a gÊnese, o desenvolvimento e a difusÃo da...

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MARIA ISABEL AMPHILO A GÊNESE, O DESENVOLVIMENTO E A DIFUSÃO DA FOLKCOMUNICAÇÃO Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo - SP, 2010.

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MARIA ISABEL AMPHILO

A GÊNESE, O DESENVOLVIMENTO E A DIFUSÃO

DA FOLKCOMUNICAÇÃO

Universidade Metodista de São Paulo

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo - SP, 2010.

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MARIA ISABEL AMPHILO

A GÊNESE, O DESENVOLVIMENTO E A DIFUSÃO

DA FOLKCOMUNICAÇÃO

Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências

do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social,

da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo,

para obtenção do grau de Doutor.

Orientador: Prof. Dr. José Marques de Melo

Universidade Metodista de São Paulo

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo - SP, 2010.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A Tese de Doutorado sob o título “A gênese, o desenvolvimento e a difusão da

Folkcomunicação”, elaborada por Maria Isabel Amphilo, foi defendida e aprovada em 20

de maio de 2010, perante a banca examinadora composta por Dr. José Marques de Melo

(orientador), Dr. Jorge A. González Sánchez, Dr. Antonio Carlos Hohlfeldt, Dra. Cicília M.

Krohling Peruzzo e Dra. Maria Cristina Gobbi.

Declaro que a autora incorporou as modificações sugeridas pela banca examinadora, sob a

minha anuência enquanto orientador, nos termos do Art. 34 do Regulamento dos Cursos de

Pós-graduação.

Assinatura do orientador: ____________________________________________________

Nome do orientador: Dr. José Marques de Melo

Data: São Bernardo do Campo, 20 de junho de 2010.

Visto do Coordenador do Programa de Pós-graduação: ___________________________

Área de Concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Midiologia Brasileira

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À minha mãezinha, Maria

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In Memoriam

Luiz Beltrão de Andrade Lima (1918-1986)

Joseph Maria Luyten (1941-2006)

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As revoluções se estão fazendo por décadas e não por séculos e têm o seu suporte na tecnologia e na

comunicação, juntas, de mãos dadas para reformar a face da terra e conferir novos padrões de vida à

humanidade. Não temos mais tempo para esperar a lenta germinação das sementes que se acham, em

estágios variáveis de evolução, no espírito de um e de outro Brasil. Que precisam entender-se,

comunicar-se, com vistas à interação, a fim de que sovreviva o Brasil com o patrimônio físico e

espiritual que recebemos das gerações antecedentes e que temos o dever de transmitir, integral e

enriquecido, aos nossos pósteros. (...) É, portanto, da importância vital para o nosso País (...) o

encaminhamento de soluções para a Comunicação do Brasil que, como assinalávamos no início, é o

problema fundamental da sociedade contemporânea.

LUIZ BELTRÃO

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PUEDES LLEGAR

Composição: Gloria Estefan

Soñar con lo que más queremos

Aquello difícil de lograr

Es ofrecer llevar la meta a su fin

Y creer que la veremos cumplir

Arriesgar de una vez

Lo que soy por lo que puedo ser

Puedes llegar... lejos

A las estrellas alcanzar

A hacer de sueños realidad

Y puedes volar... alto

Sobre las alas de la fe

Sin más temores por vencer

Puedes llegar

Hay días que pasan a la historia

Son días difícil de olvidar

Sé muy bien que puedo triunfar

Seguiré con toda mi voluntad

Hasta el destino enfrentar

Y por siempre mis huellas dejar

Puedes llegar... lejos

A las estrellas alcanzar

A hacer de sueños realidad

Y puedes volar... alto

Sobre las alas de la fe

Sin más temores por vencer

Puedes llegar

Puedes llegar... lejos

A las estrellas alcanzar

A hacer de sueños realidad

Y puedes volar... alto

Sobre las alas de la fe

Sin más temores por vencer

Puedes llegar

Puedes llegar

Quieres llegar

Sobre las alas de la fe

Sin más temores por vencer

Puedes llegar

Que el más allá

Puedes llegar

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida, pela saúde, pela proteção e por iluminar meu caminho.

Agradeço, primeiramente e especialmente, ao meu orientador, Prof. Dr. José Marques de

Melo, que me ajudou muito desde a origem desta tese, me orientou e guiou pelos caminhos do

conhecimento, dando-me força, coragem e motivação. Além de encaminhar-me ao Estágio

Doutoral com o Prof. Dr. Jorge González. Muitíssimo obrigada!

Agradeço, também, ao meu co-orientador Prof. Dr. Jorge Alejandro González Sanchez,

pelas efetivas contribuições à tese, pelas aulas, viagens de pesquisa e pelo incentivo e

motivação a ser uma pesquisadora, pela amizade e suporte. Como também, pelo grande

presente de poder conhecer o pueblo e a rádio comunitária, em que realizou suas pesquisas,

em Zilacatipán, Vera Cruz. Minha gratidão!

À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que financiou

esta pesquisa e possibilitou o Estágio Doutoral realizado na Universidad Nacional Autônoma

de México - UNAM.

À UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, onde estudei desde 1998, realizando

estudos de graduação, especialização, mestrado e doutorado. Aos meus Professores, que

contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual, especialmente aos professores Dr.

Joseph Luyten (in memoriam), Dra. Cecília Peruzzo, Dr. Daniel Galindo, Dra. Sandra

Reimão, Dra. Beth Gonçalves, Dra. Anamaria Fadul e Dr. Isaac Epstein. À Profa. Dra. Maria

Cristina Gobbi pelas importantes conversas sobre a tese, como também, pela utilização do

acervo da Cátedra Unesco. Às bibliotecárias das Bibliotecas: Central, Ecumênica e de

Teologia, principalmente, à Noemi.

À UNAM – Universidad Nacional Autónoma de México/DF, especialmente a Direção

do Centro de Investigaciones Interdisciplinárias en Ciencias e Humanidades (CEIICH),

LABcomPLEX – Laboratório de Comunicación Compleja, em que agradeço por ter me

recebido para a realização do Estágio Doutoral com o Prof. Dr. Jorge A. González, como

também, pelas importantes e significativas contribuições dos professores Dr. José

Amozzurrutia, Dra. Margarita Maass e da amiga e Dra. Laura González. Agradeço,

especialmente, também, ao Prof. Dr. Rolando Garcia com quem tivemos a oportunidade de

estudar História de la Ciência, e ao Prof. Dr. Gilberto Gimenez, pelas aulas e conferências, no

Seminário de Cultura y Representaciones Sociales, no Centro de Investigaciones en Ciéncias

Sociales - UNAM. Também agradeço, de maneira muito especial, as efetivas contribuições

dos amigos de pesquisa Dr. Manuel Meza, Ms. Mônica Carles e Dr. Manuel Herrera, em que

juntos crescemos no conhecimento. Ao Prof. Dr. Manuel Velazquez Mejía, pela gentileza em

conceder-me o livro de Alberto Cirese: Cultura hegemónica y culturas subalternas. Agradeço,

também, pela disposição dos bibliotecários do CEIICH, que sempre me ajudaram com

dedicação, Sr. Sérgio e seu auxiliar, como também da dedicada amiga e assistente do

laboratório, Jenny Sámano.

Ao Prof. Dr. Nestor Garcia Canclini pela atenção, pela conversa motivadora sobre a

cultura popular, além de suas aulas na UAM – Universidad Autônoma Metropolitana

(Iztapalapa), División de Ciéncias Sociales y Humanidades, Departamento de Antropologia,

em novembro de 2007. Ao Prof. Dr. Enrique Sánches Ruiz pela disponibilidade em atender-

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me, como também agradeço às bibliotecárias da Pós-graduação em Ciências Sociais e

Humanidades da Universidad de Guadalajara/Jalisco, no contexto do Ibercom/Guadalajara.

Aos Professores da Rede Folkcom, que sempre me apoiaram, Prof. Dr. Roberto

Benjamin, Prof. Dr. Osvaldo Trigueiro, Profa. Dra. Cristina Schimidt, Prof. Dr. Antonio

Hohlfeldt, e todos aqueles que de alguma maneira contribuíram para esta pesquisa.

À minha família, pelo amor, carinho e suporte. Obrigada mãe, pai e Eduardo. E à minha

família mexicana (Guadalajara) ao casal Noé Alfaro e Célia Galindo e minha companheira de

passeios culturais Hortência Alfaro, além das crianças Liz, Daniel e Samy. Obrigada pela

amizade, pelo cuidado e atenção. Muchissimas gracias por todo! Saudades!

Aos familiares e amigos, que me motivaram, incentivaram e me ajudaram a chegar até

aqui: Roseli e Claudemir Ferreira, Cris Gobbi, Cláudia Simões, Edmar e Adriana, Valdirene e

Alfredo, Virgínia e Bernardo, David Morales, Manuel e Sophia, Jorge e Mônica, Margarita e

Hector, Pepe e Busy, Rev. Edman e Rosi, entre vários amigos e amigas que me ajudaram e

motivaram nesse período e, especialmente, às amigas Ms. Ester Marçal Fér, Ms. Andréa

Eugênio e a Lic. Márcia Dias, pelas efetivas contribuições e correções realizadas. Também ao

doutorando Francisco de Assis, que realizou correções. Super obrigada a todos vocês!

Ao Bispo Nelson Luiz Campos Leite pelo apoio constante e oração. Ao Prof. Dr. Josias

Pereira pelo acompanhamento e pelo cuidado e ao Rev. Laurindo Prieto, pela orientação,

compreensão e acolhida ao seio da Igreja Metodista.

A Lucineide Caixeta, da Secretaria Acadêmica, pelos trâmites burocráticos, como

também agradeço às secretárias da Cátedra Damiana Rosa e Ronia Francisca e à secretária da

pós-graduação Kátia França. Ao Rev. Oswaldo de Souza, pela maneira generosa com que

realizou os acertos finaneiros, além do apoio, amizade e compreensão.

A todos, que de alguma maneira contribuíram para que eu chegasse ao final desta etapa

importante da minha vida e concluísse meu Doutorado. Sinceramente, muito obrigada a todos

vocês!

Abraços,

Com Carinho,

Isabel Amphilo

Sorocaba, Verão de 2010.

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Mural da Rádio Comunitária em Huayacocotla, Veracruz, México.

Fotografia de Maria Isabel Amphilo, 21 de fevereiro de 2009.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 0-1: População Urbana e Rural (1960-2000) ....................................................................... 48

TABELA 0-2: Taxa de mortalidade e expectativa de vida ................................................................... 49

Tabela 0-3: Taxa de Alfabetização acima de 15 anos, por sexo e Região brasileira. ............................ 50

Tabela 0-4: Miscigenação racial brasileira. ........................................................................................... 51

Tabela 0-1: Autores mais citados na Tese de Doutorado de Luiz Beltrão (1967/2001) ..................... 131

Tabela 0-2: Sistema de Comunicação Popular (Marques de Melo e Luyten) ..................................... 230

Tabela 0-1: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 1998....................................................... 269

Tabela 0-2: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 1999...................................................... 281

Tabela 0-3: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2000...................................................... 284

Tabela 0-4: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2001...................................................... 291

Tabela 0-5: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2002...................................................... 302

Tabela 0-6: Simpósios FOLKCOM 2002 ........................................................................................... 302

Tabela 0-7: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2003...................................................... 305

Tabela 0-8: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2004...................................................... 313

Tabela 0-9: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2005...................................................... 325

Tabela 0-10: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2006.................................................... 338

Tabela 0-11: Temas e Linhas de Investigação - FOLKCOM 2007.................................................... 353

Tabela 0-12: 10 Anos de Produção Científica do Congresso FOLKCOM ........................................ 365

Tabela 0-13: Gráfico Comparativo da Produção (1998-2007) ............................................................ 366

Tabela 0-14: Quadro Comparativo das Universidades ........................................................................ 367

Tabela 0-15: Sub-áreas da Folkcomunicação e Folkmídia ................................................................. 367

Tabela 0-16: Quadro Atual dos Temas e Linhas de Investigação ....................................................... 368

Tabela 0-17: Linhas de Pesquisa - NP INTERCOM (2007) ............................................................... 369

Tabela 0-18: ARTIGOS - INTERCOM 1998 ..................................................................................... 371

Tabela 0-19: ARTIGOS INTERCOM 1999 ....................................................................................... 373

Tabela 0-20: ARTIGOS INTERCOM 2000 ....................................................................................... 380

Tabela 0-21: ARTIGOS INTERCOM 2001 ....................................................................................... 383

Tabela 0-22: ARTIGOS INTERCOM 2002 ....................................................................................... 387

Tabela 0-23: ARTIGOS INTERCOM 2003 ....................................................................................... 397

Tabela 0-24: ARTIGOS INTERCOM 2004 ....................................................................................... 408

Tabela 0-25: ARTIGOS INTERCOM 2005 ....................................................................................... 411

Tabela 0-26: ARTIGOS INTERCOM 2006 ....................................................................................... 415

Tabela 0-27: ARTIGOS INTERCOM 2007 ...................................................................................... 423

Tabela 0-28: TOTAL PRODUÇÃO ARTIGOS INTERCOM (1998-2007) ...................................... 432

Tabela 0-29: Gráfico Evolutivo........................................................................................................... 433

Tabela 0-30: Quadro GT (Alterações)................................................................................................. 433

Tabela 0-31: CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE 2007 .................................................. 437

Tabela 0-32: CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE - ARTIGOS ....................................... 438

Tabela 0-33: QUADRO ARTIGOS ALAIC 1998 .............................................................................. 441

Tabela 0-35: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2002 ............................................................................. 448

Tabela 0-36: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2004 .............................................................................. 454

Tabela 0-37: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2006. ............................................................................ 462

Tabela 0-38: QUADRO ARTIGOS ALAIC 2008 .............................................................................. 465

Tabela 0-39: TOTAL PRODUÇÃO CONGRESSOS ALAIC (1998-2008) ...................................... 470

Tabela 0-40: Gráfico Comparativo Produção Cientifica ..................................................................... 470

Tabela 0-41: GRÁFICO COMPARATIVO PRODUÇÃO CIENTIFICA ......................................... 472

Tabela 0-42: QUADRO DA INCURSÃO DE ESTRANGEIROS NA FOLKCOMUNICAÇÃO ..... 473

Tabela 0-1: Quadro da CAPES da Área de Avaliação das Disciplinas em Comunicação .................. 555

Tabela 0-2: Quadro dos Pesquisadores em Folclore, Cultura Popular e Meios de Comunicação....... 556

Tabela 0-3: Quadro dos Pesquisadores em Folkcomunicação e Folkmídia registrados...................... 556

Tabela 0-4: LINHAS DE PESQUISA EM FOLKCOMUNICAÇÃO E FOLKMÍDIA ..................... 558

Tabela 0-1: A Produção Acadêmica em Folkcomunicação nas Universidades Brasileiras ............... 566

Tabela 0-2: PESQUISADORES QUE MAIS ORIENTARAM TESES NA ÁREA .......................... 567

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE ESQUEMAS

Esquema 1 – Estrutura Teórica Da Folkcomunicação .......................................................................p. 77

Esquema 2 - Meios De Expressão Popular ......................................................................................p. 162

Esquema 3 - Grupos Marginalizados ...............................................................................................p. 179

Esquema 4 – A Estrutura Da Folkcomunicação – Beltrão ..............................................................p. 188

Esquema 5 - Mapa Conceitual De Folkcomunicação ......................................................................p. 212

Esquema 6 – Processo 1: Partindo dos MCM...................................................................................p. 214

Esquema 7 – Processo 2: Fonte MCM, Fato/Acontecimento/Situação Vivencial ..........................p. 217

Esquema 8 – Canal = MCM (Meios De Comunicação De Massa) .................................................p. 218

Esquema 9 – Canal = MCF (Meios De Comunicação Folk) ...........................................................p. 219

Esquema 10 – Canal - Comunicação Alternativa ............................................................................p. 225

Esquema 11 – Folkcomunicação Na Época Colonial ......................................................................p. 229

Esquema 12 - As Três Dimensões Da Folkcomunicação ................................................................p. 233

Esquema 13 – Relações de Primeira Ordem ....................................................................................p. 234

Esquema 14 – Relações de Relações de Segunda Ordem ..............................................................p. 235

Esquema 15 – Relações de Terceira Ordem ................................................................................... p. 236

Esquema 16 – Relações De Quarta Ordem (MCM e Institucionalizada) ........................................p. 498

Esquema 17 – Comunicação Cultural – Luiz Beltrão ......................................................................p. 586

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO _________________________________________________________________ 22

MARCO TEÓRICO E METODOLÓGICO _________________________________ 23 Marco epistêmico ______________________________________________________ 29

Hipóteses ____________________________________________________________ 30

Objetivo da Pesquisa ___________________________________________________ 33

Geral ________________________________________________________________ 33

Específicos ___________________________________________________________ 33

Justificativa ___________________________________________________________ 33

Metodologia __________________________________________________________ 34

Relevância científica____________________________________________________ 37

Relevância Social ______________________________________________________ 38

ANÁLISE DE CONJUNTURA_____________________________________________________ 40 Introdução ____________________________________________________________ 40

Cenário Mundial _______________________________________________________ 40

Cenário latino-americano ________________________________________________ 41

Brasil, década de 1960 __________________________________________________ 42

Contexto Social _______________________________________________________ 46

O Brasil em números ___________________________________________________ 47

PARTE I – GÊNESE - A GÊNESE E OS FUNDAMENTOS DA FOLKCOMUNICAÇÃO ___ 55

CAPÍTULO I - MATRIZES EPISTEMOLÓGICAS ___________________________________ 56 1.1. Marco epistêmico de Luiz Beltrão _____________________________________ 59

1.2. Um problema a resolver _____________________________________________ 63

1.3. Um problema a investigar ____________________________________________ 69

1.4. Marco metodológico ________________________________________________ 71

1.5. Problemáticas epistemológicas ________________________________________ 73

1.6. Predição suicida ____________________________________________________ 84

CAPÍTULO II - MATRIZES ANTROPOLÓGICAS E SOCIOLÓGICAS DA

FOLKCOMUNICAÇÃO __________________________________________________________ 88

1. Estudos Científicos do Folclore Brasileiro _________________________________ 89

2. A Folkcomunicação e a Sociologia Brasileira _____________________________ 107 2.1. A formação da sociedade brasileira ____________________________________ 108

2.2. As relações e a formação da cultura brasileira ___________________________ 111

2.3. Casa Grande & Senzala: comunicação intercultural _______________________ 114

2.4. A abolição da escravatura e os processos decorrentes _____________________ 120

Conclusão ___________________________________________________________ 123

CAPÍTULO III - MATRIZES COMUNICACIONAIS DA FOLKCOMUNICAÇÃO _______ 125

1. A Gênese ___________________________________________________________ 126

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1.1. A formação da teoria _______________________________________________ 129

1.2. O Agente de Folk __________________________________________________ 134

1.3. Os grupos ________________________________________________________ 139

1.4. A distinção _______________________________________________________ 142

1.5. Classificação e tipologias ___________________________________________ 143

2. Teoria da Folkcomunicação ____________________________________________ 147 2.1. Delimitação e Características do Campo ________________________________ 154

2.2. Rede de conceitos _________________________________________________ 158

2.3. O Folkcomunicador – um mediador ___________________________________ 180

2.4. Mapa Conceitual da Folkcomunicação _________________________________ 187

2.6. Proposta metodológica para a Folkcomunicação _________________________ 189

3. Processos Folkcomunicacionais _________________________________________ 199 3.1. Elementos do Processo _____________________________________________ 204

3.2. As Variantes do Processo ___________________________________________ 220

3.2.1. Enfoques da Pesquisa em Folkcomunicação ___________________________ 221

3.3. Sistemas Folkcomunicacionais _______________________________________ 222

3.4. As redes de relações da comunicação popular ___________________________ 231

PARTE II - DESENVOLVIMENTO: O DESENVOLVIMENTO DAS IDÉIAS PELOS

AGENTES E O CONFRONTO COM OUTRAS TEORIAS ____________________________ 244

CAPÍTULO I - A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA FOLKCOMUNICAÇÃO _____________ 245

INTRODUÇÃO ________________________________________________________________ 245

1. Marcos Históricos ____________________________________________________ 246 1.1. Geração Precursora ________________________________________________ 246

1.2. Geração Pioneira (década de 60-70) ___________________________________ 251

1.3. Geração Inovadora (década de 80-90) __________________________________ 254

1.4. Geração Renovadora (1998 aos nossos dias) ____________________________ 262

CAPÍTULO II - ANÁLISE DOS CONGRESSOS: 10 ANOS DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA 266

1. CONGRESSOS NACIONAIS __________________________________________ 267

1.1. FOLKCOM – Conferência Brasileira de Folkcomunicação. _______________ 267 1.1.1. FOLKCOM 1998: Universidade Metodista de São Paulo (SP) ____________ 268

1.1.2. FOLKCOM 1999: Universidade Federal de São João Del-Rey (MG) _______ 279

1.1.3. FOLKCOM 2000: Universidade Federal da Paraíba (PB) ________________ 282

1.1.4. FOLKCOM 2001: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (MS) ______ 289

1.1.5. FOLKCOM 2002: Centro Universitário Mont Serrat (SP) ________________ 301

1.1.6. FOLKCOM 2003: Faculdade de Filosofia de Campos (RJ) _______________ 303

1.1.7. FOLKCOM 2004: Centro Universitário do Vale do Taquari (RS) __________ 312

1.1.8. FOLKCOM 2005: Centro Universitário de Teresina (PI) _________________ 323

1.1.9. FOLKCOM 2006: Universidade Metodista de São Paulo (SP) ____________ 338

1.1.10. FOLKCOM 2007: Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR) _________ 353

Conclusões __________________________________________________________ 365

2. INTERCOM – Associação Brasileira de Estudos Interdisciplinares em

Comunicação __________________________________________________________ 369 2.1. INTERCOM 1998: Universidade Católica de Pernambuco (PE) ____________ 370

2.2. INTERCOM 1999: Universidade Gama Filho (RJ) _______________________ 373

2.3. INTERCOM 2000: Universidade do Amazonas (AM) _____________________ 380

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2.4. INTERCOM 2001: Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do

Pantanal (MS) _______________________________________________________ 383

2.5. INTERCOM 2002: Universidade do Estado da Bahia (BA) ________________ 387

2.6. INTERCOM 2003: Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais (MG) __ 397

2.7. INTERCOM 2004: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (RS) 408

2.8. INTERCOM 2005: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (RJ) __________ 411

2.9. INTERCOM 2006: Universidade de Brasília (DF) _______________________ 415

2.10. INTERCOM 2007: Católica de Santos, Sta. Cecília e Monte Serrat (SP) _____ 423

Conclusões __________________________________________________________ 432

1.2. CNF: Congresso Nacional De Folclore _________________________________ 434

2. CONGRESSOS INTERNACIONAIS ___________________________________ 440

2.1. ALAIC – Asociación Latino-americana de Investigadores en Comunicación __ 440 2.1.1. ALAIC 1998: Universidade Católica de Pernambuco/UFRPE (Brasil) ______ 441

2.1.2. ALAIC 2000: Universidad Diego Portales (Chile) ______________________ 444

2.1.3. ALAIC 2002: Universidad Privada de Santa Cruz de la Sierra (Bolivia) ____ 447

2.1.3. ALAIC 2004: Universidad Nacional de La Plata (Argentina) _____________ 454

2.1.4. ALAIC 2006: Universidade do Vale do Rio Sinos (Brasil) ________________ 461

2.1.5. ALAIC 2008: Centro Tecnológico de Monterrey (Mexico) _______________ 465

Conclusões __________________________________________________________ 469

Considerações Finais sobre os Congressos _________________________________ 472

CAPITULO III - FOLKCOMUNICAÇÃO EM CONFRONTO COM OUTRAS TEORIAS _ 474 1. Folkcomunicação e as Teorias Sociais ___________________________________ 475

2. Folkcomunicação e as Mediações Culturais _______________________________ 486

3. Folkcomunicação e a Teoria das Representações Sociais ____________________ 488

4. Folkcomunicação e a Teoria das Frentes Culturais _________________________ 500

PARTE III – DIFUSÃO: A DIFUSÃO DA FOLKCOMUNICAÇÃO E A LEGITIMAÇÃO

ACADÊMICA _________________________________________________________________ 520

CAPÍTULO I - PROBLEMÁTICAS QUE FREARAM A DIFUSÃO ____________________ 521 1. Problemáticas na difusão da Folkcomunicação ____________________________ 522

1.1. A aplicação das categorias de Rogers ________________________________ 527

2. A Incursão de estrangeiros na Folkcomunicação ___________________________ 533

3. A internacionalização da Folkcomunicação _______________________________ 534

CAPÍTULO II - LEGITIMAÇÃO ACADÊMICA ____________________________________ 539

INTRODUÇÃO ________________________________________________________________ 539 1. As primeiras pesquisas em Folkcomunicação _____________________________ 540

2. Ações legitimadoras _________________________________________________ 546

3. A Folkcomunicação enquanto disciplina cientifica _________________________ 551

1.1. Pesquisadores em Folkcomunicação _________________________________ 554

1.2. Linhas de Pesquisa ______________________________________________ 557

CAPÍTULO III - PRÁTICAS ACADÊMICAS _______________________________________ 561

1. Teses e dissertações sobre Mídia e Cultura Popular ________________________ 561 1.1.Geração Pioneira___________________________________________________ 562

1.2.Geração Inovadora _________________________________________________ 562

1.3. Geração Renovadora _______________________________________________ 565

2. Escolas de Comunicação e Orientadores Em Folkcomunicação e Folkmídia ___ 567

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17

3. A Folkcomunicação nas Revistas de Comunicação _________________________ 568 3.1. REVINTFOLK ___________________________________________________ 568

3.2. Revista Comunicação & Sociedade ____________________________________ 577

3.3. Revista Intercom __________________________________________________ 577

3.4. Anuário UNESCO _________________________________________________ 577

3.5. PCLA - Pensamento Comunicacional Latino-Americano___________________ 577

3.6. ALAIC __________________________________________________________ 577

3.7. Anais ELACOM __________________________________________________ 578

3.8. Razón Y Palabra __________________________________________________ 578

4. Livros e Artigos ______________________________________________________ 580

5. Produção Científica Total _____________________________________________ 582

CAPÍTULO IV - FOLKCOMUNICAÇÃO E FOLKMÍDIA: A OPERACIONALIZAÇÃO DA

INFORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL____________________________ 585

1. Folkcomunicação ____________________________________________________ 588 1.2. Folkcomunicação musical ___________________________________________ 595

1.4. Folkcomunicação Visual ____________________________________________ 597

1.5. Folkcomunicação Icônica ___________________________________________ 598

1.6. Folkcomunicação de Conduta (Cinética) _______________________________ 600

2. Folk - Publicidade e Propaganda _______________________________________ 603

3. Folk - Relações Públicas _______________________________________________ 605

4. Folk – Turismo ______________________________________________________ 605

5. Folkarte: a alta comunicabilidade folclórica ______________________________ 607 5.1. Teatro Popular e as Danças __________________________________________ 607

5.2. Feiras e Festas Populares ____________________________________________ 610

5.3. Pintura __________________________________________________________ 614

6. Folkmídia – A indústria cultural ________________________________________ 615

6.1. Interfaces midiáticas _______________________________________________ 618

6.2. Cultura de massa __________________________________________________ 623

CONCLUSÃO _________________________________________________________________ 631 Conclusões da Parte I __________________________________________________ 631

Conclusões da Parte II _________________________________________________ 633

Conclusões da Parte III _________________________________________________ 634

Considerações Finais __________________________________________________ 635

BIBLIOGRAFIA _______________________________________________________________ 636

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RESUMO

AMPHILO, Maria Isabel. A Gênese, o Desenvolvimento e a Difusão da Folkcomunicação.

2010. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São

Bernardo do Campo, 2010.

Investigação sobre a gênese da teoria da Folkcomunicação, tendo por objetivo identificar suas

matrizes epistemológicas e suas raízes metodológicas, bem como caracterizar sua natureza

interdisciplinar, gravitando em torno das ciências da comunicação e da cultura. O estudo parte

da análise do desenvolvimento dos conceitos de Luiz Beltrão, contextualizando sua

ancoragem inicial na teoria do jornalismo (1967) e sua posterior ampliação para incluir as

dimensões do processo social da comunicação (1980). Com base na exegese da obra seminal

do fundador da Folkcomunicação, buscamos extrair as contribuições do autor para o avanço

das teorias da comunicação ao adaptar dimensões de bilateralidade e de formas de expressão

da cultura popular nos processos da comunicação. Realizamos, também, a análise crítica dos

avanços teóricos e das estratégias metodológicas construídas pelos estudiosos que deram

continuidade aos estudos de Luiz Beltrão. Em seguida, investigamos a disseminação dos

conhecimentos sobre folkcomunicação no Brasil e no âmbito acadêmico internacional. O

corpus analisado foi a obra de Beltrão sobre o tema, bem como, dissertações, teses, livros,

artigos e comunicações cientificas, que tratam da folkcomunicação. A metodologia utilizada

terá por base a pesquisa bibliográfica e documental e a análise taxonômica. O período

analisado compreenderá os estudos publicados sobre a Folkcomunicação desde a obra original

de Beltrão, em 1967 até 2007.

Palavras-chave: Teoria da Comunicação, Midiologia Brasileira, Folkcomunicação, Luiz

Beltrão.

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RESUMEN

AMPHILO, Maria Isabel. La génesis, el desarrollo y la difusión de la Teoría de la

Folkcomunicación. 2010. Tesis (Doctorado en Comunicación Social) – Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010.

Investigación sobre la génesis de la teoría de la Folkcomunicación, objetivando

identificar sus matrices epistemológicas y sus raíces metodológicas, bien como caracterizar su

naturaleza interdisciplinaria, gravitando alrededor de las ciencias de la comunicación y de la

cultura. El estudio es parte de la análisis de desarrollo de los conceptos de Luiz Beltrão, en el

contexto de su retención inicial en la teoría del periodismo (1967) y su posterior ampliación

para incluir las dimensiones del proceso social de la comunicación (1980). Basado en la

exégesis de la obra original del fundador de la Folkcomunicación, buzcamos extraer las

contribuciones del autor para el avance de las teorías de la comunicación al adaptar las

dimensiones de bilateralidad y de formas de expresión de la cultura popular en los procesos de

la comunicación. Realizamos, también, la análisis crítica de los avances teóricos y de las

estrategias metodológicas construidas por los estudiosos que dieran continuidad a los estudios

de Luiz Beltrão. En seguida, investigamos la diseminación de los conocimientos sobre

folkcomunicación en Brasil y en el ámbito académico internacional. El corpus a ser analizado

será la obra de Luiz Beltrão sobre el tema, así como disertaciones, tesis, libros, artículos y

comunicaciones científicas que tratan de la Folkcomunicación. La metodología utilizada

tendrá por base la investigación bibliográfica y documental y el análisis taxonómico. El

período analizado comprenderá los estudios publicados sobre la Folkcomunicación desde la

obra primera de Beltrão, en 1967, hasta 2007.

Palabras-clave: Teoría de la Comunicación, Midiología Brasileña, Folkcomunicación, Luiz

Beltrão.

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20

ABSTRACT

AMPHILO, Maria Isabel. The genesis and the development of the Folk-communication

Theory’s in Brazil and your diffusion. Thesis (Doctoral Thesis in Social Communication) –

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010.

The research project examines the folk-communication theory and pretends to identify his

epistemological and methodological sources, likewise to answer how we could characterize

his inter-subjected nature, dealing with the communication and culture sciences. The study

starts out with a survey of the developments of Luiz Beltrão‟s ideas and concepts, after that it

links an initial Beltrão‟s ground with a journalism theory (1967) and with his further

enlargement, which includes the social process dimensions of communication (1980). On the

base of exegesis of the main work of the communication theory founder, we draw out author‟s

contributions for an advance of communication theories, which applies opposite-side

dimensions and dimensions of expression forms of a popular culture to the communication

process. We maked the critical analysis of the theoretical developments and methodological

strategies outlined by the scholars, which continued Luis Beltrão‟s researches. Afterwards, we

examine the dissemination of folk-communication knowledge‟s in Brazil and in the

international academic society. The corpus, that will be analyzed, is Beltrão‟s work about the

subject, likewise dissertations, theses, books, essays and scientific passages that deal with the

folk-communication. The methodology used is based on the bibliographical and documental

research and on the taxonomical analysis. The analyzed period consists of the studies about a

Folk-communication published since the main Beltrão‟s work in 1968 until 2006.

Key-words: Communication Theory, Midiology Brazilian, Folk-communication, Luiz

Beltrão.

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As revoluções se estão fazendo por décadas e não por séculos e têm o seu suporte na

tecnologia e na comunicação, juntas, de mãos dadas para reformar a face da terra e conferir

novos padrões de vida à humanidade. Não temos mais tempo para esperar a lenta

germinação das sementes que se acham, em estágios variáveis de evolução, no espírito de um

e de outro Brasil. Que precisam entender-se, comunicar-se, com vistas à interação, a fim de

que sovreviva o Brasil com o patrimônio físico e espiritual que recebemos das gerações

antecedentes e que temos o dever de transmitir, integral e enriquecido, aos nossos pósteros.

(...) É, portanto, a da importância vital para o nosso País (...) o encaminhamento de soluções

para a Comunicação do Brasil que, como assinalávamos no início, é o problema

fundamental da sociedade contemporânea.

LUIZ BELTRÃO

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22

INTRODUÇÃO

A Folkcomunicação é a tese elaborada pelo primeiro Doutor em Comunicação Social no

Brasil, Luiz Beltrão de Andrade Lima. A tese, defendida em 1967, sob o regime militar, foi

considerada subversiva, por sua linha neomarxista. Por esse motivo, sua publicação se deu em

1971, intitulada “Comunicação e Folclore”, com a parte teórica mutilada.

A proposta desta pesquisa, inicialmente, era o estudo apenas da gênese da

Folkcomunicação. Porém, após conversas com o orientador, decidimos abraçar o

desenvolvimento, averiguando as práticas científicas (artigos científicos e congressos) e a sua

difusão, fazendo praticamente um inventário das práticas acadêmicas (teses e dissertações). O

objetivo foi averiguar o respaldo científico e acadêmico que sustenta a Folkcomunicação,

enquanto disciplina científica nos cursos de comunicação social.

Esta pesquisa aborda a gênese da Folkcomunicação, enquanto teoria da comunicação

popular, mostrando como se deu o processo da gênese e as matrizes epistemológicas,

sociológicas e comunicacionais, que originaram e sustentam a folkcomunicação; do

desenvolvimento dos conceitos realizados pelos pesquisadores nos congressos FOLKCOM

(específico da área), INTERCOM (GT - nacional) e ALAIC (GT - latino-americano); e a

difusão, enquanto práticas acadêmicas que dão suporte à pesquisa, como também a

internacionalização da folkcomunicação, que começa com Joseph Luyten após o término de

seu doutorado; e a incursão de latino-americanos, principalmente o mexicano Jorge González

(UNAM), que aborda a comunicação popular a partir da análise semiótica da cultura.

Percebemos que alguns pesquisadores, embora não citem o termo “folkcomunicação”,

realizam em suas pesquisas trabalhos nesta linha, averiguando o discurso popular e os

processos comunicacionais populares: isso é folkcomunicação.

O objetivo principal deste trabalho, em primeira instância, é investigar as origens da

folkcomunicação, identificando não somente os teóricos da comunicação, cientistas sociais e

folcloristas que respaldaram a tese de Beltrão, mas também, as teorias e metodologias que

deram sustentação às pesquisas em folkcomunicação e outras que identificamos no decorrer

da pesquisa, como também os problemas epistemológicos, teóricos e a dificuldade da difusão

desta inovação científica, devido a sua complexidade, de natureza interdisciplinar.

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23

MARCO TEÓRICO E METODOLÓGICO

A mass communication (Escola de Chicago) foi fortemente influenciada por uma teoria

de linha positivista, que emergiu em finais do século XIX e meados do século XX: o

Difusionismo. Inicialmente na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos, o difusionismo

encontrou adeptos que desenvolveram pesquisas em comunicação a partir da pesquisa

empírica, apontando como se dava o processo comunicacional nas eleições americanas numa

perspectiva sincrônica (analisando o processo comunicacional em si), bem como numa

perspectiva diacrônica (desenvolvendo um viés histórico-crítico) das pesquisas em

comunicação.

O difusionismo americano, ou Escola Americana, tem como seu principal expoente

Franz Boas. Conforme Mello (2005, p. 230), “a principal característica desta escola foi talvez

ter delimitado o campo de estudo da antropologia”. Para ele, a cultura é ampla e complexa,

assim sistematizou delimitando em campos pequenos visando um estudo histórico-cultural.

“Foi esta consciência, com certeza, que levou a escola americana a um aperfeiçoamento

metodológico. Deu-se preferência às informações e dados primários. Vale dizer que a

prioridade absoluta foi dada aos estudos e pesquisa de campo” (MELLO, 2005, p. 231).

A prioridade nesse período era a coleta de dados e sistematização das informações,

sobre grupos primitivos (tribo, clã ou federação) transformando-os em unidade de estudo.

Essa postura acadêmica resultou aprofundamento de estudos e ampliação temática. Assim,

esta escola foi a que mais contribuiu para a teoria antropológica.

A obra de Franz Boas “Race, Language & Culture”, em que Boaz afirma que “o

material para a reconstrução de cultura é sempre mais fragmentário porque os mais amplos e

mais importantes aspectos de cultura não deixam traços na terra; linguagem, organização

social, religião – em resumo, tudo o que não é material – desaparecem com a vida de cada

geração” (MELLO, 2005, p. 250)

Na verdade, Boas em seu texto aponta que esse processo de difusão entre as culturas

(gera sua hibridização) acaba por dificultar o estudo histórico de determinada cultura, pelo

fenômeno da hibridização. Porém, uma informação de Mello nos salta aos olhos (MELLO,

2005, p. 232):

O que se pode dizer é que os propósitos dos evolucionistas e dos

difusionistas são diversos daqueles defendidos pelo funcionalismo.

Enquanto os primeiros se preocupavam com a explicação diacrônica, o

funcionalismo abraçara a explicação sincrônica.

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Enquanto os difusionistas preocupavam-se com a reconstrução histórico-crítica dos

povos apontando os momentos em que foram perceptíveis a difusão de informações culturais,

de valor simbólico; o funcionalismo procurava ater-se a explicação desse processo de difusão

de informações.

A importância da difusão foi tão firmemente estabelecida pela investigação

da cultura material norte-americana, cerimônias, arte, mitologia, assim

como pelo estudo das formas culturais africanas e pelo da pré-história da

Europa, que não podemos negar sua existência no desenvolvimento de

qualquer tipo cultural local. Não só se provou objetivamente por meio de

estudos comparativos, como também o investigador de campo tem amplas

provas das maneiras de atuar da difusão. Sabemos de casos em que um só

indivíduo introduziu toda uma série de mitos importantes. Podemos

mencionar, como exemplo disso, a lenda da origem do corvo (...) A

introdução de novas idéias não se deve de forma alguma considerar como

resultante puramente mecânica de adições ao padrão cultural, mas ao

mesmo tempo como um importante estímulo de novos desenvolvimentos

internos. Um estudo puramente indutivo dos fenômenos étnicos leva à

conclusão de que tipos culturais mesclados geográfica ou historicamente

situados como intermediários entre dois extremos fornecem provas da

difusão (BOAZ apud MELLO, 2005, p. 232-233).

Em 1963, Everett Rogers, renova o “modelo difusionista”, sob o prisma

comunicacional, em que conceitua difusão como “o processo pelo qual uma inovação é

comunicada por intermédio de certos canais durante um corte temporal aos componentes de

um sistema social” (ROGERS, 1995, p. 5). Para Rogers, o processo de difusão é um tipo

especial de comunicação, em que as mensagens são concernentes com novas idéias. Dessa

maneira, os indivíduos que participam desse processo comunicacional têm o compromisso

mútuo de informar com o objetivo de obter entendimento nesse intercâmbio de informações.

A difusão de uma inovação está condicionada a alguns fatores que possam garantir a

disseminação de idéias, pois, quanto mais simples e adaptada aos valores dos grupos, maiores

serão as chances de adoção de uma inovação (MIÈGE, 2000, p. 78).

O processo comunicacional para Rogers é uma “via de mão dupla”, em que a

comunicação acontece de maneira linear, com o objetivo de atingir efeitos seguros (apud

ROGERS, KINCAID, 1981). Conforme uma concepção linear da comunicação, o processo de

difusão pode ser entendido como um ato comunicacional, como o ato persuasivo de um

agente tentando convencer seu cliente a adotar determinada inovação. Porém, Rogers abre-nos

uma outra possibilidade, a da interação entre agente-cliente. “Por exemplo, o cliente pode vir

para o agente de transformação com um problema e a inovação é recomendada como uma

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solução possível para esta necessidade.” Mas, essa interação pode continuar depois através

de ciclos, como um processo de intercâmbio de informações. Dessa maneira, o modelo

difusionista adota quatro etapas de difusão: informação, persuasão, decisão, aplicação,

confirmação (MIÈGE, 2000, p. 78). Esse feedback pode proporcionar um conhecimento

mútuo sobre o problema, tanto no lado do agente que quer vender um produto tecnológico de

melhor qualidade que supra as necessidades de seu cliente; quanto o cliente tem interesse em

ter um produto que venha de encontro às suas expectativas, com um melhor aproveitamento

do produto, ou com um custo baixo, ou algum outro benefício possível.

Se assim é, na concepção de Rogers, difusão é um “tipo especial de comunicação”, pois

as mensagens são carregas de uma nova idéia e esta novidade deu ao conteúdo da mensagem

um caráter especial. Dessa maneira, podemos entender a difusão como “um tipo de

comunicação, no qual as mensagens são sobre uma nova idéia”. Ou seja, a inovação da idéia

no conteúdo da mensagem dá a difusão um caráter especial.

Porém, por ter esse caráter inovador, a difusão gera incertezas. Esse grau de incerteza do

novo faz parte do processo de difusão, pois entra a variável da “probabilidade”. “O incerto

envolve uma necessidade de predição de estrutura de informação”. Através da informação, as

incertezas tendem a diminuir. Rogers define a informação como: “Informação é uma

diferença em energia-motriz que influencia sobre incertezas em uma situação onde uma

mudança existe entre um conjunto de alternativas” (apud ROGERS; KINCAID, 1981, p. 64).

Entendemos que, para Rogers, a informação, como uma energia-motriz, tem o poder de

reduzir as incertezas sobre determinados problemas. Assim, a difusão pode ser entendida

como uma espécie de “transformador social”, sendo o processo no qual ocorrem alterações na

estrutura e função de um sistema social. A partir do momento em que essas novas idéias, que

foram intercambiadas, discutidas, desenvolvidas e foram adotadas, podem conduzir para

conseqüências mais seguras, de maneira a proporcionar uma transformação social.

Rogers questiona, porém, autores que restringem o significado de difusão, a uma

simples disseminação de idéias, sem considerar as idéias que estão embutidas no conteúdo das

mensagens, nem seu aspecto inovador. Porém, de nada vale todo um processo de difusão, sem

que o sistema seja adotado. Persuadir o cliente é fundamental para que a difusão possa chegar

ao seu objetivo-primeiro: a transformação social.

Autores franceses, como Michel Callon e Bruno Latour (1985, p. 13-25), criticam o

modelo difusionista devido a mudança de várias realidades mundiais, que levam

interlocutores para novas redes, o que pode gerar uma interdependência. Eles defendem que

os inovadores devem ter a possibilidade de traduzir (Michel Serres) uma inovação para sua

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realidade, assim, as contribuições desses novos aliados podem gerar um “interesse” pelas

novas tecnologias (MIÈGE, 2000, p. 78). A questão levanta é que, se nesse processo de rede,

se ela não teria uma função abranger a noção de ator, dessa maneira os autores questionam se

a rede se modifica aleatoriamente, ou se é manipulada pelo ator, que desempenha um papel

estratégico. Assim, a pergunta que fica é: “será que o inovador é, afinal de contas, um hábil

manipulador que sabe tirar partido de todos os elementos? Será que inovar equivale,

essencialmente, a criar uma relação de forças a seu favor?” (MIÈGE, 2000, p. 78).

Refutando essa idéia, Patrice Flichy acredita que se deve levar em consideração os

movimentos tecnológicos e sociais, entendendo os processos num movimento circular e

interativo, ou seja, “uma vez captada, a demanda ajuda a modificar a oferta”. Porém, Flichy,

retoma essa tese e propõe a noção de “quadro de referência sócio-tecnológico”, defendendo

que “uma inovação só se torna estável se os atores tecnológicos conseguirem criar uma

ligação entre quadro de funcionamento e quadro de utilização” (MIÈGE, 2000, p. 79).

Ex-aluno de Rogers, o boliviano Luis Ramiro Beltrán, critica o modelo de difusão de

inovações, na medida em que alicerçado na Teoria da Modernização, prega a utilização dos

meios de comunicação de massa, como canal para a difusão, principalmente em lugares

longínquos, os modelos de desenvolvimento dos países de Primeiro Mundo, porém Beltrán

critica esse modelo, na medida em que não dá margem para conceitos próprios e não leva em

consideração a estrutura social, os problemas sócio-econômicos e as especificidades culturais

da região. “Na essência, objetivava-se fazer com que os países tidos como „sub-

desenvolvidos‟ imitassem passivamente os países „desenvolvidos‟, como forma de alcançar o

desenvolvimento” (PERUZZO, 1998, p. 89).

Há três correntes na América Latina, que tratam da temática do desenvolvimento e da

modernização. A Teoria da Modernização (Walter Rostow, Thomas Tufte) considera o

desenvolvimento um processo linear, que é obtido através de uma estratégia de modernização.

A Teoria da Dependência (Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso) rompe com os

postulados da modernização e defendem que através da difusão de bens simbólicos, os países

subdesenvolvidos continuariam dependentes culturalmente dos países de Primeiro Mundo. E,

finalmente, a Teoria do Desenvolvimento participativo baseia-se na ação comunitária

participativa, em que o desenvolvimento é visto como um processo de construção da realidade

(PERUZZO, 1998, p. 89-90).

Beltrán apresenta-nos três equívocos do paradigma da difusão de inovações:

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a. a crença de que a comunicação, por si mesma pode gerar

desenvolvimento, independente das condições sócio-econômicas e

políticas;

b. a idéia de que o incremento da produção, o consumo de bens e serviços,

constituem a essência do desenvolvimento e que no devido tempo levaria

a distribuição justa da riqueza;

c. pressuposto de que o segredo para o incremento da produtividade estaria

no uso de tecnologias avançadas.

Conforme a crítica que Peruzzo apresenta-nos de Moragas, que este modelo de

desenvolvimento exposto pela teoria difusionista não dava conta da realidade Latino-

americana, por esses motivos. Para Beltrán, a pura e simples transferência de tecnologia

acentuava os vínculo de dependência.

Absorvendo o modelo difusionista, a Folkcomunicação, na realidade, pode

proporcionar, a partir da inter-relação entre uma inovação tecnológica e as manifestações

folclóricas, a preservação de conteúdos simbólicos de uma cultura que podem estar

definhando, ou ter acontecido no passado e através da reconstituição folclórica e do cinema,

conseguirmos a preservação histórica, como por exemplo, o filme: Cafundó, que conta a

história de um homem místico chamado João de Camargo, interpretado por Lázaro Ramos,

em que é resgatada a história de um quilombo existente na região de Sorocaba, estado de São

Paulo.

A difusão de manifestações folclóricas, através dos meios de comunicação de massa,

pode alavancar o desenvolvimento local e regional, na medida em que uma manifestação

folclórica, entra na grade de programação da TV Regional e esta projeta na TV aberta, uma

programação local, divulgando, por exemplo, “O Círio de Nazaré” (AMPHILO, 2006),

incentivando a participação do receptor, que vem de várias partes do país e do exterior a

Belém do Pará, que tem um aumento significativo de turistas nesse período, movimentando a

economia formal e informal. Dessa forma, a TV regional, disponibiliza via satélite, via cabo e

via internet, suprindo essa brecha no mercado audiovisual. Nesse sentido, as Festas Populares

têm sido acompanhadas pelos seus fiéis e admiradores, através dos meios de comunicação que

lhe são dispostos. Além disso, percebemos que a partir da publicização das Festas Populares,

neste caso a Festa do Círio de Nazaré, que é um evento religioso, há um impulso ao

desenvolvimento regional, movimentando o turismo e o comércio da região na época do

evento.

(...) a concepção de desenvolvimento que prevalece é a de modernização

(...) que incentivam outras mudanças na estrutura da sociedade, como:

industrialização, urbanização, alfabetização, exposição dos cidadãos aos

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mass media e participação coletiva nas decisões nacionais e comunitárias

(MARQUES DE MELO, 1998, p. 292).

Sem essa visão de macro-estrutura, o investimento em comunicação para o

desenvolvimento regional fica fragmentado. Dessa forma, a participação comunitária nas

festas populares gera emprego e renda aos cidadãos locais. Marques de Melo afirma (1998, p.

294-295) que:

“o desenvolvimento é, inevitavelmente, um processo de participação. As

pessoas somente podem fazer as coisas novas que o planejamento do

desenvolvimento diz que podem ser feitas. Quando a atenção das pessoas é

mobilizada e o interesse delas atraído (...) então a participação criativa está

operando e o avanço do desenvolvimento tem probabilidade de se acelerar”.

Os meios de comunicação de massa criam, portanto, o ambiente fértil à

participação e cumprem sua função-motriz no processo de

desenvolvimento.

Dessa forma, entendemos que a mídia regional pode contribuir para o desenvolvimento

regional, na medida em que realiza a cobertura de um evento local ou regional e o projeta nos

meios de comunicação de massa, alcançando, no caso específico da Festa do Círio de Nazaré,

fiéis católicos do mundo inteiro, através da TV via satélite, via cabo, via internet, via rádio,

proporcionando a publicização de um espetáculo religioso a fiéis do mundo inteiro.

Porém, se adaptarmos o modelo difusionista à nossa realidade brasileira, com as devidas

variações, perceberemos que num país com dimensões continentais como o Brasil, os meios

de comunicação social podem ser utilizados para a difusão de bens simbólicos. A TV aberta,

que diariamente apresenta-nos conteúdos de dominação cultural, também pode ser utilizada

para a veiculação de conteúdos do folclore brasileiro, manifestando a crítica e a opinião

pública popular, além de resgatar conteúdos de resistência cultural.

A apropriação da cultura popular pelos meios de comunicação de massa tem realizado o

fenômeno da destribalização, defendido por Marques de Melo (2001) em que na era da

globalização da cultura, abordado por García Canclini em sua obra Culturas Híbridas (2005),

os meios de comunicação de massa, em nível de TV aberta, TV a cabo, Rádio, Internet,

Webrádio, entre outros meios de difusão; a cultura popular tornou-se acessível a qualquer

indivíduo que queira adquirir por exemplo, um CD de um artista brasileiro, um DVD do Auto

da Compadecida (AMPHILO, 2004), isso em escala global. A possibilidade de difusão de

bens simbólicos, culturais, consolidando o fenômeno da glocalização, defendido por Roland

Robertson, possibilita-nos a publicização, a democratização da cultura, o resgate de certas

manifestações populares, que se perderam com o passar do tempo e subsistem em lugares

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longínquos do país, onde somente pesquisadores podem ter acesso a essas pequenas

comunidades e conhecendo seus costumes e sua cultura, com seus mitos, ritos, crenças.

Marco epistêmico

O marco epistêmico é o condicionador ideológico do discurso do investigador, em que

se pode identificar sua cosmovisão. Para a definição de marco epistêmico, utilizaremos a tese

de Rolando Garcia, que define:

Marco epistémico como el conjunto de preguntas o interrogantes que un

investigador se plantea con respecto al domínio de la realidad que se há

propuesto estudiar. Dicho marco epistémico representa cierta concepción

del mundo y, en muchas ocasiones, expresa la yerarquia de valores del

investigador. Las categorias sociales bajo las que se formula una pregunta

inicial de investigacion, no constituyen un hecho empírico observable sino

una construcción condicionada por el marco epistémico (GARCIA, 2006, p.

35).

Dessa maneira, nosso marco epistémico emerge como um conjunto de perguntas

norteadoras da Teoria da Folkcomunicação. Nossa proposta de estudo pretende ser

epistemológica, buscando identificar os conceitos e idéias, bem como, os procedimentos

metodológicos que geraram a teoria da folkcomunicação. Para isso, levantamos algumas

questões norteadoras, que pretendemos responder nesta pesquisa:

1. Em que matrizes epistemológicas se fundou Luiz Beltrão para a elaboração da teoria

da folkcomunicação e qual a sua relação com os acontecimentos da época?

2. Qual a metodologia utilizada por Beltrão para chegar aos resultados desejados?

3. Quais os objetos comuns que vem sendo estudados? O que se estuda em

folkcomunicação?

4. Quais os avanços teóricos que têm sido alcançados pelos pesquisadores em

folkcomunicação?

5. Qual a contribuição efetiva dos congressos FOLKCOM (já na sua 13ª edição, em

2010), para a difusão do pensamento de Luiz Beltrão?

6. Qual a dimensão atual das pesquisas em folkcomunicação, visto que, já se percebe

sua internacionalização, através de artigos apresentados em congressos

internacionais (América Latina e Europa), como: ALAIC, LUSOCOM, IBERCOM.

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30

Hipóteses

A teoria da folkcomunicação é o resultado da observação de Luiz Beltrão, enquanto

profissional de jornalismo e professor de comunicação, em que concentrava seus

conhecimentos na cultura popular nordestina e, com sua sensibilidade, transforma o registro

jornalístico em objeto de pesquisa acadêmica. Beltrão, apesar da prática jornalística, só

tomará contato com as teorias da comunicação existentes na época, na sua experiência

enquanto professor. No CIESPAL, Beltrão conhece teorias comunicacionais de pesquisadores

paradigmáticos da comunicação, como: os norte-americanos Danielson, Schramm, Nixon,

McNelly, Deutschmann; os franceses Kayser, Godechot, Dumazedier e Leauté; o alemão

Maletzke; o espanhol Beneyto (que fez parte de sua banca de doutorado); o belga Clausse; o

italiano Rovigati; o russo Kachaturov etc. A eles agregam-se os pesquisadores pioneiros

latino-americanos, como: Jobim, Rios, Cortez Ponce, Fernandez e Samaniego (MARQUES

DE MELO, 1999, p. 20).

A Folkcomunicação vem contribuir para o avanço da teoria da comunicação, a partir da

constatação de uma lacuna teórico-metodológica no âmbito acadêmico latino-americano. As

teorias da comunicação oriundas da Europa e dos Estados Unidos “não davam conta” da

realidade conjuntural latino-americana (no contexto global da Guerra Fria). Assim, enquanto

alguns pesquisadores utilizavam postulados funcionalistas, outros relativizavam as

metodologias dialéticas, para superar a perspectiva de denúncia. Em conseqüência disso,

emerge a consciência da inadequação desses modelos teóricos e metodológicos forâneos, o

que começa a gerar caminhos alternativos, objetivando a superação da dependência

intelectual.

A independência do pensamento latino-americano sobre comunicação

social, assumindo uma fisionomia distinta das escolas forâneas que lhe

deram origem, já vinha sendo reconhecida tanto por cientistas europeus

(Moragas Spa, 1981; Schlesinger, 1989; McAnany, 1986; White, 1989). Os

traços distintivos da escola latino-americana estão, por um lado, na

superação da dicotomia metodológica, combinando métodos quantitativos e

qualitativos, e, por outro lado, na inovação teórica resultante da

interatividade entre reflexão e ação (MARQUES DE MELO, 1996, p. 13).

Nesse contexto, Beltrão vem com a proposta de analisar a comunicação popular (visto

que os olhos dos pesquisadores estavam sobre a imprensa formal) e publica, em 1965, O ex-

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voto como veículo jornalístico1 (2004, p. 117-124). Beltrão propõe uma reflexão sobre um

modelo de comunicação comunitária/horizontal, que seria “embrião” da folkcomunicação. Ele

afirma que “um dos grandes canais de comunicação coletiva é, sem dúvida, o folclore”

(BELTRÃO, 2004, p. 117).

Beltrão percebe um bloqueio no sistema comunicacional, um entrave que não permite o

avanço do país e mais, Beltrão questiona que se os intelectuais e a elite não se voltassem às

classes populares, um problema maior poderia emergir, estremecendo a unidade nacional.

Beltrão cita de maneira enfática (2001, p. 64) os dramáticos dias de Agosto de 1961:

Naqueles dramáticos dias de Agosto-Setembro de 1961, em que se registrou

o impressionante e inédito episódio da reação unânime contra o expresso

veto dos comandantes supremos das Forças Armadas à posse legítima do

vice-presidente da República, com a renúncia do titular. Fomos todos

testemunhas dessa manifestação espontânea, global, esmagadora, contra

decisão personalista, que pretendia sobrepujar-se à letra e ao espírito da lei e

da justiça. Sobre os meios convencionais de comunicação, exerceu-se estrita

censura. As classes populares valeram-se, então, de seus próprios

veículos - folhetos, volantes, atos de presença - opondo à força militar a

sua vontade soberana. (grifo meu)

Em consonância com o pensamento comunicacional latino-americano, Beltrão aborda

de maneira paralela com o funcionalismo norte-americano e o materialismo histórico,

trabalhando em duas fases: primeiro mostrando os processos comunicacionais e os elementos

do processo, concentrando-se no discurso popular; num segundo momento, averiguando os

processos históricos e as mudanças sociais, os processos de aculturação. Essa confluência é

acrescida ao contato com os pressupostos teóricos dos cientistas sociais brasileiros,

antropólogos e folcloristas, aos quais citamos os mais evidenciados na pesquisa de Beltrão:

Câmara Cascudo (9ª Edição, S/D), Gilberto Freyre (1947, 1961), Djacir Menezes (1938) e,

principalmente, Edison Carneiro (1965), que afirma que, assim como a sociedade é dinâmica,

o folclore também o é. A partir desta tese, Edison Carneiro defende que “o processo mais

constante, nas coisas do populário, é o da recomposição folclórica” (1965, p. 20). Para Edison

Carneiro, o povo atualiza e recompõe suas manifestações folclóricas, manifestando suas idéias

e opiniões e, dialeticamente, as atualiza. Como exemplo, ele nos dá a capoeira, que

(...) era a forma de afirmação pessoal do liberto ou do negro emancipado da

cidade – os „moleques de sinhá‟ lembrados nas cantigas da diversão.

Enquanto esses negros foram perseguidos, e na medida em que o foram, a

1 Publicado pela primeira vez na revista: Comunicação & Problemas, vol. 1, nº1, Recife, ICINFORM, 1965, p. 9-

15.

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capoeira se manteve, praticamente inabalada, mas, quando novas condições

surgiram, com a República, a luta de Angola perdeu a sua agressividade e se

tornou um folguedo inocente ou, como no Recife, se resolveu no passo

(CARNEIRO, 1965, p. 20, grifo nosso).

Na realidade, Beltrão despertava no meio acadêmico um objeto de pesquisa, que,

conforme Marques de Melo (2001, prefácio), já vinha sendo competentemente estudado pelos

antropólogos, sociólogos e folcloristas, mas negligenciado pelos comunicólogos. Dessa

forma, Marques de Melo afirma:

Seu argumento implícito era o de que as manifestações populares, acionadas

por agentes de “informação de fatos e expressão de idéias”, tinham tanta

importância comunicacional, quanto àquelas difundidas pelos mass media.

Por isso mesmo ele recorria ao arsenal metodológico já testado e

aperfeiçoado no estudo das manifestações convencionais do mass-

journalism (formatadas de acordo com os canais pós-gutenbergianos) e as

transportava para analisar as ricas expressões daquilo que ele sugeria como

integrantes do folk-journalism (veiculadas em canais pré-gutenbergianos ou

usando tecnologias tão rudimentares quanto a prensa de Mogúncia) (2001,

prefácio).

Assim, para provar que as manifestações populares também revelavam a opinião

popular, Beltrão lança mão dos pressupostos teóricos da escola norte-americana de

comunicação, de base empírico-funcionalista, primeiramente nas teorias da Comunicação de

Paul Lazarsfeld e Elihu Katz (1941), especialmente sobre o papel do líder de opinião como

mediador e, nos desdobramentos da Teoria da Comunicação de Schramm (1954a.), que

defende a comunicação em múltiplos estágios e o campo de experência em comum. Ou seja,

Luiz Beltrão inter-relaciona e conflui as Teorias da Comunicação com que tivera contato e a

Teoria Sócio-cultural brasileira, gerando, assim, a Folkcomunicação. Dessa forma, a

Folkcomunicação emerge da realidade conjuntural, particularmente da região do nordeste do

Brasil e conquista seu espaço na academia.

Hoje, a Folkcomunicação, pertencente ao quadro da Escola Latino-americana de

Comunicação e é difundida no Brasil e, de maneira mais tímida, na América Latina e na

Europa, através de publicações e do trânsito de pesquisadores. A Intercom (Sociedade

Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação) criou o Prêmio Luiz Beltrão, em

que são homenageados os recém-pesquisadores que sobressaem na academia. A Cátedra

UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional que criou, em 2005, o

Portal Luiz Beltrão, que tem por objetivo principal não somente difundir as idéias de Luiz

Beltrão, mas apoiar pesquisadores e estudantes de comunicação nas pesquisas da área de

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33

Folkcomunicação. Também, há que se destacar a Universidade Autônoma de Barcelona, que

instituiu 2006 como o “Ano Luiz Beltrão”, em que o foco das pesquisas acadêmicas estará

sobre o pensamento comunicacional de Luiz Beltrão e, conseqüentemente, sobre a

Folkcomunicação, contribuindo ainda mais para a sua difusão.

Objetivo da Pesquisa

Geral

O objetivo principal deste trabalho, em primeira instância, é investigar sobre as origens

da folkcomunicação, identificando, não somente os teóricos da comunicação, cientistas

sociais e folcloristas que respaldaram a tese de Beltrão, mas também, as teorias que deram

sustentação às pesquisas em folkcomunicação. Num segundo momento, verificar como se deu

o desenvolvimento das idéias de Beltrão veiculadas nos congressos nacionais e internacionais

e, num terceiro momento, iremos verificar o processo de difusão desta teoria em âmbito

nacional, alcançando universidades no exterior, através do trânsito de pesquisadores entre as

universidades, bem como a presença destes em congressos comunicacionais trazendo

contribuições significativas para a disseminação do pensamento comunicacional de Beltrão.

Específicos

Investigar sobre as teorias da comunicação e teorias sócio-culturais brasileiras que

deram origem à Folkcomunicação, bem como, seus pensadores;

Identificar como se deu esse processo inicial da gestação da folkcomunicação;

Verificar os avanços teóricos construídos pelos inovadores e renovadores que deram

continuidade aos estudos de Luiz Beltrão;

Averiguar de que forma se deu o processo de difusão da folkcomunicação e quais

foram seus pilares;

Traçar o mapa da sedimentação da Folkcomunicação.

Justificativa

A principal justificativa é a atualidade do tema. O estudo da folkcomunicação está se

expandindo, não somente no Brasil, como também no exterior. A internacionalização da

Folkcomunicação deve-se à circulação de pesquisadores, em que a teoria da folkcomunicação,

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nascida em solo brasileiro, está servindo de referencial teórico às pesquisas sobre os mass

media e a cultura popular. Ou seja, a teoria de Beltrão se expandiu, rompendo as fronteiras

brasileiras e difundiu-se internacionalmente. Essa constatação pode ser verificada a partir das

comunicações apresentadas em congressos nacionais e internacionais, através dos anais dos

congressos e, também, nas revistas cientificas, em que a teoria da folkcomunicação tem sido

utilizada como referencial teórico-metodológico para as pesquisas que tratam da cultura

popular e a intermediação dos mass media.

Metodologia

Esta pesquisa foi dividida em três partes, com o objetivo de abordar os processos pelos

quais passou a folkcomunicação em termos teóricos, como também, de difusão, sedimentação

e institucionalização da folkcomunicação, principalmente a sua legitimidade acadêmica.

Esta tese apresenta-se de maneira característica latino-americana, em seu hibridismo

teórico e metodológico, o que foi um ponto complexo de trabalho. Buscamos seguir, na

verdade, a linha do Orientador, Prof. Dr. José Marques de Melo, que trabalha sob o viés

Positivista de cunho funcionalista, com o objetivo de explicitar as matrizes epistemológicas

da Folkcomunicação.

Ressaltamos que buscamos trabalhar de maneira científica, utilizando meta-teorias, com

o objetivo de validar a Folkcomunicação, enquanto uma teoria da comunicação que busca

operacionalizar a informação no espaço social, independente de classes sociais. Fazer circular

a informação no espaço social é o objetivo da folkcomunicação e é o que buscamos mostrar.

Assim, utilizamos, nesse processo, várias teorias da comunicação e teorias sociais para

explicar esses processos, ora assimilando posições, ora confrontando-as.

Trata-se de pesquisa bibliográfica e documental, em que foram realizadas a coleta de

dados e análises quantitativa e qualitativa, na Parte II, na Análise dos Congressos; além de

pesquisa taxionômica, na Parte III, em relação às teses e dissertações, e inventário da

produção bibliográfica e documental.

A mestiçagem metodológica ocorreu devido às metas traçadas. Para isso, em cada parte,

foi utilizado um viés. Para a primeira parte, em que o objetivo era abordar A Gênese e os

Fundamentos da Folkcomunicação, trabalhamos a partir do estrutural-funcionalismo,

mostrando de que maneira foi elaborada a teoria, apontando suas principais matrizes:

epistemológicas, antropológicas e sociológicas, e comunicacionais. O objetivo foi apresentar

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os fundamentos da Folkcomunicação, em termos epistemológicos e teóricos, bem como,

fechar as arestas que pediam dois novos componentes no processo de intelecção, que são a

doxa e o habitus.

A segunda parte, a que denominamos Desenvolvimento: O desenvolvimento das idéias

pelos agentes e o confronto com outras Teorias, teve como respaldo científico a pesquisa

quantitativa e qualitativa de 10% da produção científica dos Congressos Folkcom (específico

da área), Intercom (âmbito nacional) e Alaic (âmbito latino-americano), ou o mínimo de um

artigo por congresso. As categorias analíticas foram: Autor, Assunto, Metodologia, Objetivo

da Pesquisa, Principais Conceitos e Referências Bibliográficas, nortearam a investigação.

Além da identificação da incursão de pesquisadores de sete países nas pesquisas

folkcomunicacionais, pudemos averiguar a existência de gerações de pesquisadores.

Finalizando, buscamos, ainda, abordar a Folkcomunicação no confronto com outras teorias

sociais e culturalistas, com o objetivo de averiguar sua validade e fortalecimento de conceitos.

A terceira parte, denominada A Difusão da Folkcomunicação: as práticas acadêmicas e

científicas, buscou identificar, através do difusionismo e das categorias propostas por Everett

Rogers (Diffusion of Innovations, 1995), para averiguar os problemas que frearam a difusão

da folkcomunicação no meio acadêmico e a superação desses entraves para o seu

desenvolvimento e difusão.

Everett Rogers (1995, p. 5), conceitua o termo “difusão”, entendendo-o como o

“processo através do qual uma inovação é comunicada por intermédio de certos canais

durante um corte temporal aos componentes de um sistema social”. A partir dessa

conceituação e utilizando esses indicadores como parâmetros para esta pesquisa, utilizamos a

sistematização de Marques de Melo (1996, p. 15) para redefinirmos a nossa pesquisa,

conforme segue:

Inovadores : realizamos uma divisão histórica-contextual das gerações da

Folkcomunicação, subdividindo-os entre: Geração Precursora, Geração Pioneira (década de

60-70), Geração inovadora (década de 80-90), Geração Renovadora (1998 a atualidade).

Os canais de comunicação que nos propomos a verificar são as publicações

acadêmicas (dissertações, teses, livros e periódicos), comunicações científicas (anais dos

congressos Folkcom, Intercom, Alaic) e comunicações didáticas (aulas , palestras e

conferências).

O corte temporal abrigou o período correspondente a 10 anos de pesquisa

acadêmica e científica, de 1998 a 2007.

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36

O sistema social abordado foi a comunidade acadêmica, integrada por

professores e pesquisadores, identificados a partir de suas participações nos Congressos

Folkcom, Intercom e Alaic (nos grupos de trabalho de folkcomunicação), além do Congresso

Nacional (Brasileiro) de Folclore, que, em 2007, abriu um grupo de trabalho em

Folkcomunicação; bem como da produção de teses e dissertações em que identificamos os

orientadores e as Escolas de Comunicação que mais produzem material científico sobre a

área.

Dessa forma, com o objetivo de pesquisar não somente a gênese, mas a difusão da

folkcomunicação, buscamos identificar de que forma se deu esse processo, tendo como

agentes principais da difusão das idéias de Beltrão os professores e pesquisadores que

disseminam os conceitos teóricos da folkcomunicação, através do trânsito em congressos

nacionais e internacionais.

Realizamos, também, uma pesquisa taxionômica da produção intelectual, não somente

denominada Folkcomunicação e Folkmídia, mas a partir de palavras-chave como “Folclore”,

“cultura popular” e as suas relações com a “Comunicação” ou com a “Mídia”. Essas palavras

foram obtidas, não somente nos títulos, ou palavras-chave das pesquisas, mas também nos

resumos e considerando, algumas vezes, a linha de pesquisa do orientador. Assim, realizamos

um inventário da produção intelectual nos estudos de “Comunicação Popular” no Brasil,

verificando teses e dissertações, que nos levaram às Escolas de Comunicação do país e os

orientadores, que são os formadores de pesquisadores-docentes. O material levantado poderá

contribuir para pesquisas posteriores.

Como corpus pesquisado, selecionamos as unidades de estudo correspondentes a três

núcleos de difusão, conforme Marques de Melo (1996, p.16-17):

Revistas especializadas: a) Revista Internacional de Folkcomunicação; b) Comunicação &

Sociedade; c) Revista Brasileira de Ciências da Comunicação (INTERCOM); d) Anuário

UNESCO/METODISTA de Comunicação Regional; e) Pensamento Comunicacional Latino-

Americano (PCLA); f) Revista ALAIC; g) Anais ELACOM; h) Razón y Palabra.

Anais dos Congressos: a) FOLKCOM (específico da área); b) INTERCOM (nacional); c)

ALAIC (latino-americano).

Escolas de Comunicação: as Escolas de Comunicação são centros permanentes de difusão de

conhecimento e paradigmas científicos. Dessa forma, a partir da pesquisa taxionômica, foram

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reveladas as escolas que produzem conhecimento sobre os estudos de Comunicação, Folclore

e Cultura Popular, ou ainda Estudos de Mídia e Cultura Popular. Para esta pesquisa, foram

utilizados como fonte:

1. MARQUES DE MELO, J. Inventário da pesquisa em comunicação no Brasil – 1883-

1983.PORT-COM, INTERCOM/ALAIC/CIID/CNPq, São Paulo, Brasil, 1984.

2. KUNSCH, Margarida M. Krohling. & DENCKER, Ada de Feitas M. (coord.)

Produção cientifica Brasileira em Comunicação Década de 80 – análises, tendencias e

perspectivas. PORTCOM/INTERCOM/EDICON, São Paulo: ECA/USP, 1997.

3. STUMPF, Ida Regina C. & CAPPARELLI, Sérgio. (org.) Teses e dissertações em

comunicação no Brasil (1992-1996). Resumos. Porto Alegre: PPGCom/UFRGS, 1998.

4. STUMPF, Ida Regina C. & CAPPARELLI, Sérgio. (org.) Teses e dissertações em

comunicação no Brasil (1997-1999). Resumos. Porto Alegre: PPGCom/UFRGS, 2001.

5. Portal Capes (2003-2007): www.capes.br.

Esta pesquisa possibilitou a identificação dos orientadores que são formadores de

docentes no país.

Relevância científica

A iniciativa deste projeto deve-se à importância fundamental e paradigmática de Luiz

Beltrão no pensamento comunicacional brasileiro e latino-americano. Sua contribuição

atribui-se não somente à sua tese de doutorado, mas à sua atuação enquanto professor e

pesquisador, sendo o seu pioneirismo multifacetado, como exposto por Marques de Melo

(1998, 2001, 2004).

Nossa proposta é, através desta pesquisa, identificar as matrizes epistemológicas e as

raízes metodológicas de Beltrão, caracterizando a interdisciplinaridade presente na

folkcomunicação, que tem na sua essência uma relação dialógica entre as ciências da cultura e

as ciências da comunicação e da linguagem. Para isso, pesquisamos os congressos e os

pesquisadores que sobressaíram em folkcomunicação e folkmídia, elaboradas no contexto

brasileiro, além das incursões feitas por outros latino-americanos, o que expande a teoria

folkcomunicacional para a América Latina e Europa. Dessa forma, esta pesquisa

proporcionará uma visão panorâmica da folkcomunicação e os pesquisadores que se

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esmeraram em compreendê-la, adaptá-la ao seu contexto sócio-cultural e difundi-la no âmbito

acadêmico.

Como resultado, temos uma visão global da folkcomunicação, como também seus

principais pesquisadores e sublinhas de pesquisa, como, por exemplo: folkmídia e as relações

entre a cultura popular e os meios de comunicação, que já estão sendo estudadas em

disciplinas, em algumas universidades no Brasil.

Relevância Social

O avanço da teoria folkcomunicacional coloca o Brasil no cenário latino-americano,

com a maior contribuição brasileira às Ciências da Comunicação. Uma teoria que emerge no

cenário brasileiro da década de 1960, quando o Brasil vivia em pleno regime militar, o que, de

certa forma, reprimiu a difusão das idéias de Beltrão, consideradas subversivas na época. A

teoria da folkcomunicação surge a partir da percepção da realidade vivida por Beltrão,

enquanto repórter do jornal “Diário de Pernambuco”, quando trabalhava diretamente com

pessoas consideradas marginalizadas. Beltrão, porém, percebeu que, entre essas pessoas,

havia uma forma de articulação de suas idéias e manifestações expressivas. Beltrão verificou

que a informação não fluía no espaço social e era necessário averiguar os “porquês”. Quais os

motivos e em que partes do processo comunicacional a informação não fluía? Onde estava o

problema comunicacional?

A investigação da natureza dos elementos e da estrutura, dos agentes e

usuários, do processo, das modalidades e dos efeitos da Folkcomunicação é

absolutamente necessária, notadamente em países como o nosso, de elevado

índice de analfabetos, de disseminação populacional irregular, de

reconhecida má distribuição de renda e acentuado nível de pauperismo e

caracterizado, em conseqüência destes e de outros fatores, por freqüentes

crises institucionais que conduzem à inevitável instabilidade política

(BELTRÃO, 2004, p. 72).

Beltrão estava decidido a estudar os efeitos que esses meios informais de comunicação

tinham em relação aos meios convencionais de comunicação, entre a população marginalizada

(social e culturalmente). Uma de suas descobertas foi à percepção de um líder de opinião

entre esses grupos marginalizados - “personagem quase sempre do mesmo nível social e de

franco convívio com os que deixavam influenciar, levando sobre eles uma vantagem: estava

mais sujeito aos meios de comunicação do que aos seus liderados” (BELTRÃO, 2001, p. 67-

68). A recepção sem esse intermediário ocorre somente quando o destinatário domina os

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códigos e sua técnica, tendo a capacidade de usá-los, relacionando-se com a mensagem

inicial. Assim, a folkcomunicação caracteriza-se como um processo artesanal e horizontal,

semelhante em sua essência aos processos de comunicação interpessoal (BELTRÃO, 2004, p.

74).

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ANÁLISE DE CONJUNTURA

Naqueles dramáticos dias de Agosto-Setembro de 1961, em que se registrou

o impressionante e inédito episódio da reação unânime contra o expresso

veto dos comandantes supremos das Forças Armadas à posse legítima do

vice-presidente da República, com a renúncia do titular. Fomos todos

testemunhas dessa manifestação espontânea, global, esmagadora, contra

decisão personalista, que pretendia sobrepujar-se à letra e ao espírito da lei e

da justiça. Sobre os meios convencionais de comunicação, exerceu-se estrita

censura. As classes populares valeram-se, então, de seus próprios

veículos - folhetos, volantes, atos de presença - opondo à força militar a

sua vontade soberana.

Luiz Beltrão

Introdução

Primeiro doutor em Comunicação do país, Luis Beltrão defende sua tese de doutorado

em 1967, pela Universidade de Brasília, porém recebe a titulação somente após a abertura

política do país. Enquanto intelectual da nação, Beltrão sentia-se responsável por buscar

respostas à realidade de conflitos vividos no Brasil, que não era de exclusividade nossa, pois a

América Latina estava em plena crise política-econômica e social, como resultado dos

processos colonizatórios, mas também em conseqüência das crises mundiais, contando com a

Primeira Grande Guerra Mundial, Queda da Bolsa de Nova York (1929), Segunda Guerra

Mundial e, posterior, Guerra Fria entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas, a Rússia.

Cenário Mundial

O século XX emerge sob conflitos mundiais, sociais, políticos e econômicos, que vão se

desencadear na Primeira Grande Guerra Mundial, que deixou a Europa devastada e a América

Latina imersa numa crise intensa. Devido à guerra e, conseqüentemente, a dificuldade do ir e

vir de matéria-prima e alimentos básicos, além de epidemias que exterminavam milhares de

pessoas, grande massa da população européia começa a migrar para a América,

principalmente para a América do Sul. Mas, o pior ainda estava por vir: eclode a Segunda

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Guerra Mundial e em meios às crises políticas e econômicas mundiais, a grande massa da

população na Europa e América se vê faminta.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial é criada a ONU (Organização das Nações

Unidas), com o objetivo de reconstruir os países arrasados pelas duas grandes guerras

mundiais, como também, tinha por objetivo socorrer os países subdesenvolvidos, em que

milhões de pessoas viviam em intensa miséria e pobreza. Posterioremente, foi criada a

UNESCO, com o objetivo de promover a educação, cultura e o avanço dos países devastados.

É sob esse prisma que a folkcomunicação deve ser vista, como um mecanismo de superação,

com vistas ao desenvolvimento dos países sul-americanos a partir da comunicação, respaldada

pelas pesquisas de Wilbur Schramm, Everett Rogers, Dumazedier entre outros pesquisadores.

Cenário latino-americano

Os países latino-americanos fazem financiamentos junto ao FMI (Fundo Monetário

Internacional) para minimizar os problemas sociais, porém afundam-se em uma divida que se

torna impagável, com o passar dos anos. Os países chamados subdesenvolvidos, sofrem

intensas crises e conflitos, como a eclosão de movimentos populares e de guerrilha, que

instalam-se em vários países latino-americanos e o Brasil começava a perder o controle social.

Estávamos em vias de uma Revolução Civil, um Golpe de Estado, um estado de caos e

descontrole. Em 1961, o povo reage contra o expresso veto dos comandantes das Forças

Armadas, que querem deter a posse do vice, frente a renúncia do titular.

No cenário comunicacional, entre os anos de 1960 e 1962 se realizam diversas pesquisas

com o objetivo de definir o papel da comunicação massiva nos países de Terceiro Mundo. Os

meios de comunicação encontram-se em expansão e pesquisadores como Hyman (1967), Frey

Lerner (1967, 1978), Pye (1963) colocam a pesquisaa serviço desta política de expansão.

Como exemplo dessa interrrelação há a pesquisa de Lerner e Schramm: Communication and

change in the developping countries (1967) (MORAGAS, 1981, p. 68). Porém, embora

Schramm fosse um dos pioneiros nessas pesquisas, especialista reconhecido pela UNESCO

internacionalmente, os países de Terceiro Mundo não aceitariam os pontos de vista propostos

por ele e pelos pesquisadores de seu núcleo, sobre as políticas de comunicação, para abordar a

relação entre os meios de comunicação massivos e o desenvolvimento. O tema central das

pesquisas norte-americanas sobre a cultura dos anos quarenta e cinqüenta, tinham como foco

o estudo das transformações, benefícios e prejuízos, que o surgimento dos meios de

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comunicação de massa trouxeram para a cultura (MORAGAS, 1981, p. 73). Nesse contexto,

emerge o debate entre os “apocalípticos” e “integrados”.

A Folkcomunicação, porém, de linha funcionalista, identifica-se com a posição de

Schramm, que visa uma comunicação em benefício da grande massa da população e a

integração social dos marginalizados. Beltrão defende a responsabilidade social da imprensa e

dos meios de comunicação de massa, com o objetivo de promover a difusão de informações e

inovações em benefício da massa, visando mudanças e transformações sociais, através de

políticas públicas que atendam as necessidades e reivindicações populares expressas nas

práticas culturais e nas manifestações folclóricas.

Brasil, década de 1960

As guerras mundias trouxeram conseqüências, também, para o Brasil, que para “driblar”

a crise, realizava financiamentos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Porém, as

altas taxas de juros tornavam a dívida cada vez mais impagável. Essa situação era

compartilhada por vários países latino-americanos que, muitas vezes, pagavam apenas os

juros e a dívida permanecia, elevando cada vez mais a inflação e empobrecendo cada vez

mais a população brasileira. O Governo Dutra (1946-1951) foi marcado pela Guerra Fria

(USA- capitalismo x URSS - socialismo), que ocasionou tensões politico-ideológicas e

econômicas também, pelas suas conseqüências aos países de Terceiro Mundo. Buscando

combater a inflação, coordenando os gastos públicos e dirigindo investimentos prioritários,

Gaspar Dutra criou o Plano SALTE, que tinha por objetivo: investir em saúde, alimentação,

transporte e energia. O Salário Mínimo deixara as classes trabalhadoras em situação de

miséria, o que sucedeu em graves conseqüências para a economia brasileira (COTRIM, 2001,

p. 290).

Vargas retorna ao poder (1951-1954) e realiza um governo nacionalista e empenha-se

pela independência econômica do país. Assim, os nacionalistas defendiam que a extração do

petróleo fosse realizada por uma empresa brasileira e inicia a campanha “O Petróleo é nosso”.

Esta campanha nacionalista leva Beltrão e alguns colegas da Faculdade de Direito aos morros

e favelas do Recife, com o objetivo de explicar às camadas mais pobres da população quais as

implicações da nacionalização do petróleo. Beltrão, já nessa época, acreditava que era preciso

traduzir, interpretar e reelaborar a mensagem transmitida pelos meios de comunicação de

massa, pois os meios de comunicação não davam conta de fazerem-se inteligíveis à grande

massa analfabeta, ou com pouca escolaridade, em compreender a complexidade desta

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inovação. Era necessária a atuação de líderes de opinião, de pessoas que entendessem a

complexidade da informação e os benefícios que acarretariam à população (BENJAMIN,

1998).

Finalmente, a campanha teve seu êxito. Em 1953, foi criada a Petrobrás, “empresa

estatal responsável pelo monopólio total da extração e, parcialmente, do refino do petróleo

brasileiro. Atualmente, a Petrobrás é uma estatal que tem total monopólio, não só na extração,

como também no refino do petróleo nacional, como também exporta essa tecnologia criando

“filiais”, em países latino-americanos. Ela não transfere a tecnologia, apenas exporta a

tecnologia capaz de realizar todo o processo de extração e refino do petróleo, como é o que

acontece na Bolívia.

Também chamado de “Pai dos pobres”, Getúlio Vargas irrita profundamente a classe

patronal ao conceder um aumento real de 100% do salário mínimo da época, atendendo à

proposta de João Goulart. Em 24 de agosto de 1954 foi publicada a notícia do suicídio de

Vargas, juntamente com uma Carta-Testamento dirigida ao povo brasileiro, o que provocou

uma intensa comoção popular, paralisando as críticas da oposição, como também o exílio de

seu crítico mais atroz, Carlos Lacerda.

Para completar o mandato de Vargas, ocorreu uma sucessão de nomeações à presidência

da república, respectivamente: Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos. Com as eleições

presidenciais de 1955, sobe ao poder Juscelino Kubitschek de Oliveira e seu vice João Goulart

(PTB-PSD). Kubitschek tinha por slogan político “50 anos em 5”. Sua meta

desenvolvimentista priorizava cinco setores: energia, transporte, alimentação, indústrias de

base e educação. Em seu governo, foi criada a SUDENE (Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste), que resultou em pouco resultado efetivo para a região. Os

anos 1950, conhecidos como os “anos dourados”, foram dedicados a uma política

industrializante “progressista” e de internacionalização da economia.

Em 1961, é eleito Jânio Quadros, como sucessor de Juscelino Kubitschek, que tem

como lema de sua campanha “varrer toda a sujeira de nossa administração pública” e adota

como símbolo de seu governo uma vassoura (COTRIM, 2001, p. 298). Enquanto consegue a

simpatia da grande massa da população, o ápice da revolta oposicionista acontece em 19 de

agosto de 1961, quando homenageia o ministro da economia cubano, socialista, Ernesto Che

Guevara.

A imagem do Che foi a principal imagem que marcou a década,

especialmente depois da sua morte, em outubro de 1967. Suas citações –

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além da já mencionada sobre o Vietnã – povoaram as lutas e os imaginários

políticos e ideológicos: “O dever de todo revolucionário é fazer a

revolução”; “É preciso endurecer, sem perder a ternura, jamais.”; “o

verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor.” Sua

imagem passou a representar a rebeldia, o compromisso ético da militância

revolucionária, a solidariedade internacionalista, expressa da forma mais

concreta na sua gesta no Congo, primeiro, na Bolívia em seguida. O

movimento dos anos 60 tinha um forte componente internacionalista,

solidário. Todas as lutas dos povos do mundo eram reivindicadas pelas

mobilizações, pelos movimentos, pelas publicações, pelas palavras-de-

ordem (SADER, on-line).

O cenário político do país passava por um período conturbado de levantes populares. E é

nesse episódio da história, em que Luiz Beltrão se pergunta como a massa conseguiu

articular-se de tal maneira a impedir o golpe militar, naquele momento, mas que aconteceria

posteriormente, em 1964, quando Jango foi deposto e foi instituído um período sombrio de

ditadura militar no Brasil. O período de ditadura alavancou o país para a modernização. Com

a imposição de pacotes econômicos e de medidas e projetos desenvolvimentistas, o país

conheceu um período de “milagre econômico”. Conforme o jornalista Franklin Martins (O

BRASIL..., on-line), a manobra política arriscada de Jânio não teve o feedback esperado que,

após dois anos, renuncia ao governo e é substituído por João Goulart, conhecido

popularmente como Jango. Sua renúncia foi aceita em questão de horas. A questão seria a sua

sucessão.

(...) a renúncia de Jânio foi uma manobra política de alto risco para livrar-se

da oposição e reforçar seus poderes: aproveitando-se de que o vice-

presidente João Goulart estava ausente do país, numa viagem à China, e

apostando que os chefes militares não aceitariam ver Jango no Palácio do

Planalto, Jânio renuncia à Presidência da República. Jogava no impasse, na

crise e numa volta nos braços do povo _ e nos ombros das Forças Armadas.

Mas o tiro saiu pela culatra. Sem apoio do PTB (Partido Trabalhista

Brasileiro), do PSD (Partido Social Democrático) e da esquerda, que

derrotara nas urnas, e da UDN (União Democrática Nacional), que

humilhara no poder, Jânio foi rapidamente ultrapassado pelos

acontecimentos. A renúncia foi aceita em questão de horas. O problema

passou a ser sua sucessão. Nas semanas seguintes, o país chegaria à beira da

guerra civil (JOÃO GOULART, on-line).

Com a renúncia de Jânio Quadros, dias depois, em 25 de agosto de 1961, é empossado o

seu vice: João Goulart, conhecido como Jango, que nessa ocasião encontrava-se em missão

diplomática na China comunista, de Mao Tse Tung. Enquanto o retorno de Jango, acusado de

aderir ao comunismo, era aguardado no país, os militares tentaram a instauração do regime

militar para impedir a sua posse.

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O discurso de Leonel Brizola, transmitido no dia 28 de agosto de 1961, convocando o

povo brasileiro foi, praticamente o cenário descrito por Beltrão em suas entrevistas, como

algo que lhe deixou estarrecido, da força da comunicação popular e a resistência popular ao

veto, quando fala dos “dramáticos dias de agosto de 1961”, Brizola convoca a resistência ao

golpe. Em seu discurso no rádio, em Porto Alegre,

em resposta ao veto dos ministros militares à posse de João Goulart na

Presidência da República, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel

Brizola, convoca os gaúchos e os brasileiros a defenderem a Constituição.

Entricheira-se no Palácio Piratini, mobiliza a Brigada Militar e, através da

“Cadeia da Legalidade”, formada por dezenas de emissoras de rádio,

convoca o país a resistir ao golpe. A firme atitude Brizola divide as Forças

Armadas, com a adesão do poderoso III Exército, sediado no Sul e

comandado pelo general Machado Lopes, à tese do respeito à Constituição.

(MARTINS, O BRASIL..., on-line)

A posse de Jango dividia posições: os oposicionistas eram os militares, udenistas,

grandes empresários nacionais e estrangeiros; e os favoráveis eram sindicalistas e

trabalhadores, profissionais liberais e pequenos empresários. A solução encontrada foi uma

emenda constitucional, aprovada em 2 de setembro de 1961, instaurando o regime

parlamentarista no país.

Franklin Martins (O BRASIL..., on-line) explica que, quando os chefes militares se

vêem obrigados a retirar o veto à posse de Goulart, solicitam que os governistas se

comprometam a instituir o regime parlamentarista, conseguindo, assim, a redução dos poderes

do presidente, condição essa aceita por Jango. Assim, em 7 de setembro (dia em que é

comemorada a Independência do Brasil) de 1961, Jango é empossado Presidente da

República. Dois anos depois, é extinto o regime parlamentarista e é devolvido ao presidente

os poderes constitucionais.

O Governo João Goulart fica no poder entre os anos de 1961-1964, quando foi deposto

pelas Forças Armadas, sendo instaurado no país o regime militar. Jango defendia a

necessidade de 5 (cinco) reformas no país: a reforma agrária, urbana, educacional, eleitoral e

tributária. Em oposição ao governo de Jango, foi organizada a passeata “Família com Deus

pela Liberdade”. Em 31 de março de 1964 eclodiu a rebelião das Forças armadas e iniciava-se

um período sombrio no país: a ditadura militar.

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FIGURA 1: Quadro Actancial das Relações de Poder de que fala Beltrão em 1961

OBJETO (HEGEMONIA)

Presidência da República

DESTINADOR DESTINATÁRIO

Leonel Brizola povo brasileiro

Denuncia o golpe

ADJUVANTE SUJEITO OPONENTE

sindicalistas GOVERNO – João Goulart (PTB-PSD) militares, Udenistas

trabalhadores empresários nacionais

profissionais liberais e estrangeiros

pequenos empresários

UNE

*Elaboração própria a partir de coleta de dados.

Estabelecem-se relações de força, de luta pela hegemonia no governo brasileiro. E é

nesse cenário de luta pela hegemonia, entre militares, governo e povo, que Luiz Beltrão

percebe uma forte articulação popular. É dessa força persuasiva da comunicação popular, que

emerge a idéia sobre a Folkcomunicação que, para Beltrão, deve promover a inclusão social e

a integração nacional, que neste contexto estava ameaçada. Era preciso que os intelectuais da

nação, a classe dirigente, desse uma resposta plausível e explicasse o que estava acontecendo,

o que aproxima em muito as idéias de Beltrão a Gramsci na Itália, no sentido de que cabe aos

intelectuais da nação buscar soluções cabíveis aos problemas do país (GRAMSCI, S/D).

Esse era o movimento citado por Luiz Beltrão em suas entrevistas. Nessa época, o

economista Celso Furtado divulgava um plano para combater a inflação e alavancar o

desenvolvimento do país. Eram anunciadas também várias reformas, como a agrária,

tributária, administrativa, bancária e educacional. Porém, o plano econômico elaborado por

Celso Furtado foi boicotado pelos setores reacionários e o governo brasileiro viu-se obrigado

a negociar empréstimos junto ao FMI – Fundo Monetário Internacional, ressaltando que os

Estados Unidos exigiram cortes significativos nos investimentos nacionais.

Contexto Social

Emergem movimentos sociais civis, que abriram espaço a uma revolução

comportamental e a Psicologia Social busca entender a causa e as possíveis conseqüências,

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pedindo direitos iguais em relação aos marginalizados, às mulheres e crianças, aos negros, aos

homossexuais, que também manifestavam a indignação das insuportáveis guerras, seguindo-

se de protestos contra a Guerra do Vietña.

A América Latina assiste à Revolução Cubana, que leva Fidel Castro ao poder (1959),

permanecendo como presidente daquele país durante mais de quarenta anos.

Simultaneamente, alguns países da África e do Caribe lutam pela independência e pelo

processo de descolonização das antigas colônias européias.

O inimigo principal é o neoliberalismo, que, nos anos 60, ainda não existia

na versão atual de irrestrita liberdade do mercado. A gente lutava contra a

ditadura e pelo socialismo. Nos inspiravam revoluções populares como a

cubana, a vietnamita e a chinesa; queríamos trazê-las para o Brasil.

Pretendíamos não apenas derrubar a ditadura, mas, também, mudar o

mundo. Éramos idealistas e ousados. O inimigo da nossa geração usava

farda; (...) Na nossa época, muito menos gente chegava a concluir o curso

superior, o que garantia emprego a quase todos que obtivessem o diploma

(POERNER, on-line).

Artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, projetavam-se no cenário mundial com

músicas engajadas, que cantavam as transformações sociais necessárias ao mundo, de cunho

ideológico, utilizando-se de figuras de linguagem e de pensamento, para a expressão de suas

idéias e opiniões, frente a uma realidade de conseqüências das duas grandes guerras, da guerra

Fria e movimentos revolucionários que eclodiam em várias partes do mundo.

O Brasil em números

O Rio de Janeiro deixava de ser a capital da República. Oscar Niemayer projetava a

cidade satélite e o presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) passava o núcleo político do

país para Brasília, construída por centenas de nordestinos trazidos em pau-de-arara. Pesquisas

sociais revelavam, em 2000, conforme citação abaixo, as transformações sociais ocorridas no

país durante o período de 60 anos (1940-2000), contando com grandes diferenças em diversos

âmbitos. Porém, o mais interessante, à Folkcomunicação, é a taxa de analfabetismo, pois

refere-se ao entendimento da informação transmitida pelos meios massivos de comunicação.

Tem-se que o percentual de escolarização entre as crianças de 7 a 14 anos subiu de 30,6%

para 94,5%, conforme consta abaixo, em um estudo do Censo brasileiro que revela as

transformações sociais que ocorreram no Brasil, na década de 1960.

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Entre os Censos de 1940 e 2000, a população brasileira cresceu quatro

vezes. O Brasil rural tornou-se urbano (31,3% para 81,2% de taxa de

urbanização). Nesse período, houve o envelhecimento da população

brasileira, que na faixa de 15 a 59 anos, aumentou de 53% para 61,8%. O

número de pessoas autodeclaradas pardas aumentou de 21,2% para 38,5%,

reflexo do processo de miscigenação racial. Quanto à religião, nesses 60

anos, os evangélicos cresceram de 2,6% para 15,4% da população. O país

conseguiu reduzir em cinco vezes a taxa de analfabetismo, que caiu de

56,8% para 12,1%. A taxa de escolarização, entre crianças de 7 a 14 anos,

aumentou de 30,6% para 94,5%. Já o percentual de casados cresceu de

42,2% para 49,5%. Os brasileiros natos passaram de 96,6% para 99,6%. No

período em foco, agricultura, pecuária e silvicultura, que em 1940

representava 32,6% da população ocupada, declinou para 17,9%, em 2000

(IBGE, on-line).

Os dados mostram o grande êxodo rural, em busca de trabalho e melhores salários nas

grandes capitais, principalmente no eixo Rio-São Paulo, centros econômicos do país.

Enfatizamos, porém, a reduação em 5 (cinco) vezes da taxa de analfabetismo, que cai de

56,8% para 12,1% e a taxa de escolarização de crianças, que passa de 30,6% para 94,5%, o

que melhora em muito o nivel de intelecção do receptor massivo.

TABELA 0-1: População Urbana e Rural (1960-2000)

0

20000000

40000000

60000000

80000000

100000000

120000000

140000000

1960 1970 1980 2000

P.Urbana

P. Rural

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Entendemos que quanto maior for a taxa de analfabetismo, maior a necessidade de um

líder folk (que utiliza os MCF), ou de um folkcomunicador (que tem acesso aos MCM),

considerando o acesso do receptor aos meios de difusão de informações.

A realidade de dívida externa impagável frente ao FMI (Fundo Monetário Internacional)

deixava a América Latina em situação de intensa pobreza, o que desencadeava outras

conseqüências.

Taxa de urbanização. Nos anos 60, o Brasil ainda era um país agrícola,

com uma taxa de urbanização de apenas 44,7%. Em 1980, 67,6% do total da

população já vivia em cidades. Entre 1991 e 1996, houve um acréscimo de

12,1 milhões de habitantes urbanos, o que se reflete na elevada taxa de

urbanização (78,4%).

Os dados estatísticos do IBGE revelam a População Urbana e Rural brasileira, desde a

década de 1960 aos anos 2000 (últimos dados conseguidos). Já o próximo gráfico revela a

taxa de mortalidade infantil, que na década de 1960 estava em cerca de 12 e hoje em cerca de

7 anos de idade; além de revelar a expectativa de vida do brasileiro, que na década de 1960

estava na casa dos 50 anos e hoje, beira aos 70 anos de idade.

TABELA 0-2: Taxa de mortalidade e expectativa de vida2

0

10

20

30

40

50

60

70

1960 1970 1980 1990 2000

Taxa Bruta deMortalidade

Expectativa de Vida

O gráfico revela a progressão nas últimas décadas no Brasil, em termos de alfabetização

do país. O que muito interessa a folkcomunicação para tentar medir a possibilidade de

compreensão da mensagem emitida nos meios de comunicação massivos. Ou seja, a

mensagem emitida é inteligível a uma pessoa analfabeta, semi-analfabeta, ou alfabetizada?

2 Dados do IBGE.

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50

Em que grau de complexidade? Total, parcial, ininteligível. São exemplos de pesquisas que

podem ser elaboradas e realizadas em folkcomunicação, para buscar averiguar o grau de

intelecção popular em determinados assuntos importantes ao povo, porém de difícil

compreensão.

Tabela 0-3: Taxa de Alfabetização acima de 15 anos, por sexo e Região brasileira3.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1970 1980 1991 2000

1970 67,1 62,9 47,1 45,3 68,5 62 81,1 73 79,6 73 67,1

1980 70,6 68,1 54,2 55 77,8 74,8 85,8 80,6 86 81,6 74,6

1991 74,9 75,8 59,9 64,6 83,5 83 89 86,4 89,4 86,9 79,9

2000 83 84,4 71,7 75,8 89,2 89,2 92,6 91,1 93,2 91,5 86,4

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher TOTAL

Norte Nordeste Centro Sudeste Sul BRASIL

O IBGE revela a taxa de alfabetização, que compreende pessoas acima de 15 anos de

idade, portanto que possivelmente trabalham e de alguma maneira produzem para o país.

Segundo os dados fornecidos, ainda há 12% da população brasileira, ou seja, cerca de

21.600.000 milhões de pessoas, acima dos 15 anos de idade, que não sabe ler e escrever: é

analfabeta num mundo globalizado. Num contexto, em que as informações transitam em fluxo

e contra-fluxo, do global ao local e do local ao global. Na realidade, o analfabetismo é apenas

um índice dentre vários outros que seriam necessários para provarmos, com maior exatidão, a

dimensão dessa desigualdade econômica e social no Brasil.

O próximo gráfico revela-nos a miscigenação racial brasileira, que desencadeou outros

processos, principalmente de aculturação e de intercâmbio de costumes, culinária,

religiosidade e, principalmente, comunicacionais, que devem ser averiguados.

3 Dados do IBGE.

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Tabela 0-4: Miscigenação racial brasileira.4

0

10

20

30

40

50

60

BRANCA PARDA INDIGENA AMARELA PRETA

RURAL

URBANA

BRASIL

Aqui, a miscigenação racial do povo brasileiro está expressa em números e com a

miscigenação, conseqüentemente, emergem vários fenômenos sociais, religiosos e culturais.

Como por exemplo, uma pessoa afro-descendente, que preserva seus costumes, pode casar-se

com uma pessoa branca, descendente de imigrantes com outra religião e cultura, podendo

gerar no núcleo familiar um sincretismo, em alguns momentos e, em outros, a resistência. A

pluralidade das “culturas brasileiras” é enorme e tem uma diversidade muito rica, falando a

partir da abordagem da antropologia contemporânea que admite a várias culturas inseridas no

contexto de uma cultura nacional, portanto, consegue identificar vários brasis, mas um só

povo-nação.

Economicamente, o Brasil apresenta um crescimento no PIB e na renda per capita, que

vai se refletir na qualidade de vida da grande massa da população. Rodrigo Celoto apresenta-

nos uma análise sintética da renda per capita brasileira nas ultimas décadas em comparação

com o crescimento do PIB brasileiro, em 5,4% no ano anterior. O autor apresenta-nos uma

perspectiva:

O PIB brasileiro cresceu 5,4% no ano passado e completamos quatro anos de

crescimento médio de 4,5%. O Brasil não crescia quatro anos a essa

magnitude de taxa desde 1988 - 20 anos atrás. Tivemos um crescimento per

capita de 3,05% nos últimos quatro anos, uma taxa não alcançada em 20 anos.

Nos últimos dez anos a renda per capita cresceu 1,52% ao ano. Nos últimos

cem anos, o Brasil só obteve crescimento per capita abaixo de 3% ao ano na

década de 80, quando apresentou um crescimento per capita de 1,62% e na

década de 90, quando obteve um decrescimento de 0,07% ao ano.

Considerando o retrospecto das duas décadas anteriores, o crescimento da

renda per capita nos últimos quatro anos de 3,05% não é nada ruim.

Infelizmente, ainda está longe dos 7,2% na década de 70, dos 5,18% na

década de 60 e dos 5,18% na década de 50. A década de 90 já acumula um

crescimento per capita de 1,94% ao ano e provavelmente superará o

4 Dados do IBGE.

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crescimento da década de 80. Ou seja, será a primeira década depois de duas

décadas em que vamos ter uma elevação da taxa de crescimento per capita.

Estamos caminhando para um crescimento per capita de 2% ao ano na

década. Esse crescimento de 2% é muito mais realista para a realidade

brasileira (CELOTO, 2008, on-line).

Com o golpe de 1964, o país passou a ser governado pelos militares. Em 1967, o

Congresso Nacional promulga uma nova Constituição que, na verdade, retomaria a suspensão

dos direitos políticos dos cidadãos e caçaria os mandatos de parlamentares. De teor altamente

centralizador, esta Constituição, também, outorgava plenos poderes ao Presidente da

República. Porém, no ano de 1968, a Constituição foi revogada pelo Ato Institucional nº 5,

marcando um momento de grande centralização de poder e de crise política prolongada no

país (VIANA, 1997). No mesmo ano ocorreu a revolta internacional dos estudantes, que a

CIA classificava de “juventude agitada”.

Mundo afora, na televisão, no cinema, na academia, celebra-se o

quadragésimo aniversário da revolta internacional dos estudantes em 1968:

imagens, debates, seções de jornais, livros trazem a memória do ano em que

"a juventude agitada", nas palavras que abrem o relatório da CIA sobre os

impressionantes acontecimentos em curso, ocupava, sem pedir licença,

escolas, praças, ruas, enfrentando a violência policial com "paus e pedras".

Ao mesmo tempo, emergiam comportamentos transgressores, escolhas

culturais marginais, falas e sons inéditos e irreverentes, que traziam à

superfície profundos anseios de transformação radical do status quo. Da

Califórnia ao Japão, dos grandes centros políticos e culturais do Ocidente e

do leste da Europa até as grandes universidades da América Latina, os

poderes constituídos se deparavam com uma avalanche crescente e

incontrolável de movimentos contestatórios que exigiam mutações radicais,

prometendo, ou ameaçando, virar o mundo de ponta-cabeça (COMITÊ

EDITORIAL, Educação & Sociedade).

Porém, nessa realidade tão conturbada, algo inquieta o nosso scholar brasileiro: se os

meios de comunicação coletiva estavam sob severa censura, bem como os aparelhos

ideológicos do Estado, como houve tamanha comoção popular? Como se comunicaram as

massas populares? Como funcionava a comunicação popular de maneira tão efetiva, que

resultou em uma reação eficaz da massa? Como se comunicavam as comunidades isoladas?

A Folkcomunicação emerge num momento de crise política e de intensa perseguição aos

intelectuais, aos jornalistas, meios de comunicação social e a todos aqueles que, de alguma

forma, se manifestassem contrários ao regime militar. Aqui começa também a nossa

inquietação na investigação em descortinar a Folkcomunicação. O que está por trás da Teoria

da Folkcomunicação elaborada por Beltrão? Qual era o seu problema prático e o seu problema

de investigação? O que Beltrão queria saber com sua investigação? Quais os reais problemas

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da Folkcomunicação? Esse é o nosso desafio, que não sabemos se vamos conseguir, mas

vamos nos empenhar para descobrir.

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PARTE I – GÊNESE

A Gênese e os

Fundamentos da Folkcomunicação

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CAPÍTULO I

Matrizes Epistemológicas

Comunicar é uma capacidade adquirida pelo ser humano, com o passar dos anos e do

seu desenvolvimento biológico e sua interação social com outros seres vivos. Desde a pré-

história, o ser humano estabeleceu certos códigos essenciais para comunicar-se, muitas vezes

visando a sua sobrevivência no ecossistema.

Encarado como instrumento elementar de comunicação, sucedeu a

simbólica, mediata e indireta, concebida para representar os fatos cuja

lembrança se queria resguardar e transmitir. Até onde chega a nossa

penetração na Antiguidade, lá encontramos – em pedra, pau metal, barro,

concha, fibra, pele e papel – o jornal, isto é, a informação rudimentar de

algum acontecimento contemporâneo conservado pelos símbolos; fossem

eles mnemônicos, fixando valores arbitrários supletivos da memória, como

as cintas de conchas variegaas dos iroqueses e as cordas de nós coloridos

dos peruanos;fossem pitográficos, reproduzindo objetovs e figurando idéas,

tais os hieróglifos e os sinais assírios, persas e astecas fossem enfim

fonéticos, traduzindo as vozes nas letras do alfabeto, prodigioso invento (...)

(RIZZINI, 1998, p. 3-4).

A linguagem foi se formando e foram criados símbolos para que significassem um

determinado sentido, gestos, pinturas, danças, ritos, mitos, festas, que passaram a ter

determinados significados, naquele contexto específico, inteligível aos indivíduos daquela

determinada comunidade. Ernest Cassirer aborda essa capacidade criativa de comunicar do

ser humano, afirmando que “o homem é o único animal simbólico”, que tem a capacidade de

criar, expressar e compreender as idéias abstratas e valores morais. Cassirer afirma que

O homem não vive mais em universo somente físico, mas também um

universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes desse

universo, são os fios que constituem o tecido simbólico, a intricada trama da

experiência humana. Todo progresso no campo do pensamento e da

experiência fortalece e adensa essa malha (REALE & ANTISERI, 1991, p.

419).

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Quando crianças, são introduzidas a uma comunidade através de ritos religiosos, que

comunicam o lugar social que esta criança passará a ocupar em determinada sociedade.

Conforme a criança vai crescendo, vai aprendendo e assimilando o modo de ser e estar no

mundo, o habitus e o modus vivendi de sua comunidade, como também, é incentivada a

produzir, ou melhor, reproduzir os conteúdos simbólicos existentes em sua comunidade, a

partir do seu ethos, sua visão de mundo ética social, como também, do seu lugar social,

expressando suas idéias em suas produções simbólicas.

O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo

moral e estético, e sua disposição é a atitude subjacente em relação a ele

mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo

tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade,

seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade (GEERTZ, 1989, p.

93).

O ethos representa um tipo de vida implícito na realidade concreta e a “visão de mundo”

é aceita pela sociedade, por representar a imagem de um estado de coisas, em que esse modo

de viver torna-se uma expressão autêntica de um povo. É a maneira de ser e ver o mundo, de

ser-no-mundo, de ver a realidade e expressar-se em sua essência. É essa essência que se

coloca perante o outro e acontece a distinção. Martin Buber afirma, que: “O Eu se realiza na

relação com o Tu; é tornando Eu que digo Tu” (BUBER, 1977, p. 13). O ser humano conhece

a si mesmo e seus limites no confronto com o outro, o que acontece também relação as

culturas; é no confronto entre as culturas que podemos, por exemplo, estabelecer as

distinções. No Brasil, há uma pluralidade de tribos indígenas, porém cada uma delas tem suas

especificidades e determinações, que as fazem distintas umas das outras. Há uma diversidade

cultural indígena, com dialetos diferentes, por exemplo.

O espaço social é um campo de relações de forças, em que se estabelecem relações de

comunicação, ou de interação simbólica, visto que as relações de comunicação estão

intrinsecamente, segundo Bourdieu, relacionadas às relações de poder em luta pela

hegemonia.

A tradição marxista privilegia as funções políticas dos “sistemas

simbólicos” em detrimento da sua estrutura lógica e da função gnoseologica

(ainda que Engels fale de “expressão sistemática” a respeito do direito); este

funcionalismo – que nada tem de comum com o estruturo-funcionalismo à

maneira de Durkheim ou de Radcliffe-Brown – explica as produções

simbólicas relacionando-as com os interesses da classe dominante. (...) A

cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante

(assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e

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distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da sociedade

no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes

dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do

estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas

distinções. Esse efeito ideológico, produ-lo a cultura dominante

dissimulando a função de divisão na função da comunicação: a cultura que

une (intermediário de comunicação) é também a cultura que separa

(instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as

culturas (designadas como sub-culturas) a definirem-se pela sua distancia

em relação à cultura dominante (BOURDIEU, 2002, p. 10-11).

A distinção entre a cultura dominante e as demais sub-culturas encontra-se presente em

diversos períodos da história. Conforme Arthur Ramos (apud MARQUES DE MELO, 1998,

p. 185), “a cultura é a soma total da criação humana. É tudo o que o homem faz ou produz, no

sentido material ou não-material”. Assim, a noção de cultura funde-se com a noção de

sociedade, porém, ao mesmo tempo em que ela tem o poder aglutinador na sociedade, realiza

a distinção, sendo sub-dividida entre cultura erudita e cultura popular e, em nossos tempos,

cultura de massa. Deve-se levar em consideração, porém, o movimento não somente cíclico

entre os conteúdos dessas culturas, mas por vezes dialético, em que pode-se identificar

conteúdos da cultura popular na cultura erudita, e conteúdos da cultura erudita na cultura de

massa, e conteúdos da cultura de massa na cultura popular, em que seus conteúdos são

sintetizados e emergem de maneira híbrida nos produtos culturais.

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de

conhecimento que “os sistemas simbólicos” cumprem a sua função política

de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que

contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra

(violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de

força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de

Weber, para a “domesticação dos dominados” (BOURDIEU, 2002, p. 11).

Assim, a Folkcomunicação, enquanto subárea da comunicação, é uma linha de

investigação recente, porém seu objeto de estudo – os processos comunicacionais presentes na

produção simbólica de seres humanos, que vêm de determinada comunidade, língua (ou

dialeto), povo, enfim, seres humanos que estão inseridos em um determinado contexto sócio-

político-econômico e cultural – existe desde a antiguidade e vem sendo estudado desde o

prisma de sociólogos, antropólogos, lingüistas, mas não desde o prisma comunicacional, que é

o que propõe Luiz Beltrão. São as formas simbólicas que dão sentido ao mundo, conforme

Ernest Cassirer (REALE & ANTISERI, 1991, p. 444): “As formas simbólicas – isto é, a

linguagem, a arte, o mito e a ciência – „dão forma e sentido‟, vale dizer, estruturam o modo

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de ver o mundo, criam mundo de significados, organizam a experiência”. Ou seja, Luiz

Beltrão propõe estudar esses fenômenos, porém, do ponto de vista comunicacional,

averiguando o que comunica essa produção simbólica, o que quer comunicar esse ser humano,

a partir de seu lugar social.

(...) el principio de la accion histórica – la del artista, la del cientifico o la

del gobernante, como también la del pequeño funcionario -, no radica en un

sujeto que enfrentaria a la sociedad como a un objeto constituido en la

exterioridad. Dicho principio no radica ni en la conciencia ni en las cosas,

sino, en la relación entre dos estados de lo social, es decir, la historia

objetivada en las cosas bajo forma de instituiciones, y la historia encarnada

en los cuerpos bajo la forma del sistema de disposiciones duraderas que

llamo habitus (BOURDIEU, 1982, p. 37-38).

Mas, o que esse ser humano quer comunicar, quer expressar? E de que maneira

comunica? Como o faz? Quais os materiais disponíveis e acessíveis a ser utilizados? Quais os

processos comunicacionais que estão implícitos em sua produção simbólica? A quem esse ser

humano quer transmitir alguma informação? Quem ele quer atingir? Que efeitos espera

provocar no receptor? Ele já sabe, ou precisa aprender a utilizar as ferramentas para produzir

um conteúdo simbólico? Que perguntas esse ser humano faz? E a quem quer responder, com

suas expressões? Que idéias estão implícitas em seu conteúdo simbólico?

Para responder a essas perguntas, e a outras que possam porventura surgir, nosso objeto

de estudo – a teoria da folkcomunicação - nos pede um trabalho interdisciplinar, em que

tenhamos um mesmo marco epistêmico, teórico e metodológico, para que possamos trabalhar

desde a Antropologia Cultural, Sociologia da Cultura, História Cultural e Folkcomunicação,

para compreendermos o que quer comunicar uma determinada produção cultural.

Estudar a cultura do ponto de vista científico significa elaborarmos um discurso

controlado e refutável sobre ela. Conforme Gilberto Gimenez (1994, p. 33)

Lo de „controlado‟ se refere a la necesidad de someter a controles

específicos el léxico, los paradigmas y los modelos que generan ese

discurso. Lo de „refutable‟ quiere decir que el discurso en cuestión tiene que

definir y prever los criterios especificos de su propia validación, según

parámetros compartidos por la comunidad científica.

1.1. Marco epistêmico de Luiz Beltrão

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A Teoria da Folkcomunicação nasce a partir do olhar clínico de um pesquisador e

repórter. Algo chama a atenção aos olhos observadores de Luiz Beltrão. Para o empirismo, a

constatação de uma realidade é uma irritação sentida a partir da observação de um objeto.

Beltrão percebe que algo estava “entravando” os planos do progresso nacional e as metas

desenvolvimentistas do governo. Havia dois Brasis (elite e massa popular) que andavam em

descompasso: um em franco desenvolvimento econômico e outro marginalizado, que

entravava os planos de progresso e essa problemática tinha origens comunicacionais, antes de

mais nada.

Um acreditando em metas desenvolvimentistas e mudando seus padrões de

comportamento aos influxos das idéias e das técnicas novas, difundidas,

sobretudo pelos veículos jornalísticos; outro crendo apenas nos seus

“catimbós” e rejeitando até mesmo uma argumentação lógica,

fundamentada em causas e efeitos para aferrar-se aos seus preconceitos,

hábitos e costumes tradicionais e permanecendo surdo às mensagens

jornalísticas convencionais (BELTRÃO, 2001, p.74, grifo nosso).

Aqui, nos deparamos com o problema a ser enfrentado por esse scholar brasileiro e,

portanto, latino-americano. A grande massa da população não assimilava, não absorvia o

conteúdo das mensagens jornalísticas, por diversos fatores perceptíveis por Beltrão.

1. O primeiro a ser considerado é a alta taxa de analfabetismo no país e a renda per

capita. Considerando que 70%

da população brasileira era de

analfabetos5;

2. Meios massivos de

comunicação acessíveis.

Estávamos na década de 1960,

em plena Era do Rádio. O

rádio foi, na realidade, o

grande meio de comunicação e

pelo seu baixo custo, era mais acessível às camadas populares, visto que a

televisão era acessível apenas a uma pequena parcela da população brasileira. A

televisão chega em 1950 e é acessível apenas à elite da população. A

democratização da televisão acontece na década de 1970, quando o “aparelho”,

5 Valor aproximado, a partir dos dados coletados no site do IBGE e que constam na Análise de Conjuntura,

sendo que seus respectivos gráficos encontram-se nos Anexos.

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como era chamado na época, passa a ser vendido em até 24 prestações, para que

o povo pudesse assistir a “Copa de 70”, realizada no México;

3. Formação dos profissionais de comunicação, que vinham, na sua maioria, do

Direito e da Filosofia, só então, depois migravam para a Comunicação e o

Jornalismo. As primeiras Escolas de Comunicação do Brasil emergem na

década de 1950 (Universidade Católica de Pernambuco, Faculdade Cásper

Líbero e Universidade de São Paulo);

4. A linguagem jornalística da época, que devido a formação dos profissionais, era

rebuscada. O fazer jornalístico, no cotidiano, é que moldava o profissional, a

partir da empresa, do meio de comunicação e do público-alvo.

A dificuldade de uma informação, enquanto inovação, chegar ao povo e ser assimilada

por ele, que tem suas idéias cristalizadas pelo senso comum, pela tradição, pelo habitus, pelo

ethos, pela sua visão de mundo sacramentadas pela doxa, passam necessariamente pela

subjetividade do receptor, que pode assimilar ou não uma inovação.

No entanto, “teimosa , obstinadamente, o povo conserva a sua inteligência e,

através dela, passam os episódios e fatos gerais que julgamos comuns e

irresistíveis”. Teimosa e obstinadamente, resiste ao imperialismo cultural,

defende as “características nacionais contra o nivelamento pela cultura

internacional, dirigida e comum”, facilmente vitorioso nas classes altas e

médias. Valendo-se de formas tradicionais e rudimentares de maior extensão,

ao seu alcance – já que privados dos meios e veículos de maior extensão mas

de manejo reservado às camadas privilegiadas – oferecem uma resistência

épica à arrancada cultural alienígena, como os anglo-saxões o fizeram ante o

domínio francês dos normandos (BELTRÃO, 2001, p. 62).

O carnaval, por exemplo, enquanto um momento de relacionamento social, que

conforme Leopoldi (apud BELTRÃO, 1980, p. 93) é uma manifestação sui generis em que,

sob o congraçamento dos agentes, acontece uma supressão aparente das barreiras sociais,

seria um período de “distensão social”, causando um abrandamento social e,

conseqüentemente, proporcionando um ambiente propício às relações sociais

indiscriminadamente, incentivando a integração social dos grupos que formam as sociedades,

compensando os desníveis sociais existentes na realidade; é como se “o „inconsciente

coletivo‟ da sociedade reafirmasse periodicamente a integração de todas as categorias

sociais sobre as dissenções (sic) que a própria estrutura acarreta ...” (BELTRÃO, 1980, p.

93).

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Os mass media veiculam as idéias já consagradas, mas também as idéias

que se pretendem incutir. Os valores políticos, religiosos, nacionais são

transmitidos pelos mass media de maneira direta (propaganda, discursos,

debates, etc.) ou indireta (uma mensagem estética pode servir para “fazer

passar” uma mensagem política) (VANOYE, 1996, p. 199).

Assim, Beltrão propõe a decodificação das mensagens, do discurso carnavalesco, que

são carregados de simbolismo e representações sociais e que são “indubitavelmente, um

discurso nacional das camadas mais carentes da nossa população” (BELTRÃO, 1980, p.

100). Ou seja, a Folkcomunicação analisa os processos comunicacionais populares e sua

mensagem crítica e ideológica, averiguando o discurso das práticas culturais e suas

representações simbólicas.

O problema levantado por Beltrão, a ser pensado sob o prisma comunicacional, é de que

a elite quer que o povo assimile a mensagem transmitida pelos meios massivos de

comunicação, mas não se interessa em saber nada sobre esse povo. Os intelectuais viviam de

costas para o povo brasileiro, alheios a sua realidade e necessidades. A partir dessa realidade,

emerge o marco epistêmico de Beltrão, ou as perguntas epistemológicas que norteiam a

Folkcomunicação (BELTRÃO, 2001, p. 74):

1. Como se informavam as populações rudes e tardas do interior do

nosso país continental?

2. Por que meios, por quais veículos manifestavam seu pensamento, a

sua opinião?

3. Que espécie de jornalismo, que forma – ou formas – atenderia à sua

necessidade vital de comunicação?

4. Teria essa espécie de intercambio de informações algo em comum

com o jornalismo, que passei a classificar de “ortodoxo”?

5. E não seria uma ameaça a unidade nacional, aos programas

desenvolvimentistas, aos nossos ideais políticos e à mesma sobrevivência

do homem brasileiro, como tipo social definido, o alheamento em que nós,

jornalistas e os nossos governantes, nos mantínhamos ante essa realidade

enigmática, que é a comunicação sub-repticia de alguns milhões de

cidadãos alienados do pensamento das elites dirigentes?

São essas as perguntas que permeiam toda a investigação de Beltrão. E a partir desse

marco epistêmico (GONZÁLEZ, 2009), ou melhor, dessas “perguntas perguntáveis”,

possíveis de buscar por respostas satisfatórias durante a investigação, que Beltrão vai tentar

responder em suas pesquisas. Emergem, então, os problemas a serem resolvidos.

Os meios de comunicação que a ciência e a tecnologia lançam

sucessivamente, buscando idealmente a integração dos sistemas, esbarram na

realidade social contemporânea da oposição entre grupos organizados – que

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constituem o que se convencionou chamar de elite – que detêm o poder

econômico, exercem a dominação cultural e o controle político, e os grupos

não-organizados, a massa – urbana ou rural – de baixa renda, excluída da

cultura erudita e das atividades políticas. Os primeiros estão expostos, captam

e decodificam as mensagens dos meios de comunicação massivos, todos

grandes empreendimentos econômicos, de que são proprietários,

patrocinadores e colaboradores conscientes; os últimos, não expostos ou

apenas consumidores passivos de tais meios que, como o livro, exigem

“alfabetização” para que suas mensagens sejam entendidas, inclusive em seu

significado latente. Por isso, sem poder decisório, excluídos de uma

participação ativa no processo civilizatório, em uma palavra, marginalizados

(BELTRÃO, 1980, p. 2).

Aqui, nos deparamos com um problema sócio-político e ideológico dos desníveis

sociais, abordado pelo intelectual italiano Alberto Cirese e a questão da luta pela hegemonia.

Há um confronto entre dois Brasis: das elites dirigentes e da grande massa da população e dos

ideais da classe dirigente que não é absorvida e assimilada pelas classes populares.

A realidade brasileira era constatada por sociólogos, psicólogos sociais,

antropologistas, políticos e economistas: dois brasis se defrontavam. Um

em franco desenvolvimento cultural e econômico, outro marginalizado,

entravando os planos de progresso. Um respondendo com maior ou

menor desenvoltura aos apelos dos meios de comunicação coletiva; outro

não suscetível dessa influência e, por conseguinte, alienado dos objetivos

pretenditos pela elite. Um acreditando nas metas desenvolvimentistas e

mudando os seus padrões de comportamento ao influxo das idéias e técnicas

novas, difundidas, sobretudo, pelos veículos jornalísticos; outro crendo

apenas nos seus “catimbós” e rejeitando até mesmo a argumentação

lógica, fundamentada em causas e efeitos para aferrar-se aos seus

preconceitos, hábitos e costumes tradicionais, e permanecendo surdo às

mensagens jornalísticas convencionais (BELTRÃO, 2001, p. 74, grifo

nosso).

Ou seja, as mensagens eram persuasivas a elite intelectual. Era inteligível e atendia aos

interesses sócio-político e econômicos deste público, deixando a grande massa da população

alienada de todo esse processo de construção da realidade, de desenvolvimento do país.

1.2. Um problema a resolver

Comunicação é o problema fundamental da sociedade contemporânea –

sociedade composta de uma imensa variedade de grupos, que vivem

separados uns dos outros pela heterogeneidade de cultura, diferença de

origens étnicas e pela própria distância social e espacial (BELTRÃO, 2001,

p 53).

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Beltrão afirma que a variedade dos grupos sociais da sociedade brasileira tem suas

origens em duas categorias: cultura e a desigualdade social6. Voltemos um pouco ao período

colonial para compreendermos problemas comunicacionais relacionados às relações sociais,

que se estabeleciam já na colonização do país e problemas decorrentes de políticas

econômicas que resultaram em uma multidão de marginalizados sociais e culturais, que

buscavam sobreviver e, para sobreviver, precisavam comunicar-se. Comunicação era questão

de subsistência social, econômica e cultural.

Nertan Macedo diagnostica a cisão ética e política ao analisar o quadro do

Segundo Reinado: “O Brasil era aquilo: uma realeza em que o monarca não

desejava representar a instituição; uma religião oficial perseguida pelo

Estado; um país real, confinado nos sertões, fiel aos hábitos morais e

religiosos dos seus antepassados; esse mundo encouraçado, desabrido e

selvagem como um vaqueiro, não se reconhecia no „país legal‟ dos doutores

de Olinda. O espaço geográfico era o „divorcium aquarum‟ entre duas

comunidades. O drama brasileiro, que ainda perdura, vem desse

tempo.” E quando, na década de 20, se intentou o inicio da Revolução

Brasileira – em nossa opinião ainda em curso – observou-se mais uma vez o

status bipartido. Djacir Menezes (...) Tinha-se quase a impressão de falar

outra língua. Outra nação que nos olhava admirada, sem atinar com os

objetivos. Estranhos e atônitos. Ouvindo os oradores como se ouvissem

algo incompreensível... Que, no significado do voto, sabiam o ato material

de meter uma célula na urna, gatafunhando o nome quase ilegível. Esse

povo cria nos seus catimbós (BELTRÃO, 1980, p. 17, grifo nosso).

Beltrão percebeu, através de sua vivência enquanto repórter e, depois, em pesquisa

bibliográfica e documental, que existiam dois brasis, dois países que viviam no mesmo espaço

social, porém em desníveis sociais marcantes. Um em franco desenvolvimento e outro

primitivo; um país ideal, sonhado pelas elites e outro real, longe das grandes capitais; um país

fragmentado pelas desigualdades sociais e a falta de conscientização popular do valor do voto.

O povo não tinha consciência do poder e da importância do voto, era apenas uma obrigação

frente ao Estado de nomear um político, representante da elite dominante, que, quem sabe, em

algum momento se lembrasse dos famintos da nação em alguma política pública de benefício

popular. Para Beltrão, eles criam mesmo era nos seus catimbós, na sua religiosidade, pois

quando a realidade é dura demais, o povo se apega a Deus e nos seus santos intercessores7.

A comunicação acontecia de maneira “truncada”, não fluía, devido a variáveis, que

influenciavam os processos comunicaionais. Dentre essas variáveis destacamos: a) o ruído

6 Veremos mais adiante a proximidade dessa afirmação de Beltrão, com a Tese de Cirese dos Desníveis Internos

de Cultura. 7 Realidade que é retratada na obra de Ariano Suassuna “Auto da compadecida”, que fora adaptada à TV e

Cinema em 2000 (AMPHILO, 2003).

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(semântico ou técnico); a doxa (filtro com que percebemos o mundo); o habitus e o modus

vivendi; e o contexto (de produção e recepção das mensagens, que podem ter o sentido da

mensagem alterado em contextos diferentes). Essas variáveis podem alterar no feedback.

O ruído semântico acontece no âmbito da significação e do sentido, visto que há uma

distância considerável entre “o que se disse” e “o que se quiz dizer”, o que a esse fenômeno

Carlos Vogt chama de “intervalo semântico” (VOGT, 1977), admitindo uma distância entre o

enunciado e a enunciação, onde habita a subjetividade do receptor e de cada ser humano em

particular, que se deve levar em consideração no contexto da produção do discurso. Para

Beltrão, a linguagem era rebuscada demais para a grande massa da população, na época,

tornando-se ininteligível e formando um bloqueio comunicacional, o que gerava um entrave

em relação a outros processos necessários ao desenvolvimento do país. Dessa maneira, para

Beltrão é importante a atuação do agente de folk (MCF) e a sua atuação junto aos grupos.

É no intervalo entre a língua e a fala, entre a competência e a performance,

entre o enunciado e a enunciação, que estes marcadores de subjetividade

habitam, pondo em xeque a rigidez destas dicotomias e criando sob a

barra(/) do silêncio lógico os túneis de passagem dos murmúrios da história

(VOGT, 1977, p. 32).

Outra questão, porém, identificada por Beltrão é que o próprio governo e as elites

estavam de “costas viradas” à grande massa da população e se negavam a ouvir seus

clamores, expressos através das suas tribunas populares, principalmente utilizando as

representações simbólicas presentes nas práticas culturais e nos fatos folclóricos, como por

exemplo, as manifestações carnavalescas e na literatura de cordel.

Aqui está o problema prático de Luiz Beltrão. Problema prático, conforme GONZÁLEZ

(2009, p. 2) é “una situación experimentada en el mundo que sea relevante y significativa que

no queremos que siga sucediendo y cuyos costos materiales consideramos negativos”. A

Espaço

Social Desníveis sociais

C

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L

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multidão alienada do pensamento das elites entravava o progresso nacional, porque não

respondia, através de ações, ou seja, através do voto às mensagens transmitidas pelos meios

de comunicação coletiva. O povo não reagia às inovações políticas propostas, na realidade,

não por oposição política, mas por ignorância dos benefícios que essas inovações trariam ao

povo (citamos como exemplo a “Revolta da Vacina).

Nem mesmo a oposição efetiva aos programas de desenvolvimento nacional

– oposições efetiva aos programas de desenvolvimento nacional – oposição

que é antes de desconhecimento, de incapacidade receptiva, de que de

caráter político – desperta as nossas lideranças para o problema da

comunicação, como ponto de partida da nossa caminhada para o progresso.

(BELTRÃO, 2001, p. 64)

Não se faz uma revolução sem o apoio popular. Na história das revoluções pelo mundo,

há uma forte participação popular. Gramsci perdeu as eleições na Itália por que não levou em

consideração a concepção de mundo do campesino italiano, por isso escreve Literatura e vida

nacional. Falhou o Partido Comunista de Gramsci em não conhecer a força da comunicação

popular, o folclore, e, assim, perdeu as eleições e acabou na prisão, de onde escreveu os

famosos Cadernos do Cárcere (GONZÁLEZ, 2009, Anotações). Esse é o pano de fundo da

Folkcomunicação, que traz um grande problema prático a ser resolvido pelo nosso scholar

brasileiro.

Beltrão (2001, p. 61) se dá conta do mesmo problema, com o qual se deparou Antonio

Gramsci:

(...) Não obstante essa advertência, não se procurou sistematicamente

investigar, descobrir esses “catimbós”. Continuaram as elites do poder, as

classes bem pensantes, a assumir posições e a tomar decisões sem ter em

conta o processo mental do homem do povo, menosprezando-o, a

despeito do registro cientifico de Boas (...) Não se preocupou pesquisar a

maneira pela qual o povo reage às sugestões que lhe são feitas. Nem situar

os meios de que se pode dispor para fazer com que a população menos

dotada aceite princípios e normas de mudança social, adote novas maneiras

de trabalhar, de agir, de divertir-se, um outro modo de crer e decidir

(BELTRÃO, 1980, p.17).

A grande massa da população, conforme afirma Beltrão, que se comunica através de

meios informais, ligados direta ou indiretamente ao folclore, na realidade expõem de maneira

irônica e sarcástica, nas práticas culturais, como nas manifestações carnavalescas, “pinturas e

desenhos pixados em muros” e, principalmente, na literatura de cordel ; na religião, através da

fé com seus ex-votos, que expressam uma realidade vivida; nos movimentos sociais,

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reivindicando seus direitos; são organizadas por um líder de opinião que emerge do seu meio

e torna-se aquele que aponta o caminho.

Seria possível perfeitamente indicar as moléstias comuns em determinadas

regiões, a insistência regular de certos males numa área geográfica

delimitada, pelo exame dos ex-votos, denunciadores nosológicos e mesmo

teratológicos. Sendo a maioria um trabalho e escultura artesanal, rude,

rústico, bravio, com a intenção da fidelidade expressionista, esses modelos

testificam os níveis artísticos do povo nas camadas mais profundas de sua

conservação estética e impulsão recriadora. Nenhuma, ou quase nenhuma

interferência dos padrões moderadores mais altos, converge para o ex-voto

autêntico. Sua feiúra é uma credencial de legitimidade (CÂMARA

CASCUDO apud BENJAMIN, 1998, p. 275).

Para Câmara Cascudo, acima citado, seria perfeitamente possível saber quais os maiores

problemas populares, a partir de uma investigação sobre os ex-votos populares. Seria possível,

por exemplo, reconhecer o maior número de moléstias comuns em determinadas regiões, que

em outras. As práticas folclóricas e populares refletem as necessidades populares. Nelas estão

expressas suas reivindicações. O desenvolvimento do país, no entanto, passava por outra

questão: uma política econômica que fortalecesse o país nacional e internacionalmente. Ou

seja, a solução para os conflitos do país passava necessariamente pela economia.

No Brasil, também o fortalecimento da Nação vai ser atrelado à questão

econômica. Em sua raiz, o conceito de Nação é entendido como uma

estrutura dotada de autodeterminação, devendo possuir um elevado grau de

autonomia, o que passa, necessariamente, pelo controle de sua inserção

econômica no mercado mundial. Um país “forte” não pode estar à mercê

das decisões externas, como historicamente esteve no período colonial,

tanto pela submissão à metrópole (dependência política strictu senso), como

pela subseqüente submissão às oscilações de mercado, que tão duramente

influenciavam o sistema nacional. Cabe lembrar que o modelo colonial é

marcado pela aguda dependência do mercado internacional, característica

da economia agrário-exportadora. É no mercado internacional que a

produção brasileira se realiza, portanto, onde se formam os preços dos

produtos e o estímulo ou não a produzir localmente. A alta especialização

do modelo nos faz simultaneamente exportadores de poucos gêneros e

importadores de tudo aquilo que não fabricamos aqui (envolvendo não só

manufaturas, mas principalmente bens de produção e bens de capital). Ao

obedecer ao padrão de inserção na divisão internacional do comércio,

herdado da colônia, impede-se a autonomia decisória e, em última instância,

os princípios básicos da Nação (CEPÊDA, on-line, p. 3).

O economista brasileiro, Celso Furtado, como Beltrão, buscava o fortalecimento da

Nação brasileira, considerando o movimento nacionalista que já vinha de algumas décadas

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atrás, cujo objetivo era promover a unidade nacional, visto que a fragmentação da nação era

notória. Celso Furtado, porém, “puxa” a questão para a economia e, como intelectual da

nação, busca respostas com o objetivo de “cimentar a nacionalidade”.

O termo usado por Furtado para definir as alternativas que se abrem à

economia nacional é “internalização dos centros de decisão”. A

importância deste fato é de tal magnitude que pode dar resposta a um

persistente problema da formação brasileira, cimentar a nacionalidade

(CEPÊDA, on-line, p. 5).

Como afirma Gramsci, as soluções dos problemas sociais devem emergir do seu

contexto, intelectuais que vivenciaram a problemática e tem o desejo de sanar os problemas

sociais daquele povo, pois saiu dele, é parte de sua essência, de seu ser-aí. Então, na realidade,

o que vemos nas práticas culturais são reivindicações populares que só podem ser satisfeitas

através do governo, com políticas públicas que atendam a massa. O feedback da

folkcomunicação, esse diálogo entre o governo e o povo, de que fala Beltrão, se resolve, na

realidade, com políticas públicas que promovam as necessidades básicas de subsistência do

ser-humano.

A Constituição Federal de 1988 e as legislações complementares do

CONAMA consolidaram o arcabouço legal sobre meio ambiente existente

hoje no Brasil, uma referência internacional. São fruto das mobilizações

sociais e conquistas populares das Diretas Já. Esse processo gerou a

regulamentação da obrigatoriedade de relatórios e estudos de impactos

ambientais e políticas de compensação e mitigação de danos sócio-

ambientais com participação da sociedade. É o arcabouço legal que

perdurou até o desmonte atual de Lula e seu escudeiro fiel Carlos Minc.

(KENZO, 2009, on-line).

A pesquisa de Beltrão caminha paralelamente ao processo de desenvolvimento do país,

suas peculiaridades, e a implantação de políticas públicas, visando a integração nacional,

através de medidas para atender as reivindicações populares, sendo que na medida em que

essas reivindicações são atendidas, o governo recebe apoio popular, o que pode ser medido,

hoje, pelo Ibope, pelo nível de prestígio do governo. Na realidade, nos parece que a intenção

de Beltrão era persuadir o povo, a grande massa da população, a mudar de opinião e atitude,

em termos de voto popular, em favor do governo, visando à implantação de projetos

desenvolvimentistas, para a implantação de inovações em diversas áreas, em que, por vezes, é

difícil à compreensão popular. Isso, devido a complexidade da implantação de determinados

projetos, como por exemplo, a campanha “O Petróleo é nosso”, da época de Beltrão.

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1.3. Um problema a investigar

Problema de investigação é um problema que nos faz falta saber e que é necessário

investigar, pois a falta desse conhecimento gera custos à sociedade. Conforme Jorge González

(2009, p. 2), é “una situación de conocimiento que nos hace falta y los costos de no saber

sobre esa situación”. O problema de investigação de Beltrão, que ele toma de Edison

Carneiro, é relatado por ele (2001, p. 62, grifo nosso):

Não se procurou pesquisar a maneira pela qual o povo reage às

sugestões que lhe são feitas. Nem situar os meios de que se pode dispor

para fazer com que a população menos culta aceite princípios e normas de

mudança social, adote novas maneiras de trabalhar, de agir, de divetir-se,

um outro modo de crer e decidir (...) os costumes dessas camadas sociais, os

seus meios de informação e de expressão – continuam sendo ignorados em

toda a sua força e verdade. O que impossibilita a comunicação e a

comunhão entre Governo e povo, elite e massa.

Beltrão vai mais além, quer a mudança e a harmonia social. O objetivo de Beltrão é a

transformação social, revelando sua linha difusionista. Na realidade, essa é uma investigação

proposta por Beltrão, a partir de Edson Carneiro. Apesar de não citá-lo nesse trecho, essa

afirmação está em “A dinâmica do folclore”, e nos dá a entender que vem das idéias de

Saintyves. Vejamos:

Saintyves reconheceu a importância destas influências, quando advertiu: “A

vida popular, ... embora seja uma vida particular, é difusa em toda a vida

civilizada. Não se deve considerá-la como uma atividade em compartimento

estanque. Certamente, desenvolve-se no quadro constringente da vida

oficial, mas reage, por sua vez, sobre esta ... O estudo das sociedades

civilizadas requer ... o estudo aprofundado do folclore, das maneiras por

que o povo reage às sugestões que lhe são feitas, dos meios empregados

para fazer com que as aceite, para criar nele novas maneiras de agir, de se

divertir e de trabalhar, novos modos de crer e de pensar”. Falta, aqui, a

outra fase da medalha – as maneiras por que as camadas populares levam as

classes dirigentes a tolerar e mesmo a aceitar e incorporar ao seu cabedal as

formas de expressão que lhes são próprias (CARNEIRO, 1967, p. 13, grifo

nosso).

Assim, Beltrão, após de “se dar conta” da realidade vivida em sua época, e dos

problemas comunicacionais contextuais (como uma formação ainda deficiente, por uma série

de fatores, dentre eles a censura aos intelectuais; o acesso à aquisição do “aparelho de TV”; a

linguagem jornalística rebuscada), decide investigar a proposta de Edison Carneiro, em se

estudar os efeitos comunicacionais, no contexto da audiência e recepção, através da análise do

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discurso popular expresso nas manifestações folclóricas, nas práticas culturais e religiosas,

averiguando a reação popular ao que é veiculado nos meios de comunicação de massa, como

também, suas reivindicações.

Beltrão vê, nos meios de comunicação, um mecanismo de transformação social. Porém,

constata que o povo não estava reagindo positivamente ao estímulo dos meios massivos e

questionamos: se o povo não reage às sugestões que lhes são feitas, há duas possibilidades:

ele não compreendeu a mensagem e por isso não reagiu, ou a mensagem não atende às suas

necessidades e reivindicações. Há que se lembrar que, ao que nos parece, Beltrão está

preocupado em saber porque o povo não atende as mensagens do governo, que por sua vez,

são os anseios da classe dominante da época: para fazer com que a população menos culta

aceite princípios e normas de mudança social, visando o progresso do país.

Esses veículos, e muitos outros meios informais de comunicação popular

continuam, hoje, a conter o pensamento da massa, embora aquela explosão

opinativa não tenha conseguido sensibilizar ao ponto ideal de atenção das

elites dirigentes e culturais. Nem mesmo a oposição efetiva aos

programas de desenvolvimento nacional – oposição que é antes de

desconhecimento, de incapacidade receptiva, de que de caráter político –

desperta as nossas lideranças para o problema da comunicação, como

ponto de partida da nossa caminhada para o progresso (BELTRÃO,

2001, p. 4, grifo nosso).

Essa perspectiva de Beltrão, o aproxima às pesquisas de Lazarsfeld, Berelson y Gaudet,

em “The people‟s choice. How the voter makes up his mind in the Presidential Campaing”

(1948). Beltrão segue o funcionalismo norte-americano ao declarar sua preocupação na

“mudança de atitude”, ou seja, no investimento em uma comunicação mais eficiente e eficaz.

Entre los resultados más importantes de esta investigación destacan los

siguientes: en primer lugar, se llega a la conclusión de que la decisión del

voto, más que ser un resultado de la influencia puntual del mensaje, es el

resultado de una experiencia de grupo. La función de los mensajes

transmitidos por los medios de comunicación de masas, considerando aquí

especialmente los mensajes con fines persuasivos, tienen como función no

tanto el cambio como el refuerzo de actitudes pre-existentes (MORAGAS,

1981, p. 46).

Ou seja, a pesquisa mostrou que, mais importante que a mudança de atitude, revertida

em votos, a experiência em grupo era decisiva no processo de persuasão e, conseqüente,

decisão pelo voto; e a mensagem tem a função não tanto em relação à mudança, mas em

reforçar atitudes pré-existentes, ou seja, a força persuasiva está no grupo, cujos líderes de

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opinião atuam como pessoas mais esclarecidas, que tem acesso a outros mecanismos de

difusão e alguns são especialistas em determinados assuntos. Porém, há que se promover um

entendimento entre os grupos, visando a paz social.

Através de um exame sistemático das relações entre os indígenas e os

brancos (franceses e holandeses, entre os estrangeiros; jesuítas e

portugueses, entre os colonizadores) pretendemos fixar a subordinação do

nosso desenvolvimento cultural, social e econômico à existência de um

entendimento entre os grupos heterogêneos da colônia, mesmo quando se

combatiam e exterminavam, visando, consciente ou inconscientemente, a

constituição de uma sociedade espiritualmente autônoma, homogênea e

progressista (BELTRÃO, 2001, p. 95, grifo nosso).

Assim, Beltrão através de sua investigação, defendia que o progresso do país passava

necessariamente pela comunicação, pelas relações entre a elite e o povo, pelo diálogo e

entendimento das classes em prol das metas de desenvolvimento, ou seja, Beltrão revela-se

positivista, de cunho funcionalista.

1.4. Marco metodológico

A partir de nossa pesquisa, constatamos que Beltrão utiliza o Método Indutivo de

pesquisa,

“processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares,

suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não

contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos indutivos é

levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas”

(LAKATOS, 1986, p. 46).

Ou seja, parte-se da observação dos fenômenos, em que se observa os fatos e os analisa

para descobrir as causas de sua manifestação, ou melhor, de que forma esses fenômenos se

expressam; depois se procura a relação entre esses fenômenos, em que busca, a partir do

método comparativo, aproximar os fatos ou fenômenos; e, finalmente, a generalização dessa

relação. (LAKATOS, 1986, p. 46).

Por outro lado, Beltrão vale-se do Método de Investigação Funcionalista, que é

específico das ciências sociais, em que se estuda a sociedade do ponto de vista da função de

suas unidades, isto é, como um sistema organizado de atividades. “Utilizado por Malinowski,

é, a rigor, mais um método de interpretação do que de investigação” (LAKATOS, 1986, p.

82-83). Seu interesse está em averiguar cientificamente os fenômenos, com a intenção de

elaborar a sua estrutura e funcionamento visando, não somente explicar o fluxo

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comunicacional popular, mas de que maneira integrá-lo a sociedade, com o objetivo de

promover o diálogo e a interação social.

Conforme Marques de Melo (2008, p. 28), Beltrão resgatou o “arsenal metodológico

testado e comprovado no estudo das manifestações convencionais do mass journalism, ele as

transportou para analisar as expressões integrantes do folk journalism”. Dessa forma, a partir

da observação do fenômeno e sua seleção, ou delimitação, ele vai averiguar de que forma se

dão os processos comunicacionais no fenômeno selecionado. Porém, para isso, há um

processo de intelecção das mensagens populares, com o objetivo de realizar uma “análise do

discurso” popular, considerando as condições de produção do discurso, averiguando,

posteriormente, quem são os atores sociais e os elementos do processo comunicacional. Por

exemplo, os cantadores de viola. Beltrão seleciona esse grupo, que tem a sua origem nômade,

que anda pelos sertões, nas festas e fazendas, “cantando versões coloridas de fatos e „causos‟,

versões que respondem aos instintos de revolta ou às esperanças da população desassistida e

ignorante da hinterlândia”, e vai traçar o perfil desse cantador, primeiramente de forma

pessoal, depois da sua influência nas comunidades por onde passa levando a notícia, já

interpretada, ou seja, fazendo a sua forma um jornalismo interpretativo.

Beltrão, citando José Teixeira, afirma que “a poesia popular, além de registro dos fatos

políticos, econômicos e sociais de uma época, dos usos e costumes de um povo, é também a

catalizadora dos ideais, aspirações e sentimentos coletivos” (BELTRÃO, 2001, p. 128).

Assim, essa poesia, através da cantoria, que é fixada na memória do povo, resiste ao tempo,

passando por gerações a fio. Beltrão foca-se na compreensão, primeiramente, da mensagem

popular, considerando-a como registro jornalístico de uma época.

Analisando a ação dos cantadores, Beltrão afirma que “a ação dos cantadores brasileiros,

a tradição desses versos e sátiras rimadas, com que o povo registra e comenta os fatos

marcantes da vida social, vem do século II, guardada pela memória das gerações seguintes”

(BELTRÃO, 2001, p. 131). Para comprovar essa afirmação, Beltrão exemplifica com versos

que passaram por gerações, em que falavam de forma satírica, de um boi que iria voar, para se

safar dos pedágios impostos por Nassau. Aqui, percebemos o jornalismo interpretativo feito

pelo povo e, ainda, de forma literária, muito comum nos primeiros séculos no Brasil.

Generalizando as relações entre os cantadores, Beltrão acentuou que estes cantadores

permitiram à posteridade o conhecimento dessas manifestações e a perpetuação da nossa

cultura popular em versos. “O feito passou à posteridade nos versos de um anônimo poeta da

época” (BELTRÃO, 2001, p. 131).

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1.5. Problemáticas epistemológicas

A tese de doutorado de Beltrão, publicada em “Folkcomunicação: um estudo dos

agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias” (2001) e

“Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados” (1980), foram utilizadas como base

para esta pesquisa. Beltrão elabora a parte teórica de sua tese baseado nos resultados das

pesquisas de Lazarsfeld, Katz, Schramm, entre outros pesquisadores da Escola Norte-

americana, de linha positivista, de cunho funcionalista, mostrando a importância: 1. dos

líderes de opinião, que ele passa a chamá-los de líder folk; 2. dos grupos, que têm um grande

poder persuasivo e onde as pessoas, diluídas na grande massa da população, têm nome e

liberdade de expressão; 3. das mensagens veiculadas pelos meios de expressão informais; 4.

dos meios de difusão populares, considerando o folclore como a “tribuna” popular; 5. dos

efeitos, que geravam uma mudança de atitude no receptor. Beltrão avança em relação a

Lazarsfeld, ao admitir a dimensão da coletividade expressa “coesão grupal”, que é altamente

persuasiva.

Mais do que isso: ele identificou teoricamente uma semelhança entre tais

processos e aqueles que Lazarsfed e seus discípulos haviam observado na

sociedade norte-americana, mais conhecido como o paradigma do “two-

step-flow-of-communication”. As hipóteses de Luiz Beltrão representaram,

na verdade, um passo adiante em relação aos postulados de Paul Lazarsfeld

e Elihu Katz. Enquanto aqueles cientistas atribuíam um caráter linear e

individualista ao fluxo comunicacional em duas etapas, porque dependente

da ação persuasiva dos “líderes de opinião”, o pesquisador brasileiro teve a

premonição de que o fenômeno era mais complexo. Comporta uma

interação bi-polar (pois inclui o “ feed-back” protagonizado pelos “agentes

populares” no contato com os “ meios massivos”) e revela natureza

eminentemente coletiva (MARQUES DE MELO, 2005, p. 8).

A Folkcomunicação parte dos pressupostos funcionalistas, com vistas ao diálogo, ao

desenvolvimento, à integração social, às transformações sociais e à inte-relação,

principalmente, dos sistemas comunicacionais, formais e informais, fazendo fluir a

informação no espaço social, vencendo a “incomunicação”, promovendo a paz social e

integrando o país. Porém, o desenvolvimento de suas pesquisas refletem uma contradição

ideológica ao integrar na base de sua investigação, de cunho funcionalista/difusionista,

categorias marxistas, como superestrutura, marginalizados, alienados entre outras, e o

entusiasmo de Beltrão ao assimilar o processo de “recomposição folclórica” do sociólogo

Edison Carneiro, de linha neomarxista, que aborda a dinâmica social sob o prisma da

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dialética. Com o objetivo de vencer a “incomunicação” e compreender as mensagens

codificadas e complexas, das “tribunas” populares, Beltrão cria um “desvio ideológico” em

sua pesquisa, gerando uma certa confusão de ordem epistemológica, de linha investigativa

para o pesquisador. Em sua tese de doutorado, ele realizou uma pesquisa bibliográfica e

documental, sobre a comunicação, no Brasil colonial, porém, a partir do materialismo

histórico e dialético.

Compreendemos esse “desvio” de Beltrão, na medida em que se dispõe a estudar os

elementos do processo de comunicação popular, considerando-os em seu contexto, mas se

perde da proposta difusionista de mudança de atitude, integração nacional e inclusão social,

apreciados por Beneyto no Julgamento da Tese de Doutorado de Luiz Beltrão (ver anexo 1).

Para realizar um estudo sistemático sobre a comunicação popular no Brasil colonial, Beltrão

julga necessário pesquisar, primeiramente, o ser humano em seu contexto histórico e social,

para, então, identificar os grupos sociais, seus líderes de opinião, seus mecanismos de

persuasão, suas mensagens, suas linguagens e meta-linguagens, discursos. Assim, Beltrão se

desvia da linha ideológica de sua pesquisa, funcionalista/difusionista, traçado na parte teórica

de sua tese e sente-se desafiado a compreender a mentalidade do homem do povo e suas

mensagens. Esse respaldo, Beltrão encontra nos estudos sociológicos e antropológicos de

Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Edison Carneiro e em folcloristas, como Câmara Cascudo. A

intenção de Beltrão, porém, não está em promover ou valorizar o folclore nacional, mas em

compreender as mensagens codificadas e democratizá-las, promovendo o diálogo sobre

problemáticas sociais.

A dificuldade em se trabalhar de maneira transdisdiplinar, torna a folkcomunicação uma

disciplina complexa. Ao estudar o folclore e as práticas culturais é preciso compreender os

processos históricos pelos quais passaram determinados fenômenos, para depois, então,

averiguar as relações estabelecidas e os processos comunicacionais, dependendo da meta do

pesquisador.

A Folkcomunicação vem fechar essa brecha teórica e conceitual de uma realidade do

cotidiano que, antes, era descartada pelos investigadores, que se detinham na comunicação

formal, que era perceptível, porém, não explorada devidamente, por antropólogos, sociólogos

e lingüistas. Faltava-nos o estudo dos grupos sociais e seu poder persuasivo, o que Beltrão

realiza com Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados (1980), em que estuda os

grupos marginalizados. É no grupo que o ser humano massificado, retoma sua identidade e

pode ter sua liberdade de expressão resgatada.

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Não obstante o valor cultural e histórico dos estudos sobre

Folkcomunicação, é impossível esconder que neles estão presentes algumas

contradições e ambigüidades. A leitura dos textos indica que tais problemas

são percebidos, mas parece que a saída encontrada é a de não enfrenta-los.

Daí a impressão de certas impropriedades conceituais que na verdade são

marcas de indefinição ideológica. Por exemplo, ao proclamar a

folkcomunicação como um conjunto de formas de expressão das camadas

marginalizadas da nossa sociedade, Beltrão foge inegavelmente à discussão

sobre a questão das classes sociais no Brasil e deixa de identificar tais

manifestações aparentemente marginais como práticas sociais e culturais

que traduzem uma ação política dissimulada das classes trabalhadoras. Mas

também Beltrão não nega essa essência. E o que fica é, portanto a idéia de

nebulosidade teórica, que traduz uma vacilação ontológica (MARQUES DE

MELO, 2001, p.26).

Essa é uma questão a ser discutida pelos investigadores em Folkcomunicação, pois ao

mesmo tempo que Beltrão utiliza categorias marxistas, como superestrutura, por exemplo, ele

não discute a formação social brasileira, apenas lança a questão. Isso pode ser explicado,

talvez, pelas questões de sua época. A tese sobre a Folkcomunicação foi defendida em 1967,

período em que o país encontrava-se em pleno regime militar, com uma censura intensa às

idéias e formas de expressão. Havia uma resistência ideológica muito forte ao socialismo e a

sua tese foi considerada subversiva. Por outro lado, Beltrão afirma que a Folkcomunicação

não é uma comunicação classista. Isso porque, numa sociedade de massas, o indivíduo torna-

se o “homem-massa” (ORTEGA Y GASSET), perdendo sua identidade.

A reinterpretação das mensagens não se fazia apenas em função da “leitura”

individual e diferenciada das lideranças comunitárias. Mesmo sintonizadas

com as “normas de conduta” do grupo social, ela continha fortemente o

sentido da “coesão” grupal, captando os signos da “mudança social”, típico de

sociedades que sofrem as agruras do meio ambiente e necessitam transformar-

se para sobreviver (MARQUES DE MELO, 2008, p. 29).

É no grupo em que o homem-massa pode voltar a “tornar-se pessoa” (Carl Rogers), em

que o indivíduo volta a ser chamado pelo nome e lá tem voz e vez. Assim, a cultura, no

espaço social, tem a função de integrar a sociedade, independente de classe social, religião,

sexo, idade, enfim, indistintamente, em prol do bem-comum.

A questão exposta por Marques de Melo tem o foco na identidade nacional e na coesão

grupal. As Forças Armadas expressavam um sentimento nacionalista de amor à pátria e

buscavam incutir no povo que eram seus representantes. Falando dos desfiles militares que

acontecem todos os anos e despertam na população um sentimento cívico, Beltrão afirma que

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ao ver as três corporações militares: Marinha, Exército e Aeronáutica, o povo sente-se

representado, fortalecido e protegido contra um possível inimigo exterior.

Como a farda é símbolo do poder nacional e como, nos momentos críticos da

vida brasileira, por tradição buscara corresponder aos ideais populares

(fazendo a República, a Revolução de 1930 como tentativa de implantar as

sementes dos movimentos renovadores de 1922, 1924 e 1926, e promovendo

a redemocratização, pela entrega do poder aos cidadãos legitimamente eleitos,

sempre que, circunstancialmente, a nação era submetida períodos políticos de

exceção), as Forças Armadas despertam na massa a consciência do seu

próprio poder, de sua capacidade de decisão (BELTRÃO, 1980, p. 85).

Naquela ocasião, porém, o povo se uniu contra a tomada de poder pelos militares e uma

questão de luta pela hegemonia. Porém, a Folkcomunicação, para Beltrão, não é uma

comunicação classista, mas, poderíamos dizer, uma “comunicação contextual”. Em que seu

objetivo é promover o diálogo sobre problemáticas sociais, visando inclusão social. Por isso, a

importância de se esclarecer que a comuncação é uma linha de pesquisa que visa o

desenvolvimento e políticas de inclusão social.

(...) às vezes me vem à idéia de que a pessoa pode confundir a

folkcomunicação com uma comunicação classista. Mas ela não é exatamente

uma comunicação classista. (...) Então eu vi que alguns desses grupos têm

capacidade de integração na sociedade apenas não concordam com essa

sociedade. Os grupos a que me refiro são os culturalmente marginalizados

contestam a cultura dominante. Eles contestam, por exemplo, as crenças

dominantes na sociedade e as religiões estabelecidas (BELTRÃO, 2001, p.

206, grifo nosso).

Embora Beltrão lance mão de conceitos marxistas, a partir de Edson Carneiro e outros

autores8, Beltrão tem como linha ideológica de investigação o funcionalismo e o difusionismo

norte-americano, visto que seu foco é a “difusão de informações”, seu objetivo é fazer fluir a

informação no espaço social, inclusive com o intuito de persuadir a massa a aceitar as

propostas inovadoras do governo, como a adesão à campanha “O Petróleo é nosso”. Abaixo

sistematizamos os meios de expressão popular, a partir de suas práticas:

8 Há várias citações de Beltrão sem “endereço”. É certo que Beltrão teve acesso a obras marxistas e neo-

marxistas, mas ele não as cita em nenhum momento, evitando o rótulo ideológico.

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ESQUEMA 1 - Meios de Expressão Popular

Fatos sociais Folclore Cultura popular

Relações Sociais Mitos e Ritos Produção Simbólica

Práticas Sociais Práticas folclóricas Práticas culturais

Grupos Habitus Modus Operandi

Agente de Folk Modus Vivendi Representações Simbólicas

Doxa

Beltrão entra no materialismo histórico quando cita Edson Carneiro, que afirma que

“os ideais da classe dominante foram algum dia, os ideais de todo o povo, embora

permaneçam apenas no seio dos setores politicamente mais atrasados” (CARNEIRO apud

BELTRÃO, 2001, p. 60), tomado de Marx, em Materialismo Histórico. Porém, para Marx, os

ideais dominantes são ideais da classe dominante, não do povo, como afirma Edson Carneiro.

Essa idéia emerge da idéia de que a história verdadeira é aquela dos indivíduos reais, sua ação

para transformar a natureza e de condições materiais de vida, da realidade estabelecida antes

de sua existência e, também, da sua produção enquanto ser humano.

A consciência e as idéias derivam dessa história e se entrelaçam com ela: “a

moral, a religião, a metafísica e qualquer outra forma ideológica” não são

autônomas e propriamente não têm história, pois, quando muda a base

econômica, mudam com ela. Como escrevem Marx e Engels: “As idéias

dominantes de uma época foram sempre as idéias da classe dominante. E

essas idéias, precisamente, são ideologia, visão da realidade histórica de

cabeça para baixo, justificação da ordem social existente através das leis, da

moral, da filosofia, etc. (REALE, 1981, p.195-196).

A partir de uma filosofia da práxis, Beltrão descortina a estrutura social brasileira, desde

a época colonial e suas problemáticas relacionais, que respaldam suas afirmações de uma

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atenção especial à comunicação. Essa filosofia da práxis, de Gramsci, deriva de uma

concepção “imanentista da realidade”. Gramsci rejeita a “filosofia especulativa” e busca uma

“filosofia da práxis”, em busca da historicidade, do humanismo.

Beltrão entra, de maneira bem sutil, na questão das classes sociais no Brasil, mas não se

aprofunda no tema, talvez devido a questões políticas e ideológicas de sua época, ou porque

este não era seu interesse. Entendemos que seu foco era encontrar soluções para fazer fluir a

informação na sociedade, inclusive nos grupos e nas regiões mais isoladas do país,

promovendo a integração nacional, conquistada pelo folclore e pelas práticas culturais, como

o futebol, por exemplo. Assim, Beltrão busca pelas soluções cabíveis àquela situação de crise

instalada na sociedade, que para ele, tinha suas origens no período colonial, nas relações entre

o clero, o senhor e os escravos.

É uma questão de luta pela hegemonia, que Beltrão percebe sob os olhos

comunicacionais, do empirista. “Continuaram as elites do poder, as classes bem pensantes, a

assumir posições e a tomar decisões sem ter em conta o processo mental do homem do povo,

menosprezando-o, a despeito do registro cientifico de Boas (...)” (BELTRÃO, 2001, p. 61). A

filosofia da práxis, de Gramsci, tem sua base em uma concepção em que os acontecimentos

estruturais se entrelaçam e interagem com elementos humanos, como a vontade e o

pensamento.

A partir dessa concepção, Gramsci elabora uma teoria da hegemonia, afirmando que a

sociedade se estrutura em classes, porém para que uma classe se estabilize como “sujeito

histórico”, que guia a sociedade, deve configurar-se como força que, baseada em sua própria

ideologia, organização e superioridade moral e intelectual, torna-a classe dirigente da nação.

Uma classe torna-se dirigente da nação após fomentar capacidades necessárias e tendo a

consciência de sua importância e capacidade, reclama seu poder de dirigir toda a sociedade,

isso com o consentimento das classes subalternas, o que forma um “bloco histórico”, ou seja,

um sistema articulado e orgânico de alianças sociais ligadas por ideologia comum e por uma

cultura comum. Aqui, percebe-se a distinção entre a classe dirigente e a classe dominante,

pois a classe dirigente adquire o domínio através da “direção intelectual e moral”, quando a

dominante, exerce o domínio pela força.

Dessa maneira, entendemos que a hegemonia é uma construção social, em que a classe

dirigente deve ter a capacidade de indicar as soluções para os problemas de uma sociedade e

concretizá-los, promovendo a paz social. Assim, a direção constrói o domínio com o

consentimento das demais classes. O problema surge quando a capacidade de dirigir a nação

decai, fazendo com que os dirigentes percam o controle social. Então emerge a crise

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hegemônica e outros grupos se vêem no direito de pleitear a direção social, propondo novas

soluções para as crises sociais.

Quando decai a capacidade de dirigir, de indicar a solução para os

problemas, a hegemonia entra em crise: o domínio ainda manterá aquelas

forças sociais e políticas no poder por certo período, mas elas já estão

condenadas (L.Gruppi). E então teremos a revolução, que explode e abre

caminho no interior do vazio de direção criado por uma classe que controla

a cidadela, mas que não sabe mais dirigir e perde o consentimento das

classes subalternas. E o perde porque, nesse meio tempo, nasceu e se

desenvolveu nova classe dirigente e hegemônica, que ainda não é

dominante, mas que percebendo com força o seu direito a sê-lo, se tornará

tal – e, se preciso for, com violência (REALE, 1981, p.832-833).

Esses conflitos são gerados pelos desníveis sociais, que interfere no fluxo da informação

no país, e, conseqüentemente, no apoio popular às decisões desenvolvimentistas do governo.

“O que impossibilita a comunicação e a comunhão entre Governo e povo, elite e massa”

(BELTRÃO, 2001, p. 62). Porém, além da questão hegemônica, a classe dirigente tinha outro

problema que era a implementação de inovações pelo governo, de mudanças e transformações

que, conforme Beltrão, tinham resistência social de implementação. A questão é que uma

inovação deve obedecer a quatro elementos: a inovação, os canais de comunicação, tempo e o

sistema social. Quando esses elementos necessários não são estabelecidos, ou infringidos,

dificilmente se estabelece a difusão de uma inovação, pois esta deve ser compatível com o

sistema de valores e normas de um sistema social (ROGERS, 1995, p.10-11).

Porém, há variantes nesse processo comunicacional, e a primeira é a necessidade de se

conhecer a doxa, o filtro com que selecionamos as informações que recebemos a todo o

momento e a partir da qual abordamos os assuntos do cotidiano. É o conhecimento popular

que está cristalizado e se reflete nas práticas culturais e folclóricas.

Esas redes de redes de correspondência y de critérios de clasificación

operan como um enorme sistema de información que tieneun rasgo

muy particular: nadie es directamente responsable del establecimiento

del vínculo del sentido, del “filtro” com que percibimos el mundo, las

personas e las cosas (GONZÁLEZ, 2007, p. 38).

Beltrão afirma: No entanto, “teimosa, obstinadamente, o povo conserva a sua

inteligência e, através dela, passam os episódios e fatos gerais que julgamos comuns e

irresistíveis”. Beltrão não nos dá a direção dessa citação (BELTRÃO, 2001, p. 62), mas é ela

que nos revela a variante da presença da mentalidade popular e aqui entra a categoria de

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Bourdieu, em Folkcomunicação, de habitus. É através do habitus, dessa maneira de pensar do

povo, que vai influenciar em suas tomadas de decisões. Se a inovação a ser implementada

pelo governo, “bater de frente” com o habitus, dificilmente este será aceito, pois confronta a

Doxa.

Assim, Beltrão se propõe a realizar uma “análise do conteúdo” das mensagens

populares, expressas pelas manifestações folclóricas, porém realiza, na verdade, uma “análise

do discurso” popular, no desenrolar histórico de fatos sociais e políticos reais. Ou seja, ele

contextualiza as mensagens codificadas das manifestações folclóricas, no sitz in lebem, dentro

do contexto vivencial. “A poesia popular, além de registro dos fatos políticos, econômicos e

sociais de uma época, dos usos e costumes de um povo, é também a cristalizadora dos ideais,

aspirações e sentimentos coletivos” (TEIXEIRA apud BELTRÃO, 2001, p. 128). O que

caracteriza a utilização do materialismo histórico e dialético, pois, é um movimento dialético

da informação, que acontece simultaneamente e intrinsecamente ao processo histórico.

Por outro lado, Beltrão registra sua preocupação frente à alienação popular em relação

aos acontecimentos políticos da nação. Na realidade, encontravam-se apáticos por não

entenderem o processo histórico dos eventos, o que Beltrão transfere à imprensa, quando

transcreve a afirmação de J.E. Gerald, em seu ensaio sobre a responsabilidade social da

imprensa.

Numa época em que a sociedade se está transformando de alto a baixo, a

imprensa não tem auxiliado o público na compreensão do que está

ocorrendo (...). Ajudar o povo a descobrir centros de poder e torná-lo

cônscio em questões de política não mais parece dever jornalístico

(BELTRÃO, 2001, p. 64-65).

A preocupação de Beltrão está no papel social da imprensa perante a sociedade. Para

ele, a imprensa tem a responsabilidade social em transmitir a informação de maneira

inteligível à grande massa da população. E mais, deve conscientizar o povo em compreender

as decisões e articulações do governo. Nesse sentido, o jornalismo interpretativo pode ser um

aliado no processo de intelecção da mensagem.. A escolha de códigos decifráveis e a

utilização de meta-linguagens são decisivos nesse processo.

Outra questão abordada por Beltrão é a importância do ensino e da pesquisa em

comunicação, como também, das publicações, enquanto práticas científicas, do acesso dos

intelectuais da nação aos meios de comunicação massivos, para difundirem suas pesquisas,

que beneficiariam o governo no controle estatal e na preservação da hegemonia. Essa maneira

de pensar de Beltrão está em plena consonância com Gramsci, em “Os intelectuais e a

organização da cultura”.

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(...) as fases de rápido crescimento da ciência ocorrem quando é possível

utilizar pessoal abundante e diverso na solução dos problemas novos e dos

que tem resistido durante muito tempo ao espírito inventivo de outros” e em

que “novas necessidades, novos materiais e novos instrumentos contribuem

para formar uma situação em que é possível uma mobilização do talento

humano em larga escala (apud BELTRÃO, 2001, p.63).

Assim como Gramsci, Beltrão ressalta a importância do cientista nas pesquisas para a

“solução de problemas”, mobilizando um pessoal de alto nível. De acordo com Hogben (apud

BELTRÃO, 2001, p. 63, grifo nosso): “Os meios de comunicação científica são defeituosos

e impedem a livre circulação das informações, relacionadas com estas atividades e a

coordenação dos novos conhecimentos, mediante sínteses teóricas globais”. A questão era a

dificuldade na difusão das pesquisas científicas e o acesso dos pesquisadores aos meios de

comunicação massivos. Há, portanto, uma falha comunicacional no que diz respeito à “ponte”

entre o conhecimento acadêmico e a difusão das pesquisas e, conseqüentemente, o

aproveitamento desse conhecimento, pelo governo e pela sociedade em geral, a fim de

resolver problemas sociais.

(...) quando os meios de comunicação de que a ciência dispõe limitam a

participação recíproca do teórico e dos que fazem o trabalho quotidiano, nesta

continua interfertilização de teoria e prática, uma cultura se aproxima do seu

ocaso (BELTRÃO, 2001, p. 63).

A limitação do científico ao acesso aos meios de comunicação de massa restringem a

difusão da pesquisa científica e seus resultados em benefício da sociedade. Numa sociedade

de massas, deveria funcionar uma comunicação de massa e que proporcionasse acesso à

informação a todas as classes, para que funcionassem os projetos desenvolvimentistas do

governo.

Essa conquista de liderança está intimamente ligada à credibilidade que

merece no seu ambiente e à habilidade do agente dos seus receptores. Em

função da estrutura social discriminatória mantida em nações como a nossa, a

massa camponesa, as populações marginais urbanas e até mesmo extensas

áreas proletárias se comunicam através de um vocabulário escasso e

organizado dentro de grupos de significados funcionais próprios (BELTRÃO,

2001, p. 69).

Para Beltrão, uma saída seria contar com o agente folk para promover essa função de

comunicabilidade entre o governo e a massa; entre as classes sociais. E agora, sim, envia uma

mensagem ao governo, através de sua pesquisa.

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Quando se pretende transmitir uma mensagem a essas porções de

indivíduos – e, especialmente, quando a mensagem insere um novo sistema

de valores e conceitos, como no caso de campanhas mundancistas – é

preciso “traduzir-lhes” a idéia, adequando-a aos esquemas habituais de

valoração.” (BELTRÃO, 2001, p. 70)

Ou seja, é preciso adequar a inovação do governo ao habitus social, levando-se em

consideração, principalmente a doxa, que é o filtro pessoal do indivíduo, caso contrário a

inovação não será aceita e ocorrerá reação contrária popular, que se refletirá no contra-

discurso popular realizado através das práticas sociais e culturais e em suas representações

simbólicas.

Não se deve esquecer que enquanto os discursos da comunicação social são

dirigidos ao mundo, os da folkcomunicação se destinam a um mundo em

que palavras, signos gráficos, gestos, atitudes, linhas e formas mantêm

relações muito tênues com o idioma, a escrita, a dança, os rituais, as artes

plásticas, o trabalho e o lazer, com a conduta, enfim, das classes integradas

da sociedade. (BELTRÃO, 1980, p. 40)

Assim, Beltrão identificava em suas pesquisas dois caminhos de pesquisa, em

folkcomunicação: através do líder de opinião, traduzir as idéias do governo ao povo, de

maneira, que seu discurso não se choque com o habitus social; e, descobrir os processos de

comunicação popular:

Descobrir seus catimbós em que cria o homem do hinterland e surpreender o

processo mediante o qual as camadas menos cultas e economicamente mais

frágeis da sociedade urbana e rural se informavam e cristalizavam as suas

opiniões para uma ação próxima ou remota – ia-se tornando uma obsessão

para o pesquisador. Poderia ser uma meta inatingível, mas, sem duvida,

constituía um poderoso atrativo para quem sempre se considerou antes de

tudo um repórter. (BELTRÃO, 2001, p.74)

Beltrão afirma que lhe foi “(...) preciso recorrer às páginas da história. Reler os cronistas

coloniais. Retornar à época em que, no Brasil, não havia estradas, nem meios de transporte e,

muito menos, folhas impressas” (BELTRÃO, 2001, p.75). Dessa maneira, a cada movimento

da história, Beltrão parava com sua “lupa sherloquiana” e ia averiguar como se davam os

processos comunicacionais em determinados momentos da história.

Saber como se comunicavam os indígenas, senhores da terra, mesmo antes

que aqui chegassem as velas lusitanas. E acompanhar, através dos séculos

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do povoamento a evolução dos meios primitivos de contato social. Para

ver, afinal, os que tinham subsistido, resistindo às mudanças, inovações e

circunstâncias envolvendo-se embora noutras roupagens, disfarçando-se,

travestindo-se de tal modo que nós, os cronistas modernos, não os

identificamos e classificamos como tais, perdendo em argúcia para os

Thevet, Lery, Anchieta e Gabriel Soares de Souza nos idos dos I e II

séculos (BELTRÃO, 2001, p.75, grifo nosso).

Beltrão, através de uma pesquisa diacrônica, procurou averiguar os meios pelos quais se

comunicavam comunidades indígenas e a evolução desses veículos que subsistiram com o

passar do tempo, resistindo às inovações, como as antigas prensas artesanais, que ainda são

encontradas em lugares longínquos do nosso Brasil. A questão era averiguar como eram os

sistemas de comunicação e os meios utilizados para promover o desenvolvimento do Brasil

colônia.

Uma característica predominante surgia nos agentes-comunicadores

selecionados e nas modalidades que adotavam para a transmissão das suas

mensagens – a característica folclórica. Com muita precisão Pedro Calmon

havia apontado, na fase agitada da Regência, o inicio do divorcio entre as

classes sociais da pátria nascente: “fragmentava-se a Nação”. E

fragmentava-se exatamente quando entravam na liça os primeiros

periódicos, tornando-se logo, porta-vozes das elites dirigentes e cultas. Essa

fragmentação prosseguiria por toso o século IV e teria o seu ciclo

completado com a abolição da escravatura, que retiraria à influencia da

casa-grande a significativa população da senzala. Os negros forros iriam

engrossar a camada social dos alienados do pensamento e da cultura da

elite. E incorporariam vigorosamente ao patrimônio sócio-cultural da

favela, do mocambo e da tapera as suas tradicionais formas de expressão.

Que o sobrado, o palacete e a casa-de-fazenda não compreenderiam,

agravando-se a cada passo o abismo hoje constatado. (BELTRÃO, 2001, p.

77, grifo nosso).

Beltrão identifica já na época colonial a fragmentação da nação através do acesso aos

primeiros periódicos, em que somente a elite dirigente e culta tinha acesso aos saberes, às

inovações sociais e políticas da nação. Afirmando que “os negros forros” iriam aumentar essa

multidão de alienados à informação, pois pouquíssimos eram alfabetizados. Assim, resquícios

de mensagens que chegavam a eles, já interpretadas e com viés opinativo, era o material na

qual iria trabalhar o agente de folk para retransmitir a informação.

Achava-me de acordo com a tese de Edson Carneiro, segundo a qual “sob a

pressão da vida social, o povo atualiza, reinterpreta e readapta

constantemente os seus modos de sentir, pensar e agir em relação aos fatos

da sociedade e aos dados culturais do tempo”, fazendo-o através do folclore

que é dinâmico porque “não obstante partilhar, em boa porcentagem, da

tradição e caracteriza-se pela resistência à moda (...) é sempre, ao mesmo

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tempo que uma acomodação, um comentário e uma reivindicação”

(BELTRÃO, 2001, p.78).

O ideal neomarxista de Edson Carneiro é extraída do materialismo dialético. O processo

de recomposição folclórica é um processo dialético descrito por Edson Carneiro e assimilado

por Beltrão. Porém, nesse processo de recomposição folclórica, há a atualização das

representações sociais. Mudam-se as representações sociais, mudam as práticas. Esse

processo se dá com as mudanças sociais e políticas de um povo. O povo manifesta suas

opiniões em relação ao governo, através do seu contra-discurso expresso através de elementos

representativos em suas práticas culturais.

A cada atitude do governo que “bata de frente” com a doxa, ou com o habitus, com o

modus vivendi, modus operandi; essa atitude, na visão do povo, vai refletir-se nas suas

representações simbólicas, expressas nas práticas culturais. Por exemplo, corre a informação

de uma atitude corrupta do governo. Essa informação fere a doxa, que está relacionada à

moral e a ética da sociedade. Por outro lado, a falta de políticas públicas que supram as

necessidades básicas do povo, o aproxima cada vez mais das religiões, pois quando não tem

mais para onde correr, o povo se apega com o sagrado. Quanto mais intensa a crise

econômica, mais aumenta a busca por milagres, ou seja, pela religião. Daí as maiores

manifestações populares estarem relacionadas à religiosidade popular.

1.6. Predição suicida

A folkcomunicação foi uma predição suicida realizada por Beltrão, a partir de seu olhar

de cientista social. Beltrão foi um pioneiro dos estudos comunicacionais no Brasil e buscava,

naquele momento, identificar os problemas comunicacionais pelos quais passava o país, com

o intuito de encontrar soluções, como um investigador que busca respostas para contribuir

com o bom funcionamento da sociedade. Porém, Beltrão acabou realizando uma predição

suicida. O que é uma predição suicida?

Não é um poder, por si mesmo, mas a medida de nossa fraqueza, talvez

exija todo nosso esforço para descobri-lo; no entanto, uma vez que o

tenhamos descoberto, te-lo-emos exorcizado, em certo sentido, ele não

alterará sua política em relação a um assunto já decidido, com a mera

intenção de confundir-nos ainda mais (WIENER apud EPSTEIN, s/d, p. 18,

grifo nosso).

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O demônio agostiniano da descoberta, uma vez encontrado e exorcizado, torna-se

neutralizado. Porém, uma antítese do demônio agostiniano é o demônio maniqueu. Se, por um

lado, o conhecimento é poder - a partir do conhecimento podemos resolver problemas -

porém, esse conhecimento pode tornar-se manipulação, a partir do momento em que sabemos

como o objeto pode se comportar em determinadas circunstâncias. E assim, exercer o poder

diretamente, através de sua ação, sobre os indivíduos ou grupos sociais. Isto pode conduzir à

dominação e também possibilitar a emancipação através da autoconsciência.

O tremendo perigo que esses desconhecimento dos meios de

comunicação do povo representa para uma civilização, seja

desenvolvida ou em vias de desenvolvimento, foi bem fixado por Lancelot

Hogben, em seu estudo sobre a evolução da pintura ao indagar “se algumas

das civilizações do passado não sucumbiram à pressão exterior até que

perderam a sua capacidade de ulterior crescimento porque seus meios de

comunicação eram inadequados para obter o esforço da comunidade

para o desenvolvimento cultural” (BELTRÃO, 2001, p. 63, grifo nosso).

Assim, temos que a descoberta de Beltrão pode levar a dois caminhos: 1. O despertar de

líderes de opinião populares da eficiência e eficácia dos meios de expressão populares,

possibilitando um fortalecimento popular de articulação, tendo a noção do seu poder de

persuasão; 2. A conscientização do governo da possibilidade de manipular o povo, visto que

foi descoberto o demônio agostiniano; o problema foi descoberto e agora é necessário

exorcizá-lo e controlá-lo.

Num cumprimento da sua missão na sociedade – e até mesmo no seu

próprio interesse de sobrevivência e manutenção da posição de

liderança – esses grupos dirigentes precisam valer-se não somente dos

grandes meios de comunicação do seu patrimônio e dos comunicadores de

seu próprio ambiente como, ainda, dos lideres de opinião populares,

armados, por seu turno, de recursos e veículos que apenas eles possuem e

sabem manejar (BELTRÃO, 2001, p. 72, grifo nosso).

Beltrão adverte os grupos dirigentes a valer-se dos comunicadores, dos líderes e dos

veículos para a promoção da hegemonia das classes dirigentes e a preservação do status quo.

Conhecer os meios de expressão popular e decifrar seus códigos seria uma necessidade para a

promoção da integração e da paz social, considerando o contexto de ditaduta militar. Mas, se

pelo lado classe dominante há o perigo de conhecer e ter o poder de “conhecer para

manipular”, em contrapartida, se o objeto de estudo percebe que está sendo analisado e é

consciente das leis e regularidades, por exemplo, das práticas culturais, os atores sociais que

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estão posicionados, podem alterar uma representação simbólica, uma informação, uma

característica especifica para que o código não seja decifrado. Enfatizamos que Beltrão tem

por objetivo a paz social e a integração nacional.

El trabajo culmina en una sintesis que lleva al autor a conclusiones del mayor

empeño: La unidad del Brasil ha de dejar de ser bifronte porque es urgente

incorporar a atrasada interlandia (sic) al progresivo litoral. Para ello es preciso

atender a la existencia del tipo especifico de comunicación que documenta en

su pesquisa y que, como subraya el dectorante (sic) de acuerdo con los

critérios de los expertos en “mass comunication” (sic), presenta un carater

periodístico, por lo qual se deduce que la “folkcomunicação” estudiada por el

ha de ser equiparada a los outros “media” de información de acontecimientos

y de expressión (sic) de ideas. Sin esta integración – dice – la Nación

brasileña no podra asegurarse el liderazgo que por las condiciones de su

desenvolvimento (sic) se debe augurar (BENEYTO apud BENJAMIN, 1998,

Anexo 1).

A importância da Folkcomunicação está em “desatar os nós” comunicacionais em nível

popular, vencendo o fenômeno da “incomunicação” e exercer sua função jornalística, que é

fazer circular a informação no espaço social. Folkcomunicação é comunicação para o

desenvolvimento, traduzindo “idéias” e a importância da implementação de determinados

projetos para o bem-estar social. Nessa perspectiva, o folclore e a cultura popular tem um

importante papel, pois detém o soft power (poder brando), além, de serem os principais

veículos de expressão das idéias e opiniões populares, porém, codificada em diversas

linguagens (escrita, oral, pictórica) e expressas por diferentes meios de expressão. O desafio

está em fazer fluir a informação, reafirmo, e promover a integração nacional.

Ao trabalhar constantemente em seus livros a importância da inteligibilidade da

mensagem, sendo um formador de intelectuais, Beltrão plantou uma semente contra ele

mesmo. Ao identificar os problemas comunicacionais pelos quais passava o Brasil, seus

alunos e estudantes de comunicação de todo país das gerações seguintes tiveram acesso ao seu

material, de cunho intelectual e didático. Beltrão escrevia para fazer-se entender aos seus

alunos. Assim, além de escrever identificando os problemas comunicacionais brasileiros,

Beltrão lecionava, produzia material didático, formava currículos de comunicação por todo

país, inclusive no foco político e ideológico do país, que é a capital da república brasileira,

Brasília e formava pensadores.

Que queremos dizer com essas palavras? Que o demônio na descrição de Wiener,

utilizado também por Epstein, foi exorcizado da comunicação brasileira. Beltrão identifica

dois problemas: o problema hegemônico que está relacionado à comunicação, advindo de uma

articulação popular que consegue impedir um golpe militar em 1960 (o que não acontece em

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1964, ano em que se concretiza o golpe militar), e um problema social relacionado às altas

taxas de analfabetismo e o acesso aos meios de comunicação de massa, os quais, no entende

de Beltrão, entravavam o progresso brasileiro. Dessa forma, a comunicação que não atingia a

grande massa da população, numa mensagem que não era inteligível ao povo, Beltrão e seus

contemporâneos através de seus livros, docência e de seus discípulos, transformou a maneira

de “fazer jornalismo” no Brasil.

Hoje, a realidade é outra, fatores variáveis devem ser

considerados, principalmente os níveis de analfabetismo,

no Brasil, que na época de Beltrão batia na casa dos 70%

de analfabetos9. Atualmente, segundo informações da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),

realizada em 2005, a região de maior índice de

analfabetismo do país é a Região Nordeste com 21,9%.10

Além disso, mudou o tratamento da informação. Na

época de Beltrão, os jornalistas eram formados em

Filosofia e Direito, numa linguagem rebuscada e intelectualizada. O jornalista passa a cada

década a ser um tradutor de mensagens do governo para o povo, comum jornalismo

interpretativo e especializado, no telejornalismo brasileiro, por exemplo. Aparecem os

jornalistas especialistas em economia, como Miriam Leitão, que vão traduzir ao povo quais as

implicações da subida de preço do barril de petróleo, para o bujão de gás utilizado pela dona

de casa. Politicamente, jornalistas especializados nessa área começam a interpretar ao povo as

implicações das decisões do Senado e do Congresso no cotidiano. A atuação popular se

fortalece também, com a atuação da Igreja Católica com as Comunidades Eclesiais de Base e

a sua participação ativa na política, como formadores da opinião popular.

Emergem jornalistas especializados e realizam um jornalismo cidadão, a partir,

justamente, das aulas, orientações e livros de Luiz Beltrão. Um de seus alunos, hoje, é

considerado um dos formadores de jornalistas brasileiros, através de seus livros e sua atuação

docente, José Marques de Melo. Assim, Luiz Beltrão e seus dedicados discípulos formaram

parte do pensamento comunicacional brasileiro, disseminando a importância de um

jornalismo opinativo e interpretativo, provocando uma ruptura no fazer jornalístico. E essa

mudança na formação repercutiu na prática jornalística, o que redundou numa predição

suicida.

9 Valor aproximado. Ver dados em Análise de conjuntura.

10 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, 2005.

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CAPÍTULO II

MATRIZES ANTROPOLÓGICAS E SOCIOLÓGICAS DA

FOLKCOMUNICAÇÃO

A Antropologia tem como seu objeto de estudo a humanidade, considerando o universo

e os seus fenômenos. Assim, a antropologia é a ciência da humanidade e da cultura, sendo

uma ciência social e comportamental “e mais, na sua relação com as artes e no empenho do

antropólogo de sentir e comunicar o modo de viver total de povos específicos” (HOEBEL &

FROST, 1995, p. 3). Etimologicamente, o termo antropologia remete-nos ao grego (antropos

+ logia) significando o estudo do homem, sendo uma disciplina humanística. Seus

pesquisadores estudam o ser humano social, independente do tempo (seu lugar na história) e

do espaço (localização de comunidades ou aldeias).

O antropólogo cultural estuda e compara o maior número possível de

sociedades humanas, primitivas e civilizadas, em todas as partes do mundo,

as características sociais e culturais comuns e únicas do comportamento da

humanidade. (...) Esta, por sua vez, tem muitas subdivisões, das quais as

mais notáveis são a arqueologia, a etnografia, a etnologia e a antropologia

social (HOEBEL & FROST, 1995, p. 5-7).

A Folkcomunicação trabalha interdisciplinariamente com a antropologia cultural, a

sociologia da cultura, a psicologia social, a história cultural, a comunicação e outras áreas do

conhecimento que o pesquisador julgue necessário para a análise do seu objeto de pesquisa.

Dessa maneira, será o objeto a ser investigado e as metas estabelecidas pelo pesquisador, que

definirão os caminhos a serem trilhados metodologicamente, porém é certo que no estudo do

universo simbólico do ser humano e das expressões de suas idéias e opiniões, presentes nas

suas manifestações folclóricas, práticas culturais e sociais, é necessário ao pesquisador o

trabalho interdisciplinar. Dessa maneira, enfatizamos que nos deteremos nos estudos

científicos a respeito do folclore e da cultura popular e suas interações simbólicas com os

meios de difusão, formais e informais, sendo esses os principais objetos de análise

folkcomunicacionais.

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O termo folkcomunicação emerge do próprio objeto de estudo em Folkcomunicação,

que é a Comunicação Popular, relacionada ao folclore e a cultura popular. Conforme

Florestan Fernandes (1978, p. 38), o folclore é, enquanto um conhecimento científico, uma

das mais audaciosas aventuras do século XIX.

Ele nasceu de uma necessidade da filosofia positiva de Augusto Comte e do

evolucionismo inglês de Darwin e Herbert Spencer; e, também, de uma

necessidade histórica da burguesia. Pois, ele se propõe um problema

essencialmente prático: determinar o conhecimento peculiar ao povo,

através dos elementos materiais e não-materiais que constituíam a cultura.

Ou seja, o folclore propunha-se estudar os modos de ser, de pensar e de agir

peculiares ao “povo”, por meio de fatos de natureza ergológica, como

técnicas de trabalhar a roça, ou manipular materiais, de transporte ou de

esculpir objetos etc., e de natureza não material, como as lendas, as

superstições, as danças, as adivinhas, os provérbios etc.

No Brasil, um dos pioneiros a estudar o folclore de maneira científica foi Florestan

Fernandes, quando, em seus primeiros trabalhos, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), elaborou um conjunto de trabalhos

durante seu “primeiro período de formação” (1941-1953), quando buscava, naquela época, a

definição de sociologia, enquanto ciência compatível com a realidade brasileira, visto que seu

objeto de estudo para essa comprovação foi exatamente o folclore brasileiro, para a

elaboração da sociologia como ciência, no Brasil. Para essa pesquisa, Florestan propõe três

linhas complementares de análise: “1. as explicações sociológicas das manifestações

folclóricas; 2. as explicações sociológicas dos estudos folclóricos na sociedade moderna; 3. a

redefinição de folclore como método sociológico” (GARCIA, 2001, p.143).

1. Estudos Científicos do Folclore Brasileiro

Florestan Fernandes foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a buscar fundamentar

suas teses sociológicas com base no Folclore Nacional. A intenção de Florestan era formar a

disciplina sociologia, com um marco teórico e conceptual autóctone.

A orientação científica se instaurou nos estudos folclóricos em São Paulo

por duas vias diferentes. De um lado, pela preocupação de estudar o paulista

antigo, por meio de evidencia das tradições orais. Semelhante preocupação

se revela originalmente na obra de Afonso de Freitas, na qual se combinam

intuitos históricos, sociológicos e folclóricos. De outro, pela influencia das

investigações folclóricas, realizadas em várias regiões do País, por Celso de

Magalhães, Sílvio Romero, João Ribeiro e tantos outros. As contribuições

de Edmundo Kreeg, de Alberto Faria e de Amadeu Amaral sofreram essa

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influencia, antes estimuladora que formativa. Nelas prevalece a aspiração de

dar um cunho cientifico positivo à pesquisa folclórica, o que fez com que

aqueles autores se interessassem, sobretudo, pela formação de coleções pela

análise genético-comparativa (antes erudita, que sistemática, ou pelos

problemas teóricos e metodológicos do folclore) (FERNANDES, 1978, p

9).

A tentativa de se pesquisar o folclore em diferentes perspectivas, sincrônica e

diacrônicamente, colocava Florestan Fernandes frente-a-frente com seus contrários: os

folcloristas que viam na investigação científica uma ameaça à deturpação do folclore e os

intelectuais que não viam no folclore a possibilidade se ser estudado sob uma perspectiva

científica. Florestan Fernandes tornou-se referência dos estudos folclóricos de perspectiva

científica no país, além da formação da sociologia como disciplina científica no Brasil e com

a pesquisa empírica realizada em São Paulo.

A afirmação de Florestan Fernandes não nos deixa dúvidas frente à possibilidade do

folclore ser tomado, como já tem sido, por outras áreas das ciências sociais e aplicadas.

Vejamos o que ele diz, sendo um dos mais respeitados e importantes intelectuais brasileiros,

reconhecidos internacionalmente:

As transformações por que passaram os estudos folclóricos em São Paulo, são

facilmente compreensíveis. A idéia de converter o folclore e ciência positiva

autônoma trazia, consigo, limitações e dificuldades insuperáveis. Esta fora de

qualquer duvida que o folclore pode ser objeto de investigação cientifica.

Mas, conforme o aspecto do folclore que se considere cientificamente, a

investigação deverá desenvolver-se no campo da história, da lingüística, da

psicologia, da antropologia ou da sociologia. O Folclore, como ponto de vista

especial, só se justifica como disciplina humanística, na qual se poderão

aproveitar as investigações cientificas sobre o folclore ou técnicas e métodos

científicos de levantamento e ordenação dos materiais folclóricos. (...) o

folclore, como realidade objetiva, pode e deve ser investigado

cientificamente, porém esse estudo não pode ser unificado, pois cada ciência

social o analisa desde um prisma diferente (FERNANDES, 1978, p. 10, grifo

nosso).

Florestan Fernandes defende declaradamente o estudo científico do folclore, utilizando

inclusive pesquisas já realizadas por antropólogos, sociólogos e cientistas da linguagem.

Porém, por outro lado valoriza a importância da investigação interdisciplinar entre o folclore e

as ciências sociais, devido a importância dos estudos da significação social das formas de

produção criadoras. Assim, ele afirma ser de grande valor as contribuições específicas dos

folcloristas, que podem contribuir com a pesquisa dos cientistas sociais.

Já quanto ao campo de pesquisa, Florestan Fernandes vê de maneira muito positiva a

investigação de cientistas sociais e a contribuição de folcloristas para a compreensão da

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significação dos conteúdos folclóricos. O que se deve considerar é o valor do conhecimento

do folclorista, que pode auxiliar na pesquisa científica, com seus conhecimentos, o cientista

social, que não deve pretender discernir o campo e as tarefas do folclore, como o fazem com

propriedade os folcloristas. Na realidade, o trabalho conjunto e interdisciplinar, pode trazer

valiosas contribuições à pesquisa cientifica no Brasil.

O folclore oferece um campo ideal de investigação para os cientistas

sociais. É que ele permite observar fenômenos que lançam enorme luz sobre

o comportamento humano, como a natureza dos valores culturais de uma

coletividade, as circunstancias ou condições em que eles se atualizam, a

importância deles na formação do horizonte cultural de seus portadores e na

criação ou na motivação de seus centros de interesse, a relação deles e das

situações sociais em que emergem com os sentimentos compartilhados

coletivamente, a sua significação como índices do tipo de integração, do

grau de estabilidade e do nível civilizatório do sistema sócio-cultural etc

(FERNANDES, 1978, p.31).

É conhecida a luta dos folcloristas para delimitar o campo de trabalho, como também, de

determinar a natureza do folclore, enquanto disciplina autônoma, visto a sua amplitude e a

necessidade de sistematização e explicação dos fatos folclóricos. Dessa maneira, a

delimitação dos estudos folclóricos deve privilegiar os fatos folclóricos, para a pesquisa

cientifica, o que não quer dizer que não possa ser pesquisado em outros âmbitos, onde as

relações podem ser inferidas e os processos comunicacionais percebidos de maneira mais

clara.

Para Câmara Cascudo (S/D, 9ª edição, p. 400-401), o Folclore “é a cultura do popular,

tornada normativa pela tradição. Compreende técnicas e processos utilitários que se valorizam

numa ampliação emocional, além do ângulo do funcionamento racional”. Dessa forma, o

processo comunicacional da tradição folclórica contribuiu para a disseminação da

mentalidade, móbil e plástica, sedimentando a cultura nacional e fazendo permanecer uma

manifestação, ou expressão popular, através dos anos.

En el folclore, la relación entre la obra de arte y su objetivación, o sea las así

llamadas variantes de la obra introducidas por las diversas personas que la recitan,

corresponde exactamente a la relación entre langue y parole. La obra del folclore

es extrapersonal como la langue, y vive de una vida puramente potencial no es

más que un conjunto de determinadas normas e impulsos, una trama de tradición

actual que los recitantes animan con sus aportaciones individuales, como hacen

los creadores de la parole respecto a la langue. En la medida en que esas

innovaciones individuales de la lengua (o del folclore) responden a las exigencias

de la comunidad y anticipan la evolución regular de la langue (o del folclore),

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ellas son socializadas y se convierten en hechos de la langue (o elementos de la

obra folclórica) (CIRESE, 1997, p. 210-211).

Assim, como a língua é um fato social, conforme Saussure, o folclore é a concretização

das determinações de uma comunidade, em se falando de normas e convenções culturais em

termos sociais, ou seja, o fato folclórico é fruto da coletividade, da comunidade, assim como a

língua, que só é útil, para a socialização, se é inteligível a todos, da mesma maneira, acontece

com o folclore, que é fruto de uma realidade social.

Na realidade, Florestan Fernandes defende aqui a mesma idéia de Pierre Bourdieu

quanto às categorias antropológicas de habitus e o modus vivendi. Florestan Fernandes,

enquanto sociólogo, mostra a necessidade de se estudar o Folclore, na década de 1970,

quando os intelectuais brasileiros se voltam para o povo, com o objetivo de estudar o modo de

pensar popular e as suas conseqüências na definição dos dois brasis: elite intelectual e massa

popular. Era necessário se estudar o folclore, enquanto gênero, e o modo de compreender a

vida humana e os fenômenos a elas relacionados, principalmente os culturais, pelos

positivistas e evolucionistas. O termo folclore, porém, emerge como uma distinção à

civilização. O que não é próprio da civilização, do erudito, da elite, da classe dominante, é

folclórico. O folclore nasce então como uma distinção à cultura de elite (BOURDIEU, 1979).

O Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, afirma que “o Folclore estuda

a solução popular na vida em sociedade” (S/D, 9ª edição, p. 401). Assim, o povo busca

soluções para o seu viver, por exemplo, na religiosidade popular, quando o homem não vê

mais saída nenhuma, Deus é o todo-poderoso, aquele que tem solução para tudo e, se acredita,

que as coisas assim acontecem “porque Deus quiz assim”. Na sabedoria popular, a tradição e

os costumes devem ser obedecidos e não questionados, fazem parte da doxa. Para Câmara

Cascudo, o Folclore é “a mentalidade, móbil e plástica, torna tradicional os dados recentes,

integrando-os na mecânica assimiladora do fato coletivo, como a imóvel enseada dá a ilusão

da permanência estática, embora renovada na dinâmica das águas vivas.” (CASCUDO, S/D,

9ª edição, p. 400).

O Folclore é o cultivo, a preservação das práticas populares, que se tornam tradicionais

pela sua importância para a comunidade. É preciso recordar do que passou e projetar o futuro.

Olhar para o passado, viver o presente de maneira mais “esperta”, crítica, para que o futuro

seja melhor. O folclore tem em sua essência a motivação e a esperança numa mudança social

para melhor, mas em beneficio de toda comunidade, todo o grupo. Câmara Cascudo nos traz a

origem do termo Folclore:

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O conteúdo do Folclore ultrapassa o enunciado de 22 de agosto de 1846,

quando William John Thoms (1803-1885) criou o vocábulo. Nenhuma

disciplina de investigação humana imobilizou-se nos limites impostos,

quando do seu nascimento. Qualquer objeto se projete interesse humano,

além de sua finalidade imediata, material e lógica, é folclórico. Desde que o

laboratório químico, o transatlântico, o avião atômico, o parque industrial

determinem projeção cultural no plano popular, acima do seu programa

especifico de produção e destino normais, estão incluídos no folclore. “The

industrial folk-tales and songs are evidence enough that machinery does not

destroy folklore,” diz Botkin (CASCUDO, S/D, 9ª edição, p.401).

Assim, a evolução tecnológica não conseguiu, nem conseguirá destruir o folclore, pois

ele faz parte da essência do ser humano, na sua forma mais rudimentar e primitiva. No

folclore e na cultura popular o ser humano tem o seu lugar de pertença, seu habitus e modus

vivendi, sua maneira de ser e pensar mais essencial, enquanto pessoa. É uma questão de

identidade pessoal e social, além da consciência de quem sou e de que comunidade social

faço parte, que pertenço.

Em qualquer deles haverá uma cultura sagrada, hierárquica, veneranda,

reservada para a iniciação, e a cultura popular, aberta à transmissão oral e

coletiva, estórias e acessos às técnicas habituais do grupo, destinada à

manutenção dos usos e costumes no plano do convívio diário (CASCUDO,

S/D, 9ª edição, p. 401).

Então, a cultura popular, na realidade, preserva o folclore, na sua essência, cultivando os

hábitos e as representações simbólicas, o que torna os fenômenos folclóricos como

manifestações de resistência, preservados pela cultura popular resistindo ao tempo. A

evolução tecnológica proporciona, a partir da sensibilidade de alguns membros do grupo e

acesso aos mecanismos de poder, a difusão de manifestações folclóricas através dos meios de

comunicação, publicizando o fato folclórico e movimentando a indústria da criatividade e a

economia das pequenas cidades, fortalecendo os laços comunitários, através da solidariedade.

Para Câmara Cascudo, os problemas delimitadores do folclore são idênticos aos das

ciências sociais. “O folclore deve estudar todas as manifestações tradicionais na vida coletiva

(...)‟ e a „(...) solução popular na vida em sociedade‟, (...) onde estiver um homem aí viverá

uma fonte de criação e divulgação folclórica” (S/D, 9ª edição, p. 400-401, grifo nosso). O que

é de comum interesse a Folkcomunicação e a investigação das maneiras como o ser humano

individualmente, ou em grupo, em sua mais essencial e rudimentar maneira de viver se

comunica, se expressa, emite suas opiniões e se faz ouvir aos governantes, aos políticos, que

foram eleitos para administrar a máquina pública em beneficio da sociedade, convertendo as

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verbas de impostos em melhorias para toda a população em suas necessidades básicas.

Interessa, porém, à Folkcomunicação saber a respeito desse “entendimento” entre os líderes

políticos, os projetos do governo e as necessidades do povo.

Florestan elabora uma sociologia do folclore brasileiro, mas isso à custa de discussões

intensas com folcloristas, que abordavam o tema de maneira simplista e não científica. O

esforço de Florestan vai no sentido da configuração de um campo especializado de estudos,

buscando a integração “do pensamento sociológico ao sistema sócio-cultural brasileiro e a

história das relações entre sociedade e ciência no Brasil moderno” (GARCIA, 2001, p. 143).

Florestan defende o folclore como um objeto específico de estudos, fazendo isso através

de uma crítica severa dos trabalhos de estudiosos da crítica tradicional e popular brasileira.

Dessa maneira, Florestan trava uma discussão intensa com os folcloristas, veiculada em seus

escritos para o jornal O Estado de S. Paulo. Nesses artigos, Florestan inicia um processo,

descrito por Cavalcanti & Vilhena (1990), como o início do “processo de marginalização do

folclore do campo de estudos acadêmicos de sociologia e antropologia no Brasil” (GARCIA,

1990, p 145-146).

Os folcloristas agrupam-se em uma das vertentes de estudos impulsionadas

pela valorização das tradições populares e da pesquisa histórica que marca o

cenário cultural paulista desde os anos 20. No decênio de 30, rumo à

institucionalização, em torno do Departamento de Cultura da cidade, dirigido

por Mário de Andrade entre 1935 e 1938. O auge do debate entre a sociologia

e o folclore, representados respectivamente por Florestan Fernandes e Edison

Carneiro, só vai ocorrer na segunda metade da década de 50, quando o

movimento folclórico atinge o auge no Brasil, institucionalizado na Comissão

Nacional do Folclore, do Ministério do Exterior, e na Campanha Brasileira de

Defesa do Folclore, do Ministério da Educação e Cultura (CAVALCANTI &

VILHENA apud GARCIA, 1990, p. 146).

Dos trabalhos mais importantes de Florestan Fernandes, nesse sentido, temos as

publicações Folclore e grupos infantis (1942); Educação e cultura infantil (1943); As

trocinhas do Bom Retiro, considerada por seus críticos como a obra de maior impacto nessa

temática. Florestan toma como ponto de partida os fatos folclóricos, como fatores de

associação, ou seja, no âmbito sociológico, o folclore promove a socialização em âmbito

infantil.

O folclore foi produto da vida social do passado (...), no presente, não é a

vida social dos grupos infantis que gera os elementos folclóricos, mas são

os elementos tradicionais que provocam e organizam a experiência social

das crianças no interior dos grupos de folguedos. Definem-se assim, os

aspectos socializadores do folclore através da diferenciação entre cultura

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adulta e cultura infantil para, analisando o funcionamento desta última,

mostrar como ela atualiza para as crianças os mesmos padrões da cultura

adulta, reafirmando dessa maneira unidade dos valores e padrões de conduta

de uma sociedade (GARCIA, 1990, p.147).

Dessa maneira, entendemos que Florestan Fernandes aponta para o aspecto socializador

do folclore, e mais que isso, ele vê o folclore também como Bourdieu, como uma estrutura

estruturante, ou seja, ele provoca e organiza a experiência social e, poderíamos dizer, re-

adapta também, porque o folclore, assim, como a sociedade, é dinâmico e a sua dinamicidade

envolve-se com a sociedade num movimento dialético, em que a ideologia popular é expressa

através das práticas sociais e culturais.

A segunda dimensão de socialização do folclore, elaborada por Florestan Fernandes, é a

observação do funcionamento dos grupos, descrevendo os conflitos e a solidariedade entre as

crianças de um mesmo grupo e de diferentes traços brasileiros, estrangeiros e filhos de

estrangeiros, crianças pobres, ricas e de classe média. Ou seja, os grupos sociais se formam

através da identificação, dos valores e contexto social. E o folclore, nesse processo de

socialização consegue organizar essa realidade social, ou seja, é uma estrutura estruturante da

realidade social e organizadora, delimitando os que são ou não aceitos no grupo.

Citamos um exemplo, nesse sentido, exposto por Beltrão, descrevendo como acontecia o

processo de codificação e decodificação pelos índios do Brasil, que ele extrai de Sérgio

Buarque de Holanda.

Soube o nosso indígena, como depois o quilombola, ou o jagunço, ou o

cangaceiro e, ainda agora, o romeiro, o retirante ou o foragido, valer-se de

recursos diversos para “desenvolver ao máximo um poder invertido

orientado para o bem do grupo, como se deve esperar de homens para

quem o viver era antes e acima de tudo um conviver. Precisamente a

indústria com que sabia recorrer à comunicação indireta a fim de transmitir

advertências e notícias sempre que uma necessidade se apresentava serve

como prova de tal aptidão. É conhecido o exemplo do trocano ou tambor de

aviso... Pode-se lembrar, além desse, o processo de sinalização por meio

de fogueiras e rolos de fumaça, usado até hoje pelas nossas populações

rurais. Viajantes que percorreram os rios do Brasil Central atestam como,

para indicar que determinado local é abundante em determinada casta

de peixes, os índios usam às vezes o sistema de desenhar nas areias da

margem a figura desse peixe. Quem venha depois e esteja a par do processo

não correrá o risco de enganar-se. É só lançar o anzol” (HOLANDA, S.B.

apud BELTRÃO, 1980, p.11, grifo nosso).

Beltrão fala sobre grupos ou comunidades marginalizadas que utilizaram meios diversos

para desenvolver um “poder invertido”. Que poder invertido é esse, senão a luta por tomada

de posições no espaço social? É a luta pelo poder hegemônico, em fazer ouvir sua voz e suas

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reivindicações, em prol do bem comum. Por outro lado, são lembrados os processos de

codificação de sinais emitidos pelos índios, cujo objetivo era a sobrevivência de tribos e

comunidades quilombolas, numa realidade vivida na época do Brasil colônia.

Se averiguarmos o discurso popular, veremos que este é um contra-discurso do discurso

hegemônico. Assim, o povo, por vezes, se utiliza do humor para rir da própria desgraça e

realiza seu contra-discurso de maneira satírica e crítica, para reivindicar seus direitos frente às

injustiças sociais e termina seu discurso dizendo sobre sua reivindicação, o que quer, um

futuro melhor. O povo olha para o passado, lamentando o sofrimento vivido, e procura viver

no presente com fé e esperança, lutando sempre, para que no futuro possa viver de maneira

digna. Ou seja, o folclore é uma estrutura estruturante da sociedade, sociologicamente

falando, e como tal exerce seu contra-discurso.

Para Florestan Fernandes, se considerarmos o desenvolvimento social, que é

dinâmico e gradual, a sociedade está, paulatinamente, em constante

transformação e de maneira evolutiva. Para explicarmos esse fenômeno,

dever-se-ia estudar a persistência de elementos sobreviventes desses

fenômenos na sociedade e que eram formas de condutas incompatíveis com

os valores característicos e dominantes num estado qualquer considerado –

o positivo, por exemplo, para Comte – estabelecido teoricamente

(FERNANDES, 1978, p. 40).

Esse se tornou o ponto de partida para os pesquisadores em folclore: “o progresso não se

processa uniformemente na sociedade, havendo por isso camadas da população que não

participam do desenvolvimento da mesma sociedade ou apenas o acompanham com

retardamento evidente” (FERNANDES, 1978, p. 40). Esta era uma inquietação de Luiz

Beltrão, que a grande massa da população estava alienada, como que ensurdecida à crise

vivida pelo país, alienada da realidade, do processo de desenvolvimento, como também das

metas desenvolvimentistas. Assim como Beltrão, Florestan Fernandes via que

os elementos culturais, que constituem o patrimônio cultural dos indivíduos

a elas pertencentes, não se sintonizam dinamicamente com a cultura tomada

como um sistema ou como um todo orgânico e por isso deixam de refletir

integralmente a evolução cultural da sociedade (FERNANDES, 1978, p.40).

Dessa maneira, a partir desse esquema evolucionista, Florestan Fernandes admite que os

primeiros folcloristas entendiam que “o folclore abrangia tudo o que culturalmente se

explicasse como apego ao passado”, assim todos os fatos não explicáveis pela ciência eram

explicados pelo folclore, reportando-se ao passado, “compreendendo todos os elementos que a

secularização da cultura substituía por outros novos (...), e ainda os elementos característicos

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de estilos de vida considerados típicos, particulares a certos agrupamentos (...)”. Assim, o

folclore era não só o modo de pensar, mas o modo de ser no mundo, de existir, enquanto

indivíduo e enquanto comunidade, em se falando dos microcosmos sociais, mas que se

expande para toda a sociedade, pois através da língua e do folclore, pode-se conseguir a

aglutinação do povo. Ao pensar, porém, no folclore como objeto de estudo, para Florestan

Fernandes (1978, p. 40):

Em síntese, o objeto do folclore seria pode-se falar assim, dentro desse

esquema – o estudo dos elementos culturais praticamente ultrapassados: as

“sobrevivências”. Ou seja, como o definiu Sébillot: (3) “a ciência do saber

popular”, partindo da significação do próprio vocábulo (folk=povo;

lore=saber), tal como o propusera seu criador, William Thoms. (4) Essa é a

pista seguida por Saintyves na definição que apresentou mais tarde e que

logo se tornou clássica, principalmente entre os folcloristas latinos: “o

folclore é a ciência da cultura tradicional nos meios populares dos países

civilizados”. (5) Essa definição, entretanto, é um verdadeiro juízo de valor,

que no que se refere aos “meios populares”, como no que concerne aos

chamados “países civilizados” – e não poderia ser diferente, levando-se em

conta o que apontamos acima: havia um compromisso muito forte em

relação aos pontos de vista da filosofia do “pouco a pouco”, do século XIX.

Em 1878, na cidade de Londres, Inglaterra, foi fundada a Sociedade de Folclore,

formada por um grupo de tradicionalistas, mitólogos, arqueólogos, pré-historiadores,

etnógrafos, antropólogos, psicólogos e filósofos, e consideravam como objetos de estudos:

a. As narrativas tradicionais, como os contos populares, os mitos,

lendas e estórias de adultos ou de crianças, as baladas, “romandes” e

canções;

b.Os costumes tradicionais preservados e transmitidos oralmente de

uma geração à outra, os códigos sociais de orientação da conduta, as

celebrações cerimoniais populares;

c. Os sistemas populares de crenças e superstições ligados à vida e ao

trabalho, englobando, por exemplo, o saber da tecnologia rústica, da

magia e feitiçaria, das chamadas ciências populares;

d.Os sistemas e formas populares de linguagem, seus dialetos, ditos e

frases feitas, seus refrões e advinhas (BRANDÃO, 1983, p. 28-29).

Para Arthur Ramos, pioneiro dos estudos sistemáticos do folclore brasileiro, o folclore é

“uma divisão da Antropologia Cultural que estuda os aspectos da cultura de qualquer povo,

que dizem respeito à literatura tradicional: mitos, contos, fábulas, adivinhas, música e poesia,

provérbios, sabedoria tradicional e anônima” (apud BRANDÃO, 1983, p. 30).

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Na interpretação de Florestan Fernandes, a cultura popular, enquanto cultivo, é a

produção de bens simbólicos produzidos por um povo e está inserida dentro de um contexto

maior que é o folclore. É interessante que para Florestan Fernandes, enquanto sociólogo, o

folclore é a cultura do inculto (em contraposição ao culto), ou seja, é um contra-discurso da

cultura popular à cultura de elite. Edison Carneiro, no entanto, já remete ao trabalho dos

primeiros antropólogos norte-americanos, que viam o folclore como um fenômeno social,

portanto sujeito às mudanças e transformações sociais e não como algo cristalizado e

imutável, mas vivo e dinâmico.

O objeto do folclore nada tem de morto, parado ou imutável. Os tratadistas

já o haviam reconhecido, mas de maneira formal, admitindo somente como

folclore as formas atuais de expressão popular – seja “o fato vivo, direto”,

de Van Gennep, seja o “bem popular” de Ismael Moyá. Quanto ao

funcionamento interno do folclore, as teorias dos empréstimos de Bentley e

das transferências de Varagnac, processos aquisitivo e desintegrativo, não

saíam da mecânica – eram os mesmos movimentos centrípeto e centrifugo

da matéria... A teoria mais recente, que concebe o folclore como um

“fenômeno social”, portanto sujeito aos processos comuns a esses

fenômenos, se deve a Boas e especialmente a Ruth Benedict. De acordo

com esta nova concepção, o fato folclórico se individualiza no processo da

sua incorporação à cultura local, processo que envolve a aceitação do

pormenor cultural próprio à região, e, por outro lado, se desintegra e se

recompõe ou recombina à medida que passa de uma a outra área, de um a

outro povo (CARNEIRO, 1965, p. 20).

Assim, a dinamicidade do folclore está relacionada à sua concepção enquanto um

fenômeno social e, dessa maneira, está relacionado aos processos de inculturação e

aculturação (já expressos como conceitos), em que resulta na recomposição folclórica com a

expressão da ideologia popular e seu jornalismo interpretativo e opinativo popular, que, por

vezes, emerge como um contra-discurso. Que na realidade é a linha de raciocínio de Edson

Carneiro, em A dinâmica do Folclore, quando defende a dinamicidade do folclore e a sua

atualização constante, através das transformações.

O processo mais constante, nas coisas do populário, é o da recomposição

folclórica. A diversão popular se recompõe ao infinito, e às vezes com

extrema rapidez. Basta comparar, por exemplo, as versões do bumba-meu-

boi11

devidas a Silvio Romero e a Ascenso Ferreira. Nem sempre a

11

O “bumba-meu-boi” é uma das mais tradicionais manifestações populares e culturais brasileiras. As suas

raízes estão no Ciclo do Gado, no século XVIII, e nas relações raciais marcadas pelas desigualdades entre

senhores dos engenhos e servos da senzala. Contado e recontado através dos tempos, na tradição oral nordestina,

e depois espalhada pelo Brasil, a lenda fundadora adquire contornos de sátira, comédia, tragédia e drama,

conforme o lugar em que se inscreve, mas sempre levando em consideração a estória de um homem e um boi, ou

seja, o contraste entre, por um lado, a fragilidade do homem e a força bruta do boi e, por outro lado, a

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recomposição se dá por acréscimo, como neste caso, mas pela insistência

sobre um dos aspectos da diversão, como no maculelê e na pernada carioca,

ou ainda por uma nova criação, que só remotamente lembra o seu ponto de

partida, como o passo. O processo de recomposição é também, por sua vez,

dialético – entra em função em conseqüência de determinadas condições,

dando em resultado uma síntese dos contrários (CARNEIRO, 1965, p. 20).

O contra-discurso emerge de uma necessidade de resposta a um discurso dominante e de

repressão que dita normas e regras a uma sociedade. Edson Carneiro defende que

o folclore se projeta no futuro, como expressão das “aspirações e

expectativas populares” e da sede de justiça do povo. Vimos que o folclore

reflete as relações de produção em vigor na sociedade em que vivemos,

embora do ponto de vista dos setores da população que, não tendo acesso ao

Poder, se solidarizam com os desejos e interesses da classe operária. Vimos,

também, que o folclore, em virtude do processo dialético que o rege, se

caracteriza pela sua atualidade, pelo constante reajustamento dos seus temas

às realidades do dia. Ora, estes processos são essencialmente políticos, já

que envolvem uma concepção particular da sociedade no seu conjunto e, em

conseqüência, uma ação. O folclore, com efeito, se nutre dos desejos de

bem-estar econômico, social e político do povo e, por isso mesmo, constitui

uma revindicação social (CARNEIRO, 1965, p. 22).

Há uma grande reivindicação social na manifestação folclórica. É expressão critica do

povo. O folclore expressa a crítica popular como um contra-discurso ao poder hegemônico da

classe dominante, de cunho social, político e ideológico, e que remete ao futuro, a uma

transformação social e isso é algo essencial para o povo. É uma questão de luta pela

sobrevivência.

O povo utiliza formas antigas para se exprimir, não o faz apenas porque

essas formas tenham tido importância no passado – no passado que, para os

tratadistas, é o seu presente – mas porque tem importância para o seu futuro.

(...) Teatro e escola, as diversões populares suprem as deficiências da

educação oficial, desenvolvem a força de criação independente do povo,

dão nascimento a uma consciência popular – e disciplinam essa consciência

(CARNEIRO, 1965, p.23).

inteligência do homem e a estupidez do animal.Do ponto de vista teatral e estético, o folguedo deriva da tradição

portuguesa e espanhola, não só do ponto de vista do desfile como ainda na representação, reconstituindo

permanentemente a tradição encenarem peças religiosas de inspiração erudita, mas destinadas ao povo para

comemorar festas católicas nascidas na luta da Igreja contra o paganismo. Esse costume foi retomado no Brasil

pelos Jesuítas em sua obra de evangelização dos indígenas, negros e dos próprios portugueses aventureiros e

conquistadores no catolicismo, por meio da encenação de pequenas peças. Como dança dramática, o bumba-

meu-boi adquire através dos tempos, algumas características dos autos medievais, o que lhe dá o seu caráter de

veículo de comunicação. Simples, emocional, direto, linguagem oral, narrativa clara e uma ampla identificação

por parte do público, tomando semelhanças com a comédia satírica ou tragicomédia pela estrutura dramática dos

seus personagens alegóricos, os incidentes cômicos e contextuais, a gravidade dos conflitos e o desenlace quase

sempre alegre, que funciona como um processo catártico (SÁ MARQUES, on-line, 2009).

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Aqui já aparece a dimensão educativa do folclore, também abordada por Luiz Beltrão.

Em que o folclore estimula a criatividade, a inteligência, a perspicácia, a critica com humor, a

interpretação de fatos para aguçar o senso crítico do povo.

Reivindica para si o que a sociedade lhe tem negado, em países como o

Brasil, ou lhe está tirando, em outros – o direito ao trabalho, à paz, à

liberdade civil, ao bem-estar econômico, à felicidade sobre a Terra.

Podemos dizer que, através do folclore, o povo se faz presente na sociedade,

se afirma no âmbito da superestrutura ideológica - e nela encontra a sua

tribuna (CARNEIRO, 1965, p. 23).

O folclore é, então, para Edson Carneiro a tribuna popular, onde o povo expressa sua

indignação com a sua realidade e critica os donos do poder, o governo, a elite, e faz ouvir sua

voz através da religiosidade popular, música, dança, teatro, enfim, de manifestações artísticas

populares, que lutam por mudanças de posição no espaço social, são reivindicações e

denuncias de injustiças sociais e luta por igualdade. É uma questão de luta por hegemonia e de

mudanças de posição no espaço social, é um sistema de lutas, o que Jorge González defende

como “frentes culturales”.

Para Jorge González (1994, p. 21), “cultura popular” nasce com uma dupla significação.

Primeiro, é necessário nos inteirarmos do conceito de cultura e depois de popular, para então

buscarmos uma conceituação do que se pode entender por “cultura popular”. Cuche 12

(2002)

elaborou uma importante obra sobre a gênese social do termo cultura e seu desenvolvimento

conceitual. Para refletirmos sobre a Cultura, é preciso pensarmos a humanidade como uma

unidade e, ao mesmo tempo, contemplar sua diversidade, ou seja, podemos falar da cultura de

vários povos, que formam a humanidade.

Conforme a Declaração Universal de Diversidade Cultural (UNESCO, 2002, p. 2), a

cultura,

(...) deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais

e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um

grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as

maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as

crenças[2], Constatando que a cultura se encontra no centro dos debates

contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de

uma economia fundada no saber (...).

12

Denys Cuche, doutor em Etnologia pela Sorbonne, sob a orientação de Roger Bastide (1976), atualmente

professor da Universidade de Paris V, escreveu um interessante livro para o estudo da cultura: A noção de

cultura nas ciências sociais “La notion de culture dans les sciences sociales”, tradução de Viviane Ribeiro,

2002.