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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISEdição Especial — ano XXVIII
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Raquel Melo Urbano de Carvalho
Procuradora do Estado de Minas Gerais. Professora de Direito
Administrativo. Mestre em Direito Administrativo pela
Faculdade de Direito da UFMG.
Resumo: Considerando os diversos modos de exercício das funções públicas pelo Estado
brasileiro, cumpre definir o alcance da regra constitucional que tornou obrigatória a realização
de concurso público. É preciso combater os reiterados descumprimentos do art. 37, II, da
Constituição, a fim de que se tornem realidade as inúmeras vantagens do instituto como forma
de seleção de pessoal pelo Estado. Definir o momento em que se exigirá prova dos requisitos de
inscrição e dos requisitos do cargo, bem como os limites das exigências editalícias, é tarefa a
ser realizada à luz da normatização jurídica, incluídos princípios como o da proporcionalidade,
com contornos delineados pela doutrina e jurisprudência contemporâneas.
Palavras-chave: Realização de Concurso Público pela Administração. Obrigatoriedade. Alcance
da norma insculpida no art. 37, II da CR. Requisitos de inscrição e requisitos do cargo. Momento
da comprovação. Limites das exigências editalícias. Princípio da proporcionalidade.
Abstract: Considering the ways of Brazilian exercise the public functions, the scope of
constitutional provision that made public concurrence mandatory must be defined. The repeated
breaches of item II of the article 37, of the Brazilian Constitution should be opposed in order to
turn into reality the many advantages of the institute as a means of personnel selection by the
State. Defining the moment to file evidences for entrance and job requirements, as long as the
limits of the edict requirements, is a task to be undertaken following the legal rules related to
the legal institute, including principles such as proportionality, with outlined countours based
on contemporary doctrine and jurisprudence.
Aspectos relevantes do concurso público
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Keywords: Opening of public examination by State Administration. Obligatoriness. Meaning of
item II of article 37 of the Brazilian Constitution. Enrollment and office requirements. Time
for enrollment evidence. Public notice reqired limits. Proportionality principle.
1 O regime de pessoal no Estado brasileiro e a obrigatoriedade do concurso público
O Estado, quando exerce as competências que lhe são impostas pelo ordenamento, necessita
valer-se de um quadro de pessoal capaz de exteriorizar vontades e realizar comportamentos
que satisfaçam as necessidades da coletividade. São necessários profissionais que, além da
realização pessoal, componham uma estrutura voltada para a realização do interesse público
primário. Historicamente, vários são os modelos adotados para o vínculo firmado entre os
trabalhadores públicos e a Administração. Em alguns deles prevalecem elementos privados,
que aproximam o vínculo daquele que se estabelece no mercado de trabalho empresarial. Em
outros predomina a ideia de um profissional encarregado basicamente de servir ao público,
com foco maior nas demandas coletivas a serem satisfeitas, em desfavor das necessidades
individuais do trabalhador. Não há dúvida que a adoção de um modelo ou de outro depende
da própria concepção de Estado adotada em cada país, com consagração na ordem jurídica de
determinada ideologia inspiradora das opções sociais.
No Brasil, malgrado renovada e recente controvérsia doutrinária, atribui-se majoritariamente
ao texto constitucional a opção pelo modelo de uma burocracia profissionalizada, submetida
ao regime jurídico de direito público, com ênfase na valorização do mérito e da eficiência
administrativa. O fato de a Constituição de 1988 ter optado pela expressão servidor público
e não mais funcionário público, o caráter obrigatório dos planos de carreira (art. 39, caput
da CR, com vigência restaurada em razão da liminar proferida pelo STF na ADI n. 2.135-4)
e as regras consagradas em dispositivos constitucionais como os incisos I, II e IX do art. 37
evidenciariam a consagração do regime jurídico administrativo como aquele incidente, em
regra, no vínculo funcional estabelecido entre o Poder Público e o seu quadro de pessoal.
Não se trata de enquadrar o servidor como um trabalhador que teria menos direitos e mais
obrigações, mas apenas de reconhecer que a supremacia do interesse público primário justifica
a exclusão do regime contratual e a adoção do regime unilateral estatutário.
Conforme entendimento predominante, o exercício das competências permanentes, comuns e
típicas das pessoas jurídicas de direito público políticas ou administrativas se dará, em regra,
por servidores submetidos ao regime jurídico estatutário. Nesse regime, os direitos e obrigações
dos servidores são fixados, unilateralmente, pelo Poder Legislativo da esfera federativa a cujo
quadro de pessoal se vincula o servidor. Em outras palavras, o ente federativo (União, Estado-
membro, Município ou DF), por meio do seu Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembleia
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Legislativa, Câmara de Vereadores ou Assembleia Distrital), editará leis que veiculem o estatuto
o qual estabelecerá direitos e deveres dos servidores encarregados do exercício das atividades
típicas da própria pessoa federativa, bem como das suas autarquias e fundações públicas.
A ideia fundamental é a de que atividades típicas, essenciais e rotineiras imputadas às pessoas
públicas adequam-se ao regime estatutário, senão vejamos: a natureza da função a ser exercida é
pública, a natureza do recurso utilizado como contraprestação do trabalho é pública, os fins a serem
atendidos são públicos, logo as normas regulamentadoras da relação devem ser públicas. O regime
estatutário e o escalonamento de cargos efetivos propiciam a formação de uma carreira, estando
os seus membros a salvo da descontinuidade governativa e das ásperas angústias relacionadas à
subsistência incerta na velhice. Com efeito, só quem detém o controle do próprio sustento mantém
altivo o domínio da sua vontade, donde se conclui que o regime estatutário evita oscilações entre
os extremos deletérios pró-Estado e pró-indivíduo e protege carreiras de deveres austeros para
o bem estar da coletividade e eficácia dos direitos fundamentais. Ademais, institucionaliza-se a
independência e são minimizados os efeitos deletérios da política episódica, estando os servidores
livres de viver em sobressalto a cada mudança de governo. O mérito de assegurar a permanência
na Administração é garantia que só o regime estatutário dá e em favor dos servidores efetivos
que cumpram determinados requisitos constitucionais. Nesse contexto, contorna-se o risco de
se degenerar em partidarismo, com hábitos de concussão e imoralidade o exercício de atividade
pública fundamental como a representação dos órgãos, autarquias e fundações públicas.1
Com base em tais razões defende-se o acerto da adoção do regime estatutário como regra
para o quadro de pessoal da Administração Pública, ressalvadas exceções consagradas de
modo expresso no ordenamento, como é o caso, v.g., dos titulares dos serviços notariais
e de registro (art. 236 da CR), dos empregados das empresas públicas e sociedades de
economia mista (art. 173, § 1°, II, da CR) e dos contratados para necessidades temporárias de
excepcional interesse público (art. 37, IX, da CR). Excluídas as exceções fixadas em dispositivos
específicos, a regra seria a incidência do regime estatutário. Trata-se da adoção do modelo
francês segundo o qual a situação legal constituída para os trabalhadores públicos implica
incidência de disposições legais e regulamentares a que os agentes, assim que incorporados
ao serviço público, sujeitam-se.
Nesse modelo, o ato de nomeação, levado a efeito unilateralmente pelo Poder Público, é que
instaura a relação jurídica estatutária. A sua prática pela Administração submete-se a determinadas
condições específicas fixadas na Constituição e na legislação vigente em cada país.
1 Nesse sentido, confiram-se: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Sa-raiva, 1999, p. 120-121; FREITAS, Juarez. Concurso público e regime institucional: as carreiras de Estado. In: MOTTA, Fabrício (Coordenador). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 127-219; ANASTASIA, Antonio Augusto Junho. Regime jurídico único do servidor público. Belo Horizonte: Del Rey, 1990, p. 51; SILVA JÚNIOR, Arnaldo. Dos servidores públicos municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 28.
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No direito brasileiro, o ato de nomeação para cargos comissionados é levado a efeito livremente,
ou seja, consoante a discricionariedade do agente público competente para o ato de provimento.2
O inciso II, do art. 37, da Constituição da República deixa evidente, em sua parte final, que
a nomeação e exoneração para cargos comissionados é livre. Daí se infere que dependem da
confiança que a autoridade nomeante detém, ou não, no servidor comissionado, sendo imperiosa
a observância de limites constitucionais como é o caso do princípio da moralidade.3 Apesar de
certa a necessidade de cumprimento de normas principiológicas de status constitucional, as
atividades de assessoramento, direção e chefia das pessoas de direito público (federativas ou
administrativas) que tenham sido enfeixadas em cargos comissionados não dependem de prévia
aprovação em concurso público para o seu exercício.4
Situação diversa ocorre com os servidores a serem providos em cargos efetivos que, conforme
lição doutrinária, são aqueles predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo e
permanente:
Os cargos de provimento efetivo são predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo, isto é, com fixidez. Constituem-se na torrencial maioria dos cargos públicos e são providos por concurso público de provas ou de provas e títulos.5
2 Exceção se encontra no ordenamento em relação aos dirigentes das agências reguladoras, providos em cargos comissionados. No âmbito federal, satisfeitos integralmente os pressupostos do art. 4° da Lei n. 9.986, de 18/07/2000, é indispensável atender o procedimento estabelecido no art. 5° do mesmo diploma. Nos termos do citado art. 5°, as autoridades em comento devem ser escolhidas “pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal”. A investidura dos dirigentes das agências reguladoras depende, assim, da participação de diversos órgãos, uma vez que cabe ao Presidente da República indicar a autoridade, ao Senado Federal aprovar o nome indicado, ou não, e, enfim, ao Presidente da República a nomeação. Somente depois deste trâmite é cabível a posse e o início do exercício do mandato pelo dirigente.
Observe-se que, embora os cargos de diretoria tenham sido legalmente qualificados como cargos comissionados de direção, o que implicaria livre nomeação pelo administra dor competente nos termos do art. 37, II, da Constituição, certo é que o art. 5° da Lei Federal n. 9.986 exige a intervenção do Poder Legislativo, pois necessária a prévia apro vação do Senado antes da nomeação do dirigente da agência.
Cum maxima venia dos entendimentos em sentido contrário, não se entende razoável que o dirigente de uma agência reguladora, para ser nomeado para o cargo comissionado que exercerá, dependa da manifestação de vontade do Poder Legislativo, mesmo porque a parte final do inciso II, do art. 37 da CR prevê a livre nomeação na espécie. Assim sendo, atendidos os pressupostos legais necessários ao exercício do cargo comissionado, cabe à autoridade administrativa competente designar o dirigente, afigurando-se ofensivo ao art. 2° da CR admitir a intervenção do Legislativo.
Referido entendimento pessoal contraria posição proclamada pelo Su premo Tribunal Federal ao indeferir a suspensão cautelar de dispositivo de lei estadual que condicionava a nomeação de dirigente de agência reguladora local à prévia aprova ção da As-sembleia Legislativa: “Diversamen te dos textos constitucionais anteriores, na Constituição de 1988 — à vista da cláusula final de abertura do art. 52, III —, são válidas as normas legais, federais ou locais, que subordinam a nomeação dos dirigentes de autar-quias ou fundações públicas à prévia aprovação do Senado Federal ou da Assem bleia Legislativa: jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal.” (ADI-MC n. 1.949-RS, relator. Ministro. Sepúlveda Pertence, Pleno do STF, DJU de 25/11/2005, p. 05)
Com a posição adotada na ADI n. 1.949, da qual respeitosamente se diverge, o Supre mo Tribunal Federal passou a entender que a redação da alínea f do inciso III, do art. 52, da CR tornou lícita a intervenção preliminar do Senado na escolha dos titulares dos cargos de direção das agências reguladoras, não havendo ofensa ao equilíbrio entre os poderes exigido pelo art. 2° da Constitui-ção, nem mesmo à parte final do inciso II, do art. 37, da CR.
3 Com igual linha de raciocínio, tem-se o posicionamento de Cármen Lúcia Antunes Rocha (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princí-pios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178).
4 Consagrando tal posicionamento, o Supremo Tribunal Federal na ADI 3.210-PR, rel Min. Carlos Velloso, 11/11/2004, Plenário do STF, Informativo do STF, n. 369.
5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 280
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A regra geral é a de que cargos efetivos apenas podem ser providos após realização de concurso
público. Ressalvadas exceções com assento constitucional6, é imperioso observar a determinação
genericamente fixada no art. 37, II, da Constituição da República:
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Do transcrito dispositivo decorre a obrigatoriedade do concurso público não só para os cargos efetivos sujeitos ao regime estatutário vinculante das pessoas públicas (entes federativos, autarquias e fundações públicas), mas também os empregos públicos existentes na estrutura da Administração. Destarte, devem obediência à regra que impõe a realização de concurso público também os empregados das sociedades de economia mista e empresas públicas. Embora não se submetam ao regime estatutário, mas sim ao regime celetista, desde a redação originária do art. 173, § 1° da CR, certo é que a celebração do contrato de trabalho entre tais pessoas privadas integrantes da administração indireta e o seu pessoal depende da realização preliminar de certame seletivo, por força do art. 37, II, da Constituição.
Referido posicionamento vem sendo aplicado mesmo quando se trata de empresa pública e sociedade de economia mista exploradora de atividade econômica:
O art. 37, caput, inciso II, da Carta Magna, não deixa qualquer dúvida quanto à necessidade da realização de concurso público para a admissão de pessoal nas empresas públicas.
A Administração Pública Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) deve observar, na contratação de pessoal, o instituto moralizador do concurso público.
Até mesmo as empresas públicas, que exploram atividade econômica e se sujeitam ao regime próprio de direito privado, com relação às obrigações trabalhistas, submetem-se à exigência prevista na Carta Magna, art. 37, II, uma vez que essa submissão apenas significa que nas relações com seus empregados essas entidades devem observar o regime previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, bem como porque o regime trabalhista não é incompatível com a realização de concurso público.7
6 Para alguns cargos vitalícios há exceções dispostas na Constituição. Assim ocorre na esfera do Poder Judiciário (ex: Ministros do Supremo Tribunal Federal — art. 101 da Constituição) e no âmbito do Tribunal de Contas (ex: Ministros do Tribunal de Contas da União — art. 73, §§ 1° e 2° da Constituição). Com efeito, além dos cargos vitalícios de Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas, também se excluem da exigibilidade de concurso público os titulares de cargos vitalícios de magistrados do STF, STJ, TST, STM e STE (biênio), além daqueles oriundos do quinto constitucional e titulares do cargo de Juiz do TRE. Não se ignore que a Emenda Constitucional n. 51, de 14/02/2006, fixou que agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias podem ser recrutados através de processo seletivo público. Malgrado divergência sobre o regime de tal recrutamento após a edição da Lei n. 11.350, de 05/10/2006 que fala em processo seletivo de provas e provas e títulos, é comum a não realização de concurso público tal como disposto no art. 37, II, da CR e regulamentado em nível infraconstitucional.
7 REO n. 94.01.24368-9-MG, rel. Juiz Leão Aparecido Alves, 3a Turma Suplementar do TRF 1a Região, DJU de 16/05/2002, p. 113
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Não se ignora, contudo, que ocorreu significativa controvérsia a propósito da necessi dade de
concurso público, no que pertine à admissão de pessoal nas paraestatais explora doras de atividade
econômica. Parte da doutrina entendeu que a imposição do regime jurí dico de direito privado pelo
inciso II, do § 1°, do art. 173 seria exceção à regra do art. 37, II, da Constituição.7 Posicionamentos
doutrinários neste sentido levaram algumas empresas públicas e sociedades de economia mista
à não realização de concursos públicos, após 1988, antes de firmar contratos de trabalho com os
seus empregados. O Tribunal de Contas da União, em mais de uma oportunidade, recusou registro
aos referidos contratos. Tais atos de controle do TCU tiveram sua constitucionalidade discutida
em sede de manda dos de segurança impetrados junto ao Supremo Tribunal Federal. Apenas ao
julgar o Man dado de Segurança n. 21.322-DF, o Pleno do STF pacificou a questão entendendo
ser necessária a realização de concurso público, inclusive pelas paraestatais exploradoras de
atividade econômica, conforme decisão publicada no DJU de 23/04/1993.
A partir da publicação do citado decisum, entendeu-se não haver justificativa válida para amparar
contratações de pessoal por empresas públicas ou sociedades de economia mista, sem prévia
realização de concurso público. É certo, entretanto, que a jurisprudên cia dos Tribunais Superiores
vem demonstrando condescendência com as contratações viciadas ocorridas após a promulgação
da Constituição (05/10/1988) e a data da publicação do julgado do STF que, pelo Pleno, pacificou
o entendimento de que a regra do art. 37, II, da CR vinculava também as paraestatais sujeitas
ao regime de direito privado por força art. 173, § 1°, II, da CR (23/04/1993).
O Supremo Tribunal considerou que, como entre 05/10/1988 (data da promulgação da CR)
e 23/04/1993 (data da publicação da decisão do Pleno do STF relativa ao MS n. 21.322-DF),
havia dúvida no país a propósito da necessidade de a exploradora de atividade eco nômica
realizar concurso público antes de contratar seus empregados, pelo que afirmou ser incabível
declarar a nulidade das admissões de pessoal inconstitucionais realizadas nesse período. O
STF, com base nos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, terminou por dar
eficácia erga omnes à decisão do MS n. 21.322-DF que pacificou a interpretação relativa aos
arts. 37, II, e 173, § 1°, II, da CR.8
Assim sendo, as contratações de empregados públicos feitas por qualquer empresa pública
ou sociedade de economia mista após 23/04/1993, sem concurso público, é incons titucional
8 “INFRAERO: Admissão sem concurso público. Em virtude das específicas e excepcionais circuns tâncias do caso e em observação aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé dos impetrantes, o Tribunal concedeu mandado de segurança contra ato do Presidente do TCU que, em acórdão proferido no julgamento de Prestação de Contas da INFRAERO, relativas ao exercício de 1991, determi-nara a ela que adotasse providênci as para regularizar 366 admissões realizadas sem concurso público, sob pena de nulidade das mesmas. Considerou-se que o TCU teria convalidado a situação dessas admissões em outro acórdão, publicado em 3/12/92, no qual julgara regulares as contas da INFRAERO, relativas ao exercício de 1990, e apenas recomendara que não fossem efetuadas admissões futuras sem a realização de concurso público. Entendeu-se que, à época das contratações, havia dúvida acerca da necessidade de concurso público para provimento de cargos em empresas públicas e sociedades de economia mista, em face do art. 173, § 1°, da CF, e, ainda, que tal controvérsia teria sido dirimida apenas com a decisão do STF no MS 21322/DF, DJU de 23/04/93, termo a partir do qual haveriam de se tornar nulas as admissões de pessoal do TCU, e não 06/06/90, data de publicação da primeira deliberação do TCU sobre a matéria.” (MS n. 22.357-DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 27/05/2004, Pleno do STF, Informativo do STF, n. 349; transcrições do voto condutor do acórdão no Informativo do STF, n. 351).
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e merece repúdio imediato no controle de juridicidade dos comportamentos administrativos.
As realizadas em desconformidade com o art. 37, II, da CR, entre 05/10/1988 e 23/04/1993
estabilizaram-se em razão da segurança jurídica e da confiança legí tima dos terceiros em face
dos comportamentos administrativos.9
É mister enfrentar, ainda, o regime de contratação temporária fixado no art. 37, IX, da CR,
no tocante à necessidade, ou não, de concurso público. Para tanto, cumpre esclarecer que a
Constituição somente admite tal regime nos casos de contratação por tempo determinado que
sejam enumerados em lei para atender necessidade temporária de excepcional interesse público.
A determinabilidade temporal do vínculo, a temporariedade da necessidade que o justifica e
a excepcionalidade do interesse público presente na espécie deixam claro que o contexto não
se coaduna com a realização prévia de concurso público. Contratos temporários não foram
concebidos para o atendimento de necessidades permanentes e fixas das pessoas administrativas,
mas para satisfazer demandas extraordinárias, temporárias e que consubstanciam interesse
excepcional da coletividade. Sendo assim, a sua natureza ímpar, fora do ordinário e limitada
no tempo deixa evidente a impropriedade de se impor como obrigatório o concurso público.
O fato de o art. 37, II, da Constituição exigir concurso público apenas para cargos e empregos
públicos10 corrobora o entendimento de que os contratados temporários, meros exercentes de
função pública, não necessitam de aprovação prévia em concurso público.11
Não é raro, contudo, que órgãos e entidades administrativas realizem processo seletivo
simplificado ou concurso simplificado, antes da celebração dos contratos temporários com base
no art. 37, IX, da Constituição. Trata-se de um procedimento administrativo formal, que observa
normas regulatórias veiculadas por um edital, observando formalidades mínimas e requisitos
essenciais como, por exemplo, a existência de recursos orçamentários, a publicação do aviso do
certame seletivo, a autuação regular com numeração das páginas do processo, e a motivação
dos atos praticados. Embora não haja qualquer exigência constitucional que torne obrigatório
tal procedimento simplificado, nenhum óbice impede a sua realização como mecanismo de
preservação da impessoalidade, eficiência e moralidade públicas, mormente se evidente que
não há inconveniência à luz da necessária celeridade administrativa.
Segundo Diogenes Gasparini, os objetivos evidentes desse procedimento seletivo simplificado
são dar atendimento ao princípio da igualdade e selecionar os melhores candidatos para a
execução dos excepcionais serviços desejados, ao que acresce:
9 Ag. Reg. no RE n. 348.364-RJ, rel. Min. Eros Grau, 1a Turma do STF, DJU de 11/03/2005.
10 Os cargos comissionados foram ressalvados na parte final do inciso II, do art. 37 da CR, conforme já elucidado in retro.
11 “A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão, em lei, dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excep-cional.” (ADI n. 2.229-ES, rel. Min. Carlos Velloso, Pleno do STF, DJU de 25/06/2004, p. 3).
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O concurso simplificado é um procedimento administrativo de seleção de candidatos ao preenchimento das funções necessárias à execução de serviços marcados pela temporariedade e necessidade de excepcional interesse público. Essa, portanto, sua natureza jurídica. É procedimento administrativo formal e como tal deve respeitar as fases e atos previstos em regulamento ou no próprio edital que o instaura e o regula. Concurso simplificado não significa certame sem regras procedimentais, sem segurança jurídica, portanto, absolutamente informal. Um mínimo procedimental deve existir, sob pena de violação do princípio da igualdade e, por que não, da segurança jurídica. Esse mínimo ou está indicado em regulamento ou está mencionado no edital. O desrespeito a essa formalidade, quando não convalidável, torna nulo o concurso simplificado.12
Denota-se que não só as contratações temporárias vêm ocorrendo mediante procedimentos
seletivos simplificados, mas também outros recrutamentos em que não há obrigatoriedade de
realização de concurso público, consoante regra do art. 37, II, da CR. Assim ocorre com os
serviços sociais autônomos e com entidades como a OAB que, nos termos da decisão exarada
pelo STF na ADI n. 3.026-DF, não se sujeita à exigência de concurso público para admissão dos
contratados sob o regime trabalhista.13 Nesses casos, não há impedimento algum a que se adote
um procedimento simplificado antes da contratação do pessoal necessário ao exercício das
atividades administrativas.
Não se confunda procedimento seletivo simplificado — empregado nos casos em que não é
obrigatória a realização de concurso público, mas a Administração opta por uma modalidade
de avaliação procedimental capaz de viabilizar uma escolha técnica e eficiente — com
seleção interna ou concurso interno. A praxe da seleção interna era comum nos quadros da
Administração Pública antes de 1988, ao argumento de que o texto constitucional anterior
apenas exigia concurso público antes da primeira investidura em cargo ou emprego público.
Sendo assim, servidores providos em determinados cargos públicos candidatavam-se a outros
cargos, com atribuições diversas e por vezes mais complexas, sem se submeter à concorrência
aberta com todos os cidadãos, mas somente disputando com quem também já integrava os
quadros da Administração. Como essa nova investidura pretendida não era a primeira, afastava-
se a exigência constitucional de concurso público que, como tal, fosse aberto à participação
de qualquer interessado que preenchesse os requisitos legais. Do concurso interno apenas
participavam os que já eram titulares de cargos escalonados em carreira, integrantes do quadro
de pessoal do Estado. Isso impedia o amplo acesso de brasileiros que cumpriam os requisitos
legais, mas que não viam abertas as possibilidades de competição, como observa a doutrina:
Passavam-se dezenas de anos sem que determinados cargos fossem postos à concorrência pública de interessados a neles se investir porque se definia o seu
12 GASPARINI, Diogenes. Concurso público – imposição constitucional e operacionalização. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 45.
13 ADI n. 3.026-DF, rel. Min. Eros Grau, Plenário do STF, DJU de 29/09/2006, p. 31.
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provimento pela denominada ‘seleção interna’, restrita a quem já integrava a Administração Pública. Logo, interessados estranhos aos quadros administrativos não tinham oportunidade de a eles concorrer.14
Atualmente, não remanesce qualquer dúvida quanto à inadmissibilidade dos denominados concursos
internos, uma vez que a Constituição de 1988 determina no inciso II, do art. 37 que “a investidura
em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou
de provas e títulos”. Em outras palavras, tanto a primeira investidura como os provimentos
derivados submetem-se em regra à necessidade de aprovação em concurso público, admitindo-se
como exceções apenas as hipóteses consagradas no texto da CR. Excluídos os casos excepcionais
expressamente previstos na Constituição (ex: promoção ou aproveitamento), impõe-se a realização
de concurso aberto a todos os interessados que satisfaçam os requisitos normativos determinados
pelo Poder Público, donde se infere a inconstitucionalidade das chamadas seleções internas.
Em relação aos agentes políticos detentores de mandato eletivo (ex: prefeitos, deputados
federais), tem-se que os mesmos são recrutados mediante eleição. Por serem componentes
do governo que mantém vínculo político com o Estado, a sua investidura não se dá mediante
concurso público, mas através de eleição ao final de que, se vencedores, lhes será atribuído um
mandato para regular exercício.
Dentre os particulares colaboradores do Poder Público (concessionários, permissionários,
titulares de serviços notariais e de registro, leiloeiros, tradutores e intérpretes públicos), o
regime jurídico aplicado a alguns exclui a observância de concurso público; em outros casos,
o certame seletivo é obrigatório. Assim, por exemplo, é imperiosa a realização de licitação
prévia em relação aos concessionários de serviços públicos (art. 175 da CR), o que exclui o
concurso público como meio próprio de seleção dos contratados pela Administração. Já no caso
dos serviços notariais e de registro, o art. 236, § 3°, da Constituição prevê que “O ingresso
na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se
permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de
remoção, por mais de seis meses”. Nesse caso, o próprio STF já assentou que “para se tornar
delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público
de provas e títulos, não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição
como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho
de serviço público”.15 O concurso será realizado pelo Poder Judiciário, com a participação
da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e um registrador,
consoante regra do art. 15, da Lei Federal n. 8.935/94.
14 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos, op. cit., p. 203.
15 ADI n. 3.151, rel. Min. Carlos Britto, Pleno do STF, julgamento em 08/06/2005.
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De tais ponderações, podem ser extraídas algumas conclusões preliminares:
— considerando-se a administração direta das pessoas federativas (União, Estados-membros,
Municípios e Distrito Federal), suas autarquias e fundações públicas, a regra geral é a exigência
de concurso público para provimento dos cargos efetivos, ressalvadas exceções constitucionais,
nos termos do art. 37, II, da Constituição da República;
— ainda no tocante à administração direta das pessoas federativas (União, Estados-membros,
Municípios e Distrito Federal), suas autarquias e fundações públicas, não é necessária a realização
de concurso público para provimento de cargos comissionados, nem para contratações por
tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, por
força do art. 37, II e IX, da Constituição da República;
— quanto ao pessoal das empresas públicas e sociedades de economia mista, é necessária
a realização de concurso público antes da celebração de contratos de trabalho entre tais
entidades e seus empregados públicos; em razão das decisões prolatadas pelo STF nos Man-
dados de Segurança n. 21.322-DF e 22.357-DF, as contratações de empregados públicos feita
por empresa pública ou sociedade de economia mista entre 05/10/1988 e 23/04/1993, sem
realização prévia de concurso público, estabilizaram-se em razão da segurança jurídica e da
confiança legí tima dos terceiros em face dos comportamentos administrativos;
— os agentes políticos que exercem mandatos eletivos são recrutados por eleição (e não por
concurso público); os concessionários e permissionários de serviço público são contratados após
regular procedimento licitatório (e não por meio de concurso público); os serviços notariais e
de registro apenas são delegados a pessoas naturais após aprovação em concurso público, nos
termos do art. 236, § 3°, da Constituição da República e das normas gerais veiculadas na Lei
Federal n. 8.935/94;
— nos casos em que não há obrigatoriedade constitucional de realização de concurso público,
conforme exigido pelo art. 37, II, da CR, nenhum óbice há em promover um procedimento
seletivo simplificado com o objetivo de, mediante um rito célere, viabilizar contratações em
que sejam asseguradas a igualdade e a escolha dos melhores candidatos interessados em firmar
vínculo com o Estado;
— após a Constituição de 1988, não se admitem seleções internas em que a disputa por cargos
e empregos públicos restringe-se aos servidores já integrantes dos quadros da Administração,
tendo em vista a regra segundo a qual, ressalvadas exceções constitucionais, qualquer investidura
deve ser antecedida de concurso aberto à disputa de todos os que cumpram os requisitos legais,
em estrito cumprimento ao inciso II, do art. 37, da CR.
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2 Evolução histórica, vantagens e desafios
Malgrado seja juridicamente possível fixar os contextos em que, no Brasil, é obrigatória a realização de concurso público, ainda remanesce como desafio constante para formação do quadro de pessoal da Administração estabelecer os contornos do procedimento capaz de viabilizar a seleção dos profissionais que exercerão as competências públicas.
Historicamente, várias foram as formas utilizadas pelo Estado para a escolha dos seus agentes, ultimando o concurso como o procedimento que, no século XXI, firma-se como o predominante para a avaliação dos melhores candidatos disponíveis para integrar as fileiras do Estado. Antes da sua estabilização nesse espaço, o sorteio, a sucessão hereditária, o arrendamento, a compra e venda e a nomeação absoluta e relativa possuíam maior espaço, sendo analisados pela doutrina, atenta aos seus aspectos conceituais e especificidades históricas.16
O sorteio como processo de inspiração divina, teve seu uso restrito, pois foi mais acolhido para o preenchimento de cargos de natureza política do que para os cargos efetivos. Foi muito utilizado na Antiguidade clássica e, em especial, pelos gregos de Esparta e de Atenas, onde ficou famoso pelas circunstâncias em que decidiu a sorte de cargos de importância capital no mundo greco-latino. Apresentava-se sob duas espécies: o sorteio simples, que se aplicava indistintamente às pessoas que antes passavam por um processo seletivo, e o sorteio condicionado, aplicado a pessoas que reuniam determinadas condições, apreciáveis dentre os que poderiam ser escolhidos para o preenchimento dos cargos públicos.
O sistema de compra e venda foi adotado na Idade Média a partir de Carlos VII de França, chegando-se a criar órgão público destinado à realização dessas transações tendo os cargos públicos por objeto. Da França, o modelo irradiou-se para a Alemanha, Espanha e Itália. Nessa estrutura, concebia-se o Estado como dono do cargo e, nessa qualidade, o Poder Público o vendia ao particular interessado em ser empregado da Administração. O modelo transformou o cargo público em objeto de valor econômico e foi usado como fonte de receita. Apresentava inúmeros inconvenientes, dentre os quais se destaca o fato de assegurar os postos públicos aos mais ricos e não aos mais capazes, o que comprometia a eficiência dos serviços. A isso se acresce os problemas da transmissão hereditária que também viabilizava a má prestação dos serviços, pois o herdeiro varão nem sempre era detentor da mesma capacidade e comprometimento do antecessor que comprara o cargo. A delegação das atividades a terceiros, sem qualquer controle público, afastava o mínimo de segurança no tocante à realização eficiente das funções.
Na Idade Média, não só a sucessão hereditária afigurou-se como mecanismo de ingresso no serviço público, mas também o arrendamento foi usado pelo Estado como mecanismo para
16 MAIA, Márcio Barbosa; qUEIROz, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3-6.
GASPARINI, Diogenes. Concurso público — imposição constitucional e operacionalização In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 13-16.
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ceder os cargos públicos a terceiros. No caso do arrendamento, os particulares não adquiriam o cargo como no sistema de compra e venda, nem o tinham definitivamente incorporado em seu patrimônio por força de sucessão hereditária. Nesse outro sistema, alugava-se o cargo por prazo determinado, mediante uma contrapartida pecuniária. Também aqui identifica-se que o cargo público converte-se em mercadoria, com todos os inconvenientes inerentes a esse modelo.
No tocante à designação por uma autoridade governamental de alguém para ocupar um cargo público sem interferência de outro poder, a doutrina qualificou o ato como nomeação absoluta. Os riscos de arbítrio, clientelismo e favoritismos indevidos afiguravam-se manifestos na espécie. No caso de a nomeação depender do cumprimento de determinadas exigências legais, com sujeição ao crivo de outra autoridade ou poder, tem-se a denominada nomeação condicionada, ainda hoje presente na realidade administrativa. Assim ocorre, por exemplo, com a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ou com a designação dos dirigentes das agências reguladoras, ambos atos de competência do Presidente da República, após crivo do Congresso Nacional.
No Brasil, a eleição direta pelos cidadãos não é utilizada para a escolha de servidores públicos integrantes do quadro da Administração. Restringe-se como mecanismo de escolha de alguns agentes políticos que exercerão mandatos, no exercício de função de governo. Em algumas atividades administrativas, a doutrina indica a escolha mediante eleição indireta, como no caso da eleição do reitor de uma universidade, advertindo para o entendimento jurisprudencial de inconstitucionalidade da norma que rege a matéria.
Nesse contexto, não há dúvida que o concurso público apresenta-se como a melhor forma de
recrutamento de agentes. Como elucida Diogenes Gasparini, ao concluir a retrospectiva histórica,
o concurso público sobressai-se como o processo de recrutamento menos inconveniente,
na medida em que não constitui um sistema meramente aleatório como o sorteio; não trata o cargo público como objeto mercantil ou de sucessão hereditária, como o arrendamento, a compra e venda e a herança; não adota como critério de escolha do agente público a valoração puramente discricionária e de natureza eminentemente político-econômica, como a livre nomeação e a eleição.17
Além dessas vantagens, é certo que o concurso público é um espaço aberto à sociedade que
viabiliza integração nos quadros do Estado, donde se conclui tratar-se de um instrumento de
concretização do princípio democrático. Com efeito, o concurso admite a inserção de novos
atores sociais que podem ser provenientes da classe média ou das camadas mais pobres da
população, o que resultará em mobilidade social pelo critério merecimento. Principalmente o
concurso viabiliza a participação dos cidadãos na expressão da vontade pública, o que torna
realidade na própria estrutura do Estado a multiplicidade típica do mundo pós-moderno18. 17 GASPARINI, op. cit., p. 6.
18 Cármen Lúcia Antunes Rocha assevera que o próprio princípio republicano atrai a participação dos cidadãos: “Assim, não se podem prover cargos públicos sem a sua oferta a todos os cidadãos, aos quais se garanta o direito de aceder a eles desde que
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Ademais, exclui critérios subjetivos irrelevantes para a Administração e enseja que sejam privilegiados elementos objetivos com base em que o Poder Público selecionará o profissional que de fato é capaz de atender as necessidades estatais.19 Com isso, reduzem-se os riscos de discriminações ilícitas, dos apadrinhamentos clientelistas que ocorrem através de indicações exclusivamente políticas. Combate-se a cultura do empreguismo e do exercício de cargo como um favor que merece retribuição política. Busca-se uma blindagem em face dos chamados trens da alegria, ainda comuns na realidade administrativa contemporânea.20 Evitam-se critérios desproporcionais que significam favores e privilégios de alguns interessados em desfavor de outros candidatos, muitas vezes mais capacitados para o exercício da função pública. quando se assegura competitividade efetiva em um procedimento idôneo, permite-se que a escolha da Administração se dê conforme o paradigma do mérito, com apuração objetiva do merecimento. Nesse contexto, a igualdade real deixa de ser um discurso teórico e se torna uma norma concretizável no cotidiano jurídico do Estado. É Adilson Abreu Dallari quem pontua:
O concurso público somente interessa aos fracos, aos desprotegidos, àqueles que não contam com o amparo dos poderosos capazes de conseguir cargos ou empregos sem maiores esforços. A realização de concursos públicos sempre terá uma forte oposição daqueles que dispõem de meios para prover cargos e funções por outros meios.21
Sob essa perspectiva, o concurso público não apenas densifica, mas concretiza princípios como
a moralidade, igualdade, eficiência e impessoalidade, na medida em que instala uma disputa
aberta aos interessados que preencham as condições mínimas ao exercício da função estatal.
Nessa competição, o objetivo é afastar pessoas despreparadas e admitir a integração daqueles
profissionais que demonstram melhores condições para a atividade administrativa. Para tanto,
o Estado avalia o conhecimento dos candidatos e suas aptidões pessoais, de modo a selecionar
aqueles que podem melhor exercer as competências públicas.
Não se trata, à obviedade, de um mecanismo imune a falhas ou necessidade de aperfeiçoamento.
Ao contrário, a complexidade inerente ao procedimento exige que sejam identificados os
riscos de vícios, a fim de que possam ser superados mediante adoção de elementos técnicos
que concretizem as vantagens, excluídas eventuais ilicitudes. O desafio consiste exatamente
cumpridas as condições legais determinadas e necessárias para o seu bom desempenho, em benefício do interesse público. [...] Sendo a res publica, ao povo (público) compete participar da estrutura que realiza os interesses da coletividade.” (ROCHA, Cár-men Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos, op. cit. p. 147).
19 “O concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candi-datos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica dos interessados em ocupar funções públicas, e no aspecto seletivo, são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento.” (Apelação Cível n. 1.0313.09.274012-2/001, rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, TJMG, DJMG de 12/01/2010)
20 O TRF da 4a Região já assentou que “A realização de concurso público impõe-se como forma de evitar a prática de condutas que, além de violar o princípio da impessoalidade, violam a própria moralidade administrativa, dando ensejo à condenável prática do nepotismo.” (Agravo de Instrumento n. 2008.04.00.031721-3-RS, rel. Des. Alexandre Gonçalves Lippel, 4a Turma do TRF da 4ª Região, D.E. de 13/07/2009).
21 DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da isonomia e concursos públicos. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e constitui-ção. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 88.
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em alcançar os objetivos do instituto (tratamento isonômico, seleção dos profissionais mais
aptos), com observância de normas principiológicas como devido processo legal, supremacia do
interesse público, proporcionalidade, verdade material, dentre outros integrantes do regime
jurídico administrativo. Independentemente da monta que tal desafio representa, afigura-se
irrepreensível a conclusão do professor Romeu Felipe Bacellar Filho:
Se o concurso público não é, segundo pensam alguns, a melhor forma de recrutamento de pessoal para a Administração Pública, representa, seguramente, a melhor opção até agora concebida, possibilitando, seu democrático procedimento, a todos que reúnam as condições exigidas ampla participação na competição.22
Com efeito, se é verdade que a escolha dos melhores candidatos nem sempre coincide com o
provimento acertado de bons servidores públicos, não há dúvida que tem-se o concurso público
como ferramenta indispensável para o início da profissionalização, donde resulta clara a importância
de ser aprimorado e a necessidade de o conjugá-lo com outros mecanismos que irão assegurar o
desenvolvimento do mérito potencial, como a avaliação de desempenho, a promoção na carreira.23
A efetiva compreensão da relevância e essencialidade do concurso público impedirá o crescimento
dos mais diversos meios de burla à sua exigência. A doutrina vem destacando as criativas formas
usadas para se afastar a regra do art. 37, II, da Constituição: a) terceirizações ilícitas de mão de
obra e inclusão direta em folha de pagamento por serviços prestados, em razão de determinação
verbal de autoridade pública, atraindo os termos do Enunciado 363 do TST; b) desvirtuamento
do contrato de estágio que, celebrado sem processo de seleção, incorpora estagiário para suprir
deficiência de pessoal da Administração, com exercício de competências próprias de servidores;
c) desvirtuamento do cooperativismo cuja estrutura passa a ser utilizada para intermediar
contratação de mão de obra pelo Poder Público, com flagrante prejuízo dos trabalhadores
cujos direitos são recusados ao argumento de que se trata de cooperados; d) desvirtuamento
de cargos comissionados e funções comissionadas que, em vez de se referir a atribuições de
direção, chefia e assessoramento, abrangem competências técnicas permanentes das pessoas
administrativas; e) celebração de convênios com associações comunitárias, uso de projetos
sociais como Bolsa Trabalho ou de trabalho voluntário remunerado (regulado pela Lei Federal
n. 9.608/98) para incorporar agentes encarregados do exercício de competências rotineiras dos
órgãos e entidades administrativas, sem a satisfação dos pressupostos específicos a cada uma
das figuras; f) contratações temporárias abusivas que inobservam as exigências do art. 37, IX,
da Constituição da República; g) formas de provimento derivado inadmitidas após a Constituição
de 1988, porquanto não excepcionadas no texto constitucional da regra estabelecida no inciso
22 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. O concurso público e o processo administrativo. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 73.
23 SILVEIRA, Raquel Dias. Profissionalização da função pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 113-114.
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II, do art. 37; h) realização de concursos de fachada ou viciados com fraudes diversas, muitas
vezes realizados com quebra de sigilo ou com o intuito exclusivo de regularizar situações ilegais
pregressas; i) anulação de concurso sob o pretexto de ilegalidade em situações nas quais vício algum
encontra-se presente ou não nomeação dos aprovados nos certames, sem qualquer justificativa
capaz de amparar a inércia estatal; j) contratação administrativa de atividades públicas inseridas
em atribuições afetas a cargos e empregos públicos, ausente qualquer excepcionalidade que a
justifique24; l) atribuição de efetividade, por lei, a servidores admitidos sem concurso público, ao
argumento de que a segurança jurídica justifica sua permanência nos quadros da Administração,25
mesmo diante de clara inconstitucionalidade originária do vínculo; m) descumprimento da regra
segundo a qual representação judicial e consultoria dos entes públicos deve ocorrer por meio
de advogados públicos admitidos mediante concurso, titulares de cargos de provimento efetivo
organizados em carreira, de modo que possam, em cada caso, analisar os subsídios técnicos que
lhes sejam apresentados e aviar o pronunciamento competente sobre a matéria.
Sobre os dois últimos itens, cabem ponderações específicas que elucidem os seus contornos e
habituais equívocos. Em se considerando que os cargos públicos são criados por lei, dotados
intrinsecamente da ideia de permanência no seu exercício, clara é a diversidade do regime
jurídico daqueles que o exercem em relação àqueles que foram contratados pelo regime da CLT
ou temporariamente, para atendimento de necessidade de excepcional interesse público.
A efetividade, antes e depois de 1988, é a situação jurídica daqueles servidores que titularizam
cargos cujo provimento condiciona-se à prévia aprovação em concurso público. Portanto, é
inconstitucional, em qualquer época, a absorção, enquadramento ou transposição do regime
celetista ou temporário para o regime estatutário por emenda, lei ou decreto contrário à Lei
Maior. Afinal, os institutos da estabilidade e efetividade não se confundem e a efetividade
somente é adquirida mediante aprovação em concurso26, sendo vedada a sua atribuição por lei27,
por decreto ou por qualquer outro mecanismo que não o êxito em regular seleção pública.28
Os Tribunais, em diversas oportunidades, têm afastado a vigência de dispositivos das Constituições
Estaduais e das Leis Orgânicas Municipais que outorgaram efetividade após certame seletivo interno.
Isso porque está o legislador limitado à ordem constitucional vigente, devendo obedecer aos princípios
e regras preestabelecidos na Constituição da República. Não se ignore que o provimento de cargo
efetivo dar-se-á mediante aprovação prévia em concurso público, em que devem ser estabelecidos 24 SOARES, Evanna. Percalços na implementação do concurso público. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2253, 1/set./2009. Dis-
ponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13424>. Acesso em: 08/maio/2010.
25 RMS n. 25.652-PB, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5a Turma do STJ, DJe de 13/10/2008.
26 RE n. 181.883-CE, rel. Min. Maurício Correa, 2a Turma do STF, DJU de 27/02/98, p. 18.
27 ADI n. 2.433-RN, rel. Ministro Maurício Corrêa, STF, Informativo do STF, n. 238.
28 Apelação Cível n. 1998.01.00.048843-7, rel. Juiz João Carlos Mayer Soares, 1a Turma Suplementar do TRF 1ª Região, DJU de 10/04/2003, p. 66. No mesmo sentido, confira-se: ROMS n. 14.806-RO, rel. Min. Gilson Dipp, 5a Turma do STJ, DJU de 02/08/2004, p. 421; ADI 106-RO, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 10/10/2002, Informativo do STF, n. 285, e ADI 1.573-SC, rel. Min. Sydney Sanches, Plenário do STF, Informativo do STF, n. 297.
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critérios objetivos, visando, assim, a proteger a moralidade administrativa, ao evitar-se a concessão
de privilégios a alguns agentes, em detrimento de outros. A finalidade do concurso é viabilizar que,
em cada caso, se perquira os requisitos normativos do ordenamento fixados de acordo com a natureza
e complexidade da função a ser exercida, atendidos os princípios constitucionais de regência. Não
pode haver privilégios, nem mesmo em favor de agentes que tenham vínculos anteriores firmados
sem a necessidade de realização de certame seletivo.29 É imperioso oferecer igual oportunidade de
acesso a todos os eventuais interessados que demonstrem a aptidão necessária para o exercício de
cargos efetivos, garantindo-se, presumivelmente, nos específicos concursos públicos, a admissão do
melhor servidor para o exercício das novas funções.
Tais premissas também devem ser observadas quando se analisa o modo de estruturação da advocacia
pública no país. O art. 131 da Constituição foi expresso ao determinar que a Advocacia-Geral da União
é quem representa a União, judicial e extrajudicialmente, tendo sido editada a Orientação Normativa
AGU n. 28, de 09 abril de 2009, que consagrou a exclusividade das atividades de consultoria jurídica e
assessoramento no Poder Executivo Federal aos membros da AGU. O § 2° do art. 131 da CR estabelece
que “O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição [...] far-se-á mediante concurso público
de provas e títulos”. Decorre da literalidade do art. 132 da CR que a advocacia pública dos Estados-
membros se dará por procuradores organizados em carreira, admitidos na carreira por concurso
público de provas e títulos (forma de provimento inerente aos cargos públicos de provimento efetivo),
que exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado.
É dever irrenunciável observar o que fixaram os arts. 131 e 132 da CR. Não se admite que sejam previstas
formas insuficientes de realização das prescrições constitucionais e legais ou que sejam arbitrariamente
criados mecanismos diversos de satisfação das regras vigentes. Tem-se o dever de normatizar e agir
com suficiência para concretizar os ditames constitucionais. Qualquer omissão administrativa afigura-se,
pois, violadora do dever de agir proporcional. qualquer normatização contrária ao que determina regra
constitucional expressa mostra-se viciada, merecendo repúdio imediato as tentativas de manipulação
infraconstitucionais. qualquer pessoa, para realizar uma dada atividade em nome de ente federativo
ou entidade administrativa, precisa demonstrar que, nos termos das normas constitucionais e legais,
poderia estar investida da autoridade necessária à sua realização.
Especificamente sobre a previsão de competências de representação judicial e consultoria
jurídica das pessoas públicas, manifesta é a inconstitucionalidade das regras que não guardam
correspondência com o texto da Constituição da República, quando a isto estavam obrigadas,
seja em razão do princípio da simetria, seja em razão de determinação expressa na CR. Não
se admitem contratos administrativos cujos objetos sejam a representação judicial e atividade
de consultoria, ainda que não se ignore a possibilidade de haver situações excepcionais no
29 RE n. 148.113-PA, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 01/12/95, p. 41.687 e ADI n. 248-RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 08/04/94). No mesmo sentido: ADI-MC n. 1.350, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 06/09/96 e ADI-MC n. 1.251, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 22/09/95.
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cotidiano da advocacia pública que, em determinados momentos históricos, exigem soluções
específicas. Tais situações devem ser tratadas com a natureza que lhes é própria: a de exceção.
E exceção pertinente a um determinado momento institucional do órgão, com a transitoriedade
inerente ao tipo de realidade em questão. Afinal, trata-se do exercício de competências típicas
do Estado, inadequadas para transferência ao mercado por via contratual, mormente se há
regra que exige provimento de cargo público após aprovação em concurso, em cujas atribuições
inserem-se as atividades cuja contratação pretende-se junto ao setor privado.
No tocante aos cargos comissionados cujas atribuições sejam equivalentes às dos cargos efetivos de
advogados públicos, tem-se a sua inconstitucionalidade. A viabilidade estabelecida na regra geral do
art. 37, V, da Constituição de que a atividade de assessoramento se realize por meio de servidores
providos em cargos comissionados não prevalece na seara do assessoramento jurídico. Isso porque a
assessoria e consultoria jurídicas foram preceituadas em normas específicas do texto constitucional
(arts. 131 e 132 da CR). É regra de hermenêutica basilar aquela segundo a qual normas específicas
prevalecem sobre normas gerais estabelecidas em um diploma de mesma hierarquia. Assim sendo,
as regras dos arts. 131 e 132 da CR, específicas para o assessoramento e consultoria jurídicas,
prevalecem sobre a norma geral do art. 37, V, da CR, que se refere ao assessoramento em todas as
searas, viabilizando-o por meio de cargos comissionados e funções gratificadas. A predominância
dos arts. 131 e 132 da CR conduz à exclusividade em favor da advocacia pública institucionalizada,
cujos quadros sejam compostos mediante concurso público regular.
Não há dúvida que a advocacia pública deve ser exercida exclusivamente por efetivos aprovados
em regular concurso público. O entendimento jurisprudencial prevalecente sobre a questão é
de que os únicos cargos que podem ser ocupados por comissionados são o de chefia (se a lei
estadual não prever que seja da carreira) e seu substituto. Os demais cargos são obrigatoriamente
privativos de procuradores públicos. Não foi em outro sentido o inteiro teor do parecer exarado
pelo MPF na ADI n. 4.261 interposta pela associação (ANAPE) em defesa da exclusividade da
carreira no exercício da advocacia pública. Citam-se, ainda, as decisões proferidas nas ADIs n.
159, 881, 1.679, 2.581, 2.682 pelo Supremo Tribunal Federal.
A interrupção de comportamentos múltiplos e reiterados que demonstram recalcitrância em
tornar concreta a exigência do concurso público em diversas searas, inclusive de natureza
jurídica, depende de convencimento a propósito da regra do art. 37, II, da Constituição da
República, das normas legais que regulam o instituto em cada esfera da federação, bem como
dos princípios constitucionais expressos e implícitos. O fato de o concurso ser um procedimento
que dificulta hábitos nepotistas arraigados na cultura administrativa e se mostrar como um
caminho ao final de que bons servidores podem se integrar ao quadro de agentes públicos
corrobora a necessidade de torná-lo prática corriqueira e escorreita no Estado, ensejando a
indispensável profissionalização técnica da Administração.
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3 Requisitos exigíveis no concurso público: reserva legal, discricionariedade administrativa e proporcionalidade
Considerando-se que o concurso público é o procedimento pelo qual a Administração afere
as aptidões dos interessados em integrar seu quadro de servidores ou empregados públicos,
é certo que as exigências editalícias são lícitas apenas se viabilizam esse legítimo propósito
seletivo. É inadmissível que sejam impostos requisitos que não possuam qualquer relação com
as atribuições estatais em questão. Daí porque se afirma que os requisitos devem se mostrar
necessários enquanto instrumentos de escolha dos candidatos, sendo clara a sintonia com as
atividades do cargo ou emprego público.
No ordenamento brasileiro, tem-se a imposição do princípio da reserva legal relativa, donde se infere
que, originariamente, qualquer restrição ou prerrogativa precisa estar veiculada em lei. Aplicando-
se tal premissa aos concursos públicos, pode-se concluir que a exigência de requisitos aptos a excluir
determinados candidatos e manter outros no certame deve estar fixada em norma legal. Isso porque
trata-se de uma inovação primária que implica imposição de limites na esfera subjetiva individual dos
interessados, além de regular a atuação administrativa. Consequentemente, é indispensável que a
sua previsão originária não conste exclusivamente de atos normativos e concretos da Administração
Pública, mas seja oriunda da vontade exteriorizada pelo Poder Legislativo, no exercício da sua
função típica. Se é certo que a Constituição remete à lei, o estabelecimento dos requisitos de
acesso ao cargo, emprego e função pública, “todo brasileiro tem o direito de aceder ao cargo,
emprego ou função pública, somente a lei pode limitar, condicionar ou restringir o exercício deste
direito”.30 A lei deve ser editada conforme a distribuição constitucional de competências legislativas.
Os arts. 1°, 18, 25 e 30 da CR evidenciam a autonomia política dos entes federativos, donde se
resulta a competência preliminar de cada pessoa federativa para editar leis próprias que regerão
os respectivos certames seletivos. No entanto, é certo que determinadas matérias sujeitam-se à
competência de um único ente, em razão de expressa norma constitucional que assim estabelece.31
O fundamental, em cada caso, é que sejam respeitados os limites da distribuição de competência
legislativa levada a efeito pelo texto constitucional.
Parte da doutrina elucida que decorre da própria redação do art. 37, I, da Constituição, o
condicionamento do acesso aos cargos públicos à satisfação dos requisitos legais. Ao comentar o
citado dispositivo, Cármen Lúcia Antunes Rocha pontua que, ressalvada a Constituição de 1937,
tem-se no constitucionalismo brasileiro a garantia de que somente lei formal, elaborada pelo
Legislativo segundo o processo previsto na CR, poderia ser fonte de condicionamento do acesso ao 30 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos, op. cit., p. 420.
31 Atentando para tal especificidade, o TRF da 4a Região já assentou a necessidade de cumprir não somente o disposto nos arts. 22, XVI, e 37, I, da CF, no sentido de que cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requi-sitos estabelecidos em lei, mas também de observar “a competência privativa da União para legislar sobre as condições para o exercício de profissões”. (Apelação/Reexame Necessário n. 2009.70.01.003196-5, rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, 3ª Turma do TRF da 4ª Região, D.E. de 10/02/2010)
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cargo, emprego ou função pública. “Ato administrativo, ainda que de natureza normativa, não serve
à observância do ditame constitucional, por não se confundir com a espécie lei.”32 A advertência
dá-se relativamente à intolerância de que um diploma legal se omita em impor determinada
exigência, delegando ao edital a possibilidade de regular a matéria em sua integralidade.33
Embora seja certo que a previsão originária deva estar veiculada em lei, se um determinado
requisito nela está consagrado, tem-se como admissível que o órgão ou autoridade competente
exerça poder regulamentar ou regulatório, nos estritos limites da normatização técnica cabível
na espécie. Assim têm atuado órgãos como o Conselho Nacional de Justiça, ao editar a Resolução
n. 75, de 12/05/2009, e o Conselho Nacional do Ministério Público, ao editar a Resolução n. 40,
de 26/05/2009. Não se olvide de regulamentos como o veiculado no Decreto Federal n. 6.944, de
21/08/2009, que buscou padronizar o procedimento dos concursos públicos no âmbito federal.
O fundamental é que o órgão ou a autoridade que exerce o poder regulamentar ou regulatório
aja com fundamento em regra que lhe outorgue competência para tanto e detalhe os requisitos
estipulados em norma aprovada pelo Poder Legislativo. O fenômeno da deslegalização não admite
que o Parlamento transfira todo o poder normativo do Estado para o chefe do Executivo e demais
autoridades administrativas, mas permite que o detalhamento técnico de requisitos legais ocorra
na esfera do poder regulamentar e regulatório. Assim sendo, excluída a instituição de exigências
não consagradas previamente em regra legal, admite-se o tratamento técnico da matéria em sede
normativa de natureza administrativa. Por isso, é legítimo, por exemplo, que uma lei preveja a
necessidade de realização de teste de aptidão física (para um cargo no qual vigor e força são
essenciais) e que o edital fixe os mecanismos por meio dos quais essa avaliação ocorrerá, bem
como a composição das bancas encarregadas do exame e o procedimento a ser observado na
espécie. A lei inova primariamente quando impõe o requisito da aptidão física. O edital regula a
matéria tecnicamente quando operacionaliza a aferição do requisito legal. Respeita-se a inovação
como atributo legal e se autoriza a pormenorização discricionária pela Administração.34
Assim sendo, denota-se que os requisitos exigidos no concurso público sujeitam-se à previsão legal
originária35, bem como admitem normatização técnica de natureza administrativa pelos órgãos e
autoridades competentes. A dificuldade em definir, em cada caso, os limites da fixação primária na lei,
e, da pormenorização discricionária pela Administração, encontrará mais um subsídio importante na
32 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 158-159.
33 “É válida a limitação de idade em concurso público para ingresso às Forças Armadas, desde que prevista em lei em sentido formal. Precedentes.” (Ag. Regimental no REsp n. 748.271-RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJe de 09/02/2009) Nesse mesmo sentido: REsp n. 1.067.538-RS, rel. Min. Jorge Mussi, 5a Turma do STJ, DJe de 03/08/2009.
34 “A definição dos critérios utilizados para se alcançar o perfil do candidato, de acordo com as atividades que serão exercidas, é feita de forma discricionária pela Administração, que, com base na oportunidade e conveniência do momento, estabelece as diretrizes a serem seguidas na escolha dos candidatos.” (RMS n. 24.940-PE, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5a Turma do STJ, DJe de 20/10/2008).
35 “Pode o legislador, observado o princípio da razoabilidade, estabelecer requisitos para a investidura em cargo, emprego ou função.” (ADI n. 1.326-SC, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 26/09/1997, p. 47.475).
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decisão a ser exarada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no RE n. 600.885-
RS.36 Esclareça-se, contudo, que a Corte Suprema já admitiu a possibilidade de a lei reservar à norma
infralegal o detalhamento de requisitos do cargo.37 Também os demais Tribunais vêm assentando não
ser adequado pretender que toda a normatização dos requisitos do concurso esteja fixada em lei em
sentido formal, sob pena de se tornar impossível ao Poder Público reger os seus concursos.38
Em todas as esferas, os requisitos legais devem guardar correspondência com a natureza das
atribuições inerentes ao cargo ou emprego público a que se referem. Trata-se da observância
do princípio da proporcionalidade, o qual exige critérios seletivos adequados, necessários e
proporcionais em sentido estrito.
Há adequação quando uma determinada medida consiste no meio certo para levar à finalidade
almejada. Os meios utilizados pelo Estado devem ser próprios em face do fim público perseguido
na espécie. Sendo assim, não se pode exigir uma característica de um candidato quando aquele
aspecto não é meio de selecionar o melhor profissional de que a Administração necessita. Se a
exigência é casuística, arbitrária e desvirtuada do fim público que se deve alcançar, clara é a
inadequação do critério discriminatório imposto pela Administração.
Não se trata de aferir se o requisito é o menos oneroso ou se há equilíbrio entre os custos
(exclusão de determinados) e os benefícios (administrativos) que lhe são intrínsecos. Aqui,
analisa-se se o meio — critério discriminatório capaz de excluir ou manter candidatos no certame
—, ou não, próprio para levar o Estado à finali dade pretendida. Se houver inadequação absoluta,
ou seja, se o requisito não conduzir de modo algum ao resultado buscado que é a seleção de um
profissional adequado, o critério editalício é desproporcional. Assim ocorre se, por exemplo, em
um concurso para bibliotecária de uma escola pública, a Administração exige que os candidatos
submetam-se a teste de força e resistência física. Já em situações diversas, se a análise do
requisito viabiliza de alguma forma que o fim seja alcançado, tem-se presente a adequação.
É o que se tem quando o mesmo teste de aptidão física é exigido para o provimento de cargos
policiais, cujas atribuições exigem um mínimo de vigor, força e resistência.
36 Discute-se no RE n. 600.885-RS se a lei pode atribuir, ou não, ao edital de concurso a definição de requisitos essenciais ao exercício do cargo. Em 25/03/2010, pediu vista o Ministro Ricardo Lewandowski, após a Ministra Relatora Cármen Lúcia negar provimento ao recurso da União e o Ministro Dias Toffoli dar-lhe provimento.
37 “A Lei n. 9.421/96 deixa à definição dos tribunais a distribuição dos cargos de analista, sem impor a admissibilidade de todo e qualquer diploma de curso superior. A exigência de certa especialidade é estabelecida ante as necessidades da Corte, ob-servado o que previsto na lei que haja criado tais cargos.” (RMS n. 25.294-DF, rel. Min. Marco Aurélio, 1a Turma do STF, DJE de 18/12/2008).
38 “Firme-se a suficiência da clara exigência em observância ao princípio da legalidade dos atos administrativos, caput daquele mesmo art. 37, evidentemente para a qual não sendo único a veicular suas disciplinas, o diploma de lei estrito senso, nem aqui colhendo teria ditado a mesma Carta da Nação, inciso X, de seu art. 142, somente a lei prescreveria sobre os requisitos ao con-curso público, ali repousando mensagem diversa, a cuidar do ingresso em sentido de investidura e demais atos dali por diante, pena de se impedir ao Poder Público reger seus concursos segundo critérios como o em foco, suficientemente normatizado, em plano infralegal, assim em consonância com o vigente Texto Supremo, como destacado. Sem qualquer sentido obrigar-se a parte agravante a admitir em seus quadros figura — tão merecedora, registre-se, do elementar respeito, que a todos mortais endere-çável, por certo — que objetivamente não atende a elemento formador que de efetiva relevância, ao cargo em tela, a estatura. Precedentes.” (Agravo de Instrumento n. 2007.03.00.082141-3, rel. Juiz Convocado Silva Neto, 2a Turma do TRF 3a Região, DJF3 de 17/12/2009, p. 240).
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O fato de um requisito ser adequado não é bastante. Além de conduzir minimamente para o fim (juízo
de adequação), é preciso que se faça a exigência mais suave possível, satisfeito o mínimo de que a
Administração necessita. Destarte, é preciso que o Estado, ao optar pelo critério discriminatório,
imponha a menor restrição capaz de levar à seleção do profissional que exerça adequadamente as
atribuições públicas. O ponto a ser identificado refere-se à determinação de qual é o mínimo capaz
de atender a demanda estatal. qual é a menor restrição decorrente de um requisito editalício
que satisfaz a necessidade seletiva do Estado? É esse meio mais suave que se mostra como critério
discriminatório necessário. Além desse limite, tem-se ofensa à proporcionalidade. Com base nesse
raciocínio, entendeu-se, por exemplo, que exigir experiência jurídica mínima de três anos para o
candidato interessado em disputar o cargo de magistrado é a forma mais suave de se assegurar um
mínimo de maturidade e competência na carreira. Não se restringiu excessiva ou desnecessariamente
o direito à participação dos candidatos, mas, ao contrário, foram observados limites proporcionais à
consecução da finalidade pública pretendida.
Por fim, é preciso que se determine a relação custo/benefício do requisito exigido em face do
conjunto de interesses em jogo, de modo a ponderá-la mediante o exame dos eventuais danos e dos
resultados benéficos viáveis na espécie. O que se investiga, portanto, é se o resultado da exigência
editalícia é proporcional à restrição imposta aos interessados no cargo ou emprego público. Em
outras palavras, analisam-se os meios empregados pelo Estado à luz do fim público que justifica
a sua intervenção. Em relação às exigências adequadas e necessárias, tem-se como improvável
que um requisito constranja desproporcionalmente a esfera de um determinado candidato, em se
considerando a necessidade pública primária de formar um quadro minimamente eficiente. Nesse
contexto, se a Administração constrange de modo proporcio nal a esfera jurídica de um candidato
em face do bem comum que assim justifica, não há qualquer vício sob este aspecto.
A proporcionalidade em sentido estrito, portanto, traduz a ponderação que deve haver entre
o gravame imposto (exclusão dos candidatos que não satisfaçam os requisitos exigidos) e o
benefício trazido (formação de um quadro de pessoal capaz de bem exercer as competências
estatais). O que se tem em vista, aqui, é aferir o equilíbrio entre os eventuais danos causados
aos interessados nos cargos ou empregos públicos e as vantagens decorrentes do atingimento
da finalidade pública (seleção adequada dos agentes). Como já se esclareceu, em princípio,
afigura-se razoável a carga coativa que exclui candidatos que não satisfazem as necessidades
públicas e o benefício social presente quando se viabiliza a formação de um competente quadro de
agentes públicos. Não há dúvida de que o grau de importância da promoção do fim (agentes públicos
competentes) justifica a restrição causada por critérios discriminatórios adequados e necessários
(com a exclusão daí decorrente de alguns candidatos).39 A supremacia do interesse social justifica a
39 “Em concurso para o cargo de Médico da rede pública de saúde, existe pertinência lógica entre as atribuições do cargo pretendi-do e a exigência de que os candidatos optassem por uma área de especialização em que deveriam ter residência médica ou título de especialista, ambos no campo escolhido. Tendo em vista que o candidato não demonstrou preencher os requisitos exigidos em edital, inviável a posse no cargo de Médico/Medicina Intensiva.” (REsp n. 1.109.505-RJ, rel. Min. Jorge Mussi, 5a Turma do STJ, DJe de 29/06/2009).
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constrição imposta a eventuais interessados em disputar o concurso. Basta, para tanto, um exame global e contextualizado do comportamento administrativo, de modo a evidenciar que se trata do meio comprovadamente menos danoso e mais equilibrado na espécie.
Nesse contexto, denota-se que a proporcionalidade, nos concursos públicos, sustenta a exigibilidade de requisitos adequados, necessários e que se justificam à luz das necessidades administrativas.40 Justifica a exclusão de exigências formais inócuas, as quais não significam resguardo do interesse público. Com efeito, a interpretação do instrumento convocatório dos certames seletivos não pode levar à exigências anódinas e que não consubstanciam proteção do bem comum.41 Afinal, nenhuma praxe administrativa que não encontra fundamento em dispositivo legal ou em exigência razoável pode levar ao rigorismo de se desclassificar um candidato que deixou de cumprir um formalismo despiciendo à realização da finalidade pública em questão. Caso contrário, ter-se-ia um excesso incompatível com o caráter competitivo do certame e com a necessidade de eficácia na atuação estatal.
Se os requisitos previstos em lei respeitam a exigência da proporcionalidade, é mister que os atos normativos editados pela Administração, como o edital, deles não se afaste, sob pena de nulidade. Afinal, “o edital é um ato administrativo e, como tal, deve jungir-se à lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade.”42
4 Requisitos de inscrição e requisitos do cargo público
A doutrina define que requisitos de inscrição são as exigências reclamadas pela Administração
para participação do candidato no concurso público. É requisito de inscrição, portanto, a
exibição da carteira de identidade que viabiliza a identificação do interessado na disputa.
Já os requisitos do cargo dizem respeito à natureza das funções a serem exercidas e não 40 O TRF da 4ª Região, a esse propósito, já assentou que “A imposição de exigências coerentes com a natureza do cargo público a
ser ocupado não fere o princípio da razoabilidade ou da isonomia, antes o prestigia.” (Apelação Cível n. 2005.70.00.016423-9, rel. Des. Marga Inge Barth Tessler, 4a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 03/01/2009).
41 Segundo Weida zancaner, “os concursos públicos que exigirem dos interessados conhecimentos muito mais amplos do que os neces-sários para o exercício da profissão ou atividade em razão das quais foram instituídos devem ser considerados inválidos por desa-tenderem o princípio da proporcionalidade e, consequentemente, o da razoabilidade.” (zANCANER, Weida. O concurso público e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 167). A jurisprudência, em situações semelhantes, vem assentando: “IV — A doutrina e a jurisprudência pátrias são uníssonas no sentido de que o princípio da razoabilidade (proporcionalidade) é elemento componente da juridicidade cometida à Administração Pública. Não se admite que a Administração cumpra a finalidade legal se adota medida discrepante do razoável. Há de se valer, também, dos valores de justiça absorvidos pelo sistema jurídico. Na aplicação de toda e qualquer norma de edital, para que seja esta considerada legal e juridicamente escorreita, imprescindível a observância de adequação racional, reta e justa, a fim de se evitar que, sob o pálio da legalidade estrita, avalize-se a conduta ofensiva aos demais princípios norteadores dos atos da Administração. V — Não se mostra razoável que a Administração imponha condições de caráter eliminatório que desprezem o que o Direito positivo brasileiro vem consagrando em face das diversas situações jurídicas que disciplina: a possibilidade da justificativa fundada em caso fortuito ou força maior.” (Apelação Cível e Reexame Necessário n. 20010110811059, Acórdão n. 172.555, relator Desembargador Wellington Medeiros, 3a Turma Cível do TJDF, julgamento em 10/03/2003, DJ de 21/05/2003 p. 98)
“A comprovação da habilitação profissional tem por finalidade verificar se o candidato possui as competências e habilidades necessá-rias ao adequado desempenho da função, não sendo dado ao Administrador impor restrições indevidas que desbordem da finalidade pretendida pela lei.” (Apelação Cível n. 2008.71.003196-0, rel. Des. Valdemar Capeletti, 4a Turma da 4a Região, DE de 24/08/2009).
42 Apelação em Mandado de Segurança n. 1999.03.99.088131-8, rel. Des. Federal Cotrim Guimarães, 2a Turma do TRF da 3a Região, DJF3 de 12/11/2009, p. 204.
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ao procedimento seletivo levado a efeito pela Administração.43 São requisitos do cargo, por
exemplo, o nível de escolaridade e a idade mínima para o seu exercício.
A propósito do momento em que podem ser exigidos os requisitos de inscrição e os requisitos do
cargo, identificam-se dois posicionamentos a respeito da matéria. A primeira corrente defende
que o candidato deve comprovar os requisitos de inscrição no início do certame e os requisitos
do cargo somente quando, já aprovado, for nomeado. A segunda corrente entende que ambos
os requisitos podem ser exigidos já no momento inicial da inscrição.
Os que sustentam a primeira posição afirmam que, se a Administração exigir requisitos do
cargo no momento da inscrição, estará contrapondo-se ao princípio da ampla acessibilidade.
Isso porque candidatos aptos a comprovar o atendimento de tais exigências ao fim do certame
e que não estão em condições de fazê-lo na fase inicial serão excluídos, reduzindo-se a
competitividade sem qualquer ganho efetivo para o Poder Público. Não haveria, pois, equidade
em exigir habilitação no momento de inscrição, exigência que se qualifica como prematura e
desnecessária. A ideia é da legitimidade de participação daqueles que tenham condições plenas
de exercer o cargo no momento da investidura.
Adotando essa linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 266 segundo a
qual “O diploma de habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não
na inscrição para o concurso público.” Também assim entendera a 2ª Turma do STF ao fixar que
“A habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigida no momento da posse.”44 Também
parte da doutrina vem sustentando que requisitos como idade mínima, dentre outros, é condição
de provimento no cargo e não de inscrição no certame.45 Invoca-se que dispositivos legais como o
art. 5°, da Lei Federal n. 8.112 estabelecem requisitos para investidura em cargo público como
nacionalidade brasileira, gozo de direitos políticos, quitação com obrigações militares e eleitorais,
idade mínima de 18 anos, aptidão física e mental. Considerando que os dispositivos tratam de
investidura em cargo público e não de inscrição no concurso, irrazoável exigir a observância dos
requisitos legais dos cargos e dos empregos indistintamente no ato de inscrição dos candidatos.46
Em sentido diverso, tem-se entendimento segundo o qual a Administração Pública não pode
depender de probabilidades, sendo risco significativo admitir a participação de candidatos
43 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 526.
44 RE n. 184.425-6-RS, rel. Min. Carlos Velloso, 2a Turma do STF, DJU de 12/06/98. Confira-se, ainda: RE n. 423.752-MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma do STF, DJU de 10/09/2004 p. 59 e RMS n. 11.904-MG, rel. Min. Felix Fischer, STJ, julgamento em 13/11/2001.
45 SOUSA, Éder. Concurso público: doutrina & jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 66.
46 MAIA, Márcio Barbosa; qUEIROz, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional, op. cit., p. 99-100.
Confira-se, ainda: MC n. 15.648-SP, rel. Min. Og Fernandes, 6a Turma do STJ, DJe de 10/05/2010.
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que se inscrevem sem atender os requisitos do cargo. Isso porque tais candidatos, mesmo
se aprovados, estarão impedidos de tomar posse, sendo comum o seu esforço em protelar
o momento da nomeação, o que esvazia a eficiência e coloca em risco a própria segurança
jurídica.47 Ademais, invoca-se que outros interessados podem se abster de atender a convocação
administrativa por não contarem, no momento da inscrição, com os requisitos exigidos, sendo
certo que o resultado do certame poderia ser outro se tivessem pensado na possibilidade de
virem a cumpri-los posteriormente, o que implica significativo gravame à segurança jurídica.48
Adotando o segundo posicionamento, tem-se que o Supremo Tribunal Federal, ao decidir a
ADI n. 1.040-DF, assentou que “a lei pode impor condições para inscrição em concurso público
desde que não sejam desarrazoadas”, sendo legítima a exigência, quando da inscrição, do
requisito objetivo da experiência profissional, indicativo da aquisição de maturidade pessoal.49
Também em idêntico sentido, o entendimento majoritário exarado na ADI n. 3.460-DF quando,
por maioria, o STF fixou que o momento da comprovação do requisito de atividade jurídica
“deve ocorrer na data da inscrição no concurso, de molde a promover maior segurança jurídica
tanto da sociedade quanto dos candidatos”, tendo ficado vencido o Ministro Carlos Britto
segundo quem “a comprovação dos requisitos deve dar-se na data da posse no cargo, tendo em
conta ser o requisito temporal exigido para o ingresso, sinônimo de investidura, na carreira”.50
O entendimento majoritário exarado pelo Supremo Tribunal Federal corresponde à posição já
defendida doutrinariamente pela agora Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha:
Somente pode ser provido o cargo por alguém em condições de nele investir-se, e as condições para a investidura são examinadas no certame. Daí ter-se entendido, geralmente, que, exigidas as condições para a inscrição, deverão elas ser cumpridas naquela oportunidade. Se omitida uma informação relativa, por exemplo, a determinada habilitação legal, mesmo que não tenha requerido a apresentação de comprovação do seu atendimento pelo interessado, haverá ele de estar quite com aquela exigência, podendo a entidade administrativa considerar nula a inscrição e todos os atos que se lhe seguem se comprovada a carência posteriormente.51
Observe-se que as mencionadas decisões do Supremo Tribunal Federal referiram-se a requisito
específico biênio ou triênio de experiência profissional em se tratando de específica carreira jurídica, 47 SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti de. Controle judiciário dos concursos públicos. São Paulo: Método, 2007, p. 56-57.
48 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 218.
49 No referido julgado o STF considerou legítima a exigência de dois anos de bacharelado para ingresso na carreira do Ministério Público Federal (ADI n. 1.040-DF, rel. orig. Min. Néri da Silveira, rel. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, 11/11/2004, Plenário do STF, Informativo do STF, n. 369).
Confira-se, adotando orientação semelhante, a Apelação em Mandado de Segurança n. 2001.61.00.002733-3, rel. Juiz convocado em auxílio Rubens Calixto, 3a Turma do TRF 3a Região, DJF3 09/06/2009.
50 Nesse caso, o STF admitiu a exigência de três anos de atividade jurídica (privativas de bacharel de direito) para o Ministério Público já no momento da inscrição (ADI n. 3.460-DF, rel. Min. Carlos Britto, Pleno do STF, julgada em 31/08/06, Informativo do STF, n. 438).
51 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 217.
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a saber, o Ministério Público. Daí surgirem entendimentos segundo os quais prevaleceria a posição
consagrada no Enunciado n. 266 do STJ, à exceção das hipóteses em que o STF houver manifestado,
expressamente, em sentido diverso.52 A esse propósito, algumas considerações mostram-se cabíveis:
Embora seja certa a necessidade de obediência às decisões do STF a propósito do momento em
que se afigura adequada a exigência de requisitos durante o concurso público, nos casos em
que já transitadas em julgado, pede-se redobrada vênia para dissentir da posição proclamada
pela Corte Suprema. Em princípio, não se mostra razoável que a Administração exija prova, no
início do concurso, de requisitos que, presentes no momento da nomeação, viabilizarão que se
ultime a investidura no cargo. Sempre que cabível, essa comprovação deve ser postergada para o
momento subsequente à nomeação e anterior à posse, com garantia de ampla competitividade e
atendimento tempestivo da necessidade administrativa. Com efeito, o Estado não precisa de um
candidato de concurso que tenha determinado nível de escolaridade ou experiência profissional;
ele necessita de um servidor que atenda tais pressupostos quando do início do exercício do
cargo ou do emprego público. A correção de tal premissa decorre das regras legais vigentes que
não impõem prova dos requisitos para participação nos processos seletivos, mas apenas para o
exercício do cargo. Sendo assim, não há que se falar em discricionariedade da Administração para
escolher o momento em que tal exigência se fará. A regra é que os requisitos do cargo não serão
comprovados quando da inscrição, mas sim após ultimado o concurso, quando da investidura.
O risco de o concurso ser protelado em razão de eventual esforço de candidatos interessados
em cumprir determinados requisitos no futuro é facilmente superável mediante providências
administrativas tomadas pelo Poder Público em defesa da celeridade e da eficiência. Não há
que se falar em risco para a segurança jurídica, uma vez que o Estado pode, em juízo ou na
via administrativa, garantir o andamento tempestivo do certame. quanto à possibilidade de
o resultado do concurso ser diferente, pelo fato de outros candidatos não imaginarem que
poderiam cumprir os requisitos posteriormente, é certo que um edital que já preveja o momento
correto para que se faça essa prova (não a inscrição, mas após a nomeação e antes da posse)
não criará expectativas passíveis de frustração. Isso porque as normas regulatórias do concurso
já disporão sobre o atendimento de requisitos quando da investidura, dispensada comprovação
durante as provas do concurso. qualquer interessado que atentar para a norma editalícia,
52 “2. Consolidou-se nesta Corte (Súmula 266/STJ), bem como no Supremo Tribunal Federal, entendimento segundo o qual, exceto nos concursos para a Magistratura e Ministério Público, por força do disposto na EC 45/2004 (ADI n. 3460/DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 15/6/2007), o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público.” (Ag. Regimental no Ag. de Instrumento n. 959.629-DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6a Turma do STJ, DJe de 18/12/2009).
“Assim, concluiu o Min. Relator não ser aplicável o enunciado da Súmula n. 266-STJ a concursos públicos relativos às carreiras da magistratura (art. 93, I, CF/1988) e do Ministério Público, em vista da interpretação do STF, na ADI n. 3.460-DF, ao disposto no art. 129, § 3°, da CF/1988, o qual se identifica com o teor do art. 93, I, CF/1988. Contudo essa conclusão não implica revisão do enunciado da Súmula. n. 266-STJ em relação a outras carreiras para as quais se deve analisar a legislação infraconstitucional pertinente. Com essas considerações a Seção negou provimento ao recurso.” (RMS n. 21.426-MT, rel. Min. Felix Fischer, STJ, julgamento em 14/02/2007, Informativo do STJ, n. 310).
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saberá que apenas quando da investidura, após findas as provas do concurso, deverá comprovar
os requisitos do cargo, sendo eventual abstenção sua escolha livre e consciente de vontade.
Ausentes evidências de comprometimento da segurança jurídica ou da eficiência, não se vislumbra
qualquer razão para sustentar uma medida (exigir prova dos requisitos do cargo quando da
inscrição no concurso) cujo resultado será principalmente a redução da competitividade e da
própria eficiência do certame, sem qualquer ganho efetivo para a Administração Pública.
Não se ignoram situações peculiares que podem se delinear em searas específicas. Há concursos
para cargos e empregos públicos objeto de grande interesse por centenas e milhares de
candidatos. É comum que se realizem etapas sucessivas de avaliação, sendo impossível avaliar
as provas de todos os candidatos que obtiveram o mínimo na etapa anterior. Assim, não é raro
que num universo de 10.000 candidatos que se submetam à primeira etapa de um concurso
(prova fechada), 2.000 obtenham a aprovação conforme a pontuação mínima fixada no edital.
Diante da inviabilidade de manter os 2.000 candidatos, com correção da respectivas provas,
na segunda fase (prova aberta), pode a Administração estabelecer um número máximo de, por
exemplo, 400 candidatos a serem convocados para a etapa subsequente ou 400 provas a serem
corrigidas pela banca examinadora. Nesses casos, a participação na segunda fase de um número
significativo de candidatos que não tenham condições de cumprir os requisitos do cargo quando
da investidura pode, sim, comprometer a competitividade do certame. Trata-se de um contexto
específico em que se justifica uma providência da Administração capaz de afastar os riscos para
a segurança jurídica e eficiência do certame.
Há quem entenda que a única providência possível seria aferir, já no momento da inscrição,
todos os requisitos do cargo comprováveis de plano, como a experiência profissional, o nível
de escolaridade ou a idade mínima. Em linha de raciocínio diversa, há quem entenda que a
providência adequada seria exigir de todos os candidatos, quando da inscrição, declaração de
que cumprem os pressupostos do cargo. No caso de inveracidade da declaração, objetivamente
aferida pelo órgão competente, a qualquer momento pode ser excluído do certame o candidato.
Afinal, cabe à Administração vetar, nesses casos, a participação do interessado no concurso,
ao verificar a impossibilidade de implemento dos requisitos no período limite para a assunção
do cargo público.53 Em se tratando de declaração falsa, certo é que o candidato, além da
conduta desleal com a Administração, incorreu em crime de falsidade ideológica. O potencial
sancionatório de natureza penal e administrativa em face da sua conduta ilícita implicaria
reduzido risco à segurança jurídica e competitividade do certame, pois os candidatos temeriam
a incidência de penalidades futuras. Obter-se-ia, assim, equilíbrio entre a ampla participação
dos candidatos e a necessidade de segurança jurídica na espécie.53 MAIA, Márcio Barbosa; qUEIROz, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional, op. cit., p. 100.
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É Luís Marcelo Cavalcanti de Sousa quem aduz que não se pode admitir como lícita ou moralmente
válida a conduta do candidato que apresenta declaração falsa em concurso público:
Note-se que, nesse caso, o candidato poderá ser eliminado do certame, não apenas porque não atendia aos requisitos, mas também porque poderá ser preso em flagrante pela comissão do concurso, em razão de ter praticado o delito de falsidade ideológica. Não se trata aqui de penalizar o candidato que responde a processo criminal — o que é repelido pelo STF — mas de eliminação de candidato preso em flagrante delito.54
Ainda sobre essa matéria, cumpre atentar para algumas especificidades de determinados concursos,
como aqueles destinados a prover cargos vitalícios de magistrados. Nos termos da Resolução n. 75,
editada pelo CNJ, tem-se a inscrição preliminar (ou provisória) e a definitiva no certame.
A inscrição preliminar é realizada com uma breve lista de documentos e uma declaração do candidato de que é bacharel em Direito, admitindo ainda que, até a inscrição definitiva, atenderá ao requisito de atividade jurídica, apontando possíveis deficiências e aceitando as condições do certame. O momento para efetiva apresentação dos documentos que comprovam as condições do edital é a inscrição definitiva, realizada após a segunda etapa do concurso, preparando os candidatos para a terceira fase. 55
O que se denota é a manifesta condescendência com a exigência de requisitos do cargo quando
da inscrição definitiva, sempre que a última ocorrer nas etapas finais da seleção. Nesses casos,
não é comum discussão sobre a necessidade de se postergar tal juízo para o momento da
investidura, mesmo porque a antecipação da análise encontra fundamento na necessidade de
efetividade do certame, com exclusão de candidatos que, ao final, sequer apresentam condições
de serem empossados. Permanece em questão, entretanto, a situação dos candidatos que não
logram comprovar os requisitos quando da inscrição definitiva, mas podem fazê-lo quando da
nomeação e posse. Pedindo renovadas vênias àqueles que sustentam a legitimidade da exclusão
do interessado nessa hipótese, entende-se irrazoável impedir a investidura de candidato que
obteve aprovação em todas as etapas do certame e, no início do exercício do cargo ou emprego,
terá comprovadamente condições de atender a legislação vigente, malgrado isso ainda não seja
realidade quando da inscrição definitiva.56
54 SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti de. Controle judiciário dos concursos públicos. São Paulo: Método, 2007. p. 60.
55 MARINELLA, Fernanda. Servidores públicos. Niterói: Impetus, 2010, p. 54.
56 Seguindo essa linha de raciocínio, já se encontram alguns julgados: “A exigência de idade mínima é requisito para a investidura no cargo, em face da natureza das atribuições a serem desempenhadas. Entendimento da Súmula 266/STJ. IV — A Lei n. 8.112/90 deve ser aplicada por analogia no caso em tela, porquanto o regime de trabalho dos funcionários da CEF é o da CLT, apesar da exi-gência de concurso público. O art. 5° da referida lei é taxativo ao determinar os requisitos básicos para provimento em emprego público, como o de Técnico Bancário. V — No exercício de suas prerrogativas, o Administrador Público pode dispor validamente das condições e regras que irão regular e determinar a realização do concurso, mas deve respeitar os princípios da legalidade e da proporcionalidade. VI — O edital, ao estabelecer a necessidade de que o candidato, no ato da inscrição, comprove idade míni-ma de 18 (dezoito) anos, contraria o princípio constitucional da isonomia, principalmente porque o fator de discrimen utilizado
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5 Requisitos objetivos e subjetivos do concurso público
A doutrina define os requisitos objetivos como aqueles que guardam pertinência com as funções
do cargo ou emprego (como é o caso da exigência de títulos e provas de conhecimento) e os
requisitos subjetivos como aqueles que dizem respeito à pessoa do candidato (escolaridade,
aptidão psicológica e boa conduta).57
Dentre os requisitos subjetivos, ainda não se encontra posição uníssona que possa ser observada,
indistintamente, nos concursos no que tange a exigências como, altura, sexo, idade e peso.
Primeiramente, cumpre reiterar que qualquer desses critérios só pode ser exigido se a natureza
das atribuições do cargo ou emprego assim justificar. É exatamente a análise das situações
em que se justifica, ou não, uma exigência dessa natureza que enseja controvérsia em cada
hipótese específica. Afinal, nem sempre é clara, objetiva e absoluta a compreensão a propósito
da adequação, necessidade e razoabilidade de um critério discriminatório. A própria análise
sobre a natureza das atribuições do cargo ou do emprego pode estar inserida em um espaço de
discricionariedade que implica liberdade de a Administração eleger uma dada característica
como essencial, ou não, para um cargo ou emprego público. Fixar se o Estado limitou-
se ao espaço discricionário que lhe foi reservado ou se ultrapassou tais fronteiras para agir
arbitrariamente consiste verdadeiro desafio para administradores e controladores da legalidade
estatal. A despeito das dificuldades inerentes à tarefa, impõe-se especificar, em cada contexto,
as razões aptas a justificar, ou não, o estabelecimento editalício de um requisito como condição
para o exercício da função pública em questão.
No tocante à altura, é certa a necessidade de que haja um mínimo de correlação dessa exigência
com a própria função a ser exercida. Para alguns cargos das carreiras policiais civis e militares, a
jurisprudência vem assentando a razoabilidade de o edital prever o requisito da altura. Assim já
ocorreu com cargos de agente de polícia, delegado da policia civil, policiais militares e sargentos
da aeronáutica, hipóteses em que se entendeu legítimo o exame médico antropométrico em que se
avaliou a altura mínima do candidato.58 Já nos casos de serviços técnicos e de natureza burocrática,
é destituído de justificação lógica. VII — Ilegalidade na eliminação do impetrante, porquanto este teve sua inscrição deferida, mesmo tendo dezessete anos à época, e implementou o requisito da idade antes da data de admissão. VIII — Remessa oficial improvida. Apelação improvida.” (Apelação em Mandado de Segurança n. 1999.03.99.067668-1, rel. Desembargadora Federal Regina Costa, 6a Turma do TRF da 3a Região, DJF3 de 30/11/2009, p. 263).
57 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed., op. cit., p. 525.
58. “Admite-se a fixação de altura mínima, prevista em lei, como condição para o exercício das funções do cargo de Soldado, por se tratar de exigência que guarda correlação com a natureza do cargo.” (Apelação Cível n. 1.0024.08.042927-7/002, rel. Des. Heloisa Combat, 7ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 14/08/2009).
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. EXAMES PRE-LIMINARES DE SAÚDE. ALTURA MÍNIMA. LEGALIDADE. — Dada a natureza do cargo, o importante papel social exercido e os riscos a que o Policial Militar está sujeito, não se pode falar — na esteira do art. 37, II, da Constituição Federal — em ilegalidade ou violação de princípios em razão da exigência de aprovação em exame médico oftalmológico, para aferição de acuidade visual, como con-dição para admissão. — Não ilegalidade em exigir-se, na lei e no edital de seleção de candidatos para o ingresso na Polícia Militar,
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mesmo em se tratando de carreiras policiais, o entendimento é o da inadmissibilidade da exigência,
porquanto ausente característica das atribuições que embasem requerer tal condição.59
Em relação à imposição de limite de idade, um dos parâmetros mais relevantes sobre a matéria
é a Súmula 683 do Supremo Tribunal Federal: “O limite de idade para a inscrição em concurso
público só se legitima em face do art. 7°, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado
pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.” O referido enunciado supera o
entendimento segundo o qual não seria admissível restringir, em razão da idade, inscrição em
concurso para cargo público. O próprio STF havia estipulado tal inadmissibilidade em sede de
ato administrativo na antiga Súmula 14. Atualmente, não remanesce qualquer dúvida quanto
à legitimidade de se exigir que candidatos se enquadrem em determinada faixa etária quando
essa discriminação é razoável em face das atribuições do cargo ou do emprego público. Tal
juízo positivo no tocante à legitimidade de imposição de limites mínimo e máximo já ocorreu no
tocante a cargos do Ministério Público, ao quadro de oficiais do Corpo de Bombeiros Militar, bem
como a cargos das carreiras militares e das Forças Armadas.60 Cumpre observar o entendimento
segundo o qual o ato de emancipação faz cessar a incapacidade relativa e habilita a pessoa para
os atos da vida civil, inclusive posse após regular aprovação em concurso público.61
o exame médico antropométrico no qual se avalia a altura mínima do candidato. — Hipótese na qual o ato de desqualificação da autora-candidata foi legal, pois, esta não possui altura mínima legalmente exigida no edital.” (Apelação Cível n. 1.0702.03.079684-2/001, rel. Des. Alberto Vilas Boas, 1a Câmara Cível do TJMG, DJMG de 22/05/2009)
“MANDADO DE SEGURANÇA — AGRAVO DE INSTRUMENTO — CONCURSO PÚBLICO PARA SARGENTO DA AERONÁUTICA — ESTATURA MÍNI-MA DE 1,55 M A SE SITUAR CONSENTÂNEA COM OS CONTORNOS DO CASO VERTENTE E COM O ORDENAMENTO — AUSENTE DESEJADO DISCRÍMEN — PROVIMENTO AO AGRAVO FAzENDÁRIO. Deve se ter em mira que não se está a se cuidar de burocrático serviço, aqui ou ali exercível, mas do cargo de Sargento da Aeronáutica, função das mais proeminentes e para a qual claramente exigido um mínimo de porte ou estatura física/altura, 1,55 m, inerente aos multifários misteres a tanto correspondentes, público o pertinente edital e portanto inescondível nenhuma a surpresa. Assentada a isonomia na dispensa de tratamento equivalente aos que se encontrem em equânime situação, tanto quanto de diferenciado, aos em situação distinta, caput do art. 5°, Lei Maior, ausente se revela a almejada mácula sobre o dogma em questão, ao contrário, do cenário em tela se extrai sua estrita observância, pois conjugado deve ser tal ângulo com o cargo em disputa por público concurso, por seus peculiares contornos.” (Agravo de Instrumento n. 2007.03.00.082141-3, rel. Juiz Convocado Silva Neto, 2a Turma do TRF 3a Região, DJF3 de 17/12/2009, p. 240).
59. “Concurso público. Altura mínima. Requisito. Tratando-se de concurso para o cargo de escrivão de polícia, mostra-se desarrazo-ada a exigência de altura mínima, dadas as atribuições do cargo, para as quais o fator altura é irrelevante. Precedente (RE 150.455, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 07/05/99).” (RE n. 194.952-MS, rel. Min. Ellen Gracie, 1a Turma do STF, DJU de 11/10/2001, p. 18).
60 “Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, emprego e cargos públicos. Interpretação harmônica dos arts. 7°, XXX, 37, I, 39, § 2°, II. – O limite de idade, no caso, para inscrição em concurso público e ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Mato Grosso – vinte e cinco e quarenta e cinco anos – é razoável, portanto não ofensivo à constituição, art. 7°, XXX, ex vi do art. 39, § 2°, III. – Precedentes do STF: RMS 21.033-DF, RTJ 135/958; 21.046; RE 156.404-BA; RE 157.863-DF; RE 175.548-AC; RE 136.237-AC; RE 146.934-PR; RE 156.972-PA. IV. – R.E. conhecido, em parte, e provido na parte conhecida.” (RE n. 184.635-MT, rel. Min. Carlos Velloso, 2a Turma do STF, DJU de 04/05/01, p. 35).
“Não é inconstitucional a imposição de limite máximo de idade para admissão a quadro de oficiais de Corpo de Bombeiros Militar (CF, art. 42, §§ 9° e 11, no texto original).” (RE n. 176.081-RJ, rel. Min. Octávio Gallotti, 1a Turma do STF, DJU de 18/08/2000, p. 93).
“Este Superior Tribunal de Justiça tem concluído pela possibilidade de previsão em edital de limites de idade mínimo e máximo para o ingresso nas carreiras militares, em razão da atividade exercida, desde que haja lei específica determinando a incidência de tal limitação.” (RMS n. 18.759-SC, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6a Turma do STJ, DJe de 01/07/2009) No mesmo sentido: Ag. Regimental no REsp n. 980.644-RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5a Turma do STJ, DJe de 14/12/2009).
61 “CONCURSO PÚBLICO. REqUISITO DE IDADE. SUPRIMENTO DE INCAPACIDADE RELATIVA. O ato de emancipação, promovido pelos pais, fez cessar a incapacidade relativa da parte impetrante, habilitando-a para prática de todos os atos da vida civil, inclusive, o de tomar posse em cargo, para o qual foi nomeada. Inteligência do art. 5°, parágrafo único, I, da Lei n. 10.406, 10/1/2002. Supri-
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Ainda no tocante aos limites etários, cumpre esclarecer que, para cargos cujas atribuições são de
natureza intelectual, técnica e/ou operacionais, como é o caso das funções de magistério e de fiscalização
tributária, os Pretórios decidem pela inconstitucionalidade de se utilizar tal critério.62 Em alguns casos,
a jurisprudência inclusive determinou que o Poder Público indenizasse os prejuízos de quem se viu
impedido de participar do certame seletivo.63 À obviedade, tal condenação só se afigura possível nas
situações em que houver prova dos elementos necessários à responsabilização civil do Estado.
Um dos aspectos que também merece ser enfrentado refere-se ao disposto no art. 27 da Lei
Federal n. 10.741/03: “Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a
discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os
casos em que a natureza do cargo o exigir.” Não se entende que tal regra pode ser interpretada
como uma proibição genérica e absoluta à fixação de limite máximo etário. Com efeito,
há situações em que as atribuições exigem vigor e características ausentes nas idades mais
avançadas. Do mesmo modo que determinadas funções requerem um mínimo de maturidade
e experiência incompatíveis com a juventude, há outras que exigem força e aptidões já em
declínio com o passar dos anos. Sendo assim, consiste discriminação razoável excluir do
certame candidatos que não satisfazem as condições necessárias ao exercício do cargo ou do
emprego público. Não pode o art. 27 da Lei Federal n. 10.741 ser compreendido, pois, como
uma blindagem impeditiva da fixação de limite máximo etário em todos os concursos públicos.
Nos casos em que se mostrar razoável, é cabível impedir que pessoas acima de determinada
faixa de idade disputem o cargo ou o emprego público em questão.
Denota-se, ainda, que o parágrafo único do art. 27 do referido Estatuto do Idoso prescreve, como
primeiro critério de desempate em concurso público, a idade, dando-se preferência aos candidatos
de idade mais avançada. Não há dúvida de que se trata de dispositivo legal veiculador de uma ação
do o requisito da idade. Inteligência do inc. V do art. 5° da Lei n. 8.112, de 11/12/1990, e do item 5, c, do Edital n. 025/2008.” (Remessa Ex Officio em Ação Cível n. 2009.71.20.000124-0, rel. Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha, 5a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 16/11/2009).
62 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSIÇãO LEGAL DE LIMITE MÁXIMO DE IDADE PARA INGRESSO NA CARREIRA DO MAGISTÉRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Fere o princípio constitucional da isonomia a previsão em norma infraconstitucional de limite máximo de idade para ingresso na carreira do magistério. 2. Hipótese não prevista na norma constitucional. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE n. 212.066-RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 2a Turma do STJ, DJU de 12/03/1999, p. 18).
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA FISCAL DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. IDADE MÁXIMA DE 35 ANOS PARA INSCRIÇãO. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA LÓGICA. DISPENSA DA LIMITAÇãO ETÁRIA PARA SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS NOS ÓRGãOS DA ADMINISTRAÇãO FEDERAL DIRETA OU DE AUTARqUIA FEDERAL. VIOLAÇãO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. APELAÇãO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. 1. Limite máximo de 35 anos de idade estabelecido no art. 3° da Lei n. 6.334/76, para inscrição em concurso público para ingresso no cargo de Fiscal de Tributos. Irrazoabilidade da discriminação erigida pela lei, pois não há pertinência lógica entre a exigência de idade máxima de 35 anos e o ingresso na carreira de Fiscal Tributário. 2. A mesma lei, em seu § 4°, traz outra discriminação odiosa, ao dispensar o limite de idade para os servidores de órgãos da Administração federal direta ou de autarquia federal, ferindo de morte o princípio da igualdade. 3. Apelação e remessa oficial improvidas.” (Apelação em Mandado de Segurança n. 94.03.014577-3, rel. Juiz convocado Jairo Pinto, Turma Suplementar da 1a Seção do TRF da 3ª Região, DJF3 de 22/12/2009, p. 27).
63 “CONCURSO PÚBLICO. IDADE MÍNIMA. DANOS MATERIAIS. São devidos danos materiais pela União Federal, por exigir ilicitamente o requisito de idade mínima em edital de concurso público para técnico do Tesouro Nacional, impedindo, dessa forma, a parti-cipação da recorrente na segunda etapa do certame.” (REsp n. 642.008-RS, rel. Min. Castro Meira, 2a Turma do STJ, julgado em 10/08/2004, Informativo do STJ, n. 217).
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afirmativa. Hoje em dia é comum a adoção de técnicas administrativas e legais cujo resultado seja
a inclusão equânime, ou por meio de preferências (por exemplo, reserva de vagas em concursos,
critérios de desempate), ou por meio de políticas de aperfeiçoamento e capacitação (por exemplo,
projetos de formação profissional para popu lação de baixa renda com dificuldade de acesso à
educação). É Leila Pinheiro Bellintani quem invoca as lições do Ministro Joaquim Barbosa, para
definir ações afirmativas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, con cebidas com vistas ao combate da discriminação racial, de gênero, por
deficiência física e de origem nacional, bem como para mitigar os efeitos presentes da discrimi nação
praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso
a bens fundamentais como a educação e o emprego. Com base em tais ponderações, estabelece
as ações afirmativas como mecanismos “que têm por escopo fomentar a igualdade substancial
entre os membros da comunidade que foram socialmente preteridos, valendo-se, para tanto, da
possibilidade de inserir discrimi nações positivas”. Destarte, quando um dispositivo legal fixa como
critério de desempate em concurso público a maior idade dos candidatos, está-se diante de uma
discriminação positiva cujo objetivo é combater uma determinada desigualdade fática indesejada.
Há quem entenda que se trata de regra inconstitucional na medida em que o referido benefício
deveria se assentar em comprovada discriminação negativa anterior. Ou seja, para se privilegiar
os mais idosos nas seleções públicas, seria preciso comprovar que as dificuldades de inserção no
mercado nessa faixa etária são mais acentuadas do que entre os mais jovens e não apenas uma
dificuldade comum a um país ainda com elevados e generalizados índices de desemprego. Sem
o suporte fático — prova da discriminação indevida da categoria a ser beneficiada (o que, no
caso ocorreria mediante evidência da maior exclusão dos mais velhos no mercado de trabalho)
— não haveria sustentáculo para a discriminação positiva (preferência para nomeação em caso
de empate, nos concursos públicos).
Em outro sentido, pontua-se que a mera preferência do art. 27, parágrafo único da Lei Federal
n. 10.741/03 não é técnica capaz de facilitar a inserção dos idosos no mercado de trabalho,
donde resulta a inadequação da medida. Considerando-se que há ofensa à proporcionalidade
sempre que o Estado escolhe, por lei ou por ato administrativo, um meio inapto a conduzir ao
fim desejado, seria inconstitucional a regra legal em comento.
Embora por caminhos diversos, ambos argumentos conduzem à inadmissibilidade da idade
como critério de desempate, privilegiando-se os mais velhos. Seriam ofensivas à isonomia e à
eficiência tanto a regra legal como as normas editalícias nesse sentido. Ademais, invoca-se a
inconstitucionalidade formal do referido projeto de lei, porquanto de iniciativa parlamentar
em contrariedade à competência privativa do Presidente da República na espécie.64
64 SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti de. Controle judiciário dos concursos públicos. São Paulo: Método, 2007, p. 39.
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Denota-se que há significativa tendência de considerar inconstitucional material e formalmente
a ação afirmativa do art. 27 do Estatuto do Idoso. Afirma-se que como o objetivo do concurso
é escolher os melhores candidatos interessados na disputa de cargos e empregos públicos
não se afigura razoável usar a idade mais avançada como critério de desempate. O adequado
seria dar preferência ao concorrente que apresentasse aptidão em aspecto essencial ao cargo,
considerando a natureza das suas atribuições.
É preciso frisar, entretanto, que o princípio que obriga a Administração a escolher os melhores
candidatos e aquele que enseja a preferência dos mais velhos em caso de empate não são
incompatíveis. Ao contrário, vislumbra-se como teoricamente possível que se harmonizem na
formação do conceito da igualdade material próprio em cada realidade específica. O tratamento
diferenciado estabelecido no art. 27, parágrafo único admite, em abstrato, o atendimento do
interesse público primário que está sim presente quando, na formação de um quadro de pessoal
capaz tecnicamente, inserem-se categorias indevidamente excluídas, como os idosos. Em primeiro
plano, não se trata de incorporar agente público com aptidões insuficientes, pois os candidatos
foram aprovados no certame, classificados na mesma posição quando do resultado final. O que está
em questão é, diante de candidatos com igual aptidão, escolher prioritariamente o mais velho.
Ademais, para que a referida escolha preferencial ocorra, é necessário que haja prova induvidosa
de uma discriminação social que atinja mais seriamente os idosos do que, por exemplo, os mais
jovens e ainda inexperientes no mercado de trabalho. Trata-se de um dado concreto que sequer
é aferível a partir de normas jurídicas. Avaliado tal elemento sociológico e havendo prova da
discriminação prévia em desfavor dos mais velhos, a preferência de nomeação dos idosos é meio
capaz de combater a desigualdade preliminar. Afinal, nomear um candidato mais velho e não o
mais novo, estando ambos empatados, é medida que realiza o fim de inserção social dos idosos.
Reitera-se, contudo, que tal tratamento diferenciado apenas não infringirá a Constituição,
em especial o princípio da isonomia, se se mostrar clara a necessidade da ação afirmativa na
espécie. E isso, como já se esclareceu, depende de um juízo técnico a propósito do mercado de
trabalho brasileiro que não resulta do teor das normas jurídicas que tratam da matéria.
Em um Estado Democrático de Direito, no qual é preciso que haja representação da multiplicidade
e garantia de dignidade a todas as parcelas da sociedade, impõe-se que a lei e os comportamentos
administrativos busquem beneficiar categorias em condições desfavoráveis, indevidamente
excluídas de situações essenciais à própria sobrevivência. A mutação produzida no conteúdo
do princípio da igualdade, a partir da adoção da ação afirmativa (ou discriminação positiva),
implicou que da própria isonomia pudes sem resultar condutas práticas como implantação de
programas governamentais, leis, ações particulares e comportamentos públicos em virtude dos
quais fossem asseguradas às minorias sociais oportunidades de cargos, espaços sociais, políticos,
econômicos etc. Como assevera Francisco Chaves dos Anjos Neto:
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Ora, para uma sociedade que pretende se passar como verdadeiramente igualitária, é preciso ter presente o sentido de elidir com mais ênfase as desigualdades artificialmente criadas de que são vítimas os mais desvalidos, preconceituosamente afastados das melhores oportunidades de vida por força de situações que nada têm a ver com sua maior ou menor disposição de vencer, senão por conta de um quadro econômico-social do qual sempre se viram distantes, à vista mesmo de uma discriminação historicamente conhecida. [...] Portanto, mais do que propiciar uma igualdade meramente formal, a ordem é assegurar uma igualdade em termos fático-substanciais, não mais se justificando, em pleno século XXI, um discurso que nem mesmo se pode apontar como liberal burguês, senão um retorno às discriminações nobiliárquicas do ancien regime [...].65
Nesse modelo, o interesse público primário em um concurso público não se reduz exclusivamente
à seleção dos melhores candidatos, mormente quando ao se fazer essa escolha é possível,
simultaneamente, promover a inserção de uma parcela da população indevidamente discriminada,
em razão do avançado da idade. Trata-se de uma função social inerente aos comportamentos
públicos, mormente em se tratando de contratações trabalhistas firmadas pela Administração ou de
atos de nomeação por ela praticados. Permite-se reiterar que a validade da medida requer evidência
da sua necessidade a partir de uma realidade discriminatória prévia no mercado de trabalho.
quanto à discriminação pertinente ao sexo, em princípio é obrigatória a livre disputa entre
homens e mulheres no tocante aos cargos e empregos públicos. É certo, no entanto, que a
natureza de determinadas atribuições justifica o seu exercício somente por pessoas do sexo
feminino, sendo cabível restringir, em alguns casos, aos indivíduos do sexo masculino. A adoção
do fator sexo como fator discriminatório que mantém ou exclui candidatos do certame depende
da pertinência evidente entre esse elemento e os objetivos buscados com o desempenho das
funções inerentes ao cargo para o qual se faz a seleção. Assim ensina Cármen Lúcia Antunes
Rocha quando define como inaceitável juridicamente a exigência de ser do sexo masculino na
hipótese do cargo de juiz, embora razoável impor que uma delegada de delegacia de mulheres
seja do sexo feminino.66 Também o STF já se pronunciou no sentido da não ofensa à isonomia
em relação à distinção entre sexos em contextos específicos.67
No que tange à exigência de peso ou índices de massa corporal nos concursos, frisa-se a
necessidade de verificar se a exigência de peso ou IMC mínimo e/ou máximo é realmente
65 ANJOS NETO, Francisco Chaves dos. Princípio da probidade administrativa: regime igualitário no julgamen to dos agentes políti-cos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 173-174.
66 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos, op. cit., p. 116 e 210.
67 “EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITARES DA AERONÁUTICA. CRITÉRIOS DIFERENCIADOS DE PROMOÇãO PARA MI-LITARES DO SEXO FEMININO E MASCULINO: POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇãO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. I. — A adoção de critérios diferenciados para a promoção de militares masculinos e femininos da Aeronáutica não ofende o princípio da isonomia, porquanto esses militares integram carreiras distintas, regidas por estatutos próprios. II. — Agravo não provido.” (Ag. Reg. no RE n. 316.882-DF, rel. Min. Carlos Velloso, 2a Turma do STF, DJU de 14/10/05, p. 21)
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compatível com a função a ser exercida na espécie. A doutrina tem assentado que a situação é
delicada e deve ser aferida casuisticamente, havendo posição que aprioristicamente entende a
exigência como inconstitucional:
Ao contrário, me parece que discriminações envolvendo altura e sexo, por exemplo, são razoáveis justamente pelo caráter de definitividade que possuem. Já o peso do candidato é algo muito relativo e variável. O candidato pode ganhar peso rapidamente depois de empossado, assim como pode emagrecer. De qualquer forma, fica o registro.68
Embora seja claro o caráter variável dessa exigência, isso, por si só, não é elemento suficiente para
excluí-lo como requisito para o exercício de determinados cargos públicos. O mesmo se afirma quanto
ao fato de a Administração não exigir dos servidores a manutenção das condições necessárias para a
realização das atribuições após a conclusão do procedimento de investidura. O fato é que a doutrina
e a jurisprudência admitem a exigência de peso mínimo e máximo quando se trata, por exemplo, de
funções específicas das carreiras policiais.69 Afirma-se que, se é lícito estabelecer limite mínimo de
peso, o mesmo se pode fazer em relação ao limite máximo, de modo a excluir portador de obesidade.
“Se não é conveniente contratar um policial muito magro — por necessidade de intimidação física,
manuseio de armamento, imobilização e condução de presos —, também não interessa contratar
policial demasiadamente pesado, por razões óbvias.”70 Daí se admitir a exclusão de candidato que, no
exame antropométrico, apresenta índice de massa corpórea superior ao exigido.71
Em relação à escolaridade que os candidatos devem comprovar, já se advertiu para a competência
privativa da União para legislar sobre determinadas searas.72 Se a lei impuser um nível mínimo 68 SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti de. Controle judiciário dos concursos públicos. São Paulo: Método, 2007, p. 92.
69 “CONCURSO PÚBLICO — CURSO DE FORMAÇãO DE SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL — LIMITE MÍNIMO DE PESO EXIGIDO EM EXAME DE SAÚDE E ANTROPOMÉTRICO PELO EDITAL — POSSIBILIDADE — EXIGÊNCIA qUE SE ENTENDE RAzOÁVEL EM FACE DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO DE SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR — RECURSO IMPROVIDO 1. A discriminação feita em edital de concurso público não se considera ilegal se o fator de discrimen guardar relação de pertinência lógica com a situação fática do caso concreto. 2. Pode, assim, ser previsto, em edital de concurso público, limite mínimo de peso aos concor-rentes, para o ingresso no cargo de soldado da Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul, em razão das atribuições a serem exercidas pelo candidato aprovado. Precedentes desta Corte.” (RMS n. 11.885-MS, rel. Ministro Paulo Medina, 6a Turma do STJ, DJU de 07/11/2005, p. 382).
70 SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti de. Controle judiciário dos concursos públicos. São Paulo: Método, 2007, p. 92.
71 Apelação Cível n. 1.0024.04.286115-3/002, rel. Desembargador Geraldo Augusto, 1a Câmara Cível do TJMG, julgamento em 08/08/2006, DJMG de 25/08/2006.
Registra-se, contudo, não se tratar de posição uníssona nos Tribunais, mormente quando a exigência não encontra amparo em dispositivo legal: “MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PMMG. CANDIDATO ELIMINADO POR TER ÍNDICE DE MASSA CORPORAL ACIMA DO MÁXIMO EXIGIDO PARA INGRESSO NA CARREIRA. RELATÓRIO DE INAPTIDãO DESPROVIDO DE FUNDAMENTA-ÇãO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAzOABILIDADE, LEGALIDADE E ACESSIBILIDADE AOS CARGOS PÚBLICOS. SEGURANÇA CONCEDI-DA. — O fato de o candidato estar, supostamente, acima do índice de massa corporal mínimo exigido no edital, desserve, em linha de princípio, como motivo bastante para a sua pronta eliminação, se terá ele, na fase dos testes físicos, oportunidade de comprovar a sua perfeita aptidão física para o exercício do cargo almejado. — A possibilidade de mera resolução estabelecer índices mínimos e máximos de massa corporal, tal como ocorre In casu, cria obrigação não prevista em lei, ferindo o princípio da legalidade.” (Apelação Cível n. 1.0525.07.121975-8/002, rel. Desembargador Armando Freire, 1a Câmara Cível do TJMG, DJMG de 10/07/2009).
72 Apelação/Reexame Necessário n. 2009.70.01.003196-5, rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, 3a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 10/02/2010.
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de escolaridade, com reiteração em norma editalícia, é imprescindível que haja comprovação
do requisito para fins de investidura. Nos casos em que a lei faz determinada exigência e o
edital impõe requisito diverso, cumpre assegurar a investidura do candidato que comprovou a
exigência legal.73 Se o candidato provar nível superior ao exigido, sendo clara a abrangência de
todo o conhecimento e conteúdo inerente ao nível inferior requerido pelo Poder Público, faz
jus a ser empossado. A jurisprudência tem acentuado que a formação superior em uma área
de conhecimento habilita o titular à atuação em área técnica afim, donde se conclui que “Se
o candidato possui formação superior na área de conhecimento pertinente ao cargo público
para o qual prestou concurso, ele possui habilitação profissional suficiente e adequada para
tomar posse, ainda que o edital do certame tenha exigido apenas formação de nível técnico”.
Afinal, ao exigir prova de habilitação profissional o que a Administração busca é verificar se o
candidato possui competências necessárias ao adequado desempenho da função. Diante dessa
prova, restrições indevidas são intoleráveis, pois desbordam a finalidade jurídica presente na
espécie.74 Na verdade, afastam-se todas as formalidades inócuas para o objetivo de verificar as
habilidades do candidato no tocante às atribuições públicas. Assim, já se determinou reserva de
vaga para candidato cujo processo de revalidação de diploma obtido no exterior ainda não se
concluíra, sendo necessário observar o prazo máximo fixado em norma administrativa.75
73 “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR DE 1° E 2° GRAUS. NOMEAÇãO E POSSE. REqUISITO DO EDITAL. NãO PREENCHIMENTO. EXIGÊNCIA DE HABILITAÇãO ESPECÍFICA. VIOLAÇãO DA LEI DE DIRETRIzES E BASES DA EDUCAÇãO. CANDIDATA POSSUIDORA DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS, CURSO SUPERIOR EM PROCESSAMENTO DE DADOS, PÓS-GRADUAÇãO EM COMPUTAÇãO E SISTEMAS DIGITAIS E EXPERIÊNCIA NO MAGISTÉRIO. 1. É cediço que o edital é a lei do concurso público, preestabelecendo normas que devem ser observadas pela administração pública e pelos candidatos para a garantia da isonomia de tratamento e igualdade de condições de ingresso no serviço público. 2. No entanto, o edital é um ato administrativo e, como tal, deve jungir-se à lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade. 3. O art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, vigente ao tempo do concurso, estabelece a necessidade de curso superior com licenciatura para a docência na educação básica. Ou seja, a lei não exige habilitação específica. 4. Ademais, o art. 61 da citada lei estabelece como fundamen-tos da formação de profissionais da educação a associação entre teoria e prática, inclusive mediante a capacitação em serviço; e o aproveitamento da formação e experiências anteriores. 5. O fato de a apelada não preencher requisito do edital, qual seja, o bacharelado, com licenciatura, em ciências da computação ou matemática com ênfase em processamento de dados não é fato impeditivo para a sua posse, tendo em vista que demonstrou conhecimento teórico ao lograr aprovação em concurso público, bem como por possuir curso superior em tecnologia de processamento de dados e pós-graduação em computação e sistemas digitais. A licenciatura, ainda que não específica em computação ou processamento de dados, confere à apelada habilitação para a docên-cia. Tudo isso, aliado à experiência anterior no magistério da disciplina de informática, implica preenchimento, pela apelada, das exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 6. Hipótese em que as qualificações da apelada determinam a posse no cargo em questão. 7. Apelação e Reexame Necessário improvidos. (Apelação em Mandado de Segurança n. 1999.03.99.088131-8, rel. Desembargador Federal Cotrim Guimarães, 2a Turma do TRF da 3a Região, DJF3 de 12/11/2009, p. 204).
74 Apelação Cível n. 2008.71.02.003196-0, rel. Des. Valdemar Capeletti, 4a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 24/08/2009.
“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SERVIDOR. CANDIDATO qUE POSSUI qUALIFICAÇãO SUPERIOR À EXIGIDA PARA O PROVI-MENTO DO CARGO. Em se pondo a exigência de nível técnico, com dada especialidade, resta satisfeito o requisito por alguém que, mesmo não tendo frequentado o específico curso técnico, tenha formação de nível superior na mesma área, não sendo razoável impedir o acesso a cargo público de quem possui qualificação técnica superior à exigida para o desempenho da função.” (Apelação/Reexame necessário n. 2008.71.00.022698-4, rel. Des. Alexandre Gonçalves Lippel, 4a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 08/06/2009).
75 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGA. DIPLOMA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE REVALI-DAÇãO. — Fere os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade a negativa de nomeação de candidato aprovado em primeiro lugar em concurso público, possuidor dos títulos de Doutor (fls. 20) e participante de Programa de Pós-Doutorado (fls. 36-38) em instituições brasileiras reconhecidas, pelo mero aspecto formal de não ter sido concluído seu processo de revalidação de diploma de graduação, obtido no exterior. — Mesmo que não tenha sido juntado aos autos a comprovação da abertura e do andamento do proces-so de revalidação do diploma do autor, não há porque suspender a decisão agravada. — A Resolução CNE/CES n. 01/2002, estabelece o prazo de seis meses para a conclusão do processo administrativo de revalidação, sendo obrigatória sua observância. Assim, não há, em tese, o alegado risco de escoamento do prazo de validade do concurso.” (Agravo de Instrumento n. 2008.04.00.036615-7, rel.
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Além de se determinar uma escolaridade mínima para acesso ao cargo ou emprego público, é
possível valorizar formação específica em uma das etapas do concurso público: aquela destinada à
avaliação dos títulos. Registre-se que analisar a titulação dos candidatos é exame cuja conveniência
permanece sob critérios de escolha discricionária da Administração. Caso se afigure oportuno tal
juízo, é possível valorizar obtenção de diplomas, realização de pesquisas, experiências profissionais,
magistério em cursos diversos, publicações acadêmicas e técnicas. Os títulos devem ter pertinência
com a natureza das atribuições públicas em tese e não podem suprimir a importância das provas
realizadas previamente. A doutrina reconhece não ser incomum concurso em que as provas não
possuem peso significativo, de tal forma que nelas qualquer candidato será aprovado, deslocando-
se a disputa para a avaliação dos títulos, cujo peso implica flagrante desvio de poder. Tais certames
podem até se transformar em concursos de efetivação ao valorar com pontuação elevada o exercício
de cargo público anterior, manipulação que deve ser rigorosamente combatida:
É perfeitamente admissível que o tempo de serviço público seja um título valorizado, mas somente se for um entre diversos outros títulos. Também é admissível que o tempo de serviço prestado na própria entidade que realiza o concurso possa ter alguma pontuação, mas não a ponto de resultar em reserva de vaga e desde que não configure desvio de poder; uma força disfarçada de burlar a isonomia que deve presidir o concurso. [...] Em qualquer caso, o rol de títulos a serem considerados e a valorização de cada um deve manter uma correlação com as funções do cargo ou emprego em disputa.76
Nos casos de a valoração dos títulos não ter relevância em face dos atributos do cargo ou do
emprego público, tem-se claro o comprometimento do princípio constitucional da isonomia,
conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade.77 Os Tribunais
têm feito prevalecer o princípio do informalismo no tocante à prova dos títulos, de modo a
evitar solenidades inócuas relativamente à comprovação documental cabível na espécie.78
No que tange ao psicotécnico, tem-se que o exame destina-se a aferir as condições psíquicas do
interessado no exercício do cargo ou emprego público. Um dos mais significativos desafios para
o Estado é definir como ultimar essa avaliação com rigor técnico e cuidado científico essenciais
Desembargador Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, 4a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 10/08/2009).
76 DALLARI, op. cit., p. 117-118.
77 “Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 17, I e II, da Lei n. 12.919, de 29 de junho de 1998, do Estado de Minas Gerais. 2. Concurso público de ingresso e remoção nos serviços notarias e de registro. 3. Apresentação dos seguintes títulos: a) tempo de serviço prestado como titular, interino, substituto ou escrevente em serviço notarial e de registro (art. 17, I); b) apresentação de temas em congressos relacionados com os serviços notariais e registrais (art. 17, II). 4. Violação ao princípio constitucional da isonomia. 5. Precedentes: ADI n. 3.522/RS; ADI 3.443/MA; ADI n. 2.210/AL. 6. Medida cautelar julgada procedente.” (MC-ADI n. 3.580-MG, rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno do STF, DJU de 10/03/2006)
78 “ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CONFERÊNCIA DE PONTOS. PROVA DE TÍTULOS. Comprovado o exercício de atividade laboral pelo candidato, através de declaração do ente público perante o qual prestou serviço, é desproporcional a desconside-ração do referido título, em face da ausência de cópia da CTPS, quando todos os dados relativos a esse documento constar da declaração apresentada.” (Remessa Ex Officio em Ação Cível n. 2008.71.10.003331-6, rel. Desembargador Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, 4a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 23/11/2009).
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para sustentabilidade do juízo a se realizar. Ao se referir aos testes psicológicos desenvolvidos
cientificamente, a doutrina se vale do Manual de elaboração de documentos decorrentes de
avaliação psicológica, veiculado na Resolução n. 7/03 do Conselho Federal de Psicologia, segundo
o qual os resultados dos exames devem considerar e analisar os condicionantes históricos e
sociais e seus efeitos no psiquismo. O art. 1° da mencionada Resolução estabelece que, para
fins de seleção de candidatos a avaliação psicológica é “um processo, realizado mediante o
emprego de um conjunto de procedimentos objetivos e científicos, que permite identificar
aspectos psicológicos do candidato para fins de prognóstico do desempenho das atividades
relativas ao cargo pretendido.”79
Além da complexidade inerente à construção científica dos testes e do desafio de buscar precisão e
normatização nessa seara, é preciso enfrentar a ausência de testes específicos para cargos e empregos
públicos. As informações a serem obtidas nessa fase devem ter pertinência com as atribuições
estatais em seu contexto administrativo específico, indicando eventuais incompatibilidades da
estrutura psicológica dos candidatos em relação ao perfil necessário e objetivamente indicado na
espécie.80 No setor de segurança pública, reiterados vêm sendo os entendimentos de que é razoável
aferir a compatibilidade do temperamento do candidato, mediante critérios objetivos, em face das
obrigações do cargo.81 Identificar, em abstrato, aspectos psicológicos que são incongruentes com
as funções públicas objeto de seleção consubstancia um desafio constante para a Administração.
Exatamente na tentativa de viabilizar o sucesso dessa tarefa a Súmula 35 da Advocacia Geral da
União enunciou que “o exame psicotécnico a ser aplicado em concurso público deverá observar
critérios objetivos, previstos em edital, e estará sujeito a recurso administrativo.”
Parte da doutrina entende que a objetividade do psicotécnico não implica divulgação de todo o perfil
profissiográfico no edital do concurso público, sob pena de se frustrar a própria finalidade para a
qual se predestina tal avaliação. O entendimento é de que a divulgação prévia poderia sugerir aos
candidatos a adoção de comportamentos induzidos e direcionados para a adequação de sua conduta
aos parâmetros adrede estabelecidos pela equipe de psicólogos.82 Assim sendo, a indicação dos critérios
de avaliação não abrangeria a divulgação detalhada do perfil profissiográfico e seria suficiente para
79 MAIA; qUEIROz, op. cit., p. 124.
80 MAIA; qUEIROz, op. cit., p. 125-126.
81 “PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOLÓGICO. VALIDADE. PROVA PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIz. CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇãO INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O art. 37, I, da CF/88, possibilita o ingresso aos cargos públicos dos brasileiros que preencherem os requisitos estabelecidos em lei. 2. A Lei n. 4.878/1965 dispôs, em relação ao cargo público de Agente da Polícia Federal, no inciso VII do art. 9°, ser requisito para a matrícula na Academia Nacional de Polícia ‘possuir temperamento adequado ao exercício da função policial, apurado em exame psicotécnico realizado pela Academia Nacional de Polícia’. 3. O E. STJ já firmou o entendimento no sentido de se admitir, como requisito para a investidura em determinados cargos públicos, a aprovação do candidato em exame psicológico/psicotéc-nico, desde que a avaliação se dê mediante critérios cientificamente objetivos, permitindo ao candidato a eventual interposição de recurso. [...] 6. A conveniência e a oportunidade do ato que não recomendou o autor ao cargo público não se sujeitam à ingerência do Poder Judiciário, a quem compete, tão somente, o controle da legalidade e da constatação da existência ou não de vícios de nulidade. 7. Precedentes do STF e do STJ.” (Apelação Cível n. 2003.61.05.004024-0, relator Desembargador Federal Márcio Moraes, 3a Turma do TRF da 3a Região, DJF3 de 03/03/2009, p. 272).
82 MAIA; qUEIROz, op. cit., p. 126-127.
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assegurar a publicidade requerida na espécie.83 Embora não se admita sigilo,84 os detalhes do perfil
profissiográfico remanescem pois, como elementos do julgamento administrativo.
O Supremo Tribunal Federal vem entendendo que é inadmissível avaliação de candidato,
em psicotécnico, sem um grau mínimo de objetividade, ou com fulcro em critérios não
revelados, até mesmo por impedir o acesso ao Judiciário em razão de eventual lesão
de direito individual pelo uso desses critérios.85 A ideia é de que o exame que emprega
critérios puramente subjetivos é nulo, sendo inapto para excluir candidatos do certame.86
Considerando-se que os critérios devem ser claros e dotados de cientificidade,87 não se pode
admitir mera realização de entrevista.
É posição assente nas Cortes Superiores que o psicotécnico, para ser legítimo, deve estar
previsto em lei. A Súmula 686 do STF expressamente consagrou que somente por lei se pode
sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público. É certa a incidência
dessa premissa também para empregos públicos, sendo reiterados os julgados que veiculam a
reserva legal nessa matéria.88
Se há previsão legal e os critérios são objetivos e não sigilosos, cumpre assegurar a presunção
de legitimidade do juízo técnico realizado pelos profissionais da comissão. Sem prova de
irregularidade administrativa, é inadmissível manter na disputa um candidato que foi reprovado
por não possuir condição psicológica indispensável ao exercício das funções públicas.89 Insta
reiterar que o ônus da prova, nesse caso, incumbe ao candidato, interessado em suprimir os
efeitos do laudo. Caso não logre êxito em demonstrar vícios nos exames psicológicos realizados,
é mister que prevaleçam as conclusões técnicas afirmadas no certame.90
83 A jurisprudência, com maior rigor, vem acentuando a necessidade da publicidade mínima, inclusive impugnando a cientificidade dos testes cujos resultados tornar-se-iam inócuos com a sua observância: “5. No Estado Constitucional Democrático de Direito não há mais espaço para critérios secretos, especialmente quando eles restringem a acessibilidade aos cargos públicos, direito este consagrado no art. 37, I, da Constituição da República. Os critérios utilizados em concursos públicos devem ser amplamente divulgados. Além disso, se a publicização dos critérios dos exames psicotécnicos permitir que os candidatos treinem as respos-tas mais adequadas, certamente o referido exame não poderia gozar da credibilidade que se lhe atribui, pois, nesse raciocí-nio, ele não seria capaz de aferir as verdadeiras aptidões e condições psicológicas do candidato avaliado.” (Apelação Cível n. 2005.71.00.040755-2, relator Desembargador Valdemar Capeletti, 4a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 19/10/2009).
84 RE n. 265.261-PR, relator Min. Sepúlveda Pertence, STF, julgamento em 13/02/2001, Informativo do STF, n. 217, Agravo Regi-mental no Agravo de Instrumento n. 1.043.110-GO, rel. Min. Nilson Naves, 6a Turma do STJ, DJe de 03/08/2009 e REsp n. 442.964-PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, STJ, julgamento em 17/09/2002, Informativo do STJ, n. 147.
85 Ag. Reg. no AI n. 57.944-DF, rel. Min. Cezar Peluso, 1a Turma do STF, DJU de 15/10/2004, p. 7.
86 REsp n. 442.964-PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 17/09/2002, Informativo do STJ, n. 147.
87 RMS n. 25.596-RO, rel. Min. Jorge Mussi, 5a Turma do STJ, DJe de 03/08/2009.
88 Agravo Regimental no Agravo Regimental no REsp n. 773.288-DF, rel. Min. Celso Limongi, 6a Turma do STJ, DJe de 01/02/2010 e RE n. 232.571-7-RS, rel. Min. Carlos Velloso, STF, DJU de 05/02/99 e Ag. Regimental no RE n. 334.311-RN, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma do STF.
89 Apelação Cível n. 2002.61.00.012208-5, rel. Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, 6ª Turma do TRF da 3a Região, DJF3 de 09/10/2009, p. 257.
90 2. A prova da invalidade do psicotécnico não pode ser presumida, nem invocada a partir de alegações e situações abstratas e genéricas, exigindo, ao contrário, exame específico quanto à forma e conteúdo da avaliação, através de avaliação de perito ou
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Além do psicotécnico, a investigação sobre a capacitação moral do candidato é realizada em
alguns concursos públicos. Com fulcro na moralidade administrativa, afere-se a idoneidade do
comportamento do candidato que exercerá funções nas quais é indispensável boa conduta e que,
portanto, impõem ao Estado o ônus de verificar se o interessado merece confiança da sociedade.
Não há dúvida que são descabidas investigações sigilosas, com informações cujo teor se recuse
ciência ao candidato quando da decisão administrativa final. Isso porque a própria Súmula 684
do STF prevê a inconstitucionalidade do veto não motivado à participação de candidato em
concurso público. As garantias constitucionais da motivação e da publicidade tornam obrigatório
que sejam indicadas razões suficientes para embasar eventual exclusão de candidato a que
faltem as condições morais mínimas para o cargo.
Se é verdade que não mais se toleram investigações sociais reservadas que sigilosa e arbitrariamente
concluam pela incapacidade moral de um candidato, é igualmente inadmissível atribuir ao princípio
da presunção de inocência na esfera penal vinculação obrigatória absoluta na seara administrativa.
Com efeito, é certo que sem provas robustas e coesas não pode haver condenação penal, cabendo ao
Poder Judiciário ultimar o juízo definitivo sobre a matéria. Isso não significa que a Administração está
impedida, antes de concluído o julgamento penal, de aferir em sede administrativa a compatibilidade,
ou não, do comportamento do candidato para fins de admitir sua vinculação a cargo ou emprego público.
Em primeiro plano, cumpre atentar para o princípio da independência das instâncias penal, civil,
administrativa e de improbidade administrativa.91 Outrossim, o fato de um candidato submeter-se à
investigação ou ação penal não pode servir para suspender o exercício de competência administrativa
durante o concurso público, pelo que não é lícito excluir o dever de a banca examinadora avaliar
o comportamento pregresso dos candidatos à luz da moralidade. A banca, nesse caso, não está
realizando prejulgamento algum, mas somente formando o convencimento administrativo que lhe
cabe, exarando decisão nos estritos limites da competência pertinente ao concurso público.
profissional habilitado nesta área do conhecimento científico, mesmo porque leigos não podem afirmar que o teste de Zulliger, a que se referem os autos, é eivado de subjetividade. [...] 4. Os autores, na verdade, sequer cuidaram de instruir adequadamente a ação para demonstrar o que alegaram. Não se sabe se houve omissão processual ou se, de fato, sequer foram elaborados os pareceres técnicos de psicólogos contratados, o que, de qualquer forma, conduz, invariavelmente, a uma conclusão única, a de que não pode ser invalidada a reprovação psicotécnica com meras alegações ou sem a comprovação técnica autorizada de subjetivismo na aplicação dos testes psicotécnicos. Essencial ressaltar que os próprios autores protestaram pelo julgamento antecipado da lide, considerando suficiente o estado da instrução que, como se encontra, conduz à inevitável improcedência do pedido formulado. 5. Se os recursos foram genéricos, ou ainda despidos de comprovação técnica, na impugnação à avaliação psicotécnica, não se pode esperar uma análise com especificidades, além dos limites e do conteúdo da insurgência, como de-cidiu a r. sentença, ao confrontar os julgamentos administrativos. A impugnação, tanto administrativa como judicial, ao exame psicotécnico não foi respaldada, porém, em elementos científicos, capazes de revelar a inadequação, insuficiência ou erro na elaboração ou aplicação dos exames, embora fosse exclusivamente dos autores o ônus da prova do fato constitutivo do direito alegado (art. 333, I, CPC). (Embargos Infringentes n. 2001.03.99.017634-6, rel. Desembargador Federal Carlos Muta, 2a Seção do TRF da 3a Região, DJF3 de 17/12/2009, p. 78).
Confira-se, ainda: Apelação Cível n. 2005.61.00.018260-5, rel. Juiz convocado Valdeci dos Santos, 3a Turma do TRF da 3a Região, DJF3 de 04/08/2009, p. 112.
91 “CANDIDATO POR MÁ CONDUTA. CARREIRA POLICIAL. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É constitu-cional e legal a eliminação de candidato a concurso público para ingresso na carreira policial pela caracterização de má conduta na investigação sumária da vida pregressa, sendo irrelevante posterior absolvição no juízo criminal, tendo em vista o princípio da incomunicabilidade das instâncias.” (Agravo Regimental no RMS n. 23.819-RO, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5a Turma do STJ, DJe de 15/06/2009).
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Ao realizar tal tarefa, deve agir de modo a assegurar ampla defesa e contraditório aos candidatos,
cumprindo o mínimo da atuação dialética e motivada que se espera de atos administrativos
praticados no bojo de procedimento seletivo de pessoal. Cautelas dessa natureza são
indispensáveis não apenas para o estrito cumprimento de normas constitucionais, mas também
por se tratar de uma matéria complexa, com zonas conceituais de difícil delineamento,
ensejadoras de certa margem de discricionariedade,92 sendo essencial evitar o arbítrio por
parte da autoridade avaliadora. Adilson Abreu Dallari adverte:
Maus antecedentes não se confundem com antecedentes criminais, nem, muito menos, com condenação criminal ou punição administrativa. Reputação ilibada é algo bastante complexo, insuscetível de aferição apenas por meio da exibição de certidões negativas. Uma vida pregressa irregular, tumultuada, inclusive quanto aos aspectos econômico e familiar, o envolvimento em uma pluralidade de ocorrências policiais, a participação como réu em uma pluralidade de ações de improbidade, revelam, no mínimo, uma dificuldade de relacionamento e uma significativa diferença em relação ao que se costuma designar como pessoa de bons antecedentes.93
Denota-se, na jurisprudência, confusão entre a presença de bons antecedentes e a presunção
de inocência vigente no âmbito do direito penal. Independente de juízos realizados pela banca
examinadora, mediante ampla defesa e motivação, afirma-se que a presunção de inocência
vigente durante o inquérito e ação penal tem o efeito de assegurar bons antecedentes ao
candidato que deve ser mantido no concurso.
Embora seja certo que a existência de inquérito ou ação penal, isoladamente, é elemento
insuficiente para excluir qualquer candidato de um concurso público94, é igualmente correto
que, diante de elementos aptos a comprometer a idoneidade moral de alguém interessado
no exercício de funções públicas, é dever da Administração promover a análise devida, com
observância das normas constitucionais incidentes na espécie. Nem mesmo a suspensão ou
extinção da ação em virtude de lapso prescricional são capazes de afastar o dever de o Poder
Público avaliar a presença das condições morais mínimas do candidato. O Superior Tribunal de
Justiça já assentou que “É constitucional e legal a eliminação de candidato a concurso público 92 “O conceito de idoneidade moral e social é subjetivo, constituindo-se em ato discricionário da administração pública, sendo
vedado ao Judiciário interferir no julgamento, cabendo-lhe apenas verificar a legalidade do ato impugnado.— A apreciação do conceito de idoneidade, tratando-se de seleção para cargos na Polícia Militar, pode e deve ser mais rígida.” (Apelação Cível n. 1.0382.08.084767-8/001, rel. Desembargador Wander Marotta, 7a Câmara Cível do TJMG, DJMG de 06/02/2009).
93 DALLARI, op. cit., p. 116.94 “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSãO DE CANDIDATO, EM
VIRTUDE DE AÇãO PENAL CONTRA ELE INSTAURADA. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇãO DE INOCÊNCIA. ART. 5°, INC. LVII, DA CF/88. 1. O Supremo Tribunal Federal formou compreensão segundo a qual: Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5.°, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. (AgRg no RE 559.135/DF, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 12/6/2008) 2. Seguindo a mesma linha de raciocínio, em acórdão relatado pela eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura nos autos do Recurso em Mandado de Segurança n. 11.396/PR (DJe 3/12/2007), asseverou este Superior Tribunal de Justiça que: Por força do disposto no art. 5°, inc. LVII, da CR/1988, que não limita a aplicação do princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade ao âmbito exclusivamente penal, também na esfera administrativa deve ser referido princípio observado. 3. Desse modo, incorre em manifesta inconstitucionalidade o ato que, por motivos de inidoneidade moral lastreados na existência de ação penal, afastou o impetrante do concurso de que participava, impedindo-o de prosseguir nas etapas restantes.” (RMS n. 13.546-MA, rel. Min. OG Fernandes, 6a Turma do STJ, DJe de 30/11/2009).
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para ingresso na carreira policial pela caracterização de má conduta na investigação sumária
da vida pregressa, sendo irrelevante posterior absolvição no juízo criminal, tendo em vista o
princípio da incomunicabilidade das instâncias.”95
Especificamente no tocante à transação penal, os Tribunais sustentam a impossibilidade de
ter efeitos civis e implicar reincidência ou caracterização de maus antecedentes, sendo certo
que o registro apenas se dá para impedir deferimento do mesmo benefício, sendo inepto
para o escopo de embasar exclusão de candidato a cargo público do procedimento seletivo.96
Reitera-se, contudo, que ter o indivíduo aceito transação penal não pode significar supressão
da competência investigatória da banca examinadora do concurso. O próprio STJ já definiu
que “Em decorrência da independência entre as instâncias, no entanto, é possível a apuração
administrativa do fato objeto da transação penal e, por consequência, a aplicação da sanções
correspondentes”.97 Denota-se que, paulatinamente, os órgãos administrativos e de controle
judicial convencem-se da importância da aferição pertinente à correção moral dos candidatos,
mormente em setores fundamentais do Estado.98
A aptidão física somente pode ser imposta como condição de exercício de cargo ou emprego
público apenas quando as atribuições em tese exigirem esforço físico. Daí a ideia predominante
que o teste que a afere deve ter caráter exclusivamente eliminatório, devendo-se observar, ainda,
a exigência de reserva legal.99 Afigura-se comum exigir um mínimo de força física em cargos das
carreiras policiais, cujo exercício implica condicionamento superior ao de um indivíduo comum
que atua em outras atividades.100 Os resultados dos testes presumem-se legítimos, conforme 95 Agravo Regimental no RMS n. 23.819-RO, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma do STJ, DJe de 15/06/2009.
96 “PROCESSUAL CIVIL. AÇãO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. NOMEAÇãO E POSSE. INVESTIGAÇãO SOCIAL. PRÉVIA TRANSAÇãO PENAL. 1. Conforme se depreende do Edital, o recorrente foi aprovado, no Curso de Formação Pro-fissional, o que indica que obteve êxito também na etapa anterior, exigida para inscrição no Curso. 2. A motivação administrativa para a exclusão foi o enquadramento da conduta do recorrente na hipótese de uso de drogas de qualquer espécie. Ora, ainda que se admitisse ser válida a consideração da transação penal, para o fim aqui tratado, há que se considerar que não ficou lá cons-tatado ou sequer afirmado o uso de entorpecentes, mas tão somente a posse de pequena quantidade de cocaína, que, segundo relato feito à autoridade policial, quando da lavratura do termo circunstanciado, destinava-se a uma amiga. Sendo assim, mesmo que se tivessem por sacramentados os fatos descritos no termo, a conduta não se enquadraria na previsão normativa, e, à luz da teoria dos motivos determinantes dos atos administrativos, a eliminação do candidato não poderia subsistir. 3. A transação penal não pode gerar reincidência, maus antecedentes ou efeitos civis, somente devendo ficar registrada com vistas a evitar que o benefício seja conferido novamente em menos de cinco anos. 4. Levando em consideração os princípios da presunção da inocência/não culpa e do devido processo legal, tenho que não é válida a exclusão de candidato a cargo público única e exclusi-vamente com fundamento em medida congênere.” (Agravo de Instrumento n. 2009.04.00.028341-4, rel. Desembargadora Marga Inge Barth Tessler, 4ª Turma do TRF da 4ª Região, DE de 05/10/2009).
97 RMS n. 28.851-AC, rel. Ministro Felix Fischer, 5a Turma do STJ, DJe de 25/05/2009.98 “AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSãO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLICIA CIVIL. INVESTIGAÇãO SOCIAL. — A
investigação social em relação a candidatos ao cargo de Agente de Policial Civil não é menos importante que as provas escrita e prática. Sob esse enfoque, a nomeação de candidatos sub judice reprovados naquela fase do concurso pode, sim, acarretar danos à ordem e à economia públicas se confirmada a legalidade das reprovações.” (Agravo Regimental na Suspensão de Segurança n. 1.877-BA, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Corte Especial do STJ, DJe de 05/02/2009).
99 MAIA; qUEIROz, op. cit., p. 117.100 “DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INVALIDAÇãO DAS REGRAS DO TESTE DE APTIDãO FÍSICA. 1. A Instrução n.°
03/2004 não fere o princípio da isonomia e da razoabilidade. Na verdade, esta norma veio ajustar a proporcionalidade da desi-gualdade física entre homens e mulheres, dando efetividade ao princípio constitucional da isonomia, assegurando tratamento desigual aos desiguais, na exata medida de suas desigualdades. 2. O juízo entende que a realização de uma barra fixa é o mínimo que se pode exigir de uma candidata que almeja ocupar o cargo de Agente da Polícia Federal. A função de policial está sujeita a diversos dissabores e imprevistos, exigindo do policial condicionamento físico superior ao do humano comum para os exercícios de suas atividades. 3. Cada concurso possui suas regras próprias, estabelecidas por intermédio de edital, cujas exigências são
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atributo inerente aos atos administrativos, sendo necessária prova em sentido contrário capaz
de lhe afastar os efeitos.101
Algumas controvérsias surgem quando se trata da viabilidade, ou não, de se fazer segunda chamada para exame de capacidade física, na hipótese de contusão ou alterações fisiológicas impedir o candidato de se submeter ao exame na data designada pela Administração. Há quem defenda a legitimidade de se fixar uma nova oportunidade para o candidato realizar o teste e, em sentido contrário, posicionamentos que sustentam a exclusão do candidato como a consequência da não realização do exame na data aprazada.
Parte da doutrina invoca a inaplicabilidade do critério simultaneidade às provas de capacidade física como fundamento capaz de sustentar a designação de uma nova data para o teste. A ideia é a de que a própria natureza das provas (corrida, impulsão horizontal, barra fixa e natação) demonstra que a sua realização não precisa ser simultânea entre todos os candidatos. Logo, cabe à Administração distribuir os candidatos em diversas baterias e aplicar os testes conforme um cronograma previamente estipulado pela comissão de concurso. Nesse contexto, seria imperioso que a Administração estipulasse “uma nova data ou um novo horário para a realização dos testes dos candidatos que, justificadamente, ficaram temporariamente impossibilitados de se submeter às provas de capacidade física na ocasião prefixada na regra editalícia, observado, em cada caso, o postulado magno da razoabilidade.”102 Enumeram-se decisões do Supremo Tribunal Federal em que se afirmou a necessidade de se beneficiar candidato com adiamento de prova física no caso de força maior.103 A doutrina refere-se a outros julgados em que o candidato foi acometido de doença poucos dias antes da prova e, portanto, teve assegurado o direito de fazer o teste físico em data posterior, de modo a concorrer em condições de igualdade sob o aspecto da higidez física (não seria razoável que um candidato doente concorresse com aquele saudável): “No caso em apreço, mais do que decidir o caso concreto, o STF afirmou: ‘o candidato que, por motivo estranho a sua vontade, não estiver em condições normais de saúde na data aprazada para o teste físico, tem direito ao seu adiamento’.” 104
São também indicadas decisões da Corte Suprema em que foi adiado teste físico de candidata grávida, cujo parto ocorrera dias antes do teste, ao argumento de que fixar data posterior, nesse caso, “não afronta o princípio da isonomia nem consubstancia qualquer espécie de privilégio. A própria situação peculiar na qual a agravada se encontrava requeria, por si só, tratamento diferenciado”.105 Especialmente no tocante à gravidez, o entendimento tem sido no sentido de que seria injustiça não deferir segunda chamada às candidatas. A doutrina pontua que:
estabelecidas de acordo com as peculiaridades do cargo público a ser provido.” (Apelação Cível n. 2004.70.03.007465-0, rel. Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, 4a Turma do TRF da 4ª Região, D.E. de 17/08/2009)
101 Apelação Cível n. 2005.71.02.001457-2, rel. Desembargador Federal Valdemar Capelleti, 4ª Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 14/09/2009.
102 MAIA; qUEIROz, op. cit., p. 118-119.
103 “CONCURSO PÚBLICO — PROVA DE ESFORÇO FÍSICO — FORÇA MAIOR — REFAZIMENTO — PRINCÍPIO ISONÔMICO. Longe fica de implicar ofensa ao princípio isonômico decisão em que se reconhece, na via do mandado de segurança, o direito de o candidato refazer a prova de esforço, em face de motivo de força maior que lhe alcançou a higidez física no dia designado, dela participando sem as condições normais de saúde.” (RE n. 179.500-RS, relator Min. Marco Aurélio, 2a Turma do STF, DJU de 15/10/1999, p. 22).
104 SOUSA, op. cit., p. 101-102.
105 Agravo no RE n.376.607-DF, rel. Min. Eros Grau, 2a Turma do STF, DJU de 05/05/06, p. 35.
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Em linha de princípio, as alterações fisiológicas e psicológicas decorrentes da gravidez são circunstanciais e não autorizam a exclusão sumária das candidatas grávidas, do certame, por ocasião das provas de capacidade física. Entendimento contrário conduziria a uma flagrante injustiça, na medida em que a condição de grávida funcionaria como uma espécie de punição, comprometendo a efetividade do princípio da paridade que deve existir entre homens e mulheres no tocante a direitos e obrigações.106
Insta observar, contudo, decisões do Superior Tribunal de Justiça que afastam a possibilidade de novos testes, sob pena de comprometimento da isonomia, até mesmo considerando normas editalícias que vedam tratamento diferenciado em razão de alterações fisiológicas e psicológicas, tais como gravidez ou lesões musculares.107 Entende-se que obstáculos que impossibilitam o comparecimento do candidato deve levar à sua eliminação sumária, sendo inviável pretender-se uma segunda chamada na espécie.108
Especialmente no caso de adiamento pretendido na hipótese de contusões, vem se afirmando que a lesão no momento do teste ou quando lhe antecede é evidência de que o candidato não suporta, fisicamente, as exigências da prova. Exclui-se, assim, a ideia de caso fortuito, sendo necessário desclassificar os candidatos que não estavam devidamente condicionados e, assim, não apresentam as condições mínimas para o exercício do cargo. Desarrazoado o tratamento diferenciado entre os candidatos, sendo mister afastar o agendamento de nova data para a realização do exame físico.109 O mesmo se afirma na hipótese de impedimentos decorrentes de acidentes que vitimem candidatos ou procedimentos cirúrgicos cuja necessidade surgiu às vésperas da prova física.110
Não há dúvida que se está diante da necessidade de equilibrar a prerrogativa da Administração e direitos dos candidatos. Deve-se reconhecer que é inadmissível pretender adequar um certame público com as implicações complexas e múltiplas inerentes ao concurso a todas as pretensões individuais, mormente quando desarrazoadas em face do interesse coletivo presente na espécie. Assim, de fato não há que se fixar novo teste para candidato que, por falta de condicionamento, apresentou lesão que o impediu de submeter-se ao exame na data aprazada. Também não se vislumbra razoável comprometer a prática dos atos subsequentes do concurso, com comprometimento das necessidades públicas e pretensões de todos os demais candidatos, com o fim exclusivo de aguardar a recuperação do candidato acometido por doença. A própria supremacia do interesse público de levar a termo, com eficiência, proporcionalidade
106 MAIA; qUEIROz, op. cit., p. 100 e 122.
107. “1. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência uniforme no sentido de que, havendo previsão editalícia que veda a realização de novo teste de aptidão física, não se pode dispensar tratamento diferenciado a candidato em razão de alterações fisiológicas temporárias, em homenagem ao princípio da igualdade que rege os concursos públicos. Precedentes.
2. O simples fato de o excelso Pretório não ter adotado o mesmo posicionamento deste Superior Tribunal de Justiça não impede esta Corte de dar a interpretação que entender mais correta a uma norma infraconstitucional.” (Agravo Regimental no REsp n. 752.877-DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6a Turma do STJ, DJe de 01/02/2010).
108 Agravo Regimental no RMS n. 28.340-MS, rel. Min. Jorge Mussi, 5a Turma do STJ, DJe de 19/10/2009.
109 RE n. 351.142-RN, rel. Min. Ellen Gracie, 3a Turma do STF, DJU de 01/07/2005, p. 88 e Apelação/Reexame Necessário n. 2005.60.00.000685-0, rel. Desembargadora Federal Cecilia Marcondes, 3a Turma do TRF da 3a Região, DJF3 de 08/09/2009.
110 Apelação Cível n. 1.0024.08.306843-7/001, rel. Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade, 1a Câmara Cível do TJMG, DJMG de 01/06/2010.
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e tempestividade, a avaliação estatal justifica a exclusão do candidato. O fundamental é que se assegure, em cada situação concreta, a prevalência do interesse social de ver selecionado o melhor quadro de servidores para a Administração, sem sacrifício injustificado dos direitos individuais dos interessados, inclusive com consagração constitucional. Observe-se, em cada realidade, que o princípio da juridicidade impõe a submissão da Administração ao edital do concurso qualificando-o como lei interna, pelo que a previsão genérica de impossibilidade de realização de prova de segunda chamada, deve ser observada, até mesmo como garantia da isonomia.111 O seu afastamento só se justifica diante de situação em que haja clara recusa pública ao cumprimento de direito protegido constitucionalmente.
Ainda em relação à situação física dos candidatos, a Administração exige como condição para investidura em cargo ou emprego público, que os interessados apresentem condições mínimas de saúde, de modo que possam exercer as atribuições estatais. O objetivo é evitar que pessoas claramente incapazes para o exercício da função pública típica sejam para isso designadas. A esse propósito, cumpre atentar para a impossibilidade de a Administração, ao fixar as condições mínimas de saúde necessárias ao exercício do cargo ou emprego público, excluir da disputa todo e qualquer deficiente físico ou candidato doente. À obviedade, inúmeras doenças e limitações físicas em nada impedem o exercício de funções estatais, promovidas as competentes adaptações. Daí a doutrina afirmar que não é qualquer doença que permitirá a desclassificação de candidato aprovado em concurso, mas sim aquela que o impeça de trabalhar e que seja, concomitantemente, incurável:
Com efeito, não é lícito desclassificar o candidato aprovado em todas as etapas do certame por motivo de qualquer doença. A desclassificação será cabível se não houver comprovadamente, perspectiva de cura, ou se o interesse público o exigir.112
É preciso que haja evidência da incompatibilidade da doença ou limitação do candidato com a atividade pública em questão, sendo inadmissível exclusão com base em laudo pericial vago, com considerações abstratas que demonstram a não motivação técnica suficiente.113
Ademais, é indispensável que os critérios utilizados para excluir candidatos do certame equivalham àqueles utilizados para determinar a aposentadoria por invalidez dos servidores públicos. Não se pode admitir que uma doença ou limitação impeça acesso a cargo ou emprego público e, simultaneamente, viabilize a readaptação de um servidor já integrado ao quadro de pessoal do Estado, não sendo caso de aposentadoria por invalidez. Em outras palavras, a limitação ou doença do candidato do concurso apenas pode excluí-lo da disputa se a mesma característica implicar inaptidão de quem já é servidor público. Se a limitação do candidato é
111 Apelação Cível n. 1.0024.08.171346-3/002, rel. Desembargadora Maria Elza, 5ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 03/03/2010.
112 SOUSA, Éder. Concurso público: doutrina & jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 70-71.113 “DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME MÉDICO. EXCLUSãO
DE CANDIDATO DE FORMA DESMOTIVADA. NãO CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. É incabível a eliminação de candidato conside-rado inapto em exame médico em concurso público por motivos de ordens abstrata e genérica, situadas no campo da probabilida-de. Impõe-se que o laudo pericial discorra especificamente sobre a incompatibilidade da patologia constatada com as atribuições do cargo público pretendido.” (RMS n. 26.101-RO, rel. Ministro Arnaldo Esteves, 5a Turma do STJ, DJe de 13/10/2009).
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irrelevante para o trabalho público em questão, é inviável desclassificá-lo.114
Vem crescendo o entendimento de que o serviço público deve estar tecnologicamente preparado para
o desempenho de atividades por agentes deficientes que têm necessidades especiais, até mesmo como meio de assegurar a efetiva isonomia e acessibilidade aos cargos públicos.115 Afinal, se a limitação do servidor não implicasse restrição alguma em sua condição física, sequer se qualificaria como deficiência. Se se trata de deficiência, trata-se de algum tipo de restrição em face de um paradigma indicado como comum e em relação ao qual são avaliadas situações diversas. O que é imperioso é verificar se a limitação é compatível com o cargo ou emprego público. Se o for, é imperioso manter o interessado na competição prevista no inciso II do art. 37 da CR. Caso contrário, cabe o seu afastamento do certame.116
Somente diante de cada situação específica, considerando-se o conteúdo das atribuições da função pública em questão, será possível aferir se uma determinada exigência pertinente à boa saúde do candidato é constitucional, porquanto relativa à condição física indispensável ao exercício do cargo ou emprego público, ou inconstitucional, visto que ignora possibilidade de se promover readaptações, excluindo indevidamente indivíduos aptos ao exercício dos deveres estatais. A formação do juízo a propósito da compatibilidade da deficiência com as obrigações públicas dependerá de um juízo técnico muitas vezes oriundo de profissionais de mais de uma seara da ciência. Impõe-se uma análise cautelosa, com fulcro no bom senso, numa perspectiva includente indispensável ao Estado Democrático de Direito e na supremacia do interesse coletivo que requer o exercício adequado das competências administrativas por um quadro de pessoal múltiplo, amplo e integrado por diversas categorias de uma mesma sociedade.
É o administrativista Fabrício Motta quem frisa o direito de o deficiente se inscrever nos concursos públicos em igualdades de condições com os demais candidatos, devendo-se obedecer a isonomia no tocante ao conteúdo das provas, à avaliação e aos critérios de aprovação, à
114 “ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARTEIRO. EXCLUSãO DE CANDIDATO. LIMITAÇÕES FÍSICAS. PERÍCIA TÉCNICA. POSSI-BILIDADE DE REALIzAÇãO DO TRABALHO. APROVAÇãO DO CANDIDATO. IMEDIATA CONTRATAÇãO. SÚMULA 15 DO STJ. 1. Restando constatado, em perícia judicial médica, que o tipo de limitações físicas do autor não o impede de praticar as atividades relacio-nadas ao trabalho de carteiro, não encontra guarida a eliminação do candidato aprovado em concurso público para provimento de cargos de Carteiro I” (Apelação Cível n.2008.70.01.001339-9, rel. Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, 4ª Turma do TRF da 4ª Região, DE de 18/01/2010).
“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. TATUAGEM. CICATRIz REFRATIVA. EXAME MÉDICO. REPRO-VAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO. A existência de tatuagem não configura, por si só, motivo suficiente para eliminação de candidato, em sede de concurso para ingresso em uma das carreiras da Polícia Militar, por flagrante ofensa ao princípio da razoabilidade. Demonstrando o candidato possuir perfeita acuidade visual, a mera cicatriz refrativa, decorrente de cirurgia corretiva, não pode ser empecilho para que prossiga no concurso para a polícia militar. V.V.” (Apelação Cível n. 1.0702.06.305932-4/002, rel. Desembargador Maurício Barros, 6ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 06/11/2009).
115 RMS n. 18.401-PR, rel. Min. Paulo Medina, 6ª Turma do STJ, DJU de 02/05/2006, p. 390.
116 “CONCURSO. JUIz DO TRABALHO. DEFICIENTE FÍSICO. INDEFERIMENTO. INSCRIÇãO. O Ministério Público ofereceu denúncia contra juíza do TRT/2ª Região que, à época, era também presidente da comissão para realização de concurso para ingresso na magistratura do trabalho e contra a secretária da referida comissão, codenunciada. O candidato, portador de sequelas de pa-ralisia cerebral, decorrente de traumatismo de parto, teve sua inscrição definitiva indeferida pela presidente do certame, por entender serem incompatíveis com o exercício do cargo de juiz do trabalho as necessidades especiais do candidato. O motivo do indeferimento da inscrição, que impede a realização da prova do concurso, foi devidamente motivado no que se refere à real incompatibilidade entre as deficiências e as funções do cargo público. Restou caracterizada a justa causa para o óbice ao cargo, o que afasta a tipicidade da conduta da denunciada. Reputado atípico o indeferimento da inscrição do candidato pela denunciada detentora da prerrogativa de foro, não se pode admitir como delituosa a simples emissão de declaração retratando o óbice à realização das provas do certame. A Corte Especial rejeitou a denúncia.” (Apn 324-SP, rel. Min. Gilson Dipp, Corte Especial do STJ, j. em 04/05/2005, Informativo do STJ, n. 245).
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nota mínima exigida para todos os demais candidatos e ao horário e ao local de aplicação das provas. Para que tal igualdade material se realize, cabe, em determinadas situações, que se estabeleçam condições diferenciadas para a realização das provas. Não se trata de admitir exigências descabidas de razoabilidade, mas de ensejar, por exemplo, o uso do método braille para deficientes visuais. Tais medidas que demandam tratamento diferenciado nos dias do concurso implicam requerimento do interessado já no ato de inscrição:
Também poderá ser requerido tempo adicional para realização das provas, se houver necessidade, devendo o pedido estar acompanhado de justificativa e parecer emitido por especialista da área de sua deficiência.117
O deferimento de tais providências depende de prova induvidosa da sua necessidade como meio de assegurar a igualdade real entre os candidatos, sendo comum controvérsias sobre os contornos que assumem situações específicas em determinados certames. Tais divergências existem desde a caracterização de uma limitação como deficiência até as medidas que se justificam na espécie.
Quanto à caracterização da deficiência, a jurisprudência já divergiu acentuadamente a propósito de limitações como a visão monocular e ainda não se pacificou no tocante à deficiência auditiva unilateral. O Ministro Carlos Britto, ao analisar a matéria pertinente à visão monocular, assentou que o campo de acuidade visual do indivíduo, na melhor das hipótese, reduz-se à metade do que o de uma pessoa que enxerga com os dois olhos, o que justifica a ação afirmativa cujo objetivo é compensar fatores de uma desigualdade factual, procedimento típico em uma sociedade fraterna idealizada na Constituição.118 O STJ pacificou na Súmula 377 que o portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes, donde se infere claro o enquadramento dessa limitação visual como deficiência para fins de disputa seletiva. Referido entendimento vem sendo proclamado mesmo quando não há específica regra legal enumerando a visão monocular como deficiência para determinados certames.119
Em relação à deficiência auditiva, entende-se que significativa redução de capacidade para o desempenho da atividade, tomando-se por referência o padrão normal para o ser humano, caracteriza deficiência.120 Devem ser respeitados os limites técnicos fixados em lei e nos atos normativos da Administração, reguladores dos percentuais de surdez aptos a enquadrar um indivíduo como deficiente, ou não. Embora legítimo que a legislação passe a considerar comprometimento auditivo bilateral como elemento essencial à caracterização da deficiência, é certo que, se o edital admitia inicialmente como deficiente o portador de comprometimento auditivo unilateral,
117 MOTTA, Fabrício. A reserva de vagas nos concursos públicos para os portadores de deficiência — análise do art. 37, inc. VIII, da Constituição Federal. In: ________ (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 205-206.
118 RMS n. 26.071-DF, rel. Min. Carlos Britto, STF, julgamento em 27/02/2007, Informativo do STF, n. 457.
119 MS n. 2008.03.00.032124-0, rel. Anna Maria Pimentel, Órgão Especial do TRF da 3ª Região, DJF3 de 09/06/2009, p. 89.
Confira-se, ainda: RMS n. 22.613-RS, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma do STJ, DJe de 03/11/2009 e RMS n. 19.257-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma do STJ, julgamento em 10/10/2006, Informativo do STJ, n. 300.
120 Apelação Cível n. 2007.71.18.001623-3, rel. Sérgio Renato Tejada Garcia, 4a Turma do TRF da 4a Região, D.E. de 18/12/2009.
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é indispensável a republicação do ato normativo da Administração com o objetivo de adaptar à mutação legal, sob pena de ofensa à publicidade e à vinculação ao instrumento convocatório.121
6 Considerações finais
Denota-se das ponderações aviadas que o concurso público é um instituto essencial à
concretização da moralidade, impessoalidade e eficiência no acesso aos cargos e empregos
públicos. Falta ao Poder Legislativo dos entes federativos exercer, de modo exaustivo, o poder
de normatizar originariamente os aspectos procedimentais e requisitos cujas observâncias são
fundamentais para a seleção do pessoal adequado à Administração.
É preciso, ainda, adesão dos órgãos e entidades administrativas ao instituto, sem o equívoco de encará-lo como um procedimental inimigo a ser superado e não realizado. O caminho é abandonar os diversos expedientes ainda hoje adotados como instrumentos de burla à exigência consagrada no art. 37, II, da Constituição da República. Para tanto, é mister superar dificuldades basilares na compreensão do instituto que ainda enseja controvérsias no tocante a aspectos fundamentais como, por exemplo, a etapa em que serão exigidos os requisitos do cargo. Definir se o momento adequado é o da inscrição ou o da investidura requer aprofundamento nos objetivos do certame, que exigem preservação da competitividade e exclusão de comportamentos cujo único resultado seja comprometer a efetiva e segura escolha pública.
Incumbe aos administradores e aos controladores da legalidade administrativa, aferir a proporcionalidade de cada um dos requisitos indicados no edital como critérios discriminatórios aptos a manter ou afastar interessados no exercício futuro do cargo ou emprego público. Para tanto, é mister que atentem para conteúdos técnicos de outras ciências, bem como para as discussões contemporaneamente travadas na doutrina e jurisprudência administrativa, a fim de coadunar tais aspectos com as normas do ordenamento de regência e, assim, ensejar uma escolha pública justa, eficiente e que se enquadre na perspectiva de um Estado Democrático de Direito.
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121 REsp n. 1.124.595-RS, rel. Min. Eliana Calmon, 2a Turma do STJ, DJe de 20/11/2009.
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