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A GERAÇÃO DE 45: UMA “QUIMERA DE ORIGEM” LÊDO IVO, JOÃO CABRAL DE MELO NETO E O DISCURSO GERACIONAL Wladimir Saldanha dos Santos Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lígia Guimarães Telles RESUMO O objetivo do artigo é reler a crítica que primeiro recepcionou a Geração de 45. Fundada em raciocínios analógicos, essa crítica lançou bases ainda persistentes, migrando dos jornais para obras analíticas, e sempre nivelando autores e obras em função de aproximações com poéticas anteriores. Assim constitui-se o que podemos chamar de discurso geracional, que acaba por obscurecer a compreensão das diferenças relegadas a um segundo plano. Propõe-se então uma metacrítica que reverta essa lógica, valorizando as diferenças entre poéticas o que se faz com foco particular no percurso de dois autores representativos: Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto. Palavras-chave: Geração de 45. Diferenças. Metacrítica. Lêdo Ivo. João Cabral. RESUMÉ L'objectif de l' article est de relire la critique qui a receptionné en premier la Génération de 45. Fondée sur des raisonnements analogiques, cette critique a lancé des bases encore persistentes, qui ont migrés des journaux pour des oeuvres analytiques, et toujours en train de niveler les auteurs et les oeuvres en fonction de comparaisons avec des poétiques antérieurs. De cette manière se donne ce qui on peut appeler comme discours générationnel, lequel finit par obscurcir la compréhension des différences, reléguées à un second plan. On propose alors une méta-critique qui va renverser cette logique en valorisant les différences entre les poétiques. Ce qui a été fait ici comme objectif paticulier dans le parcours des deux auteurs représentatifs: Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto. Mots-clés: Génération de 45. Différences. Méta-critique. Lêdo Ivo. João Cabral. 1 INTRODUÇÃO Quando Michel Foucault, em As unidades do discurso, enumera algumas das “sínteses acabadas” a cujo questionamento convida seus leitores, menciona, entre outras, as noções de “mentalidade” e de “espírito”, as quais “permitem estabelecer entre fenômenos simultâneos ou sucessivos de uma determinada época uma comunidade de Doutorado em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da UFBA, sob orientação da Profª Drª Lígia Guimarães Telles. E-mail: [email protected]

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A GERAÇÃO DE 45: UMA “QUIMERA DE ORIGEM”

LÊDO IVO, JOÃO CABRAL DE MELO NETO E O DISCURSO GERACIONAL

Wladimir Saldanha dos Santos

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lígia Guimarães Telles

RESUMO

O objetivo do artigo é reler a crítica que primeiro recepcionou a Geração de 45.

Fundada em raciocínios analógicos, essa crítica lançou bases ainda persistentes,

migrando dos jornais para obras analíticas, e sempre nivelando autores e obras em

função de aproximações com poéticas anteriores. Assim constitui-se o que podemos

chamar de discurso geracional, que acaba por obscurecer a compreensão das diferenças

relegadas a um segundo plano. Propõe-se então uma metacrítica que reverta essa lógica,

valorizando as diferenças entre poéticas − o que se faz com foco particular no percurso

de dois autores representativos: Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto.

Palavras-chave: Geração de 45. Diferenças. Metacrítica. Lêdo Ivo. João Cabral.

RESUMÉ

L'objectif de l' article est de relire la critique qui a receptionné en premier la Génération

de 45. Fondée sur des raisonnements analogiques, cette critique a lancé des bases encore

persistentes, qui ont migrés des journaux pour des oeuvres analytiques, et toujours en

train de niveler les auteurs et les oeuvres en fonction de comparaisons avec des

poétiques antérieurs. De cette manière se donne ce qui on peut appeler comme discours

générationnel, lequel finit par obscurcir la compréhension des différences, reléguées à

un second plan. On propose alors une méta-critique qui va renverser cette logique en

valorisant les différences entre les poétiques. Ce qui a été fait ici comme objectif

paticulier dans le parcours des deux auteurs représentatifs: Lêdo Ivo e João Cabral de

Melo Neto.

Mots-clés: Génération de 45. Différences. Méta-critique. Lêdo Ivo. João Cabral.

1 INTRODUÇÃO

Quando Michel Foucault, em As unidades do discurso, enumera algumas das

“sínteses acabadas” a cujo questionamento convida seus leitores, menciona, entre

outras, as noções de “mentalidade” e de “espírito”, as quais “permitem estabelecer entre

fenômenos simultâneos ou sucessivos de uma determinada época uma comunidade de

Doutorado em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da UFBA, sob

orientação da Profª Drª Lígia Guimarães Telles. E-mail: [email protected]

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sentido” (FOUCAULT, 2005, p. 24). A estas duas noções trazidas por Foucault

poderíamos acrescentar uma terceira, que lhes é correlata: a de “gerações literárias”.

Mas que vem a ser, afinal, uma “geração literária”? A pergunta interessa tanto

à(s) história(s) da(s) literatura quanto à Literatura Comparada, porque todo discurso

geracional subentende, ao mesmo tempo, uma periodização e algumas tantas

aproximações. Massaud Moisés sinaliza que, “depois de mais ou menos esquecido

durante várias centúrias, o problema das gerações voltou a circular no século XIX, e

dum modo que evidenciava um interesse consciente pelo assunto” (MOISÉS, 1974, p.

251). Ora, não é preciso demonstrar que o retorno do problema geracional, sobretudo

como método historiográfico, sintoniza-se com o positivismo dominante no Século

XIX, o que nos deixa entrever o liame entre os discursos sobre “gerações literárias” e as

tentativas de ordenação cientificistas − classificações, taxonomias etc. − então em voga.

Pensados a partir de raciocínios analógicos, os discursos geracionais podem

servir a neutralizações, encobrindo possíveis diferenças entre obras diversas: estas

coexistem no tempo em conjuntos heterogêneos, os quais nem sempre se deixam

facilmente rotular. Sem negar, entretanto, a possível utilidade de tais analogias, não se

pode deixar de problematizá-las, sobretudo a partir da modernidade, quando a

linguagem, como ainda nos lembra Foucault (2002, p. 67), “rompe o velho parentesco

com as coisas”.

Sobre os poetas brasileiros que estrearam em torno do ano de 1945, urdiu-se,

lenta e fragmentariamente, um discurso geracional. Deste nos ocupamos nas reflexões

que se seguem, com ênfase especial nos “nomes de autor” Lêdo Ivo e João Cabral de

Melo Neto − tomados como princípios organizadores já pela própria crítica literária, em

polarização de tendências.

2 A “GERAÇÃO DE 45”

De início, algumas dificuldades se apresentam. A primeira é a já mencionada

fragmentação. Isto porque, provindo da chamada “crítica de rodapé”, o discurso

geracional de que nos ocupamos recebe também o influxo dos discursos autorais, a que

se somam, pouco depois, reflexões en passant de capítulos introdutórios a textos

ensaísticos – detidos estes na obra de João Cabral de Melo Neto, sobretudo. Assim,

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escasseiam textos sobre a “Geração de 45”, isto é, detidos especificamente na temática

do discurso geracional.

Também outras peculiaridades precisam ser consideradas. O grupo de 45 não se

articulou de forma consensual em torno de “manifestos” − embora também os tenha

conhecido; não cultivou uma postura iconoclasta em relação aos poetas que lhe

precederam – especialmente ao núcleo imediatamente anterior, que começara a publicar

em torno de 1930; não se reconheceu precursor de nenhum outro grupo, não fez

“herdeiros” – e isto a despeito de João Cabral de Melo Neto, em mais de uma

oportunidade, ter manifestado simpatia em relação aos concretistas; pois também deixou

dito num poema que sua poesia era “sem discípula”1.

Assim, é possível antecipar que esta “geração” solta − sem linhagem, sem

revolta e sem testamento −, parece ter algo a dizer, e talvez como poucas na literatura

brasileira, sobre a ruptura daquele “velho parentesco” − e a consequente frustração da

busca por analogias. A discórdia e o disparate, que, também para Foucault (2006, p. 18),

estão no “começo histórico das coisas” − bem ao contrário de uma identidade

preservada da origem − são a marca de 45: uma “geração”, de que se poderia dizer,

paradoxalmente, caracterizar-se pela diferença. E esta diferença, por sua vez, mostra-se

bastante emblemática nos percursos de Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto, poetas

que, tendo estreado em torno de 1945, elaboraram dicções literárias distintas,

mantiveram vínculos de amizade pessoal e discordaram, em pronunciamentos críticos e

entrevistas concedidas ao longo da vida, sobre os discursos geracionais e suas

respectivas pertenças.

3 POR UMA GENEALOGIA DA CRÍTICA

“O genealogista precisa da história para rever a quimera da origem”, escreve

Foucault (2006, p. 19), agora no texto Nietzsche, a genealogia e a história. A alternativa

genealógica, para Foucault (2006, p. 21), convida a “se demorar nas meticulosidades e

nos acasos dos começos”. Assim, ao reler a crítica que primeiro se deteve nos poetas de

1945, não pretendemos uma pesquisa de origem, mas, apenas, “seguir o filão complexo

1 É o que se lê em A Augusto de Campos, poema-dedicatória de Agrestes: “ela que da janela/ vê que na

rua desfila/ banda de que não faz parte/ rindo de ser sem discípula” (MELO NETO, 1994, p. 518).

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da proveniência”, para agitar “o que se percebia imóvel”: no caso em foco, os sentidos

cristalizados pela crítica sobre possíveis continuidades ou rupturas estabelecidas pelo

grupo de 1945 − sobretudo em relação ao Modernismo; mas, também, as cristalizações

de sentido sobre a existência opositiva de um “autor icônico” e de um “autor

transgressor”.

Pensando em termos de sistema literário, é preciso ter em vista que, àquele

tempo, a cena literária brasileira ainda se movimentava em função da chamada “crítica

de rodapé”. Feita nos jornais, em pés de página ou colunas exclusivas, tal crítica, no

jogo de forças da época, possuía grande poder legitimador ou silenciador; era uma

crítica valorativa e agressiva, que, embora buscasse manter certo distanciamento para

com seus objetos − tratando os autores, por exemplo, de “senhor” e “senhora” −, não

hesitava em desautorizar os discursos que porventura se afastassem de seus paradigmas

estéticos. As polêmicas eram comuns, mesmo porque os “rodapés” articulavam-se com

o público e o mercado de seu tempo, a ponto de alguns críticos, conforme lembra Flora

Sussekind (1993, p. 17), julgarem-se verdadeiros “diretores de consciências”. Dois

desses profissionais – Tristão de Athayde e Sérgio Milliet −, em plena atividade na

década de 1940, identificaram os novos rumos que a poesia brasileira parecia tomar,

moldando as primeiras apreciações sobre o que, posteriormente, viria a configurar-se

como “Geração de 45”.

Em 1947, Athayde escreve um artigo intitulado O neomodernismo, no qual se

notam buscas de continuidades como vontade de verdade: o crítico procura estabelecer

liames entre os então novos poetas e o Modernismo de 1922. Diz Athayde:

[...] movimento que não vem de improviso, nem se manifesta como uma

ruptura e sim como um prolongamento [...] Por isso mesmo é que chamo

ao movimento que se anuncia de“neomodernismo”. Nele vejo um

prolongamento do próprio modernismo (ATHAYDE, 1947, p. 74-76, grifo

nosso).

Relendo o trecho acima, a partir do princípio de descontinuidade da alternativa

genealógica, segundo a qual “os discursos devem ser tratados como práticas

descontínuas” (FOUCAULT, 2004, p. 52), é possível desvelar que Athayde, bem ao

contrário, recorre a uma ideia de prolongamento, de continuidade. Ora, o fato de não ter

havido exatamente uma atitude de ruptura em 45 não autoriza, por si mesmo, a falar em

prolongamento – a menos que se raciocine em termos binários e auto-excludentes. Mas

este parece ser o caso da lógica de Athayde: não sendo ruptura, logo é prolongamento.

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Tal ideia de “prolongamento”, lançada já em 1947, daria margens a remissões

homólogas de outros críticos e, mesmo, dos próprios poetas, em reflexões sobre a

“geração”. É o caso, por exemplo, de Darcy Damasceno − um dos novos poetas de 1945

− que referenda a continuidade estabelecida por Athayde:

Outro ponto do artigo [...] com o qual há concordância geral é o que define

o movimento incipiente como um prolongamento do anterior, uma

renovação ditada por novas condições sociais e não por espírito de

destruição (DAMASCENO, 1947, p. 52-53, grifo nosso).

Também na Apresentação da poesia brasileira, é a vez de Manuel Bandeira

mencionar o grupo de 45, ecoando a ideia de continuidade: “[...] Todas as características

podem ser encontradas em poetas anteriores, mas a Geração de 45 como que as

sistematizou” (BANDEIRA, 1997, p. 465). Aqui, a ideia de sistematização, de

reagrupamento e reordenação, conduzindo, também, ao tratamento de 45 como

“unidade de sentido”, sem problematizações.

No mesmo ano de 1947, mas em visada diametralmente oposta à de Athayde,

outro “crítico de rodapé”, Sérgio Milliet, escreve sobre o grupo de 45:

A produção poética destes últimos anos revela uma reação, nem sempre

consciente, contra a poesia descabelada de 22 [...] realização de uma poesia

feita de sobriedade, de nobreza, de decantação voluntária, elaborada em

oposição ao jogo de palavras, ao malabarismo verbal e rítmico, de que

usaram e abusaram os revolucionários (MILLIET, 1947, p. 74-76; grifo

nosso).

Aqui, ao contrário do que fizera Athayde, o que é posto em relevo é a possível

antinomia de 45 em relação a 22: o caráter reacionário de 45, restaurador de formas

anteriores à “revolução” de 22. Essa leitura de 45 como antimodernismo merecerá,

muito depois, uma série de remissões homólogas, de críticos e ensaístas que acentuam a

ideia lançada por Milliet.

Será o caso, por exemplo, de Benedito Nunes, na obra João Cabral de Melo

Neto, quando diz: “Não era pois exagerado que se falasse na atitude de reacionarismo

estético da geração de 45, adotada até por aqueles seus representantes que veicularam o

anseio de revolução social” (NUNES, 1974, p. 28, grifo nosso). Também para Haroldo

de Campos, em O geômetra engajado: “Realmente, a assim dita Geração de 45

encarnou, sobretudo, uma nostalgia restauradora de cânones pré-modernistas”

(CAMPOS, 2006, p. 78, grifo nosso). Por fim, é importante lembrar o ensaio também

paradigmático de José Guilherme Merquior, Falência da poesia ou uma geração

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enganada e enganosa: os poetas de 45. Nesse texto, publicado originalmente em 1957,

está reelaborada a tese do reacionarismo, de Milliet, que ganha, entretanto, contornos

depreciativos:

A chamada geração de 45 é, do ponto de vista do valor literário, uma

dege(ne)ração. Do seu programa, frustrado desde a primeira hora, não ficou

nenhum resultado no plano do monumento, do definitivo [...] Qual era esse

programa? [...] sempre foi uma reação contra 22” (MERQUIOR, 1996, p.

48, grifo nosso).

Merquior, preocupado como está com o “plano do monumento”, desvalora em

bloco os poetas de 45 a partir de raciocínio comparativo, pelo qual reativa o discurso de

antimodernismo, de Milliet. Poderíamos objetar que o autor de Razão do poema, à

maneira do historiador que se dedica à “história monumental”, desconsidera toda uma

diversidade para obter o “efeito fortalecedor” de que nos fala Nietzsche (2003, p. 21),

em Da utilidade e da desvantagem da história para a vida. O passado (então recente) –

no caso, identificado ao Modernismo de 22 – assume dimensão paralisante, e Merquior,

ao intercambiar os signos “geração” e “degeneração”, parece supor um passado digno,

apenas, de imitação.

4 POR UMA GENEALOGIA DOS DISCURSOS DE AUTOR (Lêdo Ivo e João

Cabral de Melo Neto)

Ainda em 1952, João Cabral de Melo Neto lança um olhar sobre as discussões

que envolveram 1945 e escreve quatro artigos sobre o tema. Esses textos, originalmente

publicados no Diário Carioca, já dialogam com a crítica que então se articulara em

torno da poesia surgida em 45, com muitas remissões às teses levantadas – de

continuidade ou ruptura, por exemplo. Para Melo Neto (1994, p. 742), não há nenhum

problema em relação à ideia de continuidade: “uma geração pode continuar a outra”; “o

fato de constituírem uma geração de extensão de conquistas, muito mais do que uma

geração de invenção de caminho, é o que melhor me parece definir os poetas de 1945”

(MELO NETO, 1994, p. 744).

E é justamente contra essa possível “continuidade” que vai o ensaio Epitáfio do

Modernismo, que Lêdo Ivo escreve em 1967, para a revista Orfeu: “E não deixa de ser

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estranho que alguns historiadores ou nostálgicos [...] ainda insistam em situar a geração

de 45 como continuadora de 22. Continuadora de quê?” (IVO, 1978, p. 148).

Ao reler essas apreciações autorais, entretanto, é preciso ter em vista,

novamente, a observação de Foucault: “os discursos devem ser tratados como práticas

descontínuas” (FOUCAULT, 2004, p. 52). Ora, aparentemente, Cabral referenda a

continuidade da proposta de 45 em relação ao Modernismo, enquanto Ivo a rejeita.

Entretanto, sustentamos que essa antinomia é apenas aparente: da leitura mais atenta dos

quatro ensaios de Cabral decorre que o poeta, ao pensar em “continuidade” e “extensão

de conquistas”, refere-se, não ao Movimento Modernista de 1922, mas ao grupo de

poetas brasileiros que havia estreado pouco depois, em torno de 1930: Carlos

Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Murilo Mendes etc. Diversamente, quando

Lêdo Ivo põe em questão a “continuidade”, está fazendo isso sobretudo em relação ao

Modernismo de 1922 − e às vanguardas europeias assimiladas então.

É pertinente, portanto, observar como as duas teses iniciais, de Tristão de

Athayde (45 como neomodernismo) e de Sérgio Milliet (45 como antimodernismo)

refratam-se nos discursos autorais de Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto, dando

margem a interpretações e remissões, as quais se entrechocam de forma descontínua, ao

mesmo tempo em que, ironicamente, dialogam com a tese da “continuidade”.

O desencontro vai-se problematizando com os anos. Se, em 1952, João Cabral

debruçara-se sobre a questão geracional de 1945, sem questionar a priori a existência de

uma geração e sua própria pertença a esta, completamente diferente será a postura que

assume em 1969, em entrevista ao Diário de Pernambuco. Agora, nas respostas que

concede, Cabral atribui a Lêdo Ivo a “invenção” do rótulo “Geração de 45”. O trecho é

irônico e vale a citação mais longa:

Quando Lêdo Ivo inventou a Geração de 45 eu estava na Espanha. Sou da

Geração de 45 porque todos os que se consideram assim são meus

conterrâneos. Mas se meus pais tivessem me perguntado se eu queria nascer,

eu indagaria se havia algum risco. Eles me responderiam: “Vão inventar a

Geração de 45”. Então, eu pediria – “Faz Evaldo nascer em meu lugar.

Deixa eu nascer daqui a 16 anos” (MELO NETO, 1969, p. 5, grifo nosso).

Interessante é observar como o pronunciamento de João Cabral parece dialogar,

aqui, com textos críticos, já publicados à época, sobre seu percurso literário. No

caminho inverso da construção de sentido, é a crítica que vai repercutir na reflexão

geracional e matizar o discurso de autor. De fato, se aproximarmos a declaração acima

de momentos como os que se leem nos ensaios O geômetra engajado, de Haroldo de

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Campos, ou João Cabral de Melo Neto, de Benedito Nunes, o que vemos emergir é

mais uma teia de remissões: para Campos, Cabral é visto como distônico em meio à

“Geração de 45”, da qual faria parte, apenas, “por um critério de cronologia tabelioa”

(CAMPOS, 2006, p. 78); para Nunes, Cabral estaria na “geração de 45” pelo simples

fato de que “não se escolhe a geração em que se nasce” (NUNES, 1974, p. 29).

Quanto ao fato de ter sido Lêdo Ivo o “inventor” do próprio rótulo “Geração de

45”, importa considerar alguns aspectos. O primeiro deles é que tal “invenção” não

poderia ser atribuída a um só “nome de autor” – dada a personalização monológica de

todo um “momento” da literatura brasileira que isso implicaria, subtraindo diversidades

e especificidades do jogo de forças da época. Segundo, o fato de que o próprio João

Cabral, em 1952, dedicara-se a refletir sobre essa tumultuosa “geração” – nos quatro

artigos que intitulou de “A geração de 45”, já citados por nós, e publicados no Diário

Carioca; assim, estaria, ele também e inegavelmente, “inventando” ou “re-inventando”

o que depois negaria ter inventado (ou, no mínimo, re-inventado). Ora, diante disso, não

se pode pensar a declaração dada por Cabral em 1969 senão como blague − mas,

blague que seja, articula-se com todo um construto de leitura de 45, a que o poeta

parece ter aderido com o tempo, assimilando, no desempenho das funções de autor, as

apreciações críticas que viam sua poética como de exceção em relação aos coetâneos.

Perguntado sobre a “paternidade” da “Geração de 45”, o poeta Lêdo Ivo, em

entrevista concedida no ano de 2004, faz algumas ponderações:

De modo algum. Nunca fui líder de nada ou de ninguém. O fato é que a

Geração de 45 já “estava no ar”. Havia um clima de mudança em toda parte

[...] Muito pelo contrário: [...] inúmeras vezes fui “expulso da geração”, pois

alguns teóricos do movimento achavam que minha poesia era verborrágica

demais para se enquadrar no cânone de 45. [...] Quanto à Geração de 45, foi

Domingos Carvalho da Silva que deu esse nome ao movimento, e Péricles

Eugênio da Silva Ramos foi o teórico principal, autor dos famosos

manifestos, publicados na revista Orfeu (IVO, 2004, p. 17, grifo nosso).

Neste entrecho de entrevista, é Lêdo Ivo quem se desonera de ter “inventado” a

“geração de 45”, atribuindo a outros, por sua vez, o feito. Sem procurar estabelecer uma

“verdade” sobre quem seria, de fato, o autor “icônico” e o autor “transgressor” de 45 –

ou o “pai legítimo” dessa “geração” −, é pertinente observarmos que uma noção de

“criação” está na base de toda a discussão elaborada em torno das séries literárias

surgidas em 45. Existe, na reflexão crítica, um discurso de causa e efeito, uma lógica

geracional – no sentido de um pai, que gera um filho −, a qual autoriza apropriarmo-nos

das reflexões feitas por Jacques Derrida, com base em Freud, sob as acepções da

própria palavra “pai”, quando Derrida relê o Fedro, em A Farmácia de Platão: “[...] o

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pai, que é também um chefe, um capital e um bem. Ou antes o chefe, o capital, o bem.

Páter significa em grego tudo isso ao mesmo tempo” (DERRIDA, 1997, p. 26).

Ressaltamos que, ao trazermos o texto derridiano, não pretendemos fazê-lo

como meio de refletir sobre uma possível permanência de esquemas platônicos em

nossos objetos de estudo, já que as reflexões de Derrida (1997), em A Farmácia de

Platão, dirigem-se sobretudo à crítica de uma metafísica da presença − do poder de fala

que, em Platão, seria necessário para legitimar a escrita. Mas a reflexão pontual de

Derrida, com base em Freud e dirigida à polissemia do termo “pai”, pode ser, aqui,

reaproveitada para nosso propósito de crítica da crítica, ou metacrítica, da “Geração de

45”.

Assim, parece-nos possível, metaforicamente, aproximar a plurissignificação da

palavra “pai” com os papéis atribuídos pelos discursos críticos e autorais ao Movimento

Modernista ou, no caso específico dos artigos de João Cabral, aos poetas que estrearam

em 1930: a “Geração de 45” seria uma “potência de discurso” − e “só uma potência de

discurso tem um pai” (DERRIDA, 1997, p. 26). Diante desse “pai”, a “geração” ora é

vista em suas duas possibilidades: a do “órfão carente” − aquele que tem necessidade de

assistência paterna; e a da “ameaça parricida” − ou seja, exatamente o oposto, o desejo

de subversão e orfandade. Entretanto, os críticos detidos na “Geração de 45” – e aqui,

também, aproveitamos a polissemia, evocando a significação tautológica do termo

“geração” (“aquilo que é gerado”) – ao vê-la, de forma excludente, como

antimodernismo (Milliet) ou neomodernismo (Athayde), construíram discursos que

suprimem a dimensão de ambivalência de mesma “geração”.

Porque, ainda conforme Derrida (1997, p. 26), “esta miséria é ambígua”. Mas a

dificuldade dos discursos críticos (e até dos autorais) parece ter sido precisamente

admitir uma tal ambiguidade. Não há lugar para raciocínios de convivência: ou 45 é

antimodernismo, ou é neomodernismo. E na esteira desse maniqueísmo, outras

oscilações vão-se construindo, das quais a busca de um “autor icônico” e de um “autor

transgressor” vem a ser, possivelmente, uma das mais significativas.

Para Wilson Martins, por exemplo, na História da Inteligência Brasileira

(MARTINS, 1987, p. 320), “não será fantasioso situar o sr. João Cabral de Melo Neto

no centro geométrico e poético da ‘geração de 45”. Argumenta Martins que a

proeminência de João Cabral no contexto da geração se deve ao pronunciamento do

poeta no Congresso de Poesia do Recife, em 1941, em torno do qual “se cristalizaram as

discussões e os debates significativos” (MARTINS, 1987, p. 320). No mesmo sentido,

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mas estabelecendo antinomia em relação a Lêdo Ivo, é o texto de Gilberto Mendonça

Teles, Lêdo Ivo – a aventura da transgressão: “João Cabral de Melo Neto é o poeta

típico e representativo: a figura icônica por excelência da geração de 45”, sendo Lêdo

Ivo, ainda conforme o crítico, o “transgressor” (TELES, 2002, p. 237).

Entretanto, mais recentemente, a crítica nacional já sinaliza com novos modos

de ler a chamada “Geração de 45”. Em artigo publicado no ano de 2008, no jornal

literário Rascunho, Afonso Romano de Sant’Anna lança a interrogação:

Será que não é um erro fazer um pacote e jogar no lixo a geração de 45,

livrando a cara apenas de João Cabral? O quanto de pré-conceito, de

patrulhamento, de briga de gerações havia na estratégia de descartar tantos

autores que são julgados sem serem lidos? (SANT’ANNA, 2008, p. 12, grifo

nosso).

Essa pergunta de Sant’Anna já reflete a necessidade de compreender 45 em sua

diversidade, afastando leituras que, a propósito de tratar das peculiaridades da poética

de João Cabral, construíram para este “nome de autor” um discurso de exceção,

neutralizando todos os demais nomes e obras.

Quanto às polarizações, também estabelecidas pela crítica, é interessante

lembrar ainda o texto de Ivan Junqueira, que serve de prefácio à Poesia Completa de

Lêdo Ivo, publicada em 2004. Nesse texto, Junqueira aproxima Lêdo Ivo de João

Cabral, porém ressalvando as peculiaridades individuais, sem estabelecer hierarquias:

“[...] cada qual ao seu modo, transcendem os limites escolásticos da geração na qual se

encontram historicamente inseridos” (JUNQUEIRA, 2004, p. 27-28).

5 CONCLUSÕES

Neste trabalho, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, pretendemos pôr em

suspenso o discurso geracional de 45, problematizando seu caráter de “síntese acabada”

− para lembrar ainda as palavras de Foucault (2005, p. 24), citadas inicialmente. Por

isso, procuramos nos deter na rede de remissões entre os discursos críticos e autorais, a

partir dos textos iniciais de Sérgio Milliet e Tristão de Athayde, que lançaram as teses

do antimodernimo e do neomodernismo, respectivamente.

O grupo heterogêneo de 45 solicita a crítica no sentido de fazer emergir a

diferença, até então neutralizada em discursos que pretenderam ver continuidades

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(imediatas ou retroativas), tratando o movimento de 22, implicitamente, como o grande

“pai” com quem se deveria romper ou sob cuja proteção se deveria abrigar.

A consideração da diferença, entretanto, reverte esses termos opositivos − os

quais já estariam presentes nos próprios textos críticos e nos discursos de autor, mas em

posições marginais, sufocados por uma lógica excludente, que trabalha apenas com

oposições binárias, sem contemplar o paradoxo como possibilidade.

Ainda que mantendo liames de homologia com o texto de Athayde (1947), mais

recentemente, Gilberto Mendonça Teles − crítico literário que também produziu obra

poética e cujo nome se conta dentre os autores da “Geração de 45” – articula reflexões

menos binárias sobre a “geração”, seja em sua obra crítica, seja mesmo em textos

metapoéticos de sua lírica. Na opinião de Teles, no ensaio Para o estudo da geração de

45,

A poesia da geração de 45 situa-se perfeitamente dentro do sentido de

transformação do discurso poético do modernismo. Não continuou as

tendências modernistas, copiando-as, exaurindo-as ou repetindo-as

arquetipicamente; continuou, mas no sentido de que soube imprimir à dicção

modernista uma nova dicção, pressentida por alguns poetas de 22 e deixada à

margem (TELES, 2002, p. 86, grifo nosso).

Essa posição do poeta-crítico ainda ecoa, de certo modo, a leitura de

neomodernismo, pois, embora já estabeleça nuanças, ainda há a nota marcante de

continuidade. Entretanto, ao dizer, num mesmo texto, “continuou” e “não continuou”,

de certo modo Teles já reinsere o discurso crítico numa possibilidade que refoge à

lógica até então dominante, contemplando uma suplementaridade que não se resolve

em termos binários e autoexcludentes. Não será, portanto, de estranhar-se que este

mesmo crítico, em texto metapoético sobre a “Geração de 45”, reorganize a

suplementaridade de seu texto analítico em versos:

Tudo é sim e não

em quarenta e cinco

e a melhor lição

deixa sempre um vinco

de interrogação

no tempo onde brinco

procurando um vão

entre o 4 e o 5 (TELES, 1977, p. 17).

Será, talvez, nesse “vão/ entre o 4 e o 5” que entendemos melhor se inserir o

discurso geracional – e não apenas o de 45. Território de ambiguidades, a literatura diz

de si mesma o que muitas vezes a crítica não logrou dizer. E, ao falar de si mesmo, o

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poeta Gilberto Mendonça Teles extrapola, também, a própria dimensão individual,

falando de outro(s), reflexamente.

Porque esse “vão” procurado por Teles em seu poema também exemplifica as

oposições entre as poética de Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto, vistos, de modo

alternativo, como “autor icônico” e “autor transgressor” – e isso inclusive pelo próprio

Teles (2002), em texto anterior, ainda comprometido com uma lógica da

complementaridade.

É o momento de dedicarmos algumas palavras à longa amizade que uniu esses

dois “representantes” da “geração de 45”: Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto. O

intenso diálogo que mantiveram e que se irradia na correspondência recentemente

publicada − no livro E agora adeus (IVO, 2007) −, parece ter assumido, a despeito dos

“tempos sombrios” dos quais nos fala Francisco Ortega (2002, p. 159-165) em

Genealogias da amizade, verdadeiros contornos de uma philia, no sentido grego

aristotélico de “intercâmbio de palavras e pensamentos” (ORTEGA, 2002, p. 42).

Várias ocorrências autorizam essa possibilidade de leitura: trocas de dedicatórias,

discussões de preferências, apresentação recíproca de obras desconhecidas para cada

um, sugestões para títulos de inéditos – isso no plano propriamente “literário”; e, no

plano pessoal: aluguel de apartamentos, notícias de saúde, recados para outros amigos

etc.

“A amizade não deve tolher as diferenças, nem estas a amizade”, escreve

Alfredo Bosi (1996), citando Simone Weil, na apresentação da correspondência entre

Cecília Meireles e Mário de Andrade − poetas de imensas diferenças estéticas, mas

também de grande compreensão intelectual mútua; e essa mesma lição poderia ser

retirada do longo diálogo entre Lêdo Ivo e João Cabral de Melo Neto. Isoladamente,

poderíamos evocar vários textos poéticos de Ivo e Cabral em que o tema da diferença é

encontrável2 − o que denuncia o grau de autoconsciência de suas respectivas poéticas, e

o quanto de atenção a uma lógica do suplemento é frequente em seus poemas.

Contudo, virá talvez a partir daquela significativa amizade, philia que atravessou os

“tempos sombrios” do Século XX e, particularmente, as distâncias a que a carreira

diplomática obrigou João Cabral, a nota de biografismo com que o discurso de geração

pode começar a ser reescrito, agora de modo mais atento à diferença.

2 Em Lêdo Ivo, por exemplo, o poema que se intitula A diferença (IVO, 2004, p. 950), dentre outros; em

João Cabral, toda a série que abre A educação pela pedra, e se intitula O mar e o canavial (MELO

NETO, 1994, p. 335), dentre outros.

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