumguitarristadejazz.Temumtrabalhinhopruns40anosdepesquisaa(sic) (Carvalho, 2007). ToninhoHortarespondeuoseguinte:DesdeJooPernambuco,passandopor Dilermando Reis, Garoto, Baden, a histria da guitarra nacional maravilhosa, teve crescimentos naharmoniaaopassardosanos(sic),mascadaviolonista/intrprete/compositortevesua contribuio essencial na histria da msica brasileira (sic) (Horta, 2008). 42 Romero Lubambo, mais do que rememorar msicos que identificassem o estilo brasileiro de tocar, atentou para caractersticas estruturais: Isso a vem fcil, n, porque tiveram muitos msicos, o Alemo [Olmir Stocker], muitos msicos que fizeram msica brasileira com a guitarra eltrica; gente [l do Nordeste] tocando baio, afox, mastocandocomessaidentidadebrasileira,quediferente...Nofinaldascontas,soabem diferentedoqueelesfariamaqui.Quandoelesouvemaquielesdizempoxa,queinteressante, porquediferente.[...]Mesmoeutocandojazz,muitascoisaseufaopensandoembaio, pensando num samba e sai o fraseado diferente, e com a guitarra eltrica isso com certeza vai soar diferente...Temunsinstrumentistasqueeupresteimaisateno,n,oHlioDelmiro,oToninho Horta,oAlemo,eoutraspessoasfizerampartedaminhavidanoincio,quandoeumoravano Brasil.Hojeemdiatemmuitomaisinstrumentistasfazendomuitacoisaboa,oChicoPinheiro umcaraqueeugostomuitoagora,mas...Sempreteveumguitarristaeltricobrasileirofazendo msicabrasileira,GilbertoGilsempretevecoisadeguitarra_sempretem,n?Nosfrevoslde Recifesempretemguitarristas,masusadocomumsotaquebrasileiro,quelegal,n,usandoos ritmos...Afraseologiadiferente,n?Agentetocacomfraseologiadiferentedocaraquetoca bebop aqui, do cara que vai pra Berklee [e fica] cinco anos (sic) (Lubambo, 2008). KikoLoureiro,aomesmotempoquenoconsideraosguitarristasbrasileirosderock como brasileiros (ao contrrio de Robertinho de Recife), acaba propondo uma abordagem para a guitarra pouco comum, mas inegavelmente brasileira: Aguitarracomadistoroeladumalimitada,n?Ograndelancedamsicabrasileirafazer essasharmonias,essescontrapontosqueexistemdentrodosacordes,etal,aquelasvozes caminhando...Queocarapodeenriquecerprincipalmentenoviolo,desdeoTomJobim,Edu Lobo, Guinga, que t fazendo isso super bem, Marcus Tardelli, um fenmeno do violo atual... Na guitarra com distoro limita, n, fica complicado de tocar dissonncia com distoro. Mas, ainda assim,possvel.Entovocvaitentandodealgumaformatrazerumpoucodaquelas dissonnciaspraguitarra.Asmelodiaslatinasebrasileirasemgeralsosemprebem melanclicas, cheia de cromatismos, de uma forma diferente do cromatismo do jazz, por exemplo, com notas dissonantes que tambm no so as dissonncias da msica flamenca, da msica moura erabe.deoutraaqueladissonnciaqueveiodeDebussy,osimpressionistas,eVilla-Lobos colocou e foi ficando na nossa msica. Isso possvel, na guitarra de alguma forma,colocar esse lirismo,essamelancolia.Equandofaladeguitarra,agentepodefalardeguitarracomesem distoro.[nocasodaguitarradistorcida]Aeunovejomuitocarafazendoisso,porquevoc temosroqueiros,oBaroVermelho,o[Lus]Carlini,grandesguitarristas,masoscarasso roqueiros. []Eu gravei um disco, o Universo Inverso, que eu tentei fazer alguma assim, que a gentenovmuito,queaguitarracomdistoroquetenhaumapegadaroqueiramesmo,de bend,vibrato,alavancada,todasastcnicasquevmdorockestrangeiro,mastocandoessetipo demelodia,harmonia,essalinguagem,osotaque,oritmo[...].Nomeucasoeuestudeitanto guitarrarockcomomsicabrasileira,entoeumesintovontadepratentarisso...(Loureiro, 2008). . VinciusRosarelutouemadmitirumaidentidadebrasileiraaoinstrumento,atribuindo esta identidade msica: 43 Identidade brasileira na guitarra difcil, eu no sei... Porque a guitarra j chegou... Primeiro que a guitarra,p,uminstrumento.Acoisamaisantigadaguitarraqueeuimaginonoumacoisa brasileira (risos), uma coisa gringa.Mas eu acho que j t aqui h tanto tempo tambm que tem uma[identificao]...Eunoseisebra-si-lei-ro,assim,onegcio,mastambmnoachoque isso tambm seja um pecado. Imagino que esses caras, sei l, Toninho Horta,esses caras no tem muitacoisadebrasileiraneles.[MesmoemguitarristascomoPepeuGomes,citadopormim duranteapergunta]Euachoqueobviamentetemumacoisabrasileiraali,porque..Amsicana verdade mais brasileira que aquele instrumento, acho que o cara pegou o instrumento e adequou msica que ele j tocava. Talvez aquilo j fosse tocado em outros instrumentos, sei l, bandolim, no sei se ele (Pepeu) toca bandolim ou cavaquinho, mas...E a se tornou uma coisa brasileira, mas tambmcominfluncias,n..Distoro,distoroumacoisa,p[muitoligadaaorock]...Mas eu acho que a msica j tinha antes da guitarra (sic) (Rosa, 2007). AopiniodeVinciuscriouumcontrapontointeressantesopiniesunnimessobre identidade brasileira na guitarra da quarta pergunta (alguns entrevistados citando uns aos outros parecemreforaroacertonaescolhadaamostra).Emquesepeseseumodusoperandimuito voltado a um tipo de msica com mais conexo estrangeira, no se pode negar sua afirmao de queamsicaanterioraoinstrumento,assimpoderiaterhavidomaisumatransposiodo que uma hibridao do instrumento13, o que reforaria as opinies emitidas por Tinhoro (1975). Didaticamente, muito interessante a abordagem da melodias brasileiras feita por Loureiro, um grande tijolo na construo da didtica para o ensino da guitarra brasileira. Muitas das repostas tiveram como ponto de partida a histria pessoal de cada indivduo. Em raros casos os entrevistados responderam a partir de uma definio, mas utilizaram dados de suaprpriatrajetriamusical,oquenodetodoestranhojqueamsicapopularfeitado lado de fora das paredes da academia, no prescinde de um referencial terico que justifique ser executada desta ou daquela maneira. Talvez pelo mesmo motivo os entrevistados tenham usado indivduosdesuacomunidadecomoexemplosdeidentidadebrasileiranaguitarra.Mas inegvelqueprecisahaverumasistematizaodarotinadoinstrumentoquepreenchamalguns 13 Entretanto,afalaposteriordeVinciusduranteocursodaentrevistaaquelaqueaparecenaterceira pergunta, quando ele fala sobre a msica mineira. 44 pr-requisitosparaquehajasuaaceitaonaacademia(Lucas,1992).Asoficinasdemsica ministradas por Z Menezes na UNIRIO em 2004 parecem apontar nesta direo (Gomes, 2005, p.120-121).Poroutrolado,conformeafirmaRobertinhodeRecife,prender-seexclusivamenteaos cnonesdemsicabrasileirasupostamenteemproldoensinodeumaguitarrabrasileirauma maneira estanque e limitada de se abordar o instrumento, que acaba negando tanto a origem do instrumento(inegavelmentenorte-americana)quantoatradiomusicalbrasileiradesefundir com outras culturas. Os dados de Alexandre Carvalho pareceram muito consistentes no que diz respeitoasuavisodeacademia,dadosestesquesocorroboradosporVinciusRosa,msico que no tem nenhum contato com a academia 14.Com base no que foi respondido, pode-se afirmar que a guitarra brasileira, na opinio dos entrevistados,temmuitoselementosestrangeiros,porparadoxalquepareatalafirmao.O equilbriodematrizesnacionaiseestrangeiraspareceserodesafioestilstico.Outroponto comumentreamaioriadosentrevistadosanoodequedevehaverumamentalidademais progressista por parte da academia, que ainda mantm a msica popular porta (para utilizar o feliztrocadilhodeElizabethLucas).Emsetratandodeguitarraeltrica,asituaostendea piorar. 14A viso de academia de Alexandre Carvalho e Vincius Rosa est em completa sintonia com a proposta pelo referencial terico utilizado no captulo anterior sobre msica popular (Lucas, 1992). 45 7.CONSIDERAES FINAIS A guitarra eltrica uma inveno norte-americana. Ganhou popularidade mundial como tudorelacionadoaseupasdeorigem,sobretudonoquerelacionadoculturamusical.No Brasil,houvemarcadamenteumfocoderesistnciaaoinstrumentomedidaquecresciamos movimentosdeesquerdanadcadade1960eaidiadequeaqueleerauminstrumentoque serviaaosinteressesimperialistas.Mashouveanteriormenteaestedebateumaoutraforma invasoramusical,obolero,queacabouinfluenciandoosambaetransformou-senoquese conhececomosamba-cano.Aexemplodoqueocorrenamiscigenaoracial,sequeainda cabe o termo raa,diferentes combinaes de etnias resultaram diferentes produtos, diferentes gneros musicais.Porquestesgeopolticaseemparteporumaquestoderesgatelegtimo,osnimos foramseexaltandodiantedeameaasdaindstriaculturalhispnica(bolero)esobretudo americana(jazz,rock).Masnaturalmenteastendnciasmusicaisforamseacomodando,dando origemagnerosmusicaishbridos.Oprocessodehibridismocultural,fato,comeacoma imposio culturalista a que Tinhoro se refere, mas muito rapidamente se integra cultura local, dando origem a um produto musical novo. Isto tem ocorrido desde as danas europias do final dosculoXIXquesetransformaramnochoroatoBRock,eaoquepareceumprocesso cultural caracterstico do Brasil. ComoaguitarraeltricaentrainicialmentedemaneirahbridanoBrasil,pelodbio violo eltrico, e s depois reconhecida pelo modelo macio, cria-se uma situao paradoxal. O fato que j havia guitarristas no Brasil, mesmo que no estivessem reconhecidos pelo rock. A impressoquesetemqueenquantoaguitarraestavanamodesupostosrepresentantes 46 legtimos,noincomodouningum.Masseostensivamenteutilizadoporoutrognero,a coisadegringo.Aindaassimsoluesinteligentesforampropostas,fosseporHeraldodo MontenoQuartetoNovooupelohibridismomusicaldoTropicalismo.Mesmooviolos adquiriurespeitoaduraspenas,graasaotrabalhoesticodeAndrsSegovianaEuropa;a histriadosdoisinstrumentosadesuperarpreconceitos.Eatquepontopodesefalardois instrumentos, j que um a evoluo tecnolgica do outro? OgneroMPBexistehaproximadamente40anos,eemvriostrabalhosconsagrados do gnero h guitarras eltricas, em alguns casos em posio de destaque, sendo que em alguns casosexistemguitarraseltricasutilizadasemdestaquenosperodosanterioresMPB.No existeumaidentidadebrasileiranaguitarra,masumapluralidadedeguitarrasbrasileiras,que incluemaasdecaracterizaosupostamenteestrangeira,comoasdescritasporRobertinhode Recife. este tipo de pluralidade de guitarra brasileira que gostaramos de ver nas universidades. Nosetratademinimizaroassuntoguitarrabrasileira,comtodasassuaspeculiaridadese caractersticassublinhadasaolongodestamonografia,masintegr-losprticascorrentesde msicapopular,nacionalouestrangeira.Umdospressupostosdatopropagadaidentidade brasileiraohibridismo;evitarcontatocomgnerosestrangeirosseria,nomnimo, contraditrio. 47 8.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ANDRADE, Mrio. Ensaio sobre a msica brasileira. So Paulo: Martins Editora, 1972. ARAJO, Paulo Csar de. Parei na Contramo_ Roberto Carlos e a MPB. In:________. Roberto Carlos em Detalhes. Rio de janeiro, RJ: Editora Planeta, 2006, p. 169-205. BARCINSKI, Andr & GOMES, Silvio. SEPULTURA: Toda a Histria. So Paulo: Editora 34 , 1999. BASTOS,Alexandre&.TADEU,Rgis.80:adcadadoexcesso.CoverGuitarra.SoPaulo, No87, Fevereiro de 2002, p.30-45. BLACKETT,Mattetal.The101GreatestMomentsinGuitarHistory.In:TheGuitarPlayer Book_40yearsofinterviews,gear,andthelessonsfromtheworld'smostcelebratedguitar magazine.Backbeat Books, 2007 BORGES,Mrcio.OsSonhosNoEnvelhecem_HistriasdoClubedaEsquina.SoPaulo: Gerao Editorial, 1996. CASTRO, Ruy. Chega de Saudade_ A histria e as histrias da Bossa Nova. So Paulo :1990, Companhia das Letras. DAPIEVE, Arthur. BRock- O Rock Brasileiro dos Anos 80. So Paulo: Editora 34 , 1996 DENYER, Ralph. Toque (The Guitar Handbook). Rio de Janeiro: Rio Grfica Editora, 1982. GOMES,