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A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL CÉSAR CALO PEGHINI Graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Escola Paulista de Direito, Mestrado pela Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp, professor nos cursos de graduação e Pós-graduação na Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp “Quem foi o inventor do cômodo e vil mote habent sua sidera lites com o qual, sob decoroso manto latino, quer- se dizer substancialmente que a justiça é um jogo que não se deve levar a sério? Com certeza um causídico sem escrúpulos e sem paixão que queria com isso justificar todas as negligencias, adormentar todos os remorsos, evitar todas as fadigas. Mas você, jovem advogado não se afeiçoe a esse mote de resignação imbele, debilitante como um narcótico; queime o papel em que o encontrar escrito, e quando aceitar uma causa que acha boa, ponha- se ardentemente ao trabalho, com a certeza que quem tem fé na justiça sempre consegue, a despeito mesmo dos astrólogos, mudar o curso estrelas” Piero Calamendrei SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO, 2 - FUNÇÃO SOCIAL DO DIRETO DE PROPRIEDADE E O PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE, 2.1. A Constitucionalização do Direito Civil, 2.2. Os Princípios Norteadores do Código Civil, 2.1.1. Principio da Operabilidade, 2.1.2. Principio da Eticidade, 2.3 A Função Social do Direito de Propriedade, 2.3.1 O histórico e evolução da Função Social do Direito de Propriedade, 2.3.2 Noção da Função Social da Propriedade 2.3.3 Instrumentos e requisitos da função social da propriedade, 2.3.3.1 Instrumentos Constitucionais, 2.3.3.2 Instrumentos do novo Código Civil, 2.3.3.3 Instrumentos Infraconstitucionais, 3. BREVE ARRAZOADO SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE, 4. CONCEITO DE PROPRIEDADE, 5. CONCLUSÃO, 6. BIBLIOGRAFIA 1. INTRODUÇÃO Toda vez que tratamos do tema direito de propriedade, se faz necessário, segundo nosso ver, a introdução deste, com o “conto” a seguir. Este, que tem como objetivo demonstrar a importância do tema não somente para o direito, mas sim para a vida. 1

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Page 1: A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL E … · A Constitucionalização do Direito Civil, 2.2. Os Princípios Norteadores do Código Civil, 2.1.1. Principio da Operabilidade,

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

CÉSAR CALO PEGHINI

Graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Escola Paulista de Direito, Mestrado pela Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp, professor nos cursos de graduação e Pós-graduação na Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp

“Quem foi o inventor do cômodo e vil mote habent sua sidera lites com o qual, sob decoroso manto latino, quer-se dizer substancialmente que a justiça é um jogo que não se deve levar a sério? Com certeza um causídico sem escrúpulos e sem paixão que queria com isso justificar todas as negligencias, adormentar todos os remorsos, evitar todas as fadigas. Mas você, jovem advogado não se afeiçoe a esse mote de resignação imbele, debilitante como um narcótico; queime o papel em que o encontrar escrito, e quando aceitar uma causa que acha boa, ponha-se ardentemente ao trabalho, com a certeza que quem tem fé na justiça sempre consegue, a despeito mesmo dos astrólogos, mudar o curso estrelas” Piero Calamendrei

SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO, 2 - FUNÇÃO SOCIAL DO DIRETO DE PROPRIEDADE E O PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE, 2.1. A Constitucionalização do Direito Civil, 2.2. Os Princípios Norteadores do Código Civil, 2.1.1. Principio da Operabilidade, 2.1.2. Principio da Eticidade, 2.3 A Função Social do Direito de Propriedade, 2.3.1 O histórico e evolução da Função Social do Direito de Propriedade, 2.3.2 Noção da Função Social da Propriedade 2.3.3 Instrumentos e requisitos da função social da propriedade, 2.3.3.1 Instrumentos Constitucionais, 2.3.3.2 Instrumentos do novo Código Civil, 2.3.3.3 Instrumentos Infraconstitucionais, 3. BREVE ARRAZOADO SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE, 4. CONCEITO DE PROPRIEDADE, 5. CONCLUSÃO, 6. BIBLIOGRAFIA

1. INTRODUÇÃO

Toda vez que tratamos do tema direito de propriedade, se faz necessário, segundo nosso ver, a

introdução deste, com o “conto” a seguir. Este, que tem como objetivo demonstrar a importância do

tema não somente para o direito, mas sim para a vida.

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De muito tempo os contadores de histórias nos ensinam que certo dia os sujeitos do “Ser” e o

“Ter” se encontraram e em decorrência disto, logo começaram a discutir sobre qual dos dois era o mais

importante, bem como, qual deles se sobrepõe ao outro.

Deste encontro iniciou-se o debate: "Sem o Ser, não existe o Ter", proclamou o Ser. "E sem o

Ter, não subsistirá o Ser", reivindicou o Ter. Depois de um fervoroso embate entre estes, ambos

chegaram à conclusão de que um não se sobrepõe ao outro e um não anula o outro.

Ao analisar este “conto”, tal estudo, nos leva a crer que não em decorrência deste exemplo,

que de certo ponto é somente doutrinário, mas sim, da complexidade das relações humanas, das

práticas jurídicas e do lapso temporal, o direito de propriedade é, e sempre será para a as pessoas algo

de alta relevância para os vínculos sociais.

Desta monta, a temática do direito de propriedade é uma das cadeiras mais relevantes do

direito, e porque não dizer da sociedade? Tal afirmativa conforme já colocado, tem como fundamento

o objeto do presente estudo, corriqueiramente colocado nas mesas de debates por diversas classes de

estudiosos.

Colocamos este relevante tema, ao cume das relações sociais tendo em vista, que o direito de

propriedade, assim como alguns outros ramos do estudo do direto, estão interligados intrinsecamente a

outras matérias não relacionadas ao direito. Dentre estas cadeiras, podemos citar a Economia, a

História, a Sociologia, a Ciência Política dentre muitas outras.

Destarte, já no século XIX, com a adequação histórica do direito de propriedade, esta, passa a

ter uma reestruturação quanto ao conceito estabelecido no direito romano e napoleônico, ou seja, o

direito tido como absoluto, individualista e inviolável.

Observamos assim, que existem na atualidade novos paradigmas no Direito Privado1, entre

nós, de forma mais nítida com o intervencionismo estatal estabelecido na Constituição Federal de

1988, nas relações entre particulares, mais especificadamente nos contratos e no direito de

propriedade.

Mudança de ideologia esta, prevista originariamente na Carta Magna, que refletiu as

legislações ordinárias, dentre elas expoentemente no Código Civil de 2002.

1 Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, p.75.

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Neste sentido, da necessidade latente de uma nova ideologia para o Direito Civil, Maria Celina

Bodin de Moraes2 afirma que:

“... a separação do direito em público e privado, nos termos em que era posta

pela doutrina tradicional, há de ser abandonada. A partição, que sobrevive desde os

romanos, não mais traduz a realidade econômico-social, nem corresponde à lógica do

sistema, tendo chegado o momento de empreender a sua reavaliação.”

Referida anotação é clara, bem como, desta lição podemos refletir que os conceitos de

relacionamento entre o Direito Público e Privado antigos, estão ultrapassados e não haveria mais uma

fórmula lógica de assegurar e proteger o interesse individual sem rever esta estrutura basilar do

direito3.

Em decorrência disto, o Direito Civil deixa de ser a base fundamental da regulação entre os

particulares e o intérprete, passa a ter como estrutura basilar não somente o Direito Civil, mas também

aos princípios constitucionais, para a perfeita harmonia da aplicação do sistema jurídico privado4.

Assim, com a aplicação da Carta Magna, pode-se notar a abrangência de novos temas no

Direito Civil, como a dignidade da pessoa humana, a justiça social, a solidariedade, a erradicação da

pobreza, o direito à moradia, a proteção ao consumidor e a proteção ao meio ambiente vem sendo mais

latente nas praticas jurídicas.

Por fim, cabe ao operador do direito, revisar conceitos ideológicos, relendo a legislação civil à

luz da Constituição de modo a intercalar as informações, que passam a servir de limite externo à

iniciativa particular privada. Limites legais estes, indeterminados e de cláusulas gerais, enunciando

regras em termos amplos para possibilitar melhor adequação da norma jurídica aos casos concretos,

que por vezes transcendem àquelas estipuladas pelas partes5.

Não obstante a previsão Legal Constitucional como já afirmado anteriormente, estas diretrizes

basilares foram integralizadas ao Código Civil de 2002. Diretrizes estas, que valorizam em

pouquíssimas linhas três novos focos a Eticidade (boa-fé objetiva); a Efetividade ou operabilidade que

busca dar efeito prático ao direito como instrumento de justiça; e Socialidade (função social do

direito)6.

2 Maria Celina Bodin de Moraes, A caminho de um Direito Civil Constitucional, p. 25.3 Francisco Amaral, O direito Civil na Pós-Modernidade, p. 41.4 Gustavo Tepedino, Normas Constitucionais e Relações de Direito Civil na Experiência Brasileira, p. 332-3.5 Leonardo Mattietto, O Direito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos, Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/ntcont.doc>, Acesso em: 10/06/2008. p.07.

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Surgem assim, três novos princípios para o direito civil, todavia o que nos interessa para o

presente trabalho, é o último princípio acima arrolado, denominado de princípio da socialidade, ou

seja, a função social do direito, notadamente verificada na função social do contrato e a função social

da propriedade.

O direito romano e o antigo status do liberalismo econômico, ambos definiam a propriedade

como o direito de usar e de dispor da coisa, ou como faz o Código Civil francês em seu artigo 5447: "o

direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que não se faça delas um uso

proibido pelas leis e pelos regulamentos" (la propriété est le droit de jouir et disposer des choses de la

manière la plus absolue, pourvu qu’on en fasse pas un usage prohibé par la loi ou par les règlements).

Em análise destes conceitos retrógrados, pode o proprietário fazer uso do seu bem de acordo

com sua vontade e interesse. Poderia este ainda, destruí-lo, deixá-lo improdutivo, esbanjá-lo, dispor da

forma que bem entender, sem ao menos se preocupar com outra coisa a não ser com seus interesses

individuais.

Contudo ao inverso destes dispositivos, a Carta Magna dispõe: "A propriedade atenderá a sua

função social" (art. 5º, XXIII). Bastaria somente esta disposição para a aplicabilidade deste instituto,

mas a Constituição reafirmou a instituição da propriedade privada e a sua função social como

princípios da ordem econômica previsto no artigo 170, incisos II e III da Constituição Federal.

Por fim, frisou o princípio da função social da propriedade com conteúdo definido em relação

às propriedades urbana e rural, traçando assim, sanções para o caso de não ser observado este princípio

basilador previstos nos artigos 182, 184 e 186 da Constituição Federal.

Nessa esteira, o Código Civil dispõe que "o direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio

ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (Código

Civil, artigo 1228, parágrafo primeiro) e que "são defesos os atos que não trazem ao proprietário

qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem" (Código

Civil, artigo 1228, parágrafo segundo).

6 Flavio Tartuce, Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002, p. 51.7 Legifrance, Le service public dele diffusion du droit, Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/ affichCode.do;jsessionid=4011B59FF103E03D3B4D2F7B5EA6FF36.tpdjo14v_3?idSectionTA=LEGISCTA000006117904&cidTexte=LEGITEXT000006070721&dateTexte=20080417>, Acesso em: 10/06/2008.

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Assim, o direito de propriedade contemporâneo destaca-se do idealismo “romano

napoleônico” de propriedade, passando a atender uma função social, levando em consideração a sua

destinação, coordenada pela política urbana, rural e ambiental.

2. FUNÇÃO SOCIAL DO DIRETO DE PROPRIEDADE E O PRINCÍPIO DA

SOCIALIDADE

2.1 A Constitucionalização do Direito Civil

Antes de adentrar no estudo do da função social do direito ou do principio da socialidade,

devemos segundo nosso ver, tratar de um tema de suma importância.

O fenômeno do título ora apresentado, ou seja, “A constitucionalização de Direito Civil”8

concorre em profunda influência com o conteúdo que iremos desenvolver nesta pesquisa, uma vez que

seu embasamento aplica-se lidimamente na regulamentação prevista no princípio da função social da

propriedade.

Em decorrência de tal fato notório, é sublime tratar deste tema trazido à baia, bem como,

discorrer em algumas laudas, quando da sua evolução histórica.

Desta monta, houve uma época anterior as Revoluções Francesas9 (1789) e Industrial10 (1811)

em que os proprietários das terras, eram os senhores feudais, terras estas, doadas pelos os reis, bem

como, obrigatoriamente trabalhada pelos os servos.

Os juristas, que se encarregavam em elaborar o Código Napoleônico e intimidados pelo

extremismo vivenciado no Regime Absolutista, concederam como elemento basilar a possibilidade em

permitir ao homem, ser proprietário de um bem, podendo contratar, circular sem que haja interferência

do arbítrio feudal11.

8 Temas de Direito Civil, p. 383.9 Wikipédia, a enciclopédia livre, Revolução Francesa, Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3 %A7%C3%A3o_Francesa>, Acesso em: 10/06/2008.10 Wikipédia, a enciclopédia livre. Revolução Industrial, Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3% A7%C3%A3o_Industrial >, Acesso em: 10/06/2008.11 Alessandra Elias de Queiroga, Os parcelamentos ilegais do solo e a desapropriação como sanção, o caso dos condomínios irregulares no Distrito Federal, p. 35.

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Tal momento segundo o nosso ver foi extremamente importante, pois estávamos de ante da

primeira “guinada do pêndulo”12, não somente quanto das questões relacionadas ao direito de

propriedade, mas sim ao direito privado.

A referida alteração teve seu embasamento fundamental em limitar a intenção do poder do

Estado, que antes era condicionado aos domínios da monarquia, afastando completamente o conceito

de direito de propriedade que conhecemos atualmente.

Neste contexto, foi em 21 de marco de 1804 que entrou em vigor do Código Civil Francês,

bem como, mesmo que de forma tardia, um século depois, o Código Civil Brasileiro de 1916 de Clovis

de Bevilacqua, tendo ambos, ideais inspirados no liberalismo do século XIX, ou seja, no antigo status

do liberalismo econômico, onde o “eu” era muito mais importante do que “nós”13.

Porem, antes mesmo da entrada em vigor do Código de 1916, já haviam várias críticas a este,

como na visão de San Tiago Dantas, que é citado por Gustavo Tepedino14:

“Uma crítica aos fundamentos jurídicos, ao plano da obra ou a seus

dispositivos principais, não teria a força de comover o Prestígio do projeto, a não ser

perante ao número limitado de entendidos. A matéria jurídica, por sua natureza, ou é

de acesso difícil a quem lhe não possua a chave gramatical, ou é de tal maneira

opinativa, que uma opinião vale a outra, aos olhos de quem não tenha, sobre o ponto

de exame, uma experiência pessoal (...) A lenda da oposição irredutível de Rui

Barbosa ao Projeto de Clovis de Beviláqua não resiste à leitura do Parecer Jurídico. O

que se revela para nossa satisfação moral, mas também para nosso desapontamento, é

que se Rui Barbosa o houvesse concluído, teríamos tido um Código mais moderno em

algumas soluções, mais rico de pensamento, e mais próximo da pureza do projeto

primitivo...”

Na visão de Silvio Rodrigues, verificando a concepção do Código Civil de 1916, tal

entendimento que é citado por Alessandra Elias de Quiroga15:

12 Quando citamos “guinada do pendulo”, o fazemos, a fim de demonstrar que o Direito na maioria das vezes é tendencioso a determinado acontecimento histórico e/ou político. Como exemplo, podemos citar a Constituinte Brasileira de 1988, naquela oportunidade, em decorrência de um recente governo ditatorial, concebeu várias prerrogativas em defesa de crimes políticos, o que tem desagradado à sociedade atualmente, conforme podemos notar em vários meios de comunicação.13 Flávio Tartuce,Tendências do Novo Direito Civil: Uma Codificação para o 3° Milênio. Compreendendo a Nova Codificação, Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp>, Acesso em: 10/06/2008.14 Temas de Direito Civil – Tomo II, p. 125.15 Ibid., p. 35.

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“... Tenho escrito e repetido que tal código é o último código liberal do século

XIX. É um código bem-comportado, feito para uma sociedade estratificada, de gente

que esta bem de vida. Basta examinar o respeito quase sacrossanto com que trata o

casamento, o amor, com que vê a família legitima e o desamor com que cuida a

família ilegítima, a maneira que disciplina a tutela, como se esta só existisse para os

órfãos endinheirados (...) Esses e outros elementos estão a indicar que se trata de uma

sociedade estruturada, inteiramente diversa daquela que vivia num Brasil saído da

escravidão e que abria as portas para a onda imigratória”.

Não obstante às referidas críticas, que entendemos assertivas, há mais um agravante. Com as

novas práticas das relações humanas oriundas dos séculos XIX e XX, bem como, com o decorrer deste

lapso temporal, novas diretrizes sociais são criadas e profundas modificações incidiram sobre as

relações sociais.

Portando, aponta Alessandra Elias de Queiroga16:

“Logo depois de ter entrado em vigor do Código Civil Brasileiro, o mundo

sofreu profundas mudanças, em razão, principalmente, da crescente industrialização e

da eclosão da Primeira Grande Gerra. Estes fatos históricos requisitaram, do Estado,

intervenção direita visando regular circulação de riquezas e responder às necessidades

prementes dos grupos sociais marginalizados, que foram construindo um espaço

crescente de reivindicações”

Perfeita a colocação da Alessandra Elias de Queiroga segundo o nosso ver, pois neste

apontamento, constatamos com clareza que após um longo período de individualismo econômico,

oriundo da situação política anterior apresentada, notamos a necessidade de adequação da norma para

atender um novo clamor social.

Assim, com toda aquela problemática apresentada no período da primeira grande guerra, bem

como, todo o seu resultado casuístico, se fez necessária a intervenção Estatal para regulamentação das

relações privadas.

Intervenção esta, que apontamos como “a volta do pêndulo” nas relações privadas. Tal

justificativa tem como fundamento, que este momento histórico e político é o caminho inverso do

individualismo econômico apregoado pelos juristas anteriores, ou seja, o objetivo naquele momento

era afastar completamente a intervenção Estatal nas relações privadas.

16 Ibid., p. 35.

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Clamor social este, que inicialmente foi atendido com normas excepcionais que divergiam dos

princípios apregoados pelo Código Civil de 1916. Assim, aponta Gustavo Tepedino17:

“assim chamadas por dissentirem dos princípios dominantes do corpo

codificado. O Código Civil mantinha a fisionomia de ordenador único das relações

privadas, e as leis extravagantes, se contrariavam os princípios do Código Civil, o

faziam de maneira excepcional, de modo que não desmentiam o sentido de

completude e de exclusividade pretendido pelo Código”

Observando este mesmo contexto Alessandra Elias de Queiroga, cita Álvaro Pessoa e aponta

exatamente este novel contraste da legislação extravagante, bem como, a inevitável necessidade de

regulamentação específica e da intervenção do Estado nas relações privadas18.

Desta forma, antes mesmo da promulgação da Carta Magna de 1988, é claro e lídimo que o

Código Civil de 1916 passou a ser caracterizado como “legislação comum e as demais lei que

regulamentavam questões mais específicas e intrínsecas ao Direito Civil passam a ter o nível de leis

especiais19 20. E acrescenta o professor Gustavo Tepedino21:

“Tal modificação no papel do Código Cível representa uma profunda

alteração na própria dogmática. Identificam-se sinais de esgotamento das categorias

do direito privado, constatando-se uma ruptura que bem poderia ser definida,

conforme a preciosa análise de Ascarilli, como uma crise entre o instrumental teórico

e as formas jurídicas do individualismo pré-industrial, de um lado; e de outro, a

realidade econômica industrial ou pós-industrial, que repelem o individualismo. Os

17 Temas de Direito Civil, p.318 Ibid., p. 35. “Todavia, toda a gama de alterações pela qual havia passado o direito de propriedade era do conhecimento de uma elite bem preparada, que assume o poder político em 1930. Tal elite, ainda fortemente marcada pela influencia francesa e pelo contato com os centros europeus mais desenvolvidos, vai ter papel decisivo. A ela coube o mérito indiscutível de, usando a Revolução de 1930 como instrumento, elevar a questão social – até então relegada à jurisdição da policia, nas correrias de rua – a dignidade de um problema fundamental do Estado. Mais Coube-lhe das – através de um conjunto de leis que honra a ciência jurídica pátria – solução equilibrada, não apenas à questão social, mas, sobretudo, ao uso social da propriedade, dentro de um alto espírito de harmonia. Datam de então leis que tanto causam admiração pelo avanço de concepção, como pelo arrojo em antecipar-se aos fenômenos sociais. Valem ser citadas entre outras,a as leis que, neste campo, tratam: a) da proteção ao fundo de comercio dos inquilinos comerciais; b) do regulamento das águas e mineração; c) da preservação do patrimônio histórico e artístico; d) de legislar sobre a utilização dos terrenos de marinha; e) de regular o loteamento e venda de lotes a prestação; f) de regular as relações de inquilinato; sem falar obviamente, nas edições dos Códigos de Processo Civil e Penal.”19 Alessandra Elias de Queiroga, Os parcelamentos ilegais do solo e a desapropriação como sanção, o caso dos condomínios irregulares no Distrito Federal, p. 37.20 Sobre este tema, indicamos a doutrina da Professora Claudia Lima Marques: Claudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin; Bruno Miragem, Código de Defesa ao Consumidor. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.21 Temas de Direito Civil, p.3.

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novos fatos sociais dão ensejo a soluções objetivistas e não mais subjetivistas, exigem

do legislador, do interprete e da doutrina uma preocupação com o conteúdo e com as

finalidades das atividades”

Porém, tais providências denominadas para parte de doutrina de Publicização22 apesar de

assertivas e necessárias, não foram suficientes para consolidar e assegurar aos particulares os

interesses individuais e coletivos na nova formatação social imposta.

Assim, em decorrência de todos os fatos históricos, políticos e sociológicos apregoados no

presente trabalho, no início do Século XIX, mais especificadamente, com as Constituições Mexicana

(1917) e Alemã (1919) iniciou-se uma nova proposta legislativa intervencionista nas relações privadas,

denominado de Constitucionalismo.

Neste sentido Leo van Holthe:

“inspirados nos princípios liberais, nos ideais de uma sociedade política

fundada no contrato social (Locke e Rosseau), numa ordem jurídica inspirada na razão

humana (Iluminismo) e nos postulados da liberdade e fraternidade, o movimento do

constitucionalismo trouxe este novo formato de Constituição (um documento escrito e

rígido, que estrutura o Estado e limita o seu poder através de princípio da separação

dos poderes e da previsão de direitos fundamentais), fazendo surgir o chamado Estado

Liberal, Estado de Direito ou Estado constitucional”.23

Neste contexto expõe Alessandra Elias de Queiroga:

“Essa conjuntura histórica, derivada do processo de industrialização da

primeira metade do finado século XX, fez surgir Constituições, em diversos países,

eivada de princípios que estabeleciam – e ainda estabelecem – compromissos sociais a

serem levados a termo pelo legislador, como, por exemplo, o princípio da função

social da propriedade. O legislador começa a trabalhar de maneira cada vez mais ativa,

disciplinando, por completo, diversas matérias, intervindo na nova realidade

econômica e política”24.

22 Paulo Luiz Netto Lobo, Constitucionalização do Direito Civil, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br /doutrina/texto.asp?id=507>, Acesso em: 10/06/2008.23 Direito Constitucional, p. 3.24 Ibid., p. 38.

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Não diferente a este cenário, bem como, a fim de quebrar um modelo de Estado militarista e

ditatorial, a Constituinte de 1988 buscou e fez surgir o Estado Democrático de Direito, este, que prima

ao mesmo tempo à lei e a soberania popular.

Desta monta, em decorrência da Constituição de 1988, vários trabalhos foram elaborados a fim

de estudar este novel e revolucionário diploma. Tal justificativa tem como fundamento que ao entrar

em vigor, a referida Carta Magna, modifica varias relações jurídicas públicas e privadas.

Ao analisar a Constitucionalização do Direito, Liana Portilho Mattos dispõe que25:

“Inúmeros e valiosos trabalhos têm sito publicados desde o advento da

Constituição de 1988, tendo como objeto da análise as alterações ocorridas no

ordenamento jurídico brasileiro em decorrência da nova ordem constitucional em

vigor. Esse contexto de mudança deve ser analisado sempre tendo em mira a

particularidade dos momentos históricos e políticos que perpassaram a década de 80

no Brasil, fazendo com que essa ruptura com a ordem constitucional anterior –

produzida num modelo de estado descomprometido com os ideais democráticos –

ganhe contornos por vezes identificados como quase radicais”

Flavio Tartuce, complementa a análise dos efeitos da promulgação da Constituição de 1988

quanto segue:

“Com o advento da Constituição de 1988, novas diretrizes foram impostas à

vida social de nosso país, além de estabelecer novo parâmetro para interpretação e

aplicação do Direito positivo pátrio. A Constituição brasileira, como norma máxima

no âmbito de um Estado, e fruto de uma forte tendência à "socialização" do Direito

que atinge os mais modernos ordenamentos ocidentais, criou novas regras e fixou

novos paradigmas não só com relação à organização do Estado, mas também sobre

outras áreas do Direito. (...) Além da busca pelo "Estado Social de Direito", a

Constituição de 1988 foi fruto de um momento muito peculiar na História do Brasil,

que marcou o fim de um período de exceção e o nascimento de uma esperança

renovada no futuro, uma empolgação generalizada tomou conta do país, que depois de

duas décadas de silêncio forçado, novamente voltava a sentir os ventos da

Democracia.”26

25 Nova ordem jurídico-urbanista, função social da propriedade na prática dos Tribunais, p.15.26 Direito Civil e a Constituição, Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp>, Acesso em: 10/06/2008.

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Por fim, na obra de Alessandra Elias de Queiroga, ao citar Jairo Bisol, observa:

“Aplicar o direito, no Estado Constitucional, passa a significar aplicar a

ordem jurídica vigente em sua totalidade, observando suas diretrizes verticalmente, ou

seja, desde os seus princípios mais fundamentais e superiores, suas pautas hierárquicas

constitucionalizadas, até suas regras mais específicas e ordinárias. Ademais, num

sistema jurídico em franca descodificação e deslegalização sensibilizar o jurista para

esta verticalidade do direito vigente passa a ser imprescindível, mesmo porque a

função sistematizadora das partes gerais dos códigos de lei desloca-se para os

princípios jurídicos, especialmente os positivados no corpo da constituição”27

É nesta linha, que se faz necessário entender um novo direito a ser aplicado nas relações

privadas, ou seja, não podemos negar a existência da codificação Constitucional. Instituo este, que

indiscutivelmente deve nortear das demais relações criando assim princípios e regras constitucionais

norteadoras para as demais legislações infraconstitucionais28.

Assim, outro adendo importante a ser arrazoado, são os fundamentos e objetivos da República

Federativa do Brasil. Tais pontos são exatamente os alicerces Constitucionais contemporâneos, que

encontram-se regulamentados nos artigos 1°29 e 3°30 da Carta Magna Nacional.

Desta forma, temos como fundamento República Federativa Brasileira cinco estruturas

fundamentais que são: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa; e o pluralismo político.

Todavia, não obstante a importância dos demais elementos, bem como, de suas

aplicabilidades, somente iremos discorrer sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana, que

27 Ibid., p. 43.28 Ibid., p.41. “Para chegar à plenitude desta concepção, é necessário mudar a forma de raciocinar do operador do direito. Não se pode, de forma alguma, relegar à Constituição o papel da Carta de Intenções, ou de mera folha de papel, na imagem já referida, divulgada por Ferdinand Lassale. O interprete não pode continuar a vislumbrar os princípios constitucionais como meros princípios políticos, como produto de uma demagogia não concretizável. Deve-se voltar, aqui, ao conceito de vontade de Constituição, de força normativa da Constituição, reconhecendo-se o caráter auto-aplicável dos princípios constitucionais e a importância de realizá-los, de torná-los efetivos.”29 Art. 1º - “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”30 Art. 3º - “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

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segundo o nosso ver, é, e deve ser contemplado não somente nas relações patrimoniais, mas sim em

todos os ramos do Direito.

Segundo Leo Van Holthe, a doutrina considera o referido princípio como31:

“(...) valor supremo do Estado Democrático de Direito, além de ser fato de

legitimação do exercício do poder estatal, exigindo que a atuação dos poderes

públicos e de toda a sociedade tenha como finalidade precípua o respeito e a

promoção da dignidade da pessoa humana.”

Ululante a disposição que determina e garante a inafastabilidade dos direitos e garantias

constitucionais. Dentre eles, temos a dignidade da pessoa humana, que na mesma esteira de

ordenamentos jurídicos alienígenas, coloca o ser humano como eixo central do ordenamento jurídico,

visando assim sua regulamentação e proteção.32

Conforme já apontado anteriormente, com a implementação deste fundamento, é insofismável

que invertemos o “vértice do liberalismo econômico” apresentado anteriormente, pois a dignidade da

pessoa humana, ou seja, o ser humano deve ser protegido e verificado diante de qualquer relação

jurídica patrimonial.

Neste mesmo sentido, na obra de Leo Van Holthe, ao citar Ingo Wolfgang Sarlet, observa33:

“pelo princípio em tela, o ser humano jamais poderá ser tratado como “coisa”,

objeto ou mero instrumento de forma a negar sua condição humana. Constituem,

ainda, exigências da dignidade da pessoa humana, dentre outros: o respeito à

autonomia da vontade (i.e., à Liberdade que o individuo possui de, ao menos

potencialmente, construir sua própria existência); o tratamento isonômico entre seres

humanos (princípio da isonomia); a proteção da integridade física e psíquica; o

respeito à identidade pessoal (incluindo a intimidade, a honra e a imagem dos

indivíduos); o direito de propriedade e de uma moradia digna; o direito de não se

submeter a tratamento desumano ou degradante; e finalmente, a prestação dos direitos

sociais e econômicos e culturais ”

31 Ibid., p.59.32 Luiz Edson Fachin, Apreciação crítica do Código Civil de 2002 na perspectiva constitucional do direito civil contemporâneo, p. 17.33 Ibid., p.60.

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Em continuidade do breve estudo principiológico Constitucional, a Carta Republicana em seu

artigo 3° e incisos, arrola os objetivos fundamentais do Estado Democrático Brasileiro:34 a) construir

uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e

a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e d) promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Insta salientar, que da mesma forma que trabalhamos os fundamentos da Republica Federativa,

o faremos, da mesma forma com os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, ou seja, somente

pontuaremos um deles, que entendemos mais relevante.

O objetivo mais complacente para o nosso estudo é o principio da solidariedade, previsto no

inciso primeiro, que objetiva “construir uma sociedade livre, justa e solidária.”35

Tal objetivo, visa construir uma sociedade livre, justa e solidária, assim como os outros demais

objetivos, que buscam viabilizar a democracia, economia, social e cultura. Porem, todos eles como

contumácia assegurar e efetividade do principio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Devendo assim, o Estado Brasileiro, seja pelo poder executivo, legislativo ou judiciário,

implementar políticas, com o objetivo final de erradicar patologias ocasionadas pela sociedade e

promover assim, a aplicação de uma sociedade inspirada no Estado Democrático.

Um exemplo lídimo desta aplicabilidade, ou seja, a previsão do princípio da solidariedade foi

o Julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade de relatoria do Ministro Celso de Mello que

pontua:

"O art. 7º da Lei n. 6.194/74, na redação que lhe deu o art. 1º da Lei n.

8.441/92, ao ampliar as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, em tema de

acidentes de trânsito nas vias terrestres, causados por veículo automotor, não parece

transgredir os princípios constitucionais que vedam a prática de confisco, protegem o

direito de propriedade e asseguram o livre exercício da atividade econômica. A

Constituição da República, ao fixar as diretrizes que regem a atividade econômica e

que tutelam o direito de propriedade, proclama, como valores fundamentais a serem

respeitados, a supremacia do interesse público, os ditames da justiça social, a redução

34 Ibid., p. 61.35 Art. – “3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”

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das desigualdades sociais, dando especial ênfase, dentro dessa perspectiva, ao

princípio da solidariedade, cuja realização parece haver sido implementada pelo

Congresso Nacional ao editar o art. 1º da Lei n. 8.441/92." (ADI 1.003-MC, Rel. Min.

Celso de Mello, julgamento em 1º-8-94, DJ de 10-9-99)

Por fim, mesmo sem esgotar o tema adequadamente, a Carta Magna de 1988, de forma

inovadora, ou seja, com destaque não vislumbrado anteriormente em âmbito Nacional, fixou novas

diretrizes que regem a atividade econômica e que tutelam as relações privadas, proclamando, valores

fundamentais como a dignidade da pessoa humana, criando assim, um novo regramento jurídico

social, a fim de assegurar o respeito nas relações humanas, antes de qualquer outro direito.

Apresentada a Constitucionalização, mesmo que de forma superficial, insta salientar que

passada mais de uma década de vigência da Carta Magna Republicana de 1988, entrou em vigor a Lei

n.° 10.406 de 10 de janeiro de 2002, ou seja, o Código Civil de 2002.

Não diferentemente de outros Códigos Civis alienígenas, a presente codificação, tem como

unidade basilar, disciplinar os particulares em suas relações, todavia, como notório se faz, este,

emplacou os mesmos aspectos principiológicos implementados pela Constituição Federal de 1988.

Assim, não obstante a outros princípios norteadores que iremos discorrer nos próximos

capítulos, podemos notar, como esta cristalino no Código Civil de 2002 a solidariedade social prevista

na Carta Magna.

Nesse sentido, completa Flávio Tarturce:

“... a mesma onda de solidariedade social que se abateu sobre a Constituição

também o fez sobre o Código Civil, fazendo com que os dois diplomas acabassem por

interagir de uma forma totalmente nova, muito diferente da forma tradicional de

convivência entre eles”36

Em decorrência disto, avistamos um novo diploma Civil, nunca visto antes nacionalmente. Um

diploma, que interage com os princípios Constitucionais, ou seja, aplica e observa referencias

apregoadas na Carta Maior como a dignidade da pessoa humana.

36 Direito Civil e a Constituição, p.2, Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp>, Acesso em: 10/06/2008.

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Com isso, se faz emergir um apropriado entusiasmo gritante nosso ordenamento jurídico

pátrio, constatando-se uma nova interpretação e aplicação do Direito positivado, mais

especificadamente ao tratarmos do Direito Público e Direto Privado.

Neste raciocínio, no artigo publicado de Flávio Tartuce e Márcio Araújo Opromolla, ao citar

Tércio Sampaio Ferraz, observam37:

“A existência das grandes dicotomias em Direito permite que haja uma

sistematização dogmática do ponto de vista do próprio Direito, concebido

analiticamente como um conjunto de normas. Contudo, dada a superbundância dessas

normas, uma organização teórica na forma de uma definição genérica que especifique

lógica e rigorosamente seus diversos tipos, fica bastante prejudicada, para não dizer

inviabilizada.”

Antes o expressivo afastamento do direito público a frente do direito privado, e vice-versa se

fazia notório em diversos apontamentos legais e doutrinários. Tal justificativa tem como fundamento o

próprio objeto dos referidos ramos do direito.

Flávio Tartuce e Márcio Araújo Opromolla, pontuam que38:

“A distinção entre o Direito Publico e o Privado não é somente apenas um

método classificatório de ordenação dos critérios de distinção de tipos normativos,

mas sim um poderoso instrumento de sistematização. Tal distinção remonta ao

Digesto, 1.1.1.2, no Corpus Júris Civilis de ULPIANO, que dividiu o Direito em jus

publicum e jus privatum. Os Critérios utilizados para que fosse feita esse disticao se

baseava na utilidade da lei: se fosse de utilidade publica, tratar-se-ia de uma lei de

Direito Público; se fosse de utilidade particular, seria uma lei de Direito Privado.”

Todavia, ao nos defrontar a essa nova realidade jurídica normativa, se fez necessária a

convergência de ambos os ramos de Direito já citados, ou seja, o encontro naturalístico entre o Direito

Constitucional e o Direito Civil.

Tal convergência, ocorre como já pontuado, por mutações naturais condicionada à própria

evolução humana, e como não poderia ser diferente, no próprio ordenamento jurídico, ocorreram

alterações no Direito Privado e Direito Público.

37 Ibid., p. 2.38 Ibid., p. 2.

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Nasce uma ideologia para o Direito Civil que merece destaque, e nos ensina Maria Celina

Bodin de Moraes39:

“... a separação do direito em público e privado, nos termos em que era posta

pela doutrina tradicional, há de ser abandonada. A partição, que sobrevive desde os

romanos, não mais traduz a realidade econômico-social, nem corresponde à lógica do

sistema, tendo chegado o momento de empreender a sua reavaliação.”

Com a referida anotação podemos extrair que os conceitos de relacionamento entre o direito

público e privado antigos, estão ultrapassados uma vez que ambos, na sociedade contemporânea, não

mais se compreendem em categorias distintas, mas sim compreender que elas se interpenetram.

Por fim, Flavio Tartuce e Marcio Araujo Opromolla, pontuam que40:

“O Direito é um sistema lógico de normas, valores e princípios que regem a

vida social, que interagem entre si de tal sorte que propicie segurança – em sentido

lato – para os homens e mulheres que compõem uma sociedade. E assim sendo,

momentos existem onde esses ramos do Direito se vêem tutelando quase que os

mesmos direitos.”

Em decorrência disto, o Direito Civil deixa de ser a base fundamental da regulação entre os

particulares e o intérprete, passa a ter como estrutura basilar não somente o Direito Civil, mas também

aos princípios constitucionais, para a perfeita harmonia da aplicação do sistema jurídico privado41.

Para chegar ao ápice deste conceito, se faz imprescindível rever a forma de entender e aplicar

o direito, não mais vislumbrar a Constituição como uma longe da realidade, mas trazer ao lado da

humanidade os princípios basilares contidos na Carta Magna, uma vez que através do conteúdo

principiológico que se encerra na Constituição, que é, inegavelmente, o vértice da pirâmide do sistema

jurídico42.

Desta monta, concluem os professores Flavio Tartuce e Marcio Araujo Opromolla que43:

39 A caminho de um Direito Civil Constitucional, p. 25.40 Ibid., p. 8.41 Gustavo Tepedino, Normas Constitucionais e Relações de Direito Civil na Experiência Brasileira, p. 332-3.42 Alessandra Elias de Queiroga, Os parcelamentos ilegais do solo e a desapropriação como sanção, o caso dos condomínios irregulares no Distrito Federal, p. 43.43 Ibid., p. 8.

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“A verdade é que o chamado “Direito Civil Constitucional” é apenas uma

variação hermenêutica, uma atitude no ato de interpretar a Lei Civil em confronto com

a Lei Maior. (...) Há assim, não uma inversão do Direito Constitucional sobre o Civil,

mas sim uma interpretação simbiótica entre eles, funcionando ambos para melhor

servir o todo “”Estado + Sociedade (...) Assim, o "Direito Civil Constitucional" nada

mais é do que a harmonização entre os pontos de intersecção do Direito Público e o

Direito Privado, mediante a adequação de institutos que são, em sua essência,

elementos de Direito Privado mas que estão na Constituição, sobretudo em razão das

mudanças sociais do último século e das transformações das sociedades ocidentais.”

De toda esta dilação, podemos afirmar legitimamente que não estamos criando uma nova

codificação, ou ainda, dilatando de forma negligente os liames obrigacionais privados. Estamos sim,

buscando uma aplicabilidade hermenêutica cujo paradigma é o patamar constitucional, este, que visa

garantias individuais e coletivas necessárias para a manutenção do atual status quo que se encontra a

sociedade moderna.

Flávio Tartuce e Márcio Araújo Opromolla, ao citar a professora Judit Martins Costa

pontuam44:

“(...) vivemos o “modelo da comunicação e da complementaridade” em

detrimento do antigo “modelo da incomunicabilidade” entre o direito civil e

constitucional. E assim sendo, Direito Constitucional e Direito Civil são interpretados

dentro de um todo e não isoladamente. Todavia essa interpretação não quer dizer uma

fusão de conceitos.”

Assim, a Carta Magna de 1988 é a estrutura basilar do ordenamento jurídico brasileiro,

cabendo assim, as demais leis infraconstitucionais se adequarem harmoniosamente com este diapasão.

Na ocorrência de uma legislação que for claramente oponível aos princípios e regras

constitucionais, tal legislação, deve ser sua aplicabilidade afastada e observando assim, os ditames

constitucionais.

Em poucas palavras, segundo o nosso ver, o “Direito Civil Constitucional” não é nada mais,

que a aplicação de uma nova hermenêutica jurídica ao Direito Civil, buscando assim, aplicar a norma

Constitucional nas relações privadas que se revelem viciadas pela atual situação social apresentada.

44 Ibid., p. 9.

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2.2. Os Princípios Norteadores do Código Civil

Apresentada a temática anterior, que segundo nosso ver, se fez necessária para dar

continuidade lógica ao presente estudo, passaremos a tratar no presente momento, dos princípios

fundamentais45 do Código Civil de 2002.

Objetivando ventilar a presente temática de forma assertiva, temos que citar apor mais de uma

vez, conforme apresentaremos, o festejado professor Miguel Reale que fecundou os princípios da

eticidade, socialidade e operabilidade na Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, bem como, o professor

Flávio Tartuce que apresentou o referidos princípios de forma lídima e dinamizada em uma de suas

obras46.

Conforme demonstraremos, tais princípios estão intrinsecamente ligados a codificação

constante na Carta Magna, ponto este, que já foi apresentada no Capítulo anterior.

Insta salientar, bem como, é sabido por todos os Civilistas, que Miguel Reale, diferentemente

de Clóvis de Beviláqua Clóvis não redigiu sozinho o anteprojeto do Código Civil de 2002.

Desta forma, para elaboração do Anteprojeto do Código Civil de 2002, foi criada uma

Comissão elaboradora e revisora, publicada no Diário Oficial da União, em 7 de agosto de 1972, tendo

como Supervisor o Professor Miguel Reale e como colaboradores temáticos os ilustres juristas José

Carlos Moreira Alves (Parte Geral), tendo, Agostinho de Arruda Alvim (Direito das Obrigações),

Sylvio Marcondes (Atividade Negocial), Ebert Vianna Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis do Couto

e Silva (Direito de Família) e Torquato Castro (Direito das Sucessões).

Assim, retomando ao marco inicial deste capítulo, o professor Miguel Reale ao tratar dos

princípios fundamentas foi categórico em seu discurso da cerimônia especial à sanção da Lei que

instituiu o novo Código Civil dispôs que:

“...É com a responsabilidade que me advém da longa idade e de aturado

estudo que posso assegurar, senhor Presidente, que vai ser sancionada uma Lei Civil

que será da maior valia para o País, sobretudo em razão dos princípios de eticidade,

socialidade e operabilidade que presidiram a sua elaboração. Sei que não se trata de

trabalho perfeito, tão limitada é a nossa capacidade intelectiva em todos os domínios

45 Miguel Reale, Visão Geral do Novo Código Civil, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp ?id=2718>, Acesso em: 10/06/2008. 46 Flávio Tartuce, Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002.

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da cultura, mas estou convencido de que as falhas ou omissões porventura existentes

são de caráter secundário e de fácil correção. Faço questão de proclamar que os

membros da “Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil” sempre estivemos

abertos à recepção de novos aperfeiçoamentos, toda vez que fomos convidados a nos

manifestar sobre a discussão do Projeto no seio da Câmara dos Deputados e do

Senado Federal. Após a aprovação de tantas emendas substitutivas e aditivas, trata-se,

a bem ver, de obra transpessoal, fruto das contribuições recebidas de toda a

comunidade jurídica brasileira47.

Desta forma, como podemos notar os referidos princípios fundamentais são de imensurável

valia, pois sem a observação destes, não poderíamos interpretar e verificar de forma correta o Direito

Civil48, bem como, os seus resultados casuísticos para a sociedade.

Acrescenta o Desembargador e Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo José Renato

Nalini49:

“É um código em que a ética deixa de ser retórica para se converter num

ingrediente concreto de todas as relações. Substitui-se o rigor da lei pelo tempero da

eqüidade, da boa-fé, da confiança, da solidariedade e de outros princípios éticos...”

2.2.1. Princípio da operabilidade

Observada a relevância do tema, passamos a pontuar os referidos princípios, iniciando assim

pela operacionalidade, que tem como objeto naturalístico duas frentes.

Preliminarmente, temos a frente da concretude que busca um novel sistema de hermenêutica

baseado em cláusulas gerais, e em um segundo momento temos a concepção da simplicidade, que visa

a simplificação da codificação.

Objetivando elucidar prefacialmente a frente da simplicidade, transcrevo a anotação

exemplificativa do professor Flavio Tartuce que esclarece e demonstra este principio50:

47 Discurso perante Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, Disponível em: <http://www.miguelreale. com.br/>, Acesso em: 10/06/2008.48 Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002, p. 54.49 “Novo tempo, novo código”, Jornal da Tarde, 08/01/03, p. A250 Ibid., p. 65.

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“Como exemplo da adoção do principio da operabilidade ou simplicidade,

podemos citar a distinção que consta na codificação novel em relação aos institutos da

prescrição extintiva e da decadência (arts. 189 a 221 do CC), tópico que trazia grandes

duvidas pela lei civil anterior. Agora, mais facilitadas as previsões legais destes

institutos, poderá o estudioso do direito entender muito bem as distinções existentes e

identificar com facilidade se determinado prazo é prescricional ou decadencial. A

decadência ganhou um Tratamento especifico entre os arts. 207 a 211 do atual Código

Civil.”

Acrescenta ainda o professor Miguel Reale, que este princípio além de buscar a elucidação da

legislação Civil, busca ainda, acabar com as disparidades interpretativas do referido texto legal51.

Por fim, quanto à frente da simplicidade não há muitas críticas a serem pontuadas ou mesmo

tecidas, todavia no que tange à linha da concretude, esta sim, passa a ser detentora de severas críticas

referentes sua aplicabilidade.

Conforme trasladado na obra de Flávio Tartuce52, bem como, em outras doutrinas, quanto

tratamos deste principio, encontrávamos uma das maiores críticas ao Código Civil. Assim ao

lançarmos mão desta novel forma de codificação denominada por parte da doutrina de cláusulas

gerais, criaríamos uma nova linhagem de juízes ditadores.

Tal julgamento, não seria a interpretação mais assertiva segundo o nosso ver, pois em primeiro

um momento a interpretação do codex em questão, deve ter como inspiração fundamental a visão já

vastamente discursada pelo professor Miguel Reale na teoria tridimensional53 do direito e do

culturalismo jurídico.

51 Visão Geral do Novo Código Civil, Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto .asp? id= 2718>, Acesso em: 10/06/2008. “Por outro lado, pôs-se termo a sinonímias que possam dar lugar a dúvidas, fazendo-se, por exemplo distinção entre associação e sociedade, Destinando-se aquela para indicar as entidades de fins não econômicos, e esta para designar as de objetivos econômicos.”52 Ibid., p. 66.53 Acreditamos que se faz necessário, mesmo que de forma resumida, analisar o conceito da teoria tridimensional, do direito e assim, para o professor Miguel Reale: “Nas últimas quatro décadas o problema da tridimensionalidade do Direto tem sido objeto de estudos sistemáticos, até culminar numa teoria , à qual penso ter dado uma feição nova, sobretudo pela demonstração de que: a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica e etc.); um valor que confere determina significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor; b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros , mas coexistem numa unidade concreta; c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocadamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade histórico- cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da intenção dinâmica e dialética dos três elementos que a integram.” Estudos Preliminares do Código Civil, p.65.

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Neste mesmo sentido, acrescenta o professor Flavio Tartuce54:

“...o atual Código Civil de 2002 deve ser tratado como uma nova realidade,

inspirada na melhor teoria do seu principal idealizador. Em vários preceitos da

condição, percebe-se o transbordamento da visão tridimensional do direito e do

culturalismo jurídico. ”

Já em um segundo momento, podemos notar que as cláusulas abertas, ou assim denominadas

também de cláusulas gerais55, podem ser um instrumento eficaz para a aplicação da norma ao caso

concreto56.

Ao se deparar com a temática em tela, Judith Martins Costa pontua de forma brilhante que as

cláusulas gerais são exatamente a flexibilidade possível e adequada para a aplicação do dispositivo

legal, bem como, objetiva afastar o imobilismo da aplicação da norma e por fim, utiliza o mínimo o

princípio da tipicidade57.

Corroborando neste mesmo sentido, Ruy Rosado de Aguiar Júnior coloca:

"...do emprego da cláusula geral decorre o abandono do princípio da

tipicidade e fica reforçado o poder revisionista do Juiz, a exigir uma magistratura

preparada para o desempenho da função, que também deve estar atenta, mais do que

antes, aos usos e costumes locais". 58

54 Ibid., p. 66.55 Visão Geral do Novo Código Civil, Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>, Acesso em: 10/06/2008.56 Discurso perante Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/>, Acesso em: 10/06/2008. “Não faltaram, todavia, críticas à aprovação do novo Código, oriundas de três ordens de motivos. A primeira não merece senão breve alusão, porque relativa a jovens bacharéis, jejunos de experiência jurídica, que se aventuraram a formular juízos negativos sobre uma lei fundamental que nem sequer leram ou viram, somente pelo fato de seu projeto originário datar de cerca de trinta anos. Compreende-se que as inteligências juvenis, entusiasmadas com as novidades da Internet ou a descoberta do genoma, tenham decretado a velhice precoce do novo Código, por ter sido elaborado antes dessas realizações prodigiosas da ciência e da tecnologia, mas os juristas mais experientes deviam ter tido mais cautela em suas afirmações, levando em conta a natureza específica de uma codificação, a qual não pode abranger as contínuas inovações sociais, mas tão somente as dotadas de certa maturação e da devida “massa crítica”, ou já tenham sido objeto de lei. A experiência jurídica, como tudo que surge e se desenvolve no mundo histórico, está sujeita a imprevistas alterações que exigem desde logo a atenção do legislador, mas não no sistema de um código, mas sim graças a leis especiais, sobretudo quando estão envolvidas tanto questões de direito quanto de ciência médica, de engenharia genética, etc. exigindo medidas prudentes de caráter administrativo, tal como se dá, por exemplo, no caso da fecundação in vitro. Em todos os países desenvolvidos, tais fatos são disciplinados por uma legislação autônoma e específica, inclusive nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, nações por sinal desprovidas de Código Civil, salvo o caso singular do Estado da Luisiana na grande república do norte, fiel à tradição do direito francês.”57 Projeto do Código Civil – As obrigações e os contratos, p. 20.58 O Direito Privado como um "Sistema em Construção" – As cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro, p. 29.

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Por fim, mas ainda reafirmando este entendimento, o já citado Desembargador José Renato

Nalini anota:

Não é por acaso que o código tenha adotado inúmeras cláusulas gerais, de

conteúdo flexível, de plasticidade que terá forma definitiva a partir da consciência

judicial. O juiz é que vai preencher essas cláusulas abertas, necessariamente fluidas,

com o recheio da concreção. A realidade da vida precisa preencher as fórmulas e o

juiz cuidará de solucionar as demandas atento à realidade circundante, nunca mais

como um espectador inerte e frio da letra da lei”59

Desta forma, em decorrência de todo o exposto, a nosso ver, a utilização das cláusulas gerais

como instrumento legislativo, são ferramentas normativas que corrobora com o princípio ético

orientador do juiz. Este, que deve ter um trabalho prévio e mais exaustivo, para determinar qual a

melhor solução para o caso concreto, bem como, busca ainda este instituto, a reestruturação das

normas jurídicas de acordo com a atividade social, com a evolução histórica.

2.1.2. Princípio da Eticidade

Ainda objetivando elucidar os princípios fundamentais do Código Civil, passaremos a

discorrer neste momento, sobre o princípio da eticidade. Este, que na mesma esteira do princípio

anterior, encontra-se também na convergência da teoria tridimensional do direito, bem como, ao

sistema de janelas abertas60 na aplicação do codex em tela.

59 Novo tempo, novo código, Jornal da Tarde, 08/01/03, p. A2.60 Flávio Tartuce, Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002, p. 55.

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Vale ressaltar, que este princípio, esta intrinsecamente ligado a aos valores éticos61 aplicados

ao Direito Civil62, bem como, com a boa-fé objetiva prevista no artigo 113 do Código Civil de 2002.

Assim, ao analisar este instituto, acreditamos estar de frente com uma das maiores inovações

do Código Civil no que tange as questões contratuais. Tal justificativa tem como fundamento, o

desprendimento dos conceitos anteriores apregoados pelo individualismo privado baseado nos Códigos

Civis Napoleônico Alemão63.

Todavia, como notório já se fez, não estamos apregoando uma doutrina desprendimento total

da aplicação da norma, alertamos para este fato, pois como é sabido há na atualidade uma escola

denominada de Direito Alternativo, porém não com a mesmo ânimo da década de noventa.

Segundo consta, o Direito Alternativo teve seu início público após um artigo veiculado em 25

de outubro de 1990, pelo Jornalista Luiz Makuf, que tinha como destaque “Juízes Gaúchos colocam o

direito acima da Lei”. Porém, o seu início fático ocorreu em outubro de 1990, na realização do I

Encontro Internacional de Direito Alternativo, na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina,

nos dias 04 a 07 de setembro de 1991, bem como, com o lançamento posterior do livro Lições de

Direito Alternativo 1 pela editora Acadêmica.64

Tal escola, busca a aplicação do direito com base em outros elementos como desigualdade

social, globalização, competição, população crescente e violência, com intuito final de atingir a

justiça65. Porém, segundo o nosso ver, este, não seria o caminho mais correto a se trilhar, pois, em

pouquíssimas palavras o conceito de justiça é um sentimento subjetivo e histórico66 67, bem como, a

61 O professor Rizzato Nunes, ao tratar da justiça em sua obra, acaba segundo o nosso ver, esbarrando na questão da ética e exemplifica com exatidão esta problemática “Jaider Lopes dos Reis Lemes, invalido, por intermédio de sua mãe requereu o beneficio que se assegura a Constituição Federal (art. 203, V) de um salário mínimo mensal, que à época era de R$ 120,00 reais. A lei referida no texto Constitucional diz que a pessoa invalida pode receber o benéfico, desde que a renda per capita da família não exceda 25% do salário mínimo, ou, no caso, R$ 30,00 reais. Quando teve inicio o processo administrativo de Jaider junto ao INSS, seu pai recebia a “polpuda soma” de R$ 169,20 mensais. Com esses R$ 169,20 o pai de Jaider “sustentava” cinco pessoas incluindo ele próprio, invalido. O posto do INSS, tão cioso de suas obrigações e prestador de serviço publico essencial, negou pleito, pois efetuado o calculo previsto na lei descobriu que 25% do salário do pai de Jaider montavam a – assombroso – R$ 33,08, acima, portando, do teto legal. Alias, muito acima: R$ 3,84! A mãe de Jaider recorreu a 5° Junta de Recursos do Distrito Federal e ganhou o Beneficio. Contudo, a divisão de recursos e benefícios do Ministério da Previdência – olha ai nosso cioso serviço publico... – recorreu à outra superior instancia. A 2° Coordenadoria de Consultoria Jurídica, por incrível que isso possa parecer, entendeu que: “a família do autor (...) não é uma família miserável, ou seja, incapaz de promover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ... ” Rizzatto Nunes, Manual de filosofia do direito, p. 238.62 Miguel Reale, Visão Geral do Novo Código Civi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=2718>, Acesso em: 10/06/2008.63 Miguel Reale, A Boa fé no Código Civil, Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/>, Acesso em: 10/06/2008.64 Rodrigo Klippel, Direito Alternativo, Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=36>, Acesso em: 10/06/2008.65 Ibid.

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afastamento da aplicação normativa é um ultraje ao Estado de Democrático apregoado na Carta

Magna68.

Após esta intersecção, que segundo nosso ver se fez necessária, bem como, retomando ao

princípio da eticidade, preceitua o referido artigo 113 do Código Civil: “os negócios jurídicos devem

ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Assim, o dispositivo em tela deve ser interpretado no seguinte contexto segundo o professor

Flávio Tartuce69:

“Esse dispositivo repercute profundamente nos contratos, mantendo relação

direta com o princípio da função social, pois, além da menção à boa-fé (função de

interpretação), traz a idéia de que os negócios jurídicos devem ser interpretados de

acordo com o meio social que os cerca.”

Para o Ministro Cezar Peluso70, este artigo:

“... Trata-se de regra de interpretação que milita a favor da segurança das

relações jurídicas. (...) A manifestação da vontade não subsiste apenas sobre si

mesma, pois subentende-se que a ela estão agregadas as conseqüências jurídicas

decorrentes, ainda que as partes delas queiram afastar-se. Também isso compreende o

dever de colaboração das partes, a fim de que o negocio jurídico produza efeitos que

lhe são próprios, não podendo uma das partes impedir ou dificultar a ação da outra no

cumprimento de suas obrigações, ou seja, devem as partes agir com lealdade e

confiança.”

66 Nestes termos professor Miguel Reale acrescenta: “...os neopositivistas ou neo-empiristas consideram que não se pode dizer que a procura do fundamento do Direito corresponda a um problema: a justiça é antes uma aspiração emocional suscetivel de inclinar os homens de lugar e de tempo. Sendo impossível decidir-se por qualquer delas com base em dados verificáveis, a justiça é, do ponto de vista da ciência, em pseudoproblema, o que não impede que, do ponto de vista da Moral, seja uma exigência de ordem pratica, da natureza afetiva ou ideológica. (...) Em virtude desta conexão entre a história e a justiça, pode-se dizer, sem pretensão de ter alcançado uma idéia definitiva de justiça, que esta implica “constante coordenação racial das relações intersubjetivas, para cada homem possa realizar livremente seus valores potenciais visando atingir a plenitude de seu ser pessoal, em sintonia com os da coletividade ” Estudos Preliminares do Código Civil, p.376 – 379.67 No mesmo sentido o festejado professor Tércio Sampaio Ferraz Junior conforme palestra ministrada no curso de mestrado realizada em 22 de agosto de 2007, na Faculdade Autônoma de Direito – FADISP afirma que a questão da justiça esta relacionada com a relação subjetiva pessoal e histórica. 68 Art. 1º - “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.”69 Ibid., p. 56.70 Código Civil comentado, p. 86.

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Para Maria Helena Diniz:

“Interpretação baseada na boa-fé e nos usos do local de sua celebração. O

princípio da boa-fé está intimamente ligado não só à interpretação do negócio jurídico,

pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a

intenção inferida da declaração de vontade das partes, mas também ao interesse social

da segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade e

também de conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi por elas

celebrado”71

Com efeito salientou Gustavo Tepedino ao citar Orlando Gomes:

“Consagra-se (...) a concepção objetivista da interpretação (...) explicada pela

necessidade de proteger a legítima expectativa de cada um dos contraentes e de não

perturbar a segurança (...). Deve-se investigar os possíveis sentidos da declaração e

acolher o que o destinatário podia e devia atribuir-lhe com fundamento nas regras

comuns da linguagem e no particular modo de se comunicar e se entender com a outra

parte”.72

Na visão de Teresa Negreiros, no direito patrimonial o principio basilar é o da dignidade

humana, tal entendimento é citado por Gustavo Tepedino:

“a boa-fé, como princípio que é, há de configurar-se abstratamente, ainda que

reconheça que sua aplicação não admite um raciocínio do tipo lógico- subsuntivo, mas

que será necessariamente influenciada pelas circunstâncias que informem a relação

concreta sobre a qual incida. (...) Nossa hipótese é a de que o quadro principiológico

previsto constitucionalmente inverte, na medida em que elege a pessoa humana como

ápice valorativo do sistema jurídico, a relação de subordinação entre o direito à

autonomia privada e o dever de solidariedade contratual, passando o contrato a

expressar uma ordem de cooperação em que os deveres se sobrepõem aos direitos; a

pessoa solidária, ao indivíduo solitário”73.

Nesta monta como ponto de equilíbrio da interpretação entre os negócios jurídicos subjetivos

ou objetivos, tem-se a boa-fé objetiva. Tal como discorre Gustavo Tepedino em sua obra, a boa-fé

objetiva fora introduzida no nosso ordenamento jurídico, por meio do Código de Defesa do

71 Código Civil Anotado, p. 118. 72 Código Civil Interpretado, p. 230.73 Ibid., p, 230.

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Consumidor este, implantado e solidificado paulatinamente por entendimento da doutrina e

jurisprudência.

O artigo em tela traz à baila, este longo processo de conscientização e com isto o nascedouro

da teoria contratual, cujo suas funções elementares são: I - função interpretativa dos contratos; II -

função restritiva do exercício abusivo de direitos contratuais; e III - função criadora de deveres anexos

ou acessórios à prestação principal, como o dever de informação e o deveres anexos ou acessórios à

prestação principal, como o dever de informação e o dever de lealdade.74

Poderíamos ainda, salientar muitos outros artigos do Código Civil de 2002, como o artigo

42275, 18776 e 30777, ou ainda, vários Enunciados78 aprovados na Jornada de Direito Civil promovido

pelo Conselho da Justiça Federal, que vão de encontro ao princípio da eticidade, ou seja, de frente ao

princípio da boa-fé objetiva.

Não obstante, bem como, sem esgotar devidamente o tema, entendemos que o principio da

eticidade é uma das mais importantes fontes interpretativas do novel Direito Civil inserido neste

século.

Tal justificativa, tem como fundamento, que neste momento estamos nos afastando da visão

imperativa do Direito exclusivamente positivado ou “Kelseriana” 79, bem como, aplicando todos os

fundamentos já apregoados pelos Doutros Professores já citados, ou seja, a interpretação da Legis com

base a relação direita com o princípio da função social, a relação de subordinação entre o direito à

autonomia privada, o dever de colaboração das partes. Deve-se ainda, observar também, o interesse

social da segurança das relações jurídicas, assim como, a eleição da pessoa humana estrutura basilar

do atual sistema jurídico.

2.1.3. Princípio da Socialidade

74 Gustavo Tepedino, Código Civil Interpretado, p. 230 - 231.75 Art. 422. – “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”76 Art. 187. – “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”77 Art. 307. – “Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.”78 Enunciado n. 25 - CNJF: “o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”; 24 - Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa; e 26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.79 Flávio Tartuce.Tendências do Novo Direito Civil: Uma Codificação para o 3° Milênio. Compreendendo a Nova Codificação Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp> Acesso em: 10/06/2008.

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Superado os dois princípios já apresentados, bem como, colocando termo final nos estudo

principiológico fundamental do Código Civil de 2002, trataremos do princípio socialidade, este, que é

uma das estruturas basilares da função social da propriedade no Direito Civil80.

Insta salientar, que tal princípio traz consigo efeitos não somente para os Direitos de Reais,

tema e objeto da presente monografia, mas sim, para todo o Direito Civil conforme demonstraremos

abaixo81.

Todavia, antes de arrolar qualquer conceito e/ou definição, devemos “ter em mente” que tal

princípio fundamental, busca a valoração do coletivo em prejuízo ao individual, ou seja, estamos de

ante de uma elevação das relações privadas, onde outros elementos sociais e econômicos são

“pesados” dentro de um negócio jurídico privado que podemos denominar de “simples”.

Neste mesmo contexto, afirma Flávio Tartuce82:

“(...) é interessante lembrar que o Código Civil de 2002 procura superar o

caráter individualista que imperava na codificação anterior, valorizando a palavra dos

nós, em detrimento da palavra eu.”

Ao adentrar no estudo da socialidade, devemos obrigatoriamente fazer uma brevíssima

passagem do segundo capítulo, ou seja, uma releitura do capítulo da “Constitucionalização do Direito

Civil”.

Tal justificativa tem como fundamento dois pontos relevantes, que vão de encontro ao

princípio da socialidade, bem como, são convergentes entre si, ou seja, acabam obrigatoriamente indo

de encontro um ao outro.

Prefacialmente, temos o novo procedimento hermenêutico introduzido pela teoria da

“Constitucionalização do Direito Civil”, instrumento este, que é obrigatório para a devida

interpretação do codex em tela, a luz da Carta Magna.

80 Ibid., p. 58.81 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Função social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007.82 Ibid., p. 58.

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Em segundo momento, temos o princípio constitucional da solidariedade social, que

inicialmente foi preconizado na Constituição de 1988 e emplacou no Código Civil de 2002, tornando

assim, praticamente obrigatória a interação do Direito Constitucional no Direito Civil.83

Neste sentido, em artigo publicado, Flávio Tartuce, ao citar Gustavo Tepedino pioneiro nesta

temática, observa:

“há que se ler atentamente o Código Civil de 2002 na perspectiva civil-

constitucional, para se atribuir não só às cláusulas gerais, aqui realçadas por sua

extraordinária importância no sistema, mas a todo o corpo codificado um significado

coerente com as tábuas de valores do ordenamento, que pretende transformar

efetivamente a realidade a partir das relações jurídicas privadas, segundo os ditames

da solidariedade e da justiça social84”

Desta forma, conforme podemos notar, ambos os institutos supracitados buscam – neste ponto

que alertamos convergência -- a aplicação dos princípios fundamentas do direito previstos na

Constituição Federal de 1988, ainda sim, sem afastar arbitrariamente – conforme já apresentamos – os

vínculos obrigacionais privados.

Ultrapassada esta pequena releitura, porém sem se afastar desta, podemos afirmar que em

decorrência de todos os fatores apresentados até então, estamos diante de um “novo olhar” das

privadas. Olhar este, que apesar de constar no ordenamento jurídico a longa data85, somente foi

enfatizado de forma lidíma e clara no Código Civil de 2002.

Ao fazermos menção a todos os fatores apresentados até então, estamos pontuando vários

elementos importantes, que ocorreram em momentos históricos diferentes – como as revoluções

burguesas e a atual realidade econômica e social – porém necessários para o resultado casuístico e

atual do principio da socialidade.

Corroborando esta idéia, Flávio Tartuce, ao citar a professora Judith Martins-Costa, pontua86:

83 Direito Civil e a Constituição, Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp>, Acesso em: 10/06/2008, p. 2.84 Tendências do Novo Direito Civil: Uma Codificação para o 3° Milênio. Compreendendo a Nova Codificação, Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp> Acesso em: 10/06/2008, p.12.85 Decreto- Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Art. 5o - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.86 Ibid., p. 10.

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“dúvidas não há de que o Direito Civil em nossos dias é também marcado pela

socialidade, pela situação de suas regras no plano da vida comunitária. A relação entre

a dimensão individual e a comunitária do ser humano constitui tema de debate que

tem atravessado os séculos, desde, pelo menos, Aristóteles, constituindo, mais

propriamente, um problema de filosofia política, por isso devendo ser apanhado pelo

Direito posto conforme os valores da nossa – atual – experiência jurídica”

Acrescenta ainda, o próprio Flavio Tartuce87:

“Isso diante das inúmeras modificações pelas quais passou a sociedade: ouve

o incremento dos meios de comunicação, a estandardização dos negócios, o

surgimento da sociedade de consumo em massa a e valorização da pessoa humana

como centro do Direito Privado, trazendo uma nova realidade que atingiu os alicerces

de praticamente todos os instrumentos privados.”

Desse modo, podemos verificar que tal princípio, foi o resultado natural das relações sociais.

Onde, sem a observância deste, não podemos ter uma sociedade mais equilibrada para fins de

desenvolvimento elementos inerentes da própria sociedade, como elementos econômico, social e

cultural.

Porém, para chegarmos ao ápice da importância deste princípio, devemos pontuar duas

citações de autores distintos constantes no Livro do Professor Flávio Tartuce, todavia ambas de muita

relevância.

A primeira é a do Professor Miguel Reale, que acentua em sua célebre frase, a relevância da

implementação deste princípio88:

“...se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da

socialidade.”(nossos grifos)

Já a segunda citação do Professor Gerson Luiz Carlos Branco, que transcreve a importância da

aplicabilidade presente temática de forma brilhante:

“a socialização dos modelos jurídicos é uma das características mas marcantes

do novo Código e seu significado é o da prevalência dos valores coletivos sobre os

87 Ibid., p. 10.88 O Projeto do Novo Código Civil, p. 7.

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individuais, e da revisão dos direitos e deveres dos cinco personagens do direito

privado tradicionais: “o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o

testado.”

Destas duas citações, bem como, de todo o apresentado até então, podemos ter por

entendimento correto que a socialidade é o “contra peso” imposto à sociedade, que deve ser

implementado nos termos da sua inspiração, bem como, aplicado em todo o ordenamento jurídico

civilista.

Assim, objetivando demonstrar os reflexos do princípio da socialidade, não somente no direito

de propriedade, mas sim no Direito Civil, passaremos a estudar, a presente temática – assim como fez

o professor Flávio Tartuce – nos ramos mais importantes do Codex em tela.

Desta forma, iniciaremos o estudo do liame principiológico da socialidade com os principais

institutos do Direito Civil, correlacionando prefacialmente este, com a propriedade e a posse, todavia,

sem esgotar adequadamente o tema, tendo em vista que aprofundaremos a presente temática no

próximo capítulo.

A propriedade está devidamente resguardada pelo princípio da socialidade, no Novo Código

Civil, ou seja, há expressa disposição legal prevista no artigo 1228, § 1.°, da Lei 10.406/2002 quanto

da função social da propriedade.

Dispõe a referida legis:

Art. 1.228, § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância

com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais,

o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a

poluição do ar e das águas.

Desta forma, podemos afirmar que diferentemente do Código Civil de 191689, a propriedade é

exercida de forma limitada, com o intuito final, da observância das questões relacionadas às atividades

econômicas e sociais que recaírem sobre este imóvel.

89 Art. 524 – “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.”

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Neste mesmo sentido, o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama90 nos ensina:

“Neste sentido, o art. 1228, do Código Civil de 2002, ao tratar dos poderes do

proprietário, substituiu a noção de que “a lei assegura ao proprietário”, contida no art.

524, do Código Civil revogado, de conteúdo jusnaturalista, em que a norma se limita a

reconhecer o poder a ela preexistente, pela idéia de que “o proprietário tem a

faculdade”, mais técnica e condizente com a idéia de limitação de poderes do

proprietário. Ainda, § 1o do referido artigo, do texto codificado, ao vincular o

exercício do direito de propriedade às suas finalidades econômicas e sociais, visa

perseguir a tutela constitucional da função social, dando um conteúdo jurídico ao

aspecto funcional das situações proprietárias”

Porem acrescenta o professor Flávio Tartuce91:

“Mais do que mera função social, o dispositivo prevê a função sócio-

ambiental do domínio, não podendo o exercício do direito de propriedade gerar danos

ao ambiente natural, cultural ou artístico.”

Tal apontamento, segundo o nosso ver, é de alta relevância, bem com, está intrinsecamente

ligado, ao dispositivo constitucional previsto no artigo 225, § 3o, que estabelece as regras das regras

aplicadas Constitucionalmente para as questões relacionadas ao Meio Ambiente92.

Desta monta, como podemos notar o princípio da função social da propriedade, ou seja, o

principio da socialidade, está devidamente transladado no Código Civil, nos mesmos termos propostos

na Cata Magna como nos artigos 5º, incisos XXII e XIII; 170, III e 225 do Texto Maior.

Em um segundo momento, temos a função social da posse, que entendemos, assim como o

professor Flavio Tartuce93, que esta é mera exteriorização do direito de propriedade e assim

emplacando automaticamente ao principio da socialidade.

Neste mesmo diapasão, o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama94:

90 Ibid., p. 57.91 Ibid., p. 56.92 Art. 225. – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente.”93 Introdução Crítica ao Código Civil, p. 366.94 Ibid., p. 64 – 65.

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“Tradicionalmente só pode haver posse onde haja propriedade; se não houver

propriedade, não poderá haver posse. A posse é a aparência de propriedade; o

possuidor pratica atos inerentes ao de um proprietário, ainda que não o seja. (...) A

função social da propriedade e a função social da posse, na verdade são os dois lados

da de uma mesma moeda. A posse, como conteúdo do direito, é indispensável à

propriedade para que esta cumpra sua função social e receba s proteção social. ”

Não obstante, insta salientar, que apesar da posse e da propriedade serem correlatas entre si,

elas colocadas e tratadas de forma separadas, ou seja, devemos estudar ambos os institutos porém de

forma autônoma. Tal justificativa tem como fundamento que podemos pontuar a função social da

posse sem tratar da propriedade.

Neste sentido, assim como nos ensina o professor Flávio Tartuce é possível que um

determinado sujeito possa ter a posse de um determinado bem – sendo assim somente mero detentor –

e tirar algum proveito deste95.

Ademais e por fim, temos artigos 1.238, parágrafo único96, e 1.242, parágrafo único97, do

Código Civil de 2.002 que enfatizam a função social da posse pela diminuição dos prazos da

usucapião, bem como, a previsão dos parágrafos 4º e 5º do artigo 1.22898 que inova trazendo a

Desapropriação Judicial por Posse-Trabalho99.

Neste diapasão, professor Flavio Tartuce pontua:

95 Ibid., p. 366. “...na verdade , mesmo sendo exteriorização da propriedade, o que também comprova sua função social a posse com ela não se confunde. É cediço que determinada pessoa pode ter a posse sem ser proprietária do bem, já que ser proprietário é ter o domínio da coisa. A posse significa apenas ter a disposição do da coisa, utilizando-se dela e tirando-lhe os frutos com fins socioeconômicos”96 Art. 1.238. – “Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.” 97 Art. 1.242. - “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”98 Art. 1.228. – “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.”99 Expressão defendida por Miguel Reale, Maria Helena Diniz e Flavio Tartuce, e por nós compartilhada.

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“Mesmo a posse recebe uma função social, já que o Código prevê a

diminuição dos prazos de usucapião quando estiver configurada a “posse-trabalho”,

situação fática em que o possuidor despendeu tempo e labor na ocupação de

determinado imóvel. A nova codificação valoriza aquele que “planta e colhe”, o

trabalho da pessoa natural, do cidadão comum. Tais regras podem ser captadas pela

leitura dos arts. 1.238, parágrafo único, e 1.242, parágrafo único, do Código Civil de

2.002.”

Superado os colóquios do direito e propriedade, passamos a pontuar as relações contratuais,

mais especificadamente sobre a função social dos contratos.

Assim, conforme os professores Flávio Tartuce100 e Rodrigo Garcia da Fonseca101 a função

social dos contratos esta prevista nos artigos 421 e 2.035 do Código Civil.

Dispõe a referida legis:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da

função social do contrato. (...)

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes

da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no

art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos

dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de

execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de

ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função

social da propriedade e dos contratos.

Desta forma, assim como na função social da propriedade, a função social dos contratos esta

devidamente tipificada na lei infraconstitucional, recaindo assim, sobre as relações jurídicas

contratuais e limitando estas em razão da função social deste contrato.

Ainda no estudo dos reflexos da socialidade, temos a função social da empresa, que também é

amplamente discutida no Direito Civil.

100 Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002.101 A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil, p. 9.

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Assim, inicialmente conforme professor Fábio Konder Comparato102 a aplicação da função

social da empresa, foi abrangida pelo conceito constitucional da função social da propriedade já

apresentada anteriormente.

Todavia, ainda observando o asilo Constitucional, entendemos que a geração de empregos

oriundos das sociedades mercantis, podem ser considerados como função social da empresa à luz do

preceito constitucional econômico.

Adentrando ao campo infraconstitucional, podemos perceber o principio da função social

empresarial no artigo 421 do Código Civil que dispõe que “A liberdade de contratar será exercida em

razão e nos limites da função social do contrato”. Tal apontamento tem como fundamento, que todas

as sociedades nascem por um contrato, bem como, esta deve ser sobre a sua própria causa do negócio.

Desta forma, não podemos afastar as limitações dos valores sociais e econômicas que

ultrapassem ilegitimamente a lucratividade dos empresários. Neste sentido, bem como, por exemplo,

podemos citar as intervenções do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, nas fusões

empresarias que monopolizam um determinado ramo ou seguimento do mercado.

Neste mesmo sentido, o professor Flávio Tartuce ao citar Roberto Senise Lisboa103, apregoa:

“a propriedade, inclusive a empresarial, deverá realmente atender a sua

função social, sendo exercida a atividade de fornecimento de produtos e serviços no

mercado de consumo em um sistema econômico no qual prevalece a livre

concorrência sem abuso da posição dominante de mercado, proporcionando-se meios

para a efetiva defesa do consumidor e a redução das desigualdades sociais”

Por fim, porem, não menos importante, temos a disposição constante do Enunciado 53, da I

Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal realizada de 11 a 13 setembro de

2002 que dispõe:

“Art. 966104: deve-se levar em consideração o princípio da função social na

interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência

expressa.”

102 Carlos Eduardo de Castro Palermo, A função social da empresa e o novo Código Civil, Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=36>, Acesso em: 10/06/2008. 103 Ibid., p. 62 – 63.104 Art. 966. – “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”

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Diante de todo o exposto, não podemos afastar a aplicabilidade da função social da empresa

pelos motivos até então dispostos, seja pela previsão constitucional, pelo o disposto nos artigos 421 e

966 do Código Civil, ou ainda, pelo entendimento firmado pela I Jornada de Direito Civil, promovida

pelo Conselho da Justiça Federal

Temos ainda, mais dois pontos a serem levantados, que são de suma importância, bem como,

sofreram nítidos reflexos do principio da socialidade. O primeiro como não poderia faltar, esta

correlacionada a Família e já em um segundo momento, bem como, por fim, trataremos do Direito das

Sucessões.

Parece-nos que a função social da família – assim como na função da propriedade – é o ramo

do Direto Civil que a função social pode ser observada com mais facilidade.

Tal justificativa tem como fundamento, que assim como o ocorrido no direito de propriedade,

a família tem sofrido significativas transformações nos últimos séculos.

Neste sentido, podemos apregoar a disposição do professor Guilherme Calmon Nogueira

Gama que inicialmente cita o professor Caio Mario da Silva Pereira e que complementa:

““As transformações operadas neste século teriam sido maiores e mais

avançadas de que em dois milênios de civilização romano-cristã.105” Tal afirmação,

precedida de advertência do autor sobre sua possível ousadia, bem demonstrada as

transformações por que o Direito de família passou no século passado. A família não

está dissociada dos fatores exógenos que a cercam, recepcionando acontecimentos e

fenômenos que, num primeiro momento não se relacionariam ao contexto familiar.

Sabe-se, na atualidade, que um enfoque exclusivamente jurídico sobre temas de

Direito de Família certamente representa visão estreita e falha sobre as famílias no

Direito, devido à importância do contexto social, cultural, moral, religioso e

econômico na âmbito das relações familiares.”106

Ainda correlacionando o Direito de Família ao Direito de Propriedade, podemos encontrar

facialmente a aplicabilidade da função social da família em diversas passagens legislativas, como a do

artigo 5°, inciso I, apregoada na Carta Magna, ou ainda, na legislação infraconstitucional como o

artigo 1.511 do Código Civil.

105 Caio Mário da Silva Pereira, Direito Civil: alguns aspectos da sua evolução, p.169.106 Ibid., p. 116.

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Insta salientar ainda, que a dignidade da pessoa humana prevista clara e insofismavelmente na

Carta Magna têm aplicação no Direito de Família, tal apontamento tem estrutura-se na proteção

prevista na dignidade da pessoa humana, não deve ser aplicada somente para um único individuo e sim

– como é sabido – ao ser humano como ente social.107

O grande diferencial, devidamente apontado pelo professor Flávio Tartuce, é de que a entidade

familiar é a estrutura basilar das sociedades contemporâneas, desta forma, estamos de frente de uns

dos direitos resguardados de terceira geração.

Corroborando esta idéia, Flávio Tartuce ao fazer menção do Professor Miguel Reale

acrescenta108:

“Isso justifica o cuidado do legislador no momento de regular os institutos de

Direito de Família, sendo certo que as suas normas são, regra geral, de ordem

pública.”

Assim, como se faz sabido, a maioria das alterações basilares – para não pontuar quase todas

as alterações – do novo Código Civil, referentes ao Direito de Família, tem como marco principal a

Constituição de 1988, a qual – conforme já pontuado – apregoa a igualdade absoluta entre os pares

com vinculo familiar.

Referido vinculo, observa todos os entes familiares, ou seja, dos cônjuges, dos filhos e dos

parentes, não havendo diferenças de direitos e deveres entre os cônjuges, ou ainda, entre filhos havidos

ou não da relação de casamento proibindo, desta forma, quaisquer alcunha discriminatória relativa à

filiação109.

Por fim, temos a função social do Direito das Sucessões, esta, que também tem suas

repercussões tanto aos particulares como para o Estado.

Desta forma, inicialmente entendemos que a limitação mais relevante é a prevista no artigo 5°,

inciso XXX, da Carta Magna110.

107 Ibid., p. 127. “Lembre-se, que em tempo, de que a dignidade da pessoa humana não deve ser vista apenas sob o prisma da proteção co individuo, sob pena de se resultar num individualismo extremo. O ser humano, enquanto ser social, deve ser visto em seu aspecto individual, mas também em seu aspecto social, sendo a família o primeiro e privilegiado núcleo de integridade social.” 108 Ibid., p. 63.109 Miguel Reale, As Entidades Familiares, Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/>, Acesso em: 10/06/2008.110 Art. 5°, Inc. XXX - “é garantido o direito de herança;”

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Tal limitação assegura claramente, o direito da proteção à herança, em relação do Estado.

Temos ainda, as limitações no âmbito das relações privadas. Sendo que um dos melhores exemplos

desta salvaguarda é o Luto familiar previsto no parágrafo único, artigo 12 do Código Civil111.

Outra limitação muito interessante, – assim como a do exemplo anterior – que também foi

pontuada por Flavio Tartuce112 é a do caput, do artigo 1.848 do Código Civil113. Tal disposição,

observa claramente a função social do testamento.

Assim, o testador ao cravar as cláusulas limitativas de inalienabilidade, impenhorabilidade, e

de incomunicabilidade sobre os seus bens da legítima deve obrigatoriamente apresentar uma justa

causa. Tal feito, tem como fundamento lógico uma análise do ato de “ultima vontade” do testado no

meio social que o cerca.

Em decorrência de todo o apresentado, assim como, colocando – em parte – termo final na

temática dos princípios fundamentais do Código Civil de 2002, não podemos deixar de aplicar estes

novéis institutos. Tal justificativa tem como fundamento, que a aplicabilidade destes, objetivam trazer

a ética para as relações jurídicas, bem como, afastar o rigor do positivismo excessivo resultando em

um Direito Civil mais equilibrado, justo e confiante.

2.3 A Função Social do Direito de Propriedade

2.3.1 O histórico e evolução da Função Social do Direito de Propriedade

Conforme já apresentado nos tópicos anteriores, o debate em torno da propriedade sempre foi

objeto de diversos estudos, todavia tais debates vêem se intensivando neste último século, em

decorrência do desprendimento individualismo apregoado pelo liberalismo econômico anterior as

Revoluções Burguesas114.

111 Art. 12. – “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”112 Ibid., p. 64.113 Art. 1.848. – “Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.” 114 Neste mesmo sentido, o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama: “Neste inicio de século, renova-se o debate referente a posse e à propriedade no contexto dos ordenamentos jurídicos, especialmente quando relembramos os institutos no movimento de codificação verificado a partir do século XVIII e que teve o Código Civil de 1916 como o exemplo brasileiro. Fundado em valores do liberalismo econômico e do exacerbado individualismo, a propriedade foi alcançada à condição de direito subjetivo paradigmático, absoluto,

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Como é sabido, a sociedade com o decorrer do lapso temporal altera seus usos e costumes,

bem como, sempre que necessário para o mantenimento de uma determinada ordem social, o Direito

deve ser revitalizado no sentido de atender o clamor emanado por estes.

Desta forma, assim como não poderia de deixar de ser, o direito de propriedade com o

decorrer do lapso temporal também sofreu várias intervenções sociais que e em contrapartida foram

regulamentadas pelas inovações do Direito de Propriedade.

Insta salientar, que não pontuaremos de forma sistemática a evolução histórica do direito de

propriedade, bem como, todas as alterações pertinentes ocorridas no direito alienígena, porem não

podemos enfrentar a presente temática sem resgatar alguns elementos históricos e conceituais que

serão fundamentais para concluirmos e conceituar a idéia da função social da propriedade.

Assim, podemos afirmar que o Direito Romano foi o batedor nos os elementos conceituais da

propriedade, bem como, o seu conceito consagrado na máxima dominium est ius utendi, fruendi e

abutendi utilizados até hoje.

Desta forma, em Roma a propriedade é esculpida como um direito absoluto e perpétuo, não

havendo a possibilidade do exercício alienígena a vontade do proprietário.115

No ocidente, este conceito persistiu durante muitos séculos, sendo afetado somente com a

invasão dos Bárbaros e o mantenimento da propriedade pelos nobres.

Todavia, o termo final deste período, somente se deu entre os séculos XV e XVI. Momento

este, que introduz uma nova forma de relação sócio-política denominada de vassalagem. Tal sistema,

submete o servo proprietário das terras ao senhor feudal o qual, aquele além de ser vinculado este,

deve ainda, tributos e prestações pessoais, ou seja, o sistema político feudalismo116.

funcionalizando basicamente ao atendimento dos interesses individuais e egoísticos do homem-proprietário. No ideário de segurança e igualdade (formal), o sistema jurídico individualista se baseou na noção de propriedade como direito subjetivo por excelência em clara prevalência sobre outras situações jurídicas subjetivas como, por exemplo, aquelas relacionadas ao locatário, ao promissário comprador (possuidores não proprietários) e a coletividade (no que tange ao meio ambiente).” Ibid., p. 39 – 40. 115 Celso Marini, Visão histórica do direito de propriedade imóvel, Disponível em:<http://www.escritorioonline.com/ webnews/noticia.php?id_noticia=1311&, Acesso em: 10/06/2008.116 Wikipédia, a enciclopédia livre. Feudalismo, Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/ Feudalismo >, Acesso em: 10/06/2008.

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Tal momento sócio político coloca a propriedade imobiliária, como uma garantia individual

dos direitos naturais e imprescritíveis do homem apregoada no Bill of Rights da Virgínia de 1776117,

onde a propriedade era tratada como instituto de direito privado, estranho à organização política do

Estado.

Como já afirmado anteriormente, a referida alteração, teve seu embasamento fundamental em

limitar a intenção do poder do Estado, que antes era condicionado aos domínios da monarquia, ou seja,

o liberalismo econômico, onde o “eu” era muito mais importante do que “nós”118, que entendemos

correta para aquele momento histórico.

117 Virginia Bill of Rights, June 12, 1776, “A DECLARATION OF RIGHTS made by the representatives of the good people of Virginia, assembled in full and free Convention; which rights do pertain to them, and their posterity, as the basis and foundation of government; 1. That all men are by nature equally free and independent, and have certain inherent rights, of which, when they enter into a state of society, they cannot, by any compact, deprive or divest their posterity; namely, the enjoyment of life and liberty, with the means of acquiring and possessing property, and pursuing and obtaining happiness and safety; 2. That all power is vested in, and consequently derived from, the people; that magistrates are their trustees and servants, and at all times amenable to them; 3. That government is, or ought to be, instituted for the common benefit, protection, and security, of the people, nation, or community; of all the various modes and forms of government that is best, which is capable of producing the greatest degree of happiness and safety, and is most effectually secured against the danger of maladministration; and that whenever any government shall be found inadequate or contrary to these purposes, a majority of the community hath an indubitable, unalienable, and indefeasible right, to reform, alter, or abolish it, in such manner as shall be judged most conducive to the publick weal; 4. That no man, or set of men, are entitled to exclusive or separate emoluments or privileges from the community, but in consideration of publick services; which, not being descendible, neither ought the offices of magistrate, legislator, or judge, to be hereditary; 5. That the legislative and executive powers of the state should be separate and distinct from the judicative; and that the members of the two first may be restrained from oppression, by feeling and participating the burthens of the people, they should, at fixed periods, be reduced to a private station, return into that body from which they were originally taken, and the vacancies be supplied by frequent, certain, and regular elections, in which all, or any part of the former members, to be again eligible, or ineligible, as the laws shall direct; 6. That elections of members to serve as representatives of the people, in assembly, ought to be free; and that all men, having sufficient evidence of permanent common interest with, and attachment to, the community, have the right of suffrage, and cannot be taxed or deprived of their property for publick uses without their own consent, or that of their representatives so elected, nor bound by any law to which they have not, in like manner, assented, for the publick good; 7. That all power of suspending laws, or the execution of laws, by any authority without consent of the representatives of the people, is injurious to their rights, and ought not to be exercised; 8. That in all capital or criminal prosecutions a man hath a right to demand the cause and nature of his accusation, to be confronted with the accusers and witnesses, to call for evidence in his favour, and to a speedy trial by an impartial jury of his vicinage, without whose unanimous consent he cannot be found guilty, nor can he be compelled to give evidence against himself; that no man be deprived of his liberty except by the law of the land, or the judgment of his peers; 9. That excessive bail ought not to be required, nor excessive fines imposed, nor cruel and unusual punishments inflicted; 10. That general warrants, whereby any officer or messenger may be commanded to search suspected places without evidence of a fact committed, or to seize any person or persons not named, or whose offence is not particularly described and supported by evidence, are grievous and oppressive, and ought not to be granted; 11. That in controversies respecting property, and in suits between man and man, the ancient trial by jury is preferable to any other, and ought to be held sacred; 12. That the freedom of the press is one of the great bulwarks of liberty, and can never be restrained but by despotick governments. 13. That a well regulated militia, composed of the body of the people, trained to arms, is the proper, natural, and safe defence of a free state; that standing armies, in time of peace, should be avoided, as dangerous to liberty; and that, in all cases, the military should be under strict subordination to, and governed by, the civil power; 14. That the people have a right to uniform government; and therefore, that no government separate from, or ndependent of, the government of Virginia, ought to be erected or established within the limits thereof; 15. That no free government, or the blessing of liberty, can be preserved to any people but by a firm adherence to justice, moderation, temperance, frugality, and virtue, and by frequent recurrence to fundamental principles; and 16. That religion, or the duty which we owe to our CREATOR, and the manner of discharging it, can be directed only by reason and conviction, not by force or violence; and therefore all men are equally entitled to the free exercise of religion, according to the dictates of conscience; and that it is the mutual duty of all to practice Christian forbearance, love, and charity, towards each other.” Declaration of Rights, Disponível em: <http://www.constitution.org/bor/vir_bor.htm >, Acesso em: 10/06/2008.

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Neste mesmo sentido, temos várias disposições legais no direito alienígena que emplacaram

esta ideologia, dentre eles, temos apregoar os seguintes:

Código Civil Italiano119:

Art. 832, Contenuto del diritto: “Il proprietario ha diritto di godere e disporre

delle cose in modo pieno ed esclusivo, entro i limiti e con l'osservanza degli obblighi

stabiliti dall'ordinamento giuridico.”

Código Civil Espanhol120:

Artículo 348: “La propiedad es el derecho de gozar y disponer de una cosa,

sin más limitaciones que las establecidas en las leyes. El propietario tiene acción

contra el tenedor y el poseedor de la cosa para reivindicarla.”

Código Civil Português121:

Artigo 1305º, Conteúdo do direito de propriedade: “O proprietário goza de

modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe

pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela

impostas.”

Finalmente, porem não menos importante o Código Civil Frances122:

Article 544, Créé par Loi 1804-01-27 promulguée le 6 février 1804: “La

propriété est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue,

pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements.”

118 Flávio Tartuce, Tendências do Novo Direito Civil: Uma Codificação para o 3° Milênio. Compreendendo a Nova Codificação, Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos.asp>, Acesso em: 10/06/2008.119 The Cardozo Electronic Law Bulletin, Il Codice Civile Italiano, Disponível em: < http://www.jus. unitn.it/cardozo/Obiter_Dictum/codciv/Lib3.htm>, Acesso em: 10/06/2008.120 Normacivil, Código Civil: Libro II: Título II, Disponível em: <http://civil.udg.es/normacivil/estatal/CC/2T2.htm >, Acesso em: 10/06/2008.121 Código Civil Português, Disponível em: < http://www.portolegal.com/CodigoCivil.html>. Acesso em: 10/06/2008.122 Legifrance, Le service public dele diffusion du droit, Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/ affichCode.do;jsessionid=4011B59FF103E03D3B4D2F7B5EA6FF36.tpdjo14v_3?idSectionTA=LEGISCTA000006117904&cidTexte=LEGITEXT000006070721&dateTexte=20080417>, Acesso em: 10/06/2008.

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Desta forma, o direito romano e o antigo status do liberalismo econômico, ambos definiam a

propriedade como o direito de usar (ius utendi) e de dispor da coisa (ius abutendi), da maneira mais

absoluta, desde que não se faça delas um uso proibido pelas leis e pelos regulamentos internos.

Porem – a história que é prova viva disto, demonstra que – o referido sistema não logrou com

êxito, desembocando na Revolução Francesa que procura dispor de uma nova forma para a

propriedade, buscando assim dar um caráter democrático à propriedade, todavia direcionado aos

interesses da burguesia.

Em decorrência disto, podemos afirmar que a propriedade somente passa a ter um sentido

econômico em função de seu valor ou uso, somente no século XIX com o constitucionalismo dos

institutos privados, tema este, já apresentado no capítulo anterior.

Em continuidade a apregoado até então, insta salientar, que a primeira aparição do Estado

Social de Direito como conhecemos, foi na Constituição Mexicana de 1917123, esta, elevou claramente

os direitos individuais, públicos e trabalhistas ao patamar dos direitos fundamentais em seus artigos 5º

e 123, bem como, foi a primeira a restringir o caráter absoluto do direito de propriedade quanto a

inobservância do interesse da população em seu artigo 27.

A novel disposição Mexicana, também foi pautada na Constituição de Weimar de 1919, e

assim como aquela Carta Capital, alem de ter outros fins, objetivou restringir o direito de propriedade

no mundo capitalista Europeu.

Neste mesmo sentido pontua o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama e cita Ernst

Benda124:

“Em 1919, com a Constituição de Weimar, chegou a vez da Europa capitalista

estabelecer uma restrição à propriedade privada. Criou-se a idéia da obrigação do

proprietário, que ficou conhecida como função social da propriedade. Como acentua

Ernst Benda, “o principio do estado social justifica e exige a proteção ao socialmente

mais fraco também no campo econômico...” E, mais adiante, cuidando do tema à luz

da Constituição alemã, o autor observa: A lei Fundamental defende a propriedade,

declarando-a ao mesmo tempo, como vinculada a obrigações sociais; seu uso não deve

servir apenas ao individuo, porem também a coletividade. Disso resulta o direito do

123 Ibid., p. 45.124 Ibid., p. 45 - 46.

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legislador, porem sua tarefa, de promover o equilíbrio entre os interesse da

coletividade e os do proprietário.”

Desta forma, lídimo se faz notar o marcante artigo 153, da Constituição de Weimar, que

dispunha claramente a função social da propriedade:

“A propriedade obriga o uso e exercício devem ao mesmo tempo representar

uma função social”

Desta monta, a Constituição de Weimar, propõe uma nova interpretação ao pensamento

individualistico-romano do direito de propriedade, vislumbrando a figura de um Estado Social de

Direito, sem abater o direito absoluto da propriedade.

Buscando por fim, “uma propriedade” tendo como ponto de vista deveres e obrigações

dirigidas a um entendimento sócio econômico.

Em decorrência disto, podemos afirmar claramente que as Constituições de Weimar de 1919 e

Mexicana de 1917 foram às precursoras da concepção do Estado Social de Direito125.

No direito pátrio, a função social da propriedade, não foi vislumbrada nas Constituições de

1824 e de 1891, o que entendemos compreensível, pois estas – como óbvio se demonstra –

apresentavam o caráter individualista de propriedade concebido pelo seu período histórico,

assegurando o direito de propriedade nos moldes do direito individualistico-romano126.

Podemos notar que na Carta Magna de 1934, por meio do artigo 113, n. 17127, garantia que os

direitos inerentes ao poder de propriedade, não poderiam ser exercidos contra o interesse social ou

coletivo, bem como, a partir deste termo inicial, podemos notar que tal direito passa a ser observado de

forma mais impositiva nas próximas Cartas Políticas.

125 Neste sentido: “O Estado da Democracia Social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição Mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada , que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazi-facista e a Segunda Guerra Mundial” Fabio Konder Comparato, A afirmação histórica dos Direitos Humanos, p. 189.126 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Função social no Direito Civil, p. 46.127 Art. 113, 17 – “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.”

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Nesta mesma esteira, a Constituição de 1937128 manteve o princípio da função social da

propriedade com a idéia focada no interesse publico, e em seguida, temos o texto Constitucional

histórico mais importante segundo o nosso ver.

Estamos assim, diante da Carta Magna de 1946 posterior a Segunda Grande Guerra Mundial,

bem como, a primeira Constituição nacional a transcrever efetivamente a definição de função social da

propriedade condicionando.

Esta, ao bem-estar social em seu artigo 141, § 16129 e art. 147130, ou seja, podemos notar que

pela primeira vez o texto constitucional promove o intervencionismo político econômico, objetivando

a justa distribuição da propriedade.

Observando a importância da Constituição de 1946, Gustavo Tepedino pontua que131:

“... foi a norma constitucional de 1946 que expressou, pela primeira vez, a

preocupação com a função social da propriedade, na esteira de copiosa legislação

intervencionista que caracterizou os princípios passos do Estado assistência e da

socialização do direito civil.”

Continuando a evolução histórica, temos a Emenda Constitucional de 1969 que manteve, em

parte, o conteúdo da Constituinte de 1967 em seu artigo 160, inciso III132.

Desta forma, como podemos notar, somente na Emenda Constitucional de 1969, a expressão

“função social da propriedade” foi utilizada como princípio de fundamentação da ordem econômica e

social, porem ainda, não levada ao patamar a categoria de garantia fundamental do cidadão133.

128 Art. 122 – “A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 14 - O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício;”129 Art. 141 – “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.”130 Art 147 – “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.”131 Temas de Direito Civil, p. 306.132 Art. 160. – “A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: III - função social da propriedade;”133 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Função social no Direito Civil, p. 47.

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Por fim, a Constituinte de 1988 acolheu o direito à propriedade em seu artigo 5º, no Título

reservado aos Direitos e Garantias Fundamentais, apregoado em conjunto do mesmo plano do direito à

vida, à liberdade, igualdade.

Desta monta, o direito de propriedade, bem como, a sua função social fora elevada ao patamar

da categoria de garantia fundamental do cidadão. Porem analisaremos os pontos relevantes da função

social da propriedade a luz da Carta Magna nos próximos itens do presente capítulo.

2.3.2 Noção da função social da propriedade

Ao analisar o estudo do conceito da função social da propriedade134, temos alguns

implicadores para realização de tal tarefa. A presente justificativa, tem como fundamento a semântica

das palavras função e social, ambas, apresentam vários sentidos nos ramo da ciência do direito, assim

como, o próprio ordenamento, somente elencou o presente principio, sem apontar os seu elementos

característicos135.

Assim, vários doutrinadores, entendem que a função social tem caráter de norma

constitucional programática, devendo o legislador instrumentalizar tal principio fundamental.

Dentre estes doutrinadores Professor Arruda Alvim136, entende que:

“(...) a função social deve ser efetivada por lei (“reserva de lei”), por isso,

ainda, constitui-se num critério para o legislador ao disciplinar o direito de

propriedade, critério esse qu encontra limites na própria garantia constitucional o

direito de propriedade.”

Em decorrência disto, foram criadas várias legislações infraconstitucionais para a

implementação do referido princípio fundamental. Insta salientar, que dentre muitas outras Leis,

podemos citar como mais relevantes a Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra) e a Lei 10.257/2001 (Estatuto

da Cidade), também não conceituaram o referido principio137.

134 A palavra função vem do latim functio, functionis, que quer dizer trabalho, exercício cumprimento, execução e liga-se ao verbo latino fungi, que significa cumprir, executar, desempenhar uma função. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Função social no Direito Civil, p. 48. 135 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Função social no Direito Civil, p. 48.136 O Livro de Direito das Coisas, p. 289.137 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Função social no Direito Civil, p. 48.

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Assim, prefacialmente, a doutrina mais respeitada busca o significado da função social nos

fundadores: São Tomas de Aquino, Augusto Comte e Leon Duguit. Porém, a Ciência Jurídica

inicialmente, ligava a idéia da função social ao atendimento de um interesse publico, assim como fez

nas Constituições 1934 e 1937.

Não Obstante, como já apresentado anteriormente, a divisão entre o direito público e privado

apregoado por algumas “escolas do saber”, não pode ser mais suportada conforme pontua o pioneiro

jurista e professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama 138:

“A evolução da Ciência Jurídica, entretanto, fez com que essa divisão entre

direito público e direito privado ficasse ultrapassada, não mais devendo ser feita.

Ademais, a introdução da função social em um ordenamento jurídico que reconhece e

garante a propriedade privada implica a superação dessa contraposição entre o publico

e privado. A propriedade passou a ter um sentido social, e não mais apenas individual,

estando destinada à satisfação de exigências de cunho social”

Acrescenta ainda o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama, ao citar José Diniz de

Moraes139:

“função é a satisfação de uma necessidade (...) por meio de um poder jurídico

atribuído a uma pessoa, física ou jurídica, publica ou provada. Haveria, assim, certos

interesses que são protegidos de forma especial, impondo obrigações e deveres

jurídicos aos particulares, de modo que a sociedade é favorecida ou protegida, sem se

tornar uma função exclusivamente pública, nem uma função individual pura esimples.

Seria o interesse social, satisfeito pela função social que incide sobre direitos.”

Outra definição anterior a Constituição promulgada em 1988, era que a função social era algo

externo do direito de propriedade, ou seja, era um limitador ao direito de propriedade. Todavia, após a

Aprovação da Carta Magna de 1988 tal entendimento não seria o mais adequado.

Tal justificativa tem como fundamento a própria disposição constitucional, bem como, neste

sentido nos ensina Professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama 140:

“Hoje com base nos artigos 5º, XXIII, 170, III, 189, §§ 2º e 4º, 184 e 186, da

Constituição federal deve-se reconhecer que a função social integra a propriedade; a

138 Ibid., p. 49.139 Ibid., p. 49.140 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Função social no Direito Civil, p. 51.

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função social da propriedade, e não algo exterior ao direito de propriedade será

esvaziado.”

Há inúmeras outras definições e expressões para a função social, todavia entendemos que a

função social da propriedade, entende-se como uma garantia constitucional fundamental, que por meio

de legislações infraconstitucionais, busca uma propriedade mais justa, vinculada ao seu cunho social,

buscando equilibrar as diferenças sociais apresentadas pelo momento pós-industrial.

2.3.3 Instrumentos da função social da propriedade

Como é sabido, os instrumentos e requisitos de cumprimento da função social da propriedade

são numerosos. Em decorrência disto, teremos que observar tais aspectos por blocos em três blocos, ou

seja, prefacialmente apontaremos os destaques oriundos da importância assumida no texto

constitucional vigente, em um segundo momento, os principais dispositivos apresentados pelo novo

Código Civil de 2002 e finalmente, um breve arrazoado das demais legislações infraconstitucionais

tendo em vista, que estas, fogem do escopo do presente trabalho.

2.3.3.1 Instrumentos e requisitos Constitucionais

Prefacialmente, entendemos que não há outra forma de iniciarmos o referido ponto temático

de forma assertiva, sem ponderar que a propriedade está devidamente assentada como um dos direitos

e garantias fundamentais, direitos e deveres individuais e coletivos, contemplado lidimamente no

caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988141.

Não obstante a clara disposição do caput do referido artigo, ainda mesmo, no art. 5º, o inciso

XXII142, nos deparamos mais uma vez com a garantia constitucional do direito de propriedade. Porem

no inciso posterior, ou seja, o XXIII143 determina a sua correspondente função social.

Todavia, temos como claro que a função social da propriedade é mais do que uma garantia

Constitucional, esta, segundo o nosso ver, é um dos objetivos fundamentais do Estado Democrático

Brasileiro.

141 Artigo 5º - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”142 Artigo 5º, XXII – “é garantido o direito de propriedade;”143 Artigo 5º, XXIII – “a propriedade atenderá a sua função social;”

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A Carta Republicana em seu artigo 3° e incisos, arrola os objetivos fundamentais do Estado

Democrático Brasileiro144 quando segue: a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir

o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais; e d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

Desta disposição Constitucional, entendemos que a função social da propriedade vai de

encontro ao princípio da solidariedade, previsto no inciso primeiro, que objetiva “construir uma

sociedade livre, justa e solidária.”145

O objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, assim como os outros demais

objetivos, buscam viabilizar a democracia, economia, social e cultura, buscando ainda, assegurar e

efetividade do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Assim o Estado Brasileiro, seja pelo poder executivo, legislativo ou ainda pelo judiciário, deve

implementar políticas, com o objetivo de erradicar patologias ocasionadas pela sociedade e promover,

a aplicação de uma sociedade inspirada no Estado Democrático, ou seja, prover dentre outros

institutos, a função social da propriedade.

Conforme já apontado anteriormente, apesar da idéia da função social da propriedade estar

devidamente transladada na Constituição Federal, esta, não foi conceituada, bem como, sua

regulamentação e aplicabilidade está distribuída na Magna Carta.

Neste sentido, o Professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama146 trancreve:

“A Constituição Federal de 1988 expressou, em seu art. 5º, XXIII, a idéia de

que a propriedade deve atender a sua função social. Sua regulamentação, entretanto,

encontra-se espalhada em outros dispositivos da Magna Carta. Como foi visto, não há

qualquer dispositivo constitucional fornecendo o conceito da função social da

propriedade.”

Em decorrência disto, pontuaremos os aspectos Constitucionais mais relevantes a luz da

função social da propriedade quanto segue.

144 Leo Van Holthe, Direito Constitucional, p. 61.145 Art. 3º - “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”146 Ibid., p. 55.

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O artigo 170147, assim como em Constituições anteriores, dispõe em seu caput a ordem

econômica, estruturada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, objetivando assegurar

a todos a existência digna, nos termos da justiça social, em especial no inciso III, a função social da

propriedade.

Neste sentido, o Ministro Eros Grau148, pontua que:

“a propriedade-função social, que importa à ordem econômica é a propriedade

dos bens de produção.”

Por seu turno, o artigo 23 do texto constitucional em seu inciso III149, ainda objetivando

proteger a função social da propriedade, delega como competência comum da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios a proteção dos documentos, obras e outros bens de valor histórico,

artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.

Já o artigo 21 caput, bem como, seu respectivo inciso XX150, ambos estabelecem a

competência da União sobre diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo habitação,

saneamento básico e transportes urbanos.

Corroborando a idéia de competência, no âmbito Municipal, temos duas disposições

Constitucionais relevantes que devem ser arroladas.

A primeira, esta consignada no artigo 30 da Carta Magna, em seu caput e inciso VIII151 que

delega aos Municípios a competência de promover, no que couber, o adequado ordenamento

territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Já o inciso IX 152 delega aos Municípios, a competência para promover a proteção do

patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora Federal e Estadual.

147 Art. 170. – “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II - propriedade privada; III - função social da propriedade;”148 Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica), p. 249.149 Art. 23. – “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;” 150 Art. 21. – “Compete à União: XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;”151 Art. 30. – “Compete aos Municípios: VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;”152 Art. 30. - Compete aos Municípios: IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.”

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Por fim, bem como, não obstante todos os dispositivos supracitados, ventilamos que o

princípio da função social da propriedade, tem sua forma mais definida nos artigos 182 e 186 da

Constituição Federal, em relação às propriedades urbanas e rurais.

Corroborando esta mesma idéia, professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama153 pondera:

“Nos arts. 182 e 186, (...), o legislador constituinte estabeleceu os requisitos

para cumprimento da função social da propriedade urbana e rural”

Desta forma, o legiferante constituinte ao observar e regulamentar a função social da

propriedade urbana o fez em seu artigo 182, in verbis:

“Artigo 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar

o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus

habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para

cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de

desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa

indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para

área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado

aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no

tempo;

153 Ibid., p. 55.

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III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de

emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez

anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização

e os juros legais.”

O referido dispositivo, traz consigo, uma gama enorme de efeitos ao mundo jurídico e social,

em decorrência disto, devemos observar cada ponto relevante deste separadamente.

Assim, o caput do artigo 182, tem dois aspectos relevantes a serem levantados. O primeiro

deles, determina a existência de uma política de desenvolvimento urbano de competência da

Municipalidade.

Em um segundo momento, nos deparamos, com natureza jurídica deste instituto, este, que

busca o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantira do bem-estar dos habitantes

das cidades.

E concluindo esta idéia, o parágrafo segundo do referido artigo, determina que a propriedade

urbana somente atinge sua função social, caso ocorra o atendimento das exigências fundados no plano

diretor.

Neste sentido, professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama154 afirma:

“O art. 182, da Constituição Federal, dispõe. Assim, que a propriedade urbana

cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenamento

da cidade expressas no plano diretor.”

Por fim, o parágrafo quarto, é suma importância, pois este, traça as sanções para o caso de não

observância do regramento disposto no presente artigo.

Insta salientar, que tais sanções devem ser impostas de acordo com o texto constitucional ou

seja, preliminarmente e sucessivamente da seguinte forma:

I) Parcelamento ou edificação compulsórios;

II) Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; e

154 Ibid., p. 55.

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III) Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão

previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em

parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros

legais.

Neste mesmo sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

“Essas sanções serão aplicadas progressivamente, sendo a desapropriação

medida última ratio, quando o direito de propriedade será esvaziado.”

Superada a questão da propriedade urbana, temos ainda, o cumprimento da função

social da propriedade rural prevista no artigo 186, in verbis:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos

seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do

meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

Assim como foi feito com o dispositivo anterior, para o presente caso, também se faz

necessária algumas ponderações referentes ao artigo 186 da Carta Magna.

Nestes sentido, afirma-se, que a propriedade rural para atender sua função social, não basta

somente ter a vontade do proprietário para sua realização, necessitando ainda, de elementos externos

para sua realização.

Tais elementos se encontram arrolados nos incisos do artigo 186, ou seja, deverá o proprietário

ainda dar um aproveitamento racional e adequado; utilizar adequadamente os recursos naturais

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disponíveis e preservação do meio ambiente; observar as disposições que regulam as relações de

trabalho; e explorar a propriedade de forma que favoreça o bem-estar dos próprios e dos

trabalhadores.155

Outro item importante a ser observado da Magna Carta, são os parágrafos e o caput do artigo

184156. Tal dispositivo legal, tem como objetivo aplicar a sanção estatal pela não observância da

propriedade rural.

Não há muitas considerações a serem tecidas referentes ao presente dispositivo legal.

Todavia, há severas críticas quanto da aplicabilidade do referido dispositivo no sentido da

remuneração insuficiente nas desapropriações, bem como, na demora em reaver tais valores. Tal

crítica, também recai cumulativamente ao inciso III, parágrafo quarto do artigo 182 da Carta Magna.

Neste mesmo sentido o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama acresce:

“Uma crítica que deve ser feita aos artigos 182, § 4, III, e 184, da Constituição

Federal, que prevêem a desapropriação utilizada nos casos de descumprimento na

função social, é que eles alimentam dois enormes defeitos e injustiças: Remunera a

mal usada propriedade, isto é, premia o descumprimento da lei, porque considera

causador do dano e obrigado indenizar não o violador da norma, mas ao Poder Público

que resolve por fim a violação; e deixa a iniciativa de coibir o mau uso ao Poder

Público, garantindo a integridade do direito ao violador da lei.”

155 Nesta esteira o professor Gustavo Tepedino com sua costumeira assertiva aloca o tema: “A produtividade, para impedir a desapropriação, deve ser associada à realização de sua função social. O conceito de produtividade vem definido pela Constituição de maneira essencial solidarista, vinculado aos pressupostos para a tutela da propriedade. Dito diversamente, a propriedade, para ser imune à desapropriação, não basta ser produtiva no sentido econômico do termo, mas deve também realizar sua função social. Utilizada para fins especulativos, mesmo se produtora de alguma riqueza, não poderá a sua função social se não respeitar as situações jurídicas existenciais e sociais nas quais se insere. Em conseqüência, não será merecedora de tutela jurídica, devendo ser desapropriada, pelo Estado, por se apresentar como um obstáculo ao alcance dos fundamentos e objetivos – constitucionalmente estabelecidos – da República.” Temas de direito civil, p. 331. 156 Art. 184. – “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.”

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Assim, em decorrência do apresentado, entendemos que a Carta Magna de 1988, não permite

que o proprietário utilize a sua propriedade – seja ela rural ou urbana – conforme a sua vontade

unilateral. Caso isso ocorra, tal propriedade deverá ser objeto das sanções previstas em lei, mas

certamente não desfazendo de sua garantia indenizatória.

2.3.3.2 Instrumentos do novo Código Civil

Inicialmente, não há como negar a presença da função social em vários institutos de Direito

Civil conforme já apontado.

Dentre eles podemos arrolar – somente de forma exemplificativa – o inciso III do art. 1.275157

do novo Código Civil a perda da propriedade pelo abandono de seu proprietário, o § 2º do art. 1.276158

que trata da arrecadação dos imóveis abandonados e o § 1º prevê a arrecadação dos imóveis rurais,

após três anos de desinteresse pelo proprietário. Podendo citar ainda, os artigos 187, 421, 2.035 e

muitos outros artigos implicitamente.

Ao tratar da função social da propriedade, devemos fazer uma análise sistemática do artigo

1.228, da Lei 10.406 de 10.01.2002, bem como, compreendê-lo corretamente dentro do atual contesto

apresentado.

Assim, a redação do art. 1.228159 do Código Civil vigente determina que “o proprietário tem a

faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a

possua ou detenha”.

Referida disposição, inovou muito pouco ao comparar este, com o artigo 524, do Código Civil

de 1916. Cuja disposição legal determinava que “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar

e dispor de seus bens, e de reavê-los de quem quer que injustamente os possua.”

157 Art. 1.275. – “Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: III - por abandono.”158 Art. 1.276. – “O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. § 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.§ 2o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.”159 Art. 1.228. – “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

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Modificação esta, que não compreendemos como mais assertiva. Tal justificativa tem como

fundamento que o emprego da palavra “faculdade” e traz consigo uma problemática.

Para o dicionário digital Priberam, a palavra faculdade significa160:

“ força física ou moral que torna a pessoa capaz de atuar e de produzir certos

efeitos; propriedade; qualidade; permissão; aptidão; facilidade; destreza; capacidade;

direito, potência moral ou psicológica; e autorização de fazer alguma coisa.”

Neste contexto, a palavra faculdade tem como característica, uma capacidade outorgada a um

sujeito. Este, que segundo seu bem entender, pode usar ou não esta prerrogativa. Todavia, esta não é a

interpretação não é a mais adequada para o atual momento jurídico-civilista.

Não obstante nosso entendimento, Professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama161 pontua:

“Neste sentido, o art. 1228, do Código Civil de 2002, ao tratar dos poderes do

proprietário, substituiu a noção de que “a lei assegura ao proprietário”, contida no art.

524, do Código Civil revogado, de conteúdo jusnaturalista, em que a norma se limita a

reconhecer o poder a ela preexistente, pela idéia de que “o proprietário tem a

faculdade”, mais técnica e condizente com a idéia de limitação de poderes do

proprietário.”

O direito de propriedade, encontra-se devidamente resguardado pelo principio da socialidade

em várias disposições. Este princípio, atinge seu ápice no § 1°, do artigo 1228.

Referido dispositivo legal, estabelece as diretrizes gerais da função social da propriedade em

atendimento aos dispositivos constitucionais previstos nos artigos 5º, XXIII e 170, III, da Constituição

Federal.

Dispõe a referida legis:

“Art. 1.228, § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância

com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais,

160 Priberan Informática, Língua portuguesa on-line, Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx>. Acesso em: 10/06/2008.161 Ibid., p. 57.

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o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a

poluição do ar e das águas”. (Nossos grifos)

Ao analisar o referido dispositivo, podemos entender facilmente que o direito de propriedade

contemporâneo destaca-se do idealismo “romano napoleônico” de propriedade, passando a atender

uma função social, levando em consideração a sua destinação.

Neste mesmo sentido acrescenta Cristiano Chaves de Farias162:

“... este dispositivo reproduz a mensagem da Constituição Federal na ordem

privada e enceta um rol exemplificativo de aferições de função social e, de forma

técnica, procura respaldar as leis especiais que cuidam de interesses difusos e

coletivos. Há um interesse elevado na especificação do conteúdo de tal norma, pois ao

contrario de seu antecessor hermenêutico, o Código Civil de 2002 pretende ter um

sistema relativamente aberto, compromissado com as transformações econômicas e

sociais do Pais.”

Em decorrência disto, podemos afirmar que diferentemente do Código Civil de 1916163, a

propriedade é exercida de forma limitada, com o intuito final, da observância das questões

relacionadas às atividades econômicas e sociais que recaírem sobre este imóvel.

Neste mesmo sentido, o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama164 pontua:

“... ainda, § 1o do referido artigo, do texto codificado, ao vincular o exercício

do direito de propriedade às suas finalidades econômicas e sociais, visa perseguir a

tutela constitucional da função social, dando um conteúdo jurídico ao aspecto

funcional das situações proprietárias”

Acrescenta o professor Flavio Tartuce165:

“Mais do que mera função social, o dispositivo prevê a função sócio-

ambiental do domínio, não podendo o exercício do direito de propriedade gerar danos

ao ambiente natural, cultural ou artístico.”

162 Direitos Reais, p. 207.163 Art. 524 – “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.”164 Ibid., p. 57.165 Ibid., p. 59.

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Referida colocação, segundo o nosso ver, é pertinentíssima, pois o Código Civil de 2002, vai

além do simples conceito – já vanguardista – da função social da propriedade, ou seja, o legislador

infraconstitucional na segunda parte do § 1o , inova na legislação civil e protege a flora, a fauna, as

belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a

poluição do ar e das águas.

Por fim, arremata Flavio Tartuce166:

“...concluímos que muito mais correto utilizar a expressão função

socioambiental do que função social da propriedade. O novo Código Civil vai mais

longe que a legislação anterior, ao consagrar a proteção que já constava no art. 255 da

CF/88. A primeira expressão, para nós, é mais correta dentro da atual realidade do

direito civil, concebido modernamente sobre sob o prisma do Texto Maior.”

A preocupação do legislador infraconstitucional no tocante da matéria ambiental vai de

encontro ao caput do art. 225167 da Magna Carta, que estabelece as regras aplicadas

Constitucionalmente para as questões relacionadas ao Meio Ambiente, bem como, busca garantir a

todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a qualidade de vida sadia e impor ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Outro aspecto interessante é a redação do, § 2º, do artigo 1228. Tal dispositivo, visa proibir os

atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, utilidade ou vantagem e sejam motivados

pela intenção de prejudicar outrem.

Insta salientar, que este dispositivo, vai de encontro ao abuso do direito previsto no Código

Civil de 2002, e sendo assim, sendo necessárias algumas ponderações quanto a esta temática.

Para o professor Rodrigo Mazzei168:

“Contudo, apesar do campo para comentários e críticas envolvendo as

figuras jurídicas ser muito grande, desafiando estudos próprios para tal mister, há no

Código Civil de 2002 um ponto comum que une a propriedade e o abuso do direito

em contradição inesperada”

166 Introdução Crítica ao Código Civil, p. 368 – 369.167 Art. 225. – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”168 Introdução Crítica ao Código Civil, p.346.

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Em decorrência disto, faremos um comparativo entre o artigo 1228, § 2° e o novo artigo 187

para vislumbra melhor a distinção.

Corroborando esta idéia, preliminarmente discorreremos o artigo referente ao abuso de direito,

e posteriormente a inovação no direito de propriedade.

“Art. 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,

excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela

boa- fé ou pelos bons costumes.”

“Art. 1.228 O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e

o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

(....)

§ 2º - São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer

comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.”

Na vigência do Código Civil de 1916, a previsão do abuso de direito era extremamente

restrita169 e dispunha in verbis:

“Art. 160. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito

reconhecido”

Em decorrência da referida disposição legal, foram formadas duas correntes teóricas que

tratam da referida temática no tocante da vontade do agente, ou seja, a teoria objetivista e subjetivista.

Tais teorias sobre o abuso do direito, foram emplastradas sob o preceito de uma interpretação

contra sensu. Pois não havia na vigência do Código Civil 1916 a definição clara do instituto abuso do

direito.170

169 Neste sentido, o Ministro César Peloso dispõe: “O Código Civil de 1916 continha tímido dispositivo a respeito do abuso de direito, consubstanciado no inc. I do art. 160, que se limitava a expor não constituem atos ilícitos “ os praticados em legitima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.” Código Civil comentado, p. 110.170 Conforme festejado desembargador Sylvio Capanema conforme palestra ministrada no curso de pós-graduação realizada em 19 de maio de 2008, na Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, função social dos contratos e boa fé.

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Desta forma para a teoria subjetivista, o abuso de um direito configura-se quando um sujeito

causar dano a outrem, exigindo-se ainda, para configuração deste o ânimo de prejudicar outrem. Para

os objetivistas, há abuso de direito sempre que o exercício volta-se à satisfação de interesses

ilegítimos, ou em desconformidade com sua destinação econômica ou social. 171

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, tais teorias, não são mais necessárias para

analisar o instituto do abuso de direito isoladamente. Tal justificativa tem como fundamento a clara

redação do artigo 187 do Código Civil.

Ao correlacionar o artigo 187 e o § 2º, do artigo 1.228 do Código Civil, temos uma clara

incompatibilidade quanto à intenção do sujeito.

Neste diapasão, professor Rodrigo Mazzei acrescenta172:

“... dois critérios absolutamente diferentes (objetivo no art. 187 e subjetivo no

art. 1.228, § 2º), a contradição criada no ponto de contato entre o abuso do direito e a

propriedade merece ser solucionada...”

Sobre a aplicabilidade do referido dispositivo o Ministro César Peloso dispõe que173:

“O preceito em exame inclina-se de modo claro pela corrente subjetiva,

exigindo, para configuração do abuso do direito, consistente em uma conduta que não

traga proveito, vantagem ou utilidade ao proprietário; o segundo requisito é subjetivo,

consistente no ânimo do proprietário de com tal conduta prejudicar outrem.

A regra em exame, contudo, deve ser examinada sistematicamente com a

figura do abuso do direito prevista na parte geral (...) que positivou o principio como

cláusula geral, de modo amplo e operativo.

171 Neste sentido, o Decágono Ministro César Peloso dispõe: “Parte da doutrina entendia que o preceito consagrava a figura citada, por uma interpretação contra sensu. Duas tradicionais correntes – a subjetiva e a objetiva – procuram justificar e dar os contornos da teoria do abuso de direito. (...) Para os subjetivistas, consiste a figura no uso de um direito com o fim de causar dano a outrem, exigindo-se o ânimo de prejudicar, ou, em tendência mais tênue, ao menos o exercício culposo do abuso do direito. (...) Para os objetivistas, há abuso de direito sempre que o exercício volta-se à satisfação de interesses ilegítimos, ou em desconformidade com sua destinação econômica ou social. Código Civil Comentado, doutrina e jurisprudência.” Código Civil comentado, p. 1048.172 Introdução Crítica ao Código Civil, p. 346.173 Código Civil comentado, p. 1048 – 1049.

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Não resta duvida de se aplica ao instituto da propriedade tanto a teoria

subjetiva como a objetiva do art. 187, muito mais operativa ao conceber o instituto

como violação ao espírito do direito ou seu fim social”

Corroborando esta idéia da aplicabilidade da teoria objetiva ao artigo 1.228, §2º, já

encontramos morada no enunciado 49 da Primeira Jornada promovida pelo Centro de Estudos

Judiciários do Conselho da Justiça Federal realizado sob a coordenação do Ministro Ruy Rosado que

dispõe:

“Art. 1.228, § 2º - Enunciado 49: A regra do art. 1.228, § 2º, do novo Código

Civil interpreta-se restritivamente, em harmonia com o princípio da função social da

propriedade e com o disposto no art. 187.”

Professor Rodrigo Mazzei vai alem e propõe:

“A melhor solução para a problema é a reforma legislativa, com a retirada do

disposto no § 2º, do art. 1.288 do Código Civil, pois se eliminará a norma conflituosa,

sendo o art. 187 do mesmo diploma suficiente para regular o abuso do direito, em

qualquer relação ou figura privada, abrangendo os atos decorrentes do exercício dos

poderes inerentes à propriedade”

Por fim, apesar de elementos extremamente distintos, os artigos em questão devem ser

examinadas sistematicamente com a figura do abuso do direito prevista como cláusula geral, cabendo

assim, a análise das circunstâncias em cada caso pelo magistrado verificando a efetividade da função

social e econômica da propriedade.

Buscando assim, a melhor idéia da ontognoselogia jurídica de Miguel Reale, que acaba

fundindo direito das coisas e direito pessoal em um mesmo plano. 174

Em continuidade do estudo do presente artigo, temos ainda § 3º, onde um determinado o

proprietário poderá perder sua propriedade em casos de desapropriação por necessidade, utilidade

pública ou interesse social, bem como, no caso de requisição, em caso de perigo público iminente.

Dispõe in verbis:

174 Flávio Tartuce, Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002, p. 67.

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“Artigo 1.228, § 3º - O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de

desapropriação, por necessidade utilidade pública ou interesse social, bem como, no

caso de requisição, em caso de perigo público iminente.”

Segundo nosso ver, não cabem maiores apontamentos sobre o referido instituto, a não ser que

este, é uma forma das formas da perda da propriedade previstas Constitucionalmente, bem como, que

são três leis especiais que regulamentam este instituto, a Lei 8.629/93 (Desapropriação para fins de

reforma agrária), a Lei 4.132/62 (Desapropriação para fins de interesse público) e o Decreto Lei

3.365/41 (Desapropriação para fins de utilidade pública).

Por fim, temos os pioneiros e desbravadores parágrafos §§ 4º e 5º do artigo 1.228. Tais

dispositivos prevêem uma nova forma de modalidade de expropriação privada, com regras e

ponderações especificas.

Todavia entendemos que estes, privilegiam a função social da posse e por isso, trataremos

destes no próximo item do presente capítulo.

Encerrando o estudo dos Instrumentos do novo Código Civil, temos o art. 2.035, e parágrafo

único175 que observa a eficácia temporal da aplicabilidade da função social dos Contratos e da

Propriedade.

Desta forma, o legislador infraconstitucional, novo Código Civil define de forma clara os

limites temporais de negócios nos seguintes termos:

I) Os negócios jurídicos firmados até de 11.01.2003, ou seja, da entrada em vigor do

Código Civil 2002 são regidos por leis do tempo de sua celebração;

II) Caso os efeitos dos negócios jurídicos firmados até de 11.01.2003 “adentrarem”

vigência do Código Civil de 2002, aos preceitos destes se subordinará;

III) Todavia caso o negócio previu exceção, podem os efeitos não ser atingidos pelo

Novo Código Civil.

2.3.3.3 Instrumentos Infraconstitucionais

175 Art. 2.035. - A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

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Prefacialmente, antes de esboçar alguns dos instrumentos mais importantes da função social

da propriedade, se faz necessário, ressaltar que estes, não são os objetos de estudo do presente

trabalho. Todavia, tais instrumentos, são de suma importância para o presente e assim, entendemos

como mais prudente, objetivando a excelência no presente trabalho, pontuar estes, mesmo que de

forma superficial.

Desta forma, os instrumentos infraconstitucionais da função social da propriedade são os

instrumentos basilares e norteadores para a devida aplicação do direito de propriedade.

Tais instrumentos, têm como natureza jurídica assegurar e restringir interesses e valores

específicos dos proprietários e terceiros intervenientes daquele.

Neste mesmo sentido pontua o professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama 176:

“...A legislação infraconstitucional como, por exemplo as Leis nºs 4.504/64

(Estatuto da Terra) e 10.257/2001 (Estatuto da Cidade)” trouxesse os meios hábeis à

concretização da função social da propriedade...”

Desta monta, temos o § 1°, do artigo 2°, da Lei n° 4.504 de 30 de novembro de 1964, dispõe

in verbis:

“Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra,

condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei. § 1° A propriedade

da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela

labutam, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho

entre os que a possuem e a cultivem.”

176 Ibid., p. 48.

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Ao analisar o referido dispositivo, – este, que é muito parecido com o artigo 186 da Magna

Carta – podemos entender que a propriedade da terra, somente desempenha integralmente sua função

social quando, cumulativamente favorecer o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela

labutam, assim como de suas famílias, quando mantém níveis satisfatórios de produtividade,

assegurando ainda, a conservação dos recursos naturais e por fim, observar as disposições legais que

regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

Ainda no âmbito das propriedades rurais, temos o Decreto Federal nº 95.715/88, este que

regulamenta as desapropriações para efeitos de reforma agrária.

Insta salientar, que referido dispositivo legal, relaciona o respeito da propriedade rural aos

princípios da ordem econômica e social, na exploração da propriedade rural, ou seja, o atendimento da

função social da propriedade rural.

Já no âmbito da propriedade urbana, temos o Estatuto da Cidade, objeto da Lei nº 10.257/01,

este, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais da

política urbana.

O regramento da função social da propriedade urbana, esta alocada no artigo 38 da Lei nº

10.257/01, in verbis:

“Artigo 39 A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,

assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida,

à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as

diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.”

Deste dispositivo legal, podemos afirmar com exatidão que a propriedade urbana somente

atende sua função social quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas

no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de

vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, bem como, respeitar as

diretrizes previstas no artigo 2º da Lei n. 10.257/01.

Conforme demonstraremos abaixo, tal dispositivo infraconstitucional, ao regulamentar os

artigos já citados da Magna Carta, exterioriza lidimamente o avanço na interferência do Poder Público

sobre a propriedade privada nos termos do artigo 2º da referida lei.

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Referido dispositivo é muito extenso e contém várias disposições passíveis de discussão, bem

como, para esgotá-lo corretamente, demandaria muitas e extensas laudas, desta forma, pontuaremos os

itens que entendemos mais relevantes ao presente estudo.

Oportuno se torna dizer que o artigo 2º, em seu caput, determina que a política urbana tem por

objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.

Por seu turno, o inciso I, visa garantir o direito a cidades sustentáveis, entendido como o

direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e

aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

Corroborando com a idéia de limitações ao direito de propriedade, o inciso VI, do artigo 2º177

dispõe sobre o controle do uso do solo objetivando evitar abusos decorrentes dos atos dos

proprietários.

Referidas disposições estabelecidas no Estatuto da Cidade, buscam a interferência da

Sociedade e do Estado na efetiva utilização do bem pelo proprietário, bem como, e por fim, aplicar

sanções nos casos de inobservância da utilização adequada do patrimônio imobiliário178.

Temos ainda, diversas normas infraconstitucionais que visão o atendimento da função social

da propriedade, dentre estas, nos deparamos costumeiramente com Lei nº 6.766/79, de cunho

urbanístico, impondo ao proprietário de grandes áreas determinadas diretrizes para o parcelamento do

solo urbano.

177 Art. 2º - “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental.”

178 Art. 7º - “Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.”§ 1º - “O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.”§ 2º - “Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.”§ 3º - “É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.”

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Outra lei de sua importância para a função sócio-ambiental da propriedade é a Lei nº 6.938/81

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e cria sistemas de proteção ao meio ambiente.

Ao analisar não somente os dispositivos infraconstitucionais ora apregoados, mas sim, a

observar todas as demais normas, que aqui não foram devidamente alocadas. Entendemos que estas

devem ser entendidas de forma a complementar aos dispositivos previstos na Constituição Federal e

Código Civil vigente, objetivando sempre aplicar a efetiva função social do direito de propriedade.

3. BREVE ARRAZOADO SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE

Adentrado direito ao tema, como notório se faz, não há no sistema jurídico brasileiro uma

disposição legal expressa da função social da posse. Todavia entendemos que esta decorre do próprio

direito de propriedade, assegurando assim sua aplicabilidade.

Nestes termos, o Cristiano Chaves de Farias179 aponta:

“... a ausência de regramento no direito privado em nada perturba filtragem

constitucional sobre o importante modelo jurídico, pois o acesso à posse é um

instrumento de redução de desigualdades sociais e a justiça distributiva.”

Referente à função social da posse, que entendemos, assim como o professor Flávio Tartuce180,

que esta é mera exteriorização do direito de propriedade e assim emplacando automaticamente ao

principio da socialidade.

O professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama, pontua como de praxe181:

“Tradicionalmente só pode haver posse onde haja propriedade; se não houver

propriedade, não poderá haver posse. A posse é a aparência de propriedade; o

possuidor pratica atos inerentes ao de um proprietário, ainda que não o seja. (...) A

função social da propriedade e a função social da posse, na verdade são os dois lados

da de uma mesma moeda. A posse, como conteúdo do direito, é indispensável à

propriedade para que esta cumpra sua função social e receba s proteção social. ”

179 Direitos Reais, p.42.180 Introdução Crítica ao Código Civil, p. 366.181 Função social no Direito Civil. p. 64 – 65.

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Não obstante deve-se constar, que apesar da posse e da propriedade serem correlatas entre si,

elas devem ser tratadas e colocadas de forma distintas.

Assim, devemos estudar ambos os institutos de forma autônoma. Tal justificativa tem como

fundamento que podemos pontuar a função social da posse sem tratar da propriedade.

Neste sentido, como leciona professor Flavio Tartuce é possível que um determinado sujeito

possa ter a posse de um determinado bem – sendo assim somente mero detentor – e tirar algum

proveito deste182.

Ademais, temos artigos 1.238, parágrafo único183, e 1.242, parágrafo único184, do Código Civil

de 2.002 que enfatizam a função social da posse pela diminuição dos prazos da usucapião, bem como,

a previsão dos parágrafos 4º e 5º do artigo 1.228 que inova trazendo a Desapropriação Judicial por

Posse-Trabalho185.

Neste diapasão, professor Flávio Tartuce pontua:

“Mesmo a posse recebe uma função social, já que o Código prevê a

diminuição dos prazos de usucapião quando estiver configurada a “posse-trabalho”,

situação fática em que o possuidor despendeu tempo e labor na ocupação de

determinado imóvel. A nova codificação valoriza aquele que “planta e colhe”, o

trabalho da pessoa natural, do cidadão comum. Tais regras podem ser captadas pela

leitura dos arts. 1.238, parágrafo único, e 1.242, parágrafo único, do Código Civil de

2.002.”

182 “Na verdade , mesmo sendo exteriorização da propriedade, o que também comprova sua função social a posse com ela não se confunde. É cediço que determinada pessoa pode ter a posse sem ser proprietária do bem, já que ser proprietário é ter o domínio da coisa. A posse significa apenas ter a disposição do da coisa, utilizando-se dela e tirando-lhe os frutos com fins socioeconômicos” Introdução Crítica ao Código Civil, p. 366.:183 Art. 1.238. – “Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”184 Art. 1.242. – “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”185 Expressão defendida por Miguel Reale, Maria Helena Diniz e Flavio Tartuce, e por nós compartilhada.

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Insta salientar, que o instituto do Usucapião não é objeto do presente trabalho monográfico,

por este motivo não adentraremos ao estudo deste. Não obstante, se faz obrigatória a leitura do novel

instituto da Desapropriação Judicial por Posse-Trabalho.

Assim, o tratar dos parágrafos §§ 4º e 5º do artigo 1.228, devemos nos debruçar sobre este

tema, de forma um pouco mais profunda, porém sem esgotar devidamente este, pois a gama de novas

posições e questionamentos ainda sem respostas são muitas.

Tal justificativa tem como fundamento, dois pontos básicos – diríamos até correlatos – o

primeiro deriva de sua notória inovação, bem como, em um segundo momento sua aplicabilidade

fática restaria por prejudicada.

Dispõe a referida legis in verbis:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o

direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

(...)

§ 4 O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado

consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de

considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou

separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e

econômico relevante.

§ 5 No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida

ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel

em nome dos possuidores.

O novel dispositivo, traz consigo uma gama relevante de requisitos para sua realização, desta

forma, o proprietário poderá perder sua propriedade quando:

I) Caso o imóvel reivindicado consistir em extensa área;

II) Os possuidores adquirentes devem ter a posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco

anos;

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III) Há a necessidade de considerável número de pessoas;

IV) Tais pessoas, obrigatoriamente devem realizar, em conjunto ou separadamente, obras e

serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante; e

V) O juiz no caso de procedência da ação em favor dos possuidores fixará uma justa

indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o

registro do imóvel em nome dos possuidores

Não podemos negar que idéia de posse trabalho, apresentada neste instituto, apregoa de forma

mais clara do que o raio solar, a aplicação da função social da posse, porém temos vários problemas

quando a interpretação e aplicação deste instituto.

Boa parte destes problemas, foram objetos de debates junto a todas as Jornadas de Direito

Civil promovidas pelo Conselho da Justiça Federal e foram editados alguns Enunciados.186

De todos estes Enunciados – que são de grande valor para os Civilistas – podemos erradicar

vários problemas apontados anteriormente pela Doutrina, sendo a aplicação dos Enunciados, segundo

o nosso ver, de suma importância.

Outro aspecto objeto de muita critica, seria a imprecisão do legislador segundo alguns

requisitos como: O que é em extensa área?; Qual é o termo inicial para contagem dos cinco anos?;

186 I) Primeira Jornada de Direito Civil: 82 – Art. 1.228: É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil. II) Terceira Jornada de Direito Civil: 240 – Art. 1.228: A justa indenização a que alude o parágrafo 5º do art. 1.228 não tem como critério valorativo, necessariamente, a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo indevidos os juros compensatórios; 241 – Art. 1.228: O registro da sentença em ação reivindicatória, que opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com fundamento no interesse social (art. 1.228, § 5o), é condicionada ao pagamento da respectiva indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz; III) Quarta Jornada de Direito Civil: 304 – Art.1.228. São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos; 306 – Art.1.228. A situação descrita no § 4 º e 5º do art. 1.228 do Código Civil enseja a improcedência do pedido reivindicatório. 307 – Art.1.228. Na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4º), poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o licenciamento ambiental e urbanístico; 308 – Art.1.228. A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5°) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil; 309 – Art.1.228. O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228; 310 - Art.1.228. Interpreta-se extensivamente a expressão “imóvel reivindicado” (art. 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório; 311 - Art.1.228. Caso não seja pago o preço fixado para a desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade em favor dos possuidores; 312 – Art.1.239. Observado o teto constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada.

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Qual é a quantidade exata para identificar número de pessoas?; Qual o valor exato para justa

indenização devida ao proprietário?; dentre outras questões.

Pontua sobre estas questões Flávio Tartuce187:

“Observa-se que o instituto está relacionado a vários conceitos legais

indeterminados, já que o dispositivo não menciona qual seria esta extensa área, qual o

número de pessoas e, principalmente, quais seriam as obras tidas como de relevante

caráter social. A fixação da justa indenização também dependerá do poder

discricionário do juiz da causa.”

Neste caso, entendemos que mais uma vez nos deparamos com um dos princípios norteadores

do novo Código Civil, ou seja, estamos diante de uma cláusula geral, e ainda, entendemos, que todas

estas questões devem ser superadas pela interpretação do Magistrado.

Este que, – claramente na atualidade – deixou de ser um mero aplicador da lei e passa a ter a

responsabilidade de interpretar e aplicar esta devidamente, nos termos dos princípios gerais conforme

seu entendimento.

Quando da aplicabilidade do referido instituto, pontua Cristiano Chaves de Farias ao Citar

Teori Albino Zavascki188:

“Concordamos com a teoria de Teori Albino Zavascki quando admite que o

instituto desafiará a angustia da doutrina e dos juízes, pois “fundado em diversos

conceitos abertos, haverá de ser sua finalidade social bem compreendida para que

possa ser adaptado às variedades circunstancias de cada caso concreto””

Acrescenta Flavio Tartuce189:

Acreditamos que esta desapropriação judicial está fadada ao insucesso, pois

não visualizamos hipótese em que os ocupantes pagarão indenização ao proprietário.

Mesmo assim, não vemos qualquer inconstitucionalidade na inovação, sendo certo que

tal artigo está fundamentado, principalmente, na solidariedade social.

187 A Função Social da Posse e da Propriedade e o Direito Civil Constitucional, p. 7.188 Ibid., p. 44. 189 A Função Social da Posse e da Propriedade e o Direito Civil Constitucional, p. 7.

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Entendemos como preocupantes os aspectos levantados pelos mais respeitados e vanguardistas

professores da atualidade, ou seja, para não haver distorções da aplicabilidade deste instituto, devemos

maturar a idéia de finalidade social da propriedade, bem como, verificar – de forma a otimizá-los e

corrigi-los quando necessário – os demais impasses para atender a solidariedade social.

Por fim, não obstante o sistema jurídico brasileiro não ter uma disposição legal

expressa da função social da posse, entendemos que sua aplicabilidade está devidamente assegurada,

bem como, apesar desta ser uma mera exteriorização do direito de propriedade, deve ser tratada e

colocada de forma distinta, pois esta é um efetivo instrumento da socialidade, prevista do Código

Civil, e da solidariedade, prevista na Carta Magna.

4. CONCEITO DE PROPRIEDADE

Ao enfrentar o estudo da árdua conceituação do instituto de direito de propriedade, devemos

buscar como base fundamental, os preconizadores do Direito, tal como cita Gustavo Tepedino190 em

uma passagem belíssima em sua obra.

“A redescoberta do direito civil, que se intensificou desde então de maneira

impressionante, deve muito a estes queridíssimos decanos. Construíram os alicerces

da dogmática do direito civil brasileiro atual, instigaram com suas obras o interesse de

todas as gerações de estudiosos que se dedicaram ao ensino jurídico. O Professor Caio

Mário, que pontificou por tantos anos entre Minas Gerais e Rio de Janeiro,

sistematizou de maneira formidável o direito civil, ao mesmo tempo que suscitava em

seus leitores, mesmo nos mais jovens acadêmicos, o ímpeto invencível pelo estudo

aprofundado dos temas por ele tratados. O Professor Silvio Rodrigues, com sua

didática insuperável, formou dezenas de turmas na Universidade de São Paulo,

espairando por todo o Brasil a afeição pelo direito civil. Aqueles seus livros de capa

azul são ainda conduzidos com devoção por milhares de admiradores”.

Tais palavras quando lidas por nós, ecoam como tambores, pois tais juristas, como Miguel

Reale, Clovis de Bevilaqua, Ruy Barbosa, e muitos outros que não estão entre nós, sempre serão fontes

primárias para qualquer estudo ligados ao campo do Direito Civil.

Em decorrência disto, não vislumbramos outra forma mais assertiva de enfrentar a presente

temática, sem fazer extensas citações, passando ainda, pela doutrina mais clássica e posteriormente,

nos dirigindo a um novo direito civil contemporâneo.

190 Temas de Direito Civil – TOMO II , p.386.

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Assim, para Clovis de Bevilaqua191:

“O conceito da propriedade coletiva, familial, ou privada, não pode ser

idêntico; mas, em todos esses regimes, que representam a evolução do fenômeno

econômico-jurídico da propriedade, há uma idéia essencial comum, no obstante as

profundas diferenças que os caracterizam. Economicamente, é a utilização das forças

naturais, e depois também das psíquicas, para a satisfação das necessidades humanas,

reduzidas, nos primeiros tempos, e variando infinitamente, com o envolver da cultura.

E, juridicamente, é a segurança, que o grupo social oferece a essa utilização. A

utilização assim assegurada é o poder atribuído a um sujeito e cuja extensão e

intensidade variam. As coisas utilizadas são bens.”

Já para o professor Silvio Rodrigues192:

“”...a propriedade representa a espinha dorsal do direito privado, pois o

conflito de interesses entre o homens, que o ordenamento jurídico procura disciplinar,

manifesta-se, na quase generalidade dos casos, nas disputas sobre bens.

Trata-se, como é óbvio, de um direito real, ou seja, de um direito que recai

diretamente sobre a coisa e que independe, para o seu exercício, de prestação de quem

quer que seja. Ao titular de tal direito é conferida a prerrogativa de usar, gozar, dispor

da coisa, bem como de reivindicá-la de quem quer injustamente a detenha.

(...)

Neste conceito, o domínio se distingue dos demais direitos reais porque incide

sobre a coisa própria, enquanto estes últimos têm por objetivo a coisa alheia. Para

melhor caracterizá-lo, recorro a celebre definição de LAFAYETTE, segundo qual o

domínio é o “direito real que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de nossa

vontade a coisa corpórea, na sua substância, acidentes e acessórios.”

Quase no mesmo diapasão a professora Maria Helena Diniz pontua que:

191 Direito das Coisas, p. 155.192 Direito Civil, p. 76 – 77.

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“...a propriedade é a relação fundamental do direito das coisas, abrangendo

todas as categorias dos direitos reais, girando em seu torno todos os direitos reais

sobre coisas alheias, sejam direitos reais limitados de gozo ou fruição, sejam os de

garantia ou de aquisição.” 193

(...)

“...a propriedade é a plenitude do direito sobre a coisa; as diversas faculdades,

que nela se distinguem, são apenas manifestações daquela plenitude.”194

(...)

“Na tarefa de conceituar a propriedade, podemos observar VITTUCI, onde é

impossível enumerar a infinita gama dos poderes do proprietário, já que alguns deles

podem faltar sem que por isso se desnature o direito de propriedade.”195

(...)

“Poder-se-á definir, analiticamente, a propriedade, como sendo o direito que a

pessoa física ou jurídica tem, dentro dos direitos normativos, de usar gozar e dispor de

um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o

detenha.”196

Já acrescendo alguns detalhes Washington de Barros Monteiro discorre sobre o conceito de

direito de propriedade que:

“Iniciaremos do ponto de vista jurídico, cumpre desde logo salientar as duas

acepções do direito de propriedade. Num sentido amplo, este recai tanto sobre coisas

corpóreas como incorpóreas. Quando recai exclusivamente sobre coisas corpóreas tem

a denominação peculiar de domínio. A noção de propriedade mostra-se, destarte, mais

ampla e mais compreensiva do que a de domínio.”197

(...)

193 Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas, p. 104.194 Ibid., p. 105.195 Ibid., p. 106.196 Ibid., p. 106.197 Curso de Direito Civil: Direito das Coisas, p. 83.

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“A propriedade é a parte nuclear ou central dos demais direitos reais, que

pressupõem, necessariamente, o direito de propriedade, do qual são modificações ou

limitações, ao passo que o direito de propriedade pode existir independentemente de

outro direito real em particular.”198

A propósito, BONFANTE estabelece sugestivo paralelo entre a propriedade e

os direitos reais que dela se desmembram, na esfera do direito privado, e a soberania e

os direitos que dela resultam, na esfera do direito público. A soberania é o conjunto

dos poderes do Estado enfeixados; o domínio, o conjunto dos direito reais unidos e

conglomerados. (PAG 84)

Já sob a efetiva égide do Código Civil de 2002, segundo definição de Luiz Guilherme

Loureiro:

“o direito de propriedade é o mais amplo dos direitos reais constituído no

direito de usar, gozar e dispor do bem, como de reavê-lo do poder de quem quer

injustamente o possua ou o detenha (art. 1.228 do CC). Trata-se de um direito

complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à

vontade monopolística de uma pessoa, apenas limitada pela lei, pelas suas funções

sociais ou por atos de vontade.”199

(...)

Ainda sim, que os juristas tendam a esquecer, a propriedade não é apenas um

conceito jurídico ou uma noção legislativa, doutrinária e jurisprudencial. Desde o

primeiro momento em que os bens foram objeto de apropriação humana, as atitudes e

vontades qualificadas como instintivas foram adotadas e elas não desapareceriam

mediante a ordem do legislador.200

Todavia para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, vanguardistas com sua novel

obra pontuam assertivamente que:

“A propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza pelo domínio,

possibilitando ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciados nas

198 Ibid., p. 84. 199 Direitos reais à luz do Código Civil e do direito registral, p. 110. 200 Ibid., p. 109.

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faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto

(art.1228 do CC). A referida norma conserva os poderes do proprietário nos moldes

tradicionais.”201

(...)

“Na Constituição Federal o termo de propriedade é conceituado de forma bem

mais ampla do que no Código Civil, servindo a qualquer espécie de titularidade

aferível patrimonialmente. Em verdade a Lei Maior tutela diversas propriedades. A

garantia do direito de propriedade não se limita por conseqüência ao direito real, mas

também incide em direitos e obrigacionais, de conteúdo patrimonial.”202

(...)

“Enfim, perceberemos quando do estudo da função social, que a disciplina do

diversos moldes de propriedade é examinada e concretizada a luz da promoção do

princípio da solidariedade, sobre o qual se alcança a dignidade da pessoa humana no

plano dos direitos reais.”203

De todos estes apontamentos, podemos afirmar com clareza que nenhum deles encontram-se

equivocados, mesmo porque seria uma audácia de nossa parte, afirmar isto.

Porém, se faz necessário entender -- como colocado por Clovis de Bevilaqua em 1951 -- que a

evolução do fenômeno econômico-jurídico da propriedade sempre deve ser observada.

Sendo assim, os conceitos mais fechados, norteados pelo individualismo napoleônico devem

ser interpretado de forma mais mitigada em função do atual momento social.

Não tentaremos aqui fechar e definir um conceito de propriedade, pois neste exato momento, a

doutrina vem “desenhando este quadro”. Todavia podemos afirmar com exatidão e sem medo de errar

que a o conceito de propriedade é um instituto jurídico complexo e de direito real, que sofre

influências diretas da evolução histórica, econômica, política.

201 Direitos Reais, p. 176.202 Direitos Reais, p. 179.203 Ibid., p. 180.

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Esta ainda, é sempre utilizada para as forças e recursos naturais do ser humano. Assim, toda

pessoa física ou jurídica, tem o direito de usar gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem

como, de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.

Não obstante estes direitos, deve sempre ser observado o princípio regente da dignidade da

pessoa humana, transparecida em vários institutos como o princípio da solidariedade social, da

socialidade do Código Civil e da função social da propriedade.

5. CONCLUSÃO

Conforme demonstrado no presente trabalho, não podemos deixar de afirmar que tratamos de

um dos temas mais palpitantes do Direito, bem como, outra importante ponderação a ser feita, sobre o

estudo em tela, é de que o direito de propriedade, assim como em outros ramos do direto, está

interligado intrinsecamente a outras cadeiras acadêmicas.

Observamos que o direito de propriedade é mutável, pois sofre adequações e modificações

com o decorrer das relações humanas, das práticas jurídicas e do lapso temporal.

Tal mutabilidade, na forma que foi desenvolvida, iniciou dês do Intervencionismo total do

Estatal sob a propriedade, passando pelo direito tido como absoluto, individualista e inviolável, e por

fim, chegando no presente momento.

Presente momento, que devemos mitigar a base fundamental da regulação entre os

particulares, e o intérprete passa a ter como estrutura basilar, não somente o Direito Civil, mas também

aos princípios constitucionais, para a perfeita harmonia da aplicação do sistema jurídico privado.

Com a aplicação da Carta Magna, pode-se notar a abrangência de novos temas fundamentais

no Direito Civil, como a dignidade da pessoa humana, a justiça social, a solidariedade, a erradicação

da pobreza, o direito à moradia, a proteção ao consumidor e a proteção ao meio ambiente é mais

latente.

Outra grande ferramenta para os instrumentalizadores do Direito, são as diretrizes basilares

integralizadas na lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, ou seja, a Eticidade (boa-fé objetiva); a

Efetividade ou operabilidade (busca dar efeito prático ao direito como instrumento de justiça); e

Socialidade (função social do direito).

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Ao analisar, estas duas ferramentas necessárias para a perfeita aplicação do Direito Civil, o

direito de propriedade contemporâneo, destaca-se do idealismo “romano napoleônico” de propriedade,

e passa a atender uma função social, levando em consideração a sua destinação, coordenada pela

política urbana, rural e ambiental.

Para chegar ao ápice deste conceito, se faz imprescindível rever a forma de entender e aplicar

o Direito, não mais vislumbrando a Constituição como uma longe da realidade, ou seja, devemos

aplicar os princípios basilares contidos na Carta Magna, uma vez que através do conteúdo

principiológico que se encerra na Constituição, é que atenderemos a justiça social.

De toda esta dilação, podemos afirmar legitimamente que não estamos criando uma nova

codificação, ou ainda, dilatando de forma negligente os liames obrigacionais privados.

Estamos sim, buscando uma aplicabilidade hermenêutica cujo paradigma é o patamar

constitucional, este, que visa garantias individuais e coletivas necessárias para a manutenção do atual

status quo que se encontra a sociedade moderna.

Com a referida anotação, podemos extrair a idéia de que os conceitos de relacionamento entre

o Direito Público e Privado antigos, estão ultrapassados uma vez que ambos, na sociedade

contemporânea, não mais se compreendem em categorias distintas, mas mutatis mutandis, deve ser

visto como uma forma única.

Ainda, no presente trabalho, não definimos o conceito de propriedade, pois neste exato

momento, a doutrina vem “desenhando este quadro”. Todavia podemos afirmar com exatidão que o

conceito de propriedade é um instituto jurídico complexo e de direito real, bem como, contempla em

si, vários elementos que obrigatoriamente recaem sobre este.

Corroborando determinado preceito, pode-se afirmar que o princípio da função social da

propriedade vai muito além da vontade dos proprietários e possuidores, segundo o qual, entendemos

que "sobre toda a propriedade privada recai umcomodato social", onde referido bem, apesar da

vinculação deste com o proprietário, tem uma função a cumprir junto a sociedade, que caso não se

realize haverá a aplicação das restrições legais vigentes.

O direito de propriedade é, e sempre será para a as pessoas algo de alta relevância para os

vínculos sociais.

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Em decorrência disto, cabe aos instrumentalizadores do Direito, revisar conceitos ideológicos,

relendo a Legislação Civil à luz da Constituição e dos princípios norteadores, de modo a integrar todos

estes conceitos, que passam a servir de limite externo à iniciativa particular privada.

Limites legais estes, indeterminados e de cláusulas gerais, enunciando regras em termos

amplos para possibilitar melhor adequação da norma jurídica aos casos concretos, que por vezes

transcendem àquelas estipuladas pelo positivismo puro.

Por fim, não vislumbramos outra forma de terminar o presente estudo, sem citar um dos

maiores doutrinadores de nossos tempos, que com sua maestria que lhe era costumeira denota a

importância deste principio da função social – não só da propriedade, mas sim dos institutos privados

– salientando que, “se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da socialidade.”

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