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1 A FORMAÇÃO TRANSVERSAL JURÍDICA DO LICENCIADO EM HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DOS CONTEÚDOS DO DIREITO NAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE HISTÓRIA MARTINO, Vânia de Fátima 1 MONTEIRO, Santiago Castigio 2 Eixo Temático: 01 – Políticas Públicas de Formação de Professores. RESUMO O presente artigo investiga se o Conselho Nacional de Educação, ao elaborar as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de licenciatura em História, preocupou-se em estabelecer um diálogo entre os conteúdos do Direito, a transversalidade prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais e a formação do futuro licenciado em História. Trata-se de uma pesquisa descritiva qualitativa, em que se procedeu com a análise documental dos principais registros normativos atualmente vigentes que cuidam da matéria. Caminhamos no sentido de demonstrar que a apropriação dos conteúdos do Direito é imprescindível para o licenciado em História, uma vez que esses saberes são essenciais para a compreensão dos diferentes temas e contextos e para implementação efetiva das políticas públicas do Governo Federal para a Educação Básica. Palavras-Chave: formação professores de história, currículo transversal, ensino de direitos. 1 INTRODUÇÃO Recentemente foi aprovado no município de São Paulo a Lei nº 16.493/16, que dispõe sobre a inclusão do tema de Direitos Humanos na grade curricular das escolas da rede municipal de ensino. Tal fato nos chamou bastante atenção. Primeiramente porque, de acordo 1 UNESP/Franca. Profa. Doutora das disciplinas de História da Educação e Didática na FCHS-UNESP de Franca e atualmente vice-coordenadora e orientadora de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas (Mestrado Profissional) da FCHS – UNESP de Franca e Professora assistente doutor junto ao curso de História. E-mail: [email protected] . 2 UNESP/Franca. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. E-mail: [email protected] .

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A FORMAÇÃO TRANSVERSAL JURÍDICA DO LICENCIADO EM HISTÓRIA:

UMA ANÁLISE DOS CONTEÚDOS DO DIREITO NAS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE HISTÓRIA

MARTINO, Vânia de Fátima1

MONTEIRO, Santiago Castigio2

Eixo Temático: 01 – Políticas Públicas de Formação de Professores.

RESUMO

O presente artigo investiga se o Conselho Nacional de Educação, ao elaborar as Diretrizes

Curriculares Nacionais para os cursos de licenciatura em História, preocupou-se em

estabelecer um diálogo entre os conteúdos do Direito, a transversalidade prevista nos

Parâmetros Curriculares Nacionais e a formação do futuro licenciado em História. Trata-se de

uma pesquisa descritiva qualitativa, em que se procedeu com a análise documental dos

principais registros normativos atualmente vigentes que cuidam da matéria. Caminhamos no

sentido de demonstrar que a apropriação dos conteúdos do Direito é imprescindível para o

licenciado em História, uma vez que esses saberes são essenciais para a compreensão dos

diferentes temas e contextos e para implementação efetiva das políticas públicas do Governo

Federal para a Educação Básica.

Palavras-Chave: formação professores de história, currículo transversal, ensino de direitos.

1 INTRODUÇÃO

Recentemente foi aprovado no município de São Paulo a Lei nº 16.493/16, que dispõe

sobre a inclusão do tema de Direitos Humanos na grade curricular das escolas da rede

municipal de ensino. Tal fato nos chamou bastante atenção. Primeiramente porque, de acordo

1 UNESP/Franca. Profa. Doutora das disciplinas de História da Educação e Didática na FCHS-UNESP

de Franca e atualmente vice-coordenadora e orientadora de Mestrado do Programa de Pós-graduação em

Planejamento e Análise de Políticas Públicas (Mestrado Profissional) da FCHS – UNESP de Franca e Professora

assistente doutor junto ao curso de História. E-mail: [email protected]. 2 UNESP/Franca. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas

Públicas. E-mail: [email protected].

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com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os Direitos Humanos já estão previstos

como conteúdos a serem trabalhados na escola básica. Num segundo momento, porque a nova

lei municipal coloca sob os cuidados exclusivos das disciplinas de história e geografia o

tratamento da matéria, o que acaba por contrariar as orientações dos PCNs e Diretrizes

Curriculares sobre os temas transversais.

Longe de entrarmos no mérito de tal iniciativa ser boa ou ruim, essa problemática, que

advém da proposta da Prefeitura de São Paulo, acaba por demonstrar certa incoerência dos

gestores públicos com a legislação educacional vigente em nosso país. Acreditamos ser

necessário fomentar a aproximação dos profissionais da educação com as questões do Direito

Educacional. Bem como, achamos importante pensarmos as problemáticas dos temas

transversais no currículo da escola básica. Quanto a isso, destacamos o papel das licenciaturas

em tratar dessa matéria, particularmente dos conteúdos de Direito, que, como veremos, são

tidos pelo Ministério da Educação como essenciais para o exercício da cidadania.

Para deixar o trabalho mais prático, delimitamos nosso objeto ao papel exercido pelo

licenciado em História dentro desse contexto. Optamos por realizar uma pesquisa descritiva

qualitativa, em que se procedeu com a análise documental dos principais registros normativos

atuais que cuidam da matéria. Inicialmente, trata-se de um estudo dogmático, em que não se

pretendeu fazer um juízo de valor do mérito político dos documentos analisados3.Analisou-se

como nosso ordenamento educacional prevê os conteúdos transversais, como e por quem

devem ser trabalhados. Mas, também, terminamos por nos posicionarmos, afinal nossa análise

da legislação pode ser de cunho dogmático, mas nossa postura é imbuída pela defesa do

ensino de qualidade e a promoção do conhecimento crítico, principalmente a democratização

do acesso aos conteúdos do Direito.

2 DESENVOLVIMENTO

A transversalidade é expressamente prevista na legislação educacional brasileira

(Constituição Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996) e

nos documentos orientadores emitidos pelo Ministério da Educação (Parâmetros Curriculares

Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica).

Nossa carta magna, por conta de sua hierarquia normativa maior, fixa os parâmetros

que acabarão por atribuir ao Ministério da Educação a função de estabelecer os parâmetros

3 Quanto a isso, confronte o livro “PCNs e Temas Transversais: uma análise das políticas educacionais brasileiras” de Mara Regina Martins Jacomeli, publicado no Brasil pela Editora Alínea.

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que devem reger a educação básica brasileira, bem como os critérios para se organizar os

cursos de formação dos profissionais que atuarão dentro do ambiente escolar. Versa o Art.

206, caput e inciso VII, de nossa Constituição: “O ensino será ministrado com base nos

seguintes princípios: […] VII – garantia de padrão de qualidade.” (BRASIL, 1988, on-line).

Esse almejado “padrão de qualidade” é melhor delimitado na legislação especial educacional,

particularmente na LDB/96, vejamos:

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (BRASIL, 1996, on-line, grifo nosso)

Diante do supracitado artigo da LDB, evidenciamos uma preocupação do legislador

educacional em estabelecer um currículo que respeite padrões mínimos de conteúdos, que

deverão ser observados em âmbito nacional, respeitadas as particularidades regionais de cada

localidade. Na atualidade os conteúdos que minimamente deverão ser trabalhados na escola

básica foram propostos pelo Ministério da Educação por meio dos Parâmetros Curriculares

Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Interessante

perceber que tais documentos, independentemente de uma análise valorativa dos conteúdos

escolhidos como prioritários, acabam por ser, nos dias de hoje, os documentos normativos que

devem ser observados pelos educadores ao formularem as práticas e os projetos pedagógicos

locais. Os PCNs e as Diretrizes Curriculares, apesar de não se tratarem de leis propriamente

ditas, possuem certo vínculo de obrigatoriedade em suas proposições.

Norberto Bobbio (2008) propõe três critérios para qualificar as proposições

prescritivas: (a) quanto à relação entre os sujeitos ativo e passivo da prescrição (imperativos

autônomos e heterônomos); (b) quanto à forma (imperativos categóricos e hipotéticos); (c)

quanto à força obrigacional (comandos e conselhos). Na problemática em questão, parece-nos

que é nessa última categoria, quanto à força obrigacional, que poderemos entender melhor

qual a relação que tais documentos emitidos pelo MEC acabam gerando, na prática, aos

modelos educacionais. Segundo Bobbio, a força obrigacional das prescrições podem ser de

três tipos: comandos, conselhos e pedidos. O que estamos tentando evidenciar é que tanto os

PCNs quanto as Diretrizes são documentos que muitas vezes são tidos como meros conselhos,

sem que haja qualquer relação de obrigatoriedade em adotá-los. Ora, conforme observa

Bobbio (2008, p. 76, grifo do autor), “[...] os imperativos (ou comandos) são aquelas

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prescrições que possuem maior força vinculante [...] o comportamento previsto pelo

imperativo é obrigatório [...] Imperativo e obrigação são dois termos correlatos: onde há um,

há o outro.” Por outro lado, o conselho não possui esse caráter de obrigatoriedade, já que o

sujeito a que se destina possui autonomia para agir de maneira contrária. Ainda, destaca que,

no ordenamento, nem toda prescrição é um comando, chamando a atenção para a distinção

entre os papéis dos órgãos deliberativos e dos órgãos consultivos, “[...] cuja tarefa

precisamente não é dar ordens, mas conselhos.” (BOBBIO, 2008, p. 80). A diferença entre o

comando e os conselhos institucionalizados se dá na esfera da eficácia, pois aquele a quem se

destina o conselho, mesmo que oficial, não possui vínculo obrigacional em obedecê-lo. Nesse

aspecto, o ponto de vista adotado pelo órgão consultivo assume o status de recomendação,

terminologia esta adotada no ordenamento jurídico internacional. A possível obrigatoriedade

de um parecer, por exemplo, não significa que aquele que vai agir deve seguir de forma

indisponível o conteúdo informativo no documento, mas sim que deve fazer referência ao que

consta nele, conforme elucida Bobbio (2008, p. 81):

[...] o parecer não tem função diretiva, mas apenas informativa. [...] Tendo em vista que o conselho é uma prescrição com menor força vinculante do que o comando, resulta que os órgãos consultivos são órgãos que, num ordenamento jurídico, são titulares de uma autoridade menor ou secundária em relação aos órgãos com função imperativa.

Assim sendo, cabe-nos assinalar que os PCNs (1997a, p. 2; 1998, p. 2) foram

formulados pela Secretaria de Educação Fundamental, Departamento de Política da Educação

Fundamental e Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas da Educação Fundamental, já as

Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica (2013, p. 3) foi proposta com o esforço

conjunto da Secretaria de Educação Básica, Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica,

Conselho Nacional da Educação e Câmara Nacional de Educação Básica. Importante perceber

que todos esses órgãos estão vinculados ao Ministério da Educação (MEC), que, por sua vez,

tem sua organização administrativa e competências regulamentadas pela Lei n. 9.131/95, que

veio alterar a LDB de 1961 e permanece em vigor por conta do art. 92 da atual LDB de 1996,

vejamos:

Art. 6º O Ministério da Educação e do Desporto exerce as atribuições do poder público federal em matéria de educação, cabendo-lhe formular e avaliar a política

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nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o regem. § 1º No desempenho de suas funções, o Ministério da Educação e do Desporto contará com a colaboração do Conselho Nacional de Educação e das Câmaras que o compõem. Art. 7º O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional. Art. 9º As Câmaras emitirão pareceres e decidirão, privativa e autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o caso, recurso ao Conselho Pleno. (BRASIL, 1995, on-line, grifo nosso)

Dos dispositivos supramencionados, chama-nos atenção, particularmente, o Conselho

Nacional de Educação (CNE), que, apesar de seu nome, é estritamente um órgão deliberativo.

Numa análise lógica, poder-se-ia interpretar que a atuação normativa desses órgãos permitiria

também uma ação consultiva, afinal, “in eo quod plus est semper inest et minus” (quem pode

o mais, pode o menos), porém devemos observar que se trata de órgão público e, portanto,

suas ações devem ser previstas pelo legislador (princípio da legalidade – art. 37 da CF/88).

Agora, mesmo que sigamos a hermenêutica da primeira corrente, devemos nos perguntar se

os PCNs e as Diretrizes se enquadram na modalidade conselho? Em nosso entendimento, não.

Na redação de tais documentos não transparece um viés de facultatividade de seus conteúdos,

ou seja, percebemos que a suposta flexibilidade existente em seus conteúdos é prevista para

não engessar sua aplicação no tempo e no espaço, mas em nada diz que eles devem ser

desconsiderados, ao contrário, acabam por delimitar os princípios e eixos nos quais os

docentes e as instituições de ensino básico deverão pautar suas práticas educativas, vejamos:

Dada a abrangência dos assuntos abordados e a forma como estão organizados, os Parâmetros Curriculares Nacionais podem ser utilizados com objetivos diferentes, de acordo com a necessidade de cada realidade e de cada momento. É possível iniciar a leitura por diferentes partes dos documentos, mas reforçamos a necessidade de, com o tempo, se tomar em conta a totalidade deles para poder haver uma compreensão e apropriação da proposta. Os Parâmetros Curriculares Nacionais auxiliam o professor na tarefa de reflexão e discussão de aspectos do cotidiano da prática pedagógica, a serem transformados continuamente pelo professor. (BRASIL, 1997a, p. 9) Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas.

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O conjunto das proposições aqui expressas responde à necessidade de referenciais a partir dos quais o sistema educacional do País se organize, a fim de garantir que, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes. (BRASIL, 1997a, p. 13)

Defendemos que os PCNs e as Diretrizes consiste numa prescrição de princípios e

eixos temáticos e conselhos de aplicação. Assim sendo, tais documentos não devem ser

desconsiderados pelas instituições educacionais e pelos educadores ao formular suas práticas

pedagógicas. A existência de oposição às orientações oficiais devem, ao menos, serem

justificadas, sob pena de se agir de forma deliberada e desconsiderando o poder atribuído ao

MEC e seus órgãos.

Por conta disso, o MEC estabelece para a educação básica um modelo de organização

curricular em que os conteúdos estão fragmentados em grandes áreas disciplinares (exemplo:

matemática, português etc) e, ao mesmo tempo, prevê eixos temáticos variados e flexíveis que

assumiriam o papel de manter uma relação interdisciplinar entre as grandes áreas, pensando,

assim, o conhecimento numa perspectiva de integralidade. Esses eixos foram nomeados de

“temas transversais”. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação

Básica temos que: A transversalidade é entendida como uma forma de organizar o trabalho didático-pedagógico em que temas, eixos temáticos são integrados às disciplinas, às áreas ditas convencionais de forma a estarem presentes em todas elas. A transversalidade difere-se da interdisciplinaridade e complementam-se; ambas rejeitam a concepção de conhecimento que toma a realidade como algo estável, pronto e acabado. A primeira se refere à dimensão didático-pedagógica e a segunda, à abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento. A transversalidade orienta para a necessidade de se instituir, na prática educativa, uma analogia entre aprender conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade). Dentro de uma compreensão interdisciplinar do conhecimento, a transversalidade tem significado, sendo uma proposta didática que possibilita o tratamento dos conhecimentos escolares de forma integrada. Assim, nessa abordagem, a gestão do conhecimento parte do pressuposto de que os sujeitos são agentes da arte de problematizar e interrogar, e buscam procedimentos interdisciplinares capazes de acender a chama do diálogo entre diferentes sujeitos, ciências, saberes e temas. (BRASIL, 2013, p. 29)

Percebe-se que tais temas guardam uma relação de proximidade com as questões

cotidianas, bem como aproximam o ensino da proposta constitucional (art. 205) de uma

formação voltada para a cidadania. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais percebemos uma

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proposta prática para se trabalhar os temas transversais, lembrando que não se trata de um rol

taxativo: A educação para a cidadania requer que questões sociais sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais. Com isso o currículo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e que novos temas sempre podem ser incluídos. O conjunto de temas aqui proposto — Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo — recebeu o título geral de Temas Transversais, indicando a metodologia proposta para sua inclusão no currículo e seu tratamento didático. (BRASIL, 1998b, p. 25, grifo nosso) Por tratarem de questões sociais, os Temas Transversais têm natureza diferente das áreas convencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficiente para abordá-los. Ao contrário, a problemática dos Temas Transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento. Por exemplo, a questão ambiental não é compreensível apenas a partir das contribuições da Geografia. Necessita de conhecimentos históricos, das Ciências Naturais, da Sociologia, da Demografia, da Economia, entre outros. Por outro lado, nas várias áreas do currículo escolar existem, implícita ou explicitamente, ensinamentos a respeito dos temas transversais, isto é, todas educam em relação a questões sociais por meio de suas concepções e dos valores que veiculam. No mesmo exemplo, ainda que a programação desenvolvida não se refira diretamente à questão ambiental e a escola não tenha nenhum trabalho nesse sentido, Geografia, História e Ciências Naturais sempre veiculam alguma concepção de ambiente e, nesse sentido, efetivam uma certa educação ambiental. (BRASIL, 1997b, p. 29, grifo nosso)

Aprofundando a análise dos documentos referenciados, por conta de seu forte viés

para a formação cidadã, percebe-se que há na lógica dos temas transversais uma gama de

conteúdos que perpassam a área do Direito e que, em nosso entendimento, são

imprescindíveis para a formação escolar básica:

Assim, tanto os princípios constitucionais quanto a legislação daí decorrente (como o Estatuto da Criança e do Adolescente) tomam o caráter de instrumentos que orientam e legitimam a busca de transformações na realidade. Portanto, discutir a cidadania do Brasil de hoje significa apontar a necessidade de transformação das relações sociais nas dimensões econômica, política e cultural, para garantir a todos a efetivação do direito de ser cidadãos. […] Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao propor uma educação comprometida com a cidadania, elegeram, baseados no texto constitucional, princípios segundo os quais orientar a educação escolar: [Dignidade da pessoa humana; igualdade de direitos; participação; co-responsabilidade pela vida social] (BRASIL, 1997a, p. 20, grifo nosso)

Desprendemos do texto acima que os PCNs prevem o Direito como um conhecimento

necessário para a possibilidade do indivíduo assumir um protagonismo dentro da sociedade,

pois o exercício da cidadania depende de uma formação crítica e atenta aos mecanismos

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jurídicos que possibilitam o exercício de direitos. Mais que isso, não se resumiria a entender a

mera legalidade formal, mas, também, compreender o Direito enquanto ciência, inserido

dentro da história e enquanto instrumento de poder. Nesse sentido, achamos que, das áreas do

conhecimento que perfazem o currículo básico, a História assume papel de destaque e

privilegiado para tratar da matéria. Afinal, como defendem Silva e Fonseca no texto “Ensino

de História hoje: errâncias, conquistas e perdas”:

Com relação às intencionalidades educativas, ao papel e à importância da disciplina, o Documento, em consonância com o movimento acadêmico e político, reforçou o caráter formativo da História na constituição da identidade, da cidadania, do (re)conhecimento do outro, do respeito à pluralidade cultural e da defesa do fortalecimento da democracia. […] Além disso, o documento curricular estabeleceu os temas transversais (para todas as disciplinas): Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo. Muitos desses tópicos fazem parte de pautas debatidas por movimentos sociais. Incorporá-los aos horizontes curriculares não significa esvaziar a continuada capacidade de reflexão crítica e o direito à voz no processo educativo daqueles movimentos. (SILVA; FONSECA, 2010, p.18) Ao Ensino de História cabe um papel educativo, formativo, cultural e político, e sua relação com a construção da cidadania perpassa diferentes espaços de produção de saberes históricos. Desse modo, no atual debate da área, fica evidente a preocupação em localizar, no campo da História, questões problematizadoras que remetam ao tempo em que vivemos e a outros tempos, num diálogo crítico entre a multiplicidade de sujeitos, tempos, lugares e culturas. Portanto, a(s) configuração(ões) da(s) história(s) vivida(s) e ensinada(s) pelos professores, entre as quatro paredes da sala de aula e, também, fora dos limites dos territórios escolares, bem como das histórias que os alunos aprendem nesses e noutros espaços, é bem mais complexa do que muitos supõem. As dimensões curriculares ora se aproximam, se mantêm, ora se distanciam, ora se contrapõem num movimento real, dinâmico, dialético, logo, histórico. (SILVA; FONSECA, 2010, p.25-26, grifo nosso)

Pela lógica de nosso ordenamento jurídico, os professores da rede básica devem

trabalhar os temas transversais e, portanto, dentro de nosso recorte temático, compete ao

licenciado em histórica possuir em sua formação o domínio de aspectos mínimos para o

exercício de tal competência que lhe é incumbida. “Caberá ao professor mobilizar tais

conteúdos em torno de temáticas escolhidas, de forma que as diversas áreas não representem

continentes isolados, mas digam respeito aos diversos aspectos que compõem o exercício da

cidadania.” (BRASIL, 1997b, p. 30)

Os próprios documentos orientadores das Licenciaturas de História no Brasil

estabelecem que os temas transversais devem ser contemplados na formação desses

profissionais, confira:

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Transitar pelas fronteiras entre a História e outras áreas do conhecimento; […] Domínio dos conteúdos básicos que são objeto de ensino – aprendizagem no ensino fundamental e médio; […] O curso de licenciatura deverá ser orientado também pelas Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em cursos de nível superior. […] As instituições devem assegurar que o graduando possa realizar atividades acadêmicas optativas em áreas correlatas de modo a consolidar a interlocução com outras áreas de conhecimento. […] No caso da licenciatura deverão ser incluídos os conteúdos definidos para a educação básica, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam. (BRASIL, 2001, p. 8-9) Conteúdos da área de ensino: […] A necessária contextualização dos conteúdos, assim como o tratamento dos Temas Transversais – questões sociais atuais que permeiam a prática educativa, como ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural, sexualidade, trabalho, consumo e outras – seguem o mesmo princípio: o compromisso da educação básica com a formação para a cidadania e buscam a mesma finalidade: possibilitar aos alunos a construção de significados e a necessária aprendizagem de participação social. (BRASIL, 2000, p. 57)

Em nosso entendimento, há uma clara orientação para que os licenciados em História

dialoguem com os conteúdos da Direito, principalmente com aqueles que versam sobre o

exercício da cidadania. Nesse sentido que desprendemos das leituras dos documentos

orientadores da educação básica que os temas transversais deveriam aparecer nos currículos

dos cursos superiores de licenciatura como disciplina obrigatória, uma vez que perfaz

conteúdos tidos como essenciais para a formação básica do indivíduo. Essa problemática

perpassa, ainda, pela problemática do “esquema 3+1”, uma vez que as temáticas transversais

constituem conteúdos da área de ensino. Saviani há tempos nos alerta sobre essa grave falha

na lógica nacional de pensar as licenciaturas:

[…] a formação de professores propriamente dita se esgota na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que o professor irá lecionar. Considera-se que a formação pedagógico-didática virá em decorrência do domínio dos conteúdos do conhecimento logicamente organizado, sendo adquirida na própria prática docente ou mediante mecanismos do tipo “treinamento em serviço”. (SAVIANI, 2009, p. 149)

A omissão dessas temáticas em fase de graduação acaba por gerar consequências

severas ao futuro professor, principalmente na sua capacidade de trabalhar de forma

interdisciplinar, bem como acarreta uma especialização que se contrapõe às propostas oficiais

de se pensar o conhecimento em sua integralidade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendeu-se demonstrar que a apropriação dos conteúdos do Direito é imprescindível

para os licenciados, particularmente o professor de História, uma vez que esses saberes são

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essenciais para a compreensão dos diferentes temas e contextos e para implementação efetiva

das políticas públicas do Governo Federal para a Educação Básica. Além disso, nossa maior

estima é despertar nos profissionais da educação a curiosidade sobre a importância do Direito

Educacional para se pensar a prática pedagógica, bem como promover o acesso aos conteúdos

de Direito desde a tenra idade para na expectativa de se formar de cidadãos mais empoderados

para assumir um papel de protagonista na história.

4 REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. p. 1. Atualizada até a Emenda Constitucional n. 91, de 18 de fevereiro de 2016. _________. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. _________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. p. 27833. _________. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília : MEC/SEF, 1997a. _________. Parâmetros Curriculares Nacionais: Apresentação dos Temas Transversais, Ética. Brasília: MEC/SEF, 1997b. _________. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto ciclos do Ensino Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998a. _________. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto ciclos do Ensino Fundamental: Apresentação dos Temas Transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998b. _________. Parecer nº CNE/CES 429/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia. Diário Oficial da União, MEC, Brasília, DF, 09 jul. 2001. seção 1e, p. 50. _________. Proposta de diretrizes para a formação inicial de professores da Educação Básica, em cursos de nível superior. Brasília: MEC, 2000. JACOMELI, Mara Regina Martins. PCNs e temas transversais: análise histórica da política educacional brasileira. Campinas: Ed. Alínea, 2007. SÃO PAULO. Lei nº 16.493, de 18 de julho de 2016. Dispõe sobre a inclusão do tema Direitos Humanos na grade curricular das escolas da rede municipal de ensino. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, Gabinete do Prefeito, São Paulo, SP, 19 jul. 2016. Ano 61, n. 133. SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 14, n. 40, p.143-155, jan. 2009.

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SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p.13-33, dez. 2010.