a formação e o desenvolvimento docente para os cursos das

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):245-8 A f A f A f A f A for or or or ormação e o desen mação e o desen mação e o desen mação e o desen mação e o desenvolvimento olvimento olvimento olvimento olvimento docente par docente par docente par docente par docente para os cur a os cur a os cur a os cur a os cursos das pr sos das pr sos das pr sos das pr sos das prof of of of ofis- is- is- is- is- sões da saúde: muito mais que o do- sões da saúde: muito mais que o do- sões da saúde: muito mais que o do- sões da saúde: muito mais que o do- sões da saúde: muito mais que o do- mínio de conteúdos mínio de conteúdos mínio de conteúdos mínio de conteúdos mínio de conteúdos Teacher training and faculty development for health professions education: beyond mastering knowledge and cognitive contents Luiz E. A. Troncon 1 , Valdes R. Bollela 1 , Marcos C. Borges 1 , Maria de Lourdes V. Rodrigues 2 1. Departamentos de Clínica Médica; 2. Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. investigação científica. A universidade, de instituição dedicada exclusivamente ao ensino e à formação de profissionais nas diferentes áreas, passa a ser vista também como centro de referência para a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico. Estes conceitos estiveram presentes na criação da pós-graduação no Brasil, na década de 1960, que foi fortemente influenciada pelo sistema norte-ameri- cano. 2 Procurava-se, naquele momento do país, aten- der a três demandas principais: a) a formação de pro- fessores para atender à expansão quantitativa do ensi- no superior e garantir a elevação da sua qualidade; b) o estímulo ao desenvolvimento da pesquisa científica por meio da formação de pesquisadores; c) o treina- mento em alto nível de técnicos e profissionais especi- alizados que pudessem contribuir para o desenvolvi- D urante muito tempo prevaleceu em todo o mundo o conceito de que o único requi- sito para exercer a docência no ensino superior seria o domínio do conteúdo da disciplina a ser ensinada, ou a detenção de expertise no campo em que o pro- fessor atua. 1 Este conceito fundamenta-se no entendi- mento de que o papel principal do professor é a trans- missão do conhecimento disponível aos estudantes. A atribuição de maior importância à geração do conhecimento como parte da missão da universi- dade, ocorrida nas universidades europeias no século XIX e nas universidades americanas no princípio do século XX, implicou no fortalecimento do conceito de domínio do conteúdo, como requisito fundamental para o exercício da docência, acrescido da necessidade de aquisição de habilidades para o desenvolvimento da SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimento docente para professores dos cursos da área da saúde APRESENTAÇÃO

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Page 1: A formação e o desenvolvimento docente para os cursos das

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):245-8

A fA fA fA fA fororororormação e o desenmação e o desenmação e o desenmação e o desenmação e o desenvvvvvolvimentoolvimentoolvimentoolvimentoolvimentodocente pardocente pardocente pardocente pardocente para os cura os cura os cura os cura os cursos das prsos das prsos das prsos das prsos das profofofofofis-is-is-is-is-sões da saúde: muito mais que o do-sões da saúde: muito mais que o do-sões da saúde: muito mais que o do-sões da saúde: muito mais que o do-sões da saúde: muito mais que o do-mínio de conteúdosmínio de conteúdosmínio de conteúdosmínio de conteúdosmínio de conteúdosTeacher training and faculty development for health professionseducation: beyond mastering knowledge and cognitive contents

Luiz E. A. Troncon1, Valdes R. Bollela1, Marcos C. Borges1, Maria de Lourdes V. Rodrigues2

1. Departamentos de Clínica Médica; 2. Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Faculdade de Medicina deRibeirão Preto, Universidade de São Paulo.

investigação científica. A universidade, de instituição

dedicada exclusivamente ao ensino e à formação de

profissionais nas diferentes áreas, passa a ser vista

também como centro de referência para a pesquisa

científica e o desenvolvimento tecnológico.

Estes conceitos estiveram presentes na criação

da pós-graduação no Brasil, na década de 1960, que

foi fortemente influenciada pelo sistema norte-ameri-

cano.2 Procurava-se, naquele momento do país, aten-

der a três demandas principais: a) a formação de pro-

fessores para atender à expansão quantitativa do ensi-

no superior e garantir a elevação da sua qualidade; b)

o estímulo ao desenvolvimento da pesquisa científica

por meio da formação de pesquisadores; c) o treina-

mento em alto nível de técnicos e profissionais especi-

alizados que pudessem contribuir para o desenvolvi-

Durante muito tempo prevaleceu em todo

o mundo o conceito de que o único requi-

sito para exercer a docência no ensino superior seria

o domínio do conteúdo da disciplina a ser ensinada,

ou a detenção de expertise no campo em que o pro-

fessor atua.1 Este conceito fundamenta-se no entendi-

mento de que o papel principal do professor é a trans-

missão do conhecimento disponível aos estudantes.

A atribuição de maior importância à geração

do conhecimento como parte da missão da universi-

dade, ocorrida nas universidades europeias no século

XIX e nas universidades americanas no princípio do

século XX, implicou no fortalecimento do conceito de

domínio do conteúdo, como requisito fundamental para

o exercício da docência, acrescido da necessidade de

aquisição de habilidades para o desenvolvimento da

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeAPRESENTAÇÃO

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Troncon LEA, Bollela VR, Borges MC, Rodrigues MLVApresentação

mento do país. As duas primeiras demandas passari-

am a ser atendidas pelos cursos de pós-graduação

senso estrito, nos níveis de mestrado e de doutorado,

enquanto que a terceira demanda seria atendida pe-

los diferentes cursos de especialização e programas

de pós-graduação não acadêmica, ou senso lato.

Na implantação e no desenvolvimento inicial dos

cursos de pós-graduação senso estrito no Brasil o pa-

pel do preparo específico do professor, propriamente

dito, esteve durante longo tempo em posição periférica

na formação do pós-graduando. Ainda que houvesse,

em muitas instituições, a preocupação com a aquisi-

ção de conhecimentos e habilidades na área educacio-

nal pelos pós-graduandos, as ações se restringiam ao

oferecimento de disciplinas de Pedagogia e Didática.

No entanto, ao longo das últimas décadas do

século XX, ocorreram profundas mudanças no cená-

rio da formação profissional no ensino superior, que

impuseram a revisão do papel do professor como sen-

do apenas o transmissor do conhecimento. Entre es-

tas, devem ser destacados o crescimento explosivo do

conhecimento e do acesso à informação, os grandes

avanços no campo da Psicologia Educacional e da

Educação Superior, a introdução de novas técnicas

de ensino e de avaliação, bem como as modificações

do perfil do estudante universitário. Com isto, o pro-

fessor passou a ser visto como um profissional que

exerce uma variedade de papéis.3 Dentre estes, o de

planejador e gestor de currículos, o de organizador de

atividades mediadoras da aprendizagem, o de produ-

tor de material e recursos instrucionais, o de facilita-

dor e assessor da aquisição, pelo estudante, das habi-

lidades e competências previstas no projeto político-

pedagógico dos cursos de graduação, bem como o de

modelo e exemplo de profissional competente.

Com isto, consolidou-se nas principais universi-

dades norte-americanas e europeias a necessidade de

maior investimento na capacitação do professor e no

contínuo desenvolvimento docente1,4, bem como na

formação, em cada instituição, de líderes no campo

educacional.5

No Brasil, a convicção sobre a necessidade de

maior investimento na formação do professor do ensi-

no superior, que, especificamente, envolva maior fa-

miliaridade com a temática educacional, vem ganhan-

do corpo nas últimas décadas e pode ser evidenciada

por diversas iniciativas. Dentre estas, há que se desta-

car a da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pesso-

al de Nível Superior (CAPES), por intermédio de duas

de suas áreas, a de Programas Estratégicos e a de

Indução e Inovação, que, por influência do Ministério

da Educação e do Ministério da Saúde, criou, em

2010, o Programa “Pró-Ensino na Saúde”. Este pro-

grama, desencadeado por edital específico6, tem como

objetivos principais “estimular no País a realização de

projetos de pesquisa e apoio ao Ensino na Saúde” e

possibilitar “a produção de pesquisas científicas e tec-

nológicas e a formação de mestres, doutores e está-

gio pós-doutoral na área do Ensino na Saúde”. A meta

geral do programa é de contribuir “para desenvolver e

consolidar esta área de formação, considerada estra-

tégica para a consolidação do Sistema Único de Saú-

de, por meio da análise das prioridades e das compe-

tências existentes, visando à melhoria do ensino de

pós-graduação e graduação em Saúde”.

Em resposta a este edital, o projeto apresenta-

do por uma equipe de 11 professores da FMRP, que

tinham atuação nas Comissões de Graduação e de Pós-

Graduação, no Centro de Apoio Educacional e Tecno-

lógico (CAEP), no Núcleo de Tecnologia Educacional

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Troncon LEA, Bollela VR, Borges MC, Rodrigues MLVApresentação

(NUTE) e no Programa Especial de Treinamento do

curso de Medicina (PET) foi aprovado pela CAPES sem

restrições, possibilitando o início das atividades em

2011. Dentre estas, propôs-se a criação de duas dis-

ciplinas nucleares, intituladas “Tópicos em Educação

Superior nas Profissões da Saúde I e II”, que vem sen-

do ministradas desde então, com expressiva procura

pelos pós-graduandos de todos os programas da uni-

dade.

Na FMRP, apesar do Programa “Pró-Ensino na

Saúde” ter sedimentado a nucleação de um grupo de

profissionais envolvido no desenvolvimento docente para

os cursos das profissões da área da saúde, é impor-

tante ressaltar que parte desse grupo já desenvolvia

essas atividades na instituição há longo tempo. Parti-

cularmente, vários tópicos incluídos no conteúdo

programático das duas “novas” disciplinas já vinham

sendo ministrados há vários anos, a docentes e pós-

graduandos, como um programa de extensão universi-

tária, na modalidade difusão cultural, vinculado ao

CAEP.

No entanto, durante o desenvolvimento das ati-

vidades destas disciplinas constatou-se a carência de

fontes bibliográficas nacionais, que apresentassem os

conteúdos dos tópicos fundamentais em educação

superior, abordados sob a ótica das particularidades

das profissões da área da Saúde e contextualizados

para o cenário nacional. O preenchimento desta lacu-

na constituiu a motivação principal da organização

deste simpósio, que conta com um conjunto básico de

tópicos, incluindo a apresentação das principais teori-

as de aprendizagem, de conceitos sobre o aprendiza-

do de adultos, a caracterização do ambiente educaci-

onal, princípios do desenho de currículos e do plane-

jamento educacional, discussão de estratégias inova-

doras para métodos de ensino mais tradicionais, des-

crição de técnica para o aprendizado baseado no tra-

balho de equipes (Team-based Learning), apresenta-

ção da estratégia de aprendizado baseado em proble-

mas (Problem-based Learning), apreciação crítica das

particularidade do trabalho de aprendizagem em pe-

quenos grupos, noções de aspectos gerais e específi-

cos da avaliação do estudante e princípios da avalia-

ção de disciplinas, estágios, cursos e programas.

São textos que procuram dar uma visão geral

deste tópicos fundamentais, de natureza introdutória,

mas que abordam conceitos contemporâneos, tendo

como subsídios referências bibliográficas básicas,

complementadas por fontes mais atuais. Trata-se de

um conjunto de 12 textos cuidadosamente preparados,

em um trabalho que envolveu fundamentalmente pro-

fessores da FMRP, bem como colaboradores de cinco

outras instituições brasileiras (Universidade Estadual de

Campinas, Universidade Federal de São Carlos, Univer-

sidade Federal do Rio Grande do Norte, Pontifícia Uni-

versidade Católica de São Paulo e Universidade do Pla-

nalto Catarinense), tendo também a participação de

um colaborador de nova, mas já conceituada universi-

dade portuguesa (Universidade do Minho).

Espera-se que a publicação deste material nes-

te veículo de acesso livre e aberto e ampla divulgação,

possa ter utilidade não só aos pós-graduandos da ins-

tituição, mas a todos que, no mundo lusófono, se dedi-

cam ao preparo de professores para o ensino superi-

or nas profissões da saúde. Espera-se, por fim, contri-

buir para consolidar a mudança do paradigma da atu-

ação do professor, de simples transmissor de conhe-

cimentos, para um profissional que cumpre uma diver-

sidade de papeis no campo educacional, com domínio

dos conhecimentos e habilidades pertinentes.

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Troncon LEA, Bollela VR, Borges MC, Rodrigues MLVApresentação

Referências1. Steinert Y, Mann KV. Faculty Development: Principles and Prac-

tices. J Vet Med Educ 2006; 33: 317-24.

2. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Newton Sicupira.Parecer nº 977 CES, de 3 de dezembro de 1965.

3. Harden RM, Crosby J. AMEE Education Guide No. 20: The goodteacher is more than a lecturer: the twelve roles of the teacher.Med Teach 2000; 22: 334-47.

4. Steinert Y. Faculty development in the new millennium: Keychallenges and future directions. Med Teach 2000; 22:44-50.

5. Tekian A, Roberts T, Batty HP, Cook DA, Norcini J. Preparingleaders in health professions education. Med Teach 2014;36: 269-71.

6. Brasil. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoa-mento do Pessoal de Nível Superior, Pró-Ensino na Saúde,Edital CAPES 024/2010.

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 249-55

Correspondência:Cristiane Martines Peres

CAEP, FMRP-USPRua das Paineiras, Casa 8, Campus da USP

14048-900, Ribeirão Preto, SPE-mail: [email protected]

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

AborAborAborAborAbordadadadadagggggens pedaens pedaens pedaens pedaens pedagógicas e sua rgógicas e sua rgógicas e sua rgógicas e sua rgógicas e sua rela-ela-ela-ela-ela-ção com as teorias de ação com as teorias de ação com as teorias de ação com as teorias de ação com as teorias de aprprprprprendizaendizaendizaendizaendizagggggemememememPedagogical approaches and their relationship with thelearning theories

Cristiane Martins Peres1, Marta Neves Campanelli Marçal Vieira2, Elisa Rachel Pisani Altafim3, MichelaBianchi de Mello4, Kemen Samder Suen5

Resumo: A prática docente demanda o conhecimento de como o indivíduo aprende, como se origina e sedesenvolve o aprendizado e como se transforma em experiência significativa de aprendizagem. O obje-tivo deste artigo é apresentar as concepções teóricas sobre o processo de aprendizagem dos indivíduose sua relação com as abordagens pedagógicas adotadas nos modelos de cursos de graduação. Nessesentido, os modelos pedagógicos foram agrupados de forma sintetizada, em modelos que se distinguempor estarem centrados no professor; no estudante; no saber; no meio de comunicação ou na técnica; nocontexto social e na interação. Foram apresentadas algumas das principais vertentes discutidas na áreada Psicologia do Desenvolvimento Humano, que influenciaram as tendências pedagógicas, como a Inatista,a Ambientalista/Behaviorista, e as Interacionistas. Discute a necessidade das práticas educativas seremconceitualmente fundamentadas.

Palavras-chave: Teorias de Aprendizagem. Modelos Pedagógicos. Tendências Pedagógicas.

docentes incorporam, geralmente, de forma incons-ciente práticas de ensino que estão esvaziadas de umafundamentação teórica que os auxilie em suas toma-das de decisão.¹ Toda proposta metodológica traz con-sigo concepções, valores, crenças em relação aos pro-cessos de ensinar e aprender que provam que não háação pedagógica neutra.

IntrIntrIntrIntrIntroduçãooduçãooduçãooduçãoodução

A todo minuto, nos múltiplos cenários pedagó-gicos, o professor precisa tomar posse de fundamen-tos sobre o indivíduo que aprende, como esse apren-dizado se origina, como se desenvolve e se transfor-ma em experiência significativa de aprendizagem. Os

1. Educadora do Centro de Apoio Educacional e Psicológico, Fa-culdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de SãoPaulo (FMRP-USP);

2. Professora Doutora do Departamento de Puericultura e Pedia-tria, FMRP-USP;

3. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Men-tal, FMRP-USP;

4. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Toxicologia,Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Uni-versidade de São Paulo;

5. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Clínica Médi-ca, FMRP-USP.

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo I

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Peres CM, Vieira MNCM, Altafim ERP, Mello MB, Suen KS.Abordagens pedagógicas e sua relação com as teorias de aprendizagem.

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Por meio deste texto, o leitor, mais precisamen-te aquele que se reconhece como educador é convi-dado a um breve percurso pelas concepções teóricassobre o processo de aprendizagem dos indivíduos esua relação com as abordagens pedagógicas presen-tes nos modelos de cursos de graduação.

Modelos pedaModelos pedaModelos pedaModelos pedaModelos pedagógicosgógicosgógicosgógicosgógicos

Um modelo pedagógico pode ser conceituadocomo “um sistema de premissas teóricas que repre-senta, explica e orienta a forma como se aborda o cur-rículo e que se concretiza nas práticas pedagógicas enas interações professor-aluno-objeto de conhecimen-to”.² Há diferentes enfoques nas abordagens pedagó-gicas que se orientam tanto pelo contexto históricomundial ou pelas posições que as teorias tomam so-bre as finalidades sociais da escola, ou ainda pelacriticidade das teorias em relação à sociedade, enfim,por uma diversidade de classificações que pretendemdar conta da compreensão da prática educacional...Nesse sentido, foi necessário adotar um critério quefavorecesse a discussão sobre os fundamentos do pro-cesso de ensino e aprendizagem. Optou-se pelos sis-temas figurativos como Triangulo Pedagógico deNóvoa (2000)³ ou como a Arquitetura Pedagógica deBehar (2009)² que explicam as abordagens pedagógi-cas por meio das interações entre os participantes doprocesso educativo. O Triângulo pedagógico consi-dera que seus vértices seriam o professor, o estudantee o objeto do conhecimento ou “saber”. Um determi-nado enfoque teórico seria marcado pelo papel do pro-tagonista de um dos vértices na relação entre eles.Nesse caso, os enfoques foram agrupados de formasintetizada, em três grandes modelos pedagógicos quese distinguem por estarem centrados no professor, noestudante ou no saber. No caso da Arquitetura Peda-gógica, ao invés do saber como um dos vértices en-contra-se o meio pelo qual o aprendizado ocorre.

O uso dessas representações objetiva a refle-xão sobre o papel passivo que se pode destinar a umdos elementos participes do processo de aprendiza-gem dependo do objetivo pedagógico proposto. Nes-sa perspectiva, pode-se encontrar um conjunto demodelos pedagógicos, cuja premissa de como ocor-rerão às interações pode estar explícito ou implícitoao modus faciendi das instituições escolares.

Seguindo então, essas prerrogativas serão des-critas os seguintes modelos pedagógicos:

Centrados no professor: Os modelos centra-dos no professor caracterizam-se por estarem maisfocados no ensino que na aprendizagem, são essenci-almente identificados pela transmissão de informa-ção e por métodos diretivos. Os conteúdos e mate-riais são todos pré-definidos, a aprendizagem cola-borativa entre estudantes é rudimentar.

As críticas sobre esse modelo, contudo, nãodeve levar ao engessamento de nosso olhar para asações dos professores como se elas “fossem sempreimposições dogmáticas e que nada trouxessem denovo” para o processo de aprendizagem.4

Centrados no estudante: O modelo centradono aluno representa a as teorias cognitivas e constru-tivistas, em que se valoriza a figura do estudante comoprotagonista de sua aprendizagem. Fomenta a cons-trução do conhecimento, autoaprendizagem e autoformação, reflexão crítica e a construção de uma co-munidade de aprendizagem. A o movimento da Esco-la Nova assim como a educação libertária reuniu osdefensores da autogestão pedagógica.

Atualmente, em decorrência do fato que todoconhecimento “escolar” que o estudante “deveria”adquirir para sua formação não mais termina, o estu-dante tem assumido mais o papel de protagonista.Todavia, alguns educadores podem incorrer num “errode concepção”, quando valorizam a ação de “apren-der a aprender em detrimento do próprio conheci-mento acumulado”.4

Centrados no saber: Essa tendência concebea escola como difusora de conteúdos escolares bási-cos que partem de um saber depositado de fora paradentro e que são dissociáveis das realidades sociais.

Figura 1- Interações entre as categorias: Docente (Do), Discente(Di) e Meio (M).Fonte: Elaborada pelo autor

Docente DoM Meio

Discente

DD DiM

Conhecimento

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Peres CM, Vieira MNCM, Altafim ERP, Mello MB, Suen KS.Abordagens pedagógicas e sua relação com as teorias de aprendizagem.

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Todavia, é importante distinguir essa tendência dapedagogia crítico-social dos con-teúdos que se encon-tra dentro da pedagogia progressista, cujo foco é aapropriação de um saber concreto para a vida dos alu-nos e que se presta aos interesses populares de igual-dade e democracia.

Centrados no meio de comunicação ou natécnica: Quando o fator predominante é o meio tem-se uma visão tecnicista do processo de aprendizagem.A eficácia da aprendizagem resulta da técnica, da di-dática, da tecnologia que será utilizada pelo profes-sor. As teorias de aprendizagem que fun-damentam apedagogia tecnicista, dizem que a aprendizagem seefetua quando o ambiente oferece condições motiva-doras e reforça os resultados que se pretende que oestudante alcance. Esse modelo acaba também porpotencializar a influência das metodologias de ensi-no, como se tivessem um “poder mágico” sobre o pro-cesso de aprendizagem.

Centrados no contexto social: Essa aborda-gem foi acrescentada nesse texto por acreditar queem alguns momentos os protagonistas das relaçõeseducativas abrem lugar para a importância do con-texto sócio histórico onde estão inseridas. O conheci-mento torna-se produto da atividade do estudante quese “reconhece em conteúdos sociais apresentados peloprofessor”. O papel docente se define por meio darelação dialética com o estudante, ou seja, promove aestruturação cognitiva necessária para que o estudan-te assimile o conhecimento novo. O desenvolvimen-to dessa abordagem foi marcado pela pedagogia pro-gressista que reuniu os defensores da autogestão pe-dagógica e considerava como aprendizagem signifi-cativa aquela que é capaz de ser transposta para a re-alidade social do estudante.5

Centrado na interação: Nesse modelo não hásobreposição de um aspecto sobre os outros, todossão fundamentais. Dentre as premissas teóricas queexplicam as interações entre os vértices do triangulopedagógico pode-se encontrar a atividade do docentese definindo por meio da relação dialética com o es-tudante, em outro momento a valorização dos proces-sos relacionais e formativos entre os pares; o conhe-cimento como produto da atividade do estudante, ofavorecimento da lógica da autonomia na aprendiza-gem, mas considerando ativos todos que participamda construção desse processo.6

As classificações e os agrupamentos das ten-dências pedagógicas que abordam o processo de en-sino e aprendizagem, tem sido objeto de estudo dediversos autores. Alguns desses autores são:

Bordenave (1984), Libâneo (1982), Saviani (1985) eMizukami (1986), citados por Santos (2005).7 Todosbuscam traçar uma linha do tempo, mas em algumastaxonomias encontram-se duas ou mais que partilhamos mesmos períodos da história (Quadro 1)7.

Para a classificação das abordagens os autoresutilizaram critérios diferentes tais como: os elemen-tos educativos mais valorizados por cada uma; a po-sição tomada diante das finalidades sociais da esco-la; a criticidade da teoria ou ainda as relações do su-jeito com o objeto.

Mas, quando afunilamos nossa discussão so-bre as teorias que buscaram compreender o processode aprendizagem, será necessário nos remetermos paraas principais vertentes (Quadro 2) definidas na áreada Psicologia do Desenvolvimento Humano.

A concepção Inatista defende que desde o nas-cimento do ser humano, a organização genética im-põe certas estruturas necessárias e irredutíveis para odesenvolvimento humano e consequentemente parasua capacidade de apreender as coisas do mundo. Naconcepção Ambientalista a influência das variáveisambientais no comportamento torna-se um fator rele-vante no desenvolvimento humano. Por muito tem-po, a sociedade se apoiou no pressuposto de que asformas de adaptação do indivíduo eram inatas, cabiaà escola ser somente o espaço onde as aptidões iriamflorescer. Portanto, a ambientalista assumiu a via dacontramão. O caminho do equilíbrio veio por meioda concepção Interacionista que “não se prendeu avalores percentuais de influência, seja das dimensõesfilogenéticas, seja das ontogenéticas ou culturais”. 8

Derivou-se dela, a concepção Sociointeracionista quese diferenciou no sentido de atribuir maior ênfase aosaspectos humanos (ou sociais) do meio ambiente.Atribui, portanto, um papel de destaque às interaçõessociais enquanto fatores determinantes do desenvol-vimento humano.

Mas, no contexto da ciência passa-se a repen-sar a ideia de uma completa predeterminação genéti-ca dos processos cognitivos; assim como, descarta oambiente como um determinante onipotente. Segun-do o olhar de vários autores, o mais importante é con-vergir os diversos e complexos fatores envolvidos nodesenvolvimento humano, considerando que as diver-gências ou convergências entre elas são fronteiras tê-nues. Ainda que esse texto se proponha a utilizar algu-mas denominações para as correntes teóricas sobreaprendizagem, espera-se que o leitor tenha em menteque a tarefa de agrupa-las e classifica-las estarão sem-pre sujeita a equívocos.

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Quadro 1 – Algumas abordagens do processo de ensino e aprendizagemAutor Nomenclatura

Bordenave (1984) Pedagogia da transmissãoPedagogia da MoldagemPedagogia da Problematização

Libâneo (1982) Pedagogia Liberal, em suas versões:- Conservadora- Renovada progressista- Renovada não-diretiva

Pedagogia Progressista, em suas versões:- Libertadora- Libertária- De conteúdos

Saviani (1985) Teorias não-críticas- Pedagogia Tradicional- Pedagogia Nova- Pedagogia Tecnicista

Teorias Críticas-reprodutivas- Sistema de ensino enquanto violência simbólica- Escola enquanto aparelho ideológico de Estado- Escola dualista

Mizukami (1986) Abordagem TradicionalAbordagem ComportamentalistaAbordagem HumanistaAbordagem CognitivistaAbordagem Sócio-Cultural

Quadro 2 - Concepções sobre o desenvolvimento humano.Concepções Aspectos referentes à aprendizagem humana

Inatista Herança hereditáriaEstruturas cognitivas inatasMaturação biológica

Ambientalista Estímulos do ambienteEstruturas cognitivas condicionadasComportamento modelado pelo exterior

Interacionista Interação entre ambiente e o "ser biológico"Processo cognitivo construído pelo indivíduo durante toda a vida

Sóciointeracionista Ênfase aos aspectos humanos (ou sociais) do meio ambienteProcesso cognitivo construído pelo indivíduo durante toda a vida

Fonte: elaborada pelo autor

Fonte: Santos RV. Abordagens do processo de ensino e aprendizagem. In: Integração. Jan./Fev./Mai., 2005, Ano XI, nº40, p.19-31.

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A vertente Behaviorista

No âmbito da crítica ao Inatismo as vertentesambientalistas apregoaram que os estudos das ciênci-as da natureza garantiriam maior objetividade paratécnicas de análise do desenvolvimento humano.9

Apoiada nos trabalhos de Pavlov (1942)10 acerca doCondicionamento Respondente e do Condicionamen-to Operante de Skinner (1970)11, a vertenteBehaviorista apregoava que a aprendizagem ocorre pormeio de estímulos e respostas, ou seja, agentes ambi-entais que modelam o comportamento do indivíduo eo encaminham para uma resposta almejada por meiode aproximações sucessivas. Alguns modelos peda-gógicos equivocados surgiram nesse período aprego-ando que essas teorias definiam que a motivação paraaprender podia ser trabalhada via sanções e emula-ção. As sanções por parte dos professores envolviamtanto punições quanto recompensas e a emulação sig-nificava “o esforço dos indivíduos para se igualaremou se sobrepujarem uns aos outros, pela maneira deser ou agir e no que diz respeito ao saber, pelo rendi-mento ou desempenho”.6

As Vertentes Neobehavioristae Comportamentalista

No mesmo escopo, os teóricos Gagné (1975)12

e Bandura (1977)13 mantiveram alguns pressupostoscomportamentalistas, mas em uma abordagem mistae, portanto, foram conhecidos como representantesdo neobehaviorismo ou das teorias comportamentais.

A teoria da Instrução12 apregoou a importânciados objetivos de aprendizagem refletir os comporta-mentos a serem adquiridos. Para o autor os objetivosdeveriam ser elaborados considerando como deveriaser a situação onde seriam executados, deveriam serbem descriminados, operacionalmente mensuráveis,estabelecidos e pactuados no início do processo deinstrução. A motivação está vinculada ao fato do es-tudante saber de antemão qual é o “feedback” espera-do pelo professor.

Um dos pressupostos importantes advindos daTeoria Social Cognitiva13 referiu-se a ideia de que oprocesso de cognição de um indivíduo pode ser afe-tado pelo comportamento de outrem. Nesse escopose enquadra o conceito da crença de autoeficácia, quecoloca que “a crença do indivíduo sobre sua própriacapacidade para organizar e executar cursos de açãonecessários para produzir certas realizações”13. Eledestaca que o senso de autoeficácia é fundamental

para o sucesso na aprendizagem, mas pode ocorrerque mesmo um indivíduo muito autoeficaz pode fra-cassar se lhe faltarem incentivos ou ainda em virtudedas suas relações sociais.

Pode se depreender que essas teorias não mar-caram uma “clara distinção entre o aluno passivo,como mero reprodutor de informação, e o aluno ati-vo, que aprende, organiza e reestrutura a informaçãorecebida”.14

As Vertentes Construtivistas

O Construtivismo tem seus primórdios na filo-sofia de Kant (1974) que apresenta o sujeito comoum agente que, por meio das estruturas da mente,atuando sobre impressões sobre as “coisas do mun-do” que lhe são fornecidas pelos seus sentidos.15 Oconceito de fenômeno desenvolvido pelo filosofo, ouseja, o que o sujeito conhece é como as coisas domundo aparecem para ele e não a real essência delasinfluenciou o pensamento dos teóricos construtivistas.Rompeu-se com o pressuposto de que era o objetoque determinava a representação de si mesmo e sim osujeito que ativamente a constrói.15

A epistemologia genética de Piaget (1973,1987)16,17 apresenta em sua teoria, níveis de comple-xidade crescente da formação do pensamento e doconhecimento humano, por meio das estruturas men-tais que se desenvolvem ao longo da vida humana.Os três momentos do processo permanente de apren-dizado que, segundo Piaget ocorrem na mente huma-na que são os seguintes:

[...] assimilação (de novas informações),acomodação (das novas informações emrelação à base cognitiva já estruturada pre-viamente no indivíduo) e equilibração (umrearranjo das estruturas cognitivas, absor-vendo as transformações provocadas pelanova informação em contato com as ante-riores).18

Piaget16,17 propagou a ideia de que se o apren-dizado foi efetivo o indivíduo será capaz de expres-sar o conhecimento adquirido de forma simples e con-seguirá isso, ainda que tenha que desconstruir conhe-cimentos anteriormente adquiridos. Portanto, “à me-dida que o indivíduo assimila/acomoda, a organiza-ção se faz presente, para integrar uma nova estruturaa outra estrutura pré-existente”.18

A partir da década de 30 o psicólogo e filosoforusso Vygotsky (1987; 1998)19,20 servindo-se do mé-

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todo histórico-crítico teorizou sobre o desenvolvimen-to das funções psicológicas superiores (por exemplo,percepção, pensamento, vontade) por meio da intera-ção e cooperação social. Seguindo o pressuposto que“[...] a situação social de desenvolvimento representao momento inicial para todas as mudanças dinâmicasque ocorrem no desenvolvimento durante um dadoperíodo [etário]” Vygotsky18 apresenta o conceito de zonade desenvolvimento proximal. O conceito não se re-fere ao desenvolvimento de uma habilidade para umatarefa especifica, mas está relacionado ao desenvol-vimento do indivíduo que sempre será “capaz de re-solver tarefas mais difíceis em colaboração, sob dire-ção ou mediante algum tipo de auxílio do que inde-pendentemente”.19

Jerome Bruner21, um dos principais fundado-res e críticos da psicologia cognitiva propôs a teoriada Aprendizagem por Descoberta, concebendo oaprender como a capacidade de ir além da informa-ção dada.14 Seus preceitos defendiam uma aprendiza-gem ativa, na qual o indivíduo é levado ao desafio deexplorar por ele mesmo, as coisas do mundo e os fa-tos ao invés de memoriza-los. Nessa perspectiva, odesafio, a curiosidade, a investigação deve vigorarcomo metodologia. É “especialmente apropriada paraa aprendizagem do método cientifico [...]”, mas queavança em demasia na convicção de que “o estudanteaprende por conta própria qualquer conteúdocientifico”.14

Dentro da perspectiva Cognitivo-construtivistainclui-se a Teoria da Aprendizagem Significativa, dopsiquiatra David Ausubel (1963)22, proposta na déca-da de sessenta e revisitada em 200023. Seus construtosmuito têm influenciado os ambientes educacionais daEducação Superior. Na sua visão, aquilo que o apren-diz já sabe é o fator isolado que mais influencia aaprendizagem. O ensino deve ser conduzido de acor-do com subsunçores, ou seja, conceitos que servempara “ancorar” o novo conceito a ser aprendido. Paraele e seus colaboradores o conhecimento a ser apren-dido pode ocorrer via recepção ou por descoberta. Namesma linha de pensamento pode-se inferir que “as

condições para a aprendizagem significativa são apotencialidade significativa de materiais educativos[...] que devem ter subsunçores especificamente rele-vantes assim como, a pré-disposição do sujeito paraaprender”.14

A relação do estudante com o conhecimentodeve ocorrer em situações concretas, conteúdos quese percebem inseridos em um contexto sócio históri-co e metodologias pedagógicas que contribuam paraa transformação da realidade já eram aspectos na fi-losofia sócio interacionista e nas abordagens pedagó-gicas que se encaixam na Pedagogia Progressista deLibâneo (1982), na Problematização de Bordenave(1984), nas Critico-Reprodutivistas de Saviani (1985)e na Cognitivista de Mizukami (1986).14

Uma reflexão importante que deve ser ressal-tada ao se analisar criticamente os modelos pedagó-gicos é que no paradigma atual da complexidade, aoinvés da valorização das dicotomias e das centraliza-ções na Educação, é preciso abrir espaço para as in-certezas que nos tornam eternos pesquisadores.

Outras áreas da Ciências, que também temse debruçado sobre o tema do processo de aprendi-zagem nas últimas décadas, tem sido a NeurociênciaCognitiva e suas vertentes Neuropsicologia e Neu-roeducação. Ela tem sugerido que o construtivismonão cobre, sozinho, todas as necessidades da pesqui-sa educacional contemporânea e da complexidadede uma sociedade envolta pelas Tecnologias da In-formação e Comunicação. No momento, dentro doseu escopo encontram-se programas baseados emredes neurais como forma de se estudar e ampliar acompreensão sobre como o conhecimento e com-portamento se modificam, mais do que teorias edu-cacionais.

Finalizamos a incursão pelas teorias de apren-dizagem sem a pretensão de aborda-las em sua totali-dade ou se aprofundar no estudo de cada teoria e pe-ríodos das abordagens pedagógicas, mas espera-se quea visão sobre a necessidade das práticas educativasserem conceitualmente fundamentadas tenha sidocompreendida.

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ABSTRACT

The teaching practice requires the knowledge of how individuals learn, how the learning originates anddevelops and becomes as meaningful learning experience. The objective of this paper is to present thetheoretical conceptions of the learning process of individuals and their relationship to pedagogical ap-proaches adopted in the models of undergraduate courses. In this sense, the pedagogical models weregrouped in a synthesized form, in models that are distinguished by being centered on the teacher; on thestudent; in the know; on medium of communication or technique; the social context and interaction. Werepresented some of the principal aspects discussed in the Psychology Human Development, influencingteaching trends, as Innate, the Environmentalist / Behaviorist, and Interactionist. Discusses the need ofeducational practices be substantiate conceptually.

Keywords: Learning Theories, Pedagogical Models, Pedagogical Trends.

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Correspondência:Prof. Dr. Antonio Pazin-Filho

R. Bernardino de Campus, 1000Ribeirão Preto – SP – CEP – 14010-030

Telefone – [email protected]

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo II

AAAAAprprprprprendizado de adultosendizado de adultosendizado de adultosendizado de adultosendizado de adultosAdult learning

Alessandro Giraldes Iglesias1; Antonio Pazin-Filho2

RESUMO

Gradativamente, o aprendizado de adultos tem se diferenciado da pedagogia. Isso começou com a psi-cologia cognitiva e atualmente já se dispõe de evidências de neuroimagem que justifiquem essas dife-renças e permitam o melhor conhecimento do processo de aprendizagem e memória para embasar odesenvolvimento de novas técnicas de ensino.

Palavras-chave: Aprendizado de Adulto; Neurociência Cognitiva; Memória.

AAAAAprprprprprendizado de adultosendizado de adultosendizado de adultosendizado de adultosendizado de adultos

As diversas demandas por resultados concre-tos do processo de ensino têm provocado inúmerastransformações, sendo uma das principais a aceita-ção de que o adulto tem necessidades específicas parao aprendizado.1,2 Num primeiro momento, houve acompreensão de que o adulto tem características di-ferentes das preconizadas pelas bases pedagógicas tra-dicionais e há cerca de uma década, a literatura teste-munhou o nascimento da Andragogia e sua busca parase firmar como área específica.3,4 Posteriormente, hou-ve o estreitamento de laços entre a psicologia cogni-tiva e a neurofisiologia para se compreender melhoro processo de aprendizado, não se importando tantocom a idade do indivíduo, mas com a compreensão

dos diversos processos de aprendizado. Nasce entãoa Neurociência Cognitiva.5,6,7

Apesar de promissora, ainda há diversas per-guntas a serem respondidas para que se obtenha umateoria unificada de aprendizagem e foge ao escopodesse artigo entrar em detalhes sobre todo o conheci-mento que está sendo adquirido nessa área nascente.Nos limitaremos ao conhecimento necessário que seaplique ao construto teórico (“schema”) que iremosutilizar ao longo desse texto. Mas é reconfortante sa-ber que as diversas recomendações que se fizerampresentes no nascimento da Andragogia foram com-provadas e embasam recomendações de ensino base-ado em evidências.8,9

Uma distinção que já deve ser realizada de iní-cio é entre a ciência de aprendizado e a ciência de

1. Médico formado na FMRP-USP; Especialista em Cardiologia;Pós-Graduando no Programa de Ensino em Saúde da FMRP-USP.

2. Professor Associado II da Divisão de Emergências Clínicasdo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medici-na de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Coorde-nador do Laboratório de Simulação da FMRP-USP.

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instrução.10 A primeira tem como objetivo compreen-der o processo de aprendizado, enquanto a segundabusca desenvolver técnicas de ensino que estejam em-basadas no processo de aprendizado para facilitar aretenção de informação. Nesse artigo nos limitaremosa fornecer uma base conceitual mínima para a teoriade aprendizagem e memória, enquanto que as diver-sas metodologias de ensino serão motivo de váriosoutros artigos desse simpósio. Isso não quer dizer quenão apontaremos eventuais ligações entre essas basese os métodos que serão discutidos nesse simpósio.

Iniciaremos com uma descrição dos sistemasde memória classicamente descritos para fornecer umconstruto teórico (“schema”) sobre o qual poderemosilustrar diversos conceitos que sedimentam as reco-mendações de ensino baseado em evidências. Poste-riormente, faremos uma síntese das características quedevem ser levadas em consideração para o aprendiza-do do adulto que estão consolidadas e as correlacio-naremos com a base metodológica de instrução.

Memória e aMemória e aMemória e aMemória e aMemória e aprprprprprendizadoendizadoendizadoendizadoendizado

Um dos paradigmas que foram quebrados aolongo de todo esse processo é de que o aluno é uma

“tábula rasa”, ou seja, desprovido de qualquer co-nhecimento sobre o assunto. Hoje sabemos que oaprendizado se inicia intra-útero e que é praticamen-te impossível que se lide com um aluno de qualqueridade que já não tenha algo a acrescentar sobre o as-sunto que está sendo ensinado, por menor que seja.Essa percepção alterou o conceito de aprendizado,sendo que uma definição mais apropriada seria o pro-cesso através do qual o aluno seleciona um conteúdorelevante de informação que lhe é oferecido, confron-ta-o com o conteúdo que já dispõe armazenado e rea-liza a síntese entre o novo e o antigo num conteúdomais significativo.11

Frente a esse conceito, o estudo do aprendiza-do requer o conhecimento dos mecanismos de me-mória que dispomos, pois em última análise, quere-mos saber como podemos reter a informação que nosé oferecida.

A Figura 1 e a Tabela 1 apresentam umconstruto teórico (“schema”) sobre os diversos pro-cessos de memorização. Através deles exploraremosaspectos importantes para o ensino de adultos. Eletem base fundamentada em conceitos de psicologiacognitiva, mas a correlação com bases neuro-fisioló-gicas está se sedimentando (Tabela 1).

Figura 1: Componentes do Processo de Memória Humana.

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Tabela 1 - Conceitos importantes sobre os diversos tipos de processos de memorização.

Tipo Categoria Definição Base Anatômica

Memória sensorial

“Working Memory”

Memória de Longo

- Capacidade limitada, mas de maior amplitude que a "workingmemory"

- Amplificada se diversos canais de comunicação estão sendoutilizados simultaneamente

- Tem capacidade limitada;- Função de processar os diversos dados fornecidos pela me-

mória sensorial e cotejá-los com a informação contida na Me-mória de Longo Prazo

- Capacidade de armazenamento pode ser amplificada por in-formações concatenadas

- Tem capacidade ilimitada- Geralmente requer esforço considerável para retenção de in-

formação consciente- Requer processamento via "working memory" ou através de

memória implícita

Envolve todas as áreas senso-riais do cérebro

Envolve os lobos temporal eoccipital para origem da infor-mação nova e o neocórtex paraobter a informação prévia paraintegração

Neocórtex frontal

Episódica

Semântica

Procedural

- informação é armazendada dentro de umcontexto específico

- informação é armazenada desprovida decontexto, geralmente por exposições re-petidas

- informação pertinente à habilidades querequerem informações detalhadas e quenem sempre são conscientes

Neocórtex, mas há ativação deoutras áreas dependendo docontexto em que foi gerada

Neocórtex frontal

Áreas relacionadas à procedi-mentos repetitivos e inconsci-entes

Memória Implícita - Sistema relacionado ao aprendizado não-intencional- Informação estocada relacionada ao contexto, mas de forma

inconsciente e não processada- Estoca informações diferentes daquela absorvida pela rota prin-

cipal

Amigdala

Memória sensorialMemória sensorialMemória sensorialMemória sensorialMemória sensorial

Basicamente, os processos de memorizaçãopodem ser resumidos em dois tipos. Um primeiro podeser chamado de rota principal, que envolve todo oprocessamento desde o estímulo até a estocagem demodo consciente. Já o segundo, diz respeito ao queaprendemos de modo inconsciente. Veremos uma des-

crição de ambos considerando primeiro o aprendiza-do de um único conteúdo e depois discutiremos con-teúdos paralelos.

A chamada rota principal se inicia com o estí-mulo que é oferecido. Esses estímulos são principal-mente visuais e auditivos, ou seja, o aluno pode estarassistindo a um procedimento e cotejando as infor-mações com o que está sendo explicado (estímulo

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auditivo). Esses estímulos são retidos inicialmente namemória sensorial, que pode reter uma quantidadeconsiderável de informação, mas por tempo limitadoe muito do que é capturado não é consciente. Nesseponto inicial as imagens e sons obtidos são correlaci-onados e um conteúdo congruente é oferecido à“working memory”.

Um ponto importante nessa etapa da memóriasensorial é que ela pode ser amplificada se váriosmétodos de estímulo sensorial forem oferecidos. Evi-dências de neurofisiologia comprovam que quantomais o aluno estiver envolvido na etapa de aquisiçãoda informação, utilizando canais visuais e auditivos,concentrando sua atenção no que está sendo ensina-do e mesmo atuando em modelos, a estruturação doconteúdo a ser retido é intensificada, já que váriasáreas do cérebro são ativadas simultaneamente, e umproduto mais trabalhado é oferecido à “workingmemory”.

“““““WWWWWorororororking memorking memorking memorking memorking memoryyyyy”””””

A “working memory” (memória de trabalho)tem baixa capacidade de retenção de informação, masapresenta duas funções principais para o processo deestocagem de informação. A primeira é sua capacida-de de integrar a informação recebida e estabelecer umconteúdo sequencial que facilite o aprendizado. Nes-se sentido, para aumentar sua capacidade de traba-lho, a “working memory” cria pequenas “estórias”concatenadas do tipo “Era uma vez... aconteceu isso...e viveram felizes para sempre”. O fato de se relacio-nar isso com estórias infantis é intencional, pois gran-de parte do aprendizado das crianças é feito dessaforma e parece ser uma condição também do adulto,justificando que os diversos métodos de ensino bus-quem essa estratégia para aumentar a retenção. Elessão a base do “schema” que será construído na me-mória de longo prazo.7

Deve ser ressaltado que, de toda a sequênciadessa rota principal de aprendizado e memorizaçãoconsciente, o ponto de restrição do sistema (“garga-lo”) é a “working memory” pela sua capacidade li-mitada de reter informação. Portanto, quaisquer mé-todos que amplifiquem a sua capacidade podem, teo-ricamente, implicar em maior retenção de conheci-mento..11

Um segundo ponto importante que ocorre na“working memory” é a integração do conteúdo novocom o que a pessoa já tem armazenado na memória

de longo prazo. Para que possamos progredir nessaexplicação, temos que introduzir o conceito de“schemas” (construtos teóricos).

O termo “schema” é geralmente utilizado parao conhecimento geral que a pessoa já dispõe armaze-nado. Eles estão associados ao processo de codifica-ção/estocagem (“encoding”) e recuperação (“retrie-ving”) das informações na memória de longa perma-nência e estão imbuídos de informações cognitivas,procedurais, ambientais e culturais. Basicamente sãomapas sobre um processo que estão estocados e serãoatualizados com as novas informações.5

A Figura 2 ilustra dois “schemas”, um prévio(A) e outro modificado (B) frente à intervenção edu-cacional. Pode-se observar que no primeiro “schema”o aluno tem como base que frente à uma situação pro-blema, ele dispõe de uma intervenção terapêutica aser utilizada se não houver contra-indicações. Depoisda intervenção, ele agora dispõe de dois tratamentos,sendo que o tratamento novo pode ser utilizado napresença de contra-indicações ao tratamento já co-nhecido. Essa intervenção ampliou o conhecimentodo aluno que é resumido no “schema” B. Como hou-ve modificação do “schema”, pode-se dizer que hou-ve aprendizado importante para a sua prática (chama-do de significativo, não no sentido de magnitude, masporque houve significância para que pudesse havermudança de atitude).

Um ponto importante nesse conhecimento sig-nificativo é a motivação do aluno. Nesse ponto, comoele tem uma situação problema que está interessadoem resolver, seu interesse em atualizar seu mapaconceitual é grande. Se o conhecimento transmitidojá não tivesse o mesmo atrativo para resolver o pro-blema, teríamos problemas com a retenção. Isso por-que a congruência da informação antiga com a infor-mação nova é um ponto crítico para a retenção.3

Outro ponto importante é não se entender essaetapa como linear. Na verdade, o aluno coteja o queconhece com o que está vendo e vai repetindo exaus-tivamente e de modo pró-ativo até se dar conta que onovo “schema” está atendendo suas necessidades.Essa percepção é muito importante para a retenção eé a base do “feed back” (retroalimentação). O melhortipo de “feed back” é aquele em que o próprio alunochega à síntese desejada, ou seja, um “insight”.12 Masoutras modalidades de “feed back” podem ser utiliza-das. O aluno não estará satisfeito enquanto esse novo“schema” for incongruente com o que está observan-do. Essa observação é importante, pois o aluno não

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Figura 2 – Exemplo de “schema” anterior (A) e do novo “schema”(B) após a inserção da nova informação.Obs: Em B estão destacados em branco as modificações feitasno “schema”. O aluno agora tem uma opção de tratamento para asituação problema, ampliando suas opções terapêuticas. A setatracejada ilustra uma pergunta decorrente da nova informação, quepode ou não ser reforçada pelo facilitador dependendo do nível deconhecimento ou do estágio do treinamento em que a pessoaesteja. Pode ser que essa seja uma situação que será exploradasequencialmente no currículo.

BBBBB

AAAAA conseguirá prosseguir no processo de aprendizado atéque resolva essa pendência e os facilitadores devemestar atentos a esse processo.

A síntese entre o conhecimento disponibiliza-do e o conhecimento prévio, que resultou no “schema”B da Figura 2, passa agora a sofrer um processo decodificação/armazenamento (“encoding”) na memó-ria de longo prazo. Quando o conhecimento é recupe-rado para processamento, isso é chamado de“retrieving”. Muitas vezes o construto teórico quetemos sobre o armazenamento e recuperação da me-mória de longo prazo é como se estivéssemos utili-zando um sistema de arquivo similar à uma gaveta.Quando aprendemos alguma coisa nova, apenas abri-mos a gaveta e jogamos dentro. Na realidade, esseprocesso é dinâmico e não se trata apenas de acres-centar informação, mas de processar essa informaçãocom significado, transformando-a. Há evidências deque esse processo não envolva apenas a simples sín-tese entre o novo e o antigo, mas que essa síntese sejainfluenciada pelas condições emocionais e ambien-tais em que está ocorrendo. Isso explica também oporque muitas vezes o que a pessoa recorda de umevento pode não ser verdade, mas sim a transforma-ção do que ela observou à luz do que aprendeu. Pro-vavelmente você já confrontou memórias com cole-gas em que ambos participaram do evento e notouque há discrepâncias nas memórias de ambos. Issoilustra o processo e levanta questões sobre a validadedo que se está observando e retendo.6

Um dos modos de contornar essa dificuldade éa exposição recorrente ao mesmo conteúdo, verifi-cando-se se o “schema” continua contemplando asmodificações que foram reforçadas. Ainda não hádados definitivos sobre o intervalo de re-exposiçãode um determinado conteúdo, mas parece que a repe-tição muito próxima pode não ser desejável. Mas dequalquer forma, isso embasa a necessidade de se ela-borar um currículo longitudinal, com uma espiral vir-tuosa que permita a re-exposição frequente e o acrés-cimo de conteúdo, aprimorando o “schema”.13

Memória de longMemória de longMemória de longMemória de longMemória de longo pro pro pro pro prazazazazazooooo

A memória de longo prazo tem três tipos decomponentes. O primeiro é chamado de memóriaepisódica, em que a informação do conhecimento évinculada a um evento e em nível consciente. Isso é

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comum em situações de ensino em que o alunovivenciou uma experiência significativa que resultouem aprendizado significativo.

O segundo tipo é a memória semântica, queimplica na aquisição consciente de conteúdo cogniti-vo desprovido de um evento. Geralmente é fruto deexposições frequentes ao mesmo conteúdo mas emsituações distintas. Como a associação com um pro-cesso sequencial facilita em muito a retenção, essetipo de memória é mais difícil de se reter, pois geral-mente está desprovido do contexto que facilita a es-truturação de conteúdo sequencial.

Finalmente, há a memória procedural, rela-cionada ao aprendizado de habilidades, que pres-supõem um conteúdo detalhado de conhecimento quenem sempre é consciente. Esse tipo de aprendizado éresultante de prática constante e uma vez adquirido,muitas vezes o aluno não consegue descrever porqueestá fazendo aquilo daquela forma. O melhor exem-plo disso é aprender a dirigir. Provavelmente já estátão automático para você que se tiver que ensinar al-guém, você terá que primeiro sentar no carro e de-compor suas habilidades para ir demonstrando aoaluno.14

Memória implícitaMemória implícitaMemória implícitaMemória implícitaMemória implícita

No segundo tipo de memorização, a memóriaimplícita, o aprendizado ocorre de modo apenas par-cialmente consciente, estando relacionado a eventosou situações que nem sempre são reconhecidas comosituações de aprendizado. Uma característica peculi-ar é que esse tipo de aprendizado não utiliza a“working memory”, sendo armazenado diretamentena memória de longo prazo. Isso implica em armaze-namento não processado e ligações com “schemas”anteriores de modo não programado. Conhecer essetipo de aprendizado é importante pois confere impor-tância à estruturação do ambiente a que o aluno é ex-posto durante o aprendizado e suas implicações parao currículo.

Deve-se ressaltar que a memória implícita édiferente do componente procedural da memória se-mântica, pois ela é não estruturada e se estabelece demodo inconsciente, sem controle do aluno ou do faci-litador. Na memória procedural, o conhecimento éintroduzido de modo consciente e à medida que vaisendo construído com repetição contínua, vai se tor-nando automático e semi-consciente.

Finalmente, devemos lembrar que tudo o quefoi exposto se relacionou a um único conteúdo, quan-do na realidade, estamos aprendendo diversas coisasao mesmo tempo. Ainda não se sabe se isso é benéfi-co ou não, se há diferença entre gerações (as novasgerações são chamadas de multi-tarefas, pois utilizamvárias fontes de informação ao mesmo tempo) e comose fazer uso disso em técnicas de ensino. Além disso,há evidências de que o cérebro tenha capacidade parase adaptar para melhorar seu aprendizado através deneuroplasticidade, o que pode tornar o que foi expos-to muito simplificado para conteúdos mais comple-xos. Finalmente, há estudos crescentes demonstran-do uma variabilidade individual no aprendizado, quenão tem sido levada em consideração, procurando-sealternativas do tipo “one size fits all”. Ainda restammuitas perguntas a serem respondidas, mas acredita-mos que o que foi exposto pode auxiliar em muito aestruturação do que deve ser ensinado, como discuti-remos a seguir.4

CarCarCarCarCaracterísticas doacterísticas doacterísticas doacterísticas doacterísticas doaaaaaprprprprprendizado do adultoendizado do adultoendizado do adultoendizado do adultoendizado do adulto

A Tabela 2 resume as características fundamen-tais desse processo de aprendizado e memória quedevem ser bem compreendidos e utilizados no desen-volvimento de métodos e estratégias de ensino. Pro-curou-se ressaltar os conceitos, o porque eles são im-portantes, como se utilizar disso e exemplificar ummétodo que se aproveite desse conceito. Sem dúvidahá inúmeros outros métodos que se utilizem de umou de vários dos pontos destacados.

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Tabela 2 – Características do aprendizado do adulto a serem consideradas na elaboração de métodos e estra-tégias de ensino.

O aluno não é uma“tábula rasa”

A base do armazenamen-to (“encoding”) são“schemas”. Deve havercongruência entre as in-formações novas e as an-tigas para que se promo-va a síntese

Pró-atividade

Motivação

Re-exposição

“Feed back” – o alunoprecisa de retro-alimenta-ção para saber se o queestá fazendo está certo ounão

Todos tem alguma informaçãoem maior ou menor grau so-bre o assunto.

O “schema” é uma síntese doque a pessoa aprendeu e épictográfica.

O adulto tem necessidade dese envolver ativamente no pro-cesso de aprendizagem

O adulto retém maior quanti-dade de informação quando oque está sendo ensinado écongruente com o que ele ne-cessita aprender.Algumas for-mas de motivação envolvem oreconhecimento por pares

A re-exposição do conteúdo énecessária para sedimentaçãode um conceito válido, pois oprocesso de memorizaçãopode sofrer influências quecomprometam a retenção dealgo válido

Há vários modos de se obterisso, mas a melhor maneira épermitir que o próprio alunochegue à conclusão de queaprendeu o conceito

Iniciar as atividades recordan-do o conhecimento que se de-seja que o aluno já tenha

Desenvolver técnicas de ensi-no na qual se sintetize o quepessoa já sabe e utilizar as in-tervenções para modificar asfiguras produzidas.

Para habilidades, isso pode seradquirido com simuladores emque se possa praticar o que sedeseja reter

Especificar claramente o que sepretende com a atividade. Es-tabelecimento do contrato deensino

Ainda não se tem certeza dequal o período mínimo de re-exposição. Se for muito fre-quente pode inclusive ser da-noso. Mas deve-se sempre re-cuperar o que a pessoa já sabeantes de expô-la a novos conhe-cimentos

Para que isso ocorra, tem quehaver espaço para o aluno pra-ticar inúmeras vezes para quepossa testar se seu novo“schema” é eficaz ou não.Enquanto isso não for atingido,o aluno não conseguirá ir parafrente no processo de aprendi-zado.

Ensino Baseado emProblema

Fluxogramas

Simulação

Ensino baseado emEquipes

Desenvolvimentos deeixos longitudinais deensino com espirais vir-tuosas de acréscimo deconhecimento

Simulação

Fato Implicação Como se aproveitar dissoExemplo de técnicade ensino

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ABSTRACT

Gradually, adult learning has been differentiated pedagogy. This began with the cognitive psychology andcurrently already have neuroimaging evidence to justify these differences and allow a better understand-ing of the learning and memory process to support the development of new teaching techniques.

Key-words: Adult Learning; Cognitive Neuroscience; Memory.

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Correspondência:Divisão de Gastroenterologia do Departamento de Clínica

MédicaHospital das Clínicas da FMRP- Campus da USP

Av. Bandeirantes, 3900 - CEP: 14048-900E-mail: [email protected]

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

Ambiente educacionalAmbiente educacionalAmbiente educacionalAmbiente educacionalAmbiente educacionalEducational Environment

Luiz Ernesto de Almeida Troncon1

RESUMO

O ambiente educacional pode ser definido como um conjunto de elementos que circunda o educando,que nele deve necessariamente se inserir e que o inclui, quando vivencia os processos de ensino eaprendizado. Existem evidências variadas de que o ambiente educacional encontrado pelos educandotem impacto no seu rendimento acadêmico, bem como na sua satisfação com o processo educativo edão boa medida da sua importância e justificam o seu estudo, no sentido de melhor conhece-lo e poderaperfeiçoa-lo. Os componentes do ambiente educacional são de natureza material, relacionados aosaspectos fisiológicos do educando e de caráter afetivo, relacionados às suas necessidades e respostasemocionais. O ambiente educacional é determinado por fatores ligados à instituição e, em especial, aoprofessor, que se caracteriza como o principal elemento na sua manutenção e aprimoramento. Umavariedade de instrumentos tem sido descritos para a avaliação do ambiente educacional, que deve ter osentido de obter informações sobre este importante determinante do aprendizado e do desenvolvimentodo estudante. Estas informações podem subsidiar a tomada de medidas visando o aperfeiçoamento doambiente educacional, o que resulta em aumento da qualidade dos processos educativos.

Palavras-chaves: Ambiente Educacional; Clima de Aprendizado; Ensino; Aprendizado; Estudantes; Edu-cação Superior, Profissões da Saúde.

Introdução

Os processos educacionais, independentemen-te das suas características, visam sempre a aquisiçãode conhecimentos e a incorporação, pelo educando,de novas habilidades e competências. A eficácia doprocesso educacional, que, em última análise, pode-ria ser entendida como a concretização do aprendiza-do, depende de vários fatores, dos quais, um dos mais

1. Professor Titular, Departamento de Clínica Médica, Faculdadede Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

importantes, é o ambiente educacional. Embora degrande importância, o ambiente educacional é fre-quentemente negligenciado.

Neste texto, pretende-se apresentar alguns con-ceitos relativos à noção de ambiente educacional e osseus principais componentes, discutir a sua partici-pação no conjunto de fatores determinantes do apren-dizado, descrever as instâncias responsáveis pelamanutenção e pelo aperfeiçoamento contínuo de um

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo III

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ambiente favorável ao aprendizado e, por fim, des-crever sucintamente como o ambiente educacional,no qual se pretende que o educando aprenda e se de-senvolva, no âmbito de disciplinas, cursos, progra-mas e instituições, pode ser avaliado.

Desde já deve ser esclarecido, que este é umtexto de caráter geral e de natureza apenas introdutó-ria, que se destina aqueles que se iniciam no estudomais aprofundado dos vários aspectos da educação,sobretudo aquela voltada à formação de profissionaisda área da saúde.

Conceitos básicosConceitos básicosConceitos básicosConceitos básicosConceitos básicos

O termo “ambiente educacional” é bastantegenérico e, de fato, tem sido utilizado de formas bemvariadas. Uma forma de utilização muito comum é aque implica no conceito de ambiente educacionalcomo todo e qualquer contexto em que se dá o ensinoe o aprendizado; neste sentido, encontra correspon-dência nas expressões “contexto educacional” e “es-paço educacional” ou, ainda, “ambiente escolar”, casoem que o a utilização é particularizada para os con-textos ligados à “escola”, como instituição voltadapara o desenvolvimento de processos educacionais.

Os termos “atmosfera educacional” e “climaeducacional” têm sido também comumente emprega-dos como sinônimos de “ambiente educacional”. Deveser ressaltado, no entanto, que alguns teóricos es-tabelecem diferenças conceituais entre “clima” ou“atmosfera” e “ambiente” educacional. Por exemplo,Genn1, considera o “clima educacional” como algoque depende da história, das tradições e da filosofiada instituição e seria, deste modo, um determinantedo ambiente educacional que os estudantes encontram.O mesmo autor, adotando outra conceituação2, consi-dera o “clima educacional” como a maneira que oestudante percebe o ambiente, o que determina o seucomportamento frente aos diferentes desafios das ati-vidades educacionais. Este conceito alude à relativi-dade das coisas, tal como percebida por diferentespessoas, pois admite que um mesmo ambiente podeser considerado amigável por um estudante e amea-çador, por outro, como também considera LindaHutchinson.3

Além destes vocábulos de natureza mais geral(ambiente, contexto atmosfera, clima), a palavra “am-biente” tem sido também muito utilizada recentemen-te, ainda no âmbito educacional, em um sentido maisestrito, para designar plataformas computadorizadas

de aprendizagem eletrônica ou de ensino à distância;neste sentido, “ambiente educacional” pode equiva-ler às expressões, também usuais neste uso mais es-trito, “ambiente virtual de aprendizagem” e “ambien-te eletrônico de apoio ao aprendizado”.

O ambiente educacional poderia, enfim, serdefinido como o conjunto de elementos, de ordemmaterial ou afetiva, que circunda o educando, que neledeve necessariamente se inserir e que o inclui, quan-do vivencia os processos de ensino e aprendizado, eque exerce influência definida sobre a qualidade doensino e a eficácia do aprendizado. Destaque-se queum aspecto particular deste conceito é a inclusão doeducando como elemento que participa do ambiente,o que tem a implicação de lhe atribuir responsabili-dades na manutenção e no aperfeiçoamento do ambi-ente que integra.

Independentemente das várias formas da suautilização, bem como do grau de precisão das corres-pondentes definições de ambiente educacional, é im-portante considerar, como sugere Linda Hutchinson3,que existe a pressuposição que o ambiente deve serfavorável ao aprendizado, ou então deve serpropiciador do aprendizado conseguido de forma agra-dável. Do mesmo modo, devem ser consideradas asevidências de que o ambiente educacional encontra-do pelos educando tem impacto no seu rendimentoacadêmico, bem como na sua satisfação com o pro-cesso educativo4,5,6, o que indica a sua importância erelevância. Assim sendo, todo o empenho em conhe-cer o ambiente educacional e em aperfeiçoa-lo, pare-ce válido e meritório4, bem como contribui para oaperfeiçoamento do próprio processo educacional.7

Componentes do ambienteComponentes do ambienteComponentes do ambienteComponentes do ambienteComponentes do ambienteeducacionaleducacionaleducacionaleducacionaleducacional

Os componentes do ambiente educacional po-dem ser classificados, de maneira simplificada, comosendo de natureza material ou de caráter afetivo (Qua-dro I). Os de natureza material estão mais relaciona-dos aos aspectos fisiológicos do educando, enquantoque os de natureza afetiva relacionam-se às suas ne-cessidades e respostas emocionais.

Embora seja óbvio, é importante enfatizar queparte importante dos componentes do ambiente edu-cacional é a que se relaciona ao ambiente físico emque se dá o aprendizado, ou às condições materiaisque cercam o ensino e o aprendizado. Os estudantesdevem estar confortavelmente acomodados em espa-

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ços físicos que os caibam com folga e que permitamque as atividades propostas sejam adequadamentedesenvolvidas. Na maior parte das atividades, as pes-soas ficam sentadas, o que implica que deva havercadeira para todos e que os assentos sejam confortá-veis. A disposição das cadeiras deve ser tal que per-mita que todos os participantes vejam e escutem oque deve ser visto ou escutado. Em atividades educa-tivas mais dinâmicas, deve haver espaço físico sufi-ciente para que as cadeiras sejam mudadas de posi-ção, se o processo assim o exigir. Como será mencio-nado adiante, a disposição dos participantes no recin-to pode também exercer influência nos aspectosafetivos do ambiente educacional.

A temperatura deve ser aquela em que todos norecinto sintam-se confortáveis, o que é especialmentedigno de atenção quando há necessidade de se utilizarequipamentos de ar condicionado ou aquecedores.

O ambiente físico deve também ser silencioso, oque se aplica tanto ao ruído gerado externamente, quedeve ser necessariamente controlado, como aquele queos próprios participantes produzem. Em salas maio-res em que os estudantes são divididos em gruposmenores para trabalhar no mesmo espaço físico e temque se comunicar entre si, é importante que um gruponão atrapalhe os demais, fazendo barulho demais.

A iluminação deve ser adequada ao tipo de ati-vidade, permitindo que tudo seja visualizado semmaior esforço. É também importante dar atenção aelementos visuais presentes que podem distrair os par-ticipantes da atividade educativa, sejam os externos,vistos por janelas abertas, ou aqueles presentes na pró-

pria sala, como é o caso de anotações em lousa, carta-zes ou outros estímulos visuais utilizados em ativida-des prévias, que devem ser removidos ou ocultados.

Quando se utilizam recursos audiovisuais outecnológicos, como projeções de arquivos de vídeousando computadores, é importante que as condiçõessejam adequadas para que todos ouçam ou enxerguem.

Por fim, fazem parte deste conjunto de elemen-tos materiais os recursos para que os estudantes par-ticipem das atividades educacionais tendo as suasnecessidades fisiológicas mais básicas satisfeitas, ouseja, que não esteja com fome ou sede e que tenhabanheiros adequados e limpos nas proximidades.

A adequação das condições destes elementosfísicos ou materiais pode ser mais facilmente contro-lada em atividades ditas de “sala-de-aula”, como pre-leções, seminários, discussão de casos ou problemas,reuniões clínicas, etc. No entanto, este controle podeser muito difícil, ou mesmo impossível, nas ativida-des desenvolvidas nos locais de trabalho clínico, comoenfermarias, ambulatórios, unidades de saúde na co-munidade, ou no próprio domicílio dos pacientes. Nãoé incomum em nosso país que, nestes locais, as con-dições materiais sejam precárias, mesmo para o exer-cício das suas atividades fim. Nestas circunstâncias,é conveniente reconhecer explicitamente a ausênciadas condições mais adequadas, de modo a prepararos estudantes para a adaptação, na medida do possí-vel, ao ambiente existente.

Os diferentes componentes de natureza afetivado ambiente educacional, que são apresentados noQuadro I, tem como elemento comum a finalidade defazer com que o estudante se sinta confortável e quesinta prazer em participar das atividades educativasÉ essencial que o estudante seja respeitado e se sintaseguro para expor as suas ideias, sem medo de sercriticado ou ridicularizado. Deve sentir-se como per-tencente ao grupo e fazendo parte importante dele,tendo a percepção clara que o seu trabalho e a suaparticipação contribuem para o aprendizado de todos.Como será comentado adiante, estes elementos de-pendem, em grande parte, de quem tenha a função decoordenar ou liderar a atividade, responsabilidade que,na maioria das vezes, recai sobre o professor. Deveele ter a percepção das diferenças entre os estudantese estimular e encorajar os mais retraídos a exporemas suas opiniões e pontos de vista, de modo que, aolongo do tempo, adquiram confiança para participardas atividades, em condições de igualdade com osdemais membros do grupo.

Quadro I. Componentes do ambiente educacional.

ELEMENTOS MATERIAIS

- Espaço físico

- Mobiliário

- Temperatura

- Condições de som

- Iluminação e adequação visual

- Recursos para atender necessidades fisiológicas

ELEMENTOS AFETIVOS

- Respeito

- Senso de pertencimento

- Segurança

- Encorajamento

- Confiança

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Um elemento prático, de importância óbvia, quese relaciona tanto com os componentes físicos comoafetivos, é a necessidade de se prover intervalos nasatividades educacionais, de modo que os estudantespossam se recompor tanto fisiológica como mental-mente.

Este conjunto diversificado de componentespode também ser classificado de outra maneira, comoconsidera Genn 2, referindo-se ao trabalho de BarryFraser, um grande estudioso do ambiente educacio-nal. Esta classificação contempla as característicasfísicas, as psicológicas, as sociais, as pedagógicas eas tecnológicas (Quadro II). As físicas correspondemaos componentes materiais já comentados, as psico-lógicas correspondem ao modo como o educando per-cebe o ambiente e é por ele influenciado, enquantoque as sociais referem-se às diversas interações entreas pessoas, particularmente, entre os próprios estu-dantes. Por outro lado, as pedagógicas ligam-se àscaracterísticas do currículo, que pode ser mais cen-trado no professor ou no estudante. Já as característi-cas tecnológicas dizem respeito aos recursos destanatureza disponíveis para a facilitação do aprendiza-do, bem como ao acesso dos estudantes a eles.

RRRRRelações entrelações entrelações entrelações entrelações entre componentese componentese componentese componentese componentesdo ambientedo ambientedo ambientedo ambientedo ambiente educacional educacional educacional educacional educacional

e ae ae ae ae aprprprprprendizadoendizadoendizadoendizadoendizado

Dentre os estudiosos da Educação, como áreado conhecimento, não se duvida da importância deum conjunto relativamente pouco numeroso de fato-res, cuja presença ou ausência determina se o apren-dizado irá ou não efetivamente ocorrer. Estes fatoresestão representados esquematicamente na Figura 1.

Quadro II. Classificação das características do am-biente educacional, segundo Genn (2), referindo-se ao trabalho de Barry Fraser.

FÍSICAS

PSICOLÓGICAS

SOCIAIS

PEDAGÓGICAS

TECNOLÓGICAS

INSTITUIÇÃO

Currículo

Qualidade do ensino

Definição clara de objetivos, atividades e avaliações

Mecanismos de apoio

PROFESSORES

Estilos e técnicas de ensino

Entusiasmo

Adequação do ambiente físico

Modelos de comportamento

AMBIENTE EDUCACIONAL

EDUCANDO

Experiências prévias

Estilos de aprendizagem

Motivação

Percepção de relevância

APRENDIZADO

Figura 1. Representação esquemática dos principais fatores que afetam o aprendizado, relacionados ao ambiente educacional, modificadae adaptada a partir do esquema apresentado em Hutchinson.3

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Dentre os fatores de importância inquestioná-vel, talvez o de maior relevância seja o envolvimentopessoal do educando 3. Este, por sua vez, depende dasua motivação para aprender, bem como do seu con-vencimento sobre a relevância do conhecimento queserá aprendido, ou das habilidades e competências queserão incorporadas ou desenvolvidas 3. Tanto a moti-vação para aprender e a noção da relevância do queserá aprendido são influenciadas pelas experiênciasprévias do educando, bem como pelo contexto e peloambiente em que se dá o aprendizado. Por fim, cadaestudante tem um estilo de aprendizado preferido,sendo alguns mais eficazes do que outros.8

Com relação à motivação do estudante ou edu-cando, A. Maslow, citado por Linda Hutchinson 3,afirma que ela está ligada a um senso de “auto-reali-zação”, que somente é alcançado se sua auto-estimaestiver preservada. Esta preservação é determinadapelo senso de pertencimento ao grupo do qual o edu-cando participa, o que, por sua vez, depende de o es-tudante se sentir seguro para manifestar suas opini-ões e pontos de vista. No entanto, todo este encadea-mento de percepções se assenta em uma mesma base,que é o atendimento às “necessidades fisiológicas”do educando, expressão que, neste caso, estão liga-das ao seu conforto e bem-estar físico. Este conjuntode relações, que descreve os requisitos para que amotivação para o aprendizado ocorra, passou a serdenominado como “Hierarquia de Maslow” e estárepresentado na Figura 2.

A “Hierarquia de Maslow” 3, tal como repre-sentada na Figura 2, constitui um bom modelo para oentendimento da importância do ambiente educacio-nal no aprendizado do educando. De fato, o atendi-mento ao bem estar físico do estudante, que constituia base sobre a qual se assentam os outros elementos,depende da presença dos elementos materiais do am-biente educacional, enquanto que a segurança, o sen-so de pertencimento e a preservação da auto-estimaestão ligados aos seus elementos afetivos (Quadro I).De fato, o estudante colocado em uma sala com tem-peratura inadequada, barulhenta, com cadeirasdesconfortáveis e com vários focos de distração visu-al ou auditiva, provavelmente, não vai conseguir con-centrar-se ou animar-se para a atividade, o que podeafetar negativamente a sua motivação, bem como afe-tar a sua noção de relevância do conhecimento queserá aprendido. Da mesma maneira, o estudante queé ignorado pelos colegas ou pelo professor, ou que éridicularizado quando apresenta sua opinião dificil-mente se sentirá disposto a se engajar nas atividadespropostas de modo a efetivamente aprender.

É importante ressaltar que as considerações fei-tas anteriormente dizem respeito à motivação intrín-seca para aprender, que, diga-se de passagem, é tidacomo a que mais se associa ao um aprendizado efeti-vo e duradouro, mas que se diferencia da motivaçãoextrínseca. Esta é representada por estímulos exter-nos, que podem ser tanto positivos, como prêmios ougratificação emocional, como negativos, como o medo

AUTO-REALIZAÇÃO

AUTO-ESTIMA

SENSO DE PERTENCIMENTO

SEGURANÇA

NECESSIDADES FISIOLÓGICAS

Figura 2. Representação esquemática da “hierarquia de Maslow”, sobre os determinantes da motivação do estudante para o aprendizado,modificada e adaptada do esquema apresentado em Hutchinson.3

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de punições ou reprimendas.9 Embora esta discussãoextrapole o escopo deste texto, muitos entendem queo aprendizado influenciado pela motivação intrínse-ca, ou “desejo de aprender”, é mais profundo e dura-douro, enquanto que o aquele determinado pela moti-vação extrínseca é mais superficial e fugaz.

DeterDeterDeterDeterDeterminantes do ambienteminantes do ambienteminantes do ambienteminantes do ambienteminantes do ambienteeducacionaleducacionaleducacionaleducacionaleducacional

A Figura 1 mostra que o ambiente educacionalé determinado por fatores ligados à instituição e, emespecial, ao professor. Os estudantes, também, desem-penham um importante papel na manutenção e noaprimoramento do ambiente educacional, além de,como já foi dito, serem afetados por ele.

A instituição ou escola constitui o principal res-ponsável pela provisão de condições materiais para obom desenvolvimento do aprendizado. Além disso, éa instância responsável pelo estabelecimento do pro-jeto político pedagógico dos cursos, do qual deriva aestrutura curricular e as formas de avaliação do estu-dante. A instituição ou escola é também a instânciaque se encarrega da contratação e do treinamento dosprofessores, do estabelecimento de políticas para avalorização da sua atuação no ensino, bem como docontrole da qualidade da sua atuação no ensino, o que,naturalmente, tem implicações no ambiente educa-cional.

Currículos pouco flexíveis, excessivamente cen-trados na instituição e no professor, com pouca mar-gem para os estudantes escolham atividades e conteú-dos a aprender, provavelmente determinarão um am-biente educacional menos favorável. Da mesma for-ma, a falta de explicitação ou de clareza quanto aosobjetivos, programas e métodos de ensino, de um lado,e propostas de avaliação do estudante focadas predo-minantemente no domínio cognitivo e com finalida-des exclusivamente somativas, sem a preocupação como componente formativo, de provisão de devolutivasao estudante, contribuirão fortemente para que se te-nha um ambiente educacional pouco saudável.

Políticas de contratação de professores e estra-tégias para o seu desenvolvimento pela instituição,incluindo a definição do que é ou não é valorizado,dentre os diferentes papéis desempenados pelos mem-bros do corpo docente, tem, também, claras repercus-sões no ambiente educacional. Adicionalmente, a ins-tituição contribui para a criação de ambiente educa-cional positivo ao demonstrar preocupação efetiva

com a trajetória dos estudantes e oferecendo apoioaos que encontram maiores dificuldades para se adap-tar ao meio e para aprender.

O professor é talvez o determinante mais im-portante do ambiente educacional, bem como é fre-quentemente o responsável pela sua manutenção emcondições favoráveis e pelo seu aperfeiçoamento. Poresta razão, os professores devem ser vocacionadospara a atividade didática e preparados para trabalharcom os estudantes. Além de necessariamente deterfamiliaridade com o conteúdo, devem ter domíniosatisfatório dos princípios do aprendizado e das téc-nicas de ensino, bem como conhecer a importânciado seu papel na manutenção e no aperfeiçoamento deambiente educacional favorável ao aprendizado dosestudantes. No exercício deste papel, o entusiasmodemonstrado nas atividades educacionais é, sem dú-vida, um elemento de grande influência na percepçãodo estudante sobre a relevância do que deve ser apren-dido. Mais ainda, o comportamento do professor esuas demonstrações de relacionamento adequado comos estudantes funcionam como modelo para o seudesenvolvimento pessoal e profissional, mesmo queo professor não tenha conhecimento disto.

Os estudantes também constituem elementosimportantes na determinação da qualidade do ambi-ente educacional. Isto se dá não só mediante a suainteração com a instituição e com o corpo docente,exercida pela representação discente, mas tambémpelo seu comportamento com os colegas nas diferen-tes atividades educacionais. Junto com os professo-res, os estudantes tem a responsabilidade de interagirfavoravelmente com os colegas mais retraídos, esti-mulando-os e favorecendo a sua integração com ogrupo, bem como evitando comportamentos abusivosque levam à exclusão e à perda de confiança dos atin-gidos. É importante que, ao invés do estímulo aoaprendizado e desenvolvimento pela competição en-tre os estudantes, estes, junto com os professores,contribuam para que a criação de uma ambiente decolaboração entre os colegas, para que todos atinjamas finalidades dos processos educacionais.

AAAAAvvvvvaliação do ambiente educacionalaliação do ambiente educacionalaliação do ambiente educacionalaliação do ambiente educacionalaliação do ambiente educacional

Considerando a importância do ambiente edu-cacional para o aprendizado e o desenvolvimento pes-soal dos estudantes, não é difícil compreender a rele-vância de se conhecer a fundo as características dosambientes das várias instituições, para que os elemen-

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tos positivos sejam mantidos e reforçados e os aspec-tos negativos sejam eliminados ou corrigidos. De fato,a preocupação dos educadores com a avaliação doambiente educacional é antiga.

Barry Fraser, em revisão publicada em 199810,assinala nove diferentes instrumentos de avaliação doambiente educacional, aplicáveis genericamente aqualquer processo de ensino e aprendizado, com foconos seus aspectos psicossociais. Mais recentemente,Soemantri e colaboradores11, em revisão sistemáticada área de avaliação do ambiente educacional, encon-traram publicações sobre 31 diferentes técnicas, noperíodo entre 1966 e 2010. Estas técnicas foram apli-cadas tanto para o ensino de graduação, como para otreinamento pós-graduado, em diferentes profissõesda saúde. Nesta revisão, concluíram que quatro ins-trumentos específicos parecem ser os mais adequa-dos, por preencherem requisitos de validade e fide-dignidade ou confiabilidade. Um deles, o DREEM(Dundee Ready Education Environment Measure)desenhado originalmente para ser um instrumento“universal”12 adquiriu grande popularidade e tem sidoaplicado em várias partes do mundo, bem como ser-vido de base para o desenvolvimento de outros ins-trumentos, de uso mais particularizado. Entre este, émister assinalar a sua adaptação no Brasil, para a ava-liação do ambiente educacional de treinamento demédicos residentes.13

O DREEM foi desenvolvido na Escócia, a par-tir da opinião de estudantes e professores, sendo de-pois submetido à apreciação de 48 professores emmeio de carreira, provenientes de 22 diferentes paí-ses.12 Este instrumento é composto por cerca de 50afirmações, que abordam diferentes dimensões ou sub-escalas (Quadro III), em relação às quais, os estudan-tes devem manifestar explicitamente concordância oudiscordância.

É importante destacar que a avaliação do am-biente educacional dever ter o sentido de obter infor-mações sobre este importante determinante do apren-dizado e do desenvolvimento do estudante que subsi-diem a tomada de medidas visando o seu aperfeiçoa-mento, de modo a aumentar a qualidade dos proces-sos educativos.

Principais pontos de interesse

• O ambiente educacional, entendido como um con-junto de elementos materiais e afetivos que circun-

Quadro III. Componentes do ambiente educacional.

I. CONDIÇÕES DO ENSINO

(Ex.: sinto-me estimulado, percebo com clareza os ob-jetivos, tenho noção de que o tempo está sendo bemutilizado, tenho liberdade para construir o meu apren-dizado...)

II. ATUAÇÃO DOS PROFESSORES

(Ex.: comunicam-se bem, conhecem bem a matéria, sãobons para dar devolutiva aos estudantes, não são auto-ritários...)

III. PERCEPÇÃO ACADÊMICA DE SÍ PRÓPRIOS

(Ex.: sou capaz de memorizar tudo o que preciso, per-cebo como relevante tudo que tenho que aprender, sin-to-me preparado para esta profissão, estou confiante quevou passar este ano...)

IV. ATMOSFERA EDUCACIONAL

(Ex.: o clima durante as aulas é relaxado, sinto-me àvontade para fazer perguntas, sinto-me confortável en-tre os meus colegas de classe...)

V. PERCEPÇÃO SOCIAL DE SÍ PRÓPRIOS

(Ex.: tenho bons amigos nesta escola, sinto que tenhoapoio quando preciso, raramente me sinto aborrecidoneste curso...)

da o educando, constitui um dos principais deter-minantes do aprendizado;

• O ambiente educacional é determinado por fatoresligados à instituição, ao professor e ao próprio edu-cando, que devem contribuir para a sua manuten-ção e aprimoramento;

• Existem diversos instrumentos construídos e vali-dados para a avaliação do ambiente educacional,nos seus vários aspectos;

• A avaliação do ambiente educacional é importantepara fornecer dados e informações, que podem serutilizadas para a tomada de medidas visando o seuaperfeiçoamento, o que implicará em aumento daqualidade do processo educativo.

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RRRRRefefefefeferências Biberências Biberências Biberências Biberências Bibliolioliolioliogggggráfráfráfráfráficasicasicasicasicas1. Genn JM. AMEE Medical Education Guide No. 23 (Part 2):

Curriculum, environment, climate, quality and change in medi-cal education - a unifying perspective. Med Teach. 2001; 23:445-54.

2. Genn JM. AMEE Medical Education Guide No. 23 (Part 1):Curriculum, environment, climate, quality and change in medi-cal education - a unifying perspective. Med Teach. 2001; 23:337-44.

3. Hutchinson L. ABC of learning and teaching - Educational en-vironment. BMJ 2003; 326:810-12.

4. Miles S, Swift L, Leinster SJ. The Dundee Ready EducationEnvironment Measure (DREEM): A review of its adoption anduse. Med Teach. 2012; 34: e620–34.

5. Pimparyon P, Roff S, McAleer S, Poonchai B, Pemba S. Edu-cational environment, student approaches to learning and aca-demic achievement in a Thai nursing school. Med Teach 2000;22:359–64.

6. Mayya SS, Roff S. Students’ perceptions of educational envi-ronment: A comparison of academic achievers and under-acheivers at Kasturba Medical College, India. Educ Health.2004; 17:280-91.

ABSTRACT

The educational environment is composed by a number of factors that influence learning and affect aca-demic performance and student satisfaction. The components of the educational environment are relatedto student physiological needs and emotional responses. The educational environment is determined bythe school and the teacher, but student also plays a role in its maintenance and improvement. A variety ofinstruments have been described for the evaluation of the educational environment, which could be un-derstood as a process of collecting data that should inform decision making processes aiming at improv-ing educational environment. This will result in increased quality of student learning and development.

Key-words: Educational Environment; Learning Climate; Teaching; Learning; Students; Health ProfessionsEducation.

7. Genn JM, Harden RM. What is medical education here re-ally like? Suggestions for action research studies of cli-mates of medical education environments. Med Teach.1986; 8:111–24.

8. Newble DI, Entwistle NJ. Learning styles and approaches: im-plications for medical education. Med Educ. 1986; 20:162-75.

9. Ryan RM, Deci EL. Intrinsic and Extrinsic Motivations: Clas-sic Definitions and New Directions. Contemp Educ Psychol.2000; 25:54-67.

10. Fraser B. Classroom environment instruments: development,validity and applications. Learning Environments Research1998; 1: 7-33.

11. Soemantri D, Herrera C, Riquelme A. Measuring the educa-tional environment in health professions studies: A systematicreview. Med Teach. 2010; 32: 947–52.

12. Roff S, McAleer S, Harden RM, Al-Qahtani M, Ahmed AU,Deza H, Groenen G, Primparyon P. Development and valida-tion of the Dundee Ready Education Environment Measure(DREEM). Med Teach.1997; 19: 295–99.

13. De Oliveira Filho GR, Vieira JE, Schonhorst L. Psychometricproperties of the Dundee Ready Educational EnvironmentMeasure (DREEM) applied to medical residents. Med Teach.2005; 27: 343–7.

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Correspondência:Prof. Dr. Francisco Jose Candido dos Reis

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia,Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Hospital das

Clínicas da FMRP, Campus da USP, 14049-900E-mail: [email protected]

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

“ “ “ “ “Principais Pontos de Interesse”””””

1. A definição e comunicação do currículo permiteque estudantes, professores e gestores acadêmicosreconheçam suas obrigações em relação ao curso.

2. O currículo é mais que uma lista de atividades econteúdos. Ele deve informar claramente quais sãoos resultados esperados com aquela proposta edu-cacional.

3. No processo de desenho curricular é fundamentalexplicitar qual o propósito do programa educacio-nal, como ele será organizado, as oportunidades deaprendizagem oferecidas pelo programa, e comosaberemos se os resultados alcançados foram al-cançados ou não.

4. Todas as experiencias vivenciadas pelos estudan-tes, durante o curso e que os ajudam a alcançar a

Princípios básicos de desenhoPrincípios básicos de desenhoPrincípios básicos de desenhoPrincípios básicos de desenhoPrincípios básicos de desenhocurcurcurcurcurricular parricular parricular parricular parricular para cura cura cura cura cursos dassos dassos dassos dassos dasprprprprprofofofofofissões da saúdeissões da saúdeissões da saúdeissões da saúdeissões da saúdeBasic principles to curriculum design on health professionseducation (HPE)

Francisco Jose Candido dos Reis2, Cacilda da Silva Souza1, Valdes Roberto Bollela1

RESUMO

Nesta revisão são discutidos os aspectos conceituais e princípios básicos para a construção de currícu-los para os cursos de gradaução das profissões da saúde. Serão abordados alguns modelos, fundamen-tos e passos essenciais para a construção de currículos, em paralelo ao contexto das Diretrizes Curricu-lares Nacionais. No planejamento e na organização dos currículos, é destacada a relevância docomprometimento do professor, aluno e equipe; do emprego de estratégias apropriadas no processo deensino-aprendizagem e dos instrumentos de avaliação que possam contribuir para a revisão e melhoriasdo currículo proposto.

Palavras-chave: Currículo; Educação médica; Ocupações em saúde.

1. Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicinade Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

2. Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo IV

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capacitação profissional são consideradas compo-nentes do currículo.

5. A sustentabilidade do currículo depende de um pro-cesso regular de avaliação do próprio programa eda adequação do egresso às necessidades da socie-dade.

1.1.1.1.1. Intr Intr Intr Intr Introducãooducãooducãooducãooducão

Esta revisão tem como objetivo apresentar osprincípios básicos para o desenho de currículos e asbases para o desenvolvimento de um currículo na áreada saúde. Existem vários fatores que devem ser con-siderados para o desenho e implementação de umcurrículo, a saber:• Teorias de aprendizagem• Teorias de prática profissional• Valores sociais• Expansão constante da base de conhecimento• Profissionalismo• Desenvolvimento dos serviços e do sistema de

saúde• Aspectos políticos• Transparência e responsabilidade.

A escolha do “desenho ou modelo do currícu-lo” não é uma entidade objetiva e exclusivamente ra-cional, mas sim uma construção social, política, aca-dêmica e profissional1. O paradigma da integralidadepropõe um equilíbrio entre a excelência técnica e arelevância social, e busca valorizar as metodologiaspedagógicas desenvolvidas na área da educação paraaperfeiçoar o processo ensino-aprendizagem. A for-mação profissional, a produção de conhecimento e aprestação de serviços pelas instituições formadorassão então inseridas em contexto de relevância social,ou seja, a responsabilidade do ensino perante a so-ciedade.

A aprovação em 2001 das Diretrizes Curricu-lares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação emmedicina, pode ser considerada consequência de umamobilização transformadora dos educadores da áreada saúde no país e reflexo das tendências internacio-nais que propõem inovações na formação dos profis-sionais de saúde2. Nesta conjuntura, a maioria doscursos de graduação da área da saúde no Brasil pas-sou a enfrentar seus dilemas, entre os quais o de con-ciliar a necessidade de incorporação de um volumecrescente de novos conhecimentos e tecnologias eatender às demandas sociais geradas pelas peculiari-

dades e desigualdades do país. A formação exclusivaou preponderante nos hospitais de alta complexidadee a carência de profissionais com formação baseadaem competências resultam em discrepâncias entre operfil do profissional que a sociedade deseja e o egres-so dos aparelhos formadores da área da saúde. Diantedesta questão, na virada do século XXI, os cursos degraduação da área da saúde no Brasil buscaram revi-sar as suas diretrizes curriculares.

São crescentes as expectativas de mudança domodelo de currículos nos cursos de graduação, queformatados em “grades” conferem excessiva rigidezadvindas, em grande parte, de fixação detalhada nosconteúdos das disciplinas3. Em boa medida, as reco-mendações explícitas nas Diretrizes Curriculares Na-cionais (DCN) de 2001 têm sido uma excelentereferencia para desenho e revisão dos currículos noBrasil.

O planejamento e o desenvolvimento de currí-culos são matérias prioritárias na agenda dos cursosde graduação, pós-graduação e de educação médicacontinuada. O modelo de educação em que o profes-sor restringe seus ensinamentos apenas aos temas doseu próprio interesse, ou o treinamento prático, aospacientes internados em hospitais terciários, tem sidoquestionado. Outra situação que tem se tornado cadavez menos frequente é a do professor que desenha/revê o currículo de seu curso/disciplina baseado ape-nas na sua própria e prévia experiência de aprendiza-do acadêmico, ou seja, a reprodução de práticas deensino, sem a reflexão sobre as mudanças na sua áreade atuação, no perfil dos estudantes e na prática pro-fissional. Assim, não existe dúvida sobre o papel cru-cial do planejamento cuidadoso do currículo para queo processo de ensino/aprendizagem tenha sucesso.

2.2.2.2.2. Conceito de cur Conceito de cur Conceito de cur Conceito de cur Conceito de currículorículorículorículorículo

Currículo é mais que uma lista de atividadesou um conjunto de conteúdos. O currículo deve cui-dar de todos os aspectos relevantes para um progra-ma de ensino. Ele deve informar claramente quais sãoos resultados esperados com a proposta educacional,bem como sobre a intenção dos professores e quaisas escolhas e os caminhos a serem tomados para sealcançar estes resultados esperados (Figura 1). Valeressaltar alguns conceitos agregados ao currículo, eque geralmente são debatidos. O currículo “declara-do”, é o currículo formal e que está impresso nos do-cumentos da instituição. O currículo “ensinado” é o

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resultado da “leitura” que os professores fazem e aqui-lo que executam, a partir do que está determinado nocurrículo declarado, ou seja, é aquilo que é executa-do pelos professores, o que acontece efetivamente naprática. O currículo “oculto” é definido como tudoaquilo que os estudantes aprendem, mas que não fazparte das atividades previstas no currículo declarado,e apesar de não ser formalmente ensinado pelos pro-fessores do curso e/ou não estarem previstos na cargahorária do curso, resulta em aprendizado para os es-tudantes. Finalmente, existe o conceito de currículo“aprendido”, que estaria relacionado a tudo aquilo quefoi possível aos estudantes aprenderem, independen-temente se nas atividades formais ou informais deaprendizado.

3. Construção do currículo

Com intuito de facilitar a compreensão das ba-ses da estruturação e da implementação curricular,foram propostos vários modelos que estabelecem “eta-

pas” para o desenho de currículos efetivos no cum-primento das suas finalidades. Discutimos a seguirdois modelos de construção curricular. O modelo pro-posto por Harden (1986) e outro modelo baseado emcompetências, que foi proposto pelo AccreditationCouncil for Graduate Medical Education-ACGME(2000)4,5.

Na Tabela 1 são apresentados os 10 passos naestruturação do currículo segundo Harden, e em se-guida são comentados, de forma resumida, os princi-pais pontos da proposta do ACGME e sua relação comas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Área daSaúde, de 2001.

Idealmente, deve-se estabelecer a priori os re-sultados de aprendizagem (learning outcomes) de umaexperiência educacional, o que será a base norteadorado currículo. Neste modelo, os resultados de aprendi-zagem esperados devem ser previamente definidos einformados, e determinam a tomada de decisões so-bre o currículo. Esta visão contrasta com modelosanteriores de desenho de currículos, centrados na ex-

Figura 1: Componentes de um currículo, a começar pelos resultados esperados (estrela) e todos os recursos mobilizados e envolvidospara que sejam alcançados.* Outcomes ou resultados esperados são as competências e capacidades esperados do aprendiz, ao final da experiência educacional.

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Tabela 1. Dez passos para a estruturação do currí-culo

1. Identificar as necessidades do aprendiz

2. Estabelecer os resultados da aprendizagem

3. Concordar com o conteúdo

4. Organizar o conteúdo

5. Decidir a estratégia educacional

6. Decidir e ensinar métodos

7. Preparação da avaliação

8. Comunicação sobre o currículo

9. Promoção de ambientes educacionais adequados

10. Gestão do currículo

periência de ensinar e nos métodos de ensino. Nestanova proposta, o foco principal deve ser direcionadopara os resultados da aprendizagem.

Na área da saúde é fundamental buscar o de-senvolvimento de habilidades e atitudes entre os es-tudantes, no mesmo grau de importância que o daaquisição de conhecimento teórico. Neste sentido, oconteúdo do currículo deve necessariamente concor-dar com a prática profissional e ser pautado pelasnecessidades da sociedade para a qual o futuro pro-fissional se destina. A organização do conteúdo de-pende do modelo de currículo adotado pelo curso. Umcurrículo mais tradicional determina a sequencia deaprendizado que se inicia pelas ciências básicas, in-cluindo anatomia, fisiologia e bioquímica, seguindopara as ciências aplicadas, como patologia, microbio-logia e epidemiologia (ciclo básico). Somente apósessa fase, e que se dá o aprendizado relacionado à

prática profissionalizante. A crítica comum a essaabordagem é que os estudantes podem não percebero que é relevante para a sua prática profissional futu-ra, e a aquisição dos conhecimentos estaria dissociadada compreensão de como e onde seriam úteis na solu-ção de problemas reais. A desconexão temporal e afalta da contextualização propiciariam um aprendi-zado pouco efetivo. Nas propostas atuais, o conteúdocurricular deve estar integrado e permanentementepresente na cabeça do estudante, o que permitiria aoestudante vivenciar a prática profissional desde o ini-cio de sua formação.

Existem propostas de integração curricular, dotipo do currículo integrado vertical, em que os estu-dantes são introduzidos à prática junto com as ciênci-as básicas numa fase precoce do programa. Os estu-dantes continuam a ver as ciências básicas aplicadasà prática nos anos subsequentes.

Todas as estratégias educacionais devem serexplicitadas no currículo, e para defini-las os profes-sores deverão considerar alguns princípiosnorteadores de práticas educacionais mais modernas,bem definidas nas DCNs e que na literatura são refe-ridas por meio do acrônimo SPICES, apresentado naTabela 2. Tais aspectos devem ser sempre pondera-dos por quem elabora o currículo de qualquer experi-ência educacional, seja uma simples aula, uma disci-plina, um estágio ou um curso inteiro.

O modelo SPICES sugere uma continuidadeentre os dois polos na organização das atividades cur-riculares, e que cada gestor do currículo deva traba-lhar com as possibilidades de transitar entre cada umdos polos. Uma breve descrição das seis dimensõespropostas no modelo SPICES pode ser vista naTabela 3.

Tabela 2: Modelo SPICES de estratégias educacionais

O Modelo SPICES prevê um continuum entre os dois polos de cada tema

S Centrado no estudante ←------------→ Centrado no professor

P Baseado em problemas ←------------→ Orientado por informações

I Integrado ←------------→ Focado nas disciplinas/especialidades

C Baseado na comunidade ←------------→ Baseado nos Hospitais

E Conduzido eletivamente ←------------→ Uniforme

S Sistemático ←------------→ Oportunístico

* S: student centered; P: problem based; I: integrated; C: community-based education; E: electives; S: systematic approach of learning.

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4. Metodologias de ensino

O currículo também deve abordar os métodosde ensino a serem utilizados no curso/disciplina. Asdiversas estratégias de ensino podem ser organizadasao longo do curso para facilitar o processo de apren-dizagem. As diversas estratégias têm particularidadesque podem ser aproveitadas para maximizar o apro-veitamento nas diversas situações e cenários. Mas éfundamental que sejam aplicadas de forma apropria-da e planejada, o que muitas vezes implica em capa-citação do corpo docente.

A aula teórica e as estratégias de sala de aulacontinuam sendo ferramentas poderosas para abor-dagem de ensino em grandes grupos, se usadas ade-quadamente. Existem técnicas para dinamizar aulas

teóricas, inclusive para plateia numerosa (vide tema:TBL).

O trabalho em pequenos grupos facilita a inte-ração entre estudantes e torna possível aprendizadocolaborativo com os estudantes aprendendo uns comos outros. Trabalho em pequenos grupos é parte im-portante do PBL. Nas profissões da saúde uma partesignificativa da aprendizagem ocorre nos cenários depratica. A aprendizagem através da pratica possibilitaalém da aquisição de conhecimentos e habilidades, odesenvolvimento de atitudes essenciais para o ade-quado desenvolvimento profissional futuro. O apren-dizado independente pode trazer uma importante con-tribuição. Os estudantes desenvolvem a capacidadede trabalhar por conta própria e assumem a responsa-bilidade por sua própria aprendizagem.

S Centrado no estudante

P Baseado em problemas

I Integrado

C Baseado na comunidade

E Conduzido eletivamente

S Sistemático

A responsabilidade pelo seu processo educacional deve ser do estudante. Es-ses estudantes vão estabelecer diferentes tempos para o seu estudo, a dependerdas suas necessidades.

Tem sido uma abordagem sedutora na educação médica, pois oferece uma atra-tiva combinação de pragmatismo e idealismo. Pragmatismo no sentido de quea aprendizagem é vista como uma importante fonte de motivação e satisfação:o idealismo que está em consonância com as teorias atuais da educação.

Em currículos plenamente integrados os estudantes teriam a visão da práticana perspectiva de outros profissionais.

Existem inúmeros e sólidos argumentos que suportam o planejamento de umcurrículo baseado mais na comunidade do que em hospitais. Muitos currículosjá preveem atividades fora do hospital ou clínicas escola desde o primeiro anodo curso de graduação.

Os programas eletivos estão bem estabelecidos nas escolas a sua importânciatem aumentado na atividade educacional. Pode ser visto como um componenteselecionado pelo estudante no currículo. Promove oportunidades para que oestudante escolha áreas de seu interesse e desenvolva habilidades em auto ava-liação, avaliação crítica e manejo do tempo.

A complexidade crescente das práticas médicas especializadas e a a necessida-de de assegurar que todos os alunos tenham experiências de aprendizado com-paráveis faz com que tenhamos de considerar uma oferta de aprendizado emambientes simulados e não apenas na prática dos cenários reais, pois as vezesnem todos os estudantes terão a mesma oportunidade de aprender algo impor-tante, se o currículo prevê apenas uma abordagem oportunistica (se tiver opor-tunidade ele aprende).

Tabela 3: Descritivo das seis dimensões propostas no modelo SPICES

* S: student centered; P: problem based; I: integrated; C: community-based education; E: electives; S: systematic approach of learning.

Modelo SPICES * descritivo

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O processo de avaliação do estudante é umcomponente chave do currículo. Já está bem docu-mentado o impacto significativo que a avaliaçãodo estudante causa na aprendizagem. Este tópicodeverá ser abordado de modo específico e capítulosespecíficos.

É fundamental que todos os interessados co-nheçam a proposta educacional em profundidade, e éresponsabilidade dos gestores e professores comuni-car efetivamente os detalhes da proposta aos estudan-tes, corpo administrativo e à sociedade.

O ambiente educacional é um aspecto chavepara a efetivação do currículo. É menos tangível queo conteúdo estudado, o método de ensino ou a avali-ação, no entanto, de igual importância. Se o ambienteé mais competitivo que colaborativo, será difícil de-senvolver no estudante o espírito de equipe.

O modelo de gestão influencia todo o desen-volvimento do currículo. Deve-se buscar um modelocolegiado e de alta responsabilidade. Todos os atoresdo processo de aprendizagem precisam estar repre-sentados, as decisões precisam ser compartilhadas.Por outro lado, é fundamental que todos estejam ci-entes de sua responsabilidade. Neste modelo de ges-tão, há ampla possibilidade de se antecipar dificulda-des e trabalhar soluções antes da ocorrência dos pro-blemas. Uma apropriada articulação do processo trans-mite segurança aos professores e estudantes. Há ain-da mais garantias da continuidade do processo à me-dida que os seus participantes são substituídos, e evi-ta mudanças bruscas e rupturas que pouco contribu-em para os avanços necessários.

5.5.5.5.5. Cur Cur Cur Cur Curriculo baseado em competên-riculo baseado em competên-riculo baseado em competên-riculo baseado em competên-riculo baseado em competên-ciasciasciasciascias

As seguir será apresentada sumariamente, comoexemplo, uma abordagem de desenho curricular emseis passos proposta pelo ACGME5, 6.

Currículo baseado em competências é aqueleque deixa claro quais as competências que se esperado aprendiz e deve ser descrito em termos de objeti-vos de aprendizagem específicos (resultados espe-rados). Cada objetivo deve estar relacionado com umplano que descreva “como” ele será alcançado e“como” essa aquisição será medida (avaliada).

As condições essenciais para o desenvolvimen-to de um currículo baseado em competências são: umgrupo de interessados e uma base conceitual e teóricade determinado tema, aliadas à uma proposta de tra-

balho de aprendizagem baseada na troca de conheci-mentos, experiências e da prática (aprender fazendo).É importante entender que o currículo do curso, comoum todo, é composto por um conjunto de propostascurriculares para cada unidade de ensino/aprendiza-gem (disciplinas, módulos, estágios, rodízios do in-ternato, etc.) ao longo dos seis anos da formação mé-dica. Para cada unidade de aprendizagem, será neces-sário escrever a proposta curricular que não deve serentendida apenas como o plano de ensino ou ementada disciplina/estágio.

A estratégia proposta a seguir tem como base oguia do facilitador para o desenvolvimento de umcurrículo baseado em competências da AccreditationCouncil for Graduate Medical Education (ACGME),de 2006, que, apesar de ter foco na estruturação decurrículos médicos para a especialização (residênciamédica), oferece a descrição de abordagens, que pelaclareza e praticidade, são úteis para o trabalho comos currículos dos cursos de graduação.

Para a realização do exercício será proveitosaa identificação de uma unidade de ensino/aprendiza-gem constante do seu currículo, ou uma experiênciaeducacional sobre a qual se pretende desenvolver umcurrículo baseado em competências e os desfechosesperados (outcomes). O guia traz orientações passoa passo, para facilitar o desenvolvimento de um cur-rículo baseado em competências, que servirá de mo-delo para futuras construções ou revisões curricula-res do seu curso. Nossa expectativa é que essa pro-posta de estruturação curricular possa ajudá-lo a es-truturar um currículo de graduação, sem ter a preten-são de ser algo definitivo e/ou completo. Existe umagrande margem para as adequações e complementa-ções que cada disciplina, módulo ou rodízio reque-rem dentro do contexto específico da escola médica ede sua inserção na comunidade.

O planejamento curricular é uma ferramentamuito útil para deixar claro para os estudantes e pro-fessores o que se pretende e o que se espera com aexperiência educacional proposta. São seis os passosnecessários para executar um planejamento curricularbaseado em competências estão apresentados na Ta-bela 4.

Neste modelo busca-se estabelecer a priori oque se espera que os aprendizes (estudantes, residen-tes, pós-graduandos) incorporem desta experiênciaeducacional específica e garantir que estejam alinha-das com as necessidades de saúde da população a queeste futuro profissional servirá.

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Por exemplo, quais das competências gerais dasDCN poderiam ser desenvolvidas por estudantes queconcluírem a disciplina de Ginecologia e Obstetrícia(GO) do quarto ano, onde estão previstas atividadesteóricas e práticas na unidade básica de saúde e namaternidade do município. É fundamental que os ob-jetivos específicos e as competências reflitam traje-tórias que levem na direção dos resultados esperadospara aquela atividade proposta.

É absolutamente necessário que exista um ali-nhamento entre os objetivos de aprendizagem espe-rados e as oportunidades de aprendizagem que a ex-periência educacional lhes proporcionará, além deestabelecer as metodologias de ensino que serão uti-lizadas (aulas teóricas, seminários, clube de revista,práticas de laboratórios, simulações, prática clínica,estudo individual, etc..). Suponha que no exemploanterior, foi estabelecido, como objetivos de aprendi-

zagem da disciplina de GO, que o estudante deveráser capaz de realizar a anamnese, exame físico dagestante, anotar os achados no cartão de pré-natal eprover as orientações necessárias para uma gestanteem consulta de pré-natal normal. A partir deste pon-to, estamos obrigados, enquanto responsáveis pelaexperiência educacional, a criar oportunidades emnúmero suficiente para todos os estudantes alcança-rem esses objetivos e, ao final, sejam capazes de con-duzir de forma adequada uma consulta de pré-natalem paciente com gestação normal. Se esse exemploparece óbvio, um programa de disciplina que incluaentre seus objetivos, por exemplo, que o estudanteseja capaz de proceder com proficiência uma punçãovenosa central ao final do estágio de urgência e emer-gência, na sua organização deve estar garantida a opor-tunidade a todos os estudantes de realizarem tal pro-cedimento. Se esta condição não for atendida, a ex-clusão deste objetivo do programa do estágio deveser considerada.

Determinar os métodos de avaliação do estu-dante que serão empregados para conferir o desen-volvimento da competência ou a capacidade para de-sempenhar uma atividade esperada. Informar ao es-tudante como ele/ela será avaliado.

Informar aos professores e estudantes comoserá feito o acompanhamento e avaliação do estágio/disciplina e como o feedback dos envolvidos poderácontribuir para a revisão e melhoria daquela experi-ência educacional no futuro.

Seguramente, a partir de um plano preliminarserão necessários vários movimentos, revisões e ade-quações para a construção de um currículo contem-plando as propostas pretendidas. Ressalta-se, que nasua construção e execução, o currículo deva continu-ar envolvendo toda a equipe e dinamicamente passa-rá por transformações em resposta às mudanças dasociedade, do conhecimento e das tecnologias, quepossivelmente refletirão na formação dos profissio-nais das áreas da saúde.

Tabela 4: Passo a passo do desenho curricular se-gundo modelo do ACGME, 2006

Passo a Passo do Desenho Curricular - ACGME

Passo 1. Necessidades: Avaliação do que será necessárioaprender nesta experiência educacional e que sãorelevantes para a prática profissional.

Passo 2. Identificar as competências que podem ser desen-volvidas e/ou adquiridas na experiência educaci-onal.

Passo 3. Descrever na essência o que significa ser compe-tente ou ter alcançado os resultados esperados(outcomes) ao final da experiência educacionalatravés de objetivos educacionais.

Passo 4. Garantir oportunidades de aprendizagem.

Passo 5. Determinar os métodos de avaliação do estu-dante.

Passo 6. Determinar como a experiência educacional seráavaliada e melhorada.

ABSTRACT:

In this review we present the concepts and the basic principles for curriculum design in health professionseducation (HPE), and present some curriculum design models as well as the essential steps for thosewho are facing this challenge. All the discussion brings the perspective of National Curriculum Guidelinesfor HPE in Brazil. It is highlighted the importance of the stakeholders’ engagement in this process and thecorrect use of appropriate strategies of teaching-learning, students’ assessment tools that can contributeto the implementation/review and improvement of curriculum in HPE courses.

Keywords: Curriculum; medical education; health professions education.

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Reis FJC, Souza CS, Bollela VR. DesenhoCurricular para Cursos das Profissões da Saúde.

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):272-9http://revista.fmrp.usp.br/

RRRRRefefefefeferererererencias Bibencias Bibencias Bibencias Bibencias Bibliolioliolioliogggggráfráfráfráfráficasicasicasicasicas1. Grant J. Principles of curriculum design. Understanding Medical

Education: Wiley-Blackwell; 2010. p. 1-15.

2. Almeida MJD, Campos JJB, Turini B, Nicoletto SCS, PereiraLA, Rezende LR, et al. Implantação das Diretrizes Curricula-res Nacionais na graduação em Medicina no Paraná. Rev BrasEduc Méd. 2007;31:156-65.

3. Maranhão EA. A construção coletiva das Diretrizes Curricula-res Nacionais dos Cursos de Graduação da Saúde: uma con-tribuição para o Sistema Único de Saúde. In: Almeida, MJ.Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Universitári-os da Área da Saúde. Rede Unida. Londrina. 2003.

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5. ACGME/ABMS. Outcome project (2006). Accreditation Councilfor Graduate Medical Education and American Board of MedicalSpecialties. http://cores33webs.mede.uic.edu/gmenext/ui/por-tal/external/gc_about.htm. Acesso em 18 de fevereiro de 2014.

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 280-3

Correspondencia:Prof. Dr. Francisco Jose Candido dos Reis.

Avenida Bandeirantes 3900, 8º andar,CEP 14049-900, Ribeirao Preto, Brasil.

[email protected]

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

Planejamento educacionalPlanejamento educacionalPlanejamento educacionalPlanejamento educacionalPlanejamento educacionalEducational planning

Francisco José Candido dos Reis1, Maria Paula Panúncio-Pinto2, Marta Neves Campanelli Marçal Vieira3

RESUMO

O objetivo deste artigo é discutir aspectos políticos e pedagógicos do planejamento educacional nocontexto da universidade contemporânea. Nesse sentido, o texto aborda os princípios e a importância doplanejamento educacional, o lugar e a definição de projeto político pedagógico, da organização curriculare do plano de aprendizagem como aspectos constituintes e integrados do planejamento. A compreensãodas etapas apresentadas e da necessária integração entre todos os componentes do planejamento edesses no contexto social concreto é fundamental para todos os que desejam exercer a docência na áreada saúde.

Palavras-chave: Planejamento Ensino-Aprendizagem, Organização Curricular, Plano De Aprendizagem.

Principais PPrincipais PPrincipais PPrincipais PPrincipais Pontos de Interontos de Interontos de Interontos de Interontos de Interesseesseesseesseesse

• Discutir aspectos políticos e pedagógicos do pla-nejamento educacional.

• Identificar a importância do planejamento educaci-onal

• Apresentar os conceitos de projeto político peda-gógico e organização curricular

• Identificar os componentes do plano de aprendiza-gem e do plano de aula

1. A imporimporimporimporimportância do planejamentotância do planejamentotância do planejamentotância do planejamentotância do planejamentoeducacional na Unieducacional na Unieducacional na Unieducacional na Unieducacional na Univvvvvererererersidadesidadesidadesidadesidade

Profissionais da educação entraram no séculoXXI discutindo uma prática educacional voltada para

o desenvolvimento sustentável da sociedade e do serhumano. No início deste século a UNESCO apresen-tou os “Pilares da Educação Para o Século XXI”, con-ferindo grande importância à humanização: “apren-der a ser”, “aprender a conhecer”, “aprender a fa-zer”, “aprender a viver em conjunto”, “aprender aantecipar-se e planejar” e “aprender a participar e aenvolver-se”1.

Nessa perspectiva, é impensável uma Univer-sidade que não esteja inserida na rede complexa dasociedade contemporânea e que não se comprometadiretamente com a produção de conhecimento volta-do para a realidade social.

A Universidade hoje é reconhecida como lócusda produção de conhecimento e de formação de pro-fissionais com vistas ás necessidades sociais concre-

1. Departamento de Ginecologia e Obstetricia da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

2. Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamen-to da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universida-de de São Paulo.

3. Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo V

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):280-3http://revista.fmrp.usp.br/

tas. Esta realidade atribui importância crescente aoensino nos cursos de graduação, pois o preparo detodos os tipos de profissionais com formação especi-alizada acontece sob responsabilidade dos docentesdo ensino superior2. Esses profissionais têm sido cha-mados a ensinar em condições diversas e desafiado-ras, nem sempre preparados para isso uma vez que aformação dos futuros docentes universitários desen-volve-se com ênfase na pesquisa. Tradicionalmente oprofessor universitário sabe muito sobre sua área es-pecífica e pouco sobre ensino3.

Tal realidade se reflete também na formaçãode profissionais da saúde: o ensino superior na áreada saúde no Brasil não consegue formar profissionaispara atender plenamente as demandas da população.Há insuficiência quantitativa e qualitativa. Esta situ-ação é bastante complexa e envolve questões econô-micas e sociais, de acesso e permanência na universi-dade. Além disso, destaca-se aqui a questão da for-mação pedagógica docente.

A legislação atual exige que o professor com-plete sua pós-graduação (mestrado e doutorado), ondeconsolida conhecimentos teóricos e instrumentaissobre seu campo específico. Desta forma, o ensinotorna-se decorrência de suas atividades de pesquisa ede sua experiência profissional, ocorrendo uma con-fusão entre “experiência” e formação. Diante do pou-co investimento em formação pedagógica, faltam aoprofessor os fundamentos científicos sobre os elemen-tos constitutivos da atuação docente: planejamento,organização do currículo; preparo das aulas; métodose estratégias didáticas; avaliação da aprendizagem,entre outros3.

Desta forma, as atividades de ensino-aprendi-zagem acabam sendo mais “espontâneas” do que pla-nejadas. Inúmeras oportunidades de ensino são per-didas, os recursos são utilizados de maneira poucoeficiente, os conteúdos são apresentados de formafragmentada e têm relação desproporcional com asdemandas do exercício profissional, há pouca inte-gração teoria-prática e o processo de avaliação nãomensura a competência adquirida, tampouco contri-bui para o aprendizado. Nesse contexto, o planeja-mento educacional assume papel importante no per-curso contra esses obstáculos, que vão desde o con-texto social geral até a questão da formação pedagó-gica docente.

No contexto da educação universitária, o pla-nejamento visa garantir a integração de um todo com-plexo que envolve o sistema socioeconômico, políti-

co e cultural mais amplo no qual se inserem o sistemaeducacional (pressupostos, legislação), o projeto po-lítico pedagógico e a organização curricular de umcurso, o componente curricular ou disciplina e a aula.

2. Do geral para o particular: o Pro-jeto Político Pedagógico, a orga-nização curricular, o plano deaprendizagem e o plano de aula

O projeto político pedagógico, o plano de apren-dizagem e o plano de aula são instrumentos desen-volvidos no interior de um processo de planejamentoque visa tornar possível construir a Universidade so-lidária e integrada que se deseja, com organizaçãocurricular que permita integrar atividades de docência,pesquisa, extensão e administração em cursos quegarantam a democratização do conhecimento e suaaplicação na construção da cidadania4.

2.1 O Projeto (Político) Pedagógico

A elaboração do projeto pedagógico de um cur-so de graduação universitário requer, em primeirolugar, a prática de trabalho coletivo, sendo instrumentonecessário para evitar a alienação e a fragmentaçãodos sujeitos envolvidos – docentes, estudantes e ser-vidores, e do curso onde atuam4. A inclusão do termo“político” na expressão “projeto pedagógico” remeteàs suas interfaces com a sociedade4, bem como à com-preensão de que não há neutralidade em nenhum pro-jeto, e que neste caso não se trata apenas de um ins-trumento técnico: ser político é assumir a busca dobem comum5.

O projeto político pedagógico (PPP) é um do-cumento obrigatório para todos os cursos, desde a pro-mulgação da Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional-LDB (Lei n°9.396/96)6. Ele representa aproposta da instituição universitária e em geral con-tém os fundamentos teóricos, filosóficos e políticosda formação profissional proposta; os objetivos daformação, o perfil final desejado para o profissional(habilidades e competências), as estratégias para seatingir esse perfil; a estrutura e o encadeamento decomponentes curriculares; os cenários e contextos deensino-aprendizagem; a lógica da organizaçãocurricular, além de aspectos históricos da instituiçãoe do curso e características gerais de seu funciona-mento.

A revisão periódica e coletiva desse documen-to formal, renovando metas de acordo com as mudan-

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):280-3http://revista.fmrp.usp.br/

ças na realidade7, garante que seja ultrapassado ostatus de documento legal, tornando o PPP um ins-trumento eficaz de democratização e avanço da insti-tuição de ensino, na busca constante de novos e ele-vados parâmetros de funcionamento. A constante edinâmica construção de um PPP deve ser um proces-so democrático e de ampla participação.5,8

Um PPP se estrutura a partir do núcleo centralque é a organização curricular. Currículo é a totalida-de das vivências educacionais de determinado curso,e envolve o trabalho a ser realizado nos diferentescenários de ensino-aprendizagem, em atividades teó-ricas e práticas (sala de aula, laboratórios, campos deestágio).4

2.2 A organização curricular

O currículo é o eixo central do PPP, e sua im-portância reside no fato de que ele molda o profissio-nal a ser formado, constituindo-se como itinerário deformação. É necessário pensá-lo como dinâmico, eassim como o PPP, em constante construção9.

Tradicionalmente, os currículos se organizamem grade, reforçando uma visão fragmentada e disci-plinar do conhecimento. Um dos maiores desafioscolocados nos processos de revisão dos PPPs é a su-peração desse modelo rumo à construção integrativado conhecimento. Um currículo integrativo, com de-senho de matriz ao invés de grade, privilegia a lógicada integração de conteúdos teóricos e práticos, levan-do a formação pautada na interdisciplinaridade emultidisciplinaridade, bem como na diversificação dosmétodos e cenários de ensino-aprendizagem.

O currículo integrativo se caracteriza por umaconstrução evolutiva, de complexidade crescente edemanda a integração de diferentes disciplinas, sabe-res e práticas, pois propõe o estudo por áreas de co-nhecimento no que elas têm de característico, articu-lando elementos para a compreensão da realidade emdeterminada área de atuação7. Essa nova lógica per-mite que conteúdos específicos se articulem em ei-xos integrados, considerando interesses, conhecimen-tos e experiências prévias dos estudantes. Também seconstitui como oposição à racionalidade técnica, embusca de romper a hierarquização tradicional que co-loca no início do curso o conhecimento teórico, se-guido do prático pensado como aplicação direta dateoria. A estrutura positiva de uma grade em geral seestrutura com as Ciências Básicas, seguidas das Apli-cadas (ou clínicas, nos cursos da área da saúde) como Estágio Profissional breve e no final do curso4. É

com essa estrutura hierarquizada e disciplinar que odesenho de matriz integrativa propõe romper, inte-grando básicas e aplicadas desde o inicio do curso,promovendo a construção de sentido para o conheci-mento adquirido através de sua conexão com a reali-dade, integrando teoria e prática.

Partindo de dada organização curricular, umPPP se materializa conforme se aproxima da sala deaula através do Plano de Aprendizagem e do Plano deAula, etapas do processo mais amplo que é o planeja-mento educacional.

2.3 O Plano de Aprendizagem e o Plano deAula

O Plano de Aprendizagem, também denomina-do Plano ou Projeto de Ensino, é a sistematização daproposta geral de trabalho de um professor num de-terminado componente curricular, eixo, módulo oudisciplina10.

Em geral, ele contém os objetivos gerais docomponente curricular, integrado com os objetivosdaquele momento da formação do estudante, relati-vos à construção/aquisição de conceitos, atitudes eprocedimentos; o programa (conteúdos encadeados esua relação com os demais componentes curricularesconcomitantes naquele momento específico do cur-so). Além disso, um plano de aprendizagem deve de-finir as estratégias de ensino-aprendizagem, tanto asmetodologias de ensino quanto os momentos, méto-dos, estratégias e critérios de avaliação*. Finalmen-te, o Plano de Aprendizagem deve apresentar um con-junto de referências bibliográficas cuidadosamenteescolhidas, representativas do conhecimento atual,com base em sólida investigação científica. A com-plexidade da leitura sugerida deve ser coerente com omomento da formação e com o conhecimento préviodos estudantes. Além disso, é essencial que as refe-rências sugeridas possam ser lidas no tempo disponi-bilizado e que seu acesso seja garantido.

Para que o Plano de Aprendizagem faça senti-do, ele precisa estar articulado ao PPP, e ser coerentecom a organização curricular do curso, o que irá per-mitir ao professor compreender aspectos fundamen-tais como as habilidades e competências desejadaspara aquele momento da formação, o perfil do egres-so, a carga horária e os recursos disponíveis; além da

* As considerações sobre a importância da avaliação no processoensino aprendizagem, bem os critérios para uma boa avaliaçãoencontram-se no Capítulo X, Avaliação do estudante - aspectosgerais.

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):280-3http://revista.fmrp.usp.br/

totalidade do que é ofertado ao estudante naquelemomento para que sobreposições, repetições ou la-cunas sejam evitadas.

O Plano de Aula é o recorte do Plano de Apren-dizagem para um ponto específico do programa, con-tendo a proposta de trabalho do professor para umadeterminada aula ou conjunto de aulas, representan-do um maior detalhamento e objetividade do proces-so de planejamento didático, contendo o tema/con-teúdo, os objetivos da aula (ao final desta aula espe-ra-se que o estudante seja capaz de), a metodologia,os recursos, o tempo, a avaliação da aprendizagem ea bibliografia 4,10.

3.3.3.3.3. Consider Consider Consider Consider Considerações fações fações fações fações finaisinaisinaisinaisinais

O planejamento educacional em uma institui-ção de ensino superior na área da saúde precisa serconsiderado em sua complexidade. A complexidadederiva principalmente da necessidade constante deintegração entre diferentes esferas dentro da institui-ção, do diálogo permanente entre os atores e da de-

mocratização do processo, descentralizando decisõesque afetam o cotidiano de todos os envolvidos – pro-fessores, estudantes e demais servidores.

Neste artigo apresentamos o conjunto essenci-al de conceitos envolvendo o encadeamento das polí-ticas públicas e legislação referentes à educação, e aconstrução de um PPP, do eixo da organizaçãocurricular e dos princípios de um planejamento edu-cacional que integre todos esses aspectos, chegandoà sala de aula com a elaboração do Plano de Aprendi-zagem e do Plano de Aula.

Além do conhecimento didático e pedagógicoespecíficos para cumprir as etapas do planejamentoeducacional, para que a integração à realidade socialseja possível é necessário à formação profissional naárea da saúde, como em qualquer outra área, que es-ses processos sejam democráticos. A ampla partici-pação da comunidade na construção das diversas eta-pas agrega valores, aumenta a legitimidade das pro-postas e fundamentalmente aumenta a disposição detodos para a corresponsabilização, fundamental paraa efetivação das propostas.

ABSTRACT

The purpose of this article is to discuss political and pedagogical aspects of educational planning in thecontext of the contemporary university. In this direction, the text addresses the principles and the impor-tance of educational planning, the position and definition of political-pedagogic project, curricular organi-zation and learning plan as integrated constituents features of educational planning. Understanding thesteps presented and the necessary integration between all these components of the planning and theconcrete social context is essential for all who wish to pursue teaching in healthcare field.

Key words: Educational Planning, Curricular Organization, Learning Plan.

4.4.4.4.4. R R R R Refefefefeferências Biberências Biberências Biberências Biberências Bibliolioliolioliogggggráfráfráfráfráficasicasicasicasicas1. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª

Ed. São Paulo: Cortez; Brasília,DF: UNESCO, 2000.

2. Almeida MI; Pimenta SG. A construção da pedagogia universi-tária no âmbito da Universidade de São Paulo. In: Almeida,MI; Pimenta, SG (Org.) Pedagogia universitária: caminhos paraa formação de professores. São Paulo: Cortez, 2011.

3. Almeida MI. Formação do Professor para o ensino supeiror –desafios e políticas institucionais. São Paulo: Ed. Cortez, 2012.

4. Minguili MG; Daibem AML. Projeto pedagógico e projeto deensino: um trabalho com os elementos constitutivos da práti-ca pedagógica. IN: Pinho SZ (Coord): Oficinas de estudospedagógicos: reflexões sobre a prática do ensino superior. SãoPaulo: Cultura Acadêmica/UNESP-PRG, 2008.

5. Vasconcellos CS. Coordenação do Trabalho Pedagógico: doprojeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. 5ª.Edição São Paulo: Libertad, 2004.

6. BRASIL. Lei no. 9394/96, que dispõe sobre as diretrizes ebases da educação nacional-LDB, sancionada pelo presi-dente da república em dezembro de 1996.

7. Anastasiou LGC. Propostas curriculares em questão: sabe-res docentes e trajetórias de formação.IN: Cunha MI (ORG)Reflexões e práticas em pedagogia universitária. Campinas:Papirus, 2007.

8. Veiga IPA. (Org.). As Dimensões do Projeto Político-Pedagó-gico. Campinas, 4ª ed. SP: Papirus, 2001.

9. Pacheco JÁ. Processos e práticas de educação e formação:para uma análise da realidade portuguesa em contextos deglobalização. Revista Portuguesa de Educação, 2009;22:105-43.

10. Vasconcellos CS. Planejamento: projeto de ensino-aprendi-zagem e projeto político-pedagógico. 10ª. Ed. São Paulo:Libertad, 2002.

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 284-92

Correspondência:Cacilda da Silva Souza

Divisão de Dermatologia, Departamento de Clinica Medica daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP

Campus UniversitárioCEP 14048-900 – Ribeirão Preto - SP

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

EstrEstrEstrEstrEstraaaaatégias inotégias inotégias inotégias inotégias inovvvvvadoradoradoradoradoras paras paras paras paras para métodosa métodosa métodosa métodosa métodosde ensino trde ensino trde ensino trde ensino trde ensino tradicionais – aspectosadicionais – aspectosadicionais – aspectosadicionais – aspectosadicionais – aspectosgggggerererereraisaisaisaisaisNew approaches to traditional learning – general aspects

Cacilda da Silva Souza1, Alessandro Giraldes Iglesias2, Antonio Pazin-Filho3

RESUMO

Novos desafios se impõem nos cenários atuais da educação e currículos universitários altamente com-plexos. Para atender as demandas sociais, transformações na educação de profissionais de saúde enovas formas de trabalhar com o conhecimento foram exigidas do aparelho formador. Nesse artigo serãodiscutidos: o avanço em diferentes âmbitos, as características e obstáculos para a ruptura com a estru-tura tradicional e a implantação de metodologias de ensino-aprendizagem inovadoras, sob a perspectivainstitucional, do docente e do aluno.

Palavras-chave: Metodologias de Ensino-aprendizagem; Estratégias inovadoras; Educação Superior;Educação em saúde

O que são métodos inoO que são métodos inoO que são métodos inoO que são métodos inoO que são métodos inovvvvvadoradoradoradoradoresesesesesde ensinode ensinode ensinode ensinode ensino

Novos desafios se impõem nos cenários atuaisda educação e currículos universitários altamentecomplexos. O acúmulo exponencial de conhecimen-tos e a incorporação crescente de tecnologias de apli-cação nas várias áreas da saúde impulsionaram parauma formação médica fragmentada em campos alta-

mente especializados e a busca da eficiência técnica.No entanto, as transformações da sociedade contem-porânea têm colocado em questão os aspectos relati-vos à formação profissional. Nas áreas de saúde, essedebate ganhou contornos próprios, na medida em quea indissociabilidade entre teoria e prática, a visão in-tegral do homem e a ampliação da concepção de cui-dado se tornaram essenciais para o adequado desem-penho laboral.1,2

1. Docente e Chefe da Divisão de Dermatologia do Departamen-to de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de RibeirãoPreto – Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

2. Médico egresso da FMRP-USP; Especialista em Cardiologia;Pós-Graduando no Programa de Ensino em Saúde da FMRP-USP, Professor do Curso de Medicina da Universidade do Pla-nalto Catarinense.

3Professor Associado II e Chefe da Divisão de Emergências Clí-nicas do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP.Coordenador do Laboratório de Simulação da FMRP-USP.

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo VI

Page 41: A formação e o desenvolvimento docente para os cursos das

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Souza CS, Iglesias AG, Pazin-Filho A.Estratégias inovadoras de ensino

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):284-92http://revista.fmrp.usp.br/

Frente à inadequação do aparelho formador emresponder às demandas sociais, há o reconhecimentoconsensual da necessidade de transformações na edu-cação de profissionais de saúde e novas formas detrabalhar com o conhecimento. As Instituições deEnsino Superior (IES) tem sido estimuladas a refletiracerca das mudanças do processo da educação, reco-nhecer seu papel social e enfrentar seus desafios, en-tre os quais o de romper com estruturas cristalizadase modelos de ensino tradicional, e formar profissio-nais de saúde com competências que lhes permitamrecuperar a dimensão essencial do cuidado.3

Tal demanda dá lugar a crescente tendência àbusca de métodos inovadores, que admitam uma prá-tica pedagógica ética, crítica, reflexiva e transforma-dora, ultrapassando os limites do treinamento pura-mente técnico, para efetivamente alcançar a forma-ção.1 Currículos inovadores buscam priorizar méto-dos ativos de ensino e aprendizado; definir o aprendi-zado baseado em resultados e competências, enfati-zando aquisição de habilidades e atitudes tanto quan-to do conhecimento; reduzir a quantidade de conteú-dos factuais apresentando e provendo oportunidadesde escolha; e igualmente incluir integração vertical ehorizontal das disciplinas e ambientes de ensino nosdiversos níveis de assistência à saúde.4,5,6

Em substituição aos métodos tradicionais, e par-ticularmente passivos, no processo de transformaçãodos modelos de educação, fortaleceram as considera-ções acerca: das peculiaridades de aprendizado doadulto e suas relações com a sociedade; da prática dasmetodologias ativas; e da apropriação de novos recur-sos das tecnologias de informação e comunicação.

Entende-se inovação como a ruptura com oparadigma dominante, o avanço em diferentes âmbi-tos, formas alternativas de trabalhos que quebrem coma estrutura tradicional. Segundo Cunha, uma inova-ção não se caracteriza simplesmente pelo uso de no-vos elementos tecnológicos no ensino, “a menos queestes representem novas formas de pensar o ensinare o aprender numa perspectiva emancipatória”.3,7

Entre as principais características, os métodosinovadores de ensino-aprendizagem mostram clara-mente o movimento de migração do “ensinar” para o“aprender”, o desvio do foco do docente para o alu-no, que assume a co-responsabilidade pelo seu apren-dizado (Figura 1); a valorização do aprender a apren-der e o desenvolvimento da autonomia individual edas habilidades de comunicação. Para tal, as novaspropostas educacionais privilegiam as metodologias

ativas, participativas e problematizadoras de apren-dizagem, o aprendizado integrado e em cenários di-versos, incluindo aquele baseado na comunidade, quepodem ser combinadas aos métodos tradicionais.

Novas oportunidades de aprendizado têm sidodesenvolvidas no contexto da comunidade e em ser-viços de saúde de menor complexidade, e ilustramque as tradicionais habilidades, anteriormente centra-das em hospitais, podem ser desenvolvidas em mode-los contemporâneos de assistência à saúde.4

A educação problematizadora trabalha a cons-trução de conhecimentos a partir da vivência de ex-periências significativas. Em oposição aos processosde aprendizagem tradicionais e de recepção, em queos conteúdos são entregues ao aluno em sua formafinal e acabada, a problematização está apoiada nosprocessos de aprendizagem por descoberta, e os con-teúdos são oferecidos na forma de problemas. As re-lações devem então ser descobertas e construídas,reorganizadas e adaptadas à estrutura cognitiva pré-via do aluno para o processo final da assimilação.1,3,8

Professor Alunos

Resultados

Facilitador

Aluno

BBBBB

AAAAA

Figura 1: Relação entre professor e aluno no método de ensinotradicional (a) e nas técnicas inovadoras (B).Obs.: Observar que no método tradicional a interação entreprofessor e aluno é pautada na transmissão de conhecimento (setacheia) e a reciprocidade do aluno é pequena (seta tracejada). Jánas metodologias inovadoras, o professor passa a ser um facilitadore ambos trabalham em conjunto para obter resultados. Em ambasas situações, o fato da representação do PROFESSOR (A) e doFACILITADOR (B) ser feita por uma forma maior que as querepresentam os alunos exemplificam que a relação não deixa deser assimétrica, ou seja, o Professor-Facilitador é o responsávelpela atividade e está muito mais capacitado que os alunos. Adiferença para a metodologia ativa é que o facilitador procura seadaptar ao nível de aprendizado que o aluno se encontra e buscaresultados concretos em conjunto.

Page 42: A formação e o desenvolvimento docente para os cursos das

286

Souza CS, Iglesias AG, Pazin-Filho A.Estratégias inovadoras de ensino

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):284-92http://revista.fmrp.usp.br/

Outras oportunidades foram criadas com o ad-vento das tecnologias e que vieram a contemplar algu-mas das expectativas educacionais. Uma formaçãobaseada apenas na transmissão de conhecimentos, querapidamente podem se tornar obsoletos, e/ou aquelaexclusivamente dependente da aprendizagem clínicaoportunística – a que é possível realizar com os doen-tes disponíveis num determinado momento - não res-

ponde às exigências atuais, que apontam para umaformação sólida nas dimensões sociais, comportamen-tais e relacionais se some aos conhecimentos científi-cos, a serem constante e incessantemente renovados.A simulação e as tecnologias de informação e comu-nicação (TIC) podem ser algumas das vias para con-tornar estas dificuldades e foram então exemplifica-das em um modelo de disciplina (Tabela 1).

Base metodológica geralpara desenvolvimentode atividades

Possibilidade de atingira excelência (MILLERet al)

Métodos disponíveis

Papel Docente

Papel do Aluno

Vantagens

Desvantagens

Tradicional

Pedagogia – aplica conceitos de aprendi-zado desenvolvidos em crianças para adul-tos, não reconhecendo sua pecualiridade

Geralmente se restringe ao conhecimentocognitivo, atingindo no máximo a demons-tração de habilidades.

Geralmente restrito à aula teórica ou ativi-dades práticas diretamente no local de atu-ação profissional sob supervisão

Ativo – atua como transmissor de infor-mações.

Passivo – se esforça para absorver umaquantidade enorme de informações. Mui-tas vezes não há espaço para crítica.

Requer pouco trabalho docenteEnvolve o trabalho com grandes gruposGeralmente tem baixo custoAbrange todo o conteúdo a ser adquiridosobre um tópico

Avaliação fica restrita a métodos poucodiscriminativosNão se tem certeza do que o aluno apren-deu em profundidade

Metodologia Ativa

Andragogia – reconhece a diferença no apren-dizado de adultos e busca estabelecer suascaracterísticas específicas para fundamentara aplicação da técnica adequada.

Permite a construção de estratégias que po-dem atingir o exercício (demonstrar como sefaz) e até mesmo a excelência.

Há inúmeros métodos disponíveis, que vari-am em objetivo, complexidade e custo. Acombinação desses métodos preenche a dis-tância entre a sala de aula e a atuação diretano ambiente profissional

Interativo – interage com os alunos, atuandoapenas quando é necessário. Facilita o apren-dizado. Ao contrário da crença em geral, essaforma de atuação é muito mais trabalhosapara o docente.

Ativo – o foco é desviado para que seja res-ponsável pelo seu próprio ensino. Passa aexercer atitude crítica e construtiva se bemorientado.

É possível individualizar as necessidades dosalunos ao se trabalhar com grupos pequenos,facilitando a interação aluno-professor

Consome enorme tempo docente de preparo,aplicação e avaliação da atividade.Requer o trabalho com pequenos grupos paraque seja efetivaRequer o sacrifício de se transmitir todo oconteúdo, sendo necessário selecionar o “con-teúdo essencial” que será trabalhado exaus-tivamente.

Tabela 1: Comparação entre os modelos tradicional e a metodologia ativa – aspectos gerais

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A simulação é metodologia educativa centradano aluno e nas suas necessidades de aprendizagem,ao invés de se centrar no doente, como ocorre emcontexto clínico. Proporciona uma exposição siste-mática, pró-ativa e controlada dos alunos aos desafi-os clínicos progressivamente mais complexos, inclu-indo aquelas situações potencialmente fatais, que nãopoderiam ser treinadas de outra forma.

TIC propiciam acesso imediato aos conteúdose informações disponíveis em ambientes eletrônicosvirtuais; ao estudante são delegadas autonomia e res-ponsabilidades, do controle e administração do tem-po dispensado ao acesso e recepção dos conteúdos, oque permitiria preservar os momentos com tutores/professores e grupos para a reflexão, análise e elabo-ração de sínteses.

Para exemplificar a Tabela I apresenta a com-paração de algumas características relevantes pelasquais as estratégias inovadoras se diferenciam dosmétodos de ensino tradicional. A escolha isolada oucombinada de cada uma das metodologias propostasdepende da consecução mais efetiva dos objetivos,resultados e competências a serem alcançados em de-terminado momento, os quais devem estar explícitose claros no planejamento de uma experiência educa-cional.

Nesse artigo serão ainda discutidas as caracte-rísticas e obstáculos para a implantação de metodolo-gias ativas, sob a perspectiva institucional, do docen-te e do aluno (Figura 2). A discussão específica decada uma desses métodos será objetivo de outros ar-tigos desse simpósio. Finalizaremos ilustrando comoa composição dessas técnicas pode se empregada naconstrução de um programa de ensino.

Sob a PSob a PSob a PSob a PSob a Perererererspectispectispectispectispectivvvvva da Instituiçãoa da Instituiçãoa da Instituiçãoa da Instituiçãoa da Instituição

As necessidades de mudanças em estratégias edu-cacionais nas áreas de saúde vão além da utilização denovas técnicas de ensino-aprendizagem, passando pelorearranjo no conteúdo do curso. Baseiam-se, sobretu-do na cultura do ensino, no ensino e na aprendizagemorientados por objetivos, princípios de aprendizadodo adulto e aplicação metodologias ativas.9

As diretrizes educacionais e as estratégias deensino-aprendizagem devem ser discutidas em seucontexto de determinantes: o Projeto Político Peda-gógico da instituição, a organização curricular, e se-gundo a visão de ciência e de conhecimento, e da fun-ção social da Universidade. A flexibilidade curricular

é um dos grandes facilitadores para que as metodolo-gias ativas possam ser implantadas.10

Ainda, a adoção de qualquer estratégia de ino-vação deve considerar a prática de avaliação, integra-da à reflexão e transformação. A avaliação deve serprocessual e formativa para a inclusão, autonomia,diálogo e reflexões coletivas, na busca de respostas ecaminhos para a solução de problemas, intervençõese acompanhamento de avanços discentes. Sem o ca-ráter de punição, proporciona diretrizes para tomadade decisões e definição de prioridades.1

A prática de avaliação tem sido recomenda-da como uma atividade permanente e indissociadada dinâmica das metodologias de ensino-aprendi-zagem nas diretrizes curriculares dos cursos da áreade saúde.1

Considerando todos esses princípios, um dosgrandes desafios para a Instituição de Ensino Superi-or (IES) é estimular, capacitar o corpo docente e pro-porcionar infra-estrutura para o emprego dos varia-dos métodos de ensino-aprendizagem. Como exem-plo da necessidade dos substanciais investimentos estáimplantação de um laboratório apropriado à do ensi-no-aprendizagem baseado na simulação; ou da estru-turação de redes de ensino à distância (EAD) e acessoàs TIC.

Além de prover as condições estruturais, a IEStambém deve manter treinamento e capacitação con-tínua para seu corpo docente. A rede instituída de apoioao ensino, disponível ao docente e ao aluno, faz-senecessária para planejamento e execução de interven-ções no currículo.

Em suma, a IES deve planejar e conduzir osesforços educacionais para prover estrutura e cenári-os diversificados e específicos; definir diretrizes pro-piciadoras ao uso das metodologias ativas; promovercapacitação do corpo docente e a avaliação sistemáti-ca da eficácia de sua utilização (Figura 2).

Sob a PSob a PSob a PSob a PSob a Perererererspectispectispectispectispectivvvvva do Docentea do Docentea do Docentea do Docentea do Docente

O objeto do trabalho docente, mais do que atransmissão de um conteúdo, passa a consistir em umprocesso que envolve um conjunto de pessoas na cons-trução de saberes.

Na metodologia tradicional, a memorização,como a principal operação exercitada, é insuficientepara os processos efetivos de ensino-aprendizagem econjunturas contemporâneas. O docente deve proporações que desafiem ou possibilitem o emprego das

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demais operações mentais para captação e assimila-ção do conteúdo; para isso organiza os processos deapreensão de tal maneira que as operações de pensa-mento sejam despertadas, praticadas, construídas eflexíveis para as necessárias rupturas. Por meio damobilização, da construção e das sínteses, vistas erevistas, o estudante agrega sensações de vivência ede renovação.10

A tarefa de lidar com novas e diferentes estra-tégias é algo complexo e exige mudanças de habituse paradigmas: entre os docentes universitários há apredominância na exposição do conteúdo, em aulasexpositivas, ou palestras, uma estratégia funcionalpara a passagem de informação. Esse habitus reforçaa ação de transmissão de conteúdos prontos, acaba-dos e determinados, semelhante às vivencias pregres-sas. Ainda, a atual configuração curricular e a organi-zação disciplinar (em grade) predominantemente con-ceitual, têm a palestra como a principal forma de tra-balho, e os próprios alunos esperam do professor acontínua e passiva exposição dos assuntos que serãoaprendidos.10

No modelo de ensino centrado no professor ena transmissão de conteúdos, com predomínio de au-las expositivas e práticas fragmentadas há alto graude dependência intelectual e afetiva dos alunos emrelação ao professor. Corroboram estas característi-cas o estudo realizado por Figueiredo e colaborado-res (1996), que mostrou que a estratégia de ensino“Aula Teórica” percebida como de média ou grandeimportância para o aprendizado pela expressiva maio-ria, aproximadamente 75% dos alunos, em todos osanos acadêmicos da Faculdade de Medicina de Ri-beirão Preto-USP. Os achados do aumento na valori-zação do “Estudo Individual”, a partir do segundo ano,e da redução na importância do “Estudo em Grupo”,a partir do terceiro ano são indicativos da desvalori-zação ou falta de vivência do trabalho compartilhadopor grupos ou equipes.11

Frente ao desafio de atuar numa nova visão doprocesso de ensino-aprendizagem, o docente poderáencontrar dificuldades que se iniciam pela própriacompreensão da necessidade de ruptura com o tradi-cional.10

Figura 2: Níveis hierárquicos dos diversos componentes da estruturação de um programa de aprendizagem com as respectivascaracterísticas ou exemplos.Obs.: O interesse desse artigo é o de abordar o tópico estratégias inovadoras de ensino-aprendizagem, suas características gerais, comênfase na sua implantação e seus obstáculos. Algumas experiências foram exemplificadas sem esgotar o tema, pois será foco de outrosartigos desse simpósio.

• Perfil do profissional a ser formado• Teorias de Aprendizagem• Aprendizado de Adultos• Infraestrutura – laboratórios e cenários de ensino• Apoio Emocional ao Estudante

INTISTUIÇÃO

Diretrizes Gerais

Estratégias

• Valorizar a capacitação docente• Prover interação entre as diversas disciplinas para evitar

conteúdos repetitivos ou contraditórios• Estruturação de currículos• Propor métodos de avaliação padronizados para a instituição• Feedback continuo para o aluno, para os docentes e para a

Instituição com correções que se façam necessárias

• Aprendizado baseado em problemas (PBL)• Aprendizado baseado em equipes (“Team-Based Learning” – TBL)• Educação à distancia• Simulação• Ensino em ambientes profissionais – enfermarias, ambulatórios,

comunidade• Técnicas de avaliação formativa

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Caso esse obstáculo seja transposto, seguemnovos desafios: lidar com situações imprevistas e des-conhecidas; exercício permanente do trabalho refle-xivo; e mudanças na dinâmica da sala de aula, o queinclui a organização espacial e o rompimento com aantiga disciplina estabelecida. Ainda, restam as críti-cas e a incerteza quanto aos resultados, já que na es-tratégia da aula expositiva há maior domínio da rela-ção tempo/conteúdo.1,10

Há variadas estratégias de trabalho baseadasem grupo efetivamente recomendadas aos processosde ensino-aprendizagem na sala de aula, mas que exi-girão distintas habilidades, diretividade e conduçõesmais específicas para sua execução, e particularmen-te mudanças do habitus centrado na aula expositiva eem seu cenário já dominado.10

Com a proposta do desenvolvimento da inteli-gência relacional, autonomia e maior responsabilida-de sobre o auto-aprendizado, as metodologias ativaspriorizam o trabalho em grupos ou equipes. Para aaplicação de estratégias grupais são fundamentais:organização, preparação, planejamento compartilha-do e mutuamente comprometido com o aluno, que,como sujeito de seu processo de aprendiz atuará ati-vamente: assim, os objetivos, as normas, as formasde ação, os papéis, as responsabilidades, enfim o pro-cesso e o produto desejados devem estar explícitos epactuados.10

O trabalho em grupo auxilia no desenvolvimen-to de habilidades e da inteligência relacional, quecompreende a inteligência intrapessoal (autoconhe-cimento emocional, controle emocional e automoti-vação) e a inteligência interpessoal (reconhecimentode emoções de outras pessoas e habilidades em rela-cionamentos interpessoais).9,12 O trabalho em grupomais do que a junção dos alunos, pode proporcionardesenvolvimento inter e intrapessoal, por meio doestabelecimento de objetivos compartilhados, que sealteram conforme a estratégia proposta. A despeitodas variadas formas de organização grupal, em co-mum a todas está o desenvolvimento da habilidadede conversar e compartilhar.10

Além disto, será necessário domínio do pro-cesso, conhecimento e a preparação das suas etapas.A ação docente será tão ou mais exigida do que numatradicional aula expositiva ou numa expositiva dialo-gada. Trabalhar para além do conteúdo é um desafio,que corresponde à participação no processo de auto-nomia a ser conquistado com e pelo aluno.10

Sob a PSob a PSob a PSob a PSob a Perererererspectispectispectispectispectivvvvva do a do a do a do a do AlunoAlunoAlunoAlunoAluno

Na nova relação docente-aluno, os aprendizesdevem gradualmente assumir mais controle e partici-pação sobre seu próprio aprendizado, e os docentes,o papel de facilitadores do aprendizado. O nível deconhecimento do aluno é essencial para a escolha daestratégia, tanto quanto influentes são as dinâmicasindividuais e a do grupo.1,10

Nas práticas profissionais atuais há a constata-ção de movimentos dinâmicos, contradições, mudan-ças, incertezas e imprevisibilidade. O mecanicismo eo determinismo devem dar lugar à espontaneidade,auto-organização, evolução e criatividade; e a histó-ria do aprendizado deve ser construída com a açãoconjunta de indivíduos.10,13

Nesse processo de apropriação do conhecimen-to, o estudante deve realizar ações e construções men-tais variadas: comparação, observação, imaginação,obtenção e organização dos dados, elaboração e con-firmação de hipóteses, classificação, interpretação,crítica, busca de suposições, construção de sínteses eaplicação de fatos e princípios a novas situações, pla-nejamento de projetos e pesquisas, análise e tomadasde decisões.10,14

A expressão verbal do aluno diante dos cole-gas e a exposição às habituais críticas compreendemações desenvolvidas com objetivo atitudinal. No en-tanto, a forma de o professor estimular, receber, aca-tar e aguardar a contribuição do aluno é determinantedo clima de acolhimento essencial em processos co-letivos de construção de conhecimentos.10

No trabalho em grupo é fundamental a intera-ção, o compartilhamento, o respeito à singularidade,a habilidade de lidar com o outro em sua totalidade,que resultará em aquisição progressiva de autonomiae maturidade.10

A exposição de cada participante e das suascontribuições pode ser progressiva, inicialmente maisrestrita ao pequeno grupo, e no momento da sociali-zação da síntese, ser delegada pelo grupo aos colegascom desenvoltura e habilidades já desenvolvidas deexposição oral. Cabe ao professor mediar estímulos eoportunidades para que todos possam desenvolveressas habilidades e atitudes de representatividade,ressaltando que a sala de aula e a universidade sãolocais de treinamento e da aprendizagem, onde o erronão fere e deve ser a referência para a reconstrução esuperação de dificuldades.10

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Portanto, ainda a ser considerado na visão doaluno, é o grau de exposição que a metodologia ativaproporciona. No ensino tradicional, o estudante exer-ce um papel passivo, o de absorver o conhecimento.Atuar, agir, cometer erros na frente de seus pares podeconsistir em fator estressor considerável. A institui-ção deve estar aparelhada para acolher os estudantese minimizar o impacto do envolvimento emocionalnas metodologias ativas.10

Participar de grupos de estudo permite o de-senvolvimento de uma série de papéis, que auxiliamna construção da autonomia, do auto-conhecimento,do lidar com as diferenças, a exposição, a contraposi-ção, as divergências e na capacidade de síntese, en-fim as habilidades necessárias no desempenho dopapel profissional, para o qual o aluno se prepara nauniversidade, local de ensaio, de acertos e de erros.10

Para uma atmosfera de trabalho de grupo é fun-damental: estabelecer processos de parceria, definirpapéis e articular a direção da consecução dos objeti-vos. Há dinâmicas de grupos que exigirá a habilidadeda coordenação no sentido de atender as mais varia-das contribuições com participação de todos e em di-versos papéis necessários ao funcionamento da estra-tégia. A clareza da descrição dos papéis facilita o de-sempenho, e o rodízio com variação das atribuiçõesauxilia os alunos com dificuldades em processosinterativos.10

Por meio da atribuição de papéis a todos oscomponentes, os participantes tornam-se responsáveispelo desempenho pessoal, defesas de ideias e produ-ção pretendida, desenvolvem a atitude de “conver-sar” e negociar com respeito às ideias do outro e aosmomentos de ouvir e esperar.10

ExExExExExemplo de incemplo de incemplo de incemplo de incemplo de inclusão de metodolo-lusão de metodolo-lusão de metodolo-lusão de metodolo-lusão de metodolo-gia agia agia agia agia atititititivvvvva em um cura em um cura em um cura em um cura em um currículo frículo frículo frículo frículo fororororormalmalmalmalmal

A escolha e execução de uma estratégia podepropiciar aos alunos o uso das variadas operaçõesmentais, num processo de crescente complexidade dopensamento. Para o emprego de quaisquer das estra-tégias de trabalho, o princípio dialético da caminha-da com o aluno, da síncrese (visão inicial, não elabo-rada, caótica e desorganizada) para a síntese (resulta-do das relações realizadas e organizadas em nívelqualitativamente superior) deve ser considerado.10

Para ilustrar a inclusão de novas estratégias deensino aprendizagem com métodos ativos num currí-culo tradicional, escolhemos o tema de atendimento àparada cárdio-respiratória (PCR) no ambiente pré-

hospitalar. Cada uma das atividades do programa tra-dicional e o de metodologias ativas foram correlacio-nadas aos respectivos objetivos, listados à direita daTabela 2.

Na comparação da estimativa de tempo para arealização dos dois programas, destaca-se a diferen-ça do tempo despendido: 8 horas para o tradicionalversus 30 horas para o de metodologia ativa.

Outro ponto relevante é o emprego das diver-sas metodologias ativas (ensino à distância; baseadona comunidade; simulação; grupos de discussão;portfólio reflexivo; avaliação somativa). O conteúdoe a base cognitiva teórica foram providos por ensinoà distância e os métodos foram empregues de acordocom o objetivo a ser atingido. Nessa experiência edu-cacional, a aula teórica foi substituída pelo estudoindividual de conteúdo disponível em plataforma ele-trônica, o que implicou em responsabilidade e auto-nomia da administração do tempo para tal atividade.

O Laboratório de Simulação provê as neces-sidades de prática de habilidades, em momentos deinteração com o docente, e em oportunidades de re-petições e práticas individuais do aluno. Essa estraté-gia busca reduzir a pressão sobre o aluno, que podepraticar sem interferência. A introdução de uma ava-liação somativa propicia ao aluno um feedback do seudesenvolvimento individual e de sua inserção no tra-balho em grupo.

A estratégia da discussão em grupos menoresbuscou o desenvolvimento atitudinal e trouxe em focoproblemas comuns e diversos, tais como os esforçosnecessários para obtenção dos melhores resultados eaquisição das habilidades, expectativas, limites e objeti-vos a serem atingidos naquele determinado momento.

A aplicação da avaliação não-somativa foi rea-lizada por meio de questão aberta que permite análisedo senso crítico e síntese do aluno; e a avaliação atitudi-nal, da sua atuação individual e em grupo. Finalmente,buscou-se provocar o aluno para uma auto-avaliaçãodo seu desenvolvimento no curso, o que possibilitariao desenvolvimento do hábito de auto-crítica constan-te e a responsabilidade sobre o seu aprendizado.

Todas essas etapas ilustram o tempo despendidono preparo das atividades e a necessidade da capaci-tação e do intenso envolvimento docente com o apren-dizado contínuo do aluno, possíveis obstáculos paraa aplicação das metodologias ativas. Na cultura doensino, o status da arte de ensinar e o seu desafio é otrabalho docente para além do conteúdo, e a partici-pação no processo de autonomia e emancipação a se-rem conquistadas com e pelo aluno.

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Associação de técnicas inovadorasUtilização de plataforma de ensino à distância para armazenar vídeose aulas gravadas para que o aluno possa revisar durante todo o cursoNessa plataforma o aluno poderá testar o conhecimento sobre essaaula e qualquer outra atividade usando provas simuladas que serãogeradas a partir de um banco de questões.A plataforma também proverá a aproximação do docente e aluno eeventuais temas que não estejam contemplados no plano de trabalhopoderão ser acrescentados na forma de inquetes ou debates.

Visita supervisionada ao Sistema de Atendimento Pré-hospitalarpara compreensão do seu funcionamento.Após a visita haverá os alunos serão divididos em grupos, sendo atri-buídas tarefas de sintetizar as características observadas na visita.Esses grupos produzirão um relatório que será revisto pelo docente,com feed back apropriado.Esse relatório fará parte do portfólio reflexivo que os alunos serãoestimulados a manter e utilizar durante o curso.

Massagem + desfibrilador – Disponibilizar uma vídeo-aula ou umvídeo demonstrativo sobre os conceitos básicos. Esses vídeos pode-rão ser utilizados antes ou após a atividade no Laboratório de Simu-laçãoAtividade de prática de habilidades no Laboratório de Simulação su-pervisionada por docente.Depois dessa prática, serão disponibilizados horários no Laboratóriode Simulação para que o aluno volte a praticar o que aprendeu se-guindo uma guia especificamente desenvolvida.

Avaliação somativa – os alunos retornaram ao Laboratório de Simu-lação para realizarem a combinação das atividades aprendidas. Elesserão filmados e farão uma análise crítica dos pontos positivos e pos-sibilidades de melhoria.Se sentirem necessidade, haverá novos horários disponibilizados no

Laboratório para que possam voltar a praticar seguindo guias específi-cas.

Grupos de Discussão - Os alunos serão divididos em grupos e deve-rão pesquisar aspectos éticos, posição do conselho de medicina e dalegislação brasileira. A síntese irá produzir uma apresentação simplesde no máximo 5 minutos sobre o tema. A final da atividade, será feitoa síntese da resposta ao problema proposto. Os alunos manterão issono portfólio reflexivo.

Prova cognitiva – questão aberta discursiva sobre a compreensão dotemaProva prática de habilidades – será realizada a filmagem do atendi-mento prestado pelos alunos isoladamente e em grupo. Esses filmesserão analisados por dois observadores independentes para preenchi-mento de um check list padrãoAuto-avaliação do aluno – com base no portfólio reflexivo, apon-tando um aspecto que julgaria ser necessário aprimorar.

TradicionalAspectos fisiopatológi-cos da Parada Cardio-Respiratória (aula teó-rica)

Ativação do Sistema deEmergência Pré-Hos-pitalar (aula teórica)

Massagem cardíaca(aula teórica)

Desfibrilador ExternoAutomático (aula teóri-ca)

Combinando as habili-dades – massagem +desfibrilação

Até quando continuaros esforços? (aula teó-rica)

Avaliação (provatéorica de múltiplaescolha)

ObjetivoCaracterizar osaspectos fisiopatoló-gicos da ParadaCárdio-Respiratóriacorrelacionando-oscom a corrente desobrevida

Desenvolver habili-dades para realizarmassagem cardíacae uso dodesfibriladorautomático

Discutir os aspectoséticos do atendimen-to pré-hospitalar

Tabela 2 – Exemplo de inserção de metodologia ativa em um currículo formal

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):284-92http://revista.fmrp.usp.br/

RRRRRefefefefeferênciaserênciaserênciaserênciaserências1. Mitre SM, Siqueira-Batista R, Girardi-de-Mendonça JM, Neila

Morais-Pinto M et al. Metodologias ativas de ensino-aprendi-zagem na formação profissional em saúde: debates atuais.Ciênc saúde coletiva. 2008; 13(Sup 2):2133-44.

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ABSTRACT

New challenges are needed in today’s educational settings and highly complex university curricula. Tomeet the social demands, changes in health professional education and new ways of working with knowl-edge of the educational institutions were required. In this article will be discussed: the advancement indifferent spheres, characteristics and barriers to break with the traditional structure and implementation ofinnovative teaching methodologies and learning. The institutional, the teacher and the student perspec-tives of this process will be discussed.

Key-words: Teaching-learning methodologies; Innovative strategies; Higher Educational; Health education.

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 293-300

Correspondencia:Valdes Roberto Bollela. Hospital das Clínicas daFMRP-USP.

Avenida Bandeirantes 3900. Monte Alegre. Ribeirao Preto –SP.CEP: 14049-900

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

AAAAAprprprprprendizaendizaendizaendizaendizagggggem baseada em equipes:em baseada em equipes:em baseada em equipes:em baseada em equipes:em baseada em equipes:da teoria à práticada teoria à práticada teoria à práticada teoria à práticada teoria à práticaTeam-based learning: from theory to practice

Valdes Roberto Bollela1, Maria Helena Senger2, Francis S. V. Tourinho3, Eliana Amaral4

RESUMO:

Professores que desejam utilizar a aprendizagem baseada em equipes (ABE) do inglês team-basedlearning (TBL) precisam compreender os princípios fundamentais envolvidos na aplicação desta estraté-gia educacional e a seqüência de eventos necessária para sua implantação efetiva. O objetivo desteartigo é auxiliar o leitor na compreensão do potencial desta estratégia educacional, incluindo sua capaci-dade de promover a aprendizagem significativa. Existem quatro princípios fundamentais para o uso efi-caz do TBL, que serão descritos, assim como o passo-a-passo para quem deseja organizar um cursointeiro ou algumas atividades (aulas), utilizando a aprendizagem baseada em equipes. Ao final, apresen-tamos os principais atrativos e os desafios para aqueles que desejam incorporar o TBL à sua prática deensino/aprendizagem.

Palavras-chave: Aprendizagem Baseada em Equipes; Métodos Educacionais; Educação Médica;Educação nas Profissões da Saúde.

Mais uma sigla ou apenas um modismo? Nos-sa proposta é direcionar os leitores para uma reflexãofundamentada a respeito da Aprendizagem Baseadaem Equipes(ABE) ou Team-based learning (TBL),instigando-os a experimentar o método.

O que é a aO que é a aO que é a aO que é a aO que é a aprprprprprendizaendizaendizaendizaendizagggggememememembaseada em equipes?baseada em equipes?baseada em equipes?baseada em equipes?baseada em equipes?

É uma estratégia instrucional desenvolvida paracursos de administração nos anos 1970, por LarryMichaelsen, direcionada para grandes classes de es-

tudantes. Procurava criar oportunidades e obter osbenefícios do trabalho em pequenos grupos de apren-dizagem, de modo que se possa formar equipes de 5 a7 estudantes, que trabalharão no mesmo espaço físi-co (sala de aula).1 Pode ser usado para grupos commais de 100 estudantes e turmas menores, com até 25alunos Em 2001, o governo norte-americano decidiufinanciar educadores das ciências da saúde para queincorporassem novas estratégias de ensino e o TBLfoi escolhido para ser disseminado. Como resultado,várias escolas de diferentes áreas tiveram professo-res treinados, especialmente as escolas médicas.2

1. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - FMRP-USP2. Pontificia Universidade Católica de São Paulo – Sorocaba

(PUC-SP)3. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)4. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo VII

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Bollela VR, Senger MH, Tourinho FSV, Amaral E.Aprendizagem baseada em equipes: da teoria à prática.

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):293-300http://revista.fmrp.usp.br/

O TBL tem particularidades (descritas ao lon-go deste texto) que o diferenciam de outras estratégi-as para ensino em pequenos grupos, incluindo o PBL(problem-based learning ou aprendizagem baseadaem problemas). O TBL pode substituir ou comple-mentar um curso desenhado a partir de aulas exposi-tivas, ou mesmo aplicando outras metodologias.2 Nãorequer múltiplas salas especialmente preparadas parao trabalho em pequenos grupos, nem vários docentesatuando concomitantemente. Além disso, propõe-sea induzir os estudantes à preparação prévia (estudo)para as atividades em classe. O instrutor deve ser umespecialista nos tópicos a serem desenvolvidos, masnão há necessidade que domine o processo de traba-lho em grupo. Os estudantes não precisam ter instru-ções específicas para trabalho em grupo, já que elesaprendem sobre trabalho colaborativo na medida emque as sessões acontecem.

Tem sua fundamentação teórica baseada noconstrutivismo, em que o professor se torna um faci-litador para a aprendizagem em um ambiente despidode autoritarismo e que privilegia a igualdade. As ex-periências e os conhecimentos prévios dos alunos de-vem ser evocados na busca da aprendizagem signifi-cativa. Neste sentido, a resolução de problemas é par-te importante neste processo. Além disso, a vivênciada aprendizagem e a consciência de seu processo(metacognição) são privilegiadas. Outra importantecaracterística do construtivismo é a aprendizagembaseada no diálogo e na interação entre os alunos, oque contempla as habilidades de comunicação e tra-balho colaborativo em equipes, que será necessáriaao futuro profissional e responde às diretrizes curri-culares nacionais brasileiras.3 Finalmente, o TBL per-mite a reflexão do aluno na e sobre a prática, o queleva às mudanças de raciocínios prévios.4

Como orComo orComo orComo orComo orggggganizar uma aanizar uma aanizar uma aanizar uma aanizar uma atititititividadevidadevidadevidadevidadeutilizando o TBL?utilizando o TBL?utilizando o TBL?utilizando o TBL?utilizando o TBL?

A primeira ação deve ser a formação das equi-pes. Os grupos formados são compostos por cinco asete estudantes. Devem ser constituídos de modo apermitir que realizem a tarefa atribuída, buscandominimizar as barreiras à coesão do grupo, incluindodiversidade na sua composição e oferecendo os re-cursos necessários. São fatores dificultadores à coe-são do grupo: vínculos afetivos entre componentes(irmãos, namorados, amigos muito próximos), expertisediferenciada de alguns membros (tenderão a se iso-lar), entre outros. Assim, os professores devem mes-clar os alunos de forma aleatória e equilibrada, bus-cando a maior diversidade possível e jamais delegan-do aos estudantes a tarefa de formação dos grupos5.

O desenvolvimento da metodologia cria opor-tunidades para o estudante adquirir e aplicar conhe-cimento através de uma sequência de atividades queincluem etapas prévias ao encontro com o professor eaquelas por ele acompanhadas. As etapas são assimdenominadas (Figura 1):1. Preparação individual (pré-classe);2. Avaliação da garantia de preparo (readiness

assurance test) conhecido pela sigla em inglês RAT,que deve ser realizado de maneira individual(iRAT)e depois em grupos (gRAT). O termo“readiness assurance” se traduzido literalmente se-ria “garantia de prontidão”, entretanto optamos portraduzi-lo como “Garantia de Preparo”, mantendoo sentido de que nesta etapa, as atividades desen-volvidas buscam checar e garantir que o estudanteestá preparado e pronto para resolver testes indivi-dualmente, para contribuir com a sua equipe e apli-car os conhecimentos na etapa seguinte do TBL;

1. Preparação 2. Garantia de preparo 3. Aplicação de conceitos

Figura 1: Etapas do TBL e sua duração aproximada.*Problema significativo, mesmo problema, escolha específica, relatos simultâneos

Pré-Classe

• Estudo individual• Entrevista• Conferência• Filmes• Experimentos, etc.

Na Classe

• 2.1 Teste individual

• 2.2 Teste em equipe

• 2.3 Apelação

• 2.4 Feedback do professor

Na Classe (com aplicação das 4 características*)

• Testes múltipla escolha

• Questões verdadeiro ou falso

• Casos clínicos: diagnósticos, exames, terapêutica

Duração →→→→→ 50 a 90 minutos 50 a 90 minutos

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3. Aplicação dos conhecimentos (conceitos) adquiri-dos por meio da resolução de situações problema(casos-clínicos, por exemplo) nas equipes; deveocupar a maior parte da carga horária.

Etapa 1. Preparação individual pré-classe5

Os estudantes devem ser responsáveis por seprepararem individualmente para o trabalho em gru-po (leituras prévias ou outras atividades definidas peloprofessor com antecedência, tais como assistir à rea-lização de um experimento, a uma conferência, a umfilme, realizar entrevista, entre outras).

A preparação da atividade individual pré-clas-se é uma etapa crítica. Se os alunos individualmentenão completam as tarefas pré-classe, eles não serãocapazes de contribuir para o desempenho de sua equi-pe. A falta desta preparação dificulta o desenvolvi-mento de coesão do grupo e resulta em ressentimentodos alunos que se prepararam, pois estes percebem asobrecarga causada pelos seus colegas menos dispos-tos e/ou menos capazes.

Etapa 2. Garantia de Preparo5

2.1. O mecanismo básico que garante a responsabili-dade individual pela preparação pré-classe é o pro-cesso denominado: “Readiness Assurance” e queaqui chamamos de Garantia do Preparo. O pri-meiro passo no processo é um teste de garantiado preparo individual (individual readinessassurance test – iRAT), respondido sem consultaa qualquer material bibliográfico ou didático.Consiste de 10 a 20 questões de múltipla escolha,contemplando os conceitos mais relevantes dasleituras ou das atividades indicadas previamente.Individualmente, assinalam suas respostas emuma folha de respostas (Figura 2) que permiteque os estudantes “apostem” na resposta certa,ou em mais de uma resposta se estiverem em dú-vida. Por exemplo: se na questão 1 (com 4 alter-nativas e valendo 4 pontos), o indíviduo estiverem dúvida entre a alternativa “a” e a alternativa“c”, ele pode apostar 2 pontos em cada uma. Podeutilizar diversas combinações, pontuando mais seescolher apenas a alternativa correta.

Figura 2: Proposta de Folha de Resposta para a etapa de garantia do preparo individual (iRAT)e em grupos (gRAT).

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2.2. Na próxima etapa, os grupos são reunidos emclasse de acordo com o que ficou definido peloprofessor, para resolver o mesmo conjunto de tes-tes, também sem consulta (garantia do preparoem grupo – group readiness assurance test –gRAT). Os alunos devem discutir os testes e cadamembro defende e argumenta as razões para suaescolha até o grupo decidir qual é a melhor res-posta. Como resultado, os alunos percebem quesão explicitamente responsáveis perante seuspares, não só no preparo pré-classe, mas tambémpor ter que explicar e fundamentar suas respos-tas, exercitando suas habilidades de comunica-ção, argumentação e convencimento.Ainda nesta fase, quando o grupo decide por umaresposta, deve utilizar o instrumento entregue peloprofessor para que os alunos recebam o feedbackimediato de qual é a resposta certa. Deve haverum mecanismo para que os grupos saibam qual aresposta correta, o mais rapidamente possível,pois isso auxilia o grupo no processo de decisãoe garante o feedback imediato. Pode-se utilizaruma cartela contendo as alternativas cobertas oupor etiquetas a serem retiradas ou por material aser raspado (Figura 3). A pontuação individual ea do grupo são, então, assinaladas. A individualcorresponde aos pontos que foram direcionadosà alternativa correta e a do grupo depende do nú-mero de etiquetas retiradas ou de “raspadinhas”realizadas: se o grupo acertou na primeira tenta-tiva (primeira resposta “aberta”) recebe o total

de pontos (quatro, se este for o número de alter-nativas existentes para cada teste) e estes pontosdecrescem se mais tentativas forem realizadas atézero se todas as alternativas forem reveladas an-tes de encontrar a resposta correta.Nestas duas fases (iRAT e gRAT) é possível utili-zar clickers (sistemas de resposta eletrônicas)para registrar a escolha, o que facilita o levanta-mento das respostas pelo professor e ainda geragráficos para projeção posterior, quando dos seuscomentários e feedback aos estudantes.

2.3. A seguir, abre-se a possibilidade das equipes re-correrem (apelação), no caso de não concorda-rem com a resposta indicada como correta. Todoapelo deve ser feito acompanhado de argumenta-ção, sugestão de melhoria e com consulta a fon-tes bibliográficas pertinentes. É necessário cum-prir alguns requisitos para a apelação: ser feitapor escrito, por toda a equipe, em formuláriosque podem ser criados especificamente para estafinalidade e encaminhada ao professor com asreferências e evidências que dão suporte à argu-mentação da equipe. A equipe deve também pro-por o novo formato e a resposta correta da ques-tão. As equipes que tiverem seus apelos acata-dos, ganham pontos e o professor tanto pode fa-zer seu julgamento naquele momento ou entãorealizar a devolutiva no próximo encontro. Aquiencontra-se mais uma possibilidade para coesãoda equipe e para seu exercício de aprendizagem.

Figura 3: Cartão de feedback imediato com raspadinha (a esquerda), e cartão de feedback imediato feito com folha impressa(“estrela” = resposta correta) e cobertas com adesivos circulares (a direita).

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2.4. Após, o professor pode proferir os seus comentá-rios sobre cada teste ou realizar uma miniconfe-rência em que os temas mais relevantes e incluí-dos na avaliação anterior são abordados, em es-pecial aqueles que sejam mais necessários, ob-servando-se as discussões em cada grupo. O pro-fessor, buscando clarear conceitos fundamentais,oferece feedback a todos simultaneamente. Aofinal desta etapa, os estudantes devem estar con-fiantes a respeito dos conceitos fundamentais epoderão aplicá-los para resolver problemas maiscomplexos que serão oferecidos na etapa de apli-cação do conhecimento, que se segue numa ati-vidade de TBL.

Etapa 3. Aplicação de conceitos5

É uma etapa fundamental que ocorre na classe.O professor deve proporcionar aos estudantes, reuni-dos em suas equipes, a oportunidade de aplicar co-nhecimentos para resolver questões apresentadas naforma de cenários/problemas relevantes e presentesna prática profissional diária. Os estudantes devemser desafiados a fazerem interpretação, inferências,análises ou síntese. Para avaliar a qualidade das res-postas, podem ser utilizadas questões no formato detestes de múltipla escolha, verdadeiro ou falso ouquestões abertas curtas. O fundamental é que todasas equipes estejam preparadas para argumentar sobrea escolha que fizeram.

A terceira etapa deve ser a mais longa e poderáser repetida até que se contemple os objetivos deaprendizagem de acordo com o planejamento reali-zado pelo professor e o tempo disponível para o cur-so. Conclui-se, assim, um módulo ou unidade educa-cional em TBL.

A etapa de aplicação do conhecimento deve serestruturada seguindo alguns preceitos. Os quatro prin-cípios básicos para elaborar esta fase são conhecidosem inglês como os 4 S’s:

a. Problema significativo (Significant): estudantesresolvem problemas reais, contendo situações con-textualizadas com as quais têm grande chance dese depararem quando forem para os cenários deprática do curso.

b. Mesmo Problema (Same): cada equipe deve re-ceber o mesmo problema e ao mesmo tempo paraestimular o futuro debate.

c. Escolha específica (Specific): cada equipe devebuscar uma resposta curta e facilmente visível por

todas as outras equipes. Nunca deve-se pedir paraque as equipes produzam respostas escritas em lon-gos documentos.

d. Relatos simultâneos (Simultaneous report): é ide-al que as respostas sejam mostradas simultaneamen-te, de modo a inibir que alguns grupos manifestemsua resposta a partir da argumentação de outrasequipes. Assim, cada equipe se compromete comuma resposta e deve ser capaz de defendê-la emcaso de divergência com outras equipes. Idealmente,diferentes equipes devem escolher diferentes res-postas, o que justificará a argumentação desejadanesta etapa, realizada entre as equipes. Caso todasoptem pela resposta correta, o professor pode esti-mular o debate perguntando porque as demais al-ternativas estão erradas.

Como é a avaliação dos estudantes no TBL?

Os alunos são avaliados pelo seu desempenhoindividual e também pelo resultado do trabalho emgrupo, além de se submeterem à avaliação entre ospares, o que incrementa a responsabilização. Os mem-bros têm a oportunidade de avaliar as contribuiçõesindividuais para o desempenho da equipe. A avalia-ção pelos pares é essencial, pois os componentes daequipe são, normalmente, os únicos que têm infor-mações suficientes para avaliar com precisão a con-tribuição do outro. É uma característica importantedo TBL, pode assumir caráter formativo e/ou somativoe reforça a construção da aprendizagem, além da res-ponsabilização individual.

Outra estratégia de que o TBL faz uso é apactuação entre professor e estudantes da pondera-ção das diversas fontes de dados para avaliação: re-sultado do teste individual, em grupo e da avaliaçãointerpares. O professor pode oferecer faixas percen-tuais desta ponderação, mínima e máxima e aí os alu-nos debatem entre si, contribuindo para a responsabi-lização e o envolvimento na metodologia2.

Como é o preparo de um módulo em TBL?

Quando se modifica a estratégia pedagógica deuma aula expositiva, centrada no professor, para umaatividade do tipo TBL, centrada no estudante, trêsmudanças são necessárias:

1. Os objetivos primários do curso devem ser amplia-dos, passando de uma tentativa de trabalhar ape-nas os conceitos-chave de um tópico para objeti-vos que incluam a compreensão sobre “COMO”

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estes conceitos devem ser aplicados em situações/problemas reais;

2. O papel e funções do professor também mudampois ao invés de ser alguém que oferece informa-ção e conceitos, ele deverá ser aquele que contex-tualiza o aprendizado e maneja o processo educa-cional como um todo, agindo mais como facilita-dor da aprendizagem;

3. Finalmente, é necessária uma mudança no papel efunção dos estudantes, que agora saem da posiçãode receptores passivos da informação para a con-dição de responsáveis pela aquisição do conheci-mento e membros integrantes de uma equipe quetrabalha de forma colaborativa para compreendercomo aplicar o conteúdo na solução de problemasrealísticos e contextualizados.

Ainda, uma atividade inicial de treinamentousando o TBL com os alunos deve ser preparada paraa primeira aproximação dos estudantes com a meto-dologia.

Por que experimentar estaferramenta educacional?

O cumprimento sequencial das etapas do TBLé catalisador da formação de ricas equipes de apren-dizagem. E o trabalho em equipe é exigência das Di-retrizes Curriculares Nacionais, bem como do mun-do atual, interdependente, demandando uma educa-ção profissional transformadora6. Para que as equi-pes tenham alto desempenho, sejam coesas e eficien-tes, a implantação do TBL exige o respeito aos seusquatro princípios essenciais:1. os grupos devem ser heterogôneos, devidamente

formados (por cinco a sete membros), com compo-sição mantida por longos períodos (todas as unida-des ou módulos do curso);

2. os estudantes devem ser responsabilizados pelo tra-balho individual e em grupo;

3. as tarefas realizadas pelo grupo devem promoveraprendizagem e desenvolvimento de da equipe;

4. estudantes devem receber feedback frequente eoportuno.

Quanto maior e mais efetiva a interação entreos membros da equipe, mais disposta e capaz estará aequipe para enfrentar os desafios propostos. Os estu-dos mostram que 98% das vezes, o desempenho daequipe vai superar o desempenho do seu melhor mem-bro da equipe isoladamente.7

Um dos pontos centrais do TBL é derivado dograu de coesão que pode ser desenvolvido por cadaestudante dentro das equipes, ou pequenos grupos deaprendizagem. Em outras palavras, a eficácia da apren-dizagem baseada no trabalho em equipes como umaestratégia instrucional se deve ao fato de que existeum forte estímulo para que os membros dos gruposalcancem tais níveis de coesão, o que resulta em mai-or motivação e aprendizado e na transformação des-tes grupos em equipes.6,8

A colaboração dos estudantes é um aspecto crí-tico para implementar com sucesso a aprendizagembaseada em equipe. Na verdade, a maioria dos “pro-blemas” relatados com grupos de aprendizagem (par-ticipantes disfuncionais, conflitos entre membros, etc)são resultado direto de um desenvolvimento inapro-priado da própria equipe. O aspecto fundamental daconcepção de trabalhos de equipe eficaz é reconhe-cer que o sucesso depende de uma boa interação en-tre seus componentes. A intervenção do professor-fa-cilitador deve ser adiada, permitindo que o o próriogrupo busque a solução de seus problemas. Outro fa-tor importante para garantir a responsabilização e acoesão diz respeito ao papel do facilitador. Especial-mente na etapa de aplicação de conceitos, ele devedesenvolver questões ou testes que exijam das equi-pes uma resposta (“um produto”) que possa ser facil-mente observada e comparada entre as equipes e compossibilidade de incluir a perspectiva do especialista.

Por estas razões, a aplicação de apenas algu-mas etapas do TBL é alvo de críticas de seus criado-res9. Embora customizações sejam inevitáveis, é ne-cessário ter no horizonte a clareza de que, com isto,nem todos os benéficos atributos da metodologia se-rão alcançados. Consideramos que não se deve modi-ficar ou excluir qualquer das etapas previstas para umasessão completa de TBL.

Apesar de se indicado para cursos inteiros, nemsempre isso é factível. Nos cursos da área médica edas profissões da saúde, as disciplinas costumam serde responsabilidade de um grupo de professores, nemsempre motivados para modificar sua forma de ensi-nar simultaneamente. Isso não deve ser um impedi-mento para aqueles que desejam experimentar e pra-ticar esta estratégia de ensino.

Existem inúmeras experiências acumuladascom o uso do TBL em cursos da graduação e pós-graduação, utilizado de maneira parcial (elaboradopara temas específicos de um curso) com intuito prin-cipal de ganhar experiência com esta técnica educa-

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cional, ou completa, com maior ou menor profundi-dade, para expor estudantes e sensibilizar professo-res para o uso do TBL, com aparente bom impactosobre os estudantes 10,11,12

Assim, sugerimos que, mesmo quando não exis-tam condições para mudar todo um curso, que se pos-sa experimentar a estratégia em algumas das aulas ousessões.

ConcConcConcConcConclusãolusãolusãolusãolusão

O TBL é uma estrégia pedagógica embasadaem princípios centrais da aprendizagem de adultos,com valorização da responsabilidade individual dosestudantes perante as suas equipes de trabalho e tam-bém com um componente motivacional para o estudoque é a aplicação dos conhecimentos adquiridos nasolução de questões relevantes no contexto da práti-ca profissional.

MensaMensaMensaMensaMensagggggens fens fens fens fens finaisinaisinaisinaisinais

A utilização da estratégia de forma isolada, emuma atividade, ou em todo o curso deve contribuirpara um movimento em direção à reflexão e ação para

uma aprendizagem mais ativa nos cursos de profis-sões da saúde, mesmo dentro de estruturas curricula-res menos atualizadas.

PRINCIPAIS PONTOS DE INTERESSE:

• TBL é uma estratégia educacional para grandes gruposque, a partir da coordenação do professor, possibilita ainteração e colaboração no trabalho em pequenos gru-pos (centrada no estudante).

• Os estudantes são responsáveis pelo preparo (estudo) an-tes da aula, e em colaborar com os membros de sua equi-pe para resolver problemas autênticos e tomar decisõesem sala de aula.

• Apenas um instrutor especialista é necessário para todaa turma.

• Os alunos aprendem a trabalhar em equipe sem precisarde instrução adicional, nem facilitadores especialistas emprocessos de grupo.

• Ter clareza sobre os resultados esperados ao término docurso e deixar isso claro para os estudantes é fundamen-tal para que compreendam o que eles devem ser capazesde fazer.

• Seguir as recomendações técnicas para uma atividadeusando o TBL é fundamental para garantir seu potencialtransformador desta prática de ensino e aprendizagem.

ABSTRACT:

Those faculty who want to use Team-based learning in their classes need to understand the basic princi-ples behind this educational strategy and the required steps that should be followed to achieve an effec-tive implementation. The aim of this article is offer a comprehensive view on TBL’s potential as an educa-tional tool, including the expected outcome of students’ meaningful learning and developmental teamwork.The four principles and a step-by-step process to design and deliver a TBL will be described in details, ifone wants to use it for a whole discipline or only for isolated insertions within a course. At the end, it will beexpected that the reader understand the main strengthens and weaknesses and could able to do aninformed decision making about incorporating TBL or not in their teaching practices.

Keywords:Team-based Learning; Educational Methods; Medical Education; Health Professions Education.

RRRRRefefefefeferências biberências biberências biberências biberências bibliolioliolioliogggggráfráfráfráfráficasicasicasicasicas1. Burguess AW, McGregor DM, Mellis CM, Applying established

Guidelines to team-based learning programs in medicalschools: A systematic review. Acad Med. 2014; 19:1-11.

2. Parmelee DX, Michaelsen LK, Cook S, Hudes PD. Team-basedlearning: a practical guide: AMEE guide nº 65. Med Teach.2012; 34:e275-87.

3. Ministério da Educação (BR), Conselho Nacional de Educa-ção, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n.

4, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curricularesnacionais do curso de graduação em medicina. Brasília:DiárioOficial da União, 2001.

4. Hyrnchak P, Batty H. The educational theory basis of team-based learning. Med Teacher. 2012; 34:796-801.

5. Michaelsen LK. Getting Started with Team Based Learning. In:Michaelsen LK, Knight A B, Fink LD , editors. Team-BasedLearning: A Transformative Use of Small Groups. Praeger;2002.

6. Frenk J, Lincoln C, Zulfiqar AB, Jordan C, Nigel C, Timothy E,

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Harvey F et al. Health professionals for a new century: trans-forming education to strengthen health systems in an interde-pendent world. The Lancet. 2010; 376(9756): 1923-58.

7. Michaelsen, LK, Black RH. Building learning teams: The key toharnessing the power of small groups in higher education,Collaborative Learning: A Sourcebook for Higher Education(Vol. 2 ). State College, PA: National Center for Teaching, Learn-ing & Assessment, 1994.

8. Michaelsen LK, Watson WE, Black RH. A realistic test of indi-vidual versus group consensus decision making. J ApplPsychol. 1989; 74: 834-9.

9. Michaelsen LK, Sweet M, Parmelee DX. Team-Based Learn-ing: Small Group Learning's Next Big Step. New Directions forTeaching and Learning. San Francisco, CA: Jossey Bass; 2008.

10. Bollela VR, Vilar FC. The challenge of moving forward: fromlectures to team based learning. Conference abstract book.An International Association for Medical Education (AMEE) -Lyon, 2012. Disponível em: http://www.ub.edu/medicina_unitateducaciomedica/documentos/AMEE%202012%20ABSTRACT%20BOOK.pdf

11. Bollela VR, Senger MH, Amaral EM. Fit for purpose: TBL usein undergraduate (medicine), diploma course and Master/PhDprograms on Health Professions Education (HPE). Conferenceabstract book. An International Association for Medical Edu-cation (AMEE) - Prague, 2013. Disponível em: http://www.sedem.org/resources/AMEE2013ABSTRACTupd.pdf

Sugestão de Página na web: http://www.teambasedlearning.org/

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 301-7

Correspondência:Profa Dra Maria Lourdes V Rodrigues

Av. Bandeirantes, 3900CEP: 14049-900

Ribeirão Preto/SPEmail: [email protected]

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

AAAAAprprprprprendizado baseado em prendizado baseado em prendizado baseado em prendizado baseado em prendizado baseado em proboboboboblemaslemaslemaslemaslemasProblem-based learning

Marcos C. Borges1, Silvana G. F. Chachá2, Silvana M. Quintana3, Luiz Carlos C. Freitas4,Maria Lourdes V. Rodrigues4

RESUMO

A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), introduzida no ensino de Ciências da Saúde na McMasterUniversity, Canadá, em 1969, é uma proposta pedagógica que consiste no ensino centrado no estudantee baseado na solução de problemas, reais ou simulados. Os alunos, para solucionar esse problema,recorrem aos conhecimentos prévios, discutem, estudam, adquirem e integram os novos conhecimen-tos. Essa integração, aliada à aplicação prática, facilita a retenção do conhecimento. Portanto, a ABPvaloriza, além do conteúdo a ser aprendido, a forma como ocorre o aprendizado, reforçando o papel ativodo aluno neste processo, permitindo que ele aprenda como aprender. A ABP oferece diversas vantagens,como o desenvolvimento da autonomia, a interdisciplinaridade, a indissociabilidade entre teoria e práti-ca, o desenvolvimento do raciocínio crítico e de habilidades de comunicação, e a educação permanente.Porém, para a sua utilização são necessários investimentos em recursos humanos e materiais, além deum programa de capacitação de professores e alunos bem estruturado, que devem sempre ser conside-rados antes de sua implementação.

Palavras-chave: Educação, Pequenos grupos, Aprendizagem Baseada em Problemas

1. Departamento de Clínica Médica, 3Departamento de Gineco-logia e Obstetrícia, 4Departamento de Oftalmologia, Otorrino-laringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço, Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

2. Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Carlos

Principais PPrincipais PPrincipais PPrincipais PPrincipais Pontos de Interontos de Interontos de Interontos de Interontos de Interesseesseesseesseesse

• A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)consiste no ensino centrado no estudante e basea-do na solução de problemas.

• O currículo dos cursos que utilizam ABP geralmenteé dividido em módulos temáticos, que são compos-tos de várias sessões e integram diversas discipli-nas e o conhecimento básico e clínico.

• Para solucionar um problema, os alunos recorrem

aos conhecimentos prévios, discutem, estudam,adquirem e integram os novos conhecimentos.

• A ABP valoriza, além do conteúdo a ser aprendido,a forma como ocorre o aprendizado, reforçando opapel ativo do aluno neste processo, permitindo queele aprenda como aprender.

• A ABP estimula o desenvolvimento de habilidadestécnicas, cognitivas, de comunicação e atitudinais;o respeito à autonomia do estudante; o trabalho empequenos grupos; e a educação permanente.

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo VIII

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Borges MC, Chachá SGF, Quintana SM, Freitas LCC,Rodrigues MLV. Aprendizado baseado em problemas.

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):301-7http://revista.fmrp.usp.br/

• O elemento central da ABP é o aluno, e o grupotutorial é a base do método, que conta com a facili-tação de um tutor.

• Inúmeras fontes podem servir como problemas parauma sessão de ABP, tais como casos descritos empapel, pacientes reais, pacientes simulados, exameslaboratoriais, vídeos, áudios, textos de jornal ourevistas, fotos, artigos científicos.

• A implementação ou transição para um método deensino como a ABP requer investimentos tanto emrecursos humanos quanto materiais, além de umprograma bem estruturado de capacitação de pro-fessores e alunos.

AAAAAprprprprprendizado baseado em prendizado baseado em prendizado baseado em prendizado baseado em prendizado baseado em proboboboboblemaslemaslemaslemaslemas

História

O princípio de que os seres humanos apren-dem a partir de experiências do cotidiano, no qual seapresentam vários problemas que necessitam solu-ções, muitas vezes imediatas, foi a base do desenvol-vimento do método “Aprendizagem Baseada em Pro-blemas” (ABP, ou PBL do inglês “Problem BasedLearning”).1

Através da obtenção, análise e síntese dos da-dos disponíveis, são identificadas lacunas do conhe-cimento, que precisam ser preenchidas. A aplicaçãodesses novos conhecimentos, em conjunto com mé-todos de raciocínio dedutivo, compõe as bases para asolução do problema em foco. Esse tipo de aborda-gem leva o estudante a “aprender a aprender”.2

Apesar de utilizado anteriormente por outrasáreas do conhecimento, a ABP foi introduzida no en-sino de Ciências da Saúde na McMaster University,Canadá, em 1969, sob a coordenação de Howard S.Barrows. As principais características do programaeram: ausência de disciplinas, integração de conteú-do e ênfase na solução de problemas.1,3,4 Assim, ométodo (desafiador, no início) levaria ao desenvolvi-mento no estudante de habilidades para dirigir o pró-prio aprendizado, de integração de conhecimentos, deidentificação e exploração de novos temas, gerencia-mento da sua educação permanente e capacidade detrabalhar em equipe.1,5 A estrutura curricular do novocurso era constituída por Unidades Interdisciplinarese no ano final, internato rotatório. As habilidades clí-nicas e de comunicação eram adquiridas em unidadevertical paralela.3

Depois da McMaster, várias escolas de Ciênci-as da Saúde passaram a utilizar a ABP como base daestrutura curricular, de forma plena ou, inicialmente,como um currículo paralelo, ou em parte da gradecurricular. Entre elas, estão: Maastrich University(Holanda), Southern Illinois School of Medicine(EUA), Faculté de Medicine - Université deSherbrooke (Canadá) e Harvard Medical School(EUA).1 Estas, assim como outras instituições, ofere-cem oportunidades para treinamento e aperfeiçoamen-to de docentes de outras Universidades no métodoABP. A Maastrich University tem exercido importan-te papel na divulgação da ABP no Brasil e atuadoamplamente na formação de docentes brasileiros, dediversas universidades.

Os principais determinantes para a introduçãode inovações no ensino de Ciências da Saúde são:avanços da ciência e da tecnologia para diagnóstico etratamento e industrialização; mudanças de legisla-ções; mudanças econômicas, políticas e sociais, coma consequente modificação do sistema de saúde e va-lorização da prevenção; surgimento de diferentesdoenças; descoberta de novos medicamentos; e porpressões dos alunos e pela vontade de reitores, de di-retores, de departamentos de ensino e de colegiados.6

Quando são fundadas novas escolas têm pesosignificante, também, as escolhas das agências de fo-mento e fundações que as apoiam financeiramente.Por exemplo, a fundação da FMRP-USP contou como apoio da Fundação Rockfeller para o equipamentode laboratórios e aperfeiçoamento de professores. Issoinfluenciou no modelo de estrutura curricular, na es-truturação departamental, no regime de trabalho dosdocentes e na ênfase na geração de conhecimentos.Da mesma forma, diversas escolas médicas brasilei-ras adotaram o modelo ABP porque, nas últimas dé-cadas do século XX e no início do século XXI, fun-dações apoiadoras da implantação de Escolas de Ci-ências da Saúde acreditaram no método e têm esti-mulado a sua utilização e apoiado a capacitação dosdocentes.

Atualmente (2014) existem no Brasil 218 Es-colas Médicas, 19% das quais declaram utilizar ométodo ABP7. Apesar da tendência atual de valoriza-ção do desenvolvimento gradual de competências pro-fissionais em situações da vida real, que demandemconhecimento, habilidades e atitudes, o PBL conti-nua sendo usado em grau maior ou menor, em muitasescolas ao redor do mundo.8

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O que é a O que é a O que é a O que é a O que é a AAAAAprprprprprendizaendizaendizaendizaendizagggggem Baseadaem Baseadaem Baseadaem Baseadaem Baseadaem Prem Prem Prem Prem Proboboboboblemas (ABP)?lemas (ABP)?lemas (ABP)?lemas (ABP)?lemas (ABP)?

A ABP é uma proposta pedagógica que consis-te no ensino centrado no estudante e baseado na solu-ção de problemas. O currículo dos cursos que utili-zam ABP geralmente é dividido em módulos ou uni-dades temáticas, que são compostos de várias sessõese integram diversas disciplinas e o conhecimento bá-sico e clínico.

O aprendizado ocorre a partir da apresentaçãode problemas, reais ou simulados, a um grupo de alu-nos. Os alunos, para solucionar este problema, recor-rem aos conhecimentos prévios, discutem, estudam,adquirem e integram os novos conhecimentos. Essaintegração, aliada à aplicação prática, facilita a reten-ção do conhecimento, que pode ser mais facilmenteresgatado, quando o estudante estiver diante de novosproblemas.1 Portanto, o método ABP valoriza, alémdo conteúdo a ser aprendido, a forma como ocorre oaprendizado, reforçando o papel ativo do aluno nesteprocesso, permitindo que ele aprenda como aprender.9

A ABP estimula o estudante a desenvolver ha-bilidades para gerenciar o próprio aprendizado, bus-car ativamente as informações, integrar o conhecimen-to, identificar e explorar áreas novas, com isso o es-tudante adquire ferramentas para desenvolver habili-

dades técnicas, cognitivas e atitudinais para a práticaprofissional e também para aprender ao longo davida.1,10 Desta forma, a ABP caracteriza-se por fomen-tar a aprendizagem significativa, a articular os conhe-cimentos prévios com os de outros estudantes do gru-po, a indissociabilidade entre teoria e prática, o res-peito à autonomia do estudante, o trabalho em peque-nos grupos, o desenvolvimento do raciocínio críticoe de habilidades de comunicação, e a educação per-manente.10,11 Além disso, à medida que estimula umaatitude ativa do aluno em busca do conhecimento enão meramente informativa, como é o caso da práticapedagógica tradicional, a ABP caracteriza-se comouma metodologia formativa.12

Funções dos inteFunções dos inteFunções dos inteFunções dos inteFunções dos integggggrrrrrantes da antes da antes da antes da antes da ABPABPABPABPABP

O elemento central da ABP é o aluno, e o gru-po tutorial é a base do método. No grupo tutorial, osalunos são apresentados a um problema, pré-elabora-do por um conjunto de docentes, e, com a facilitaçãode um tutor, são estimulados a discutir e elaborar hi-póteses. Esta situação motivadora nos grupos tutoriaisleva a definição de objetivos de aprendizagem, queserão os estímulos para o estudo individual.13 A Ta-bela 1 resume os papéis dos participantes do grupotutorial.

Tabela 1: Descrição dos papéis dos participantes do grupo tutorial

Estudante coordenadorLiderar o grupo tutorial

Encorajar a participação detodos

Manter a dinâmica do grupotutorial

Controlar o tempo

Assegurar que o secretáriopossa anotar adequadamen-te os pontos de vista dogrupo

Estudante secretárioRegistrar pontos relevan-tes apontados pelo grupo

Ajudar o grupo aordenar seu raciocínio

Participar das discussões

Registrar as fontes depesquisa utilizadas pelogrupo

Membros do grupoAcompanhar todas asetapas do processo

Participar das discussões

Ouvir e respeitar a opiniãodos colegas

Fazer questionamentos

Procurar alcançar osobjetivos de aprendizagem

TutorEstimular a participaçãodo grupo

Auxiliar o coordenadorna dinâmica do grupo

Verificar a relevância dospontos anotados

Prevenir o desvio do focoda discussão

Assegurar que o grupoatinja os objetivos deaprendizagem

Verificar o entendimentodo grupo sobre asquestões discutidas

Modificado de Wood 14

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Grupo tutorial: são pequenos grupos, tradici-onalmente compostos por oito a dez estudantes e umtutor. Dependendo do “modelo” de ABP e do númerode estudantes, o grupo pode optar, a cada sessão, poreleger um coordenador e um secretário, sendo queesses papéis devem rodiziar entre os alunos nas dife-rentes sessões, de forma a propiciar que todos sejamcoordenadores e secretários. O tempo de cada sessãopode variar de acordo com o número de integrantes ecom o tipo de problema apresentado, no entanto, ses-sões muito extensas, com mais de três horas de dura-ção, podem ser cansativas e levar à redução da aten-ção e da produtividade individual e do grupo.2 Quan-do o grupo é composto, é recomendável que todos osintegrantes, juntos, estabeleçam regras claras de fun-cionamento, a fim de garantir o trabalho harmônicoao longo das sessões.2,14 Geralmente os pequenos gru-pos são rearranjados a cada módulo ou semestre, demodo que os estudantes aprendam a trabalhar comdiversos colegas. Desta forma, o pequeno grupo faci-lita o processo de aquisição de conhecimentos e con-tribui de maneira significativa para o desenvolvimentode outros atributos na formação do aluno, entre eles:habilidades de comunicação, trabalho em equipe, so-lução de problemas, respeito aos colegas e desenvol-vimento de postura crítica.14,15

Tutor: É um membro do corpo docente queparticipa de um grupo tutorial. Esta participação ocor-re durante um módulo temático ou semestre. O tutornecessita ser treinado e conhecer de antemão os obje-tivos de aprendizado pretendidos para cada proble-ma. Porém, não deverá impor estes objetivos, nemdesvendá-los para os alunos, pois o processo de apren-dizado é tão importante quanto o conhecimento emsi. Suas principais atribuições são: estimular o pro-cesso de aprendizagem dos estudantes; estimular otrabalho do grupo e a participação dos estudantes;respeitar a opinião dos estudantes; detectar eventuaisrivalidades, monopólios, inconformismos; detectarestudantes com problemas; fornecer feedback e reali-zar avaliações.14,16,17 Considerando que na ABP nãoexiste transmissão de conhecimento como nos mode-los tradicionais, o tutor não necessita ser especialistanos temas, tampouco é esperado que ele dê uma aulapara os estudantes. Assim, a interferência do tutor deveser a mínima necessária e preferencialmente na for-ma de perguntas, com intuito apenas de estimular aparticipação ativa de todos estudantes e também cor-rigir rumos quando a discussão se afastar muito dotema proposto.

Estudante coordenador: é um estudante dogrupo que deverá auxiliar a facilitação durante a dis-cussão no grupo tutorial.

Estudante secretário: é um estudante do gru-po que realizará as anotações referentes à discussão,garantindo que as várias etapas da discussão sejamanotadas de forma que o grupo não se perca na dis-cussão e não volte a pontos que já foram discutidosanteriormente.

Demais estudantes: deverão se esforçar pararealizar uma boa discussão do problema, de formametódica, respeitando as diretrizes do coordenadordo grupo.

Além dos grupos tutoriais, outras atividades eprofissionais também são necessários na ABP, comoo treinamento de habilidades, aulas práticas, estági-os, consultorias com especialistas, entre outras, a fimde complementar a formação dos estudantes.

PPPPPassos de um gassos de um gassos de um gassos de um gassos de um grrrrrupo tutorialupo tutorialupo tutorialupo tutorialupo tutorial

O grupo tutorial, geralmente, se desenvolve emsete passos, descritos na Tabela 2 e abaixo.17

Tabela 2: Passos de um grupo tutorial

1. Leitura do problema, identificação e esclarecimento determos desconhecidos.

2. Identificação dos problemas propostos.

3. Formulação de hipóteses (“brainstorming”).

4. Resumo das hipóteses.

5. Formulação dos objetivos de aprendizagem.

6. Estudo individual dos objetivos de aprendizagem.

7. Rediscussão do problema frente aos novos conhecimen-tos adquiridos.

Primeira sessão em grupo

A dinâmica da sessão em grupo se inicia com aapresentação do problema, o qual pode ser simuladoou real. Dependendo do material utilizado, pode-seeleger um dos estudantes para apresentar o problemaou todos estudam a situação de forma individual.Nessa etapa, devem ser identificados possíveis ter-mos desconhecidos, sendo o significado destes eluci-dado pelo grupo rapidamente ou levado à problema-tização.2,4,14

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Após, o grupo deve identificar os problemas aserem discutidos e examiná-los de forma aprofunda-da o suficiente para delimitar os objetivos da sessão.A discussão segue com a intenção de explicar os pro-blemas, utilizando conhecimentos previamente adqui-ridos e experiências de vida. Esta etapa tem sido de-nominada “brainstorming”, uma vez que os estudan-tes são encorajados a explicitar todas as associaçõese significações.3,4

Após o “brainstorming”, o grupo deve reali-zar uma síntese da discussão para facilitar a organi-zação das ideias e a exposição dos limites de conhe-cimento, a fim de partir para a etapa de construção dehipóteses sobre a natureza do problema. Esta síntesepode ser feita pelo estudante-secretário, tendo o au-xílio dos demais membros do grupo. As hipótesesgeradas pelo grupo devem ilustrar explicações combase em mecanismos, de forma a entender os concei-tos, evitando explicações simplificadas e superfici-ais. A participação de todos na construção das hipóte-ses é essencial, pois cada um dos estudantes deve seidentificar com o produto da discussão em grupo, afim de encontrar o estímulo para a etapa de estudoindividual.2,14

A partir das hipóteses desenhadas, o grupo devedelimitar os objetivos de aprendizagem, o que podeser feito na forma de questões. A elaboração das ques-tões de aprendizagem deve refletir toda a discussãorealizada nas etapas anteriores, novamente privilegi-ando o entendimento completo dos conceitos e meca-nismos, do “como” em detrimento do “qual”. O tutordeve se certificar de que todos os estudantes tenhamclareza dos objetivos delimitados pelas questões deaprendizagem antes do final da sessão.4

De posse das hipóteses e questões de aprendi-zagem elaboradas na sessão, os estudantes partem paraa etapa de estudo individual. A grade curricular deveincluir espaços para a realização desta etapa e a esco-la médica deve garantir o acesso a bibliografias vari-adas. Faz parte da metodologia ativa de ensino-apren-dizagem tornar os estudantes aptos à pesquisa biblio-gráfica qualificada.2,14,18

Segunda sessão em grupo

No re-encontro do grupo após o estudo indivi-dual, os estudantes irão explicitar o produto de suaspesquisas de forma contextualizada, aplicando osnovos conhecimentos à resolução das questões ela-boradas e à elucidação dos problemas levantados naprimeira sessão. É importante que o façam na forma

de síntese, elaborada pelo próprio estudante, citandoa bibliografia consultada, porém evitando a simplesleitura dos textos científicos. Os componentes do gru-po devem ser estimulados a ouvir e entender as ideiastrazidas pelos colegas, de forma a complementar suassínteses individuais por meio da socialização do co-nhecimento e da ajuda mútua.2 O tutor deve estimu-lar a análise crítica tanto da fonte bibliográfica utili-zada, como da própria informação trazida, bem comosua aplicação à situação em discussão.14 Os estudan-tes devem ainda ter em mente que os novos conheci-mentos adquiridos podem ser aplicados a diferentessituações e contextos.3,10

Avaliação do processo ensino-aprendizagem

Ao final de cada sessão em grupo é importanteque seja aberto espaço para a reflexão e avaliação doprocesso de trabalho, feito na forma de auto-avalia-ção, avaliação dos colegas e do tutor. Cada membrodo grupo deve ter espaço para sua avaliação sem in-terrupções ou réplicas. O ambiente precisa ser de res-peito e cooperação, em busca do melhor funciona-mento do grupo e melhor aproveitamento de cada umdos membros. Este momento permite sanar disfun-ções e dificuldades de relacionamento surgidas nogrupo ao longo do processo.2,10

ConstrConstrConstrConstrConstrução de prução de prução de prução de prução de proboboboboblemaslemaslemaslemaslemas

Os problemas na ABP constituem o ponto departida, os “gatilhos”, para a discussão e, consequen-temente, o aprendizado. Desta forma, a qualidade dosproblemas influencia o desenvolvimento do grupo edos estudantes.

Teoricamente, inúmeras fontes, tais como ca-sos descritos em papel, pacientes reais, pacientes si-mulados, exames laboratoriais, vídeos, áudios, textosde jornal ou revistas, fotos, artigos científicos, entreoutras, podem servir de problema para uma sessão deABP. Porém, todos os tipos de problemas necessitamser relevantes e devem promover a discussão e esti-mular os estudantes a aprender durante o grupo e in-dividualmente.19 Adicionalmente, mudanças no for-mato dos problemas estimulam o engajamento dosestudantes ao longo do curso.

Considerando que os estudantes utilizam seuconhecimento prévio nas discussões, algumas carac-terísticas, listadas na Tabela 3, devem ser lembradasdurante a construção de um problema.

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ABP – ABP – ABP – ABP – ABP – VVVVVantaantaantaantaantagggggens e Limitaçõesens e Limitaçõesens e Limitaçõesens e Limitaçõesens e Limitações

Alguns estudos têm comparado currículos queutilizam ABP e o ensino médico tradicional.20,21 Em-bora muitos autores não tenham encontrado diferençassubstanciais entre os métodos, acredita-se que a ABPofereça vantagens que só poderão ser constatadas coma evolução profissional do egresso, especialmente ascaracterísticas ligadas a autonomia, ao autoditatismoe ao desenvolvimento de uma postura profissional debase científica. Ademais, o protagonismo dos estudan-tes no processo de aprendizagem é um importante fa-tor motivacional, levando a busca ativa do conheci-mento e gerando um aprendizado mais eficaz.22

A interdisciplinaridade é outra importante van-tagem da ABP sobre o ensino tradicional. A substitui-ção de conhecimento fragmentado, oferecido em dis-ciplinas, por situações reais, que envolvam vários as-pectos do conhecimento, favorece uma aprendizagemsignificativa, contextual e, ainda, promove a integra-ção dos conteúdos curriculares dos ciclos básico eclínico. Além disso, favorece a inserção dos estudan-tes em atividade de prática clínica já no início do cur-so médico, em conformidade com as principais dire-trizes curriculares para o ensino médico.

A ABP favorece o desenvolvimento de habili-dades de comunicação para trabalho em pequenosgrupos, exposição de ideias, capacidade de argumen-tação e crítica. O respeito às diferentes opiniões, aautocrítica, o senso de responsabilidade, a capacida-de de gerenciar projetos e as atividades de um grupode trabalho também são importantes ganhos.

Os professores que atuam em um modelo deABP não têm, como no método tradicional, total con-trole sobre o conteúdo desenvolvido no pequeno gru-po.

Além disso, o aprendizado na ABP é centradono estudante, não havendo transmissão de conheci-mento, como no modelo tradicional. Isso pode causarum certo desconforto em professores que não forambem treinados para a ABP.

Esse novo papel do professor no processo deensino-aprendizagem tem sido uma das grandes limi-tações para a adoção da ABP nas escolas médicas,especialmente naquelas que se fundamentaram e sedesenvolveram dentro do ensino tradicional. A difi-culdade em se institucionalizar uma inovação, comouma nova abordagem metodológica, impossibilita asua adoção. Mesmo os estudantes podem-se mostrarresistentes às mudanças. A quebra da passividade dosestudantes na aquisição do conhecimento gera des-conforto e requer uma postura proativa, o que nemsempre é bem assimilado e aceito por todos os estu-dantes.23 Além disso, a falta de experiência de profes-sores e estudantes com os fundamentos teóricos e prá-ticos da ABP e´ outro fator que limita a sua aplicação.

A implementação ou transição para um méto-do de ensino como a ABP requer investimentos tantoem recursos humanos quanto materiais. O trabalhoem pequenos grupos, naturalmente, eleva o tempo deatividade dos professores com os alunos e com issofaz-se necessária uma ampliação do corpo docente.Quanto aos recursos materiais, há necessidade demaior investimento para que sejam disponibilizadosaos estudantes os mais variados recursos educacio-nais como bibliotecas, laboratórios, salas de estudo,recursos audio-visuais, e de informática, acesso livrea base eletrônica de dados, entre outros, uma vez quea ABP pressupõe autonomia do estudante na buscado conhecimento, e a estrutura para essa atividadeprecisa ser garantida pela escola. Além disso, é im-prescindível que haja o desenvolvimento de um pro-grama de capacitação de professores e alunos, paraque se identifiquem e familiarizem-se com o novomodelo pedagógico.14

Finalmente, deve ser ressaltado que as vanta-gens e limitações da ABP devem ser analisadas, con-siderando-se, ainda, as condições específicas de cadacurrículo. Assim, para avaliar o efeito de um novométodo sobre a formação do egresso torna-se impe-rativo analisar o currículo proposto e os subsequentesganhos de aprendizagem.

Tabela 3: Características necessárias para a cons-trução de problemas12,17,18,19

• Fácil leitura e adequados ao nível de conhecimento dogrupo.

• Relevantes e, de preferência, conter situações que os es-tudantes enfrentarão em sua vida profissional.

• Promover uma integração do conteúdo básico e clínico.

• Estimular a discussão e o aprendizado de um númerolimitado de itens.

• Conter disparadores (pistas) para ativar o conhecimentoprévio e guiar os estudantes durante a discussão.

• Não devem se muito concisos ou muito amplos.

• Não devem conter pistas escondidas, ser muito simples,muito complexos ou conter inúmeros distratores.

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ABSTRACT

The Problem-Based Learning (PBL), introduced at McMaster University School of Medicine, Canada, in1969, is a student-centered pedagogical approach based on critical thinking and problem solving. Inorder to solve a problem, students use their prior knowledge, discuss, study, acquire and integrate newinformation. This learning integration, combined with a practical application, facilitates knowledge reten-tion. Therefore, students become actively involved in the learning process and improve the capacity oflearn how to learn. PBL has several advantages, such as, it stimulates the development of autonomy onlearning; interdisciplinary; integration of knowledge and practice; development of teamwork, critical think-ing and communication skills; and continuing education. However, to be able to implement PBL on cur-riculum, it’s necessary investments in human and material resources, including a well-structured trainingprogram for teachers and students.

Key-words: Education, Problem-Based Learning, Active Learning

RRRRRefefefefeferências Biberências Biberências Biberências Biberências Bibliolioliolioliogggggráfráfráfráfráficasicasicasicasicas1. Rodrigues MLV, Figueiredo JFC. Aprendizado centrado em

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 308-13

Correspondência:Unidade de Educação Médica Escola de Ciências da Saúde.

Universidade do Minho. Campus de Gualtar.4710-057 Braga/Portugal

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

TTTTTrrrrraaaaabalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos grrrrrupos:upos:upos:upos:upos:dos mitos à rdos mitos à rdos mitos à rdos mitos à rdos mitos à realidadeealidadeealidadeealidadeealidadeFacts and myths about teaching and learning in small groups

Manuel João Costa1

RESUMO

O trabalho em pequenos grupos está presente em muitas agendas para a reforma da educação e temvindo a transformar-se numa espécie de mito. De facto, é generalizada a crença na eficácia e na infalibi-lidade de organizar os alunos em grupos para atingir objetivos específicos ou para desenvolver certostipos de atividades. Essa crença carece de sustentação empírica tendo mesmo sido batizada como “oromance das equipes”. É necessário e urgente entender o que caracteriza um grupo eficaz e quais ascircunstâncias necessárias para garantir tal eficácia, de forma a evitar erros comuns em muitas reformasacadémicas. Por exemplo, é inadequado adotar de raíz o trabalho em pequenos grupos numa disciplina,usando os materiais, a organização das atividades letivas e a avaliação desenhada para um modelotradicional da disciplina. A adoção de trabalho em pequenos grupos deve respeitar um conjunto de prin-cípios essenciais e garantir as condições apropriadas para o transformação dos grupos em equipaseficazes. Este artigo apresenta uma revisão crítica e avaliação do uso de pequenos grupos na educação,identifica os fatores-chave no trabalho em grupo pequenos e discute o papel da aprendizagem em pe-quenos grupos no ensino superior. Para o efeito, percorre alguma da evidência decorrente de pesquisasobre a eficácia do trabalho em pequenos grupos.

Palavras-chave: Ensino em pequenos grupos; Educação; Educação Superior; Aprendizagem Baseadaem Problemas; Ensino.

IntrIntrIntrIntrIntroduçãooduçãooduçãooduçãoodução

Os modelos de ensino/aprendizagem têm vin-do a afastar-se do paradigma tradicional da “instru-ção” no qual cabe ao professor expor ou lecionar umdeterminado conjunto de conteúdos e aos alunos apre-enderem esses conteúdos escutando atentamente osprofessores com interações com outros estudantes

mínimas. Atribui-se o desencorajamento da partici-pação do estudante à sua interferência sobre a eficá-cia de cada aula, aferida pelo volume de ensinamentosque o professor consegue transmitir ao maior númerode estudantes possível (sendo essa provavelmente avantagem inegável deste modelo). O processo típicode lecionação associado a este paradigma é o da aulaexpositiva.1

1. (PhD) Professor Associado, Coordenador da Unidade de Edu-cação Médica Escola de Ciências da Saúde. Universidade doMinho. Campus de Gualtar. 4710-057 Braga/Portugal

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo IX

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Costa MJ. Trabalho em pequenosgrupos: dos mitos à realidade.

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):308-13http://revista.fmrp.usp.br/

Gradualmente, têm-se acumulado resultados depesquisa científica em educação que demonstram queo caminho para uma melhor aprendizagem é o envol-vimento ativo do estudante nas aulas.2,3,4 O “trabalhoem pequenos grupos” (TEPG) tem surgido como umdos denominadores comuns a vários paradigmasinterativos de reforma do ensino bem sucedidos. E épraticamente aceite como um método inevitável e in-falível para solucionar os problemas de ensino. Estapercepção está desfasada da realidade, tendo sido de-signada “o romance das equipes”.5 Efetivamente,catalizar a aprendizagem do estudante através de tra-balho em grupos pequenos é uma tarefa exigente,metódica e consideravelmente mais difícil do que podeparecer. Igualmente, a adoção do TEPG nem sempreé bem-sucedida, talvez por desconhecimento dos prin-cípios e das condições requeridas para que se possaconduzir um grupo através duma discussão participa-tiva e construtiva, questionando com acuidade astemáticas em causa e aplicando adequadamente com-petências de trabalho em equipa.6

O presente texto revê de forma crítica o quecaracteriza um trabalho em grupo eficaz e comopromovê-lo, sem pretender apresentar uma revisãoexaustiva do que é e de como promover o trabalho empequenos grupos. Para literatura relevante e esclare-cedora sobre este tema, recomenda-se a consulta debibliografia apropriada.6,7

No final da leitura deste texto, é esperado queo leitor consiga:

1. Distinguir o que são crenças gerais sobre trabalhoem pequenos grupos do que é conhecimento decor-rente de pesquisa

2. Listar benefícios e dificuldades suscitadas aos do-centes e aos estudantes pela adoção do trabalho empequenos grupos;

3. Esclarecer os conceitos de: grupo e equipa (groupvs team), sinergismo, groupthink

4. Reconhecer diferentes tipologias de pequenos gru-pos: formais vs informais; síncronos vs assíncronos;

5. Reconhecer a necessidade da compreensão das di-nâmicas dos grupos para intervir positivamente so-bre os mesmos

6. Avaliar criticamente os motivos principais queimpedem muitos grupos de atingirem o seu po-tencial.

TTTTTrrrrraaaaabalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos grrrrruposuposuposuposupos(TEPG):(TEPG):(TEPG):(TEPG):(TEPG): o mito e a r o mito e a r o mito e a r o mito e a r o mito e a realidadeealidadeealidadeealidadeealidade

O ensino em pequenos grupos tem um enormepotencial, decorrente de características próprias quefavorecem a aprendizagem ativa dos estudantes. Des-de logo, assenta na premissa que a aprendizagem épotenciada através da interação entre estudantes (peer-to-peer) e destes com os professores – designados tam-bém “tutores”8 ou “facilitadores”.9 Ao criar as condi-ções para a existência de interações frequentes na salade aula, o TEPG torna possível a obtenção de feedbackimediato pelos alunos, e cria oportunidades para dis-cussão de dúvidas individuais de cada aluno num con-texto socialmente confortável e de alguma informali-dade. Ao promover a discussão entre pares, o TEPGtem ainda o potencial de explorar alguma complemen-taridade e diversidade das atitudes e das experiênciasdos participantes e de estimular o desenvolvimentode competências transversais relevantes, como sejama partilha e escuta de opiniões, a participação na co-laboração para a resolução de problemas complexos,e todo o conjunto de competências de trabalho emequipe.6,7

Existe um conjunto adicional de expectativasdesenvolvidas sobre o TEPG. Primeiramente, é umaforma de trabalho que tende a nutrir a dimensão soci-al dos estudante – este aspeto é particularmente im-portante em circunstâncias em que os estudantes nãose conhecem como o arranque de um curso com umnovo conjunto de alunos. Em segundo lugar, tende apotenciar a criatividade e a capacidade de gerar no-vas soluções para problemas e situações complexas.Ao auscultar diferentes perspetivas, questionamentose críticas, cada elemento tende a desenvolver a capa-cidade de assimilar e contribuir em processos criati-vos ou de resolução de problemas. Em terceiro lugar,o TEPG pode conduzir a um produto final de um tra-balho –seja ele um processo, uma ideia ou outros –com características superiores ao que poderia ter sidogerado por cada elemento trabalhando individualmen-te. Por último, tem o potencial de conduzir a tomadade decisões mais ponderadas e equilibradas.

Mas náo é só o potencial do TEPG que alimen-ta o mito ou “romance”5 de que a sua adoção é sem-pre bem sucedida. Outro fator importante é o factodos paradigmas alternativos à instrução mais reputa-dos recorrerem em regra ao TPG. Tome-se como oexemplo os paradigmas mais difundidos em educa-

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ção nas áreas das ciências da saúde, o Problem.BasedLaerning 8 e, atualmente, o Team Based Learning.10

Existem evidências decorrentes de pesquisa que su-gerem que os pequenos grupos usados no PBL sãoparticularmente efetivos para potenciar o desenvol-vimento do pensamento crítico, relativamente a ou-tras formas de ensino.11 No entanto a redução do pa-radigma PBL ao TEPG é um erro conceitual, poisas vantagens de grupos PBL poderão decorrer da es-truturação rigorosa subjacente a este paradigma.6

No entanto, o potencial do TEPG nem sempreé tornado realidade. Quem não experienciou situaçõesdesanimadoras – enquanto estudante ou depois - comoestar integrado num grupo em que alguns estudantesnão participavam, ou em que havia alguém que domi-nava as discussões (com ou sem o consentimento dogrupo), ou terminar o trabalho com a sensação que omesmo foi uma manta de retalhos na qual cada estu-dante aprendeu pouco mais do que o seu retalho? Osdocentes sentem igualmente dificuldades bem identi-ficadas na implementação de TEPG, designadamentea necessidade de superar as fases iniciais de adapta-ção dos grupos (uma dificuldade, aliás, partilhada pelosestudantes), a indisponibilidade de espaços apropria-dos ao TEPG, a avaliação do contributo individual doestudante no seio do grupo, a gestão do risco de frag-mentação da aprendizagem (cada estudante dominaruma parte do conhecimento), a gestão de insucessosde grupos e a gestão de recursos (essencialmente re-sultante da necessidade de multiplicar os docentes).

TTTTTrrrrraaaaabalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos gbalho em pequenos grrrrrupos:upos:upos:upos:upos:prprprprpremissas essenciaisemissas essenciaisemissas essenciaisemissas essenciaisemissas essenciais

Cada método de ensino/aprendizagem foi de-senvolvido no contexto do seu ambiente específicode aprendizagem. Abordagens que recorrem com su-cesso ao TEPG num contexto académico podem seruma péssima opção para outro. Portanto, o TEPG nãopode ser considerado por si só um método superioraos demais. Para compreender o que está na origemdos seus sucessos (e insucessos), a pergunta inicialessencial não deve ser “o TEPG é um método quefunciona? ” mas sim algo como “que condições de-vem ser garantidas para que o TEPG funcione?”.

O sucesso da implementação de TEPG resideno sucesso dos próprios grupos, que está por sua vezassociado a um conjunto de premissas essenciais. Umconceito chave a reter é que um pequeno grupo nãose resume a um conjunto de indivíduos organizados

em torno de uma tarefa ou de objetivos comuns. Afuncionalidade de um pequeno grupo pressupõe umainteração com características específicas entre os par-ticipantes.6 Como essa interação pode ser conseguidaatravés de um conjunto de regras e de metodologiasdistintas, existem vários modelos com sucesso deimplementação de TEPG. Não existe uma regra sobrea constituição e o papel dos grupos. De facto, sãovárias as características divergentes entre grupos des-critos como “eficientes” (effective groups). Listam-se a seguir conceitos essenciais para avaliar critica-mente motivos pelos quais os grupos não atingem porvezes o seu potencial.

Um grupo não é uma equipa

Por vezes, os grupos não atingem a plenitudedo seu potencial por não serem verdadeiras equipas.O termo “grupo” descreve um conjunto de indivíduosque “interage entre si com um fim comum “ 7 comopor exemplo, um conjunto de estudantes criado como objetivo de cumprir uma atividade laboratorial eescrever o correspondente relatório. Porém, esse mes-mo grupo de estudantes pode converter-se numa equi-pa. Para isso, deverá cumprir um conjunto adicionalde condições (Figura 1): 1. procurarem atingir um con-junto de objetivos específicos; 2. existir interdepen-dência explícita entre os seus elementos para todosatingirem os objetivos; 3. haver papeis específicosatribuídos aos elementos da equipa; 4. haver uma cons-ciência esclarecida e partilhada das expectativas so-bre os contributos de cada elemento. Regressando aoexemplo do grupo das aulas práticas, para esse gruposer uma equipa, seria necessário: 1. que o grupo defi-nisse e interiorizasse objetivos para o trabalho, paraalém do objetivo material de produzir o resultado ex-perimental e o relatório – por exemplo, desenvolve-rem competências de observação e de análise de re-sultados; 2. e 3. o grupo deveria estruturar qual ocontributo e funções específicos de cada elemento parao trabalho, sendo confiada a cada elemento umaexpertise particular, da qual todos viriam a beneficiar– um elemento poderia encarregar-se de resumir o pro-tocolo, outro com estudar as técnicas implicadas, ou-tro com planear como se apresentariam os resultadosde forma científica, outro com preparar o tratamentoestatístico dos dados, etc.; 4. houvesse uma consciên-cia coletiva dos contributos a esperar de cada elemen-to, assegurada no exemplo, por sessões agendadas emque cada elemento partilhasse e colocasse em discus-são com o grupo as suas descobertas.

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O grupo como sistema:propriedades emergentes

A criatividade do grupo é uma propriedadeemergente de enorme potencial. A existência de es-paço favorável ao lançamento e acolhimento de ideiasnovas, são características chave para o sucesso de umgrupo. Porém, frequentemente, esse potencial não éconcretizado.12

O sinergismo7 é uma característica de gruposque se refere ao potencial da “produtividade” de umgrupo ser maior do que a “soma” da dos seus elemen-tos. As sinergias não se desenvolvem instantânea ouautomaticamente, requerendo as condições apropria-das (consultar “dinâmica de grupo”, mais abaixo).

Uma propriedade emergente com repercussõesnegativas é o “groupthink” (traduzido para “pensa-mento em grupo”). Trata-se do refreamento voluntá-rio do contributo dum indivíduo no seio de um grupo,motivado pela intenção de atingir posições consen-suais e de minimizar discussões entre os membros dogrupo. Esta propriedade prejudica de forma evidenteo TEPG.

Dimensão do grupo

Não existe uma dimensão ideal para um grupo.Para efeitos de trabalho regular uma dimensão de 6-8estudantes é geralmente considerada adequada.14 Emgrupos de maior dimensão, é maior o portencial dehaver perspetivas para a dicussão, mas sempre queum grupo aumenta de tamanho, diminuem as oportu-nidades para interações e é maior a probabilidade de

haver groupthink e de descomprome-timento de elementos do grupo como trabalho. Não obstante, existemmetodologias eficazes baseadas emgrupos com 12 elementos. Em gru-pos com 4 ou menos elementos hámais oportunidades para contribuirpara as discussões e para o aprofun-damento da perspetiva de cada parti-cipante. Algumas metodologias inte-rativas de sucesso, recorrem a gru-pos de forma irregular, com dimen-são tão pequena como 2 elementos.

Definição da calendarização

Um grupo plenamente funcio-nal é competente na definição da pe-riodicidade e do regime (presencial

ou à distância) em que deve reunir. O mesmo não su-cede, por exemplo, em grupos ocasionais ou no ar-ranque dum grupo. As dinâmicas de grupo desenvol-vem-se faseadamente17, como, contemplando uma faseinicial em que os grupos de aprendizagem tipicamen-te requerem mais orientação do tutor, inclusive na ca-lendarização do trabalho.

Atribuição interna de funções no grupo

Existem metodologias distintas de estruturaçãodo trabalho no interior do grupo. Umas são prescriti-vas, atribuindo rotativamente funções definidas a cadaelemento. Outras estão confortáveis com atribuiçõesdefinidas de acordo com regras definidas pelo pró-prio grupo.

Papel do tutor

As características e o comportamento do tutorcondicionam diretamente o desenvolvimento do gru-po. Por exemplo, um tutor que disponibiliza orienta-ção e feedback criteriosamente, sem monopolizar osprocessos mas também sem deixar o grupo à deriva ésusceptível de reduzir a ansiedade, aumentar a confi-ança e auto-estima, melhorar o desempenho de tare-fas e promover a aprendizagem reflexiva.18 O opostosucederá com tutores que recorram à humilhação.19

A dinâmica de grupo

Este artigo vem apresentando um conjunto defatores que podem conduzir ao funcionamento defici-ente dum grupo. É agora o momento de resumir sinte-ticamente as circunstâncias e as propriedades chave

Figura 1: Diferenças relevantes entre equipas e grupos.

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que caracterizam uma implementação de TEPG in-dutora de uma dinâmica de grupo desejável. O livro“effective groups”7 apresenta descrições pormenori-zadas e bibliografia relevante. A listagem é a seguinte:1. Processos inerentes à organização do grupo, que

exigem reflexão por parte de cada grupo:a. Definição duma visão comum e de objetivos par-

tilhados entre os elementos do grupo: os gruposcujos elementos não partilham uma visão defi-nida sobre os objetivos do grupo, podem dar porsi a regressar sistematicamente a discussões so-bre o que compete a cada elemento;

b. Existência de uma liderança definida: o TEPGdepende da assunção por parte dos elementosde o estabelecimento duma visão clara e de ob-jetivos partilhados, que são muitas vezes o pro-duto de uma liderança exigente e esclarecida nogrupo; à liderança cabe também manter os ele-mentos ativos e esclarecimento perante situaçõesmenos positivas;

c. Definição duma estrutura e de uma estratégiaclara nos grupos: o atingimento de objetivoscumprindo prazos requer uma estratégia de arti-culação adequada; este é um processo importanteque se contrapõe à tendência de alguns gruposcomeçarem a agir e a trabalhar sem ponderarcomo se organizar; é muito importante definiruma estrutura que estabeleça um equilíbrio ade-quado de poder entre os membros do grupo;

d. Clarificação a priori dos processos de gestão deconflitos: é essencial que as regras de gestão desituções problemáticas – por exemplo, o elemen-to do grupo que se atrasa sistematicamente paraas sessões ou que não se esforça para dar umcontributo à altura das expectativas – sejam de-batias e definidas a priori;

2. Competências essenciais manter/desenvolver en-tre todos os elementos:a. Comunicação eficaz entre todos os elementos

do grupo: a existência de deficiências na comu-nicação entre elementos dos grupos é uma cau-sa comum de problemas em grupos, há mensa-gens que são interpretadas de forma diferentepor pessoas diferentes, havendo boas práticas degrupo – reflexão e escuta ativa entre outras - queminoram os problemas originados por uma co-municação deficitária.

b. Diversificação de competências entre os elemen-tos para constituição do grupo: um grupo comum menu de competências diverso é tendencial-

mente mais produtivo que um grupo de indiví-duos com boas relações pessoais e homogéneosentre si no que sabem e na forma como pensam;a diversidade nos grupos deve ser introduzidaaquando da sua formação mas deve também sercultivada no seio de cada grupo;

c. Existência de mecanismos partilhados de intera-ção virtual: não é atualmente necessário ocuparo mesmo espaço físico para trocar ideias ou ma-teriais, pelo que o grupo deverá tirar pleno par-tido dos recursos virtuais disponíveis;

3. Competências de desenvolvimento do grupo:a. Realização de formação/entreinamento nos pro-

cessos inerentes à dinâmica de grupo: a identifi-cação de quais as competências chave associa-das a grupos eficazes, a implementação de me-canismos internos de monitorização e de desen-volvimento, a realização de uma aprendizagemprodutiva a partir da experiência são 3 entre vá-rios tópicos que influem sobre o desenvolvimentode cada grupo e que podem ser desenvolvidascom mais eficácia através de formação específi-ca dos intervenientes;

b. Existência de reflexão aberta e explícita sobre aaprendizagem dos processos de grupo: a apren-dizagem que decorre da experiência necessitade ser consolidada entre os elementos de umgrupo, pelo que deve haver uma partilha e dis-cussão proativas entre os elementos do grupode sucessos, incapacidades e erros.

ConcConcConcConcConclusãolusãolusãolusãolusão

A realidade da implementação de trabalho empequenos grupos é bem diferente do mito de eficáciagarantida que lhe é frequentemente associada. Assim,a opção por trabalho em pequenos grupos não podeser feita irrefletidamente. Deverá antes ser cuidado-samente considerada à luz do conhecimento disponí-vel sobre as condições necessárias para garantir o seusucesso. Qualquer reforma de ensino que consistaapenas na substituição de um conjunto de aulas expo-sitivas por uma coleção de trabalhos em grupo nosquais os estudantes são entregues à sua auto-gestãoestá potencialmente destinada ao insucesso. Comotantas abordagens aplicadas no ensino/aprendizagem,a aplicação de trabalho em pequenos grupos deve serditada pela forma como circunstâncias contextuaispermitem a exploração do seu potencial para a apren-dizagem.

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Principais Pontos de InteresseO trabalho em pequenos grupos tem um enorme potencial para motivar e catalizar a aprendizagem dos estudantes, mas éuma opção metodológica falível como todas as demais. Para ser bem sucedido, EVITE:

1. “Acreditar” que fazer grupos “basta” para ter uma reforma bem sucedida

2. Usar planificação de atividades idêntica à de sessões expositivas

3. Confundir grupos e equipas

4. Deixar os grupos de estudantes em auto-gestão, por exemplo, definindo um trabalho numa sessão letiva e estandopresente apenas para esclarecer dúvidas e receber o produto do trabalho para classificação;

5. Pondere e garanta na medida do possível as condições que conduzam a uma dinâmica de grupo eficaz.

ABSTRACT

Working in small groups is present in many agendas for education reform and has become a kind of myth.Indeed, there is a generalized belief in the efficacy and infallibility of organizing students into groups toachieve specific goals or to develop certain types of activities. Such belief lacks empirical support and haseven been dubbed as “the romance of teams.” It is necessary and urgent to understand what character-izes an effective group and what the necessary conditions to ensure such effectiveness to avoid commonmistakes in many academic reforms. For example, it is inappropriate to base a whole course on smallgroup work, if the materials, the organization of activities and assessment program have been drawn fora traditional model of the discipline. The adoption of small group work requires that a set of core principlesare met and also appropriate conditions for the development of groups into effective teams. This articlepresents a critical review and evaluation of the use of small groups in education, identifies the key factorsin small group work and discusses the role of learning in small groups in higher education. To this end, thearticle builds on some of the evidence arising from research on the effectiveness of small group work.

Key Words: Learning, Research/education, Students, Education, Medical/methods, Group Processes,Teaching/methods.

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Correspondência:Prof. Dr. Luiz Ernesto de Almeida Troncon

Divisão de Gastroenterologia / Departamento de Clínica MédicaHospital das Clínicas da FMRP- Campus da USP

Av. Bandeirantes, 3900CEP: 14048-900 - Ribeirão Preto / SP

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

Avaliação do estudante – aspectosgeraisStudent assessment – general aspects

Maria Paula Panúncio-Pinto1, Luiz Ernesto de Almeida Troncon2

RESUMO

A avaliação do estudante nas profissões da saúde desempenha um papel importante na sua formação.Avaliar significa obter informações que vão ajudar nas tomada de decisões. Assim, é necessário que oplanejamento e a execução da avaliação considerem as suas múltiplas finalidades, entre as quais mere-ce destaque a de reforçar o aprendizado (avaliação formativa). O foco da avaliação do estudante deve seconcentrar não somente no conhecimento adquirido (habilidades cognitivas), mas também nos domíniospsicomotor e afetivo. O planejamento de uma avaliação eficaz no cumprimento de suas funções, leva emconta os objetivos educacionais específicos de cada etapa da formação, de acordo com perfil final dese-jado de habilidades e competências. A escolha dos métodos deve se pautar no que se deseja avaliar etambém nas finalidades da avaliação, considerando validade, fidedignidade, viabilidade, aceitabilidade,impacto educacional e efeito catalítico, como atributos indispensáveis a uma boa avaliação. No cenárioatual brasileiro das profissões da saúde ainda prevalece o foco exclusivo na avaliação cognitiva, privile-giando a função somativa, em detrimento da formativa, referenciada por disciplinas e desconsiderandoos aspectos afetivos e psicomotores de relevância à sua formação geral. A transformação deste cenáriodemanda considerar e privilegiar as perspectivas do estudante e capacitar os professores para a avalia-ção integrativa e transformadora, o que constitui atribuição das escolas, dos sistemas de saúde e dosórgãos reguladores da educação e das profissões.

Palavras-chave: avaliação educacional; estudante; educação nas profissões da saúde.

1. Professora Doutora do Departamento de Neurociências e Ci-ências do Comportamento; Faculdade de Medicina de Ribei-rão Preto, Universidade de São Paulo

2. Professor Titular do Departamento de Clínica Médica, Facul-dade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Conceitos básicos

Em termos gerais, “avaliação” é um substanti-vo feminino que se refere ao ato de avaliar. Para suadefinição, dicionários trazem os verbetes “avaliação”

(ato de avaliar, valor determinado por peritos, apreci-ação; estima) e “avaliar” (determinar o valor de; com-preender, apreciar, prezar, conhecer o valor). Quemavalia o faz em relação a “alguma coisa” ou a “al-guém” (um verbo transitivo).1

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo X

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Na perpectiva da educação, “avaliação” é umtermo que abrange qualquer atividade em que a evi-dência de aprendizagem é recolhida de forma plane-jada e sistemática, sendo utilizada para emitir um juízosobre a aprendizagem. É importante, porém, considerarque este juízo deve servir a alguma finalidade e, nocontexto educacional, as várias finalidades possíveisdeveriam ter o propósito do incremento do aprendiza-do e do aperfeiçoamento do processo educacional.

Finalidades da avaliação

Neste sentido, se a finalidade da avaliação éajudar nas decisões sobre a melhor forma de dinami-zar a aprendizagem, a avaliação é formativa em suafunção. Caso o objetivo consista em sintetizar a apren-dizagem até o momento da avaliação, para classifi-car, certificar ou registrar o progresso, então a avalia-ção é somativa em sua função.2 É importante notarque os atributos “formativa” ou “somativa” referem-se á função da avaliação e não ao método.

A avaliação somativa, por sua vez, é informa-tiva em sua função, e as informações que ela fornecesobre a classificação do estudante, feita por meio deconceitos ou notas, subsidiam a tomada de decisãosobre a progressão do estudante, em termos de apro-vação ou reprovação, a partir do produto de conheci-mentos, habilidades e atitudes, apresentado em situa-ções planejadas. Em geral a avaliação somativa en-volve testes formais (provas de múltipla escolha,dissertativas, orais), mas sua função informativa tam-bém pode ser obtida progressivamente, através deoutras estratégias (trabalhos, seminários, exercícios).3

A avaliação formativa ou “avaliação para apren-dizagem”, como também é referida na literatura, temfunção diagnóstica. Ela é planejada, mas pode serproposta sempre que necessário. O foco é a aprendi-zagem do estudante, e esta função só pode ser atingi-da se o estudante for informado sobre seus objetivose critérios. A avaliação diagnóstica permite reconhe-cer a aprendizagem adquirida e não só contribui paradesenvolver no estudante a capacidade de autoava-liação, como também promove motivação.4

Em sua função formativa, a avaliação identifi-ca pontos fortes e fracos, de acordo com o diagnósti-co que ela fornece sobre a aprendizagem, permitindo

assim que mudanças sejam propostas, ao longo doprocesso pedagógico. Fornece informações sobre aeficácia educacional, a partir do reconhecimento doprocesso de apropriação dos saberes pelos estudan-tes, os diferentes caminhos percorridos, a regulaçãoda aprendizagem. Desta forma, permite reverter oualterar rotas mal sucedidas no percurso pedagógico.3

É importante destacar que as diferentes funçõesda avaliação podem conviver desde que garantidacoerência com o momento e os objetivos de sua pro-posição no processo educacional. Igualmente, as es-tratégias para a avaliação somativa e formativa po-dem ser as mesmas (avaliação escrita, oral, trabalhos,seminários, resenhas, exercícios, portfólio).

Uma estratégia de avaliação pode ser tradicio-nal em sua forma, e o caráter inovador derivar da ati-tude do professor, do seu compromisso em tornar oestudante sujeito, ativo em seu processo de aprendi-zagem. Nesse ponto, o feedback, que pode ser consi-derado como a espinha dorsal da avaliação formativa,assume papel central. O resultado da avaliação preci-sa ser compartilhado com o estudante, não apenas suatradução em conceito/nota. Prover feedback é funda-mental para conferir sentido a avaliação, em qualquerde suas funções, independente da estratégia utilizada.

Além de acessar inúmeros aspectos da apren-dizagem do estudante, a avaliação deve permitir olharpara o ensino, para o professor e sua prática pedagó-gica, implicando em reflexão sobre a práxis.5

O que avaliar: definindoo foco da avaliação

A definição da forma e do conteúdo da avalia-ção requer que algumas perguntas sejam respondidas:“Que profissional eu quero formar?”; “Quais as habi-lidades e competências este profissional deve desen-volver ou adquirir?”; “Em quais etapas do curso?”.

O planejamento de uma avaliação eficaz nocumprimento de suas funções informativa e diagnós-tica, vai então depender do reconhecimento dos obje-tivos educacionais específicos de cada etapa da for-mação, de acordo com perfil final desejado (habili-dades e competências), que, usualmente encontra-sebem definido no Projeto Político Pedagógico-PPP*do curso. Além disso, é necessário considerar os múl-

* O PPP representa a proposta da instituição universitária em relação ás suas funções. Em geral ele contém os fundamentos teóricos,filosóficos e políticos da formação profissional proposta; os objetivos da formação, o perfil final desejado para o profissional (habilidadese competências), as estratégias para se atingir esse perfil; a estrutura e o encadeamento de componentes curriculares.

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Em 2001 foi publicada uma revisão da Taxo-nomia de Bloom com a combinação do tipo de co-nhecimento a ser adquirido (dimensão do conheci-mento) e o processo cognitivo utilizado (dimensãodos processos cognitivos).7 A taxonomia de Bloomrevisada gerou uma estrutura que auxilia na defini-ção clara dos objetivos de aprendizagem. A nova es-

trutura apresenta dois eixos, o do conhecimento, apre-sentado em quatro dimensões – factual (vocabuláriotécnico, fontes confiáveis de informação); conceitual(teorias, modelos, princípios e generalizações); pro-cedimental (habilidades específicas, técnicas e méto-dos) e metacognitivo (conhecimentos sobre proces-sos cognitivos e autoconhecimento) e o dos proces-sos cognitivos, propriamente ditos, apresentado emseis operações – relembrar (definir, memorizar, listar,reproduzir), entender (classificar, descrever, discutir,explicar, identificar, reconhecer), aplicar (escolher,demonstrar, ilustrar, interpretar, resolver), analisar(comparar, criticar, discriminar, distuinguir, exami-nar), avaliar (justificar uma decisão, argumentar, se-lecionar, julgar) e criar (construir, desenvolver, for-mular, desenhar, escrever). Uma mesma atividade ou“tarefa” em avaliação pode ser marcada em mais deuma célula (Tabela 1). Em outras palavras, cada umadas dimensões do conhecimento (factual, conceitual,procedimental e metacognitivo) pode ser avaliada apartir de uma ou mais operações cognitivas.

A “Taxonomia de Bloom” descreve, também,outros dois domínios, além do cognitivo, o das habi-lidades psicomotoras e o das afetivas. As habilidadespsicomotoras dizem respeito ao “fazer”, ou seja, tudoo que demanda efetuação neuromuscular. Constitu-em exemplos deste tipo de habilidade o manusear umobjeto ou equipamento, ou o que é envolvido nas açõesdo exame físico, como o palpar. As habilidadesafetivas dizem respeito ao “pensar” ou ao “sentir”frente um objeto, pessoa ou situação. Compreende asopiniões, juízos, valores e atitudes que o estudanteadquire em relação às coisas ao vivenciar os proces-sos educacionais.

tiplos domínios da aprendizagem significativa em ter-mos de conhecimento, habilidades e atitudes, ou seja:aprendizagem em nível cognitivo, psicomotor eafetivo. Esses três domínios educativos se sobrepõemno processo de aprendizagem e foram identificadospor Bloom e colaboradores, no final de década de1940, em um trabalho clássico que foi publicado como título “A taxonomia dos objetivos educacionais”.Este trabalho, que ficou conhecido como “Taxono-mia de Bloom” apresenta os domínios cognitivo eafetivo como capazes de estruturar a capacidade cog-nitiva em seis níveis de complexidade crescente6 (Fi-gura 1).

AVAL.

SÍNTESE

ANÁLISE

APLICAÇÃO

COMPREENSÃO

CONHECIMENTO

Figura 1: Taxonomia de Bloom6 – Primeira Versão.

Tabela 1: Taxonomia de Bloom Revisada7

Dimensão dos Processos Cognitivos

A B C D E FDimensão do Conhecimento

Relembrar Entender Aplicar Analisar Avaliar Criar

1. Conhecimento Factual

2. Conhecimento Conceitual B2 C2

3. Conhecimento Procedimental E3 F3

4. Conhecimento Metacognitivo D4

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A “Taxonomia de Bloom” oferece um bommodelo para a definição de competências profissio-nais. Em termos gerais, “competência” pode ser de-finida como a capacidade de executar uma ação ouexercer uma função no nível desejado de qualidade.No campo profissional, especialmente na área da saú-de, uma competência poderia ser conceituada como odomínio, em nível adequado de qualidade, de dife-rentes habilidades, de naturezas diversas (cognitivas,psicomotoras e afetivas), necessário para executarações visando a solução de problemas. Por exemplo,“dar um ponto” em um corte na pele, pode ser enten-dido como uma habilidade psicomotora, enquantorealizar uma sutura seria uma competência, pois exi-ge não só a habilidade psicomotora de “dar um pon-to”, mas conhecimentos sobre as linhas de tensão dapele e sobre as propriedades do instrumental, comotambém habilidades afetivas relativas às característi-cas da pessoa cuja pele é suturada e com quem o pro-fissional que executa a ação deve necessariamente in-teragir.

Embora criticada por teóricos e pensadores dasciências humanas e sociais, a taxonomia de Bloomfornece elementos importantes para estruturar a ava-liação da aprendizagem nos cursos de graduação daárea da saúde. A principal crítica refere-se ao risco dese lançar um olhar insular ao processo de ensino-aprendizagem. Ao utilizar a proposta de Bloom sobreos domínios da aprendizagem significativa, tornan-

do-a um guia para estruturar a avaliação, corre-se orisco de valorizar o produto da aprendizagem, o de-sempenho visível, aceitando sem crítica a “apologiada competência”. Isso reduziria a avaliação a um pro-cesso de controle de resultados, através de técnicasde medição.8 Contudo, aceitar a complexidade do pro-cesso ensino-aprendizagem implica em abrir mão dadicotomia do “ou” é bom “ou” é ruim e aceitar o “e”,ou seja: acolher o que o modelo tem de interessantepara a avaliação da aprendizagem em cursos da saú-de e, ao mesmo tempo, aceitar as críticas à “pasteu-rização” de dirigir o foco para o produto, criando as-sim possibilidades de diminuir os erros de uma peda-gogia meramente centrada em resultados.

Como avaliar: a escolha dos méto-dos nas profissões da saúde

A escolha dos métodos a serem empregados naavaliação do estudante deve se pautar no critério domelhor ajuste à natureza das habilidades e competên-cias cujo domínio se quer conhecer. Esta tarefa é fa-cilitada por alguns modelos conceituais, como a “Pi-râmide de Miller” (Figura 2), proposta pelo grandeestudioso da educação médica norte-americanoGeorge Miller9, no início dos anos 1990, que pareceparticularmente interessante para a escolha de méto-dos de avaliação aplicados ao ensino nas profissõesda saúde.

FFFFFazazazazazererererer

MostrMostrMostrMostrMostrar como far como far como far como far como fazazazazaz

SaSaSaSaSaber como fber como fber como fber como fber como fazazazazazererererer

SaSaSaSaSaberberberberber

Figura 2. A “Pirâmide de Miller”, modelo conceitual que ilustra as bases cognitivas (“saber” e “saber como fazer”) da prática profissional(“fazer”) e a necessidade da avaliação de habilidades e competências práticas (“mostrar como faz”), especialmente interessante nasáreas clínicas9.

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Neste modelo, se pressupõe que a prática pro-fissional, o “fazer”, se assenta no conhecimento do“saber como fazer”, que, por sua vez, é embasadopor conhecimentos fundamentais, que constituem o“saber”. No entanto, a qualificação para a prática pro-fissional, que constitui o “fazer”, pressupõe que, emalgum momento anterior à prática, ainda no âmbitoda sua formação, o estudante deve demonstrar quedomina as habilidades e competências necessárias.Isto constitui o “mostrar como faz”, estrato da pirâ-mide sobre qual se assenta a prática.

As habilidades e competências referentes aosdois estratos basilares da pirâmide, o “saber” e o “sa-ber como fazer”, pertencem ao domínio cognitivo e,portanto, devem ser avaliadas com métodos apropri-ados à aferição de aquisição de conhecimentos. Noentanto, diferem quanto à natureza do conhecimento,sendo o “saber” mais relacionado ao domínio “teóri-co” de fatos e mecanismos. Pode, portanto, ser avali-ado com provas variadas, como os “testes de múltiplaescolha” ou questões abertas de respostas diretas, dis-sertações e provas orais (Quadro 1). As mesmas es-tratégias podem ser usadas para avaliar o “saber comofazer”, porém, o conhecimento neste nível já é maisdo tipo “aplicado”. Disto decorre que os exames pro-postos para este estrato devem ter como alvo o uso doconhecimento para a tomada de decisões e para a so-lução de problemas recomendando-se, portanto, quetenham contextualização clínica.

O estrato da pirâmide de Miller que correspon-de ao “mostrar como faz” corresponde à avaliação dehabilidades e competências clínicas, que deve ser fei-ta ainda no âmbito da formação, ou na escola. Estaavaliação é usualmente feita com exames práticos en-volvendo tarefas clínicas. Variam desde a observaçãodireta do atendimento de pacientes reais pelo estu-dante até exames clínicos objetivos estruturados com oemprego de pacientes simulados, envolvendo tarefasdiversificadas, aplicado simultaneamente a grandenúmero de estudantes. (Quadro 2) O princípio subja-cente a todos estes métodos de avaliação é a observa-ção direta do examinando pelo examinador, enquantoeste realiza tarefas clínicas que lhe foram solicitadas,ou que sejam pertinentes à situação clínica proposta.

Por fim, a avaliação do “fazer” correspondeàquela que deve ser feita no próprio ambiente de tra-balho, onde a prática é exercida. Aplica-se ao estu-dante em final de curso, nos estágios profissionali-zantes, onde se dá o treinamento para a prática do“fazer”, com o estudante efetivamente “fazendo”, ou

seja exercitando a prática clínica, mas ainda sob su-pervisão. Esta porção apical da pirâmide correspon-de também à avaliação do profissional já formado,no seu ambiente de trabalho, que também é conheci-da como avaliação de desempenho. Existe uma varie-dade de métodos que podem ser aplicados à avalia-ção da prática profissional (Quadro 3). Estes méto-dos incluem os que se baseiam na análise do proces-so de trabalho, como o modo de preenchimento dosprontuários, as prescrições, os pedidos de exames eos encaminhamentos. Incluem também a análise dedesfechos, ou seja, a verificação dos indicadores re-lativos às pessoas assistidas (morbidade, mortalida-de, qualidade de vida). Uma forma bastante elabora-

Quadro 1: Alguns métodos que podem ser empregados naavaliação das habilidades cognitivas, que corresponde aosestratos do “saber” e do “saber como fazer” da “Pirâmidede Miller”9 (Figura 2).

PROVAS COM QUESTÕES ABERTAS

TESTES DE MÚLTIPLA ESCOLHA

ENSAIOS OU DISSERTAÇÕES

EXAMES ORAIS

Quadro 2: Alguns métodos que podem ser empregados naavaliação de habilidades e competências clínicas10, quecorresponde ao estrato do "mostrar como faz" da "Pirâmi-de de Miller" (Figura 2).

EXAMES NÃO ESTRUTURADOS

prático-oral "observado"ou "não observado"

"caso longo"

"caso curto"

EXAMES SEMI-ESTRUTURADOS

O.S.L.E.R. (Objective Structured Long Examination

Record)

Mini-C.Ex. (mini- Clinical Exercise)

EXAMES ESTRUTURADOS

- O.S.C.E. (Objective Structured Clinical Examination)

- C.S.A. (Clinical Skills Assessment/Exercise)

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da e engenhosa de avaliar o trabalho do profissionalou estudante em estágio profissionalizante consistenas visitas periódicas de pacientes padronizadosincognito, em que um paciente simulado se apresentaao profissional e após ser por ele abordado elaborapara a instância responsável pela avaliação um relatodo que foi feito, o que vai permitir que se avalie aadequação da abordagem. Inclui também o conjuntode métodos para a avaliação do profissional a chama-da “avaliação em 360º”, que consiste no cotejo daauto-avaliação feita pelo próprio avaliando com aquelaque feita pelos seus colegas da mesma profissão (“pa-res”), por membros da equipe de trabalho de outrasprofissões, pelos pacientes ou usuários assistidos epelos supervisores. Descrição mais detalhada destesmétodos, bem como discussão crítica da sua utilida-de é apresentada em excelente revisão da avaliaçãono campo da educação médica10, que se aplica intei-ramente à todas as profissões da saúde.

A validade é a propriedade de se avaliar exata-mente aquilo que se pretende avaliar. Por exemplo,as habilidades cognitivas devem ser avaliadas por tes-tes que avaliam a aquisição de conhecimentos, en-quanto que as habilidades psicomotoras devem seravaliadas com provas práticas. A tentativa de avaliarhabilidades psicomotoras ou afetivas com perguntas,e não com a observação de comportamentos, vai re-sultar em uma situação em que será difícil demons-trar a validade do exame.

A confiabilidade ou fidedignidade é um atribu-to que diz respeito a qualidades como a precisão,acurácia, e reprodutibilidade. É determinada em gran-de parte pela atuação dos avaliadores e pelo controledas circunstâncias que podem afetar artificialmente odesempenho do avaliando. Por exemplo, uma provade conhecimentos preencherá mais facilmente os re-quisitos de confiabilidade se os critérios de correçãodas questões forem estabelecidos com antecedênciae não se depender do juízo do momento do avaliador.

A viabilidade é uma característica relacionadaà existência dos recursos necessários para realizar aavaliação. É particularmente importante quando há anecessidade de se programar provas práticas de mai-or extensão e sua aplicação a grande número de estu-dantes, o que exige contar com grupo maior de avali-adores, área física extensa ou com características pe-culiares, maior tempo para sua realização, entre ou-tras condições. Nas ações de planejamento das avali-ações, a viabilidade é um elemento crítico, pois algu-mas vezes, a busca de preenchimento dos requisitosde validade e fidedignidade impõe a execução de ta-refas para as quais os recursos não são disponíveis, oque torna inviável aquilo que se pretendia executar.

Quadro 3: Métodos que podem ser empregados na avalia-ção do desempenho do estudante em treinamento ou doprofissional já formado10, que corresponde ao estrato do"fazer" da "Pirâmide de Miller"9 (Figura 2).

ANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHOprontuários, prescrições, pedidos de exames,

encaminhamentos

VISITAS PERIÓDICAS DE PACIENTESPADRONIZADOS INCOGNITO

ANÁLISE DE DESFECHOSindicadores reativos às pessoas assistidas

(qualidade de vida, morbidade, mortalidade)

AVALIAÇÃO "360º"auto-avaliação, avaliação pelos pares,

membros da equipe de trabalho, supervisoresavaliação por pacientes ou usuários

Atributos dos métodosde avaliação

Quaisquer que sejam o foco da avaliação e ométodo empregado para tal, é importante que este te-nha alguns atributos gerais, que podem ser conside-rados como determinantes de alta qualidade 11,12 (Qua-dro 4).

Quadro 4: Atributos dos métodos e sistemas deavaliação11, 12.

Validade

Confiabilidade (Fidedignidade)

Viabilidade

Aceitabilidade

Impacto educacional

Efeito catalisador

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A aceitabilidade é a característica que per-mite à avaliação ser reconhecida como adequada ejusta pelos participantes do processo avaliativo, comoos estudantes e os avaliadores, bem como pelos re-presentantes das instituições a quem a avaliação inte-ressa. A falta de aceitabilidade impõe distorções quepodem tornar inviável a execução da avaliação ou queafetam drasticamente os seus resultados, o que inevi-tavelmente prejudicará a qualidade da informaçãoobtida.

No âmbito da escola, uma das característicasmais importantes dos métodos de avaliação é o seuimpacto educacional, ou seja, o quanto irão repercu-tir sobre o próprio processo de ensino e aprendizado.Exemplos de avaliações com impacto educacionalpositivo são aquelas que já preveem a devolutiva oufeedback imediato aos avaliandos. Desta maneira, obom desempenho pode ser reforçado e as eventuaisdeficiências podem ser corrigidas com presteza. Poroutro lado, avaliações exclusivamente somativas, fei-tas somente ao final do curso, com foco unicamenteno domínio cognitivo podem trazer impacto educaci-onal negativo, uma vez que os estudantes vão se pre-ocupar mais com o “passar” do que com o aprender.

Por fim, as avaliações podem ter um efeitocatalítico nas transformações positivas pelas quaisas pessoas e as instituições podem passar. Exemplodisto pode ser dado pela introdução de métodos ousistemas inovadores de avaliação do estudante, queobriga a instituição prover recursos que também po-derão ser utilizados na melhoria do ensino, como acapacitação dos professores em princípios e méto-dos de avaliação, o que por sua vez motiva e estimulaos estudantes a se prepararem para ter um bom de-sempenho.

Quando avaliar: a avaliaçãopontual e os sistemas de avaliação

Em todo o sistema educacional brasileiro, épossível reconhecer uma situação comum: as avalia-ções constituem incumbência exclusiva do professor,são feitas predominantemente no final das discipli-nas, estágios ou cursos e abrangem quase exclusiva-mente o domínio cognitivo. Assim, as avaliações temum caráter mais pontual do que contínuo. Por outrolado, em vários países mais desenvolvidos, nota-se atendência das instituições assumirem a responsabili-dade pela avaliação, passando o professor a ser umpartícipe do processo e a ter a importante função da

avaliação formativa, como parte integral das ativida-des de ensino.

Entende-se aqui por instituição, a escola, a uni-versidade, os hospitais e demais unidades do sistemade saúde, no caso do ensino superior nas profissõesda saúde, bem como os órgãos reguladores, ligados àeducação e às próprias profissões. Esta tendênciaenseja a construção de sistemas de avaliação, quepodem contar com diferentes instrumentos, que vãoprover informações das mais variadas naturezas, nãosó sobre o desempenho dos estudantes, mas tambémsobre as características dos processos de ensino eaprendizado, e que necessariamente tem caráter con-tínuo e natureza permanente.

A construção de sistemas de avaliação não é,porém, tarefa simples, exigindo não só investimentosvultosos em termos de recursos materiais, humanos ede tempo, como também mudança da mentalidade.Esse aspecto, em particular, implica em abrir mão doentendimento da avaliação educacional como instru-mento de poder e de controle do comportamento doestudante, para passar a compreendê-la de forma di-ferente: no plano individual como recurso eficientede apoio à aprendizagem e no plano coletivo comoinstrumento de gestão, visando o aperfeiçoamento dosprocessos educacionais e, em última instância, daspróprias instituições.

Recomendações para avaliaçõesde boa qualidade

Ao longo das últimas décadas do século XX, aárea do conhecimento sobre a avaliação foi uma dasque mais se desenvolveu no campo da educação nasprofissões da saúde. Conceitos foram aprimorados,novos métodos foram desenvolvidos e técnicas tradi-cionais foram aperfeiçoadas. Mais do que isso, atin-giu-se novo patamar no entendimento do poder e daspossibilidades da avaliação no aprimoramento dosprocessos educacionais e também das instituições. Nobojo destas transformações, um grupo de especialis-tas reunidos em um congresso internacional recenteelaborou um conjunto de recomendações para garan-tir avaliações de boa qualidade12. São recomendaçõesque constituem princípios, dos quais derivam aspec-tos práticos que envolvem todos os participantes dosprocessos avaliativos: estudantes, professores ou ava-liadores, instituições ou escola, pacientes ou usuári-os da atenção à saúde, o sistemas de saúde e órgãosreguladores das profissões e das instituições.

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Segundo estas recomendações, cabem:

Aos estudantes:• Conhecer os objetivos das avaliações;• Ter garantias de que as avaliações a que se submetem preenchem requisitos de qualidade;• Receber feedback que estimule o aprendizado em curso, do qual devem participar ativamente;• Ter conhecimento, no devido tempo, sobre os critérios de atribuição de notas e de decisão sobre aprova-

ção ou reprovação.

Aos professores:• Ensinar tendo como referência os objetivos instrucionais pré-estabelecidos;• Elaborar as suas avaliações de modo a que maximizem o aprendizado dos estudantes;• Utilizar os resultados das avaliações para aperfeiçoar o aprendizado futuro.

Às escolas:• Prover capacitação e treinamento aos professores em avaliação educacional;• Prover e alocar os diferentes recursos, inclusive o pessoal necessário, para garantir que as avaliações

sejam bem feitas;• Analisar a qualidade das avaliações, como parte dos processos de controle de qualidade do ensino;• Garantir que as avaliações sejam consistentes e compatíveis com o currículo.

Aos pacientes:• Participar como avaliadores, quando pertinente (ex.: avaliar habilidades de comunicação);• Participar como instrutores, quando possam contribuir para o impacto educacional das avaliações;• Contribuir para o aperfeiçoamento da compreensão das várias facetas do desempenho do avaliando;• Receber garantias da boa qualidade das avaliações dos estudantes e profissionais em treinamento que os

assistem.

Aos sistemas de saúde:• Oferecer oportunidades para avaliações formativas continuadas;• Facilitar o desenvolvimento de uma cultura de respostas estimulantes às avaliações formativas;• Promover a pesquisa científica em avaliação no ambiente de trabalho.

Aos órgãos reguladores:• Levar em conta o impacto educacional das avaliações que fazem;• Oferecer avaliações que garantam competência permanente;• Reconhecer os efeitos catalíticos das avaliações na educação dos profissionais e nos próprios sistemas de

saúde.

Obstáculos e desafios para umaavaliação de maior qualidade

A avaliação do processo ensino-aprendizagemna educação universitária enfrenta obstáculos paracumprir suas funções. O principal obstáculo se mate-rializa na equivocada compreensão sobre as funçõesda avaliação. A ideia de avaliação remete á “prova”ou “exame”, aquela situação escolar ameaçadora queclassifica e estigmatiza o estudante.13 De fato, os es-

tudantes chegam a Universidade carregando a heran-ça da educação tradicional, mais especificamente, deum sistema de ensino cujos esforços se baseiam namemorização, voltado para produtos, e não para aaprendizagem.14

No cenário da educação universitária, a avalia-ção ganha contornos especiais, quando se trata da for-mação de profissionais da saúde. Avaliar a aquisiçãode conceitos e o desenvolvimento de habilidades ecompetências é tarefa complexa, sobretudo pelas ca-

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racterísticas de profissionais da saúde, que têm sidoconceituados como “profissionais de desenvolvimentohumano”*. O conceito abrange profissões que traba-lham com pessoas em contato interpessoal direto, sen-do a interação o próprio processo e parte fundamen-tal do conteúdo da intervenção profissional.15

No contexto da formação de profissionais dasaúde no Brasil, a avaliação carrega marcas do mode-lo tradicional de educação e é reflexo da organizaçãocurricular disciplinar (grade curricular) que separa efragmenta a apresentação dos saberes aos estudantesem áreas, num formato centrado em conteúdos e suatransmissão, lógica que dificulta a integração entreteoria e prática. Em consequência disso, de maneirageral é possível afirmar que ainda prevalece o focona avaliação cognitiva (conceitos), privilegiando afunção somativa em detrimento da formativa. Isso sedesdobra em ênfase excessiva à avaliação referenciadapor disciplinas e uma certa negligência para com for-mação geral do estudante, desconsiderando os aspec-tos afetivos (atitudes) e psicomotores (procedimen-tais), tão fundamentais na formação de profissionaisda saúde. A questão da aplicabilidade do conhecimen-to acaba por se perder em estratégias pontuais de ava-liação, que não consideram diferentes estilos de apren-dizagem e não apresentam caráter progressivo.

Possibilidades de resignificação da avaliaçãono contexto da educação universitária em saúde pres-supõem que as estratégias de avaliação devem estarajustadas à natureza do conhecimento ofertado na dis-ciplina ou componente curricular. Isso requer um pla-nejamento que integre os objetivos do projeto peda-gógico do curso, o perfil final desejado, as metodolo-gias de ensino e as estratégias e métodos de avalia-ção. Nesse sentido, alguns cuidados devem ser consi-derados para garantir um processo efetivo que resulteem aprendizado significativo:• Avaliação progressiva: um conjunto de avaliações,

em diferentes momentos do curso (disciplina oucomponente curricular) em lugar da tradicional ava-liação intermediária e final, ou só de uma avalia-ção final;

• Estratégias diferentes para avaliar diferentes domí-nios, estratégias diferentes num mesmo domínio

para favorecer diferentes perfis de estudante (pro-va escrita dissertativa, prova escrita múltipla esco-lha; prova oral; trabalhos de análise e síntese; se-minários; portfólio);

• Auto-avaliação;• Avaliação por pares;• Avaliação de habilidades clínicas por simulação ou

estações.

Além disso, é importante que seja ofertada aoestudante a oportunidade de participar ativamente oprocesso, tendo ciência dos objetivos educacionais edas finalidades da avaliação, bem como das estraté-gias e critérios empregados na avaliação.

Em outras palavras, a superação desses obstá-culos traz grandes desafios na imperiosa tarefa deaprimorar a avaliação do estudante nas profissões dasaúde.

Principais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interesseesseesseesseesse

1. Avaliar, que significa “determinar o valor de algu-ma coisa,” no campo educacional refere-se a qual-quer atividade em que a evidência de aprendiza-gem do estudante, recolhida de forma planejada esistemática, é utilizada para emitir um juízo sobreela, visando alguma finalidade.

2. As principais finalidades da avaliação do estudan-te incluem reforçar o aprendizado (avaliaçãoformativa) e subsidiar medidas de aperfeiçoamentodo processo educativo (avaliação informativa),além de alicerçar decisões sobre aprovação, repro-vação ou classificação (avaliação somativa).

3. O planejamento e a execução da avaliação deman-da considerar os objetivos educacionais específi-cos de cada etapa da formação, de acordo com perfilfinal desejado (habilidades e competências), levan-do em conta os múltiplos domínios da aprendiza-gem (níveis cognitivo, psicomotor e afetivo).

4. A escolha dos métodos de avaliação do estudantedeve se pautar no critério do melhor ajuste aosobjetivos educacionais e à natureza das habili-dades e competências cujo domínio se quer co-nhecer.

* O conceito abrange um conjunto de profissionais da saúde e bem estar (enfermeiros, terapeutas, psicólogos, nutricionistas); de trabalhosocial (assistente social, educador social, agentes familiares); de trabalho comunitário (técnicos de saúde comunitária, animadoresculturais); de educação (professores, educadores, pedagogos). Os efeitos dos processos de desenvolvimento humano que resultamda intervenção desses profissionais assumem a forma de aprendizagem e desenvolvimento, modificação de comportamento, atitudesou hábitos, adesão a normas ou modos de vida.

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5. O emprego dos métodos escolhidos deve conside-rar as suas características determinantes da quali-dade da avaliação: validade, fidedignidade, viabi-lidade, aceitabilidade, impacto educacional e efeitocatalítico.

6. A transformação de um cenário caracterizado poravaliações pontuais exclusivamente somativas,

focadas predominantemente no domínio cogni-tivo, demanda considerar as perspectivas do es-tudante e capacitar os professores para a práti-cas integrativas e transformadoras, o que cons-titui atribuição das escolas, dos sistemas de saú-de e dos órgãos reguladores da educação e dasprofissões.

ABSTRACT

Student assessment plays a central role in health professions education. Assessing means to obtaininformation that will assist decision-making. It is therefore important that assessment planning and execu-tion take into account its multiple functions, including reinforcing learning (formative assessment). Stu-dent assessment should focus not only on knowledge learning but also on the acquisition of psychomotorand affective skills, as well as documenting student progress and development. Assessment planningshould be oriented by learning objectives previously defined for each educational step, according to de-sired outcomes in terms of skills and competences. The choice of methods for assessment should beguided by “what” is intended to be assessed, and also by “why” the assessment is being carried out.Characteristics of methods that determine a good assessment include validity, reliability, feasibility, ac-ceptability, educational impact and catalytic effect. In the current Brazilian educational scenario concern-ing the health professions education assessments are focused predominantly on cognitive aspects aim-ing at pass/fail decision-making (summative assessment), with some disregard for considering skills andattitudes and for formative assessment. Transforming and improving assessment procedures involve con-sidering student needs and standpoints and fostering faculty development, which is the responsibility ofdifferent stakeholders, such as schools, health systems and regulatory bodies.

Key-words: Assessment; Evaluation; Student; Health Professions Education.

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Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 324-31

Correspondência:Prof Dr. Valdes Bollela

Departamento de Clínica Médica, FMRP-USPAv. Bandeirantes, 3900

CEP: 14049-900 - Ribeirão Preto, SP

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

AAAAAvvvvvaliação faliação faliação faliação faliação fororororormamamamamatititititivvvvva e a e a e a e a e fffffeedbaceedbaceedbaceedbaceedbackkkkkcomo fcomo fcomo fcomo fcomo ferererererrrrrramenta de aamenta de aamenta de aamenta de aamenta de aprprprprprendizado naendizado naendizado naendizado naendizado nafffffororororormação de prmação de prmação de prmação de prmação de profofofofofissionais da saúdeissionais da saúdeissionais da saúdeissionais da saúdeissionais da saúdeFormative assessment and feedback as learning tools in health profes-sions education

Marcos C. Borges1, Carlos H. Miranda2, Rodrigo C. Santana1, Valdes R. Bollela1

RESUMO

As diferentes formas de avaliação são elementos centrais do processo de ensino-aprendizagem de qual-quer programa educacional, e devem ser bem planejadas e implementadas em todas as propostas cur-riculares, especialmente na formação de profissionais na área da saúde. Uma avaliação do estudanteadequada e de qualidade guarda estreita relação com a competência e capacitação do profissional queserá entregue à sociedade. Neste contexto, a avaliação formativa e a capacitação dos professores paraprover feedback efetivo, frequente, e de qualidade são fundamentais na formação dos futuros profissio-nais da saúde. Este artigo faz uma revisão sobre avaliação formativa, feedback e debriefing.

Palavras-chave: avaliação formativa, feedback, ensino médico.

Principais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interesseesseesseesseesse

• A avaliação somativa e a formativa são formas com-plementares que visam conhecer e garantir os me-lhores resultados de processos e programas educa-cionais.

• A avaliação formativa estimula a autorregulação doestudante e, consequentemente, o desenvolvimen-to de habilidades para a educação permanente emsaúde.

• O feedback é a atividade central da avaliação

formativa.• O feedback efetivo é uma das estratégias educacio-

nais e avaliativas com maior evidência de eficáciana educação das profissões na área da saúde.

• Os professores e/ou preceptores de cursos na áreada saúde precisam ser treinados para proverfeedback efetivo.

• Estratégias de avaliação formativa devem serincluídas no currículo de qualquer programa edu-cacional para formar profisisonais na área dasaúde.

1. Professor Doutor, 2. Médico Assistente. Departamento de Clí-nica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Uni-versidade de São Paulo

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo XI

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Borges MC, Miranda CH, Santana RC, Bollela VR.Avaliação Formativa e aprendizado na saúde.

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):324-31http://revista.fmrp.usp.br/

IntrIntrIntrIntrIntroduçãooduçãooduçãooduçãoodução

O ato de avaliar encerra uma multiplicidade designificados e interpretações: examinar, julgar, tes-tar, distinguir, comparar, ameaçar, punir, entre outros.E é por esta variedade de abordagens que o processode avaliar se torna tão difícil, ficando a mercê do jul-gamento de quem a pratica. Entretanto, o tema assu-me hoje papel de destaque nas discussões pedagógi-cas em diferentes cenários de ensino, onde se buscametodologias mais eficientes e melhor padronizaçãodas diferentes formas de avaliação.

O processo de avaliação se desenvolve parale-lamente à própria história da humanidade. Podemoscitar maneiras tribais primitivas de se avaliar (seleci-onar), como por exemplo, o momento mais apropria-do para um jovem se tornar adulto ou para que deter-minado indivíduo assumisse um cargo de prestígio nassociedades antigas1, até estratégias de avaliação, nocontexto educacional, que evoluíram e possuem umacompreensão global, menos pontual e mais voltadaao processo de avaliar estudantes nos cenários de en-sino-aprendizagem. Esta compreensão vem sendo de-batida exaustivamente e tem sido gradualmente assi-milada nos círculos pedagógicos do ensino básico.2

No entanto, no ensino superior, a evolução dos méto-dos de avaliação ainda encontra obstáculos e demorapara se instalar plenamente. Dentre os fatores quecontribuem para esta resistência estão limitações naformação didática dos professores, rigidez na estrutu-ra curricular, sobrecarga de funções e, consequente-mente, falta de motivação pelo corpo docente em de-bater novas metodologias de ensino-aprendizagem eavaliação.

Essas dificuldades assumem particular relevân-cia nos cursos de graduação em medicina e nas ou-tras profissões da saúde, onde os diferentes cenáriosde ensino-aprendizagem, as inúmeras atribuições dosdocentes e a complexidade da estrutura curricular tor-nam o desafio de mudanças ainda maior. Neste con-texto, os métodos de avaliação formativa se projetamcomo estratégias mais abrangentes e menos pontuaisque os tradicionais métodos somativos de avaliação,contribuindo para a formação de profissionais maisautônomos e reflexivos.

DifDifDifDifDiferererererenciação de aenciação de aenciação de aenciação de aenciação de avvvvvaliaçãoaliaçãoaliaçãoaliaçãoaliaçãosomasomasomasomasomatititititivvvvva e fa e fa e fa e fa e fororororormamamamamatititititivvvvvaaaaa

Tradicionalmente, a avaliação do estudante noscursos de graduação na área da saúde tem sido reali-

zada de maneira pontual, geralmente ao final de ummódulo ou curso. Essa modalidade de avaliação, de-nominada somativa, tem como objetivo avaliar se oaluno assimilou os conteúdos fornecidos durante de-terminado período. Também apresenta caráterclassificatório e certificativo, ou seja, o aluno deveráatingir determinada pontuação para ser aprovado e,inevitavelmente, é comparado aos seus pares. Essesistema de avaliação pressupõe e reforça o conceitode que o bom aluno é aquele que atinge elevada pon-tuação nos testes. Além disso, ele considera que, aose iniciar o curso, todos estão em igual condição deaprender os conteúdos ensinados.

Inúmeras são as críticas a este formato de ava-liação quando usado exclusivamente, entre elas, quea avaliação somativa foca mais no resultado final doque na trajetória percorrida pelo estudante durante aaquisição dos conhecimentos e habilidades. Apesardo caminho a ser percorrido pelos estudantes ser omesmo, a velocidade e a experiência de cada um fa-zem com que a trajetória percorrida não seja a mes-ma para todos. Nesse sentido, a formação de um estu-dante deveria ser entendida como um processo queprecisa ser avaliado continuamente. Desta forma, comeste tipo de avaliação não seria possível detectar eoferecer, em tempo adequado, soluções para corrigireventuais dificuldades enfrentadas pelo estudante.Considera-se ainda, que o caráter classificatório daavaliação somativa a torna julgadora e até discrimi-natória, ao determinar que aqueles com alguma difi-culdade na aprendizagem seriam os “maus alunos”.

Apesar das limitações descritas acima, é im-portante ressaltar que a avaliação somativa apresentacaracterísticas interessantes e tem um importante pa-pel no currículo dos cursos na área da saúde, pois,quando bem aplicada, tem uma excelente capacidadepara avaliar aquisição de conhecimentos e habilida-des, sendo uma das estratégias mais apropriadas eutilizadas para decidir sobre a progressão e/ou certi-ficação dos alunos.

Por outro lado, a avaliação formativa pressu-põe que o ato de avaliar não faz sentido por si só, esim que ele deve ser parte integrante de todo proces-so de ensino-aprendizagem. Para tanto, a avaliaçãodeve ser contínua e não mais pontual. Nesse sentido,todas as informações produzidas pela interação deprofessores e alunos, bem como entre os alunos, sãorelevantes para a verificação do grau de aprendizadoe para eventuais ajustes necessários a fim de que oestudante consiga atingir os objetivos definidos (verfigura 1). Com isso, a avaliação passa a ser uma ativi-

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dade reguladora do processo de ensino-aprendizagem,detectando lacunas e proporcionando soluções paraeventuais obstáculos enfrentados pelos estudantes,além de proporcionar melhorias nas ferramentas di-dáticas e eventuais ajustes no conteúdo programáticoou mesmo na estrutura curricular.3

Um dos componentes principais da avaliaçãoformativa é o feedback.4 O feedback regula o proces-so de ensino-aprendizagem, fornecendo, continuamen-te, informações para que o estudante perceba o quãodistante, ou próximo, ele esta´ dos objetivos almeja-dos. O fato de o feedback ser contínuo permite que osajustes necessários para a melhor qualidade da apren-dizagem sejam feitos precocemente, e não apenasquando o aluno falha no teste ao final do curso, ouseja, na avaliação somativa. Se por um lado o feedbacké essencial, ele não garante a aprendizagem sem quehaja adequado estímulo aos processos cognitivos emetacognitivos do estudante, que devem ser o centrodo processo de ensino-aprendizagem.5 Isso significaque o estudante deve ser estimulado a desenvolver aautoavaliação e a autorregulação do seu aprendizado.Assim o aluno se compromete com o esforço neces-sário para reduzir a distância entre o que ele sabe e oque é capaz de fazer, entre o nível de aprendizadoque está e o nível de capacitação a ser atingido. Éneste ponto que o feedback do professor pode produ-zir o maior benefício. O feedback também deverá es-timular o desenvolvimento da capacidade reflexiva eautoavaliativa dos estudantes.3 Isto ocorre pois, aoreceber o feedback o estudante deve refletir sobre seu

próprio desempenho e como incorporar as novas prá-ticas sugeridas para melhorá-lo no futuro.

Assim, o conceito mais aceito atualmente so-bre boas práticas em termos de avaliação do estudan-te/residente é o da complementaridade entre as duasformas: somativa e formativa. A Tabela 1 mostra asprincipais características de cada uma delas e comose complementam.

Por fim, conclui-se que a avaliação formativa,escopo desse artigo, é uma das mais importantes fer-ramentas pedagógicas existentes e que, se bem utili-zada, se transforma num dos componentes centraisdo processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, aimplementação de métodos apropriados de avaliaçãoformativa ainda encontra diversos obstáculos para serregularmente utilizada nos cursos de graduação naárea da saúde. Dentre estes, estão a falta de conheci-mento a respeito das metodologias de avaliação, li-mitações na formação didática do professor, maiorvalorização das atividades de pesquisa em detrimen-to das acadêmicas, rigidez da estrutura curricular, emesmo a falta de um referencial conceitual claro epreciso acerca das práticas de avaliação formativa noscursos de graduação na área da saúde.6

Feedback como atividade estrutu-rante da avaliação formativa

Aprendemos no estudo da fisiologia humanasobre a existência de importantes mecanismos deautorregulação (feedback) que garantem o perfeito

Professor Feedback Estudante

Ensino-aprendizagem

• Detecta informações acerca daaprendizagem

• Propõe soluções para osobstáculos (regulação do ensino)

• Detecta as lacunas naaprendizagem

• Autorregula o processo deaquisição de conhecimento

Figura1. Papel do professor e estudante no processo de ensino-aprendizagem segundo o modelo de avaliação formativa.

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funcionamento de complexos sistemas biológicoscom o objetivo de manter a homeostase do indiví-duo. Esta é a essência do conceito de feedback nocontexto da educação. O feedback deve ser encaradocomo um processo onde tanto o professor quanto oaluno se modificam nas atividades de ensinar e apren-der, o que permite a criação de um ambiente propícioa discussão de ideias e ao aprimoramento de habili-dades. De maneira mais objetiva, o feedback refere-se à informação que será dada ao aluno para descre-ver e avaliar o seu desempenho em uma determinadaatividade, comparando o resultado observado comaquele que realmente era esperado que ele obtives-se, que deve ser baseado em premissas pré-estabe-lecidas de competências para aquele determinadograu de formação.

Por exemplo, durante a formação médica nosdeparamos com alunos brilhantes, estudiosos, queconseguiram excelentes notas nos exames de admis-são, mas que durante o andamento do curso vão per-dendo o interesse por novos conhecimentos, ficamdesmotivados e não conseguem colocar em prática oque aprenderam. Este comportamento pode ser refle-

xo de um ambiente de ensino desestimulante, onde ofoco está apenas no acúmulo de informações. Nestecontexto, a atividade de feedback surge como umaimportante ferramenta de orientação para uma forma-ção mais ampla com intuito de qualificar o aprendi-zado e aplicar o conhecimento adquirido, rumo a com-petência profissional.

Em nossa experiência, acreditamos que ofeedback, tal como deve ser feito, é realizado em ra-ras oportunidades. E quando é feito, geralmente so-mente os pontos negativos da atuação do aluno sãodestacados, criando um ambiente hostil onde éenfatizada a superioridade do professor e não se abreespaço para o diálogo, ou seja, somente funciona aalça inibitória do professor sobre o aluno. O conceitode feedback exige uma interação aberta entre o pro-fessor e o aluno, e tem como ponto fundamental odiálogo, que deve ocorrer de maneira informal, dinâ-mica, desprovido de preconceitos e sempre presenteno processo de ensino-aprendizagem.

Em relação à frequência, as boas práticas emtermos de avaliação formativa, recomendam que ofeedback seja oferecido regularmente, de modo a ofe-

Tabela 1: Comparação entre as características básicas das avaliações somativa e formativa.

AVALIAÇÃO SOMATIVA

PONTUAL• Geralmente aplicada ao final de um curso ou em

momentos definidos.

FORMAL• Realizada em um momento definido, normalmen-

te o dia definido para a realização da prova.

ESTÁTICA• Pré-estabelecida no início do curso. Avaliará se o

estudante adquiriu os conhecimentos e habilida-des esperados.

JULGADORA OU HIERARQUIZADORA• Define com base nas pontuações quem são os

"bons" e os "maus" alunos. Favorece a competi-ção entre os estudantes.

TOMAR DECISÃO• Utilizada para decidir sobre a progressão e/ou

certificação.

AVALIAÇÃO FORMATIVA

CONTÍNUA• Realizada durante os momentos de interação en-

tre os professores e os alunos.

INFORMAL• Realizada naturalmente durante todos as oportu-

nidades de interação entre professores e alunos, eem diferentes cenários.

DINÂMICA• Permite ajustes durante o curso, corrigindo os

eventuais obstáculos enfrentados pelos alunos naaquisição dos objetivos.

NÃO JULGADORA• Considera a individualização no processo de

aprendizagem. Favorece a auto-estima entre osestudantes.

AUXILIAR NO APRENDIZADO• Pela própria natureza da avaliação é parte da es-

tratégia de ensino-aprendizagem

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recer oportunidades para o estudante refletir e reversuas práticas ainda durante a experiência educacio-nal. Além de frequente, o feedback deve ter qualida-de. Um feedback mal realizado poderá causar prejuí-zos à formação do aluno, além de estimular o com-portamento defensivo e o desinteresse. Para proverfeedback adequado o preceptor deve ter conhecimen-to, atitude e postura adequadas para ensinar, empatiacom o aluno, e habilidade para avaliar naquele cená-rio de aprendizagem.

Como prComo prComo prComo prComo prooooovvvvver um er um er um er um er um fffffeedbaceedbaceedbaceedbaceedbackkkkk ef ef ef ef efetietietietietivvvvvo?o?o?o?o?

Antes de mais nada é preciso estabelecer, des-de o início, quais são objetivos de aprendizagem ecompetências a serem adquiridos em um determina-do cenário de ensino. Assim, este referencial devenortear todas as práticas de ensino e a própria avalia-ção e feedback.

Sempre que possivel, o estudante deve receberfeedback sobre seu desempenho. Neste sentido, noscursos na área da saúde, os estágios que se passamnos cenários reais da prática (ex. unidades de saúde,ambulatórios e enfermarias) são os principais momen-tos em que o aprendiz pode qualificar e melhorar suaprática, a partir da devolutiva (feedback) dos precep-tores que o acompanham e supervisionam.

As características desejáveis do feedback naprática são:• Oportuno: o feedback deverá ocorrer o mais pró-

ximo possível do evento ou da atividade programa-da, pois quanto mais tempo se passa, detalhes im-portantes da observação do aluno ou do professorpodem ser perdidos.

• Restrinja-se ao que foi observado: comente so-mente pontos observados naquele encontro, evitan-do julgamentos e comentários dirigidos à persona-lidade do estudante ou baseados em opiniões pré-concebidas, oriundos de outras situações vivencia-das previamente com o aluno.

• Comece solicitando uma autoavaliação: deixesempre o aluno falar primeiro, esta é uma excelen-te oportunidade para avaliar a capacidade deautorreflexão e ver se o estudante consegue identi-ficar seus pontos fracos.

• Seja específico: tente ser o mais específico e des-critivo possível em seus comentários. Evite frasesprontas e sem conteúdo formativo, como “Você foimuito bom”, “Bom trabalho”. Prefira comentários

como, por exemplo: “A forma com que você con-duziu a anamnese foi apropriada para esta situa-ção devido a dificuldade de comunicação com estepaciente na fase aguda do acidente vascular cere-bral”.

• Comece pelos pontos positivos observados: nun-ca comece o feedback ressaltando os pontos nega-tivos, isto pode levar a um bloqueio no fluxo deideias por parte do aluno e gerar um ambiente de-fensivo. Ressalte, inicialmente, os pontos fortes,pois isto abre um canal de comunicação e empatia.Uma estratégia que pode ser utilizada é fazer umcomentário negativo entre duas observações posi-tivas, esta abordagem é conhecida com “técnica dosanduíche” e pode ser particularmente útil para alu-nos mais resistentes.

• Evite dar um grande volume de feedback nega-tivo de uma só vez: quando existem vários pontosnegativos, tente focar em um ponto mais importan-te ou central e que seja mais fácil de ser corrigido eremediado durante aquela sessão.

• Crie um ambiente acolhedor: tente criar um am-biente estimulante e acolhedor, onde as pessoas te-nham liberdade de manifestar suas dúvidas e fra-quezas, para isto, evite tentar convencer com seusargumentos, evite falta de clareza e de honestidadeem suas considerações.

Os comentários devem surgir como recomen-dações de uma pessoa mais experiente que jávivenciou uma situação semelhante e não como umacrítica a atuação do aluno. Por exemplo, evite dizer:

“Você deve ser mais objetivo nas questões for-muladas para o paciente”O mesmo comentário pode ser dito da seguinteforma:“Durante a entrevista com o paciente nós de-vemos estimar o grau de instrução do pacien-te, como por exemplo, a linguagem do mesmo,e a partir de então nossas questões devem serconstruídas da maneira mais clara possívelpara o entendimento daquele paciente”.

As recomendações mais utilizadas para proverum feedback de qualidade foram descritas porPendleton em 1984.7 Elas são conhecidas como re-gras de Pendlenton e os seus principais pontos estãoresumidos abaixo:• Seja claro ao fazer qualquer pergunta ou comentá-

rio;

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• Peça ao aluno para comentar o que ele fez bem du-rante a avaliação ou discussão e porque ele chegoua esta conclusão;

• Se o feedback for fornecido em uma atividade emgrupo, peça aos integrantes do grupo comentaremo que eles observaram o aluno fazer corretamente;

• Peça ao aluno para comentar o que ele não fez tãobem e como poderia ter feito diferente;

• Discuta o que poderia ter sido feito diferente e quala melhor maneira de executar aquela tarefa.

O objetivo primordial do feedback é fornecerferramentas para melhorar o desempenho do aluno,identificando seus pontos fracos e ajudando-o a criaralternativas para superá-los. Para ter qualidade, ofeedback não precisa ser longo, mas precisa ser claroe objetivo e transferido da maneira mais adequadapossível, despertando a reflexão do aluno, pois so-mente desta maneira conseguimos modificar algumcomportamento. A Tabela 2 compara as característi-cas de uma feedback efetivo com as de um feedbackinapropriado.

Evidências de que oEvidências de que oEvidências de que oEvidências de que oEvidências de que offfffeedbaceedbaceedbaceedbaceedbackkkkk funciona funciona funciona funciona funciona

Existem várias evidências de que o feedback éefetivo em melhorar o aprendizado do aluno, resul-tando em melhor desenvolvimento profissional. Um

estudo observou que alunos preferem ser avaliadospor testes frequentes e que o feedback proporcionadopor estes testes repetidos melhoram o aprendizado.8,9

Algumas observações podem ser diretamente perce-bidas com o emprego desta técnica, como maior par-ticipação dos alunos nas atividades; melhoria nas ha-bilidades de comunicação e de trabalho em grupo; emaior motivação em busca do conhecimento.

A falta de feedback distancia o aluno dos obje-tivos primordiais de sua formação, levando-o muitasvezes para uma interpretação errada de seu compor-tamento, o que pode gerar duas consequências extre-mas: desenvolvimento de uma “falsa confiança” ouinsegurança na tomada de decisões. Estudos mostramque a utilização do feedback pode melhorar o desem-penho do aluno na execução do exame físico e nashabilidades clínicas de uma forma geral.10,11,12 Espe-cialistas em ensino enfatizam os benefícios dofeedback no aprendizado, contudo o real impacto destametodologia é de difícil mensuração, principalmentedevido inúmeras variações que podem ocorrer dentrodo contexto onde ele é aplicado.

Os alunos também reconhecem a importânciado feedback em sua formação, como demostrado emum estudo que avaliou mais de 3 mil alunos no últi-mo ano do curso de medicina e residentes. Destes,95% consideraram dar e receber um feedback ade-quado como a segunda mais importante habilidadede ensino, sendo ultrapassada somente pela capaci-dade de estar aberto para perguntas.13

Tabela 2. Comparação das características de um feedback efetivo e um feedback inadequado.

FEEDBACK EFETIVO

Regular

Bidirecional

Enfatiza pontos positivos e negativos

Desperta autorreflexão

Auxilia a melhorar o desempenho

Motivação para aprender

É parte do processo de aprendizagem

Faz conexão entre o aprendizado e a realidade

Aperfeiçoa as habilidades de ensinar e aprender

Foca no comportamento observado

Observação e comentários específicos

FEEDBACK INADEQUADO

Ocasional

Unidirecional

Enfatiza somente pontos negativos

Não gera autorreflexão

Críticas em relação ao desempenho

Ausência de motivação

Não agrega valor no aprendizado

Desconectado da realidade/prática diária

Mantém preconceitos

Foca na personalidade

Observação e comentários não específicos

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DeDeDeDeDebriefbriefbriefbriefbriefinginginginging

O debriefing consiste em uma modalidade par-ticular de feedback, sendo aplicado predominantemen-te em atividades de aprendizagem experiencial, comona simulação de tarefas. O termo debriefing origina-se da estratégia militar de obter informações de umpiloto ou soldado, após retornar de uma missão, como objetivo de usar os relatos para a geração de experi-ência militar e para facilitar a reintegração psicosso-cial dos soldados após a experiência de guerra.14 Nocontexto educacional, o debriefing se fundamenta noaprendizado gerado pela reflexão, individual e/ou emgrupo, do desempenho após a realização de uma de-terminada tarefa. Dessa forma, o termo debriefingpoderia ser melhor compreendido como “reflexão pós-experiência”.

No ensino médico, a utilização da simulaçãona educação, bastante empregada em universida-des norte-americanas e europeias15,16,17, tem ganhadorelevância crescente no Brasil.18 Dentre os métodossimulados empregados no ensino em saúde, podemoscitar a realização de procedimentos em manequins,como intubação orotraqueal, manobras de ressusci-tação cardiorrespiratória, punções venosas, dentreoutras. Assim, após a realização da tarefa segue-sea reflexão sobre o desempenho dos executantes. Oresultado dessa reflexão servirá para melhorar o de-sempenho individual e/ou da equipe, configuran-do-se em uma valiosa ferramenta de aprendizagem.Além destas situações, o debriefing tem sido em-pregado também em situações mais complexas,como treinamento em situações críticas, especialmen-te em situações de emergência ou simulações de tra-balho em equipe.18

Os componentes estruturais do debriefing são:• Facilitador: responsável pela simulação, e mais

importante, pela moderação da atividade de refle-xão;

• Participantes: geralmente alunos, médicos e enfer-meiros;

• Experiência gerada na equipe: relacionada ao ce-nário da simulação;

• Impacto gerado na equipe pela simulação: quantomais relevante a simulação e quanto mais envolvidospor ela, melhor será o resultado no aprendizado;

• Recordação sumária dos principais eventos e açõesdurante a simulação;

• Relato verbal ou por escrito sobre o evento, com ointuito de mensurar o desempenho;

• Tempo decorrido entre a simulação e o debriefing:geralmente é realizado logo em seguida;

• Duração da sessão.18,19,20

A sessão de debriefing deve levar em conta osobjetivos a serem aprendidos e as características dosparticipantes. Os objetivos devem estar bem defini-dos para que se identifique as eventuais lacunas nodesempenho dos executantes. Neste contexto, o faci-litador (debriefer) assume papel essencial. Ele deveter habilidade suficiente para promover atitudes ava-liativas e reflexivas dentre os participantes. Para isso,o facilitador deve assumir menos a postura de profes-sor e de transmissor de conhecimento, e mais a de umfacilitador do trabalho da equipe, rumo aos resultadosesperados. Por sua vez, os participantes devem assu-mir uma postura menos passiva, de expectadores, emais participativa, estando ativamente envolvidos naavaliação crítica do próprio aprendizado.19

ABSTRACT

The different assessment forms are major elements of any teaching and learning process in educationalprograms, and should be considered as a core component to be planned and implemented in all curricu-lums, especially in the health professions education. A regular and qualified students’ assessment isclosely related to competence and skills of the professionals that will be delivered to society. In thiscontext, formative assessment and well-trained staff to provide effective and regular feedback are essen-tials in the formation of the future generation of health professionals. This article focuses primarily onformative assessment, feedback and debriefing.

Key-words: formative assessment, feedback, debriefing, medical education

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CorrespondênciaDepartamento de Clínica Médica da FMRP-USP.

Hospital das Clínicas da FMRP-USP.Avenida Bandeirantes 3900. Monte Alegre.

CEP: 14049-900 - Ribeirao Preto –SP.

Artigo recebido em 22/05/2014Aprovado para publicação em 19/06/2014

AAAAAvvvvvaliação de praliação de praliação de praliação de praliação de prooooogggggrrrrramas educacio-amas educacio-amas educacio-amas educacio-amas educacio-nais nas prnais nas prnais nas prnais nas prnais nas profofofofofissões da saúde:issões da saúde:issões da saúde:issões da saúde:issões da saúde:conceitos básicosconceitos básicosconceitos básicosconceitos básicosconceitos básicosProgram evaluation on health professions education: basic concepts

Valdes Roberto Bollela1, Margaret Castro1

RESUMO:

O conceito de avaliação de programas educacionais ainda é relativamente desconhecido de muitosprofessores e gestores do ensino superior e, muitas vezes, é confundido com avaliação de estudantes.Avaliação é uma das áreas que mais cresceu em importância nas últimas décadas; em parte pela pres-são da sociedade e também pela necessidade de mecanismos estruturados e regulares de avaliaçãoformal para o credenciamento e recredenciamento de cursos superiores na área da saúde. Este movi-mento no Brasil segue uma tendência mundial de busca de sistemas comuns de certificação e acreditação.O objetivo é garantir, tanto quanto possível, altos padrões de qualidade para programas que formamprofissionais da saúde. Este artigo apresenta e discute conceitos básicos e modelos de avaliação deprogramas educacionais, que subsidiarão qualquer profissional da saúde/educação para compreender aessência desse tema tão amplo e desafiador.

Palavras-chave: avaliação educacional; currículo; educação médica; escolas para profissionais da saú-de; garantia da qualidade dos cuidados em saúde; segurança do paciente.

1. Docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo(FMRP-USP).

O que é aO que é aO que é aO que é aO que é avvvvvaliação de umaliação de umaliação de umaliação de umaliação de umprprprprprooooogggggrrrrrama educacional?ama educacional?ama educacional?ama educacional?ama educacional?

Entende-se avaliação de programas na área dasaúde como “uma abordagem sistemática de coleta,análise e interpretação de qualquer aspecto de umprograma educacional, desde a sua concepção, de-

senho, implementação e/ou relevância para a socie-dade”. Outra forma de compreensão deste conceito éde um processo de obtenção de informações sobreum programa educacional para posterior julgamentoe tomada de decisão.1

O termo programa educacional pode significaro curso como um todo (ex: medicina, enfermagem,

SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimentodocente para professores dos cursos da área da saúdeCapítulo XII

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Bollela VR, Castro M. Avaliação de ProgramasEducacionais na Área da Saúde.

Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):332-42http://revista.fmrp.usp.br/

nutrição, fisioterapia), um módulo educacional den-tro do próprio curso, uma disciplina ou conjunto dedisciplinas de uma mesma área, um estágio ou con-junto de estágios com características comuns (ex: in-ternato médico). Dentro desta concepção é possívelavaliar, desde práticas educacionais de um único pro-fessor até o currículo de um curso como um todo.Nas últimas décadas, cresceu significativamente aimportância atribuída à avaliação de programas edu-cacionais, devido ao crescimento do número de insti-tuições que formam profissionais da saúde e, conse-quentemente, um número de egressos muito maior.Isso tem significado maiores investimentos e maisatenção tem sido dada à eficiência destes programas.Outra razão é a responsabilidade que a instituiçãoformadora tem frente às necessidades da sociedade,o que aumenta muito o empenho dos interessados emconhecer/demonstrar a qualidade dos programas edu-cacionais na área da saúde2. Para formar profissio-nais da saúde capazes de oferecer atenção à saúde dealta qualidade é essencial que o treinamento recebidodurante a graduação e pós-graduação também tenhasido de alta qualidade.

DifDifDifDifDiferererererentes opiniões a rentes opiniões a rentes opiniões a rentes opiniões a rentes opiniões a respeito doespeito doespeito doespeito doespeito doque é “qualidade”que é “qualidade”que é “qualidade”que é “qualidade”que é “qualidade”

Medir qualidade não é simples no contextoeducacional, pois existem múltiplos entendimentossobre seu significado, desde que é avaliador depen-dente. Os critérios usados por cada interessado naavaliação (stakeholder) tendem a ser diferentes e issopode influenciar em um processo avaliativo que pre-tende ser válido e significativo3. Professores podemter visões distintas dos estudantes sobre a qualidadeda experiência educacional, resultando em conclusõesnem sempre convergentes. Para minimizar esta ques-tão é fundamental que todos os interessados sejamcomunicados e envolvidos no processo de avaliação.Outras perspectivas que precisam ser levadas em con-sideração na questão da qualidade são: os aspectosde custo-efetividade, checagem da adequação da ava-liação ao propósito do curso, e a capacidade do pro-grama de induzir transformação da realidade.

O conceito de avaliação de qualidade evoluiumuito ao longo das últimas décadas. Os modelos ini-ciais estavam mais focados em identificar, corrigir oueliminar práticas que não alcançavam os padrões de-sejados4. Diferente do movimento atual, que buscadesenvolver uma “cultura de qualidade” na institui-

ção, visando a qualificação das práticas profissionaisatravés do compartilhamento de valores, crenças ecompromissos. Neste novo pensamento, a ênfase éna melhoria contínua e não simplesmente no controlee/ou correção das falhas. A “cultura da qualidade” naeducação superior das profissões da saúde ainda émuito incipiente, mas vem crescendo e, em um tem-po não muito distante, será fator indutor primordialdos processos de melhoria constante da formação dosprofissionais de saúde que servirão à sociedade. Omovimento crescente de responsabilização do órgãoformador e dos profissionais da saúde emerge comodemanda da sociedade, e deve obrigar as instituiçõesde ensino a demonstrarem que formam profissionaisqualificados e dentro das expectativas e necessidadesdo sistema de saúde.

AAAAAvvvvvaliação de praliação de praliação de praliação de praliação de prooooogggggrrrrrama interama interama interama interama internananananavvvvvererererersussussussussus a a a a avvvvvaliação ealiação ealiação ealiação ealiação exterxterxterxterxternanananana

É importante diferenciar avaliação interna deavaliação externa. As ações de iniciativa da própriaescola visando avaliar, rever e melhorar regularmenteseus programas educacionais são classificadas comoavaliação interna. Avaliações externas costumam seruma opção da própria instituição que convida/contra-ta especialistas externos para ter acesso às informa-ções, documentos, profissionais, com ou sem visitasin loco, e que devem emitir parecer e recomendaçõespara tomada de decisão dos gestores dos cursos3. Ospareceres podem recomendar manutenção e amplia-ção de algumas práticas ou sua revisão e correção derumos. Esta modalidade de avaliação externa ocorreem instituições que vêem o processo avaliativo comovalor a ser cultivado. Existe um investimento paracontar com especialistas que contribuem em proces-sos regulares de avaliação já existentes na organiza-ção. Outra modalidade de avaliação externa, geralmen-te compulsória, é aquela realizada por instâncias re-guladoras oficiais através de processos de credencia-mento, certificação e/ou acreditação. Como exemplopodemos citar avaliações realizadas pelo Ministérioda Educação do Brasil através do Conselho Nacionalde Residência Médica, ou o próprio Sistema Nacio-nal de Avaliação do Ensino Superior (SINAES). Deum modo geral, toda avaliação externa, seja compul-sória ou opcional, é precedida por um processo de auto-avaliação (avaliação interna) que serve de base paraelaboração de relatórios que são disponibilizados paraos avaliadores externos.

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O SINAES é uma avaliação obrigatória paratodas as instituições de ensino superior federais e pri-vadas do Brasil, que tem um componente de avalia-ção interna, levado a cabo pelas comissões própriasde avaliação (CPAs) das instituições e que, periodi-camente, são checadas por visitadores externos indi-cados pelo MEC. Estes especialistas têm a missão deavaliar a universidade (avaliação institucional) e osseus cursos (avaliação de cursos).5 Além destes com-ponentes, o SINAES conta também com o exame na-cional de desempenho dos estudantes (ENADE), querealiza provas de conhecimento direcionadas a estu-dantes ingressantes e aqueles que estão concluindo ocurso. Todos estes elementos são levados em consi-deração para o credenciamento/recredenciamento doscursos de graduação do ensino superior no Brasil.

Comunicação aos interessados

Independente do propósito ou do modelo utili-zado para a avaliação de programas educacionais éfundamental que toda a informação produzida na ava-liação seja comunicada aos interessados (professo-

res, estudantes, gestores educacionais, gestores dosserviços de saúde parceiros, população), bem comoas decisões resultantes do processo avaliativo que vi-sam a melhoria dos processos educacionais no curso.Se isso não for feito de maneira apropriada, todo oesforço, investimento de tempo e recursos terão sidoem vão.

PrPrPrPrPropósitos da aopósitos da aopósitos da aopósitos da aopósitos da avvvvvaliaçãoaliaçãoaliaçãoaliaçãoaliaçãode prde prde prde prde prooooogggggrrrrramasamasamasamasamas

Existem várias razões para uma instituição deensino em saúde preocupar-se com a qualidade doprofissional que forma. A seguir apresentamos algu-mas destas razões tendo como referencial o currículodo curso e seus componentes principais: necessida-des dos estudantes e da sociedade, estratégias e cená-rios de ensino/aprendizagem, avaliação do estudantee a própria avaliação do programa educacional. Natabela 1, listamos algumas das razões para que osgestores do currículo preocupem-se e implementemprocessos avaliativos regulares com foco na melho-ria contínua do curso.

Tabela 1: Propósitos para se avaliar programas educacionais.

Componente

Gestão do Currículo

Ensino e Aprendizagem

Avaliação do estudante

Sociedade

Propósito da avaliação

• Desenvolver o curricular

• Adequar práticas educacionais ao propósito do currículo

• Garantir que o programa leve aos resultados esperados (outcomes)

• Criar a cultura de avaliação destacando os valores da organização

• Atender às necessidades dos estudantes

• Identificar professores que precisam de capacitação pedagógica

• Feedback aos professores e à escola

• criar oportunidades para desenvolvimento docente

• servir de referencial para promoção na carreira

• conhecer a qualidade das práticas de avaliação do estudante

• checar se o sistema de avaliação está adequado ao propósito do curso

• Certificar a qualidade e proficiência dos estudantes nos diferentes níveis de suaformação

• abrir espaço para participação da sociedade

• cuidar que suas demandas estejam contempladas no currículoAdaptada de Wall (2001)1

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Modelos conceituais deModelos conceituais deModelos conceituais deModelos conceituais deModelos conceituais deaaaaavvvvvaliação de praliação de praliação de praliação de praliação de prooooogggggrrrrramaamaamaamaama

Os modelos conceituais de avaliação podemampliar nossa compreensão sobre avaliação de umprograma educacional. Serão citados, a seguir, os cin-co modelos mais utilizados na área educacional e quesão muitos úteis para estruturar o processo de avalia-ção, bem como para explicá-lo aos interessados.

1. Ciclo de avaliação

O ciclo de avaliação considera as diferentesfases do próprio programa, desde o planejamento epreparo da atividade educacional, seguido das ativi-dades de ensino e aprendizagem, propriamente ditas,a coleta de dados sobre estes processos e, finalmente,a análise e reflexão com o intuito de revisão e melho-ria do processo.6 Este modelo contempla sete etapasque vão desde a escolha do que será avaliado, pas-sando pelas fontes e métodos de obtenção de dados,análise, discussão, tomada de decisão e ação. Em to-das as etapas devem se considerar a comunicação comos interessados e o feedback ao término do processoque resultem em mudanças nas práticas existentes(Figura 1).

2. Avaliação orientada por tarefas

Outro modelo bastante utilizado para planejare conduzir avaliação de programas é aquele orienta-do por tarefas e também apresenta cinco etapas. Éuma proposta guiada por questões orientadoras queprecisam ser respondidas durante o processo avalia-tivo, sendo esse modelo bastante simples e pratica-mente auto-explicativo (Tabela 2).7

3. Modelo de Kirkpatrick

O modelo mais conhecido e utilizado na edu-cação médica é o modelo de Kirkpatrick, descrito em1967, e que foi proposto inicialmente para avaliar osresultados do treinamento oferecido por equipes derecursos humanos.8 A figura 2 resume esse modelode avaliação de programas, que descreve uma sériede estágios a serem avaliados e requerem estratégiase instrumentos distintos, aumentando em complexi-dade sua realização, interpretação e ação. Paracompreendê-lo, utilizaremos como exemplo uma es-cola médica que decidiu ampliar suas práticas de en-sino fora do hospital escola, criando um novo estágionas unidades de saúde da família em que a universi-dade mantém parceria com o município. Esta decisão

Figura 1: Ciclo de avaliação de programas. Adaptado de Edwards (1991)6

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foi tomada, pois, além das recomendações das dire-trizes curriculares dos cursos de medicina, os gesto-res da escola acreditavam que este tipo de ação teriacomo resultado um médico com formação geral maisadequada e com mais interesse em atuar na atençãobásica. A gestão do curso também acreditava que cri-ar condições para seus estudantes e professores parti-ciparem das equipes de saúde da família do municí-pio ajudaria a escola a cumprir seu papel social juntoao sistema de saúde local. Entretanto, começaram coma implementação de apenas um estágio, pois percebi-am forte resistência dentro do curso de medicina quan-do o assunto era mudar os cenários de prática do hos-pital escola para as unidades de saúde9. Segundo omodelo de Kirkpatrick, podemos avaliar o significa-do desta intervenção no currículo da escola analisan-do quatro níveis:

3.1. Reação

Satisfação e aprovação, que podem ser avalia-das, neste exemplo, por meio de questionários e en-trevistas pela perspectiva dos estudantes, professores,gestores municipais, profissionais das unidades desaúde envolvidas que buscarão compreender as per-cepções de cada um após vivenciar esta experiência.

3.2. Aprendizado

Aquisição de conhecimento e habilidades queresultem em capacidade e/ou competência para atuarcomo médico na atenção básica. A complexidade destenível é sensivelmente maior que o do anterior, bemcomo a qualidade e objetividade das informações. Paraavaliar este nível, questionários de satisfação são in-suficientes. Se quisermos saber se o estudante sabe

conduzir uma consulta de pré-natal de maneira apro-priada, ao término do estágio teremos de observá-lodiretamente, por exemplo através de exames que uti-lizem situações simuladas.

3.3. Comportamento

Neste nível procura-se compreender se após aintervenção e/ou treinamento, existe transferência doque foi aprendido para a prática profissional e para oambiente de trabalho. No exemplo utilizado, espera-se observar médicos egressos trabalhando na atençãobásica e demonstrando proficiência nas práticas docuidado ao paciente atendidos no serviço. Do pontode vista institucional espera-se, a partir desta experi-ência piloto, uma revisão ampla do currículo de modoa confirmar e ampliar as experiências dos alunos naatenção básica, envolvendo outras especialidades quenão apenas a saúde coletiva. Por exemplo, o departa-mento de cirurgia pode decidir organizar um novorodízio no ambulatório da unidade de saúde, onde osestudantes realizem pequenas procedimentos ambu-latoriais, sob supervisão. Este novo estágio substi-tuiria as duas semanas que os estudantes passavamno centro cirúrgico do hospital terciário da universi-dade. Enfim, busca-se checar se houve mudança nosvalores e práticas relacionados à educação baseadana comunidade, em um curso de medicina que manti-nha práticas de ensino totalmente centradas no hospi-tal escola.

3.4. Resultados (impacto)

Neste nível, as análises sempre são feitas a lon-go prazo. Ainda, requerem “medidas” nem sempresimples e fáceis de serem operacionalizadas. No exem-

Tabela 2: Modelo de avaliação orientado por tarefas

Modelo Orientado por Tarefas

Etapa

1. Cheque a necessidade de avaliação

2. Determine o foco da avaliação

3. Decida sobre a metodologia

4. Analise e comunique os resultados

5. Documente os resultados e ações

Questão

Por que e para quem estamos fazendo isso?

O que será avaliado?

Onde, quando, como será feito e como será analisado?

Quem vai revisar e apresentar os resultados a todos os interessados?

Como serão documentados os resultados que servirão para a melhoriado programa?

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plo dado acima, esperaríamos que uma melhor aten-ção básica nas unidades de saúde da família levandoa uma melhor saúde da população cuidada em decor-rência da decisão anterior de se estimular a diversifi-cação de cenários de práticas na formação médica.Não é difícil concluir que esses estudos que dão in-formações sobre os níveis 3 e 4 do modelo deKirkpatrick são mais complexos e de maior custo.

ResultadosImpacto

ComportamentoValores

Aprendizado / Capacitação

Reação / Satisfalção

Figura 2: Modelo de Kirkpatrick para Avaliação de Programas .

4. Modelo Lógico

O modelo lógico é bastante usado tanto para oplanejamento quanto para avaliação de programas;apresenta uma estrutura bastante racional para todasas etapas e componentes que devem ser observadosdurante um processo avaliativo10. É bastante linear ecostuma ser criticado, pois subestima as inúmerasinterrelações existentes entre pessoas interessadas ecomponentes existentes nos programas educacionais.Por outro lado, costuma agradar aqueles que prefe-rem modelos simples e mais cartesianos. A tabela 3apresenta os componentes do modelo lógico, tambémchamado CIPP (do inglês Context à Input à Process àProduct) com as perguntas que devem ser feitas emcada etapa da avaliação.

Modelos Modelos Modelos Modelos Modelos que rque rque rque rque reconhecem econhecem econhecem econhecem econhecem prprprprprooooogggggrrrrra-a-a-a-a-mas educacionais comomas educacionais comomas educacionais comomas educacionais comomas educacionais como

sistemas complesistemas complesistemas complesistemas complesistemas complexxxxxososososos

Os modelos mais recentes de avaliação par-tem do princípio de que um programa educacionalnão é uma entidade singular, simples e estável. Muitopelo contrário, é um sistema composto por umamiríade de componentes dinâmicos que interagem emum sistema não-linear e complexo, que sofrem cons-tantemente influências indutoras de mudança, sobregras totalmente imprevisíveis. Este conceito as-sume que os modelos de avaliação mais lineares se-riam inadequados para programas que trazem dentrode si aspectos imponderáveis. Nesse caso, não seriaadequado avaliar apenas se programa alcançou os“resultados esperados”, pois muitas mudanças, paraalém das metas e resultados esperados, acontecemdesde o planejamento até a execução de programa edu-cacional.

Haji et al. (2013) propõem um novo modeloque difere dos descritos anteriormente por questio-nar a capacidade destes de lidar e compreender oscomplexos processos que envolvem o contexto daatenção à saúde e, em especial, da formação de pro-fissionais para esta área11. Os autores afirmam queavaliar programas não se resume a julgamentos demérito e/ou valor, mas que esta avaliação deve gerarinformações para os gestores do currículo para queos programas educacionais possam se adaptar ao con-texto e às necessidade dos estudantes e da sociedade.Espera-se que os pesquisadores desta área sejam ca-pazes de avaliar programas de modo a gerar conheci-mento para orientar o trabalho de outros educadorese dos profissionais da saúde. Neste modelo é funda-mental envolver múltiplos interessados (stakeholders),combinar vários métodos para coleta e análise de da-dos e, finalmente, reconhecer que o processo avalia-tivo dura enquanto durar o programa. Enfim, é umaatividade essencial para a vitalidade do programa, bemcomo para que sua renovação aconteça de maneiraconsciente e informada.11

A figura 3 mostra a síntese dos aspectos essen-ciais deste modelo, que delineia sete elementos es-senciais. Por este modelo, a avaliação começa na con-cepção do programa, reconhecendo quais osreferenciais teóricos embasam as decisões tomadas.Assim, é possível esclarecer como se “espera” que aintervenção ou a nova proposta seja capaz de al-cançar os objetivos esperados, que serão avaliados

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ContextoQuais as necessidades dasociedade e dos estudantespara que este programaexista?

Quais os desafios e/ou im-pedimentos para que o pro-grama seja implementado?

Quais os recursos já dispo-níveis (expertise, serviços,práticas) que podem auxi-liar na implementação doprograma?

Quais as oportunidades re-levantes já existentes? (su-porte administrativo, Dire-triz nacional, financiamen-to, etc.)

Recursos necessáriosQuais as abordagens pos-síves para enfrentar estaquestão e atender as neces-sidades identificadas?

O quanto estas abordagenssão factíveis no contexto dasua escola?

O quanto estas abordagenspropostas são custo-efetivas,no contexto da sua escola?

ProcessoComo é o atual programa,se comparado com a novaproposta?

Como está documentada aproposta de implementa-ção do novo programa?Existe uma agenda de ati-vidades a serem desenvol-vidas?

Os recursos existentes sãosuficientes para implemen-tar o novo programa? Vocêconta com o suporte daadministração?

Você conta com a ajudados interessados para im-plementar esta nova pro-posta?Você está pronto para re-gistrar os problemas quesurgirem durante a imple-mentação?Descreva como lidou comos problemas que surgirame documente.O que você e os outrospensam sobre a qualidadedeste processo?

ProdutoQuais os resultados positivosdo novo programa podem seridentificados?

Quais os resultados negati-vos do novo programa po-dem ser identificados?

Os resultados espeados fo-ram efetivamente alcança-dos?

Foram detectados resultadosinesperados (desejáveis ounão)?

Quais as implicações destesresultados a curto, médio elongo prazo?

Quais os impactos observa-dos após a implementação doprograma?O quanto efetivo e sustentá-vel é este programa?

O quão fácil seria para ou-tros interessados adotar ele-mentos deste programa, se ti-verem necessidades seme-lhantes?

Tabela 3: Componentes e perguntas orientadoras para a utilização do modelo lógico, adaptado de Frye eHemmer (2012)10

Modelo Lógico ou CIPP (Context - Input, Process - Product) model

Adaptado de Frye e Hemmer (2012)10

ao final do processo de mudança. Até aqui, este mo-delo difere pouco dos citados anteriormente. O queele adiciona é a necessidade de estar atento e avaliartambém “o que mais aconteceu, além do esperado”durante a sua implementação. Esses aspectos são não-lineares e totalmente imponderáveis. É possível queos resultados esperados com a mudança do currículosejam alcançados por meios que não foram planeja-dos sendo de suma importância esse fato ser reconhe-cido e comunicado. Na figura 3, existe um círculo

que representa o contexto (presente em todos os ou-tros modelos), mas neste caso, existe a crença de queo contexto será alterado pela implementação do pro-grama, gerando mudanças no próprio contexto ondeo programa está inserido. Assim, a avaliação deveconsiderar e checar os processos e resultados espera-dos, mas também deve buscar explicações adicionais,que podem emergir durante o implantação do mesmoe que podem ir muito além do que havia sido previstoe planejado pelo referencial teórico.

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Obtenção de dados na aObtenção de dados na aObtenção de dados na aObtenção de dados na aObtenção de dados na avvvvvaliaçãoaliaçãoaliaçãoaliaçãoaliaçãode prde prde prde prde prooooogggggrrrrramas educacionaisamas educacionaisamas educacionaisamas educacionaisamas educacionais

Na avaliação de programas educacionais exis-tem algumas fontes e formas de obtenção de dadospara compor o conjunto de informações, que serãoanalisadas para gerar relatório, emissão de juízo devalor, e de tomada de decisões. A seguir citaremos asprincipais fontes de informação e os principais méto-dos de obtenção de dados para a avaliação de um pro-grama. Maiores detalhes podem ser obtidos em refe-rências complementares,12,13,14 desde que os métodosde obtenção e avaliação de informação não são o focodeste artigo.

Fontes de informação

Dentre as várias fontes disponíveis para obterinformações relacionadas a qualidade de programaseducacionais, podemos citar:• Percepção dos estudantes: é uma fonte bem reco-

nhecida, relevante e dominante em artigos sobreavaliação de programas nas últimas décadas. Exis-tem muitas críticas a essa fonte, especialmente se

forem as únicas disponíveis e se não forem repre-sentativas do conjunto de estudantes que vivencia-ram aquela experiência15. Entretanto, não se podeimaginar a avaliação de uma experiência educacio-nal que deixe de fora a perspectiva dos estudantes.

• Avaliação por pares: os membros do corpo docentepodem avaliar-se mutuamente. Isso também é vali-do para o corpo técnico administrativo.

• Auto-avaliação: recurso essencial em qualquer for-ma de avaliação.

• Avaliação externa: membros da sociedade civil, con-selhos de saúde, gestores do sistema de saúde, parcei-ros da escola em atividades junto à comunidade, or-ganizações externas acreditadoras ou certificadoras.

• Egressos da escola: opinião e colocação dos mes-mos no mercado de trabalho.

• Resultados dos estudantes em avaliações de desem-penho, tanto internas quanto externas.

• Documentos disponíveis na instituição sobre o pro-grama educacional.

• Evidências de boas práticas que possam ser obser-vadas diretamente ou checadas através de entrevis-tas com estudantes e corpo funcional da instituição.

Figura 3: Modelo de avaliação de sistemas educacionais proposto dentro de um referencial teórico de alta complexidade (Haidi et al.,2013).

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Métodos de obtenção das Informações

As metodologias utilizadas na coleta de dadospodem ser classificadas, de maneira geral, como méto-dos qualitativos, quantitativos ou mistos. O termoquantitativo é empregado quando a informação en-volve números ou itens que podem contados e quan-tificados de forma objetiva. Os métodos quantitati-vos mais comumente usados para obter este tipo dedados são:• Questionários• Enquetes• Escalas do tipo LIKERT• Checklists• Escalas psicométricas• Dados demográficos• Dados e evidências sobre a infra-estrutura para o

programa• Documentos e registros que descrevam as ativida-

des curriculares realizadas pelos estudantes e suaduração.

• Informações obtidas dos resultados da avaliação dosestudantes, durante e/ou ao final do programa.

• Dados sobre o desempenho dos egressos em con-cursos ou em exames nacionais de desempenho.

O termo qualitativo envolve descrições, opini-ões ou outras fontes de natureza narrativa. Os méto-dos clássicos de coleta de dados qualitativos incluemvários tipos de estratégia como:• Entrevistas• Grupos de discussão• Observação direta• Diários• Auto-relatos• Estudo de casos• Análise de documentos como atas de comissões e

instâncias colegiadas• Registro e análise de incidentes críticos

Conceito de Conceito de Conceito de Conceito de Conceito de AAAAAvvvvvaliação:aliação:aliação:aliação:aliação:“““““AssessmentAssessmentAssessmentAssessmentAssessment””””” e “ e “ e “ e “ e “EvEvEvEvEvaluaaluaaluaaluaaluationtiontiontiontion”””””

Na literatura internacional, especialmente naEuropa e Reino Unido, o termo utilizado para avalia-ção de programa é “evaluation”, enquanto o termo“assessment” é mais utilizado para avaliar o aprendi-zado de estudantes e residentes. Na língua portugue-sa, estes dois termos são expressos pela mesma pala-vra “avaliação”. Deste modo, em português, quando

nos referimos à avaliação no contexto educacional éfundamental que deixemos claro a que tipo de avalia-ção estamos nos referindo: estudantes ou programaseducacionais. Cabe destacar que a avaliação do estu-dante (assessment) invariavelmente será um dos com-ponentes da avaliação do programa educacional. Aqualidade do egresso, medida através de estratégiasreconhecidas, válidas e confiáveis será sempre um dosimportantes indicadores de sucesso de um curso queforma profissionais de saúde.

AAAAAvvvvvaliação de praliação de praliação de praliação de praliação de prooooogggggrrrrrama é o mesmoama é o mesmoama é o mesmoama é o mesmoama é o mesmoque pesquisa em educação?que pesquisa em educação?que pesquisa em educação?que pesquisa em educação?que pesquisa em educação?

Avaliação de programa normalmente não é omelhor termo a ser empregado se o que fazemos éuma pesquisa em educação. Apesar de guardarem algu-mas semelhanças e exigirem os mesmos cuidados erigores metodológicos, são processos distintos. Quan-do se faz pesquisa em educação, geralmente buscam-se resultados generalizáveis que se aplicam em outroscontextos. Outro resultado esperado em pesquisas é oda publicação dos resultados através de um processode revisão por pares, o que requer invariavelmente aaprovação prévia de um comitê de ética para o proje-to de pesquisa16. Nos processos avaliativos de um pro-grama educacional, as informações obtidas são geral-mente para uso interno e local ou, eventualmente, vi-sam processos de certificação e/ou acreditação17, 18.Não exigem aprovação de comitês de ética, mas de-vem seguir preceitos éticos no que diz respeito àconfidencialidade da informação e a forma com queserá divulgada internamente. Além disso, os proces-sos avaliativos de um programa educacional devemser conduzidos com rigor metodológico já que seusresultados orientarão a tomada de decisão visandoqualificar a formação dos futuros profissionais de saú-de que serão entregues à sociedade.

Desafios no processo de avaliação deprogramas educacionais

Para concluir esta revisão sobre este tema,destacam-se a seguir alguns cuidados que se deve terao planejar, implementar e/ou participar de um pro-cesso de avaliação de programa educacional. Wall(2012) descreve algumas armadilhas relacionadas aotema que requerem atenção e devem ser evitadas 1:• Evite só medir o que é fácil medir• Cuidado com amostragem não significativa. A taxa de

resposta a um questionário neste tipo de processo

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de avaliação deve ser de, no mínimo, 70% dos en-volvidos para garantir de que os dados são válidos.

• Evite, tanto quanto possível, métodos de obtençãode dados com baixa confiabilidade, ou seja, estra-tégias que não produzem resultados consistentes seforem repetidas nas mesmas condições, o que sig-nifica, em última análise, uma baixa reprodutibili-dade do método.

• Fique atento às questões éticas, principalmente aconfidencialidade dos participantes e interessados,no momento da divulgação dos resultados.

• Não espere que as conclusões da avaliação sejamadotadas ampla, indistinta e imediatamente. Todainstituição tem uma cultura e momentos própriosque precisam ser compreendidos e respeitados.

· Para avaliar mudanças significativas na estru-tura de um processo educacional é importante es-perar o tempo necessário para que a nova práticapossa maturar. Esse tempo é variável, mas suge-rem-se pelo menos três ciclos/anos da nova práti-ca, para que se possa concluir algo sobre os dadoscoletados. Nas primeiras aplicações de novas prá-ticas pedagógicas ou de avaliação é comum queexistam certa insegurança, receios e dúvidas porparte de professores e alunos.

ConcConcConcConcConclusãolusãolusãolusãolusão

Avaliação é uma atividade essencial no con-texto educacional, em especial para as instituições queaceitam a responsabilidade de formar profissionais

da saúde. Assim, é preciso que professores e gestoreseducacionais reconheçam esta prática como sendointrínseca à prática educacional e um componenteindispensável no processo de credenciamento erecredenciamento dos cursos superiores no Brasil.Mais importante é o fato de que avaliações regularesretro-alimentam a tomada de decisão que almejammelhores práticas de ensino e aprendizagem.

Principais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interPrincipais pontos de interesseesseesseesseesse

• Considerando a responsabilidade das instituiçõesde ensino na área da saúde é inaceitável que estasnão mantenham sistemas regulares de avaliação desuas práticas pedagógicas, de avaliação dos estu-dantes e da qualidade do produto (profissionais dasaúde) que entregam à sociedade.

• Avaliar é dar valor, só assim podemos obter infor-mações que possibilitam adequação e melhoria con-tínua nos processos educacionais. Uma avaliaçãode qualidade deve ser rigorosa e defensável.

• Existem evidências sobre as melhores práticas naavaliação de programas educacionais que devemser respeitadas e praticadas.

• Mantenha sempre a mente aberta. Fique atento aresultados inesperados que podem ser observadose amplificados ao término do processo avaliativo.

• Dentre as diversas razões para dar suporte aos pro-gramas de avaliação na área da saúde, destacamosa crença de que uma boa avaliação resultará sem-pre na melhoria da atenção à saúde da população.

ABSTRACT

The concept of evaluation in programs of health profession education (HPE) is relatively unknown tomany teachers and educational managers responsible for higher education. Often, it is misunderstoodwith students’ assessment. The importance of evaluation in the HPE has grown in recent decades due tothe pressure of society but also because structured and formal mechanisms have been required for ac-creditation and re-accreditation of HPE courses. The growing interest in HPE in Brazil follows a globaltrend of certification and accreditation programs. The objective is to ensure high quality standards forgraduate health professional programs. This article presents the basic concepts and models of evaluationin HPE programs that may be used for health/educational professionals in order to better understand theessence of this broad and challenging topic.

Keywords: educational assessment; curriculum; institutional evaluation; program evaluation; medicaleducation; quality assurance, health care; patient safety.

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Bollela VR, Castro M. Avaliação deProgramas Educacionais na Área da Saúde.

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