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MARISA CARLOVICH A GEOMETRIA DEDUTIVA EM LIVROS DIDÁTICOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA O 3 º E 4 º CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PUC/SP São Paulo 2005

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MARISA CARLOVICH

A GEOMETRIA DEDUTIVA EM LIVROS DIDÁTICOS DAS

ESCOLAS PÚBLICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA

O 3º E 4º CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

PUC/SP

São Paulo

2005

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MARISA CARLOVICH

A GEOMETRIA DEDUTIVA EM LIVROS DIDÁTICOS DAS

ESCOLAS PÚBLICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA

O 3º E 4º CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de MESTRE

EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA , sob a orientação do

Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.

PUC/SP

São Paulo

2005

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Banca Examinadora

______________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________

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AGRADECIMENTOS

Foram várias as pessoas que colaboraram na realização deste trabalho,

seja direta ou indiretamente. A todas essas pessoas, meus sinceros

agradecimentos. Presto meus agradecimentos especiais:

Ao meu esposo Miguel, parceiro na realização dos mais importantes

sonhos de minha vida.

Ao meu filho Jonas, minha maior alegria e com quem mais aprendo.

Aos meus pais e irmãos, pelo exemplo de perseverança, fé e honestidade.

Ao meu orientador. Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud, pela confiança,

autonomia e, sobretudo por contribuir com minha formação de pesquisadora.

Aos professores doutores Maria Ângela Miorim e Wagner Rodrigues

Valente, pelas valiosas observações realizadas no Exame de qualificação.

Aos amigos Eliana, Leila, Gustavo e João, companheiros nas horas de

estudo.

Aos funcionários da biblioteca da PUC-SP – Matemática, que tiveram a

paciência em auxiliar na tarefa de levantamento dos livros didáticos analisados na

pesquisa.

Aos professores Ricardo e Alda, pelos trabalhos de traduções e de revisão

do texto.

À equipe da direção, coordenação e secretaria da Escola Estadual Barão

de Jundiaí, pelo incentivo e compreensão.

A Deus, presente em todos os momentos.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS................................................................................................8

RESUMO.................................................................................................................9

ABSTRACT............................................................................................................10

INTRODUÇÃO.......................................................................................................11

CAPÍTULO 1

ESTUDOS PRELIMINARES..................................................................................13

1.1 Definição das formas de raciocínio, indução e demonstração e de sistema

lógico.............................................................................................................13

1.2 A história da demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos.............14

1.2.1 A história da origem da demonstração...................................................14

1. 2.2 A história dos sistemas dedutivos geométricos......................................17

1. 3 Estudo histórico da Educação Matemática...................................................20

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA...............................................26

2.1 Metodologia da pesquisa...............................................................................26

2.1.1 A pesquisa documental como metodologia para a coleta de dados........26

2.1.2.A pesquisa bibliográfica para estudar o ensino-aprendizagem da

Geometria dedutiva..................................................................................26

2.2 A história das disciplinas e a noção de “vulgata escolar”..............................27

2.3 A classificação das Geometrias proposta por Parsysz..................................29

2.4 A Organização Praxeológica..........................................................................31

CAPÍTULO 3

APRESENTAÇÃO DA PESQUISA........................................................................33

3.1 A relevância do tema.......................................................................................33

3.2 O problema da pesquisa..................................................................................35

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CAPÍTULO 4

O ENSINO-APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA DEDUTIVA - CATEGORIZAÇÃO

DE ANÁLISE..........................................................................................................37

4.1 Categoria 1: Articulação entre G1–Geometria Spatio-gráfica e G2–Geometria

Proto-axiomática em validações de propriedades geométricas....................37

4.2 Categoria 2: Análise dos exercícios para apreensão das propriedades

geométricas, seguindo uma Organização Praxeológica................................44

4.3 Categoria 3: Articulação dos registros de representação semiótica

mobilizados em uma demonstração geométrica............................................50

CAPÍTULO 5

ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA

DE 1990.................................................................................................................53

5. 1 Análise da Coleção 1: A conquista da Matemática.......................................53

5. 2 Análise da Coleção 2: Matemática e Realidade...........................................60 5. 3 Análise da Coleção 3: Matemática na Medida Certa....................................67

CAPÍTULO 6

ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA

DE 2000.................................................................................................................75

6. 1 Análise da Coleção 1: Novo Praticando Matemática......................................75

6. 2 Análise da Coleção 2: Idéias e Relações.......................................................85 6. 3 Análise da Coleção 3: Tudo é Matemática.....................................................96

CONCLUSÕES....................................................................................................109

BIBLIOGRAFIA....................................................................................................122

APÊNDICE - RELAÇÃO DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS A SEREM

ANALISADOS......................................................................................................126

ANEXOS..............................................................................................................128

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Classificação de Geometrias proposta por Parsysz (2000)...............30

FIGURA 2 – Círculos de Euler para representar correlações entre conceitos......40

FIGURA 3 – Círculos de Euler para representar correlações entre conceitos......41

FIGURA 4 – Falsa evidência da figura apresentada por Fetissov (1997).............42

FIGURA 5 – Papel desempenhado por figura em demonstrações.......................43

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RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de analisar o ensino da Geometria dedutiva nos

livros didáticos do 3o. e 4o ciclos do Ensino Fundamental mais utilizados nas

escolas públicas do Estado de São Paulo, desde a década de 1990 até os dias

atuais.

Segundo Chervel (1990), uma tendência de abordagem apresentada nos manuais

pedagógicos se estabelece após mudanças importantes na história da educação.

Nesta última década, uma mudança significativa na história da Educação

Matemática brasileira foi a implantação do Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD), em 1995. Assim, definimos para a nossa pesquisa dois períodos de

análise: o início dos anos 1990 e o início dos anos 2000, períodos anterior e

posterior, respectivamente, a essa implantação. Nossas questões de pesquisa

versam sobre como, em cada época, as coleções de livros didáticos

acompanharam as discussões da Didática da Matemática no que se refere ao

ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva e sobre as diferenças dessas

apropriações nas duas épocas.

Os resultados de nossa pesquisa sobre as coleções analisadas dos anos 1990

fornecem indícios de uma abordagem para a Geometria dedutiva em que as

demonstrações são apresentadas aos alunos seguidas de exercícios apenas de

aplicação, revelando um ensino prático para a Matemática.

Os resultados da análise das coleções dos anos 2000 indicam otimismo em

relação ao ensino da Geometria dedutiva. Para estudar as propriedades

geométricas, além dos exercícios de aplicação, solicitam-se aos alunos

validações empíricas e dedutivas, o que caracteriza um enfoque heurístico,

conforme definição de Lakatos (1976). Entretanto, cumpre fornecer caminhos

para que os alunos se apropriem do raciocínio dedutivo em Geometria, segundo

recomendações baseadas em estudos de teóricos da Didática da Matemática,

atendidas apenas parcialmente nas coleções analisadas das duas épocas.

Palavras-chave: Geometria dedutiva, História da Educação Matemática, Ensino

Fundamental, Heurística.

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ABSTRACT

This study aims at analysing the teaching process of Deductive Geometry in

school-books prepared to the 3rd and 4th cycles of Ensino Fundamental (from the

1st to the 8th degrees – students usually from 7 to 15 years) used in state-run

schools in Sao Paulo State from the 1990s to the present day.

According to Chervel (1990), after an important change in the history of Education

there follows a trend in the approach chosen for pedagogical handbooks. In the

past decade, a significant change in the history of Brazilian Education concerning

Mathematics was the implementation of Programa Nacional do Livro Didático –

National Programme for School Textbooks (PNLD), in 1995. That made us

separate two periods for the purpose of analysis in our study: the early 1990s and

the early 2000s – periods respectively before and after this implementation. Our

queries turned on how, in each period, school-books were close to the debates of

Mathematical Didactics about the teaching-learning process of Deductive

Geometry and on how the differences of views for each period took place.Results

for the selected book sets printed in 1990s show signs of the Deductive Geometry

approach in which demonstrations are presented to students and followed only by

application exercises, typifying a practical teaching of Mathematics.

Results for the selected book sets printed in the 2000s point to an optimistic view

regarding the teaching of Deductive Geometry. In order to study Geometry

properties, besides application exercises, students were asked to do the empirical

and deductive validations, which typifies heuristic approach, according to Lakato’s

definition (1976). However, it is fundamental to show students the ways to master

deductive reasoning in Geometry, as recommended by the theoretical studies of

Mathematical Didactics, only partially attended to in the book sets analysed for the

two given periods.

Key words: Deductive Geometry, History of Mathematical Education, Secondary

School, Heuristics.

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INTRODUÇÃO

Ao ingressar no curso de Mestrado em Educação Matemática da PUC-SP,

em 2003, fui convidada a participar do Projeto “Problemas envolvendo uma

apreensão significativa da Geometria, via demonstração”. Esse projeto, por sua

vez, é parte de outro – “Criação de núcleo-embrião de ensino-aprendizagem e

pesquisa em Educação Matemática no Ensino Fundamental em escolas públicas

de São Paulo” –, ambos sob coordenação de meu orientador, o Prof. Dr. Saddo

Ag Almouloud. A partir daí, iniciei a pesquisa sobre o tema ensino da Geometria

dedutiva no Ensino Fundamental brasileiro para desenvolver minha dissertação.

Como professora de Matemática de uma escola da rede de ensino do

Estado de São Paulo, dois fatos chamaram a minha atenção quanto ao ensino da

Geometria dedutiva. O primeiro foi quando preparava o meu planejamento de

curso para a 8a. série do Ensino Fundamental, no início de 2004. Para isso,

pesquisei algumas coleções de livros didáticos e constatei uma considerável

variedade de enfoques para a Geometria dedutiva. Em reunião com os outros

professores da escola para definir o planejamento, minha proposta de intercalar

os conteúdos de Geometria ao longo do ano causou-lhes espanto e provocou

resistência. Com a minha insistência, relevando a importância do aspecto visual

da Geometria, ouvi o seguinte comentário de um dos presentes: “Um pouco de

Geometria, tudo bem, mas demonstração, não!”.

Outro fato que me chamou a atenção foi durante uma discussão entre

professores sobre o exame de Matemática do último concurso para provimento de

cargos de professores para o Ensino Fundamental e Médio do Estado de São

Paulo, realizado em novembro de 2003. Nessa prova, uma questão apresentava

uma demonstração geométrica e solicitava explicações das suas passagens. As

explicações eram simples, versavam sobre congruência de ângulos opostos pelo

vértice e de triângulos. Um dos professores declarou que, ao perceber que se

tratava de demonstração, tratou logo de pular a questão e usar o precioso tempo

para outra questão mais prática e fácil.

Esses episódios me fizeram refletir sobre a rejeição ao ensino da

Geometria dedutiva por parte dos professores e, então, meu orientador e eu

resolvemos realizar um estudo histórico sobre o tema. Assim, neste trabalho,

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propomo-nos a estudar o ensino da Geometria dedutiva no 3º e 4º ciclos do

Ensino Fundamental, realizando uma análise didática de livros didáticos.

A pesquisa foi organizada do seguinte modo:

No primeiro capítulo, realizamos os Estudos Preliminares: a definição das

formas de raciocínio, indução e demonstração e de sistemas lógicos; a história da

demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos e o estudo histórico da

Educação Matemática.

No segundo capítulo, apresentamos a fundamentação teórico-metodológica

utilizada.

No terceiro capítulo, apresentamos a pesquisa, destacando a relevância do

tema e o problema de pesquisa.

No quarto capítulo, apresentamos uma pesquisa bibliográfica sobre o

ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva para o Ensino Fundamental, a partir

de teorias da Didática da Matemática, no intuito de estabelecer as categorias de

análise dos livros didáticos.

No quinto capítulo, apresentamos a análise dos livros didáticos referentes

ao início dos anos 1990, período influenciado pelo declínio do Movimento da

Matemática Moderna no Brasil e pelas teorias da Didática da Matemática.

No sexto capítulo, apresentamos a análise dos livros didáticos referentes

ao início dos anos 2000, período influenciado pelas teorias da Didática da

Matemática e, no Brasil, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e pelo

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Por fim, nas conclusões, procuramos identificar as diferenças de

abordagem da Geometria dedutiva encontradas nos livros didáticos das duas

épocas analisadas. Neste capítulo apresentamos nossas considerações e

recomendações.

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CAPÍTULO 1

ESTUDOS PRELIMINARES

1. 1 Definição das formas de raciocínio, indução e demonstração e de

sistema lógico

Inicialmente, explicamos o sentido das formas de raciocínio, indução e

demonstração que utilizamos neste trabalho.

Fetissov (1997) chama de indução o método de obtenção de conclusões

gerais por meio do exame de numerosos casos particulares.

Recorremos a Balacheff (1987) para definir demonstração. O autor afirma

que muitas vezes as expressões explicação, prova e demonstração são tomadas

como sinônimos, embora ele as distinga, como descrito a seguir:

Chama-se explicação um discurso visando tornar inteligível o caráter de verdade, adquirido pelo locutor, de uma proposição ou de um resultado. Chama-se prova uma explicação aceita por uma comunidade dada em um momento dado. Esta decisão pode ser o resultado de um debate cuja significação é a exigência de determinar um sistema de validação comum aos interlocutores. Chama-se demonstração uma prova que só pode ser aceita no seio da comunidade matemática. Ela é uma seqüência de enunciados organizada segundo regras determinadas. Um enunciado é considerado como verdadeiro, ou é deduz ido daqueles que o precedem com a ajuda de uma regra de dedução tomada em um conjunto de regras bem definid o. (BALACHEFF, 1987, p. 147-149, tradução e grifos nossos).

Balacheff afirma ainda que a diferenciação desses conceitos coloca em

relevo as dimensões sociais da demonstração como resultado de um processo

particular de prova.

Segundo Polya (1977), num sistema lógico, os axiomas, as definições e as

proposições não estão relacionados em seqüência aleatória, mas dispostos em

perfeita ordem. Cada proposição está de tal maneira situada que ela pode basear-

se nos axiomas, definições e proposições que a precedem.

Fetissov e Polya ressaltam o caráter dedutivo dos sistemas geométricos:

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Assim, um sistema geométrico compõe-se de um número relativamente pequeno de verdades fundamentais ou postulados, obtidos por indução e aceitos sem demonstração, decorrendo as demais verdades geométricas desses postulados através de deduções. É por isso que se considera a Geometria uma ciência fundamentalmente dedutiva. (FETISSOV, 1997, p 21). Ora, o sistema da Geometria está cimentado por demonstrações...Em suma, se a educação pretende incutir no estudante a noção de sistema lógico, deve reservar um lugar para as demonstrações geométricas. (POLYA, 1977, p. 116).

1. 2 A história da demonstração e dos sistemas dedu tivos geométricos

No intuito de esclarecer os termos sobre a Geometria dedutiva utilizados

neste trabalho e de torná-los significativos, neste item realizamos um estudo

histórico da demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos.

1. 2. 1 A história da origem da demonstração

Neste item, apresentamos um estudo histórico da origem da

demonstração.

Utilizamos as considerações de Domingues (2002) sobre a demonstração

entre os povos antigos. Para o autor, por vários milênios, a Matemática se

desenvolveu sem se valer do método dedutivo. A Matemática babilônica e a

egípcia, por exemplo, não se basearam em nenhuma estrutura axiomática que

pudesse servir de garantia para a validade dos procedimentos práticos de que

essencialmente se compunham. O critério de confiabilidade das regras e

procedimentos usados era simplesmente a concordância com a realidade a que

se destinavam, o que também pode ser tomado como uma idéia de verdade de

Matemática.

Boyer (1974) indica que há várias hipóteses quanto às causas que levaram

à transformação das receitas matemáticas dos pré-helênicos para a estrutura

dedutiva que apareceu na Grécia. Em geral, considera-se que o elemento

dedutivo foi introduzido na Matemática por Tales de Mileto (c. 546 a.C.), que, em

suas viagens, notara discrepâncias na Matemática pré-helênica, como as regras

egípcia e babilônica para a área do círculo, e que, a partir daí, com seus

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sucessores perceberam a necessidade de um método estritamente racional. Mas,

segundo o mesmo autor, recentemente se argüiu contra essa tese, afirmando que

a Matemática do século VI a.C. era muito primitiva para admitir tal contribuição.

Os que sustentam essa opinião às vezes se referem aos argumentos de Zenão

de Eléia (c. 450 a.C.) e Hipaso de Metaponto (c. 470 a.C.). Como possível

inspiração para o método dedutivo, os argumentos de Zenão parecem ter

influenciado profundamente o desenvolvimento da Matemática grega, influência

comparável à da descoberta dos incomensuráveis, com a qual talvez se relacione.

Certamente, as dúvidas e problemas levantados seriam um campo fértil para a

dedução e não seria absurdo considerar o fim do V século a.C. como o início da

forma racional dedutiva.

Segundo o mesmo autor, outras sugestões de historiadores indicam que as

causas da forma dedutiva da Matemática encontram-se fora dela. Uma, por

exemplo, vê no desenvolvimento sociopolítico das cidades-estado da Grécia o

surgimento da dialética e a conseqüente exigência de base racional para a

Matemática e outros estudos. Outra sugestão um tanto semelhante é que a

dedução pode ter provindo da lógica, nas tentativas de convencer um oponente

de uma conclusão, procurando premissas das quais a conclusão segue

necessariamente.

A esse respeito, afirma Struik (1985) que um dos modos de estudar a

história da Matemática e da ciência em geral é considerar o seu lado social, ou

seja, a relação do conhecimento com a sociedade e cita, como exemplo, que o

aparecimento da demonstração em Matemática foi contemporâneo ao

aparecimento da cidade-estado grega.

Arsac (1987) apresenta um estudo da gênese histórica da demonstração.

Alegando haver carência de fontes históricas, o autor utiliza conceitos

desenvolvidos da didática para ajudar a esclarecer essa gênese e, em seu

trabalho, focaliza a época da passagem da prova para a demonstração, adotando

a definição desses termos apresentada por Balacheff (1987), citadas no início

deste capítulo. Para isso, o autor considera dois pontos de vista: o externalista e o

internalista, explicados a seguir.

O ponto de vista externalista, apoiado na teoria de Szabo, atribui a

aparição da demonstração em Matemática essencialmente à influência externa da

sociedade grega do V século a.C: a transformação da Matemática em ciência

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hipotético-dedutiva seria a aplicação das regras do debate argumentado que

governavam a vida política na cidade grega.

O ponto de vista internalista sugere que a demonstração surgiu da

necessidade de solução de um problema interno da Matemática: o problema da

irracionalidade, da incomensurabilidade, que, segundo os historiadores, é

contemporâneo à aparição da demonstração, também no V século a.C. Esse

ponto de vista é sustentado por Caveing.

Arsac (1987) faz uma análise das ligações entre a irracionalidade e a

demonstração e descreve o que acredita ser o prólogo da demonstração: o

Pitagorismo. O autor considera as características no campo matemático do

pensamento pitagórico e do método da antiferese, usado para determinar a

alíquota comum entre dois segmentos. Havia o obstáculo da incomensurabilidade

entre o lado e a diagonal do quadrado e do pentágono. No campo aritmético,

descreve-se a dificuldade de obter a raiz de alguns números e as ternas

pitagóricas, correspondentes aos lados de triângulos retângulos isósceles.

Segundo Eves (1995), a descoberta dos números irracionais foi

surpreendente e perturbadora para os pitagóricos. Em primeiro lugar, porque

parecia desferir um golpe mortal na filosofia pitagórica, segundo a qual tudo

dependia dos números inteiros e de razões entre eles. Além disso, parecia

contrária ao senso comum, pois, intuitivamente, havia o sentimento de que toda

grandeza poderia ser expressa por algum número racional. A contrapartida

geométrica era igualmente espantosa, pois ninguém poderia duvidar que, dados

dois segmentos de reta, sempre seria possível encontrar um terceiro segmento de

reta, talvez muito pequeno, que coubesse exatamente um número inteiro de

vezes em cada um dos dois segmentos dados.

Segundo Domingues (2002), no século V a.C., o pitagórico Hipaso de

Metaponto, para constrangimento de toda a confraria, demonstrou a falsidade

dessa crença. Como exatamente não se sabe. Segundo o mesmo autor, no

século IV a.C., Aristóteles (384-322 a.C.) apresenta uma demonstração da

irracionalidade entre a diagonal e o lado de um quadrado, baseada na distinção

entre pares e ímpares (conhecida dos pitagóricos), utilizando-se do método

indireto. Domingues afirma que essa pode ser a demonstração encontrada por

Hipaso. Porém Boyer afirma que, nessa prova, o grau de abstração é tão alto que

se questiona ter servido de base à descoberta original da incomensurabilidade.

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Arsac (1987) conclui que, por volta do século V a.C., se caracterizou a

busca da superação desse obstáculo interno à Matemática – o problema da

irracionalidade e da incomensurabilidade – e que esses problemas só foram

superados com a ajuda de um aporte externo. Apoiando-se em Szabo, o autor

afirma que é inconcebível que a recusa do empirismo e o emprego da

demonstração pelo absurdo tenham aparecido espontaneamente entre os gregos.

Mas a esse argumento de razão se juntou o fato histórico de que tais atitudes

eram características da filosofia eleata, baseada no pensamento dos filósofos

Zenão e Parmênide de Eléia (c. 450 a.C.) e na lógica do terceiro excluído. O autor

explica também que existem boas razões para que o problema da irracionalidade

e o raciocínio por absurdo tenham aparecido no âmbito grego e não em outros

lugares, seguindo comparação das culturas grega, chinesa e indiana. O raciocínio

por absurdo não foi utilizado na Matemática chinesa e indiana até por volta do

século XIV.

Arsac (1987) conclui que a demonstração surgiu na Grécia, no V século a.

C., e que uma síntese entre o ponto de vista internalista e externalista é a mais

verossímil: a transformação da Matemática em ciência hipotético-dedutiva, que

envolve o emprego da demonstração e de axiomas, levou à superação da

contradição associada ao problema da irracionalidade, mas a solução escolhida

está ligada à influência da sociedade grega.

1. 2. 2 A história dos sistemas dedutivos geométri cos

Neste item, apresentamos um estudo histórico da evolução da

demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos.

Domingues (2002) afirma que a crise da Matemática grega, devida à

demonstração da irracionalidade, deixa claro que a idéia de utilizar

encadeamentos articulados mediante raciocínios lógicos para o desenvolvimento

da Matemática já era realidade nessa época. Mas o mesmo autor pondera que,

para chegar ao método postulacional, com vistas à criação de sistemas

matemáticos os mais amplos e confiáveis possíveis, faltava uma estruturação

preliminar composta de noções básicas, postulados e definições.

Segundo Eves (1995), a esses primeiros passos da Geometria

demonstrativa trilhados pelos gregos, no século V a.C., seguiram tentativas de

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organizar logicamente a Geometria num sistema dedutivo, a partir de umas

poucas noções básicas e definições iniciais. Essas tentativas culminaram no

século III a. C. com Os Elementos, de Euclides - uma compilação da Matemática

elementar da época.

Polya (1977) considera a disposição ordenada das proposições o maior

sucesso de Euclides e o seu sistema lógico o maior mérito dos Elementos.

Fetissov (1997) também considera a obra de Euclides o primeiro dos

sistemas dedutivos e, por mais de dois milênios, seu modelo por excelência.

Boyer (1974) descreve Os Elementos como uma obra dividida em treze

livros ou capítulos, dos quais versam os primeiros seis sobre Geometria plana

elementar, os três seguintes sobre teoria dos números, o livro X sobre

incomensuráveis e os últimos três principalmente sobre Geometria no espaço.

Não há introdução nem preâmbulo e o primeiro livro começa abruptamente com

uma lista de vinte e três definições. Em seguida às definições, Euclides dá uma

lista de cinco postulados e cinco axiomas (ou noções comuns).

Segundo Fetissov (1997), ainda hoje, o ensino de muitas partes da

Geometria na escola média reflete a influência do sistema geométrico de

Euclides.

De acordo com Domingues (2002), no modelo dedutivo utilizado por

Euclides, possivelmente inspirado em Aristóteles, não há conceitos primitivos.

Todos os objetos geométricos a estudar, mesmo os mais intuitivos, são

explicitamente definidos. Efetivamente, o objetivo de Euclides não era apenas

apresentar formalmente os objetos iniciais de seu discurso, mas também garantir

que eles correspondiam a uma realidade ligada à experiência e expectativa do

leitor. Os postulados que se seguiam, por sua vez, tinham caráter de auto-

evidência. Por essas razões, as axiomáticas como a usada por Euclides nos

Elementos, calcadas de alguma maneira na evidência e na experiência, vieram a

ser conhecida como axiomáticas materiais.

O autor afirma ser natural que uma obra em evidência por tantos séculos

não escapasse de inúmeras análises e críticas ao longo do tempo, que revelaram

uma série de falhas lógicas.

Eves (1995) afirma que a descoberta por Gauss (1777 – 1855), Bolyai

(1802 – 1860) e Lobatchevski (1792 – 1856) de uma Geometria consistente,

diferente da de Euclides, liberou a Geometria de seus moldes tradicionais.

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Destituiu-se a convicção secular de que só era possível uma única Geometria e

abriu-se caminho para a criação de muitas outras. Com a possibilidade de criar

essas Geometrias puramente “artificiais”, tornou-se evidente que a Geometria não

está necessariamente ligada ao espaço físico. Os postulados da Geometria

tornaram-se, para o matemático, meras hipóteses, cuja verdade ou falsidade

físicas não lhe dizem respeito. Enquanto na axiomática material costumava-se

pensar nos objetos que representam os conceitos primitivos de um discurso

axiomático como conhecidos antes dos postulados, agora os postulados

passaram a ser considerados anteriores à especificação dos conceitos primitivos.

Esse novo ponto de vista do método axiomático tornou-se conhecido como

axiomática formal, em oposição à anterior axiomática material.

Segundo o mesmo autor, a axiomática formal foi desenvolvida

sistematicamente pela primeira vez por David Hilbert (1862-1943), no seu famoso

Fundamentos da Geometria, de 1899. Esse pequeno livro, que alcançou nove

edições, é hoje um clássico dessa área. Escorado pela grande autoridade desse

autor em Matemática, o trabalho implantou firmemente o método postulacional da

axiomática formal não só no campo da Geometria como também em quase todos

os ramos da Matemática do século XX.

Recorremos à citação de Struik para ressaltar o trabalho de Hilbert:

...há ocasiões em que alguma coisa realmente grande surge de estudos de registros de casos passados. O mais conhecido é o trabalho de Hilbert sobre os fundamentos axiomáticos da geometria, baseado na busca dos pontos fortes e fracos dos Elementos de Euclides e na investigação – quando necessária até mesmo assimilação – de outras contribuições através dos tempos, desde Arquimedes, Pappus até Pascal e Pasch. Nesse caso uma parte quase fossilizada da matemática foi recriada com uma nova e esplêndida vida.(Struik, 1985, p. 199).

Fetissov (1997) também salienta que Hilbert, com seu magistral

Fundamentos da Geometria, construiu formalmente, evitando as armadilhas da

intuição, um sistema geométrico euclidiano grandemente aprimorado. As falhas

lógicas de Euclides estavam por fim aceitavelmente preenchidas. A obra de

Hilbert serviu de inspiração, no século XX, a muitos autores de textos de

Geometria dirigidos para o ensino médio.

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Segundo Eves (1995), no fim do século XIX, Hilbert e outros formularam o

conceito de axiomática formal e desenvolveram a idéia de um ramo da

Matemática como um corpo abstrato de teoremas deduzidos de um conjunto de

postulados. Cada Geometria tornou-se, sob esse ponto de vista, um ramo

particular da Matemática. Conjuntos de postulados para uma ampla variedade de

Geometrias foram estudados.

Fetissov (1997) afirma que, embora muito já tenha sido feito, o trabalho

dos geômetras em construir sistemas geométricos aprimorados continua nos dias

de hoje.

1. 3 Estudo histórico da Educação Matemática

Nesse item apresentamos uma síntese da história da Educação

Matemática desde o início do século XX.

Descrevemos um panorama mundial das mudanças significativas deste

período e de suas repercussões no Brasil, procurando enfocar como o ensino da

Geometria foi abordado. Para esse estudo, utilizamos trabalhos sobre Educação

Matemática de Miorim (1998), Vianna (1988), Pavanello (1993), Pires (1995) e

Pires(2004), que são referenciados no decorrer da descrição.

Miorim (1998) explica que o primeiro movimento de modernização

internacional da Matemática aconteceu no início do século XX, influenciado pelas

idéias de Félix Klein (1849-1925) e tinha por objetivo principal diminuir o

descompasso entre os estudos científico-tecnológicos e o ensino da Matemática

clássica, euclidiana, desenvolvido por escolas de nível secundário. Até então,

desde muitos séculos, apresentava-se aos alunos desse nível de ensino uma

Matemática “tradicional”, a antiga Matemática grega euclidiana. Segundo Vianna

(1988) os livros didáticos, em sua grande maioria, faziam todas as demonstrações

e ao final de cada capítulo, era comum encontrar uma lista para provar os

teoremas. Os alunos, muitas vezes, eram obrigados a memorizar as

demonstrações. Nessa época, os teoremas eram apresentados aos alunos em

ordem numérica dentro de uma cadeia lógica. Então, a Geometria era

apresentada como um sistema lógico-dedutivo.

De acordo com Miorim (1998), os elaboradores dessa reforma de

modernização, ilustres matemáticos, tinham consciência de que a Matemática da

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época estava bem avançada, na fase de fundamentação do que já havia sido

verificado empiricamente e estruturada pela teoria dos conjuntos.

Segundo a autora, essa “moderna Matemática” apresentava alto nível de

generalidade, elevado grau de abstração e maior rigor lógico, podendo ser

identificada com as estruturas e a axiomatização. Foi influenciada pelo

desenvolvimento das Geometrias não-euclidianas de Gauss (1777-1855),

Lobatchevski (1792-1856) e Bolyai (1802 – 1860) e pelas axiomatizações da

Geometria de Euclides realizadas, sobretudo por Hilbert (1862-1943), com sua

obra Fundamentos da Geometria, publicada em 18991. Também influenciaram

essa “moderna Matemática” o desenvolvimento da lógica, as extensões da noção

de número e o aparecimento da álgebra “abstrata”. Os elaboradores dessa

primeira reforma, porém, optaram por uma proposta de modernização modesta,

não introduzindo os últimos avanços da Matemática na escola secundária, mas

alguns elementos mais atuais, considerando uma continuidade para o

desenvolvimento de outros estudos no curso superior. Os elaboradores dessa

reforma também alertaram para os perigos da formalização excessiva no ensino.

Por exemplo, Felix Klein fez restrições com relação à introdução dos conceitos da

teoria dos conjuntos e defendeu o estudo dos grupos apenas no ensino superior.

Então, esse movimento modernizador para o ensino de Matemática nas

escolas secundárias do início do século XX procurou, como elementos

fundamentais para a elaboração de sua proposta, a intuição (os estudos formais

deveriam acontecer apenas após um trabalho intuitivo dos conceitos), as

aplicações práticas da Matemática a outras áreas do conhecimento e a

articulação entre os vários ramos da Matemática, utilizando, como elemento

unificador, o conceito de função.

No Brasil, as idéias desse primeiro movimento foram trazidas por Euclides

Roxo, por volta de 1930, e a reforma Francisco Campos continha as propostas

modernizadoras de Roxo para o Ensino da Matemática2.

Segundo Miorim (1998), não se pode dizer que os objetivos desse primeiro

movimento modernizador da Matemática foram alcançados. O movimento foi alvo

de muitas críticas, principalmente pela forte tradição do estilo euclidiano. A autora

1 Uma breve descrição histórica deste período é apresentada no item 1. 2. 2 deste capítulo. 2 Sobre a contribuição de Euclides Roxo na modernização do ensino de Matemática no Brasil, recomendamos a leitura de Valente (2003).

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relata que, de acordo com Felix Klein, havia um “culto a Euclides”, forte empecilho

à entrada das idéias modernas nas escolas. Pires (2004) constata que não houve

a apropriação esperada do estilo heurístico de apresentação da Matemática,

proposto pelo movimento, nos livros didáticos brasileiros da década de 1930.

Apesar da resistência ao movimento, as propostas do movimento

influenciaram significativamente futuras discussões sobre a Educação Matemática

em diferentes países.

Miorim (1998) relata que o desenvolvimento da “moderna Matemática”

culminou com os trabalhos de Nicolas Bourbaki, nome fictício escolhido por um

grupo de matemáticos, cujo objetivo era expor toda a Matemática na forma

axiomática e unificada, utilizando como elemento unificador, as estruturas. Em

1959, a Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE) organizou uma

Conferência Internacional, em Royaumont, em que especialistas de vinte países

discutiram propostas de mudança para o ensino de Matemática da escola de nível

médio. Nessa conferência foram estabelecidas as bases do Movimento da

Matemática Moderna, idealizadas principalmente pelo matemático francês,

pertencente ao grupo Bourbaki, Jean Dieudonné (1906-1992). Os objetivos do

Movimento da Matemática Moderna eram similares ao movimento anterior, do

início do século XX, ou seja, diminuir o descompasso entre a Matemática

ensinada no secundário e seus avanços tecnológicos. Porém, diferentemente da

primeira proposta modernizadora, a proposta do Movimento da Matemática

Moderna baseou-se, exclusivamente, na moderna Matemática, em sua forma

axiomática desenvolvida pelo grupo Bourbaki, na qual os elementos essenciais

eram as estruturas como elemento unificador, a teoria dos conjuntos, com sua

linguagem simbólica e as relações.

Segundo Pavanello (1993), quanto à Geometria, optou-se, num primeiro

momento, por acentuar as noções de figura geométrica e de intersecção de

figuras como conjuntos de pontos do plano, adotando, para a sua representação,

a linguagem da teoria dos conjuntos. A coerência do Movimento exigia que a

Geometria fosse abordada pelo enfoque das transformações.

Pires (1995) relata o exemplo do programa moderno de Matemática

proposto em 1960, em Dubrovnik. Para a Geometria do primeiro ciclo – alunos de

11 a15 anos – a proposta do programa diferia radicalmente dos programas

tradicionais, propondo a introdução sistemática das transformações geométricas.

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Miorim (1998) afirma que, ao contrário do primeiro Movimento, a adesão ao

Movimento da Matemática Moderna foi maciça, devido a razões externas ao

campo científico-tecnológico, mas a ele vinculadas. Um desses fatores foi a

preocupação dos Estados Unidos em modernizar o ensino da Matemática, que se

manifestou fortemente durante a segunda Guerra Mundial porque os soldados

americanos apresentavam alto grau de deficiência com relação à Matemática.

Outro fator importante foi o lançamento do primeiro foguete russo em 1957, o

Sputnik, evidenciando a defasagem tecnológica americana. As propostas do

movimento foram também reforçadas pelos estudos psicológicos de Jean Piaget

(1896-1980). A conseqüência de todos esses fatores foi a maciça repercussão do

Movimento da Matemática Moderna no mundo todo, com exceção da Itália e dos

países ligados à Rússia. No Brasil, o Movimento da Matemática Moderna foi

discutido e implementado especialmente por meio das atividades desenvolvidas

pelo Grupo de Estudos do Ensino da Matemática – GEEM, fundado em 1961, por

professores do Estado de São Paulo, tendo como principal representante Osvaldo

Sangiorgi.

Segundo Miorim (1998), durante o IV Congresso Nacional de Ensino da

Matemática, em 1962, o GEEM apresentou exemplos de trabalhos bem-

sucedidos com a Matemática Moderna e uma proposta de programa para a

escola secundária, orientado por essas idéias. O V Congresso Nacional de Ensino

da Matemática, coordenado pelo GEEM, em 1966, em São José dos Campos –

SP, foi dirigido especialmente à Matemática Moderna e seu ensino e teve a

participação de vários professores estrangeiros. Esse Congresso reforçou a

repercussão do movimento no Brasil, conforme citação a seguir:

O espírito da “Matemática moderna” presente no V Congresso veio apenas reforçar a difusão das idéias modernizadoras que, especialmente por meio dos cursos organizados pelo GEEM – com o apoio do MEC e da Secretaria de Estado – e da publicação dos primeiros livros didáticos de acordo com essa nova orientação, a partir da primeira metade da década de 60, desencadearam um processo de implantação da Matemática moderna nas escolas brasileiras. (MIORIM, 1998, p. 114).

Segundo Vianna (1988), no Brasil, como conseqüência do movimento, o

ensino da Geometria foi interpretado distintamente nos livros didáticos,

dependendo não só do envolvimento do autor com o Movimento, mas também, da

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crença se seriam pedagogicamente aplicáveis e da coragem de romper com os

padrões tradicionalmente aceitos.

Segundo Pires (1995) no sistema de ensino público do Estado de São

Paulo, a presença da matemática Moderna ficou especialmente registrada na

elaboração dos chamados Guias Curriculares, organizados para orientar as

escolas de 1º grau, que se estruturavam em cursos de oito séries, por força da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L. F. no. 5692/71). A autora afirma

que são marcas da implantação do Movimento da Matemática Moderna no Brasil

a predominância dos termos algébricos sobre os geométricos, o tratamento da

Geometria como um tema ilustrativo dos conjuntos ou da álgebra.

Pavanello (1993) afirma que, como conseqüência da mudança de

abordagem para a Geometria encontrada nos livros didáticos da época, os

professores ficaram perdidos por possuírem formação deficiente e então o ensino

da Geometria foi sendo abandonado nas escolas brasileiras até a década de

1980. A autora denunciou ainda a dualidade das escolas brasileiras da época,

como “escola que se ensina a Geometria” (escola da elite) X “escola onde não se

ensina a geometria” (escola do povo).

Segundo Vianna (1988), no declínio do Movimento da Matemática

Moderna, surgiram críticas ao dedutivo no ensino, por parte de psicólogos,

pedagogos e matemáticos. O dedutivo foi acusado de ser rigoroso e abstrato. E a

conseqüência disso foi que os livros brasileiros da década de 1980 conservaram

as demonstrações dos teoremas mais tradicionais, mas na parte de exercícios

diminuíram ou aboliram quaisquer exercícios de caráter lógico ou para

demonstrar. Foi defendido um ensino mais “prático”, de aplicação de

propriedades.

As críticas ao Movimento da Matemática Moderna fizeram surgir a Didática

da Matemática como um corpo importante de conceitos teóricos próprios

atualmente reconhecida como disciplina autônoma no campo científico.

Na década de 1990, identificamos na história da Educação Matemática

brasileira um fato importante, a implantação do Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD) para todas as séries do Ensino Fundamental, em 1995.

Segundo informações obtidas junto ao Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE), a política do Governo brasileiro sobre

distribuição de livros didáticos foi iniciada em 1929, quando foi criado um órgão

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específico para legislar sobre a política do livro didático, o Instituto Nacional do

Livro (INL). A partir daí, a ação federal nessa área vem se aperfeiçoando com a

finalidade de prover as escolas das redes federal, estaduais, municipais e do

Distrito federal com obras didáticas e para-didáticas.

Em 1985 foi criado o programa Nacional do Livro Didático para distribuição

gratuita dos livros didáticos pelo governo com características diferenciadas dos

programas anteriores, como a indicação dos livros feita pelos professores, a

reutilização do livro, implicando a abolição do livro descartável e o

aperfeiçoamento das especificações técnicas para sua produção, visando maior

durabilidade e possibilitando a implantação de bancos de livros didáticos. Porém

até o início da década de 1990, a distribuição não alcançava a abrangência de

todo o Ensino Fundamental e a distribuição dos livros era comprometida pelas

limitações orçamentárias, restringindo-se o atendimento até a quarta série.

Apenas em 1995 é que, de forma gradativa, volta a universalização da

distribuição dos livros didáticos no Ensino Fundamental e neste mesmo ano é

implantado o programa para todas as séries do Ensino Fundamental,

contemplando as disciplinas de Matemática e de Língua Portuguesa.

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CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

2. 1 Metodologia da pesquisa

2. 1. 1 A pesquisa documental como metodologia par a a coleta de dados

No intuito de estudar a história do ensino da Geometria dedutiva no Brasil

desde o início da década de 1990, utilizamos, como recurso metodológico para a

coleta de dados, a pesquisa documental.

Segundo Pádua (2000), pesquisa documental é aquela realizada a partir de

documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente

autênticos (não-fraudados). A autora ressalta o uso da pesquisa documental em

pesquisas de investigação histórica:

[...] tem sido largamente utilizada nas ciências sociais, na investigação histórica, a fim de descrever/comparar fatos sociais, estabelecendo suas características ou tendências. (PÁDUA, 2000, p. 65).

Utilizamos como fontes dessa pesquisa documental coleções de livros

didáticos de cada época analisada.

2. 1. 2 A pesquisa bibliográfica para estudar o ens ino-aprendizagem da

Geometria dedutiva

Pádua (2000) afirma que o pesquisador pode utilizar um recurso

metodológico ou uma integração entre dois ou mais recursos, dependendo do seu

objeto de pesquisa. Assim, utilizamos também a pesquisa bibliográfica para

realizar um estudo sobre o ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva no intuito

de estabelecer critérios para a análise dos documentos: os livros didáticos.

Segundo a autora, a pesquisa bibliográfica tem por finalidade colocar o

pesquisador em contato com o que já se produziu e registrou a respeito do tema

de pesquisa. Bibliografia é definida como o conjunto de obras derivadas sobre

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determinado assunto, escritas por vários autores, em épocas diversas. Desse

modo, procuramos abranger vários autores, como Lakatos (1978), Balacheff

(1987), Arsac (1987) e Duval (1993). Tivemos o cuidado de analisar trabalhos que

pertenciam a uma mesma linha de estudo, observando que os de publicação mais

recente referenciavam os anteriores, já estudados. Essa pesquisa bibliográfica

está descrita no quarto capítulo.

2. 2 A história das disciplinas e a noção de “vulg ata escolar”

Considerando que nosso estudo sobre a abordagem da Geometria

dedutiva nos programas curriculares e nas coleções de livros didáticos contribui

para a história das disciplinas, utilizamos, como referência, o trabalho de Chervel

(1990) sobre a história das disciplinas escolares. O autor ressalta a importância

de estudar a história das disciplinas como contribuição para a história da

educação e para a história cultural:

Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noção de disciplina, desde que se reconheça que uma disciplina escolar comporta não apenas as práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de aculturação de massa que ela determina, então a história das disciplinas escolares pode desempenhar um papel importante não somente na história da educação, mas na história cultural. (CHERVEL, 1990, p. 184).

Chervel afirma que é tarefa do historiador das disciplinas escolares estudar

o núcleo da disciplina - formado pelos conteúdos explícitos e as baterias de

exercícios - e que esses estudos beneficiam-se de uma documentação abundante

à base de cursos manuscritos, manuais e periódicos pedagógicos.

Consideramos que uma coleção de livros didáticos seja um tipo de manual

pedagógico, o que fundamenta seu uso em nossa pesquisa para estudar a

história do ensino da Geometria dedutiva no Brasil.

O autor define o termo “vulgata escolar” associando-o ao fato de que, em

determinada época, o ensino dispensado pelos professores é o mesmo para a

mesma disciplina e para o mesmo nível e que quase todos os manuais dizem a

mesma coisa. E acrescenta:

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Os conceitos ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus de conhecimento, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações aproximadas. (CHERVEL, 1990, p. 203).

Em nossa pesquisa, tivemos a preocupação de estudar a história da

Educação Matemática brasileira de 1990 até hoje para escolher os períodos

significativos de análise e também para que a escolha de coleções de livros

didáticos relevantes de cada período não fosse aleatória ou errônea. Sobre o

perigo de escolher livros didáticos para análise aleatoriamente, Chervel alerta:

A descrição e análise dessa vulgata são a tarefa do historiador de uma disciplina escolar. Cabe-lhe, se não pode examinar minuciosamente o conjunto da produção editorial, determinar um corpus suficientemente representativo de seus diferentes aspectos. A prática, freqüente, de uma amostra totalmente aleatória não pode conduzir, e não conduz efetivamente, a não ser a resultados frágeis, até mesmo caducos. (CHERVEL, 1990, p. 203).

O autor afirma que uma vulgata se estabelece após mudanças importantes

na história da educação:

A experiência elementar de todo historiador das disciplinas lhe ensina que as vulgatas evoluem ou se transformam. As exigências intrínsecas de uma matéria ensinada nem sempre se acomodam numa evolução gradual e contínua. A história das disciplinas se dá freqüentemente por alternância de patamares e de mudanças importantes, até mesmo de profundas agitaç ões. (CHERVEL, 1990, p. 204, grifo nosso).

Para a nossa pesquisa, identificamos nos últimos dez anos uma mudança

significativa na história da Educação Matemática brasileira, conforme descrito nos

estudos preliminares - a implantação do Programa Nacional de Livros Didáticos

(PNLD), em 1995 - e vamos analisar coleções de livros didáticos num período

anterior e num posterior a essa mudança. O período anterior escolhido é o início

dos anos 1990, influenciado pelo declínio da influência do Movimento da

Matemática Moderna no Brasil e suas críticas e pela Didática da Matemática. O

período posterior escolhido é o início dos anos 2000, influenciado pelo PNLD,

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pelos estudos em Educação Matemática e também pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais – PCN (1998).

Por interessarmo-nos em um corpo editorial o mais próximo possível da

prática pedagógica para dar relevo à história, o critério de escolha das coleções

de livros didáticos foi eleger as de maior penetração mercadológica. Para o

período dos anos 1990, anterior à implantação do PNLD, foram escolhidas as

coleções com maior vendagem para as escolas públicas do Estado de São Paulo,

com informações obtidas diretamente de três expressivas editoras de São Paulo:

Saraiva/Atual, Scipione e FTD. No início de 2005, o departamento editorial de

Matemática de cada editora anunciou sua coleção mais vendida, totalizando,

portanto, três coleções para análise. Para o período dos anos 2000, influenciado

pela implantação do PNLD para todas as séries do Ensino Fundamental,

consultou-se a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para identificar

as três coleções mais distribuídas para as escolas do Governo do Estado de São

Paulo, que foram escolhidas via PNLD de 2005. A relação das coleções de livros

didáticos obtida nessas consultas referentes a cada período está descrita no

apêndice.

Os livros didáticos foram considerados, em nossa pesquisa, manuais de

apoio ao professor. Desse modo, analisamos todas as recomendações ao

professor, considerando também os prefácios e manuais do professor.

2. 3 A classificação das Geometrias proposta por P arsysz

Parsysz (2000) propôs um modelo de classificação de Geometrias, que

considera, de um lado, os objetos em jogo — físicos ou teóricos — e, de outro, os

modos de validações — perceptivo ou dedutivo.

Como Geometrias não-axiomáticas, o autor apresenta G0-Geometria

Concreta e G1-Geometria Spatio-gráfica. Em G0 os estudos geométricos são

realizados a partir de atividades concretas como maquetes, plantas e dobraduras.

Na Geometria Spatio-Gráfica (G1) ainda se confunde Geometria e realidade; os

alunos podem conjecturar e fazer constatações de propriedades, empiricamente,

a partir de atividades de construção de figuras com o uso de instrumentos de

medida, como régua, compasso, esquadro e transferidor.

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Do lado oposto, Parsysz classifica as Geometrias axiomáticas: Geometria

Proto-Axiomática (G2) e Geometria Axiomática (G3). Em G2, ocorre a concepção

de um esquema da realidade em que as definições fazem sentido e os resultados

passam a ser validados com técnicas dedutivas. Em G2-Geometria Proto-

axiomática, a figura construída em G1 tem status de figura genérica e a dedução

é reconhecida como ferramenta de validação no interior de um sistema

axiomático. Em G3, não se faz referência à realidade e a Geometria é totalmente

explicada. Trabalhando em G3, o aluno é capaz de situar-se nos diferentes

sistemas axiomáticos, bem como compará-los.

O quadro 1 sintetiza essa classificação:

Classificação de Geometrias Geometrias não axiomáticas Geometrias axiomáticas

Tipo de Geometria

Geometria concreta

(G0)

Geometria spatio-gráfica

(G1)

Geom. Proto-axiomática

(G2)

Geometria axiomática (G3)

Objetos Físicos Teóricos Validações Perceptivas Dedutivas

Figura 1

(Fonte: PARSYSZ, 2000, p. 64)

Parsysz considera que a articulação entre G0, G1 e G2 é o ponto central

da problemática do ensino obrigatório da Geometria e que a gestão do salto

conceitual entre G1 e G2 é um elemento essencial, devendo ser fixados os

conceitos em jogo de G1 e G2 e sua articulação, bem como o status da figura. Em

G1, os conceitos são representações físicas dos objetos concretos, enquanto em

G2 os conceitos em jogo são entidades abstratas, asseguradas por definições,

axiomas e propriedades e podem ser representadas por objetos físicos, sem,

entretanto, limitar-se a eles.

Acreditamos que convém explicar aos alunos iniciantes em demonstrações

as diferenças entre os dois tipos de validação associados a cada tipo de

Geometria e assim, despertá-los para a importância das demonstrações em

Matemática e das limitações das verificações empíricas.

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Em nosso trabalho, estamos interessados em observar como a abordagem

das validações das propriedades geométricas em cada coleção de livros didáticos

do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental se enquadra nas G1-Geometria Spatio-

gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática. Em G1-Geometria Spatio-gráfica, as

validações das propriedades são verificadas empiricamente, enquanto em G2-

Geometria Proto-axiomática, a validação é dedutiva. Analisaremos em cada

coleção, no estudo das propriedades geométricas, quando e como ocorre a

entrada em G2-Geometria Proto-axiomática e como são articulados os dois tipos

de validação, ou seja, a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-

Geometria Proto-axiomática.

2. 4 A Organização Praxeológica

Utilizamos em nossa análise a teoria de Chevallard (1999) sobre

Organização Praxeológica.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss, 2001)

praxe significa “aquilo que se pratica habitualmente, rotina, uso, prática,

pragmática”. Praxeologia, portanto, equivale ao estudo das praxes e se refere ao

estudo das práticas, das atividades rotineiras.

Segundo Chevallard (1999), a Organização Praxeológica está presente na

Teoria Antropológica do Didático, que situa a atividade matemática no conjunto de

atividades humanas e de instituições sociais.

O autor utiliza as noções de tarefa, técnica, tecnologia e teoria para

modelizar as práticas sociais e, em particular, a atividade matemática.

Na raiz da noção de praxeologia, encontra-se a noção de tarefa. Na

maioria dos casos, uma tarefa se expressa por um verbo e pressupõe um objeto

relativamente preciso. Exemplo de tarefa: calcular o valor de uma função em um

ponto. Tarefas são “artefatos”, “obras” construídas institucionalmente, nas quais a

reconstrução em tal instituição, por exemplo, em tal classe, é um problema que

constitui o próprio objeto da didática.

Uma praxeologia relativa a certa tarefa determina uma maneira de cumprir,

de realizar essa tarefa, a que Chevallard chama de técnica. Uma técnica não é

necessariamente de natureza algorítmica, senão em alguns casos muito raros.

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A seguir, Chevallard (1999) define tecnologia o discurso racional sobre

uma técnica. A tecnologia tem por objetivo primeiro justificar racionalmente a

técnica, assegurando cumprir bem as tarefas, ou seja, realizar o que foi

pretendido. Uma segunda função da tecnologia é explicar, tornar inteligível,

esclarecer a técnica. Uma terceira função corresponde a um emprego mais atual

do termo tecnologia: a função de produção de técnicas. Isso permite constatar a

existência de tecnologias potenciais esperando técnicas ou porque não se

tornaram tecnologias de alguma técnica, ou porque são tecnologias de

pouquíssimas técnicas.

Segundo o mesmo autor, o discurso tecnológico contém asserções que

podem solicitar a razão. Passa-se, então, a um nível superior de justificação,

explicação e produção — o da teoria — que retoma, em relação à tecnologia, o

papel que esta tem em relação à técnica.

Chevallard (1999) conclui que, em torno de um tipo de tarefa, encontra-se

um trio formado por uma técnica, uma tecnologia e uma teoria. Esse bloco (tarefa,

técnica, tecnologia, teoria) constitui uma praxeologia, a qual, por sua vez, é

constituída por dois blocos: o tecnológico-teórico (tecnologia, teoria), indicado

como “saber”, e o prático-técnico (tarefa, técnica), que constitui o “saber-fazer”.

Outro elemento que pertence à Organização Praxeológica, que utilizamos

em nosso trabalho é o discurso teórico-tecnológico, ou seja, o uso simultâneo da

teoria e da tecnologia em relação a uma técnica.

Em nossa pesquisa, estudamos nos livros didáticos a Organização

Praxeológica associada aos exercícios propostos sobre propriedades

geométricas, parte da Geometria em que ocorrem as demonstrações. Os

discursos teórico-tecnológicos associados às técnicas e aos exercícios propostos

se baseiam em teorias da Didática da Matemática e toda essa Organização

Praxeológica está descrita no capítulo 4, na categoria 2 de análise.

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33

CAPÍTULO 3

APRESENTAÇÃO DA PESQUISA

3. 1 A relevância do tema

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1998), encontramos a

recomendação de atividades que favoreçam o raciocínio dedutivo como

desenvolvedor da argumentação lógica, necessário na validação de resultados

em resoluções de problemas. E os PCN relevam a importância da Geometria

dedutiva nesse processo:

Os problemas de geometria vão fazer com que o aluno tenha contato com a necessidade e as exigências estabelecidas por um raciocínio dedutivo. (BRASIL, 1998, p. 86).

No texto de Polya (1977), encontramos considerações sobre a importância

do ensino da Geometria dedutiva para desenvolver o raciocínio lógico:

Se o aluno não tiver aprendido este ou aquele fato geométrico específico, não terá perdido muito. Mas se ele não se houver familiarizado com as demonstrações geométricas, terá deixado escapar os melhores e mais simples exemplos das verdadeiras provas e perdido a melhor oportunidade de adquirir a idéia do raciocínio rigoroso. Sem esta idéia, faltar-lhe-á o verdadeiro critério para comparar argumentos de todos os tipos que lhes apresentem na moderna vida cotidiana. Em suma, se a educação pretender incutir no estudante as noções da prova intuitiva e do raciocínio lógico, ela deverá reservar um lugar para as demonstrações geométricas. (POLYA, 1977, p. 116).

Além de desenvolver o raciocínio rigoroso, as demonstrações geométricas

também auxiliam na apreensão dos conceitos geométricos, como salienta

Almouloud (2003):

A construção de situações para a sala de aula, nas quais a iniciação à demonstração tem um papel importante, pode levar os alunos de 5a. a 8a. séries a uma melhor compreensão dos conceitos geométricos e à aquisição de habilidades geométricas. (ALMOULOUD, 2003, p. 132).

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Então, interessamo-nos por investigar o quadro do ensino da Geometria

dedutiva, no Brasil, desde 1990 até a época atual.

Os PCN (1998) nos motivaram a pesquisar a abordagem da Geometria

dedutiva nos livros didáticos:

[...] a formação de professores, tanto a inicial quanto a continuada, pouco tem contribuído para qualificá-los para o exercício da docência. Não tendo oportunidade e condições para aprimorar sua formação e não dispondo de outros recursos para desenvolver as práticas da sala de aula, os professores apóiam-se quase exclusivamente nos livros didáticos, que, muitas vezes, são de qualidade insatisfatória. (BRASIL, 1998, p. 21).

Constatamos que as pesquisas de Miorim (1998), Pavanello (1993), Vianna

(1988), Pires (1995) e de Pires (2004) citadas no primeiro capítulo, abordam o

ensino da Matemática no Brasil em períodos até o fim da década de 1980.

Então, para este trabalho, escolhemos investigar o ensino da Geometria

dedutiva por meio da análise de livros didáticos de época mais recente que a

daqueles pesquisadores: desde o início dos anos 1990 até os dias atuais.

Chervel (1990) define o termo ”vulgata escolar” associando-o ao fato de

que, em determinada época, o ensino dispensado pelos professores é o mesmo

para a mesma disciplina e para o mesmo nível e que quase todos os manuais

dizem a mesma coisa. Uma vulgata se estabelece após mudanças importantes na

história da educação.

Na década de 1990 identifica-se no Brasil uma mudança significativa na

história da Educação, a implantação do Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD) em 1995, em que os livros didáticos são avaliados e distribuídos pelo

governo para todas as séries do Ensino Fundamental. Então, delimitamos nossa

fase da educação matemática brasileira em dois períodos: anterior e posterior à

implantação do Programa Nacional do Livro Didático para todo o Ensino

Fundamental, em 1995, ao considerar sua relevante influência no mercado

editorial de livros didáticos brasileiros.

Escolhemos analisar as coleções de livros didáticos de maior penetração

mercadológica nas escolas da rede estadual de São Paulo por estarmos inseridos

no projeto visando melhorias das escolas públicas paulistas, conforme citado na

introdução deste trabalho e por estarmos interessados em continuar investigando

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a abordagem da Geometria nas chamadas por Pavanello (1993) de “escolas do

povo”.

3. 2 O problema da pesquisa

Por considerar o ensino da Geometria dedutiva um meio poderoso para

adquirir rigor de raciocínio (Polya, 1977) e um auxílio importante na apreensão

dos conceitos geométricos (Almouloud, 2003), propusemo-nos neste trabalho a

investigar o ensino da Geometria dedutiva no 3º e 4º ciclos do Ensino

Fundamental, de 1990 até hoje, mediante a análise dos livros didáticos do Estado

de São Paulo.

Para realizar essa análise, valemo-nos de categorias que se assentam

sobre estudos da Didática da Matemática, surgida no declínio da influência do

Movimento da Matemática Moderna. Os períodos da Educação Matemática

brasileira analisados são recentes: anterior e posterior à implantação do

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1995.

Nossa pesquisa busca responder às seguintes questões:

- Em que medida os livros didáticos paulistas de 3º e 4º ciclos do Ensino

Fundamental acompanharam discussões da Didática da Matemática

sobre o ensino da Geometria dedutiva nos períodos anterior e posterior

à implantação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para

este nível de ensino, em 1995?

- O que distingue os livros didáticos paulistas de 3º e 4º ciclos do Ensino

Fundamental do período anterior daqueles do período posterior à

implantação do PNLD (1995) quanto à incorporação dos resultados de

pesquisas sobre o ensino-aprendizagem da Matemática, mais

especificamente sobre o ensino da Geometria dedutiva?

Essa investigação insere-se num projeto mais amplo de pesquisa,

desenvolvido no âmbito do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação

Matemática da PUC-SP, denominado “Problemas envolvendo uma apreensão

significativa da Geometria, via demonstração”, que é parte do projeto maior,

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“Criação de núcleo-embrião de ensino-aprendizagem e pesquisa em Educação

Matemática no Ensino Fundamental em escolas públicas de São Paulo”, ambos

sob coordenação do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.

Os resultados de nossas pesquisas visam provocar nos professores

reflexões sobre a importância do ensino da Geometria dedutiva no 3º e 4º ciclos

do Ensino Fundamental brasileiro.

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CAPÍTULO 4

O ENSINO-APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA DEDUTIVA - CATEG ORIZAÇÃO

DE ANÁLISE

Em nosso trabalho, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre o ensino-

aprendizagem da Geometria dedutiva para o 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental

no intuito de estabelecer categorias utilizadas na análise dos livros didáticos. As

teorias pesquisadas para estabelecer essas categorias são estudos da Didática

da Matemática. As nossas categorias, como resultado dessa pesquisa

bibliográfica, estão descritas a seguir.

4.1 Categoria 1: Articulação entre G1–Geometria Spa tio-gráfica e G2–

Geometria Proto-axiomática em validações de proprie dades geométricas

Utilizando o estudo da classificação das Geometrias proposta por Parsysz

(2000), descrita em nossa fundamentação teórica, interessa-nos verificar nas

coleções de livros didáticos como é feita a articulação entre G1-Geometria Spatio-

gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática em validações das propriedades

geométricas. Em G1, as propriedades são validadas empiricamente. Identificamos

quando e de que maneira ocorre a entrada em G2, quando aparecem as

primeiras validações dedutivas de propriedades geométricas.

Para identificar elementos que influenciam a maneira pela qual ocorre essa

entrada em G2, recorremos a teorias da Didática da Matemática, descritas a

seguir.

Primeiramente relevamos a importância de considerar no ensino a

explicação sobre os termos utilizados em Geometria Dedutiva, como postulado,

teorema, demonstração, teorema-recíproco. Sobre a importância dessas

explicações, recorremos a Chevallard (1991), que define noções paramatemáticas

como idéias que se caracterizam como “ferramentas” auxiliares à atividade

matemática, mas que normalmente não se constituem em objeto de um estudo

específico. Ao contrário dos conceitos matemáticos, tais noções normalmente não

são ensinadas de forma explícita e são ainda excluídas de uma avaliação direta.

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Elas são concebidas como idéias possíveis de aprender no transcorrer da própria

aprendizagem. Entretanto, são sempre necessárias tanto ao ensino como à

aprendizagem da Matemática. O autor aponta como exemplo de noções

paramatemáticas a noção de demonstração. Na prática da Matemática, é sempre

necessário realizar uma demonstração. Normalmente, apresenta-se ou pede-se

ao aluno a demonstração de um teorema, sem discutir o que é. A conseqüência

disso é que os alunos não entendem o que estão fazendo, nem para quê.

Almouloud (2003) inclui em seu esquema para favorecer a construção de

conceitos geométricos junto aos alunos a recomendação de que conheçam os

estatutos das definições, dos postulados e dos teoremas, ferramentas utilizadas

em uma demonstração.

É importante também considerar no ensino as explicações sobre os

métodos indutivos e suas diferenças com a dedução, sobre sistemas lógicos ou

dedutivos, sobre a forma axiomática da Geometria e suas evoluções, podendo,

para isso, relacioná-los com o contexto histórico, descrito nos estudos

preliminares deste trabalho.

Consideramos também, na entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, a

importância da apresentação para os alunos de esquemas de demonstração e de

explicações sobre a lógica empregada em uma demonstração geométrica.

Fetissov (1997) sugere ações para demonstrar corretamente uma

proposição geométrica. Antes de tudo, convém destacar no enunciado a

afirmação que se vai demonstrar e recordar as definições relacionadas. Em

seguida, destacar as condições indispensáveis à demonstração. A terminologia

geralmente empregada no ensino da Geometria utiliza as denominações hipótese

e tese para indicar, respectivamente, os dados e aquilo que se deve demonstrar.

Após essa formulação, tem início a demonstração do teorema geométrico, para o

que se utilizam os axiomas e os teoremas já provados e, paralelamente, as

correlações essenciais fornecidas pelas condições do teorema. Com essa

finalidade, Fetissov (1997) recomenda partir da proposição que se pretende

demonstrar e indagar: de que resultado pode-se obter, como conseqüência, a

proposição a ser demonstrada? Se for possível localizar esse resultado, sendo ele

conseqüência de condições e teoremas anteriores, o problema está resolvido.

Não sendo conseqüência direta, repete-se a pergunta, dessa vez com relação ao

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novo resultado, e assim por diante. Esse método de raciocínio científico chama-se

análise.

Fetissov (1997) ressalta a dificuldade de encontrar a seqüência correta de

conclusões que demonstre um teorema e a importância da necessidade de

treinamento para isso:

É claro que quando se busca a demonstração de um teorema nem sempre é fácil encontrar a seqüência de conclusões. Nem sempre se consegue acertar de imediato o caminho correto, havendo necessidade, às vezes, de abandonar uma estratégia escolhida e tentar outra... A habilidade na aplicação do método analítico, facilitando a descoberta, por meios próprios, dos caminhos de uma demonstração, exige bastante treinamento; assim, para desenvolvê-la, é preciso fazer muitos exercícios envolvendo demonstrações. (FETISSOV, 1997, p. 51-52) .

Fetissov (1997) também chama a atenção para o fato de que todo teorema

pode ser demonstrado por dois métodos – o direto e o indireto – e explica:

Quando se estabelece a veracidade da proposição a ser demonstrada mediante uma ligação direta entre ela e as que foram demonstradas anteriormente, então se trata de uma demonstração direta. Quando se põe em dúvida a veracidade da proposição a ser demonstrada, supondo-a falsa, e se chega a alguma contradição com as condições constantes no enunciado ou alguma proposição já demonstrada anteriormente, então se trata de uma demonstração indireta, que são chamadas também de demonstrações por redução ao absurdo. Costuma-se recorrer a esse tipo de demonstração quando, ao procurar argumentos, se verifica que a demonstração direta é difícil ou, às vezes, impossível. (FETISSOV, 1997, p. 52).

O autor esclarece, também, que a necessidade das demonstrações é

conseqüência de uma das leis fundamentais da lógica: o princípio da razão

suficiente. Esse princípio exige que toda afirmação feita tenha fundamento, isto é,

que venha acompanhada de argumentos suficientemente sólidos para confirmar

sua veracidade. A demonstração de uma proposição geométrica objetiva

estabelecer sua validade mediante dedução lógica, partindo de verdades já

demonstradas ou conhecidas. O raciocínio dedutivo consiste na aplicação de

certa lei geral a um caso particular determinado.

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Para não cometer erros nas deduções, Fetissov recomenda conhecer

alguns esquemas mediante os quais se representam as correlações entre

conceitos quaisquer, inclusive os geométricos. O esquema de representar

correlações entre conceitos, proposto pelo matemático Euler (1707 –1783), é

exemplificado pela seguinte dedução:

1 – Em todo retângulo as diagonais são congruentes entre si;

2 – Todo quadrado é um retângulo;

3 – Dedução: em todo quadrado as diagonais são congruentes entre si.

Segue a esquematização do autor para esse exemplo.

Chamemos de P o maior dos conjuntos considerados, no caso o dos

quadriláteros cujas diagonais são congruentes entre si. Chamemos de M o

conjunto intermediário, no caso o conjunto dos retângulos. Chamemos de S o

menor dos conjuntos, no caso o conjunto dos quadrados. Isso posto, pode-se

esquematizar o raciocínio da seguinte maneira:

1 – M está contido em P;

2 – S está contido em M;

3 – Conclusão S está contido em P.

Representando graficamente essas relações entre conjuntos, temos:

Figura 2

(Fonte: FETISSOV, 1997, p.31)

É óbvio que, nessas condições, o círculo S se acha totalmente contido no

círculo P.

P

M

S

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41

Outra forma de raciocínio apresentada por Fetissov é a que leva a uma

conclusão negativa, como a dedução seguinte:

1 – Todo quadrilátero cuja soma dos ângulos opostos não seja 180° não é

inscritível numa circunferência;

2 – A soma dos ângulos opostos de um paralelogramo obliquângulo não é

igual a 180°;

3 – Conclusão: Um paralelogramo obliquângulo não é inscritível numa

circunferência.

Representando o conjunto dos quadriláteros inscritíveis uma circunferência

por P, o conjunto dos quadriláteros cuja soma dos ângulos opostos é diferente de

180° por M e a classe dos paralelogramos obliquângu los por S, o raciocínio

enquadra-se no seguinte esquema:

1 – Nenhum elemento de M pertence a P;

2 – S está contido em M;

3 – Conclusão: Nenhum elemento de S pertence a P.

Essa correlação também pode ser representada graficamente por meio dos

círculos de Euler:

Figura 3

(Fonte: FETISSOV, 1997, p. 32)

Fetissov (1997) afirma que a grande maioria dos raciocínios dedutivos da

Geometria se desenvolve segundo um dos esquemas aqui ilustrados e tal

representação das correlações entre os conceitos geométricos favorece a

possibilidade de bem entender a estrutura de qualquer raciocínio lógico e de

descobrir erros em conclusões incorretas.

P M

S

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Outro elemento considerado na entrada em G2-Geometria Proto-

axiomática é o questionamento da evidência da figura como meio de provar uma

proposição geométrica.

Fetissov (1997) ressalta a importância de questionar a evidência da figura,

sugerindo a apresentação de atividades para que os alunos percebam o engano

em confiar nela. O autor cita como exemplo o trabalho de um aluno de sexta série

que tinha como tarefa estudar o teorema do ângulo externo de um triângulo (um

ângulo externo de um triângulo é maior que qualquer dos dois internos não

adjacentes a ele), fato que o professor já havia ensinado em classe. E o aluno

questionava, ao mostrar o desenho em seu livro de Geometria (fig 4): “ Para que

uma demonstração tão longa e difícil, se, pelo desenho, se vê que o ângulo

externo é obtuso e que os internos não adjacentes a eles são agudos? Sendo um

ângulo obtuso sempre maior que um ângulo agudo, não há motivo para uma

demonstração!”.

Figura 4

(Fonte: FETISSOV, 1997, p. 16)

O erro desse aluno foi basear-se em casos particulares, não atentando

para possíveis propriedades diferentes da figura usada. O aluno pretendia

demonstrar o teorema do ângulo externo de um triângulo considerando apenas

triângulos acutângulos, nos quais, efetivamente, todos os ângulos externos são

obtusos e, portanto, maiores que os internos. O teorema não se refere apenas ao

triângulo desenhado no livro, mas a todo e qualquer triângulo. Supondo que o

Ponto A se afaste do ponto C em linha reta, obteremos um triângulo ABC (fig. 5)

em que o ângulo do vértice B também é obtuso. Se o ponto A se afastar muito do

ponto C, então o triângulo resultante será tão comprido que não haverá como

B

A C D

E

F

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perceber nenhuma diferença entre o ângulo interno B e o ângulo externo por meio

de um transferidor.

Figura 5

(Fonte: FETISSOV, 1997, p.27)

A propósito desse exemplo, Fetissov ressalta o papel desempenhado pelo

desenho na demonstração de um teorema geométrico:

Deve-se ter em mente que o desenho é apenas um meio auxiliar para a demonstração do teorema, que é apenas um exemplo, um caso particular de toda a classe das figuras geométricas, objeto da demonstração considerada. Por isso, é muito importante separar no desenho dado as propriedades gerais e permanentes daquelas particulares e casuais. (FETISSOV, 1997. p. 28).

Arsac (1987) também afirma que é necessário, como primeira etapa em

direção à demonstração em Geometria, chegar a uma dúvida do apelo à figura

como meio de prova, para depois buscar por meio da demonstração um caráter

geral, não se limitando à incerteza trazida por algumas figuras particulares. E

acrescenta:

O problema da evolução do rigor, sobretudo no domínio da Geometria, consiste em compreender como se pode ser levado a passar de provas baseadas na evidência da figura a demonstrações em que a figura é apenas o suporte, o que é, aliás, o problema proposto no ensino da geometria. (ARSAC, 1987. p. 27, tradução nossa).

Analisamos também como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-

gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática. Se a coleção deixa claro que estudar

uma propriedade geométrica em G1-Geometria Spatio-gráfica, ou seja, validá-la

empiricamente, é importante para levantar uma conjectura, mas que é sempre

A

B

C

D

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necessário, em Matemática, uma demonstração para que aquela propriedade

possa ser aceita como verdadeira e valha para qualquer caso em que sejam

satisfeitas as sua hipóteses.

Essas reflexões forneceram elementos para elaborarmos a questão

referente a nossa primeira categoria de análise:

- Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados, como

ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-

axiomática?

4.2 Categoria 2: Análise dos exercícios para a apre ensão das propriedades

geométricas, seguindo uma Organização Praxeológica

Nossa primeira categoria - que analisa a articulação entre validações

empíricas e dedutivas das propriedades geométricas estudadas nos livros - não

considera as tarefas solicitadas aos alunos que levaram à apreensão das

propriedades.

Porém, consideramos importante o envolvimento do aluno, porque é

executando as tarefas que ele se torna um ser ativo em sua aprendizagem,

tornando-a mais significativa. Então, pela categoria dois, analisamos cada tipo de

exercícios propostos para a apreensão das propriedades geométricas e

identificamos a Organização Praxeológica que explica a técnica e o discurso

teórico-tecnológico associados.

A seguir, descrevemos os tipos de exercícios possíveis de aplicar no

estudo das propriedades geométricas dos livros, as técnicas e os discursos

teórico-tecnológicos que os explicam, formando assim uma Organização

Praxeológica que será utilizada na análise dos livros didáticos.

Tipo de exercício 1:

- Medir com transferidor e observar o que ocorre...

- Construir, medir e verificar o que ocorre...

- Recortar a figura e montar convenientemente... o que você observou?

- Fazer dobras convenientes... você chegou a que conclusão?

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Técnica: Observação experimental, empírica, de casos particulares das

propriedades, às vezes requerendo instrumentos de medida, como transferidor,

esquadros e régua e outras demandando recortes e dobraduras.

Discurso teórico-tecnológico: enfoque empírico, explicado a seguir.

Apesar de a demonstração formal ser a única forma de validação de um

resultado matemático, na criação do conhecimento matemático propriedades e

regularidades são observadas no estudo de casos particulares. Com base nesses

casos, são formuladas conjecturas a respeito da validade do que foi observado.

Sobre isso, Polya (1977) afirma que muitos fatos matemáticos foram primeiro

encontrados por indução e demonstrados depois. E acrescenta:

A Matemática, apresentada com rigor, é uma ciência dedutiva sistemática, mas a Matemática em desenvolvimento é uma ciência indutiva experimental. (POLYA, 1977, p. 93).

Polya (1977) também aponta as limitações do enfoque empírico, alertando

que apenas observar empiricamente não é suficiente. O autor ressalta o valor do

rigor, com demonstrações, afirmando que, depois de trabalhar experimentalmente

por algum tempo, é necessário mudar de ponto de vista, ser rigoroso. Ao

descobrir um resultado plausível, experimental, provisório, é necessário tentar

estabelecê-lo definitivamente por meio de uma demonstração rigorosa.

Tipo de exercício 2: Para a apreensão da propriedade geométrica só

aparecem exercícios do tipo:

- Calcular os comprimentos ....

- Determinar a medida do ângulo...

- Qual é a largura...?

- Qual é a altura...?

- Quais triângulos são semelhantes?

Técnica: Aplicação das propriedades geométricas, cujos enunciados e

demonstrações são apresentados ao aluno.

Salientamos que também há, nos outros enfoques, exercícios deste tipo

para apreensão das propriedades, porém não se restringem a eles. Neste

enfoque, há apenas esses exercícios de aplicação, após o enunciado ou a

apresentação da demonstração da propriedade. A Matemática, neste enfoque, é

apresentada como ciência acabada, com verdades imutáveis.

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Discurso teórico-tecnológico: enfoque dedutivista, explicado a seguir.

Lakatos (1976) faz considerações importantes sobre as apresentações da

Matemática. Inicialmente, ele apresenta a metodologia euclidiana, designada

estilo dedutivista, que desenvolveu certo estilo obrigatório de apresentação,

descrita a seguir:

Este estilo começa com uma lista laboriosamente feita de axiomas, lemas e/ou definições. Os axiomas e definições freqüentemente parecem artificiais e mistificadoramente complicados. Nunca se fica sabendo como essas complicações surgiram. A lista de axiomas e definições é seguida de teoremas cuidadosamente redigidos. Estes, por sua vez, estão carregados de pesadas condições; parece impossível que alguém jamais os tivesse suposto. O teorema é seguido da prova. [...] O estudante de matemática é obrigado, de acordo com o ritual euclidiano, a assistir a esse ato conjuratório sem fazer perguntas sobre o assunto ou sobre como o ato mágico é praticado... (LAKATOS, 1976, p. 185).

Segundo o mesmo autor, no estilo dedutivista, todas as proposições são

verdadeiras e válidas todas as inferências. A Matemática é apresentada como

uma série sempre crescente de verdades imutáveis e eternas. Possivelmente,

não têm lugar contra-exemplos, refutações e críticas.

Tipo de exercício 3:

- Mostre que...

- Demonstre a propriedade...

- Deduzir....

- Complete a demonstração...

- Redija a demonstração....

Técnica: Descoberta da demonstração das propriedades geométricas,

apresentando a Matemática como uma ciência em construção.

Discurso teórico-tecnológico: enfoque heurístico3, explicado a seguir.

Em oposição ao estilo dedutivista, Lakatos (1976) apresenta o enfoque

heurístico como a outra forma de apresentação da Matemática. Enquanto, o estilo

dedutivista rompe as definições geradas pela prova dos antepassados, apresenta-

as no vazio, de modo artificial e autoritário, ocultando os contra-exemplos que

3 Embora o termo heurístico, explicado por Polya (1977), inclua verificação empírica por fazer parte do processo de descoberta, assumimos neste trabalho o termo como referente apenas à descoberta da demonstração.

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levaram ao seu descobrimento, o estilo heurístico, ao contrário, acentua esses

fatores e dá ênfase à situação problemática: acentua a “lógica” que deu

nascimento ao novo conceito.

O autor critica a apresentação da Matemática no enfoque dedutivista,

euclidiano, considerando-o autoritário. Ao contrário, o enfoque heurístico revela o

aspecto falível da Matemática, de como os teoremas surgiram, dos conceitos

gerados por provas, etc.

Na análise dos exercícios do enfoque heurístico, em que se solicitam

demonstrações aos alunos, pode-se encontrar a recomendação de trabalho em

grupos, de discussão com colegas e professor. Consideramos essa dimensão

social motora nos processos de prova e, como justificação, baseamo-nos em

Lakatos (1976) e Balacheff (1987).

Lakatos (1976) relata o trabalho de alunos de uma sala de aula, mediados

por um professor, tentando provar a conjectura de Descartes-Euler4, cuja

conjectura inicial é: V – A + F = 2, onde V é o número de vértices, A é o número

de arestas e F, o número de faces de um poliedro.

Nos rodapés das páginas do livro, Lakatos faz analogia do trabalho dos

estudantes com a verdadeira evolução histórica da conjectura de Descartes-Euler,

descrevendo o esforço de ilustres matemáticos para prová-la. Citando alguns:

Augustin Louis Cauchy (1789 - 1857), Joseph Diaz Gergonne (1771 - 1859),

Pierre Legendre (1752 - 1833) e Jules Henri Poincaré (1854 - 1912).

O autor afirma que, diante da contradição a uma conjectura, surge um

conjunto de comportamentos possíveis, apresentados e analisados na obra. Em

particular, a produção de um contra-exemplo não implica sempre a refutação de

uma afirmação, mas pode aperfeiçoar a conjectura, rejeitar o contra-exemplo,

reconhecer exceções, formular condições, retomar uma definição. O objetivo do

estudo do autor é desafiar o formalismo matemático, é formular a questão de que

a Matemática progride mediante incessante aperfeiçoamento de opiniões, por

especulação e crítica, pela lógica das provas e refutações.

A obra de Lakatos (1978) nos faz refletir sobre como a interação social,

disputas científicas entre matemáticos na busca de provas, possibilitam o

desenvolvimento da Matemática.

4 René Descartes (1596 – 1650), Leonhard Euler (1707 – 1783).

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48

Balacheff (1987) aponta também a interação social como motora nos

processos de prova. A colocação em debate das decisões, a injunção de garantir

sua validade ou de denunciar, permite transformar situações de decisão em uma

situação de validação. Uma das características que parece, assim, determinante

para a produção de uma prova é a dimensão social da situação.

O autor baseia-se em Lakatos ao afirmar que a abordagem da

demonstração sob o ângulo da interação social leva a enfocar a dialética das

provas e refutações, ou, mais geralmente, o problema do tratamento das

contradições. O engajamento social da demonstração é condição necessária para

a sua existência como ferramenta de prova para estabelecer a verdade de uma

proposição. Este é o mesmo sentido da demonstração para a comunidade

matemática.

Tais considerações revelam como a interação social entre alunos,

mediados pelo professor, até uma disputa “saudável” entre eles, ao tentar

conjecturar e validar uma conjectura, pode ser motora nos processos de prova.

Consideramos também, em nossa análise, exercícios que revelam

enfoques compostos por dois outros até aqui explicados, sendo um deles

empírico.

Assim, existe o enfoque empírico-dedutivista: primeiramente abordar uma

propriedade empiricamente e posteriormente, abordá-la dedutivamente.

E existe o enfoque empírico-heurístico: primeiramente abordar uma

propriedade empiricamente e posteriormente, abordá-la heuristicamente.

Nesses últimos dois enfoques descritos, a retomada de abordagem da

propriedade geométrica pode ser realizada em uma série posterior. Ou seja, a

propriedade é abordada empiricamente em uma série e dedutivamente ou

heuristicamente em outra. Esse tipo de abordagem respeita o nível de

racionalidade do aluno, conclusão que está apoiada em teorias descritas a seguir.

Arsac (1987) afirma que as provas pré-demonstrativas, fundamentalmente

empíricas, podem aparecer antes da classe de quarto ano da França (sétima

série brasileira).

Segundo Balacheff (1987), a prática da demonstração exige ao mesmo

tempo racionalidade e uma situação específica dos conhecimentos. Isso equivale

à adesão a uma problemática que não é mais aquela da eficácia (exigência da

prática), mas a do rigor (exigência teórica). Essa análise esclarece uma origem

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provável do fracasso do ensino da demonstração nas classes francesas do quarto

ano (sétima série brasileira). O autor afirma que é freqüente na França a denúncia

da ruptura do contrato didático5 por ocasião da passagem da classe de quinto ano

(sexta série brasileira) para o quarto ano (sétima série brasileira) e que uma boa

negociação desse contrato não é suficiente para resolver o problema. A natureza

e o status dos conhecimentos engajados desempenham aí um papel essencial.

Qualquer que seja a qualidade da negociação de um novo contrato didático, ele

não poderá consistir numa simples passagem das provas empíricas, válidas até

então, para a demonstração. Tal passagem surge de uma construção simultânea

no terreno dos conhecimentos e da racionalidade. Como toda construção

cognitiva, ela requer uma duração pouco compatível com as ambições dos

programas curriculares vigentes.

Balacheff (1987) reconhece que muito cedo, digamos desde o sexto ano

francês (quinta série brasileira), deve ser proposto o problema da evolução dos

fundamentos racionais da atividade matemática dos alunos ao mesmo tempo, e

com o mesmo status, que aquele da construção dos saberes. E acrescenta:

A exigência de provas precisa, portanto, poder encontrar seu lugar desde as práticas matemáticas das primeiras classes, aceitando que sejam reconhecidas como provas outras coisas que não as demonstrações no sentido estrito. Será preciso levar em consideração a natureza da racionalidade dos alunos e as condições de sua evolução, mas também encarregar-se da análise didática dos critérios aceitos de prova que podem evoluir no decorrer da escolaridade. (BALACHEFF, 1987, p. 170, tradução nossa).

Salientamos que essas provas empíricas, chamadas por Arsac (1987) de

pré-demonstrativas, podem ser aceitas na 5ª e 6ª séries. Porém, em séries

posteriores, quando o aluno já se encontra em outro nível de racionalidade, as

propriedades assim provadas empiricamente devem ser demonstradas.

Consideramos, ainda, que pode haver combinações de enfoques baseados

nos exercícios sobre propriedades geométricas diferentes dos descritos acima

que serão tratados como exceções no momento da análise.

5 Segundo Brousseau (1988), o contrato didático é constituído pelo conjunto de cláusulas, regras que estabelecem a base das relações que professores e alunos têm entre si quando o objetivo é o ensino-aprendizagem de um saber.

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50

Assim, pela análise dos exercícios referentes ao estudo de cada

propriedade geométrica dos livros didáticos, via Organização Praxeológica,

identificamos seus enfoques de abordagem. A análise de todas as propriedades

geométricas da coleção será apresentada em um quadro-resumo, com os totais

de propriedades por enfoque. E reunimos elementos para chegar à questão

referente à nossa segunda categoria de análise:

- Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão das

propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos analisada?

4.3 Categoria 3: Articulação dos registros de repre sentação semiótica

mobilizados em uma demonstração geométrica

Consideramos, nessa categoria de análise, a importância da mobilização

de diferentes registros de representação semiótica nas demonstrações de uma

propriedade geométrica no ensino do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental.

Recorremos à teoria de Duval (1993), que afirma que uma das

características importantes da atividade matemática é a diversidade dos registros

de representação semiótica que ela mobiliza obrigatoriamente. Há uma

pluralidade de registros de representação de um mesmo objeto e a articulação

desses diferentes registros é condição para a compreensão em Matemática.

Apoiado nessa teoria, Almouloud (2003) faz uma reflexão didática sobre os

problemas de ensino-aprendizagem de conceitos geométricos no 3º e 4º ciclos do

Ensino Fundamental, do ponto de vista dos registros de representação semiótica.

O autor afirma que a atividade exigida em Geometria, no Ensino Fundamental, faz

apelo a três registros de representação semiótica e de sua coordenação: o

registro discursivo (linguagem natural), o registro das figuras e o registro

matemático (incluindo as escritas algébricas). Almouloud (2003) recomenda, em

seu esquema para proporcionar subsídios para o ensino e aprendizagem de

Geometria nesse nível de escolaridade, atividades que favoreçam o domínio das

mudanças de linguagem da natural para a linguagem matemática e para a figural.

Em uma demonstração, a figura é útil como visualização para o raciocínio

dedutivo. Almouloud (2003) releva a importância do papel heurístico da figura na

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apreensão do raciocínio dedutivo, recomendando, inicialmente, compreender, por

meio da visualização e do raciocínio, o seu estatuto.

Almouloud (2003) propõe que, no 3º ciclo do Ensino Fundamental - quinta e

sexta séries do Ensino Fundamental - a redação das justificativas de resultados

geométricos seja realizada em linguagem natural.

Como mencionado nas explicações da categoria anterior, Lakatos (1978) e

Balacheff (1987) relevam a dimensão social da demonstração, os benefícios dos

debates e discussões em grupo para desenvolver o raciocínio dedutivo. Esses

debates e discussões com colegas e professor são realizados em linguagem

natural, referindo-se à utilização do registro discursivo.

Desse modo, consideramos importante a utilização da linguagem natural,

principalmente quando o aluno inicia-se com as primeiras demonstrações. Apenas

depois, e de forma gradual, é que se recomenda a formalização, com a escrita

matemática da demonstração.

Em nossa análise das demonstrações das propriedades geométricas de

cada coleção, verificamos o grau de utilização do registro matemático e se há um

aumento em sua utilização no decorrer das séries do Ensino Fundamental.

Duval (1993) afirma que há dois tipos de transformações dos registros de

representação semiótica, os tratamento e as conversões. Os tratamentos são

transformações de representações dentro de um mesmo registro. Por exemplo,

efetuar um cálculo ficando estritamente no mesmo registro matemático de

representação dos números. As conversões são transformações de

representações que consistem em mudar de registro conservando os mesmos

objetos denotados. Por exemplo, passar o enunciado de uma demonstração

geométrica para sua representação no registro das figuras.

De acordo com Duval (2003) as conversões de registros que ocorrem em

uma demonstração não se operam naturalmente entre os alunos. Então, são

recomendadas atividades que envolvam conversões de registros. Encontramos

no trabalho de Mello (1999), que apresenta uma seqüência didática sobre o

ensino-aprendizagem da demonstração em Geometria, um exemplo dessas

atividades em que é solicitado ao aluno escrever as premissas, as passagens das

demonstrações e a conclusão de teoremas nas linguagens natural, figural e

algébrica. Então, observamos também se há esse tipo de atividade, na análise

dos livros didáticos.

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Dessas considerações, chegamos à questão referente a nossa terceira

categoria de análise:

- Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação dos

diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma

demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?

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CAPÍTULO 5

ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA

DE 1990

O ensino de Matemática no início da década de 1990 foi influenciado pelo

declínio do Movimento da Matemática Moderna, pela Didática da Matemática e,

no Brasil, pelas propostas curriculares estaduais.

Coleções de livros didáticos analisados deste período:

1. GIOVANNI, José Ruy; CASTRUCCI, Benedito, GIOVANNI JR, José

Ruy. A conquista da matemática – 5a. a 8a. séries. São Paulo: FTD,

1992;

2. IEZZI, Gelson; DOLCE, Oswaldo; MACHADO, Antonio. Matemática

e realidade – 5a. a 8a. séries, 2 ed. São Paulo: Atual, 1991;

3. JAKUBOVIC, José; LELLIS, Marcelo. Matemática na medida certa –

5a. a 8a. séries, 3 ed. São Paulo: Scipione, 1991.

5. 1 Análise da Coleção 1:

A Conquista da Matemática – 5 ª a 8ª séries

Autores: GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI J R, J. R.

Editora FTD

1992

Análise das categorias:

Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,

como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria

Proto-axiomática?

Nos quatro volumes desta coleção, a Geometria é estudada nos capítulos

finais e não é intercalada com outras partes da Matemática.

No início do capítulo de Geometria da quinta série, há um texto histórico

sobre a Geometria ao longo da história. Primeiro são explicados os métodos

empíricos, experimentais, dos povos da Antigüidade e depois a sistematização

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dos conhecimentos geométricos pelos gregos, citando Euclides e sua obra. Nesta

série não são estudadas propriedades das figuras geométricas.

O estudo das propriedades geométricas é iniciado na sexta série. Na

unidade dez, intitulada Estudando ângulos, é apresentada a demonstração da

propriedade sobre ângulos opostos pelo vértice, sem qualquer explicação sobre o

método dedutivo. Em seguida, é estudada a propriedade sobre a soma dos

ângulos internos de um triângulo. Primeiramente, é apresentada uma verificação

empírica da propriedade por meio de recorte, em que são utilizados os termos

determinar experimentalmente, que consideramos adequados para este tipo de

validação. No final da verificação, uma observação para concluir:

Se você repetir essa experiência outras vezes, verá que o resultado

sempre será o mesmo. Podemos então estabelecer a relação: [...]

(GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 6ª série, p. 225).

Dessa forma, afirmou-se que verificar experimentalmente para vários casos

leva a concluir uma propriedade. Não foi relevada a limitação das verificações

empíricas nem a necessidade da demonstração para essa conclusão.

Na sétima série, na unidade Introdução à Geometria, a propriedade sobre

ângulos opostos pelo vértice é retomada. Dessa vez, primeiro empiricamente, por

medições, e depois dedutivamente.

Na unidade sete, Ângulos formados por duas retas paralelas com uma

transversal, são estudadas empiricamente as propriedades de ângulos

correspondentes e de ângulos alternos e usados os termos verificar

experimentalmente e observar. Em seguida, são estudados, dedutivamente,

ângulos colaterais e na apresentação dessas demonstrações também é utilizado

o termo observar:

Pelo observado, podemos concluir a propriedade: [...] (GIOVANNI,

CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 7ª série, p. 154).

Constata-se que não há um cuidado de usar termos adequados para

concluir a propriedade dedutivamente. O termo observar é adequado para as

validações empíricas, mas não para as dedutivas.

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Com essas primeiras validações dedutivas, ocorre a entrada em G2-

Geometria Proto-axiomática na coleção.

Nas próximas quatro unidades da sétima série, são estudas propriedades

geométricas de polígonos, triângulos, quadriláteros e circunferência. Esses

estudos são, em sua grande maioria, dedutivos e as demonstrações são

apresentadas aos alunos.

A propriedade sobre a soma dos ângulos internos de um triângulo é

retomada nessa série. Primeiramente a propriedade é estudada empiricamente,

por medição com transferidor. Então, é afirmado que, para verificar que a relação

vale para qualquer triângulo, serão usadas duas maneiras: experimentalmente,

por meio de atividade de recorte e, utilizando as retas paralelas cortadas por

transversal. Dessa forma, afirma-se que uma experiência empírica é uma das

maneiras de concluir para todos os casos.

Os casos de congruência de triângulos são utilizados para demonstrar

várias propriedades geométricas de triângulos e quadriláteros. A maioria dessas

demonstrações são apresentadas, seguidas de exercícios de aplicação. Porém,

nessas unidades, em meio aos muitos exercícios de aplicação, constam alguns

exercícios para demonstrar. Há poucas verificações empíricas das propriedades e

nelas observamos que também não são relevadas suas limitações para concluir

casos gerais e suas diferenças com demonstrações. Como exemplo, citamos o

estudo da soma dos ângulos internos de um quadrilátero que, depois de atividade

empírica por recorte, é apresentada uma dedução, usando a fórmula geral para

todos os polígonos convexos. Mas, antes de apresentar essa dedução:

De uma maneira mais prática, podemos determinar a soma das

medidas dos ângulos usando a fórmula geral validada para todos

os polígonos convexos... (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR,

1992, 7ª série, p. 199).

Dessa forma, afirmou-se que deduzir é algo mais prático que verificar

experimentalmente, levando a crer que deduzir é uma maneira a mais de concluir

uma propriedade. Isso revela que não é dada importância para a demonstração

como único meio de obter um caráter geral para uma propriedade em Matemática.

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Constatamos então, que, na sétima série, há um predomínio de validação

dedutiva para as propriedades geométricas, trabalhando, portanto, em G2-

Geometria Proto-axiomática.

Na oitava série, as propriedades geométricas são estudadas no final do

livro, nas unidades sobre segmentos proporcionais, semelhança, relações

métricas nos triângulos, relações trigonométricas nos triângulos retângulos e

relações métricas nas circunferências.

Como na sétima série, nesses estudos validaram-se as propriedades

geométricas principalmente em G2-Geometria Proto-axiomática, dedutivamente.

Apenas para o teorema sobre feixe de retas paralelas e o de Pitágoras há

verificação empírica anterior à demonstração. Nessas verificações também não

se diferencia observação empírica de demonstração:

Podemos repetir este procedimento traçando outras transversais ao

feixe de paralelas e verificaremos que os segmentos determinados

em cada transversal serão congruentes entre si [...]. Dizemos

então:

Se um feixe de paralelas determina segmentos congruentes sobre

uma transversal, também determina segmentos congruentes sobre

qualquer outra transversal. (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI

JR, 1992, 8ª série, p. 143).

Para o estudo do teorema de Pitágoras, é apresentado um texto histórico

sobre os estiradores de corda do Antigo Egito e realizada uma verificação

empírica por áreas. Seguem explicações históricas sobre Pitágoras, como quem

conseguiu provar o teorema. Depois de afirmar que existem inúmeras

demonstrações do teorema, são apresentadas duas, uma geométrica e outra

algébrica. Esses relatos históricos sobre as diferentes validações do teorema de

Pitágoras foram apresentados aos alunos como curiosidades, uma vez que não

foram relacionados com explicações sobre as limitações do empirismo e com a

importância da demonstração em Matemática. Assim como o texto histórico

apresentado no início da quinta série sobre a evolução dos métodos de validação

em Geometria. Este texto foi apresentado muito cedo, quando ainda não

validavam-se propriedades geométricas na coleção. Então, também não auxiliou

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no entendimento das diferenciações entre as verificações empíricas e as

demonstrações.

Considerando a análise da coleção inteira, constata-se que a entrada em

G2-Geometria Proto-axiomática ocorre na sexta série com as primeiras

validações dedutivas. Nesta série também se validam as propriedades

geométricas empiricamente, havendo, então articulação com G1-Geometria

Spatio-gráfica.

Na sétima e oitava séries, quando se estuda a grande maioria das

propriedades geométricas, as validações são dedutivas, em G2-Geometria Proto-

axiomática.

Como foi citado ao longo da análise da coleção, não são diferenciadas as

validações empíricas das demonstrações, nem ressaltadas as limitações da

verificação empírica. Ao contrário, muitas vezes, é afirmado que se podem

concluir fatos gerais a partir delas. Também não é explicado o que é

demonstração, nem sua importância em Matemática. Como a grande maioria das

demonstrações são apresentadas ao aluno, não se preocupa em explicar técnicas

ou lógica utilizadas em uma demonstração geométrica.

Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão

das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos

analisada?

Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao

estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,

seguindo o estudo da Organização Praxeológica:

Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 73.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 5.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 44.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 17.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por

enfoque empírico-dedutivista) : 4.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por

enfoque empírico-heurístico) : 0.

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Há três propriedades geométricas que não se enquadram nesta

classificação e foram tratadas como exceções. A propriedade sobre os ângulos

opostos pelo vértice é abordada na sexta série dedutivamente e na sétima série é

retomada, primeiro empiricamente e depois dedutivamente. E duas propriedades

foram apenas enunciadas, sem serem estudadas empiricamente ou

demonstradas.

Observamos que o estudo da grande maioria das propriedades

geométricas da coleção é dedutivo e segue um esquema, descrito a seguir.

Primeiramente, há uma apresentação de demonstração da propriedade.

Notamos que inicia-se a demonstração usando termos que caracterizam o estilo

dedutivista da coleção, em que os alunos, passivamente, vêem, observam as

demonstrações. Citando como exemplos da utilização desses termos, temos as

apresentações das demonstrações do teorema de Pitágoras.

Existem inúmeras maneiras de demonstrar esse teorema; veremos

uma delas, baseada no cálculo de áreas de figuras geométricas,

planas. (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 8ª série, p.

179, grifo nosso).

Vamos dar agora, a demonstração algébrica do teorema de

Pitágoras. (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 8ª série,

p. 190, grifo nosso).

Para apresentar o teorema dos senos, inicia-se com a frase “Observe a

demonstração” (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 8ª série, p. 208, grifo

nosso). E, em muitos casos, no início da apresentação das demonstrações, não é

explicado que se trata de uma demonstração, como no caso da demonstração do

teorema de Tales.

Após o término da demonstração, aparece a sentença “De um modo geral,

podemos anunciar”. Então, a propriedade é enunciada e seguem muitos

exercícios de aplicação. Em muitos casos, antes de solicitá-los, são apresentados

exemplos de solução.

Um exemplo desse esquema pode ser constatado no estudo do teorema

da bissetriz interna de um triângulo. No anexo 1, a apresentação da

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demonstração, seguida pelo seu enunciado. Notamos que nesta apresentação,

não é explicado que se trata de uma demonstração. No anexo 2, os exemplos de

aplicação. E no anexo 3, os vários exercícios de aplicação do teorema.

Os exercícios para demonstrar as propriedades geométricas são raros na

coleção. Na sétima série, eles constam apenas nas unidades sobre triângulos e

quadriláteros que são demonstradas usando os casos de congruência de

triângulos. Mas são em número muito menor que os exercícios de aplicação. Na

oitava série, apenas no final do livro, ao estudar algumas propriedades de

polígonos regulares inscritos em circunferência, é aconselhado demonstrar

algumas delas:

Assim, podemos demonstrar (e você pode fazer isso junto com seu

professor) as seguintes propriedades: [...] (GIOVANNI,

CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 8ª série, p. 222).

Observamos que é solicitado que aluno peça auxílio do professor para

realizar essas tarefas, revelando que, no final do Ensino Fundamental,

provavelmente, o aluno não se apresenta autônomo para isso.

Assim, nossa análise dessa coleção não permitiu identificar uma

preocupação com um trabalho envolvendo o ensino significativo da

demonstração.

Concluímos, pela análise dos exercícios referentes ao estudo das

propriedades geométricas, que a coleção enquadra-se no enfoque dedutivista.

Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação

dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma

demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?

Das 60 demonstrações de propriedades geométricas estudadas,

apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos para

resolverem, constatamos que na grande maioria (52) foram utilizados os três

registros de representação semiótica que, segundo Duval (1993), se pode

mobilizar em uma demonstração geométrica, o registro discursivo, figural e o

algébrico. Um exemplo é a apresentação da demonstração do anexo 1.

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60

A utilização do registro discursivo é enfatizado na coleção, estando

presente nas várias explicações em linguagem natural sobre passagens das

demonstrações. E constatamos que este registro é mobilizado em 53

demonstrações geométricas estudadas na coleção.

O registro figural está presente em praticamente todas as demonstrações e

é suporte para os raciocínios dedutivos.

O registro algébrico apesar de estar presente na maioria das

demonstrações geométricas, restringe-se ao uso de alguns símbolos para

escrever as sentenças e nos cálculos algébricos. E não observa-se maior ênfase

na mobilização desse registro no decorrer das séries.

Como explica Duval (1993), os cálculos algébricos são tratamentos

realizados no registro matemático e estes são os únicos tratamentos identificados

no estudo das demonstrações geométricas da coleção.

Como foi concluído na análise da categoria dois, a maioria das

demonstrações da coleção são apresentadas aos alunos e há poucos exercícios

para demonstrar. Seguindo essa característica da coleção, também não são

solicitadas atividades que favoreçam as conversões de registros, como

recomenda Duval (1993).

5. 2 Análise da Coleção 2:

Matemática e Realidade – 5 ª a 8ª séries

Autores: IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A.

Editora ATUAL

1991

Análise das categorias:

Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,

como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria

Proto-axiomática?

Em todas as séries da coleção, a Geometria é estudada nos capítulos

finais dos livros, sem intercalação com outras partes da Matemática.

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61

No Manual do Professor das séries, os autores explicam suas propostas de

ensino da Geometria:

A Geometria é tratada do mesmo modo e da mesma forma que as

outras partes da Matemática. É dado a ela o mesmo tratamento

formal. Ela não é estigmatizada e nem diferenciada das demais

partes.

Nos quatro volumes a Geometria é um todo seqüencial, racional,

lógico e não repetitivo. [...] Em cada série ela guarda a sua lógica

local. A graduação das informações e dos conteúdos de formação é

feita com cuidado para não repelir e, sim, atrair a atenção do

estudante. (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, Manual do Professor

das séries, p. 4).

Esses comentários revelam a intenção de tornar atraente o ensino da

Geometria e, para isso, será dado o mesmo tratamento que às outras partes da

Matemática. A proposta de cada série guardar sua lógica local revela que não se

trabalhará a Geometria como um sistema lógico único ao longo da coleção.

No capítulo sobre Geometria da sétima série iniciam-se os estudos sobre

as propriedades geométricas. E citamos o programa da obra do Manual do

Professor desta série, em que os autores se posicionam sobre o formalismo da

Geometria:

Sem especificar os demais assuntos que aparecem no índice de

conteúdos e objetivos instrucionais, queremos nos posicionar com

relação ao formalismo da Geometria.

Conforme já foi dito, a idéia principal que nos norteou na

apresentação desta Geometria foi a de que seu tratamento não

seria diferenciado, em termos de método de apresentação, das

outras partes da obra.

Formalizar a Geometria, colocando suas propriedades em termos

de enunciado, hipótese, tese e demonstração nos traria duas

dificuldades: uma intrínseca ao assunto e outra advinda da lógica.

É certo que a Geometria é a parte da Matemática que mais se

presta como modelo de uma estrutura lógica e formal. Parece

também que para o estudante é o modelo que primeiro surge.

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62

Porém somos de opinião que num primeiro estágio, em nível do

primeiro grau, se aprenda um pouco de Geometria e depois, num

segundo estágio, se procure formalizá-la.

Para isso, achamos que os conceitos devem surgir gradativamente

e as propriedades devem ser deduzidas e não mostradas por

antecipação.

Destacamos que, em geral, as propriedades estão demonstradas.

Ocorre que procuramos colocar tais demonstrações como dedução.

O enunciado da propriedade fecha o assunto.

Um professor de uma classe mais adiantada pode explorar o

enunciado e a demonstração que aparecem no livro, ampliando

com a colocação de hipótese e tese. (IEZZI, DOLCE, MACHADO,

1991, Manual do Professor da sétima série, p. 6 e 7).

Reafirmando que utilizam o mesmo tratamento dado a outras partes da

Matemática, os autores se propõem a não formalizar as propriedades em termos

de hipótese, tese e demonstração. Há demonstrações, mas tratadas como

deduções em uma lógica local, na qual os conhecimentos adquiridos não são

inseridos em um sistema lógico, dedutivo. Defende-se ainda a idéia de que a

formalização da Geometria deve ser realizada em nível de ensino posterior ao

primeiro grau. O que é contrário aos resultados de pesquisas sobre o processo de

demonstrações como, por exemplo citado no trabalho de Mello (1999) sobre um

aumento gradual de formalização das demonstrações no decorrer das séries do

Ensino Fundamental.

Assim, na sétima série, inicia-se o estudo das propriedades geométricas,

dedutivamente, o que caracteriza a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática

da coleção. E as demonstrações da grande maioria das propriedades são

apresentadas ao aluno.

Primeiramente a demonstração é iniciada como uma dedução e não são

utilizadas as palavras demonstração ou prova. Nesse momento são usados

termos observemos, vamos notar que, adequados para verificações empíricas. E,

para concluir as demonstrações, termos como isso é sintetizado na propriedade

abaixo (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, 7a. série, p. 142) ou esse resultado é

sintetizado no enunciado (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, 7a. série, p. 156). Na

oitava série, antes de apresentar as demonstrações das relações métricas num

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63

triângulo qualquer, utiliza-se o termo generalização. Notamos, assim, que não é

explicado ao aluno que é uma demonstração que está sendo apresentada a ele.

Isso concorda com o propósito do autor citado no manual sobre enunciar as

propriedades de maneira não formal.

São raras as verificações empíricas das propriedades geométricas na

coleção. Não são explicadas as diferenças entre validar empiricamente e

dedutivamente, nem a importância da demonstração em Matemática.

Após o estudo da propriedade sobre ângulos da base de triângulo

isósceles, é enunciada sua propriedade recíproca:

Propriedade recíproca

Usando o caso LAA0, podemos provar a propriedade:

Se um triângulo possui dois ângulos congruentes, então esse

triângulo é isósceles.

Conseqüência: [...] (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, 7ª série, p.

174).

Observamos que não é explicado o que é uma propriedade recíproca.

Do manual da oitava série, citamos o programa sobre Geometria:

Nesta série a Geometria assume aspectos métricos bastante

práticos.

[...]

De uma maneira geral, o procedimento segue o mesmo paradigma

apresentado na 7ª série. Porém, tanto lá quanto aqui surgiram

alguns nomes tais como noções, propriedades, definições,

postulados e teoremas.

Caso seja necessário ou os alunos com que o professor trabalha

suportem, seria útil destacar o esquema lógico da Matemática. É o

que segue.

O desenvolvimento de uma teoria lógica é feito estabelecendo-se

noções e aceitando-se proposições.

As noções, em geral, são estabelecidas mediante uma definição.

As primeiras noções ou noções primitivas são estabelecidas sem

definição.

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64

As proposições ou propriedades, em geral, são aceitas mediante

demonstrações. As primeiras proposições ou proposições primitivas

são aceitas sem demonstração. Estas propriedades primitivas são

os chamados postulados ou axiomas. Em contraposição, as

propriedades que têm demonstração baseada em outras

propriedades, primitivas ou não, são os teoremas. (IEZZI, DOLCE,

MACHADO, 1991, Manual do Professor, 8ª série, p. 6).

A declaração sobre os aspectos práticos da Geometria concorda com a

abordagem que constatamos na sétima e oitava séries. As propriedades

geométricas são apresentadas e aos alunos são solicitados apenas exercícios de

aplicação, muito práticos. Observamos que as explicações sobre os “nomes” que

aparecem na Geometria dedutiva citados nesse programa não aparecem no livro

do aluno e os autores deixam claro que apenas seriam acessíveis aos alunos

mais adiantados, que as suportem...

Assim como na sétima série, até o final da oitava série as propriedades

geométricas são validadas dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática.

As validações empíricas são raras, portanto, sem retorno à G1-Geometria Spatio-

gráfica. Não são explicados os termos da Geometria dedutiva e nem a limitação

das verificações empíricas, concordando com a proposta do manual de tratar as

demonstrações de maneira não formal, como deduções.

Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão

das propriedades geométricas que predomina na coleção de livros didáticos

analisada?

Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao

estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,

seguindo o estudo da Organização Praxeológica:

Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 107.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 9.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 63.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 3.

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65

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por

enfoque empírico-dedutivista) : 3.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por

enfoque empírico-heurístico) : 0.

Como exceções de nossa categoria descrita no capítulo quatro, há 29

propriedades que são apenas enunciadas, sem serem validadas e seguidas

apenas de exercícios de aplicação.

Desde o estudo da primeira propriedade geométrica, na sétima série, até o

fim da oitava série, observamos a utilização de um esquema, descrito a seguir.

As verificações empíricas são raras e as propriedades são estudadas a

partir de apresentações de suas demonstrações, tratadas como deduções. Na

conclusão da dedução, a propriedade é enunciada e seguem muitos exercícios de

aplicação. Em muitos desses exercícios, há conexão com álgebra.

Um exemplo do esquema é o estudo da soma das medidas dos ângulos

internos e da medida do ângulo externo de um triângulo, conforme anexos 4, 5 e

6.

Esse esquema concorda com a proposta dos autores citada na descrição

da obra do Manual do Professor:

Em cada unidade existe uma parte teórica constituída por uma

dose mínima de teoria , que deve ser exposta pelo professor ou

lida pelo aluno em classe. Essa teoria é aplicada imediatamente

em atividades denominadas exercícios . (GELSON, 1991, Manual

do Professor das séries, p. 2, grifos nossos ).

Observamos que, ao longo da coleção, várias propriedades são apenas

enunciadas, sem serem estudadas empiricamente ou dedutivamente. É o caso de

muitas propriedades recíprocas, exemplificadas no anexo 7. A esses enunciados,

seguem apenas exercícios de aplicação. Isso revela o empenho de levar o aluno

a conhecer maior número de propriedades para poder aplicá-las, não importando

como foram descobertas.

Constatamos que os exercícios no fim dos subcapítulos são todos de

aplicação, e, na série final do capítulo de Geometria, há pouquíssimos exercícios

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66

para demonstrar: na sétima série do total de 121, apenas dois e, na oitava série,

do total de 69, apenas um.

Pela abordagem do estudo das propriedades geométricas, tanto a proposta

pelos autores como a constatada em nossa análise dos exercícios, esta coleção

enquadra-se perfeitamente no enfoque dedutivista.

Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação

dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma

demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?

Das 69 demonstrações de propriedades geométricas estudadas,

apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos para

resolverem, constatamos que a grande maioria (50) mobiliza os três registros de

representação semiótica: o registro discursivo, o figural e o matemático. Como

exemplos, citamos as apresentações das demonstrações da soma das medidas

dos ângulos internos de um triângulo e da propriedade do ângulo externo de um

triângulo, conforme anexos 4 e 5.

A utilização do registro discursivo é significativa, sendo utilizado em 43

demonstrações geométricas da coleção no sentido de fornecer explicações em

linguagem natural das passagens das demonstrações.

O uso do registro figural nas demonstrações geométricas da coleção é

enfatizado, estando presente em praticamente todas as demonstrações e é

suporte para os raciocínios dedutivos. Observamos pelo exemplo da

demonstração da soma dos ângulos de um triângulo, anexo 4, que a figura do

triângulo é mostrada várias vezes, com o intuito de esclarecer as passagens da

demonstração. Essa ênfase na utilização do registro figural como auxílio para o

raciocínio dedutivo é uma característica da coleção.

A utilização do registro matemático é leve, restringindo-se ao uso de alguns

símbolos para escrever as sentenças e nas operações algébricas envolvidas nas

demonstrações. Essas operações são consideradas tratamentos dentro do

registro matemático, conforme teoria de Duval (1993). Não observamos aumento

da utilização do registro matemático nas demonstrações da coleção no decorrer

das séries, como recomenda Almouloud (2003).

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67

As recíprocas de propriedades de paralelogramos que são enunciadas,

apresentadas no anexo 7, permitem definir de três maneiras diferentes da usual o

mesmo ente geométrico. Isso caracteriza um tratamento num registro de

representação semiótica, mas esse fato não é explorado no livro. Porém, não

releva-se para o aluno a possibilidade de construir um sistema axiomático

diferente a partir de cada definição .

5. 3 Análise da Coleção 3:

Matemática na Medida Certa – 5 ª a 8ª séries

Autores: JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M.

Editora SCIPIONE

1991

Análise das categorias:

Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,

como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria

Proto-axiomática?

Nessa coleção, o estudo da Geometria nas séries está concentrado num

único capítulo, não havendo intercalação com outras partes da Matemática.

Na sétima série, iniciam-se os estudos das propriedades geométricas na

coleção. No subcapítulo intitulado Soma de ângulos, a soma dos ângulos

externos com os internos de um polígono é validada empiricamente. Em seguida,

a propriedade sobre os ângulos opostos pelo vértice é estudada primeiramente

por meio de medição com transferidor, empiricamente. Para concluir essa

verificação, um comentário:

Medindo â e î com um transferidor, você verá que eles são

congruentes. No entanto, sem medi-los, pode-se demonstrar que:

Dois ângulos opostos pelo vértice são congruentes .

Agora, faremos essa demonstração:

[...] (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 72 e 73, grifos dos

autores).

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68

Então, é apresentada a demonstração da propriedade, seguida de uma

explicação:

Demonstramos assim, que dois ângulos opostos pelo vértice

sempre são congruentes. Na demonstração, usamos nosso

raciocínio e o conhecimento de que um ângulo raso tem 180°.

(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 73).

Essa primeira validação dedutiva caracteriza a entrada em G2-Geometria

Proto-axiomática da coleção. E, por essas citações, observamos que neste

momento as explicações sobre as diferenças entre as verificações empíricas e as

demonstrações não são precisas, nem é relevada a importância da demonstração

em Matemática.

Após essa primeira apresentação de demonstração, são solicitados

exercícios de aplicação e, em meio a eles, um para demonstrar outra propriedade.

A propriedade sobre ângulos correspondentes é enunciada.

Então, seguem os estudos das propriedades geométricas na coleção, ao

longo da sétima e oitava séries. Para a maioria delas, apresenta-se a

demonstração, seguida de exercícios de aplicação. Para outras, é solicitada sua

validação dedutiva em exercício e algumas são apenas enunciadas. Nas

apresentações das demonstrações observamos que segue-se um esquema,

exemplificado nas demonstrações de propriedades de paralelogramo, conforme

anexo 8. Observamos que, primeiramente, a propriedade é enunciada e depois

aparecendo a palavra “Demonstração” como um título, ela é demonstrada.

Verificamos que, após essa entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, as

validações empíricas são raras. Portanto, não há articulação com G1-Geometria

Spatio-gráfica.

Notamos que as explicações sobre a importância da demonstração são

imprecisas. Como na primeira demonstração da coleção, também no estudo da

soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo releva-se que

demonstrar é uma maneira de chegar a um resultado sem realizar medições, não

que é o meio de se validar em Matemática:

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69

Veremos agora que essa propriedade pode ser demonstrada sem

se fazer uma só medida. A demonstração que apresentaremos a

seguir foi feita por Tales, um matemático grego do séc. V a.C.

(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 84).

Dessa vez explica-se que foram utilizados conhecimentos anteriores na

demonstração, que é a regra de elaboração de uma demonstração matemática:

Nessa demonstração, Tales usou propriedades geométricas muito

simples, que já estudamos: os ângulos alternos e internos de retas

paralelas são congruentes e um ângulo raso tem 180°.

(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 85).

Então, nesse momento, são explicados termos da Geometria dedutiva:

O que é um teorema?

Quando uma propriedade é demonstrada, com uso de propriedades

já conhecidas, ela é chamada de teorema .

Assim, podemos dizer que acabamos de ver um teorema: Em

qualquer triângulo, a soma das medidas dos ângulos internos é

180°.

Depois que um teorema é demonstrado, ele costuma ser usado na

demonstração de novos teoremas. Como por exemplo, vamos

demonstrar o seguinte teorema:

Em qualquer triângulo, cada ângulo externo é a soma dos ângulos

internos não-adjacentes. (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p.

85, grifos do autor).

Após a apresentação da demonstração da propriedade, segue a definição

de postulado:

O que é um postulado?

Se os teoremas são demonstrados com base em teoremas já

conhecidos, é claro que as primeiras propriedades não podem ser

teoremas. Essas propriedades iniciais, que aceitamos sem

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70

demonstrar, são os postulados . Os postulados servem então de

base para a demonstração dos primeiros teoremas.

Por exemplo, lembre-se do que fizemos no estudo dos ângulos

correspondentes. (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 85, grifos

do autor).

Apresenta-se ainda um esquema de encadeamento lógico das

propriedades estudadas no livro, conforme anexo 9.

Dessa forma é explicado o encadeamento lógico de um sistema lógico

dedutivo. É explicado que para chegar aos teoremas, é preciso haver uma

demonstração. Porém, não se ressalta a importância da demonstração como

meio de validar em Matemática contrastando com a limitação do empirismo.

Nesse trecho do livro também se explica que foi Tales quem demonstrou

esse teorema. Na oitava série, novamente é atribuída a Tales a demonstração do

teorema que leva o seu nome. Essa apresentação de contexto histórico é repetida

no estudo do teorema de Pitágoras, na oitava série. Primeiramente é citado que:

Pitágoras foi um matemático grego do séc. VI a.C. Ele descobriu

uma relação métrica que, até hoje, é um dos mais famosos e

importantes teoremas da Matemática (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991,

8ª série, p. 93).

E, depois de sua demonstração algébrica a partir das relações métricas

num triângulo retângulo, em meio aos exercícios de aplicação:

Para construir ângulos retos, os egípcios da Antigüidade usavam

uma corda de 12 nós, igualmente espaçados, esticada de modo a

formar um triângulo.

Explique por que, desse jeito, o ângulo  é reto. (JAKUBOVIC,

LELLIS, 1991, 8ª série, p. 98).

Essas apresentações de contexto histórico não são integradas às

explicações sobre os sistemas lógico-dedutivos e sobre a limitação da verificação

empírica. Parece-nos que o objetivo é apresentar curiosidades aos alunos.

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71

No estudo das propriedades dos quadriláteros, há explicações de teoremas

recíprocos:

Teoremas recíprocos

Uma frase pode ser verdadeira, e sua recíproca, não. Por exemplo:

“Se dois ângulos são retos, então eles são ângulos congruentes”.

A recíproca dessa sentença é:

“Se dois ângulos são congruentes, então eles são ângulos retos”.

Nesse exemplo, a primeira frase é verdadeira, mas a sua recíproca

é falsa.

Com os teoremas, isso também acontece: a recíproca de um

teorema pode ser válida ou não.

Já demonstramos esse teorema:

Se um triângulo é isósceles, os ângulos da base são congruentes.

Agora, vamos demonstrar o teorema recíproco:

Todo triângulo que tem dois ângulos congruentes é isósceles.

(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 116).

Para mostrar que o recíproco do teorema sobre as diagonais serem

perpendiculares em um losango não é valido é apresentada uma figura que

satisfaz as hipóteses, mas não a tese. Dessa forma, é mostrada ao aluno a lógica

de exibir um contra-exemplo para concluir que certa propriedade é falsa.

Concluímos que desde o início do estudo das propriedades geométricas,

da sétima à oitava série, as suas validações são dedutivas, portanto em G2-

Geometria Proto-axiomática. As verificações empíricas são raras, sem

articulação, portanto, com G1-Geometria Spatio-gráfica.

Na coleção, são explicados termos da Geometria dedutiva como postulado,

teorema e teorema recíproco, são apresentados o caráter de sistema lógico-

dedutivo da Geometria, a lógica dos teoremas recíprocos e de como concluir que

uma propriedade é falsa. Técnicas e lógica para demonstrar a veracidade de uma

afirmação não são explicadas. Então, os alunos são levados a demonstrar em

exercícios a partir dos exemplos apresentados. Não é apresentada a limitação da

verificação empírica,nem relevada a importância da demonstração em

Matemática.

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72

Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão

das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos

analisada?

Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao

estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,

seguindo o estudo da Organização Praxeológica:

Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 97.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 3.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 45.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 36.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por

enfoque empírico-dedutivista) : 4.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por

enfoque empírico-heurístico) : 2.

Como exceções de nossa categoria descrita no capítulo quatro, seis

propriedades são apenas enunciadas, sem serem validadas. Há, nesses casos,

apenas exercícios de aplicação. Outra exceção é o estudo da relação seno num

triângulo retângulo, que é primeiramente demonstrada por semelhança de

triângulos, seguida de verificação empírica.

Como foi explicado na categoria anterior, para o estudo das 97

propriedades geométricas, na coleção há um predomínio de validação dedutiva

sobre a empírica. Para um número significativo (45) de propriedades são

apresentadas as demonstrações, seguidas de exercícios de aplicação. Para 36

propriedades é solicitada a demonstração em exercícios.

Constatamos que, na sétima série, há vários exercícios para demonstrar

propriedades utilizando os casos de congruência de triângulos. Na oitava, os

exercícios para demonstrar envolvem semelhança de triângulos.

Exemplos de exercícios para demonstrar são apresentados no anexo 10,

referentes ao capítulo sobre quadriláteros. Entre os exercícios dessa série, há

solicitações para validar dedutivamente teoremas e seus recíprocos (exercícios

82, 83 e C82 e C83), sendo que nem todos são verdadeiros, e para esses casos é

esperado que utilize-se a lógica de apresentar um contra-exemplo. Esse é um

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exemplo de atividade para levar o aluno a utilizar técnicas e lógica empregada em

uma demonstração geométrica, conforme recomenda Fetissov (1997).

Pela análise dos exercícios sobre propriedades geométricas observamos

que o enfoque heurístico na coleção é significante, mas o predomínio para a

coleção é o dedutivista, porque há mais apresentações de demonstrações que

exercícios para demonstrar. O enfoque empírico na coleção é insignificante.

Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação

dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma

demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?

Observamos que, na maioria das 88 demonstrações estudadas na coleção,

apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos para os alunos

resolverem, são mobilizados os três registros de representação semiótica: o

registro discursivo, o figural e o matemático.

Constatamos que, na apresentação das demonstrações, há a ênfase na

utilização do registro figural, como suporte ao raciocínio dedutivo. Além de

apresentar uma figura no início da demonstração, mostram-se ainda

representações da figura nas passagens da demonstração, com o objetivo de

tornar claro o raciocínio usado. Essa ênfase pode ser constatada na apresentação

da demonstração sobre os ângulos da base de um triângulo isósceles, conforme

anexo 11, e, em alguns exercícios para demonstrar propriedades usando os

casos de congruência de triângulos, solicita-se para primeiramente desenhar a

situação.

O registro discursivo é enfatizado nas apresentações das demonstrações

para fornecer explicações sobre o raciocínio adotado. Há raciocínios que são

realizados inteiramente em registro discursivo. Um exemplo é a demonstração de

propriedade de reta tangente, conforme anexo 12.

Nas apresentações das demonstrações, observamos a utilização do

registro matemático, seguindo um esquema, exemplificado nas demonstrações de

propriedades de paralelogramo, conforme anexo 8. As passagens da

demonstração são apresentadas em linguagem matemática, simbolicamente,

seguidas de explicações discursivas. O registro matemático também é utilizado

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nos cálculos algébricos de muitas demonstrações, que é um tipo de tratamento

dentro do registro.

Não encontramos na coleção atividades que favorecessem a conversão de

registros mobilizados em uma demonstração, como recomenda Duval (1993).

As demonstrações que utilizam o registro discursivo concentram-se na

sétima série e as que utilizam o registro matemático concentram-se na oitava

série. Isso mostra que há uma diferença de uso dos registros no decorrer das

séries, passando do discursivo para o matemático. Isso sinaliza para uma

preocupação dos autores em aumentar a formalização ao longo das séries do

Ensino Fundamental, que é uma das recomendações de Almouloud (2000).

Na série de exercícios solicitando para validar teoremas sobre

quadriláteros e seus recíprocos, conforme anexo 10, são envolvidas

interpretações de definições. Por exemplo os exercícios 83 e C82 versam sobre

definições de paralelogramo. Por meio desses exercícios para validar

dedutivamente, chega-se a três diferentes definições:

a) Paralelogramo é um quadrilátero que tem os lados opostos paralelos;

b) Paralelogramo é um quadrilátero que tem ângulos opostos congruentes;

c) Paralelogramo é um quadrilátero que possui diagonais que cortam-se

ao meio.

Essa apresentação de diferentes definições de um mesmo ente geométrico

é um exemplo de tratamento num registro de representação semiótica. Mas, esse

tratamento não é explorado para que o aluno perceba que pode-se construir

sistemas axiomáticos diferentes a partir de cada definição.

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75

CAPÍTULO 6

ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA

DE 2000

O ensino da Matemática na década de 2000 foi influenciado pela Didática

da Matemática e, no Brasil, pela adoção dos Parâmetros Curriculares Nacionais -

PCN (1998) e pela implantação do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD

para todo o Ensino Fundamental, em 1995.

Coleções de livros didáticos analisados desse período:

1. ANDRINI, Álvaro; VASCONCELLOS, Maria José. Novo Praticando

Matemática – 5a. a 8a. séries. São Paulo: Editora do Brasil, 2002;

2. TOSATTO, Cláudia Miriam; PERACCHI, Edilaine Pilar F;

ESTEPHAN, Violeta M. Idéias e Relações - 5a. a 8a. séries. Curitiba:

Nova Didática, 2002;

3. DANTE, Luiz Roberto. Tudo é Matemática.- 5a. a 8a. séries. São

Paulo: Ática, 2002.

6. 1 Análise da coleção:

Novo Praticando Matemática – 5 ª a 8ª séries

Autores: ANDRINI, A; VASCONCELLOS, M. J.

Editora do Brasil

2002

Análise das categorias:

Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,

como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria

Proto-axiomática?

Nessa coleção a Geometria é abordada nos livros intercalada com outros

ramos da Matemática, porém não constatamos integração entre eles.

A primeira propriedade geométrica estudada na coleção é a congruência

de ângulos opostos pelo vértice, na sexta série. Para estudar essa propriedade é

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76

solicitado ao aluno para verificá-la empiricamente, por meio de medição com

transferidor. Então, questiona-se se a propriedade vale para todos os ângulos

opostos pelo vértice. Parte da resposta apresentada é:

É fácil mostrar que sim. Traçamos duas retas que se interceptam no ponto

O . Como queremos mostrar uma propriedade de forma geral, usaremos

letras para representar as medidas dos ângulos [...] (ANDRINI,

VASCONCELLOS, 2002, 6a. série, p. 215).

E a propriedades é demonstrada.

Em seguida, a propriedade sobre a soma das medidas dos ângulos

internos do triângulo é verificada empiricamente, por medição com transferidor e

por atividade com recorte. Para essa observação experimental utiliza-se o termo

“observe” que é adequado para esse tipo de atividade. Essa propriedade não é

demonstrada nesta série.

Em seguida, na conclusão da demonstração apresentada sobre a soma

das medidas dos ângulos internos de um quadrilátero, um comentário:

Como ABCD é um quadrilátero qualquer, mostramos que...

(ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 6a. série, p. 224)

Analisando a abordagem dessas primeiras três propriedades geométricas

estudadas na coleção, constatamos a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática

com a demonstração da primeira. Porém, a segunda propriedade é abordada

empiricamente, retornando a G1-Geometria Spatio-gráfica e a terceira é

demonstrada novamente. As explicações que acompanharam essas primeiras

deduções versam sobre generalização com uso de letras. Nesse momento não é

explicada a necessidade da demonstração para validar uma propriedade

geométrica, nem são diferenciadas validações empíricas de dedutivas.

Na sétima série, as propriedades geométricas são abordadas em duas

unidades: unidade oito – Ângulos e polígonos e unidade nove - Circunferência e

círculo.

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77

Na unidade oito, as propriedades de ângulos formados por duas retas

paralelas e por transversal são observadas empiricamente, para o que se usam

termos adequados: observemos, vamos investigar, descobrimos que.

Na mesma unidade, há a apresentação de demonstração de uma

propriedade de paralelogramo, utilizando a propriedade de ângulos alternos e

internos e ângulos correspondentes. Depois há um exercício interessante para os

alunos descubrirem a relação entre os ângulos consecutivos de um trapézio,

usando dedução.

A propriedade da soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo

é retomada. Primeiramente, utiliza-se uma observação empírica por recorte.

Então, há uma explicação:

Acompanhe outra forma de mostrar essa propriedade. (ANDRINI,

VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, p. 167).

Essa explicação pode induzir o aluno a pensar que a atividade com recorte,

experimental, é uma das maneiras de mostrar, porém trata-se de uma verificação

empírica, de uma constatação. A propriedade é demonstrada e segue um

questionamento:

Você percebeu? Para mostrar uma nova propriedade usamos

propriedades descobertas anteriormente [...] Agora que essa

propriedade é conhecida, pode ser aplicada para descobrir outras

assim por diante! (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, p.

167).

Neste momento é explicado em que consiste uma demonstração. Porém,

não se ressalta a sua importância como a validação aceita em Matemática nem

se diferencia observação experimental de demonstração.

Nas páginas seguintes, a propriedade de ângulos dos triângulos isósceles

e equilátero são deduzidas por simetria, uma dedução não algébrica, de fácil

entendimento.

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Ao estudar as propriedades de um polígono regular, a soma das medidas

dos ângulos internos e a medida do ângulo interno são generalizadas a partir de

observações de vários casos, empiricamente.

Nos exercícios finais da unidade oito, um deles leva o aluno a apresentar

um contra-exemplo para mostrar que uma propriedade é falsa. Porém, essa lógica

não é explicada, o que pode induzir o aluno a pensar, erroneamente, que esse

raciocínio pode ser usado para provar que uma propriedade é verdadeira, ou seja,

que bastaria apresentar um exemplo para concluir que uma proposição vale

sempre.

Na unidade nove - Circunferência e Círculo - são apresentados e definidos

os vários elementos referentes a estes entes geométricos. Aborda-se a

construção de triângulos a partir de circunferências e aí estuda-se a condição de

existência do triângulo. O fato de o ponto de encontro das mediatrizes das cordas

coincidir com o centro da circunferência é estudado por meio de atividade com

dobradura. Nesses dois casos, a validação das propriedades é empírica, o que

caracteriza trabalhar em G1, Geometria Spatio-gráfica.

A relação entre o ângulo inscrito e o ângulo central correspondente a ele,

numa mesma circunferência, é abordada primeiramente por medição com

transferidor, a partir de uma situação real, desenhada e com o seguinte texto

inicial:

Paula e Cláudio estão em pontos distintos dessa praça circular,

observando o mesmo jardim [...] (ANDRINI, VASCONCELLOS,

2002, 7ª série, p. 199).

Apresenta-se, então, o modelo matemático e solicita-se, conforme anexo

13, que o aluno observe a relação com utilização de medição com transferidor

para os três casos possíveis de posicionamento dos ângulos central e inscrito e

compare seus resultados com os colegas.

Aí vêm explicações importantes e adequadas sobre demonstração:

Exercite sua capacidade dedutiva!

Muitas vezes você afirma algo e ouve a resposta: Prove!

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Em Matemática, provamos afirmações usando fatos pro vados

anteriormente, numa cadeia lógica.

A propriedade que acabamos de ver pode ser provada. Você e

seus colegas farão essa prova para o caso mais simples, em que

um dos lados do ângulo inscrito passa pelo centro da

circunferência.

Observem a figura. Medindo os ângulos, percebemos que x=2y. No

entanto, vocês podem provar isso! As questões a seguir podem

ajudá-lo nesta tarefa.

[...]

4. Trabalhem em grupo e provem que x=2y. (ANDRINI,

VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, p. 200, grifo nosso).

O estudo dessa propriedade parte do empírico, com medições e

comparação com colegas. Depois, explica-se o que é provar em Matemática e

solicita-se aos alunos que provem o caso mais simples em grupo. Observamos

que as demonstrações dos outros dois casos de posicionamento dos ângulos

inscrito e central, testados empiricamente, não são estudadas. As explicações

sobre a utilização de fatos provados anteriormente numa prova matemática

deveriam ter sido fornecidas anteriormente, na sexta série, quando ocorre a

entrada de G2-Geometria Proto-axiomática na coleção. De lá até aqui, fim da

sétima série, não havia sido explicada a importância de demonstrar em

Matemática.

Então, ora uma propriedade era validada empiricamente, trabalhando em

G1-Geometria Spatio-gráfica, ora outra propriedade era validada dedutivamente,

trabalhando em G2-Geometria Proto-axiomática, sem a consciência dos alunos

da diferença entre elas e da importância das demonstrações em Matemática.

No manual do professor da sétima, em comentários da unidade oito,

releva-se a importância das verificações empíricas:

É interessante que no estudo desta Unidade o aluno use

freqüentemente régua e transferidor. Por meio de situações que

envolvam construção, desenho, medição, comparação, pretende-se

facilitar intuições, permitir a descoberta de relaç ões , melhorar o

uso de instrumentos de medição e de desenho. (ANDRINI,

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80

VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, Manual do professor, p. 32, grifo

nosso).

Na oitava série, as propriedades geométricas são estudadas nas unidades

cinco, seis e oito.

Na unidade 5, Congruência e semelhança de triângulos, os quatro casos

de congruência de triângulos são apresentados por verificação empírica, por

construções e comparação com os colegas. Como aplicação dos casos de

congruência de triângulos apresenta-se apenas uma demonstração de

propriedade de retângulo. E os exercícios são apenas de aplicação.

No manual do professor referente aos comentários sobre essa unidade, há

uma explicação sobre o por que de não apresentar mais aplicações dos casos de

congruência de triângulos para demonstrar propriedades geométricas:

O professor pode, ainda, utilizar congruência de triângulos para

demonstrar propriedades geométricas. No entanto, lembramos que

muitas delas podem ser descobertas de modo mais fácil e intuitivo

por outros métodos: a simetria, por exemplo. No losango, como as

diagonais são eixos de simetria, fica fácil constatar que elas são

perpendiculares e se cortam no ponto médio. Observando o eixo de

simetria do triângulo isósceles, podemos descobrir que a altura e a

mediana, relativas à base, e a bissetriz do ângulo do vértice

coincidem. (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 8ª série, Manual do

Professor, p. 29).

Observamos que foi usado o termo descobrir propriedades e não

demonstrar ou mostrar e que essas descobertas mais fáceis sugeridas no manual

do professor não são incorporadas no livro do aluno. Os alunos estudam poucas

propriedades de triângulos e quadriláteros.

Dois casos de semelhança de triângulos são estudados empiricamente, por

construções.

As demonstrações do teorema fundamental de semelhança de triângulos e

do teorema de Tales, veja anexo 14, são apresentadas aos alunos utilizando

lógica simples e clara, aplicando os casos de semelhança de triângulos. Mas não

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há envolvimento dos alunos nessas demonstrações; os exercícios são apenas de

aplicação.

A unidade seis, Relações métricas no triângulo retângulo, inicia-se com o

estudo do Teorema de Pitágoras. Relata-se a história dos povos antigos que já

utilizavam o teorema e é solicitado aos alunos realizarem verificação empírica, por

medições e por equivalência de áreas. Solicita-se ainda que verifiquem que a

relação não vale em triângulos acutângulos e obtusângulos. Então, um diálogo

questiona a verificação empírica e a importância da necessidade de provar:

Examinamos somente três triângulos. Essa relação vale para todo

triângulo retângulo?

Há muitas formas de provar que sim. Você vai acompanhar uma

delas! (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 8ª série, p. 165).

Essa explicação da limitação da verificação empírica e da importância de

demonstrar para que a propriedade seja verdadeira para todos os casos também

é tardia: deveria ser fornecida quando foram estudadas as primeiras validações

dedutivas.

Apresenta-se uma demonstração geométrica do teorema, de fácil

entendimento, e uma explicação histórica sobre Pitágoras e seus seguidores,

como os primeiros a provarem o teorema.

Aplicando o teorema de Pitágoras, são apresentadas duas demonstrações

de propriedades, uma referente à diagonal do quadrado e outra à altura do

triângulo equilátero.

Apresentam-se as demonstrações das relações métricas num triângulo

retângulo. E novamente se demonstra o teorema de Pitágoras como aplicação

dessas relações.

Na unidade oito, trigonometria no triângulo retângulo, as relações seno,

cosseno e tangente são verificadas empiricamente.

Constatamos que, na coleção como um todo algumas propriedades

geométricas são validadas empiricamente e outras dedutivamente, havendo

assim articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-

axiomática. As explicações sobre demonstração, sobre sua importância em

Matemática e diferenciação entre observação empírica e dedução são tardias, ou

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seja, não ocorrem na entrada em G2-Geometria Proto-axiomática. Observamos

ainda que algumas dessas explicações são inadequadas. E a coleção não

apresenta técnicas ou lógicas empregadas em uma demonstração.

A lógica apresentada nas demonstrações é simples e de fácil

entendimento para o aluno. Porém, as demonstrações, em sua grande maioria

são apresentadas sem envolvimento dos alunos. Observamos também que as

propriedades de quadriláteros e as relações na circunferência estudadas são

poucas em relação ao que é ensinado normalmente numa coleção desse nível de

ensino.

Todas essa observações concordam com a proposta dos autores, citada no

Manual do Professor da sétima série, de “abordagem leve” do raciocínio dedutivo.

Categoria 2: Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão

das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos

analisada?

Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao

estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,

seguindo o estudo da Organização Praxeológica:

Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 35.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 16.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 13.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 0.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por

enfoque empírico-dedutivista) : 3.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por

enfoque empírico-heurístico) : 3.

Ao observar os exercícios solicitados para os alunos para apreensão das

propriedades geométricas, constatamos que, na sétima série, o predomínio é de

verificações empíricas. No item “Posições relativas de uma reta e uma

circunferência”, um exemplo:

Uma propriedade:

Traçamos uma circunferência e uma reta t tangente a ela.

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O raio cuja extremidade é o ponto de tangência P, é perpendicular

à reta t.

Verifique usando esquadro e transferidor! (ANDRINI,

VASCONCELLOS, 2002, 7a. série, p. 186).

Na oitava série, um predomínio de exercícios de aplicação das

propriedades geométricas, cujas demonstrações foram apresentadas ao aluno.

Esse tipo de exercícios caracteriza o enfoque dedutivista, explicado no estudo da

Organização Praxeológica, no capítulo quatro. Notamos que na maioria desses

exercícios de aplicação há conexão com a álgebra. No item “Relações métricas

nos triângulos retângulos”, exemplos dos exercícios de aplicação, conforme

anexo 15.

Observamos que os exercícios solicitados de demonstração –

característica do enfoque heurístico – são solicitados raramente. Porém, um

aspecto positivo da coleção nos exercícios para demonstrar, como em várias

verificações empíricas, estimulam-se os alunos a trabalhar e discutir em grupo. A

seguir alguns exemplos:

Leia as questões, troque idéias e depois responda oralmente...

3. Forme dupla com um colega , pois agora é com vocês. O

quadrilátero ao lado é um trapézio. Possui dois lados paralelos.

Descubram a relação [...] (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 7ª

série, p. 165, grifos nossos).

Observem a figura. Medindo os ângulos, percebemos que x=2y. No

entanto, vocês podem provar isso! As questões a seguir podem

ajudá-lo nesta tarefa

[...]

4. Trabalhem em grupo e provem que x=2y. (ANDRINI,

VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, pg. 200, grifo nosso).

Como na sétima série são estudadas mais propriedades geométricas do

que na oitava série, constatamos o predomínio de exercícios de verificação

empírica para a coleção como um todo.

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Categoria 3: Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a

articulação dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em

uma demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o

matemático?

Das vinte demonstrações de propriedades geométricas estudadas,

apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos de solução,

constatamos que em dez demonstrações foram mobilizados os três registros de

representação semiótica, o discursivo, o figural e o algébrico. E, em dez

demonstrações, foram utilizados os registros figural e algébrico.

Observamos que é significativo o número de demonstrações que mobilizam

os três registros. Como exemplo, a demonstração da relação entre ângulo central

e inscrito, conforme anexo 13 e do teorema de Tales, anexo 14.

Observamos também que, em várias demonstrações de propriedades

geométricas da coleção, são mobilizados os registros algébrico e figural. Como

exemplo, a demonstração da soma dos ângulos internos de um triângulo,

conforme anexo 16.

Como foi citado na análise da categoria anterior, nas poucas solicitações

para demonstrar, estimula-se o aluno a trabalhar e discutir em grupo, antes de

registrar a demonstração. Nesses casos, o registro envolvido é o discursivo, com

uso de linguagem natural. Exemplo:

Leia as questões, troque idéias e depois responda oralmente [...]

3. Forme dupla com um colega, pois agora é com vocês. O

quadrilátero ao lado é um trapézio. Possui dois lados paralelos.

Descubram a relação [...] (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 7ª

série, p. 165, grifo nosso)

[...]

4. Trabalhem em grupo e provem que x=2y. (ANDRINI,

VASCONCELLOS, 2002, 7ª. série, pg. 200, grifo nosso).

Então, nessa coleção, a utilização do registro discursivo nas

demonstrações geométricas se faz presente nas solicitações para demonstrar em

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grupo e nas apresentações de algumas demonstrações com o objetivo de torná-

las simples, com lógica clara.

Percebemos a utilização do registro figural em todas as demonstrações

geométricas, como suporte e visualização do raciocínio.

A utilização do registro matemático, no caso dessa coleção, da linguagem

algébrica, está presente em todas as demonstrações estudadas. Porém, de

maneira leve, com apresentação de apenas alguns símbolos para escrever

sentenças matemáticas e nas operações algébricas nas passagens das

demonstrações, conforme se constata nos exemplos citados. Essas operações

algébricas caracterizam um tratamento dentro do registro matemático, como

explica Duval (1993). Não percebemos aumento na utilização do registro

matemático ao longo da coleção, rumo à formalização. Nem encontramos

atividades que favorecessem a conversão de registros mobilizados em uma

demonstração geométrica, como também recomenda Duval (1993).

6.2 Análise da coleção 2:

Idéias e Relações

Autores: TOSATTO, C. M.; PERACCHI, E. P. F. ; ESTEP HAN, V. M.

Editora Nova Didática

2002

Análise das categorias:

Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,

como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria

Proto-axiomática?

Nessa coleção o estudo da Geometria é intercalado com as outras partes

da Matemática e constata-se uma integração entre os conteúdos. Por exemplo,

no estudo de razão e proporção, é solicitado tarefas de ampliação e redução de

figuras com o objetivo de relacionar as razões entre as medidas dos desenhos.

A primeira propriedade geométrica estudada na coleção trata-se da soma

das medidas dos ângulos internos dos triângulos, na sexta série. Primeiramente,

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solicitam-se dos alunos verificações por meio de medições com transferidor.

Então, questiona-se:

d) Será que a soma é sempre a mesma? Vamos investigar, fazendo

desenhos e recortes. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002,

6ª série, p. 142).

Daí solicita-se ao aluno verificar empiricamente a propriedade por meio de

atividade de recorte. Há também, nesse momento, uma recomendação aos

professores:

É importante verificar esta propriedade com os alunos, usando

diferentes tipos de triângulos, acutângulos, retângulos e

obtusângulos. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2003, 6ª série,

p. 142).

Nessa série, essa propriedade não é demonstrada.

Por essas duas citações, os alunos são levados a pensar que verificar

empiricamente para vários casos é uma forma de mostrar que a propriedade vale

para todos os casos. Não se explica que essa conclusão demanda uma

demonstração.

Na sexta série são verificadas empiricamente mais algumas propriedades

sobre ângulos e triângulos, permanecendo, portanto em G1-Geometria Spatio-

gráfica.

Na sétima série, no capítulo ângulos, polígonos e espelhos, ocorrem as

primeiras demonstrações de propriedades geométricas, o que caracteriza a

entrada em G2-Geometria Proto-axiomática. São deduções simples, em que é

solicitado o envolvimento do aluno. Nesse momento, não há explicações sobre

Geometria dedutiva.

A condição de existência de um triângulo, o estudo do ortocentro como o

encontro das alturas de um triângulo e a propriedade de as alturas de um

triângulo equilátero serem congruentes são verificados empiricamente, por

construções e medições.

No capítulo “Congruência de triângulos”, os casos de congruência são

verificados por meio de construções, com as seguintes explicações:

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Você sabe o que é demonstração, em matemática? (TOSATTO,

PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 126).

A resposta não aparece no livro do aluno, mas é respondida para o

professor:

Demonstração é o ato de demonstrar, e demonstrar é provar

utilizando conhecimentos matemáticos, uma proposição.

(TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 126).

Com essa resposta não se afirma que a demonstração demanda

conhecimentos anteriores, postulados ou teoremas já demonstrados, numa

seqüência lógica. Nem tampouco se explica a importância de demonstrar em

Matemática ou a diferença entre validação empírica e dedutiva.

Em seguida, explica-se que os casos de congruência de triângulos são

muito usados para demonstrar algumas propriedades de polígonos e pede-se que

o aluno observe a apresentação da demonstração da propriedade das diagonais

do retângulo possuírem a mesma medida. Observamos que, além de não ter sido

explicada nenhuma lógica para demonstrar, a que foi utilizada nesta apresentação

é um tanto confusa, partindo da tese, depois retornando às hipóteses, sem

fornecer explicações do raciocínio desenvolvido.

Em seguida, pede-se aos alunos a demonstração de outras três

propriedades de quadriláteros, usando os casos de congruência de triângulos. Na

apresentação da demonstração da segunda propriedade, há um erro de

encadeamento lógico. Utiliza-se uma propriedade do triângulo isósceles ainda não

estudada.

No capítulo ângulos e retas, os alunos são levados a verificar a

propriedade dos ângulos opostos pelo vértice, empiricamente, por meio de

medições com transferidor. Em seguida, é questionada a validade da propriedade

para todos os casos:

e) Podemos dizer que os ângulos OPV são congruentes?

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f) Essa conclusão pode ser generalizada algebricamente, ou

seja, podemos provar que os ângulos OPV são sempre

congruentes. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série,

p. 128, grifo nosso).

A resposta faz crer que provar algebricamente é sinônimo de mostrar que

uma propriedade vale sempre. Mas há outras formas de mostrar

matematicamente uma propriedade além da prova algébrica, como a

demonstração geométrica, por exemplo.

Começa-se, então, a apresentar a demonstração da propriedade e solicita-

se aos alunos que a completem, fornecendo encaminhamentos.

As propriedades sobre ângulos formados por duas retas paralelas e por

transversal são abordadas empiricamente por meio de medições. Merece

destaque a ausência de definição de “ângulos alternos e internos” e de “ângulos

correspondentes”. As propriedades verificadas são as seguintes: “todos os

ângulos agudos da figura são congruentes”, “todos os ângulos obtusos da figura

são congruentes” e “a soma de um ângulo agudo com um ângulo obtuso da figura

é 180 graus”.

Em meio a essas verificações, um comentário para o aluno:

Use o transferidor para conferir! Mas lembre-se, os instrumentos de

medida podem não ser muito precisos. (TOSATTO, PERACCHI,

ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 128).

Nesse comentário, ressalta-se a uma limitação das medições. Porém, não

se explica a limitação maior: as medições são verificação de casos particulares,

que requerem demonstração para validar uma propriedade para todos os casos.

Uma propriedade dos ângulos de um paralelogramo é verificada

empiricamente. Em seguida, há solicitação aos alunos para demonstrar duas

propriedades aplicando as relações entre os ângulos formados por duas paralelas

e por transversal. Observamos que, nessas solicitações, são utilizados os termos

demonstrar algebricamente. Uma das propriedades é a soma das medidas dos

ângulos internos de um triângulo. Observamos nas respostas fornecidas ao

professor que nessas demonstrações é utilizada a propriedade sobre “ângulos

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alternos e internos”. Mas, como foi mencionado, não houve definição desse tipo

de ângulo na coleção. Os ângulos formados por duas retas paralelas e por

transversal a elas foram definidos de forma não usual, e na apresentação dessa

demonstração ao professor, faz-se uma referência equivocada.

No último exercício, algumas recomendações ao aluno:

[...] Reúna-se com um colega e registre a demonstração no

caderno.

[...]

Agora, compare a demonstração que vocês fizeram com as de

outras duplas. Registre no caderno uma demonstração diferente da

sua. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 133).

Essa atividade de comparar demonstrações realizadas pelos alunos leva

ao entendimento da possibilidade da existência de vários encadeamentos lógicos

possíveis para demonstrar o mesmo teorema.

Concluímos que a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática nesta

coleção ocorre na sétima série. Nesse momento, as explicações sobre

verificações empíricas e demonstração são equivocadas e constatamos falhas de

encadeamento lógico. A maioria das propriedades estudadas nesta série são

trabalhadas dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática e os alunos

sempre são envolvidos nelas, porém os encaminhamentos dos exercícios

também não são muito claros.

Na 8ª série, o teorema de Tales, conforme anexo 17, é estudado

empiricamente, por meio de medições com régua. Em seguida, um

questionamento ao aluno:

c) Essas razões de proporção entre os segmentos valem sempre?

Valem para quaisquer números? Valem se um dos segmentos

medir raiz de 2? Analise a figura a seguir e converse sobre essas

questões com seu professor e colegas. (TOSATTO, PERACCHI,

ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 40).

A resposta fornecida ao professor é:

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Sugira aos alunos que encontrem, na calculadora, o valor

aproximado da raiz quadrada de 2 e verifiquem se há

proporcionalidade entre os segmentos cujas medidas foram

indicadas. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p.

40).

Assim, o aluno é levado a testar vários casos para concluir que uma

propriedade é geral. E o teorema de Tales nem é demonstrado nesta coleção.

Dois casos de semelhança de triângulos também são verificados

empiricamente.

Utilizando os casos de semelhança de triângulos, ao aluno é solicitada a

participação nas demonstrações do teorema fundamental de semelhança e nas

relações métricas no triângulo retângulo.

Depois, volta-se às verificações empíricas para estudar seis propriedades

dos pontos notáveis do triângulo.

O teorema de Pitágoras é verificado empiricamente, comparando áreas por

meio de atividades de recorte de quebra-cabeça. Então se questiona:

e) Podemos afirmar que a² = b² + c² em todo triângulo retângulo?

Justifique. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p.

67).

A resposta fornecida ao professor é:

Sim, pois podemos desenhar os quebra-cabeças em diferentes

escalas, obtendo triângulos retângulos de diferentes medidas.

(TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 67).

Essa resposta mais uma vez evidencia que a coleção utiliza verificações

empíricas para validar uma propriedade de forma geral. E seguem os

comentários:

Nos quebra-cabeças montados anteriormente, é possível que você

tenha concluído, de forma intuitiva , que, em triângulo retângulo, o

quadrado construído a partir da medida da hipotenusa possui área

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igual à soma das áreas dos quadrados construídos a partir das

medidas dos catetos.

Você já sabe também que Pitágoras foi um matemático e filósofo

grego que estudou os triângulos retângulos. A ele é atribuído o

enunciado de um teorema que afirma exatamente o que você

comprovou de forma intuitiva . (TOSATTO, PERACCHI,

ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 68, grifo nosso).

Observamos que os termos concluir e comprovar são usados para

conjecturar propriedades de forma intuitiva. E há mais explicações:

Porém, em matemática, para uma afirmação ser chamada de

teorema, é preciso demonstrá-la, ou seja, mostrar que ela é

verdadeira. Para isso, são utilizadas propriedades matemáticas já

comprovadas anteriormente por outros matemáticos. Você verá

algumas demonstrações do Teorema de Pitágoras nas atividades a

seguir. [...] (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p.

68).

Essa explicação sobre a importância de demonstrar para mostrar que uma

afirmação é verdadeira é tardia e contraditória com o que foi explicado

anteriormente. Pois, até este momento da coleção, várias vezes foi afirmado que

para que uma propriedade valha para todos os casos, basta testá-la

empiricamente em muitos casos. Também foi explicado que se pode concluir,

comprovar uma propriedade intuitivamente. Portanto, a diferença entre

observação empírica e demonstração não é mostrada de uma maneira clara e

contundente aos alunos nesta coleção.

Em seguida, estudam-se as demonstrações do teorema de Pitágoras, duas

geométricas e uma baseada nas relações métricas num triângulo retângulo. Nas

três demonstrações é solicitado ao aluno descrevê-las, usando a linguagem

algébrica.

A partir do teorema de Pitágoras, pede-se ao aluno a dedução da medida

da diagonal do quadrado.

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92

No capítulo “poliedros”, estuda-se empiricamente a relação de Euler e

então solicita-se para mostrar algebricamente que ela vale para todos os prismas

e todas as pirâmides.

No capítulo Trigonometria, as relações seno, cosseno e tangente são

verificadas por medições e, em seguida, os alunos são encaminhados a mostrar

que as relações valem para todos os casos, por simetria de triângulos. Ainda

nesse capítulo, solicita-se ao aluno deduzir a relação da área do hexágono em

função de seu lado e a relação entre o apótema e o lado do hexágono, utilizando-

se das relações trigonométricas.

Na oitava série observamos que as propriedades geométricas foram

validadas ora em G1-Geometria Spatio-gráfica, empiricamente, ora em G2-

Geometria Proto-axiomática, dedutivamente. Como na sétima série, na entrada de

G2-Geometria Proto-axiomática não há explicações sobre como demonstrar e não

foi explicada a diferença da validação empírica e demonstração. Como foi

mencionado, o aluno foi confundido ao ser relevado que as verificações empíricas

comprovam, concluem uma propriedade.

Na coleção como um todo, observamos que não há preocupação em

formalizar definições nem em demonstrar todas as propriedades estudadas,

muitas das quais são verificadas apenas empiricamente. Constatamos também

falhas no encadeamento lógico, como mencionamos.

Constatamos que sempre há o envolvimento do aluno, tanto nas

verificações empíricas como nas demonstrações. Mas, pelas explicações

equivocadas, pelos problemas de encadeamento lógico, acreditamos que o aluno

sinta dificuldades em realizar uma demonstração.

Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão

das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos

analisada?

Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao

estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,

seguindo o estudo da Organização Praxeológica:

Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 48.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 22.

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93

Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 1.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 18.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por

enfoque empírico-dedutivista) : 0.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por

enfoque empírico-heurístico) : 7.

É característica da coleção tentar envolver os alunos no estudo das

propriedades geométricas por meio de solicitação de exercícios.

Conforme foi mencionado na análise da primeira categoria, na coleção

como um todo, os estudos empíricos são intercalados com demonstrações das

propriedades geométricas. E, nos dois tipos de validação, os alunos são

envolvidos por meio de exercícios e encaminhamentos para concluir as

propriedades.

Citamos como exemplo de exercícios para estudo empírico de propriedade

geométrica o estudo do Teorema de Tales, conforme anexo 17.

Como exemplos de exercícios para estudo dedutivo de propriedades

geométricas, citamos o estudo da soma dos ângulos internos de um triângulo e da

soma dos ângulos internos de um paralelogramo, conforme anexo 18, exercícios

11 e 14.

Observamos que nesses e em outros exercícios para demonstrar

propriedades pede-se o trabalho em grupo, em que é incentivada a discussão

com colegas e professor:

11. Como podemos demonstrar algebricamente que a soma dos

ângulos internos de um triângulo é 180°? Converse com seu

professor e colegas sobre isso . Depois, registre a demonstração

em seu caderno.

[...]

14. Como podemos demonstrar algebricamente que a soma dos

ângulos internos de um paralelogramo é 360°? Reúna-se com um

colega e registre a demonstração no caderno.

[...]

Agora, compare a demonstração que vocês fizeram com a de

outras duplas . Registre no caderno uma demonstração diferente

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da sua (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 133,

grifos nossos)

Concluímos que há um equilíbrio entre os enfoques empírico e heurístico

para os estudo das propriedades geométricas da coleção. Ressaltamos que isso

não significa que a mesma propriedade foi primeiro verificada empiricamente e

depois heuristicamente, isso a enquadraria no enfoque empírico-heurístico, que

tem presença insignificante na coleção. A maioria das propriedades geométricas

dessa coleção são apenas verificadas empiricamente ou apenas heuristicamente.

Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação

dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma

demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?

Das vinte e oito demonstrações de propriedades geométricas estudadas,

apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos de solução,

constatamos que em onze foram mobilizados os registros figural e algébrico. Em

dez demonstrações foram utilizados os registros figural e discursivo.

Constatamos a preocupação dos autores em recomendar aos professores

o uso do registro discursivo nas demonstrações geométricas em uma solicitação

para que os alunos completassem a demonstração da propriedade sobre ângulos

opostos pelo vértice:

Os alunos podem subtrair as igualdades, igualar os primeiros

membros ou justificar oralmente . (TOSATTO, PERACCHI,

ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 126, grifo nosso).

Observamos que, na sétima série, os autores relevam a importância da

utilização tanto do registro discursivo como do figural. Um exemplo é outra

recomendação ao professor, ao apresentar uma demonstração baseada nos

casos de congruência de triângulos:

É fundamental que os alunos falem, exponham suas

idéias antes de formalizar o raciocínio por meio da linguagem

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95

matemática . Ao falar sobre um assunto, os alunos utilizam o

conhecimento matemático de forma espontânea. Inicialmente, essa

exposição pode parecer truncada, com falhas; porém, a oralidade

permite que se percebam falhas e inadequações no raciocínio e

que se façam revisões praticamente instantâneas. No caso da

demonstração proposta, é importante visualizar com os alunos

quantos e quais são os triângulos congruentes da figura e utilizá-los

para a demonstração. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002,

7ª série, p. 126, grifos nossos).

Assim, enfatiza-se o uso do registro discursivo antes da formalização em

linguagem matemática, como recomenda Almouloud (2003).

Como foi citado na categoria anterior, há vários exercícios para

demonstrar em grupo por meio de discussões com colegas e professor, e também

aí é utilizado o registro discursivo, a linguagem natural. Nos exercícios para

demonstrar, também são realizadas perguntas aos alunos no sentido de fornecer

encaminhamentos do raciocínio que, para serem respondidas, utiliza-se a

linguagem natural.

A utilização do registro figural está presente na grande maioria das

demonstrações como suporte ao raciocínio dedutivo.

Observamos que, em vários exercícios para demonstrar, como nos citados

no anexo 18, são utilizados os termos demonstrar algebricamente, que revela a

recomendação da utilização do registro matemático nas demonstrações.

No estudo do teorema de Pitágoras, também é dada ênfase à utilização do

registro matemático, utilizando a linguagem algébrica. Após as apresentações de

duas demonstrações geométricas do teorema pede-se aos alunos:

Descreva essa demonstração do Teorema de Pitágoras, usando a

linguagem algébrica .

[...]

Descreva algebricamente essa demonstração do Teorema de

Pitágoras e escreva o conhecimento matemático utilizado.

(TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 70 e 71,

grifos nossos).

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96

Esse tipo de atividade caracteriza uma conversão de registros do figural

para o matemático, que, conforme Duval (1993) contribui no ensino-aprendizagem

das demonstrações geométricas.

Encontramos ainda na coleção um exemplo de tratamento, os cálculos

algébricos dentro do registro matemático.

Na oitava série, são estudadas duas demonstrações algébricas sobre a

validade da relação de Euler para prismas e pirâmides, o que revela também a

utilização do registro matemático na coleção.

Considerando que na sétima série constata-se uma utilização maior dos

registros figural e discursivo e que na oitava série o predomínio é a mobilização

dos registros figural e matemático, podemos afirmar que há um aumento na

utilização do registro matemático nas demonstrações geométricas no decorrer

das séries do Ensino Fundamental, conforme a proposta dos autores.

6. 3 Análise da coleção 3:

Tudo é Matemática – 5 ª a 8ª séries

Autores: DANTE, L. R.

Editora Ática

2002

Análise das categorias:

Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,

como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria

Proto-axiomática?

A distribuição do ensino da Geometria nessa coleção é integrada com as

outras partes da Matemática. Por exemplo, na sexta série, no capítulo intitulado

Ângulos, polígonos e circunferências, são também estudados gráficos de setores,

integrando a Geometria com a Estatística.

Na sexta série, são abordadas onze propriedades geométricas. A maioria

delas é estudada empiricamente, com exceção das propriedades sobre ângulos

opostos pelo vértice e sobre a soma dos ângulos internos de um quadrilátero, que

são deduzidas.

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Nessa série a tendência é levar o aluno a conjecturar, descobrir

propriedades, como no exercício do capítulo sobre formas geométricas:

11 – Investigação

Será que em qualquer pirâmide o número de faces é igual ao

número de vértices? Investigue. (DANTE, 2002, 6ª série, p. 46).

No capítulo intitulado ângulos, polígonos e circunferências, destaca-se o

estudo da propriedade sobre a soma das medidas dos ângulos internos do

triângulo, conforme anexo 19, realizado empiricamente por medição e por

atividade com recorte. Em seguida, os comentários:

É possível constatar concretamente que isso ocorre em qualquer

triângulo que considerarmos: a soma das medidas dos três ângulos

internos é igual a 180°.

Na 7ª série, vamos demonstrar logicamente esses fatos. (DANTE,

2002, 6ª série, p. 180).

E, para o professor, é recomendado:

Explique aos alunos a diferença entre constatar concretamente e

demonstrar que a soma dos três ângulos de qualquer triângulo é

igual a 180°. (DANTE, 2002, 6 ª série, p. 180).

Por essas colocações, nota-se a preocupação em diferenciar observação

empírica de demonstração e o cuidado de utilizar os termos adequados em cada

tipo de validação. Para as validações empíricas, enfatiza-se a utilização dos

termos investigar e constatar concretamente e para as dedutivas, o termo

demonstrar logicamente.

Concluímos que na sexta série, apesar da entrada em G2-Geometria

Proto-axiomática, as validações das propriedades geométricas são,

principalmente, realizadas em G1-Geometria Spatio-gráfica, empiricamente,

sendo recomendado ao professor deixar claro ao aluno que os estudos dedutivos

ocorrerão na série posterior. Isso é ressaltado também no Manual Pedagógico do

Professor, na parte específica do capítulo seis:

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Constata-se concretamente (não se prova!) uma importante

propriedade dos triângulos: a soma das medidas dos ângulos

internos de qualquer triângulo é 180°. Estimule, no desenvolvimento

da “Oficina de Matemática”, da página 180, cada aluno a recortar os

ângulos de um triângulo e a descobrir essa propriedade. Deixe

claro para o aluno que ele está apenas constatando esse fato e

não o provando. A prova, a demonstração lógica dess a

propriedade, será feita na 7 ª série. (DANTE, 2002, 6ª série,

Manual Pedagógico do Professor, p. 92, grifos nossos).

No início da sétima série, algumas propriedades são verificadas

empiricamente, como a validade da relação de Euler para polígonos convexos e a

medida do ângulo interno de um polígono regular.

Depois, as aplicações dos casos de congruência de triângulos são as

ferramentas para o estudo dedutivo de várias propriedades sobre triângulos e

quadriláteros. Então, observamos que, nesse momento, retomam-se as

validações em G2-Geometria Proto-axiomática na coleção, acompanhada das

explicações:

Você já deve ter percebido que podemos chegar às propriedades

geométricas sem a necessidade de usar medições.

Chamamos a esse método de raciocínio de demonstração.

(DANTE, 2002. 7a. série, p. 144).

Essa explicação leva a pensar que demonstrar é outro meio de chegar às

propriedades geométricas, além das medições. Porém, demonstrar é mais que

isso. A explicação sobre demonstração da sexta série, citada anteriormente, é

mais adequada, em que se releva a importância de demonstrar para garantir que

uma propriedade valha sempre. Ou, como é explicado no Manual Pedagógico do

Professor, sobre o ensino da Geometria na sétima série:

Nos dois primeiros volumes desta coleção trabalhamos a

Geometria Experimental ou Manipulativa, [...] Neste volume, dando

continuidade a esse trabalho, exploramos a representação plana

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das figuras espaciais com o objetivo de desenvolver no aluno a

habilidade de percepção espacial e de codificação e decodificação

de desenhos. É nesse momento que iniciamos os alunos nas

primeiras e mais simples demonstrações de propriedades

geométricas. Com base em experiências concretas, eles são

levados a compreender a importância e a necessidade de

provar e de demonstrar, para legitimar as hipóteses

levantadas . (DANTE, 2002. 7a. série, Manual Pedagógico do

Professor, p. 68, grifo nosso).

Antes de apresentar a primeira demonstração aplicando os casos de

congruência de triângulos, um comentário:

Para demonstrarmos uma propriedade geométrica, devemos seguir

alguns passos.

Vamos, por exemplo, demonstrar que:

Em todo triângulo isósceles, os ângulos opostos aos lados

congruentes são também congruentes. (DANTE, 2002. 7a. série, p.

144).

Então, no início da demonstração salienta-se o que se sabe, as premissas,

e o que se quer provar, a conclusão. Esse encaminhamento mostra uma

preocupação em ensinar como demonstrar. Porém, nesse momento, apresenta-

se ao aluno apenas um exemplo e não técnicas ou lógicas utilizadas em uma

demonstração. No Manual Pedagógico do Professor, referente ao conteúdo

específico deste capítulo, aparecem explanações mais específicas sobre lógica

empregada em uma demonstração:

Um dos mais importantes objetivos do ensino da matemática é

desenvolver o raciocínio dedutivo do aluno, ou seja, a partir de fatos

já conhecidos e por meio de raciocínio lógico, obter novas

conclusões. Talvez um dos primeiros exemplos de dedução lógica

seja o famoso silogismo de Sócrates:

Todos os homens são mortais. premissas ou hipóteses

Sócrates é homem.

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Portanto, Sócrates é mortal. conclusão

A partir de duas premissas (ou hipóteses), chegamos à conclusão,

raciocinando logicamente. (DANTE, 2002. 7a. série, Manual

Pedagógico do Professor, p. 82).

As demonstrações de outras propriedades de quadriláteros utilizando os

casos de congruência de triângulos foram solicitadas ao aluno em exercícios. No

primeiro desses exercícios, uma recomendação ao professor:

Nas demonstrações iniciais, é importante a intervenção do

professor até o aluno desenvolver certa prática. (DANTE, 2002. 7a.

série, p. 145).

Essa recomendação também se refere, como Fetissov (1997) afirma, aos

métodos e técnicas sobre demonstração, relevando a importância de praticar as

demonstrações para desenvolver o raciocínio lógico.

Em meio a esses exercícios para demonstrar, apresenta-se ao aluno um

diálogo em uma história em quadrinhos, relevando a limitação do processo

indutivo:

Cena 1: Como alguém pode provar que “não existem dois flocos de

neve iguais”?; Olhe, ... Eu examinei mais de oitocentos mil espécies

e não havia uma única repetição! Cena2: ... Se isso não foi uma

prova, o que é? Cena 3: ... Poderia ser grande coincidência...

(DANTE, 2002. 7a. série, p. 149) .

No final do capítulo, há um texto intitulado “Geometria demonstrativa” para

leitura, conforme anexo 20. O texto aborda o contexto histórico da Geometria

experimental, baseada na tentativa e erro e sobre sua limitação de confiar nas

aparências e nas medidas e da Geometria dedutiva estudada pelos gregos, em

que os fatos geométricos são estabelecidos por raciocínio lógico.

No capítulo intitulado Proporcionalidade em Geometria, são estudados

empiricamente a relação de Tales, a relação seno de um ângulo e o número PI

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como a relação entre o comprimento e o diâmetro de uma circunferência e o

número de ouro.

No capítulo sobre perímetros, áreas e volumes, o teorema de Pitágoras é

estudado empiricamente, como uma grande descoberta envolvendo áreas.

Primeiramente, os alunos são levados a conjecturar o teorema por cálculo de

áreas, depois por meio de atividade de recorte e comparação de áreas. Então, é

questionado se a relação vale para todos os triângulos retângulos e para outros

tipos de triângulos. Pede-se aos alunos que preencham uma tabela com essas

verificações e daí vem a questão:

60 - O que você pode conjecturar da atividade anterior? (DANTE, 2002. 7a.

série, p. 249).

A resposta fornecida ao professor é:

Parece que a relação de Pitágoras só vale para triângulos

retângulos, ou seja, para aqueles que têm ângulo reto. Comente

com os alunos que na 8ª série eles verão a demonstração da

relação de Pitágoras provando que ela vale para todos os triângulos

retângulos e só para eles. (DANTE, 2002. 7a. série, p. 249).

Essa resposta revela, mais uma vez, a preocupação em explicar a

limitação da verificação empírica e ressaltar a importância da demonstração para

mostrar que uma propriedade vale para todos os casos que satisfaçam as

premissas.

No capítulo intitulado construções geométricas, em meio a algumas

verificações empíricas de propriedades geométricas, encontramos a solicitação

para que os alunos demonstrem uma propriedade de mediatriz, como um desafio,

utilizando mais uma vez os casos de congruência de triângulos.

Concluímos que na sétima série se validam as propriedades geométricas

tanto empiricamente, em G1-Geometria Spatio-gráfica, como dedutivamente, em

G2-Geometria Proto-axiomática. Notamos, como foi citado, que há uma

preocupação constante em deixar claro que as verificações empíricas não valem

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para generalizar as propriedades para todos os casos e relevar a importância das

demonstrações.

No início da oitava série, há um estudo sobre as transformações

geométricas. É retomado e aprofundado o estudo de translação, rotação e

reflexão e explicado homotetia. Então, o conceito de semelhança de triângulos é

estudado via homotetia.

Os casos de semelhança de triângulos são utilizados nas demonstrações

do teorema de Tales, nas relações métricas no triângulo retângulo, incluindo o

teorema de Pitágoras, e na introdução à trigonometria, ao estudar tangente, seno

e cosseno. A grande maioria dessas demonstrações é solicitada em exercícios

com grande envolvimento dos alunos.

Na retomada do teorema de Pitágoras, que foi abordado empiricamente na

sétima série, é apresentado inicialmente um texto histórico sobre a utilização da

relação pelos estiradores de corda do Antigo Egito. Depois, como exemplo, há

uma verificação de um caso particular por áreas e é explicado que nessa série

será realizada sua demonstração:

Neste capítulo você vai recordar e demonstrar essas e outras

relações métricas válidas para os triângulos retângulos, [...]

(DANTE, 2002, 8a. série, p. 104).

Esse comentário revela que, ainda na oitava série, há cuidado em

diferenciar os tipos de validação.

No estudo das propriedades de circunferências e círculos, o aluno continua

a ser envolvido tanto em verificações empíricas como em suas demonstrações.

Em meio ao estudo dessas propriedades, é solicitado ao aluno provar a recíproca

de um teorema e discutir com colegas o significado do termo:

Discuta com seus colegas sobre o significado da palavra recíproca.

Procurem em um dicionário e escrevam outras propriedades da

Geometria nas quais a recíproca seja verdadeira. (DANTE, 2002,

8a. série, p. 180).

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103

Com esse exercício, o aluno é levado a conhecer mais um termo e uma

lógica dos sistemas dedutivos.

Por meio de um exercício empírico, o aluno é levado a descobrir a relação

entre ângulo de segmento e ângulo inscrito do arco interceptado. A relação não é

demonstrada, mas, por meio da apresentação de um diálogo, mais uma vez, é

ressaltado que é necessário provar matematicamente para validar uma

propriedade:

Resolvendo o item b, eu cheguei à seguinte suposição: um ângulo

de segmento e um ângulo inscrito têm medidas iguais quando o

arco correspondente é o mesmo.

Os matemáticos já provaram que isso sempre é verdad e.

(DANTE, 2002, 8a. série, p. 191, grifo nosso).

As relações métricas na circunferência são estudadas dedutivamente. Ao

solicitar ao aluno que demonstre uma delas, um comentário revela a preocupação

e cuidado em ensinar as demonstrações ao longo da coleção:

Agora que você está craque em demonstrações, prove esta relação

entre secantes. [...] (DANTE, 2002, 8a. série, p. 194).

Dessa análise do livro de oitava série, constatamos que as validações das

propriedades geométricas ora são estudadas empiricamente, em G1-Geometria

Spatio-gráfica, ora dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática. Como

desde a sexta série, quando a verificação é empírica, é relevada sua limitação,

deixando claro que seria necessária uma demonstração para concluir que a

propriedade é verdadeira em todos os casos.

Retomando a análise da coleção inteira, concluímos que, na sexta série,

ocorre a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, com a apresentação da

primeira demonstração de propriedade geométrica. Mas as validações são

principalmente empíricas, trabalhadas, portanto, em G1-Geometria Spatio-gráfica.

A partir dessa entrada até a oitava série, há explicações sobre demonstração e

diferenças entre observações empíricas e validações dedutivas. É ressaltada a

limitação das observações empíricas como verificação de um caso particular e

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também são apresentados na sétima série dois casos de falsa evidência da

figura, como recomendam Fetissov (1997) e Arsac (1987), citados no capítulo

quatro. A primeira figura enganosa é apresentada no texto sobre Geometria

demonstrativa no fim do capítulo sobre propriedades geométricas, conforme

anexo 20, alertando para o perigo de confiar nas aparências em casos

particulares. A segunda figura é apresentada na sétima série, após o estudo

empírico do Teorema de Tales, conforme anexo 21.

Observa-se ainda a apresentação de textos históricos sobre a Geometria

dedutiva auxiliando no esclarecimento das diferenças entre validações empíricas

e dedutivas.

Constatamos ao longo da coleção a preocupação em desenvolver nos

alunos lógica, necessária também para realizar uma demonstração. Como foi

citado, é apresentado o silogismo de Sócrates, no Manual Pedagógico do

Professor da sétima série e é solicitado aos alunos um exercício de lógica,

conforme anexo 20, seção Pensar, exercício 2. Na oitava série são apresentados

textos curiosos que envolvem lógica, porém constatamos que essa abordagem

sobre lógica na coleção é leve. O autor não dá ênfase à lógica ou técnicas para

demonstrar uma propriedade geométrica. Então, o aluno é levado a demonstrar,

principalmente, a partir de apresentações de algumas demonstrações, tomadas

como exemplos.

O estudo de algumas propriedades é retomado em séries posteriores, o

que, no Manual Pedagógico do Professor, o autor nomeia de trabalho em espiral,

explicando que retoma alguns conceitos já trabalhados nas séries anteriores,

ampliando-os e aprofundando-os. Dessa forma, algumas propriedades

geométricas são estudadas empiricamente em uma série, e na posterior, são

estudadas dedutivamente. Citando exemplos, temos as propriedades dos ângulos

internos de paralelogramos, da soma dos ângulos internos de um triângulo, o

teorema de Tales e o de Pitágoras.

De maneira geral, a partir da entrada em G2-Geometria Proto-axiomática,

as validações dedutivas são intercaladas por observações empíricas.

Salientamos que, enquanto trabalha em G1-Geometria Spatio-gráfica para validar

propriedades geométricas, desde a sexta série, o aluno é sempre alertado sobre

as limitações do processo indutivo.

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105

Concluímos que, da entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, na sexta

série até o final do Ensino Fundamental, há um equilíbrio na utilização dos dois

tipos de validação, com muito envolvimento dos alunos por meio de exercícios

para demonstrar e da tomada de consciência das diferenças entre os dois tipos

de validações e da importância da demonstração.

Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, qual o enfoque para apreensão

das propriedades geométricas que predomina na coleção de livros didáticos

analisada?

Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao

estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,

seguindo o estudo da Organização Praxeológica:

Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 81.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 28.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 11.

Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 28.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por

enfoque empírico-dedutivista) : 6.

Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por

enfoque empírico-heurístico) : 5.

Há três propriedades geométricas que não se enquadram nessa

classificação e foram tratadas como exceções. A propriedade sobre os ângulos

opostos pelo vértice é abordada na sexta série dedutivamente e na sétima série é

retomada, primeiro empiricamente e depois dedutivamente. E duas propriedades

foram apenas enunciadas, sem serem estudadas empiricamente ou

demonstradas.

Na coleção inteira, constatamos pelos exercícios referentes ao estudo das

propriedades geométricas que há um grande envolvimento dos alunos tanto nas

verificações empíricas como nas demonstrações, por meio da solicitação de

exercícios.

Desde a sexta série há exercícios de investigação empírica dos entes

geométricos com o objetivo de conjecturar propriedades. Como exemplo, citamos

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106

o estudo empírico da propriedade da soma dos ângulos internos na sexta série,

conforme anexo 19.

Para o estudo investigativo empírico das propriedades geométricas, no

Manual Pedagógico do Professor da sétima e da oitava séries, é recomendada a

utilização de software de geometria dinâmica. Na sétima série, há a apresentação

de uma atividade para verificação dos pontos notáveis de um triângulo e, na

oitava série, para verificação do teorema de Tales, seguida de sugestão para que

os alunos construam uma atividade de verificação do Teorema de Pitágoras.

Nos capítulos intitulados Construções geométricas, que constam da quinta,

sexta e sétima séries, os alunos são estimulados a descobrir propriedades por

meio de construções das figuras geométricas com instrumentos de medidas. No

final do capítulo da sétima série, um texto histórico relata a descoberta das

propriedades e das relações entre as figuras geométricas, por meio das

construções geométricas ao longo dos tempos.

A partir da sétima série, quando se inicia o estudo dedutivo das

propriedades geométricas, constatamos vários exercícios solicitando

demonstrações. Como exemplo, citamos exercícios para demonstrar

propriedades de circunferências, conforme anexo 22.

Observamos que algumas deduções foram solicitadas para reflexão em

grupo, numa seção da coleção intitulada Trocando idéias:

Converse com um colega sobre qual das afirmações abaixo é

verdadeira. Copie-a em seu caderno.

• Dois triângulos semelhantes são congruentes.

• Dois triângulos congruentes são semelhantes. (DANTE,

2002. 8ª série, p. 95, grifo nosso).

Converse com um colega sobre esta afirmação: a

proporcionalidade nas medidas do afastamento e da altura é

decorrente da semelhança dos triângulos retângulos. (DANTE,

2002. 8ª série, p. 118, grifo nosso).

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107

Essas solicitações para trabalhar em grupo são enquadradas no enfoque

heurístico, revelando a dimensão social que, segundo Balacheff (1987) é fator

motor na descoberta de um raciocínio dedutivo.

Assim, pela análise dos exercícios referentes ao estudo das propriedades

geométricas, concluímos que há um equilíbrio entre o enfoque empírico e o

enfoque heurístico para a coleção. Ressaltamos que esse resultado revela que

algumas propriedades são validadas empiricamente e outras heuristicamente. O

número de propriedades estudadas sob enfoque empírico-heurístico, que seria a

mesma propriedade ser validada tanto empiricamente como heuristicamente, é

insignificante (5).

Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação

dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma

demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?

Das 51 demonstrações de propriedades geométricas estudadas,

apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos de solução,

constatamos que, na grande maioria (43), foram mobilizados os três registros de

representação semiótica, o discursivo, o figural e o matemático.

No Manual Pedagógico do Professor da sétima série, parte específica do

capítulo sobre propriedades geométricas, quando ocorrem validações em G2-

Geometria Proto-axiomática é ressaltada a importância de utilizar linguagem

natural nas primeiras demonstrações:

Neste capítulo, iniciamos o aluno no raciocínio dedutivo,

apresentando a ele e estimulando-o a fazer pequenas e simples

demonstrações ou demonstrações lógicas. Isso é feito em uma

linguagem natural, pouco formal. Não se trata de apresentar a

Geometria axiomaticamente com uma série de teoremas

encadeados, como era feito no passado, a partir de Euclides. Já se

constatou que, em geral, alunos de 7a. e 8a. séries não têm

maturidade cognitiva para compreender esse enfoque. O que

fazemos neste capítulo são deduções ou demonstrações locais: a

partir de alguns fatos considerados já conhecidos, obtemos outros,

por meio de raciocínio (ou dedução) lógico. Mesmo com esse

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enfoque mais solto, menos rígido e menos rigoroso , muitos

alunos ainda terão dificuldades em fazer as deduções

corretamente. Não se preocupe; estimule-os a justificar e a

argumentar logicamente mesmo com imperfeições, pois

estamos iniciando este processo . O raciocínio dedutivo será

retomado e aperfeiçoado na série seguinte. (DANTE, 2002. 7ª série,

Manual Pedagógico do Professor, p. 83, grifos nossos).

Também foi estimulada a utilização do registro discursivo nos exercícios

para deduzir em grupos, com discussão entre os colegas.

O registro figural é utilizado na grande maioria das demonstrações

geométricas da coleção como suporte ao raciocínio dedutivo.

Concluímos que, até a oitava série, a linguagem natural, referente ao

registro discursivo, é ainda utilizada nas demonstrações geométricas, juntamente

com a figural e a algébrica.

Destacamos que a linguagem matemática é utilizada na maioria das

demonstrações, porém minimamente, restringindo-se a apenas alguns símbolos

que são apresentados em sentenças matemáticas explicadas em linguagem

natural. Citamos como exemplos as respostas fornecidas ao professor sobre os

exercícios para demonstrar contidos no anexo 22. Os cálculos algébricos

envolvidos nas demonstrações revelam o único tratamento identificado na

coleção, e refere-se ao registro matemático.

Não observamos um aumento na utilização da linguagem matemática nas

demonstrações no decorrer das séries do Ensino Fundamental.

Assim, com a ênfase nos registros discursivo, conforme a intenção do autor

citada acima, a Geometria dedutiva apresenta um enfoque menos rígido e menos

rigoroso.

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109

CONCLUSÕES

O objetivo do nosso trabalho é estudar o ensino da Geometria dedutiva em

livros didáticos referentes ao 3o. e 4o.ciclos do Ensino Fundamental mais

utilizados em escolas públicas do Estado de São Paulo. O período de análise

escolhido foi desde a década de 1990 até os dias atuais, dando continuidade a

trabalhos que realizaram esse tipo de pesquisa em épocas anteriores da

Educação Matemática brasileira.

Chervel (1990) define o termo ”vulgata escolar” associando-o ao fato de

que, em determinada época, o ensino dispensado pelos professores é o mesmo

para a mesma disciplina e para o mesmo nível e quase todos os manuais dizem a

mesma coisa. E que uma vulgata se estabelece após mudanças importantes na

história da educação. Na década de 1990 identifica-se no Brasil uma mudança

significativa, a implantação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em

1995, em que os livros didáticos começam a ser avaliados e distribuídos pelo

governo para todas as séries do Ensino Fundamental. Então, em nosso trabalho

analisamos as coleções de livros didáticas do início dos anos 1990 e do início dos

anos 2000, períodos, respectivamente, anterior e posterior a essa implantação, no

intuito de investigar como a Geometria dedutiva se apresenta, procurando uma

tendência de abordagem.

Para responder às questões de pesquisa sobre como, em cada época, as

coleções de livros didáticos acompanharam as discussões da Didática da

Matemática sobre o ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva e, ainda,

comparar essa apropriação nas duas épocas, apresentamos os resultados de

nossa análise das coleções por categoria. Para obter maior fluidez das

informações, as coleções de livros foram referenciadas pelo nome do primeiro

autor e os períodos foram chamados de anos 1990 (primeiro período) e anos

2000 (segundo período).

A categoria um de análise dos livros baseia-se na classificação das

Geometrias proposta por Parsysz (2000), que considera os objetos em jogo,

físicos ou teóricos e os modos de validações, perceptivo ou dedutivo.

Observamos como, em cada coleção de livros didáticos, são validadas as

propriedades geométricas: em G1-Geometria Spatio-gráfica, empiricamente, e em

G2-Geometria Proto-axiomática, dedutivamente, e como ocorre essa articulação.

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Nas coleções de 1990 observamos que o estudo da Geometria é

concentrado num único capítulo, não havendo integração com as outras partes da

Matemática. Nas coleções de Giovanni e de Iezzi esse estudo é realizado no final

do livro.

Nas três coleções dos anos 1990, observamos que houve um predomínio

de validações dedutivas, portanto, em G2-Geometria Proto-axiomática.

Constatamos, para as três coleções que as verificações empíricas são

raras, não havendo articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-

Geometria Proto-axiomática.

É característica das coleções analisadas seguir um esquema dedutivo para

estudar as propriedades geométricas. As coleções de Giovanni e de Iezzi

apresentam as demonstrações como deduções e, utilizando lógica local, chega-se

aos enunciados das propriedades. Seguem muitos exercícios de aplicação e as

solicitações para os alunos demonstrarem são raras. Os autores se propõem a

não apresentar os teoremas em termos de hipótese e tese, nem explicar o caráter

de sistema lógico-dedutivo da Geometria. Nessas duas coleções não são

explicados os termos da Geometria dedutiva, como recomenda Fetissov (1997) e

Almouloud (2003). Não é alertado sobre as limitações das verificações empíricas

e nem são diferenciadas estas de demonstrações. Aliás, até evita-se a palavra

demonstração em suas apresentações. Giovanni chega a afirmar que a partir de

uma observação empírica, experimental, pode-se concluir que uma propriedade é

verdadeira.

Na coleção de Jakubovic, observamos um cuidado maior com o dedutivo.

Os termos da Geometria dedutiva e seu caráter de sistema lógico são explicados.

Demonstração é definida como uma maneira de chegar a um teorema. As

demonstrações são primeiramente apresentadas, e em suas conclusões são

enunciadas as propriedades.

Nas três coleções não é explicada a importância da demonstração como

único meio de validação em Matemática. O aluno é levado a pensar que

demonstrar é um dos meios de chegar-se a um resultado. A lógica e métodos

empregados em uma demonstração não são abordados por nenhumas das três

coleções. Na coleção de Jakubovic, a única em que são solicitados exercícios

para demonstrar propriedades geométricas, os alunos são levados a demonstrar

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111

a partir de exemplos tanto da lógica direta como da do contra-exemplo (para

mostrar que uma afirmação é falsa).

Assim concluímos, pela maioria das coleções analisadas de 1990, de

Giovanni e de Iezzi, que há uma tendência para o ensino da Geometria nesta

época. Percebe-se a intenção em romper com a apresentação no estilo

euclidiano, usado em tempos anteriores, passando para uma menos formal,

voltada para aplicações práticas. Essa proposta é explicada por Iezzi: “... somos

de opinião que num primeiro estágio, em nível de primeiro grau, se aprenda um

pouco de Geometria e depois, num segundo estágio, se procure formalizá-la”

(IEZZI, 1991, Manual do professor da 7ª série, p. 7).

Nas coleções de 2000 observamos que o estudo da Geometria é

intercalado com as outras partes da Matemática. Nas coleções de Tosatto e

Dante constata-se ainda a integração da Geometria com as outras áreas de

conhecimento matemático.

Pela análise do estudo das propriedades geométricas nas coleções dos

anos 2000, constatamos que suas validações ocorrem tanto em G1-Geometria

Spatio-gráfica, empiricamente, como em G2-Geometria Proto-axiomática,

dedutivamente.

A partir da entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, as propriedades

são ainda verificadas empiricamente. Isso acontece nas coleções de Tosatto e de

Dante até o fim da oitava série. Na coleção de Andrini, o empírico está presente

até o fim da sétima série e na oitava série predominam as validações dedutivas.

Parsysz (2000) considera que nessa articulação entre G1-Geometria

Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática a gestão do salto conceitual

entre elas é um elemento essencial na problemática do ensino obrigatório da

Geometria, devendo ser fixados os conceitos em jogo e sua articulação. Essa

articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática

no estudo das validações de propriedades geométricas requer conscientizar os

alunos de suas diferenças, da limitação do empirismo e da importância das

demonstrações em Matemática. Porém, nas coleções de Andrini e de Tosatto não

constatamos essa preocupação. Na coleção de Andrini afirma-se que para

mostrar que uma propriedade é válida em casos gerais é necessário o uso de

letras e que demonstrar é outra forma de mostrar uma propriedade além da

verificação empírica. Explica-se também que numa demonstração usam-se

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conhecimentos anteriores, mas, não se ressalta que a demonstração é o único

meio de validação científica aceito em Matemática. A limitação das verificações

empíricas é explicada tardiamente, apenas na oitava série. Na coleção de Tosatto

desde a sexta até a oitava séries, as explicações levam o aluno a pensar que se

pode concluir resultados gerais a partir de verificações empíricas. Nessa coleção,

constatamos ainda problemas nos encadeamentos lógicos nas demonstrações

das propriedades geométricas: por exemplo, os autores utilizam numa

demonstração conhecimentos que não foram estudados anteriormente na

coleção.

Na coleção de Dante, observamos a presença dessa conscientização

necessária. Desde a sexta até a oitava séries são ressaltadas a limitação das

verificações empíricas e suas diferenças com as demonstrações. Por exemplo, ao

conjecturar empiricamente duas propriedades, o aluno é alertado que, para

generalizá-las, seria preciso demonstrar e que isso seria realizado em série

posterior. Dante também utiliza falsas evidências de figuras para alertar os alunos

sobre o risco de confiar na intuição, seguindo a recomendação de Arsac (1987).

De maneira geral, os termos da Geometria dedutiva postulado e teorema

não são explicados nas três coleções dos anos 2000. Tosatto explica que

demonstrar é provar, utilizando conhecimentos matemáticos. Mas, não é

mencionado que seria necessário que esses conhecimentos fossem postulados

ou anteriormente demonstrados. Apenas Dante esclarece que a demonstração é

o único meio de validar em Matemática e também discute o termo recíproco.

Nas coleções analisadas de 2000 também não estudam-se métodos e

lógicas empregados em uma demonstração geométrica. Dante explica o silogismo

de Sócrates no manual do professor e propõe alguns exercícios de lógica ao

longo da coleção. Porém, em sua coleção, aos alunos não são explicadas lógicas

para demonstrar uma propriedade geométrica. E os alunos são levados a

demonstrar nos exercícios, partindo de apresentações de algumas

demonstrações tomadas como exemplos, sendo recomendado que se pratique

bastante. Essa é a única recomendação de técnicas para demonstrar, citadas por

Fetissov (1997) que encontramos nas coleções de 2000. Na coleção de Tosatto

observamos que também o aluno é levado a demonstrar, amparado por exemplos

de demonstrações. Mas nessas apresentações de demonstrações, são utilizadas

lógicas que provavelmente não fazem o aluno compreender o encadeamento do

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raciocínio. Por exemplo, em uma demonstração parte-se da tese para iniciar uma

lógica direta de raciocínio. Na coleção de Andrini, o sistema lógico apresentado

para a Geometria é simples e bem encadeado, mas, como não são solicitados

exercícios para demonstrar, o aluno não terá condições de resolver problemas

envolvendo demonstrações.

Nas coleções analisadas dos anos 1990, as propriedades geométricas

eram validadas dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática. As coleções

dos anos 2000 revelaram que há um equilíbrio entre as validações empíricas, em

G1-Geometria Spatio-gráfica e as dedutivas, em G2-Geometria Proto-axiomática.

Constatamos assim que houve um aumento nos estudos empíricos de 1990 para

2000. Isso pode parecer que é negativo para o ensino da Geometria dedutiva.

Porém, como Arsac (1987) afirma, é necessário como primeira etapa em direção

demonstração em Geometria, chegar a uma dúvida pelo apelo a casos

particulares como meio de prova. Ou seja, por meio da limitação da incerteza

trazida pelos casos particulares em validações empíricas, justifica-se buscar uma

demonstração para chegar a um caráter geral. Apenas na coleção de Dante

constatamos o cuidado em explicar essas limitações. Mas as duas outras

coleções analisadas de 2000, de Andrini e de Tosatto, não ressaltam a limitação

do empirismo. E assim, nessas duas coleções os alunos podem ser induzidos a

entender as demonstrações como uma maneira a mais de chegar-se aos casos

gerais, além das verificações empíricas.

Além disso, seria necessário explicar os termos da Geometria dedutiva

como demonstração, postulado, teorema, teorema recíproco e demonstração

inserindo-os em um sistema dedutivo e estudar as técnicas e lógicas empregadas

em uma demonstração. Observamos que essas recomendações não são

cumpridas nas coleções analisadas dos dois períodos, excetuando as coleções

de Jakubovic e de Dante, uma de cada período, que as cumprem parcialmente.

Consideramos essenciais as tarefas solicitadas aos alunos para tornar

significativa sua aprendizagem. Então, pela categoria dois, analisamos os

exercícios propostos a respeito do estudo das propriedades geométricas nos

livros didáticos. Para isso, realizamos um estudo da Organização Praxeológica,

teoria de Chevallard (1999), que explica a técnica e o discurso teórico-tecnológico

associados a cada tipo de tarefa e, desta forma, pudemos enquadrar a

abordagem do ensino-aprendizagem das propriedades geométricas em enfoques.

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Primeiramente identificamos o enfoque empírico, em que as propriedades

são observadas no estudo de casos particulares e, com base nesses casos, são

formuladas conjecturas a respeito da validade do que foi observado.

O enfoque dedutivista caracteriza-se pelo estudo das propriedades

geométricas por meio da apresentação de sua demonstração seguida apenas de

exercícios de aplicação. No enfoque dedutivista, segundo Lakatos (1976), a

Matemática é apresentada como uma série sempre crescente de verdades

imutáveis e eternas, não há lugar para contra-exemplos, refutações nem críticas.

E o aluno torna-se um ente passivo no processo de ensino-aprendizagem.

O estudo das propriedades sob o enfoque heurístico consiste no

envolvimento dos alunos em suas demonstrações, por meio da solicitação de

exercícios. Lakatos (1976) explica que o estilo heurístico de apresentação revela

o aspecto falível da Matemática, de como os conceitos e teoremas surgem, dando

ênfase à situação problemática. Solicitações para que os alunos demonstrem em

grupo, também se enquadram no enfoque heurístico e segundo Balacheff (1987)

que, baseando-se no trabalho de Lakatos (1976), considera essa dimensão social

motora nos processos de prova.

Identificamos ainda o enfoque empírico-dedutivista, em que a propriedade

é inicialmente estudada empiricamente e depois dedutivamente e o enfoque

empírico-heurístico, em que a propriedade inicialmente é estudada empiricamente

e depois heuristicamente. Essa retomada dedutiva no estudo das propriedades

geométricas pode ocorrer em série posterior à apresentação empírica das

propriedades geométricas. Sobre isso, Arsac (1987) afirma que as provas

empíricas podem aparecer antes da sétima série e Balacheff (1987) reconhece

que desde o início do Ensino Fundamental deve ser proposto o problema da

evolução dos fundamentos racionais da atividade matemática. Ou seja, é

recomendável iniciar com justificações empíricas e evoluir para validações

dedutivas no decorrer das séries, respeitando o nível de racionalidade dos alunos.

Como ressaltado nos resultados da categoria anterior, as coleções dos

anos 1990 seguiram um esquema para estudar as propriedades geométricas. Nas

coleções Giovanni e de Iezzi esse esquema inclui, após as apresentações das

demonstrações, muitos exercícios de aplicação e raros para demonstrar. Antes de

vários desses exercícios, ainda são apresentados exemplos com o objetivo de

deixar tudo muito claro para o aluno. Na coleção de Iezzi, observamos que muitas

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propriedades são apenas enunciadas, como o caso de várias recíprocas. Nessa

coleção fica evidente que a abordagem da Geometria seria bem prática, com

dose mínima de teoria. Assim, nessas duas coleções, os alunos vêem as

demonstrações passarem diante de seus olhos, passivamente. Essa abordagem

revela um enfoque dedutivista para essas coleções.

No esquema de estudo das propriedades geométricas da coleção de

Jakubovic há diferenças. Além das propriedades geométricas serem primeiro

enunciadas para só depois ser apresentada a demonstração, os exercícios não

são só de aplicação. Há também solicitações para que os alunos demonstrem,

mas são em número menor que as apresentações das demonstrações. Então, o

predomínio para a coleção é também o enfoque dedutivista.

Em 1990, observamos ainda que os exercícios para conjecturar

propriedades geométricas experimentalmente, relativos ao enfoque empírico, são

raros.

Nas coleções dos anos 2000 não se segue um esquema de estudo das

propriedades geométricas como nas de 1990. Como foi concluído na categoria

anterior, as propriedades ora são estudadas empiricamente, ora dedutivamente.

Na coleção de Andrini observa-se que muitas propriedades são validadas

apenas empiricamente em exercícios solicitados aos alunos. E a maioria das

demonstrações das propriedades geométricas na coleção são apresentadas aos

alunos, seguidas de exercícios de aplicação, características do enfoque

dedutivista. Como na coleção há mais validações empíricas do que

apresentações dedutivistas, o enfoque que predomina é o empírico.

Nas coleções de Tosatto e de Dante constatamos que se validam as

propriedades ora empiricamente, ora dedutivamente, com envolvimento dos

alunos, por meio de solicitações de exercícios. Como há um equilíbrio entre os

dois tipos de validações, contatamos que os enfoques predominantes para essas

coleções são o empírico e o heurístico.

Nas três coleções analisadas de 2000 encontramos, nas solicitações para

demonstrar, recomendações para que os alunos trabalhem e discutam em

grupos, com colegas e com o professor, característica do enfoque heurístico.

Outro aspecto constatado nas coleções de 2000 foi a retomada de

conceitos já trabalhados em séries anteriores, com ampliação e aprofundamento.

Dante explica que este é o chamado trabalho em espiral e, no caso do ensino da

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Geometria, as propriedades são estudadas primeiramente por verificações

empíricas e depois dedutivamente, por meio de solicitações de exercícios. Esse

tipo de abordagem caracteriza o enfoque empírico-heurístico. Porém, a utilização

dessas retomadas nas coleções de 2000 é pequena, prevalecendo validar as

propriedades somente empiricamente ou apenas heuristicamente.

Comparando as análises dos exercícios sobre propriedades geométricas

referentes aos dois períodos, constata-se que nas coleções analisadas dos anos

1990, as verificações empíricas são insignificantes e segue-se um esquema de

apresentação das demonstrações que revela o enfoque dedutivista para elas. Nas

coleções dos anos 2000 tenta-se envolver mais os alunos tanto em validações

empíricas como nas dedutivas, enquadrando-as nos enfoques empírico e

heurístico.

Pelos totais de propriedades geométricas estudadas nas coleções da

década de 1990: coleção de Giovanni: 73, coleção de Iezzi: 107, coleção de

Jakubovic: 97, e nas coleções da década de 2000: coleção de Andrini: 35,

coleção de Tosatto: 48 e coleção de Dante: 81, observamos que, de forma geral,

nas coleções de 2000 são estudadas menos propriedades geométricas que nas

de 1990. Isso pode ser conseqüência do envolvimento dos alunos em exercícios,

pois assim leva-se mais tempo na aprendizagem.

É preciso alertar, conforme afirmação de Polya (1977), que depois de se

verificar experimentalmente um fato, em Matemática, é preciso formalizá-lo por

meio de uma demonstração. Nas coleções analisadas de 2000, em muitos casos,

não se observa isso, ou seja, há muitas propriedades geométricas que são

apenas verificadas empiricamente.

Pela nossa categoria três de análise e apoiados na teoria de Duval (1993),

observamos os registros de representação semiótica envolvidos nas

demonstrações geométricas dos livros didáticos. Segundo o autor, os registros

mobilizados em uma demonstração geométrica são o discursivo, o figural e o

matemático.

Pela análise das coleções de livros didáticos, constatamos tanto em 1990

como em 2000, o registro figural foi utilizado na grande maioria das

demonstrações como suporte ao raciocínio dedutivo. Isso é facilitado pelo fato do

programa de Geometria abordar o estudo de propriedades geométricas cujas

demonstrações são aplicações de conceitos que envolvem figuras. Na sexta

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série, utilizam-se as propriedades de ângulos formados por duas paralelas

interceptadas por transversal. Na sétima série, utilizam-se os casos de

congruência de triângulos para demonstrar propriedades de triângulos e de

quadriláteros entre outras. E, na oitava série, utiliza-se o conceito de semelhança

de triângulos para demonstrar relações métricas no triângulo retângulo, num

triângulo qualquer, na circunferência e também para as relações trigonométricas

num triângulo retângulo.

Notamos a ênfase na utilização do registro figural nas coleções de Iezzi e

de Jakubovic, ambas de 1990. Nelas, além de apresentar-se uma figura no início

da demonstração, também são desenhadas figuras para explicar as passagens, o

raciocínio.

A utilização do registro discursivo é também significativa nas coleções

analisadas das duas épocas. Almouloud (2003) propõe que no início da

aprendizagem da demonstração, no 3º ciclo do Ensino Fundamental, a redação

das justificativas de resultados seja realizada em linguagem natural, referente ao

registro discursivo. Nas demonstrações tratadas por Iezzi como deduções locais

são utilizadas linguagem natural para tornar a Matemática “menos formal”. Dante

também recomenda ao professor utilizar a linguagem natural, que chama de

“pouco formal”, ao iniciar o estudo das demonstrações. E constatamos nas

coleções das duas épocas muitas explicações em linguagem natural sobre o

raciocínio empregado nas demonstrações.

Em 2000, observamos ainda uma ênfase na utilização do registro

discursivo pelas recomendações de debates e discussões em grupo para

demonstrar uma propriedade geométrica. Esses debates de validações são

realizados em linguagem natural e propiciam um auxílio no raciocínio dedutivo,

antes de formalizá-lo numa linguagem matemática.

Tanto em 1990 como em 2000, observamos que o registro matemático se

apresenta nestas coleções apenas por meio do uso algébrico de alguns símbolos

para escrever as sentenças matemáticas e dos cálculos algébricos que ocorrem

em muitas demonstrações. Almouloud (2000) recomenda um aumento gradual na

utilização do registro matemático no decorrer das séries do Ensino Fundamental,

rumo à formalização. Porém, na maioria das coleções das duas épocas não

observamos essas preocupação. Ou seja, utilizam-se nas demonstrações

geométricas predominantemente os registros discursivo e figural ao longo de

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todas as séries da coleção, não sendo enfatizado o registro matemático nas

séries finais. Como exceção, as coleções de Jakubovic dos anos 1990 e a

coleção de Tosatto, dos anos 2000, apresentam um aumento na utilização do

registro matemático na oitava série. Tosatto, inclusive, solicita exercícios para

demonstrar algumas propriedades utilizando os termos “demonstrar

algebricamente”.

Duval (1993) afirma que há dois tipos de transformações dos registros de

representação semiótica, os tratamento e as conversões. Os tratamentos são

transformações de representações dentro de um mesmo registro. Por exemplo,

efetuar um cálculo ficando estritamente no mesmo registro matemático de

representação dos números. As conversões são transformações de

representações que consistem em mudar de registro conservando os mesmos

objetos denotados. Por exemplo, passar o enunciado de uma demonstração

geométrica para sua representação no registro das figuras.

De acordo com Duval (2003) as conversões de registros que ocorrem em

uma demonstração não se operam naturalmente entre os alunos. Então, são

recomendadas atividades que envolvam conversões de registros. Encontramos

no trabalho de Mello (1999), um exemplo desse tipo de atividade em que é

solicitado ao aluno escrever as premissas, as passagens das demonstrações e a

conclusão de teoremas nas linguagens natural, figural e algébricas.

Os únicos tratamentos entre registros constatados nas demonstrações das

coleções das duas épocas foram os cálculos referentes ao registro matemático.

Nos anos 1990, nas coleções de Iezzi e de Jakubovic constatamos, por

meio da demonstração de recíprocas de propriedades de paralelogramo, que são

apresentadas aos alunos várias definições da figura em questão. Porém, não é

explorado que poder-se-iam construir sistemas axiomáticos diferentes a partir de

diferentes definições. Essa abordagem seria um exemplo de tratamento no

registro discursivo. Então, perde-se uma oportunidade de, por meio do estudo

desse tratamento, iniciar os alunos no entendimento dos sistemas lógico-

dedutivos.

Não encontramos também atividades que favoreçam a conversão de

registros mobilizados em uma demonstração geométrica nas coleções. Com

exceção de Tosatto, que solicita para descrever duas demonstrações geométricas

de Pitágoras algebricamente. Consideramos que não explorar as conversões de

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registros pode levar o aluno a não entender o papel fundamental dos registros de

representação semiótica na compreensão das diferentes propriedades/definições

e na redação de uma demonstração.

A seguir, apresentamos o inter-relacionamento das três categorias de

análise, procurando inserir nossos resultados no contexto histórico da Educação

Matemática brasileira.

Segundo Miorim (1998), o primeiro movimento internacional de

modernização para o ensino da Matemática no nível secundário ocorreu no início

do século XX, baseado em idéias de Félix Klein (1849-1925) e apresentou a

intuição como um dos elementos fundamentais para a elaboração de sua

proposta. Até então, desde muitos séculos, apresentava-se aos alunos uma

Matemática “tradicional”, a antiga Matemática grega euclidiana e a Geometria

ensinada era toda dedutiva. Assim, na proposta de Klein, os estudos geométricos

sob enfoque empírico foram valorizados e os estudos formais deveriam acontecer

somente posteriormente. Pires (2004) afirma que as idéias sobre esse estilo de

apresentação, relacionado com um ensino a partir da descoberta do

conhecimento, foram trazidas pela primeira vez ao Brasil por Euclides Roxo, na

década de 1930. Porém, segundo a autora constata, naquele momento não houve

a apropriação esperada deste estilo de apresentação pelos livros didáticos.

Vianna (1988) relata que na época do ginásio o que prevaleceu nos livros

didáticos para o estudo da Geometria foi o estilo euclidiano, dedutivista. Miorim

(1998) relata que, na década de 1960, surge um segundo grande movimento de

modernização para o ensino da Matemática nas escolas secundárias, o

Movimento da Matemática Moderna, idealizado principalmente por Jean

Dieudonné (1906-1992), que propunha que o ensino da escola secundária se

baseasse exclusivamente na moderna Matemática, em sua forma axiomática

desenvolvida pelo grupo Bourbaki. Segundo Pavanello (1993), a coerência do

movimento exigia que a Geometria fosse abordada pelo enfoque das

transformações. Vianna (1988) afirma que durante a influência do Movimento da

Matemática Moderna no Brasil houve uma diversificação de enfoques para a

Geometria nos livros didáticos, conforme seus autores se identificavam com as

novas recomendações. Segundo Pavanello (1993), os professores não estavam

preparados para tais mudanças e a Geometria começou a ser abandonada no

cotidiano escolar e, em seu lugar, foi enfatizada a álgebra. No declínio da

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Matemática Moderna, a formalização e o dedutivo foram criticados e o ensino da

Geometria passou a ter finalidades práticas. As principais demonstrações ainda

eram apresentadas nos livros, mas os exercícios eram essencialmente de

aplicações. E a Geometria era apresentada no final dos livros sem ser integrada

com os outros ramos da Matemática. Em geral, as últimas páginas dos livros

didáticos acabam por não ser exploradas. Dessa forma, a configuração para o

estudo da Geometria propiciava aos professores relegá-lo a segundo plano.

Acentuava-se, assim, nessa época o abandono do ensino da Geometria.

Interpretando as considerações de Vianna (1988) e Pavanello (1993), esse estilo

de apresentação, chamado em nosso trabalho de enfoque dedutivista, perdurou

até a década de 1980.

Em meio às criticas ao Movimento da Matemática Moderna surgiu a

Didática da Matemática e, em suas discussões, o enfoque heurístico no ensino foi

valorizado, como nos trabalhos de Lakatos (1976) e Balacheff (1987), citados

nesta pesquisa. Os alunos deveriam ser envolvidos na descoberta das

demonstrações. Porém, constatamos por nossa análise das coleções do início

dos anos 1990 que, nesta época, a apresentação da Geometria continuava com

as mesmas características da década anterior, ou seja, a Geometria era

apresentada no final dos livros e sob enfoque dedutivista, ou seja, a grande

maioria das demonstrações geométricas eram apenas apresentadas aos alunos,

seguidas de exercícios de aplicação das propriedades.

Nossa análise das coleções de livros didáticos dos anos 2000 aponta para

algum otimismo em relação ao ensino da Geometria no Brasil. Em primeiro lugar,

a Geometria apresenta-se nos livros em capítulos intercalados e mais integrada

com as outras partes da Matemática. Isso acena para uma mudança em relação

ao seu abandono. Quanto ao ensino da Geometria dedutiva, a análise das

coleções de 2000 apresenta indícios para a apropriação dos enfoques empírico e

heurístico nos livros didáticos brasileiros. Os alunos são envolvidos, por meio de

exercícios, a conjecturar e a descobrir heuristicamente as demonstrações das

propriedades geométricas. Esse fato pode estar relacionado com a importante

mudança na Educação Matemática brasileira, a implantação do Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD) para todo o Ensino Fundamental, em 1995, em

que os livros passaram a ser avaliados pelo governo.

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121

Consideramos o enfoque empírico-heurístico o mais significativo para o

estudo das propriedades geométricas, ou seja, partir das verificações empíricas

para depois levar os alunos tentar demonstrar a propriedade. Porém, o que

predomina nos livros analisados das coleções de 2000 é estudar algumas

propriedades apenas empiricamente e outras apenas heuristicamente.

Baseados em teorias da Didática da Matemática, discutimos nas análises

das categorias um e três, que para tornar significativo o ensino-aprendizagem da

Geometria dedutiva é necessário relevar a limitação dessas validações empíricas,

destacando suas diferenças com as demonstrações, fornecer explicações sobre

seus termos, estudar técnicas e lógica empregados em uma demonstração e

propor atividades que possibilitem conversões entre os registros discursivo, figural

e matemático. Porém, os resultados da análise indicam que os livros didáticos das

duas épocas atenderam apenas parcialmente a essas recomendações.

Esperamos que esse trabalho possa contribuir para outras pesquisas sobre

a história da Educação Matemática brasileira. Acreditamos, ainda, que outros

trabalhos possam agregar novos elementos à pesquisa aqui realizada, como, por

exemplo, uma investigação sobre a prática pedagógica dos professores no que se

refere ao ensino da demonstração geométrica no terceiro e quarto ciclos do

Ensino Fundamental. Outro exemplo seria um trabalho de conscientização de

professores a integrar provas e demonstrações ao processo e formação de seus

alunos, ajudando a restituir a historicidade do conceito de prova, de demonstração

e de rigor matemático. Nesse sentido está sendo desenvolvido um projeto de

pesquisa, sob a responsabilidade do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud, cujo objetivo

é propor uma reflexão didática junto aos professores do Ensino Fundamental,

principalmente os que lecionam a partir da quinta série, sobre o ensino-

aprendizagem da Matemática com raciocínio dedutivo.

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APÊNDICE

RELAÇÃO DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS A ANALISAR

A relação das coleções de livros didáticos a analisar, referente ao período

anterior à implantação do PNLD, início dos anos 1990, foi obtida em consultas ao

Depto. Editorial de três editoras do Estado de São Paulo. Perguntou-se que

coleção de Ensino Fundamental – 5ª a 8ª séries apresentou maior vendagem para

o governo do Estado de São Paulo no início dos anos 1990 e se obtiveram as

respostas seguintes:

Editora FTD:

GIOVANNI, José Ruy; CASTRUCCI, Benedito, GIOVANNI JR, José Ruy. A

Conquista da Matemática – 5a. a 8a. séries.

Editora Atual:

IEZZI, Gelson; DOLCE, Oswaldo; MACHADO, Antonio. Matemática e

Realidade – 5a. a 8a. séries.

Editora Scipione:

JAKUBOVIC, José; LELLIS, Marcelo. Matemática na Medida Certa – 5a. a

8a. séries.

Para o período posterior à implantação do PNLD, decidimos analisar as

coleções de escolha mais recente entre os professores da rede estadual de São

Paulo, via PNLD, que foi em 2004. Para tanto, consultamos a Secretaria da

Educação do Estado de São Paulo, setor PNLD, e perguntamos sobre as três

coleções mais distribuídas para as escolas estaduais de São Paulo em 2005, via

PNLD-2004. As respostas seguem abaixo:

Coleção 1:

ANDRINI, Álvaro; VASCONCELLOS, Maria José. Novo Praticando Matemática –

5a. a 8a. séries. São Paulo: Editora do Brasil.

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Coleção 2:

TOSATTO, Cláudia Miriam; PERACCHI, Edilaine Pilar F; ESTEPHAN, Violeta M.

Idéias e Relações - 5a. a 8a. séries. Curitiba: Nova Didática.

Coleção 3:

DANTE, Luiz Roberto. Tudo é Matemática.- 5a. a 8a. séries. São Paulo: Ática.

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ANEXOS

ANEXO 1..............................................................................................................129

ANEXO 2..............................................................................................................130

ANEXO 3..............................................................................................................131

ANEXO 4..............................................................................................................132

ANEXO 5..............................................................................................................133

ANEXO 6..............................................................................................................134

ANEXO 7..............................................................................................................135

ANEXO 8..............................................................................................................136

ANEXO 9..............................................................................................................137

ANEXO 10............................................................................................................138

ANEXO 11............................................................................................................139

ANEXO 12............................................................................................................140

ANEXO 13............................................................................................................141

ANEXO 14............................................................................................................142

ANEXO 15............................................................................................................143

ANEXO 16............................................................................................................144

ANEXO 17............................................................................................................145

ANEXO 18............................................................................................................146

ANEXO 19............................................................................................................147

ANEXO 20............................................................................................................148

ANEXO 21............................................................................................................149

ANEXO 22............................................................................................................150

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ANEXO 1

GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI JR, J. R. A Conquista da Matemática. 8ª série, p.151. São Paulo; FDT; 1992

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ANEXO 2

GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI JR, J. R. A Conquista da Matemática. 8ª série, p.152. São Paulo; FDT; 1992

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ANEXO 3

GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI JR, J. R. A Conquista da Matemática. 8ª série, p.154. São Paulo; FDT; 1992

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ANEXO 4

IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.155. São Paulo; Ática; 1991

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ANEXO 5

IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.156. São Paulo; Ática; 1991

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ANEXO 6

IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.157. São Paulo; Ática; 1991

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ANEXO 7

Propriedades recíprocas Valem as recíprocas das três propriedades anteriores, a saber:

a) Ângulos opostos

Todo quadrilátero convexo que tem ângulos opostos congruentes é um paralelogramo.

b) Lados opostos

Todo quadrilátero convexo que tem lados opostos congruentes é um paralelogramo.

c) Diagonais

Todo quadrilátero convexo no qual as diagonais cortam-se ao meio é um paralelogramo.

IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.190. São Paulo; Ática; 1991.

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ANEXO 8

JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 110. São Paulo: Scipione, 1991.

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ANEXO 9

JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 86. São Paulo: Scipione, 1991.

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ANEXO 10

JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 119. São Paulo: Scipione, 1991.

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ANEXO 11

JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 98. São Paulo: Scipione, 1991.

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ANEXO 12

JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p.135. São Paulo: Scipione, 1991.