a gripe espanhola

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v.14, n.3, p.1087-1088, jul.-set. 2007 1087 TESES TESES A gripe espanhola na Bahia: saúde, política e medicina em tempos de epidemia Spanish flu in Bahia: health, politics and medicine in times of epidemics Christiane Maria Cruz de Souza Tese de doutoramento em História das Ciências, Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2007 [email protected] A tese intitulada A gripe espanhola na Bahia: saúde, política e medicina em tempos de epide- mia versa sobre a epidemia de gripe que irrompeu em Salvador, em meados de setembro de 1918, e dali, seguindo os caminhos dos trens, dos rios e do mar, adentrou o estado, em percur- so que durou até os primeiros meses de 1919. Escolhemos tal objeto de estudo no intuito de deslindar a trama do tecido histórico que constituía a sociedade baiana nos primeiros decê- nios do século XX. Com esse trabalho buscamos analisar como a doença se infiltra na vida das pessoas, as reações que provoca e a maneira pela qual dá expressão a valores sociais, culturais e políticos. Para tanto, usamos como campo privilegiado de reflexão a cidade do Salvador, tendo em vista não só a sua condição de capital, mas também o fato de ser o pólo político, socioeconômico e cultural do estado e da região Norte do país, sem mencionar sua tradição nos estudos da medicina. Contudo, fugindo um pouco dos relatos da experiência da epidemia nos grandes centros urbanos, consideramos também importante analisar a emer- gência do surto epidêmico no interior do estado e, assim, revelar as múltiplas faces da Bahia. Pretendemos demonstrar que, ao incidir sobre a Bahia, a epidemia de gripe espanhola provo- cou os transtornos característicos da erupção de um surto epidêmico – mortes, isolamento, vigilância domiciliária e portuária, paralisação de fábricas e serviços –, mobilizando, para o seu controle, diversos setores da sociedade. O impacto do surto epidêmico colocou em evi- dência as fragilidades da sociedade baiana na República Velha: o clientelismo e o nepotismo que corrompiam a máquina estatal; o facciosismo político e os conflitos daí decorrentes; a ausência de políticas públicas de saúde abrangentes, contínuas e eficazes; a relação entre as questões econômicas e a condição sanitária da capital do estado; as práticas institucionais e a legislação que as presidia, e as precárias condições de vida e saúde do povo baiano. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, o povo baiano não se deixou abater pelo sofrimento advindo da fragilidade física conseqüente à doença, nem pela intensificação das experiências de morte. Mesmo em condições adversas, usou todos os meios de que dispunha para vencer a ‘espanhola’.

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Texto sobre a gripe espanhola na Bahia

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  • v.14, n.3, p.1087-1088, jul.-set. 2007 1087

    TESEST E S E S

    A gripe espanhola na Bahia:sade, poltica e medicina em tempos de epidemia

    Spanish flu in Bahia: health, politics andmedicine in times of epidemics

    Christiane Maria Cruz de SouzaTese de doutoramento em Histria das Cincias, Casa de Oswaldo Cruz/Fundao Oswaldo Cruz.

    Rio de Janeiro, [email protected]

    A tese intitulada A gripe espanhola na Bahia: sade, poltica e medicina em tempos de epide-mia versa sobre a epidemia de gripe que irrompeu em Salvador, em meados de setembro de1918, e dali, seguindo os caminhos dos trens, dos rios e do mar, adentrou o estado, em percur-so que durou at os primeiros meses de 1919. Escolhemos tal objeto de estudo no intuito dedeslindar a trama do tecido histrico que constitua a sociedade baiana nos primeiros dec-nios do sculo XX. Com esse trabalho buscamos analisar como a doena se infiltra na vidadas pessoas, as reaes que provoca e a maneira pela qual d expresso a valores sociais,culturais e polticos. Para tanto, usamos como campo privilegiado de reflexo a cidade doSalvador, tendo em vista no s a sua condio de capital, mas tambm o fato de ser o plopoltico, socioeconmico e cultural do estado e da regio Norte do pas, sem mencionar suatradio nos estudos da medicina. Contudo, fugindo um pouco dos relatos da experincia daepidemia nos grandes centros urbanos, consideramos tambm importante analisar a emer-gncia do surto epidmico no interior do estado e, assim, revelar as mltiplas faces da Bahia.Pretendemos demonstrar que, ao incidir sobre a Bahia, a epidemia de gripe espanhola provo-cou os transtornos caractersticos da erupo de um surto epidmico mortes, isolamento,vigilncia domiciliria e porturia, paralisao de fbricas e servios , mobilizando, para oseu controle, diversos setores da sociedade. O impacto do surto epidmico colocou em evi-dncia as fragilidades da sociedade baiana na Repblica Velha: o clientelismo e o nepotismoque corrompiam a mquina estatal; o facciosismo poltico e os conflitos da decorrentes; aausncia de polticas pblicas de sade abrangentes, contnuas e eficazes; a relao entre asquestes econmicas e a condio sanitria da capital do estado; as prticas institucionais ea legislao que as presidia, e as precrias condies de vida e sade do povo baiano. Apesarde todas as dificuldades enfrentadas, o povo baiano no se deixou abater pelo sofrimentoadvindo da fragilidade fsica conseqente doena, nem pela intensificao das experinciasde morte. Mesmo em condies adversas, usou todos os meios de que dispunha para vencera espanhola.