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Universidade Estadual de Maringá 27 e 28 de abril de 2010 1 A FORMAÇÃO DO HOMEM DO CAMPO EM JOSÉ MARTÍ PEREIRA, Fábio Inacio 1 (UEM) PEREIRA MELO, José Joaquim 2 (Orientador/UEM) Para a discussão das diretrizes formativas do homem do campo em José Martí 3 , faz-se necessário situar suas idéias educacionais num contexto de forte crise de ordem econômico-político-social em Cuba. Um quadro que requeria transformações, particularmente dos setores produtivos agrário-exportadores, a adequação da ilha às novas técnicas de produção e de formação do trabalhador, com a finalidade de fazer frente ao crescimento da concorrência internacional. O contexto produtivo cubano no século XIX O século XIX representa um divisor de águas na geopolítica internacional. Por um lado, marca a consolidação das sociedades industriais européias em um cenário de disputas de mercado bastante acirradas. Esse cenário viu a emergência da nação norte-americana para o grupo das grandes potências mundiais num ritmo de crescimento que assombrava, sobretudo, pelo seu ímpeto de expansão e desenvolvimento industrial (BANDEIRA, 1998, p. 16). 1 Doutorando do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP. Docente do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] 3 José Martí nasceu em Havana, em 28 de janeiro de 1853. Foi enviado para o exílio, em 1871, por se opor ao domínio colonial espanhol sobre Cuba. Cursou Direito, Filosofia e Letras, nas universidades de Madri e Saragoça. Deixou a Espanha em fins de 1874, conheceu a França e foi para o México, lugar em que terminou seus estudos de jornalismo. Entre várias estadas pela América Central, só a partir de 1881 fixou-se em Nova Iorque, onde permaneceu residente um período maior de tempo. Nos Estados Unidos permaneceu até 1895, com viagens rápidas ao Haiti, a São Domingos, à Jamaica, ao Panamá, à Costa Rica, ao México. Nesse período, acumulou vários cargos, como o de cônsul do Uruguai, da Argentina e do Paraguai em Nova Iorque; representante da Associação de Imprensa de Buenos Aires, nos Estados Unidos e no Canadá. Foi levado à Presidência da Sociedade Literária Hispano-Americana e nomeado representante do Uruguai para a Comissão Monetária Internacional Americana em Washington. No exílio, em 1892, fundou o Partido Revolucionário Cubano, organização que liderou e que foi responsável pelo reinício da guerra independentista. Em 19 de maio de 1895 morreu em uma das primeiras batalhas contra as forças espanholas em Cuba, próximo a um lugar chamado Boca de Dos Rios.

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Universidade Estadual de Maringá 27 e 28 de abril de 2010

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A FORMAÇÃO DO HOMEM DO CAMPO EM JOSÉ MARTÍ

PEREIRA, Fábio Inacio1 (UEM)

PEREIRA MELO, José Joaquim2 (Orientador/UEM)

Para a discussão das diretrizes formativas do homem do campo em José Martí3, faz-se

necessário situar suas idéias educacionais num contexto de forte crise de ordem

econômico-político-social em Cuba. Um quadro que requeria transformações,

particularmente dos setores produtivos agrário-exportadores, a adequação da ilha às

novas técnicas de produção e de formação do trabalhador, com a finalidade de fazer

frente ao crescimento da concorrência internacional.

O contexto produtivo cubano no século XIX

O século XIX representa um divisor de águas na geopolítica internacional. Por um lado,

marca a consolidação das sociedades industriais européias em um cenário de disputas de

mercado bastante acirradas. Esse cenário viu a emergência da nação norte-americana

para o grupo das grandes potências mundiais num ritmo de crescimento que

assombrava, sobretudo, pelo seu ímpeto de expansão e desenvolvimento industrial

(BANDEIRA, 1998, p. 16). 1 Doutorando do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP. Docente do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] 3 José Martí nasceu em Havana, em 28 de janeiro de 1853. Foi enviado para o exílio, em 1871, por se opor ao domínio colonial espanhol sobre Cuba. Cursou Direito, Filosofia e Letras, nas universidades de Madri e Saragoça. Deixou a Espanha em fins de 1874, conheceu a França e foi para o México, lugar em que terminou seus estudos de jornalismo. Entre várias estadas pela América Central, só a partir de 1881 fixou-se em Nova Iorque, onde permaneceu residente um período maior de tempo. Nos Estados Unidos permaneceu até 1895, com viagens rápidas ao Haiti, a São Domingos, à Jamaica, ao Panamá, à Costa Rica, ao México. Nesse período, acumulou vários cargos, como o de cônsul do Uruguai, da Argentina e do Paraguai em Nova Iorque; representante da Associação de Imprensa de Buenos Aires, nos Estados Unidos e no Canadá. Foi levado à Presidência da Sociedade Literária Hispano-Americana e nomeado representante do Uruguai para a Comissão Monetária Internacional Americana em Washington. No exílio, em 1892, fundou o Partido Revolucionário Cubano, organização que liderou e que foi responsável pelo reinício da guerra independentista. Em 19 de maio de 1895 morreu em uma das primeiras batalhas contra as forças espanholas em Cuba, próximo a um lugar chamado Boca de Dos Rios.

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Por outro lado, podem-se verificar a ruína e a decadência dos dois grandes impérios

coloniais ibéricos, Portugal e Espanha. Vale considerar que o império espanhol sofreu

sua última grande derrota no continente americano, em Cuba, 1898.

A posição estratégica de Cuba no Caribe e a ausência de uma ação conjunta e

organizada para a independência das colônias hispano-americanas contribuíram para

que a ilha permanecesse sob o domínio colonial espanhol, mesmo diante das lutas anti-

coloniais por todo o continente. A manutenção do domínio colonial espanhol na ilha

está relacionada ao florescimento econômico, atribuído à ocupação inglesa (de agosto

de 1762 a julho de 1763) e ao processo de modernização tecnológica, fatores que

provocaram uma profunda transformação das relações de classes em Cuba.

Esse breve período de ocupação de Havana pode ser entendido como ponto de partida

do seu desenvolvimento, pois dá o impulso inicial à agricultura tropical, incentivando o

cultivo da cana-de-açúcar na ilha. Além disso, a presença inglesa estimulou os

produtores para as idéias de livre-comércio. Em função desses fatores, o processo

desencadeado pela ocupação inglesa foi um elemento fundamental para o dinamismo

alcançado pela economia cubana no final do século XVIII e início do século XIX,

impedindo a eclosão do movimento de emancipação nacional, inclusive porque

fortaleceu os setores criollos, permitindo a conversão da dominação colonial direta em

dominação colonial indireta permanente.

No período em questão, os produtores criollos tiveram livre acesso ao mercado das treze

colônias inglesas na América. Esse contato comercial acabou sendo decisivo para que,

entre os setores proprietários, fosse cada vez mais forte a cobrança de uma nova política

colonial que suprimisse as restrições e o monopólio comercial espanhol.

A experiência dos produtores criollos, sobretudo na perspectiva econômica, insuflou-

lhes um espírito nacionalista que a Metrópole espanhola teve dificuldades em conter.

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Para contê-lo, esta teve que demonstrar certa flexibilidade na condução de seus negócios e

dos seus assuntos políticos (FERNANDES, 1979, p. 25-26).

Esse processo levou à estruturação e à consolidação dos fazendeiros criollos e atraiu o

interesse dos peninsulares pela riqueza em Cuba. Junto com o desenvolvimento das

forças produtivas que requeria o mercado mundial, desenvolveu-se, em Cuba, o desejo

sempre crescente de obtenção de lucro, o que conduzia ao processo de racionalização da

produção, mas, sobretudo, à procura de constante aprimoramento técnico.

Para conter esses setores, a Coroa abriu canais de diálogo com as áreas reformistas da

ilha. Inclusive, utilizou como argumento a possibilidade de, com uma revolução social,

como a ocorrida no Haiti, os fazendeiros terem todos os seus privilégios usurpados.

O momento também se caracterizou por um forte debate político ligado às intensas

reivindicações lideradas pelos setores reformistas. Entre as suas principais solicitações

estava o fim das taxas de importação e exportação, de tal forma que forçava a aquisição

de mercadorias provindas da Espanha. Na perspectiva social, os reformistas percebiam

que o futuro econômico da ilha estava na mecanização da indústria açucareira.

A preocupação com o desenvolvimento industrial era crescente entre os setores

dominantes, tanto os interessados em manter os lucros do comércio de escravos quanto

os setores defensores das idéias abolicionistas. Nessa época, entre os fazendeiros

criollos ganhava força a idéia de incorporação de Cuba aos Estados Unidos como forma

de garantir o desenvolvimento da produção de açúcar e não sucumbir ante a

concorrência do mercado mundial.

Nos Estados Unidos, no entanto, a idéia de anexação era uma questão bastante dividida,

sobretudo pelos interesses econômicos antagônicos do Sul e do Norte. O que se

verificava é que Cuba não estava ainda nas pretensões imediatas dos Estados Unidos, na

medida em que implicaria uma posição ofensiva dos norte-americanos contra a

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Espanha, fato que não se colocava como questão de primeira ordem nas ações

americanas naquele momento.

As propostas reformistas e anexionistas, à medida que se estendiam, levavam ao

processo de acomodação dos interesses econômicos dos proprietários criollos e

acabavam sufocando o processo de emancipação na ilha, que se estendeu pelo século

XIX. Para a Espanha, o domínio sobre Cuba era importante do ponto de vista

econômico, o que tornou o processo de independência ainda mais intenso e longo.

Os interesses se mostravam antagônicos nas relações coloniais. A crise que atravessava

os setores produtivos das regiões oriental e central de Cuba tornava possível que os

fazendeiros proprietários de engenhos dessas regiões, divididos entre as diversas

correntes políticas da época, se unissem em uma única frente para solicitar modificações

na política colonial da Metrópole espanhola.

O crescente aumento do trabalho livre e as modificações nas relações de trabalho

conduziram, de forma crescente, à desestruturação econômica e social e, pouco a pouco,

ao processo de abolição da escravatura, levando à crise os produtores menos

favorecidos (OCHOA, 1998, p. 30).

Neste cenário, a produção cubana passou a sentir os sinais de perda de competitividade

passando a conviver com um amplo processo de crise nos setores produtivos vinculados

ao açúcar. De maior produtora mundial de açúcar, ao final do século XIX, Cuba passou

a conviver com uma situação econômica de crescente subordinação ao grande capital

monopolista norte-americano que aumentava seu controle sobre a produção açucareira

na ilha, num correspondente, em 1887, a 98% do produto refinado (BANDEIRA, 1998,

p. 29).

A situação econômica desses setores produtivos aliada à subordinação da economia

cubana ao capital monopolista norte-americano fez eclodir as lutas independentistas na

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ilha em 1868, contexto em que foram construídos os apelos, particularmente

educacionais, de transformação da sociedade cubana por José Martí.

A influência fisiocrata e a concepção de educação do homem do campo de José

Martí

A compreensão desse complexo processo histórico em que se encontrava Cuba coloca-

se como fundamental para entender a base sobre a qual José Martí desenvolveu suas

idéias educacionais. Porém, para melhor situar sua proposta educacional para o homem

do campo cubano, vale considerar ainda, as influências teóricas recebidas ao longo de

sua formação na Europa e nos Estados Unidos. Importa lembrar que o seu conceito de

educação foi surgindo de maneira não sistemática entre as suas atividades como líder

político e jornalista, correspondente de jornais e revistas.

As atividades jornalísticas de José Martí demonstram as influências das suas origens

históricas, pois ele conviveu até sua adolescência com os problemas agrários em Cuba.

Como era filho de espanhóis da classe média colonial cubana, viveu entre os setores

proprietários arruinados pelas constantes crises na região oriental da ilha. As

dificuldades enfrentadas pelos produtores agrícolas levaram o pensador, durante toda a

sua vida, a se dedicar ao estudo da realidade agrária latino-americana, bem como, a se

empolgar pelos teóricos da corrente econômica fisiocrata, tanto européia quanto norte-

americana.

Em seu primeiro exílio na Europa (1871-1874), José Martí teve o contato inicial com a

teoria dos economistas fisiocratas franceses. O que o impressionava era o protagonismo

que esses teóricos davam à atividade produtiva agrária como base do desenvolvimento

econômico e, em especial, seu caráter moral. Segundo a fisiocracia francesa, a ordem

natural era uma ordem providencial, desejada por Deus e destinada ao progresso

econômico e social dos homens (HUGON, 1967, 106).

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O importante a ser sublinhado nesta concepção e que chamava a atenção de José Martí,

era a noção de harmonia, daí deduzida, entre interesse individual e geral, a qual serviu

de base aos teóricos fundadores do liberalismo econômico.

A evolução do seu pensamento confirma os postulados fisiocratas apreendidos em sua

formação européia. Entre os diversos países em que José Martí se exilou, destaca-se o

período em que se estabeleceu na Guatemala (1877-1878). As idéias lá desenvolvidas

aparecem contempladas em suas propostas para o seu desenvolvimento econômico,

expostas no texto “Guatemala” de 1878. São assim sintetizadas:

- Sem um desenvolvimento agrário importante, que assegure uma fonte permanente de alimentos (auto-suficiência alimentar) e um consumo estável de produtos manufaturados (mercado interno), não é possível pleitear um desenvolvimento industrial, com base nas melhores condições de progresso da época. - Cada país deve desenvolver seus cultivos típicos e distintos, próprios das condições naturais e sociais, para poder competir vantajosamente. - Necessidade de desenvolver a técnica agrícola e pô-la à altura da Europa e dos Estados Unidos. Para isso postulava: ‘Misture-se Química e agricultura e não se irão colher grandeza e riqueza’. - Eliminação da grande propriedade com detenção das terras e fomento das terras camponesas, uma terra intensiva e diversificada. Dizia Martí: ‘É rica uma nação que conta com muitos pequenos proprietários. Não é rico o povo onde há muitos homens ricos, senão aquele onde cada um tem um pouco de riqueza. Em Economia Política e no governo, distribuir é tornar venturoso’ E ‘O melhor cidadão é o que cultiva uma maior extensão de terra’. - Educar os filhos e jovens para a agricultura, no amor e no apreço pelo trabalho agrícola. - Integração da população camponesa à vida social moderna (PUENTES; NAVIA, 2004, p. 78).

Essas idéias demonstram como o pensamento dos fisiocratas estava presente no projeto

de organização econômica e social de José Martí, revelando sua afinidade com a

proposta de desenvolvimento baseado na produção agrícola que, no seu entender, era a

principal vocação produtiva dessa região. Deixam transparecer, também, o quanto

considerava o atraso do desenvolvimento agrícola como o problema econômico central,

tanto da Guatemala quanto de Cuba, que enfrentava desde a década de 1860 um intenso

processo de crise. Conforme se comentou anteriormente, Cuba convivia com a

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desestruturação do modelo colonial, com uma crescente dependência comercial dos

Estados Unidos.

Neste âmbito, as idéias do autor sinalizam para a necessidade de se afastar do avanço

econômico neocolonialista dos Estados Unidos por um processo de diversificação

agrícola, segundo a tendência teórica fisiocrata, como forma de diminuir a dependência

frente à crescente monopolização promovida por aquele país.

Sua orientação no sentido da promoção da agricultura constitui, já nesse período, um

programa de desenvolvimento econômico em construção para a transformação da

produção agrícola em indústria agrícola. Isso deixou claro seu posicionamento quanto

aos investimentos necessários em educação como determinante para aumentar a

produtividade e superar o atraso econômico de Cuba, ou seja, uma teoria do

desenvolvimento dentro dos marcos das relações de produção burguesa

Assim como os demais pensadores progressistas e liberais do final do século XIX,

seguindo a tradição iluminista, José Martí acreditava no poder da educação para

resolver os grandes problemas de Cuba, razão pela qual aproximou-se muito mais da

tradição liberal européia e das concepções do pragmatismo educacional norte-americano

que dos críticos da educação burguesa (ROSSI, 1981, p. 147-8).

Foi entre os fisiocratas americanos, a partir de 1880, que José Martí ampliou as bases

desse programa econômico e educacional voltado para o desenvolvimento econômico

de Cuba. Desse período nos Estados Unidos decorrem suas propostas de emprego de

ciência e técnicas modernas, e de instrução politécnica para os trabalhadores agrícolas.

Vale considerar, ainda, que em sua estadia em Nova Iorque José Martí tomou contato

com o pensamento de Henry George (1839-1897), economista e político norte-

americano, defensor do imposto único, autor de Progreso y Miseria (1879), a quem,

rasgou elogios, comparando seus feitos na ciência da sociedade aos de Charles Darwin

(1809-1882) nas ciências naturais.

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Henry George vino de California, y reimprimió sua libro ‘El Progreso y la Pobreza’, que ha cundido por la cristiandad como una Biblia. Es aquel mismo amor del Nazareno, puesto en la lengua práctica de nuestros días. En la obra, destinada a incurrir las causas de la pobreza creciente a pesar de los adelantos humanos, predomina como idea esencial la de que la tierra debe pertenecer a la Nación. De allí deriva el libro todas las reformas necesarias (MARTÍ, 1975, v. 11, p. 145, grifo nosso).

José Martí considerava que a teoria de Henry George sobre a renda da terra viria ao

encontro dos problemas de Cuba. Com isso, mostrava sua concepção econômica que

visava a transformar a realidade agrária, uma vez que tivesse obtido a independência

cubana (RETAMAR, 1983, p. 43).

Dos ideais fisiocratas georgistas para os Estados Unidos, José Martí apreendeu as idéias

de desenvolvimento democrático do campo, de reforma das condições de trabalho, de

transformação da terra em propriedade pública e de estabelecimento de um imposto

único sobre a terra (MARTÍ, 1975, v. 11, p. 123).

Os referenciais, princípios teóricos e técnicos fisiocratas adquiridos nos Estados Unidos

formaram a base fundamental em que foi construída sua proposta de formação do

homem do campo. Naquele país, foram produzidos seus principais textos educacionais

sobre os avanços do cultivo da terra e da necessidade de uma educação que incorporasse

as novas tecnologias do final daquele século como horizonte a ser seguido em Cuba.

Em sua atividade como jornalista, o tema da educação destaca-se como uma

preocupação recorrente. Essa preocupação de cobrir e acompanhar os grandes feitos no

âmbito educacional aparece interligada aos temas políticos, mas, sobretudo, aos

econômicos.

Em seus textos redigidos entre 1883 e 1884, de forte teor fisiocrata, José Martí discutia

a necessidade da atualização tecnológica das propriedades agrícolas e a formação para o

trabalho do homem do campo.

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No artigo intitulado “A aprender en las haciendas”, publicado na revista La América,

tratou dos conhecimentos que considerava necessários aos proprietários agrícolas e do

ensino de novos métodos para o cultivo e colheita da cana-de-açúcar. Sendo a produção

agrícola o horizonte imediato da realidade econômica cubana, cabia dar-lhe o mesmo

tratamento que as nações produtoras do capitalismo avançado. Nesse momento, os

Estados Unidos destacavam-se pelo seu desenvolvimento tecnológico e constituía a

principal referência em produção agrícola. A proximidade com aquela realidade

produtiva o fazia idealizar e propor o modelo americano como ideal para Cuba.

José Martí convidava os fazendeiros a introduzirem em suas fazendas as novas técnicas

desenvolvidas naquele país e a estudarem a agricultura nova das propriedades prósperas

dos Estados Unidos. Mais que isso, propunha que os fazendeiros fossem conviver de

uma a várias colheitas nas fazendas, onde se praticavam os sistemas avançados; e a

compreender em todos os seus detalhes, por meio do conhecimento pessoal e direto, as

vantagens dos métodos e instrumentos modernos (MARTÍ, 2007, p. 69).

O autor propunha o envio de fazendeiros à busca da formação técnico-científica

oferecida nos Estados Unidos, mas sugeria um método inovador de formação: a

formação diretamente nas fazendas. Sua proposta de aprendizagem deixava transparecer

a necessidade imediata de transformação do setor agrícola que passava por uma crise

em Cuba. Os conhecimentos agrícolas de vanguarda só poderiam ser encontrados

diretamente nas propriedades rurais, não nos livros.

Isto não se aprende, ou se aprende mal, em livros. Isto não pode exibir-se nas exposições. Isto, somente em parte, e com enorme dispêndio, poderia ensinar-se nas Escolas de Agricultura. Há de se vir aprender isto onde está em pleno exercício e curso prático (MARTÍ, 2007, p. 68).

José Martí deixa claro sua posição contrária ao formalismo do ensino humanista

presente na educação no final daquele século em Cuba.

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E, a respeito da educação e no que se referia ao processo de formação no campo, em seu

artigo “Maestro Ambulantes”, publicado em 1884, José Martí tratou da importância dos

professores irem até os camponeses como missionários para levarem educação

científica.

O que justificava essa proposta de educação no campo era a necessidade de manter os

pequenos proprietários e arrendatários com o conhecimento da terra, desse modo,

somente a escola itinerante poderia remediar a ignorância camponesa (MARTÍ, 2007, p.

41).

Segundo José Martí, levar conhecimentos práticos àquele que não podia deixar seu

trabalho para andar quilômetros para aprender termos didáticos vazios era o objetivo

principal do trabalho dos mestres ambulantes (MARTÍ, 2007, p. 43). A esse, a quem

chamou de “a melhor massa nacional”, destinava-se sua proposta educacional.

Os camponeses, entretanto, são a melhor massa nacional e a mais sadia e substanciosa, porque recebem de perto e em cheio os eflúvios e a amável correspondência da terra, de cujo trato vivem. As cidades são a mente das nações; porém seu coração, no qual se junta e de onde se distribui o sangue, está nos campos (MARTÍ, 2007, p. 43).

Dentro daquilo que entendia constituir a grandeza da pátria, propunha a ação desses

mestres como forma de manter os camponeses no campo a partir do desenvolvimento

dos seus conhecimentos sobre a natureza. As atividades dos mestres não se restringiriam

a levar conhecimentos científicos, mas iriam gerar desenvolvimento moral e físico.

Os homens necessitam conhecer a composição, fecundação, transformações e aplicações dos elementos materiais de cujo manuseio resulta a saudável altivez daqueles que trabalham diretamente na natureza, o vigor do corpo que resulta do contato com as forças da terra e a fortuna honesta e segura que produz seu cultivo (MARTÍ, 2007, p. 43).

Essa era a composição considerada por José Martí como fundamental na cruzada para

revelar aos homens sua natureza de produtores da terra. Tudo isso, tendo em vista o

fortalecimento de uma idéia de homem bondoso e honrado, ou seja, o homem moral.

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A publicação de “Maestros Ambulantes”, forma parte de um programa para construção

de escolas no campo e para a formação de professores missionários que estava

vinculada ao projeto de desenvolvimento da futura república cubana. No que se referia a

essa proposta, o autor, apresentava uma indissociável relação entre razão e os

sentimentos, entre conhecimentos técnico-científicos e ternura.

Vale considerar que o aprendizado que se propunha nas fazendas também poderia ser

complementado com a instrução adquirida nas escolas agrícolas. José Martí elogiava o

currículo dessas escolas, destacando a Michigan School of Agriculture, a Cornell

University, a Coopper Institute e a North Carolina pois ensinavam a análise dos adubos,

dos minerais, das águas minerais, da germinação das sementes, os novos métodos de

preparação do solo, de semear e colher, etc (PUENTES; NAVIA, 2004, p. 103-104).

Entre as escolas que conheceu nos Estados Unidos, recebem grande destaque do autor

aquelas em que o trabalho manual desempenhava um papel importante junto ao ensino

científico. Nessas escolas agrícolas americanas o que mais lhe atraía era o fato de que a

aprendizagem se dava no contato direto com a terra. Segundo postulava, inúmeras

vantagens decorreriam dessa metodologia desenvolvida nessas escolas, de ordem física,

mental e moral. O ideal de uma educação politécnica aparece aqui em destaque, em

detrimento da educação puramente formal, manual ou industrial ofertada de forma

exclusiva. Vale a consideração de José Martí “[...] por trás de cada escola uma oficina

agrícola, à chuva e ao sol, onde cada estudante planta sua árvore. De textos secos e

meramente lineares não nascem, não, as frutas da vida” (2007, p. 43).

Em relação à falta de métodos experimentais nas escolas em Cuba, José Martí defendia

a vinculação entre a teoria e a prática, em outros termos, o vínculo do estudo com o

trabalho.

José Martí propunha que, nas escolas, na parte da manhã, os estudantes deveriam

trabalhar na agricultura ou desempenhar algum tipo de serviço manual nas oficinas e, à

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tarde, os estudantes deveriam aprender o domínio dos conhecimentos e das técnicas

necessárias para enfrentar os problemas da terra e da vida em geral.

Supostamente, o domínio desses conteúdos teóricos e práticos voltados ao

desenvolvimento da produção permitiria que Cuba se fortalecesse comercialmente

diante do concorrido mercado internacional. Com isso colocava-se a relevância de um

programa educacional que correspondesse aos avanços tecnológicos do final daquele

século e formava-se o agente social, que segundo ele, responderia às necessidades da

sociedade cubana.

Sua crença no poder da educação em corrigir o erro da desigualdade econômica e dos

problemas sociais o fazia supor que o grande descompasso entre os produtores cubanos

e os seus concorrentes na Europa e nos Estados Unidos seria superado pela utilização

dos mesmos métodos que vinham gerando grandes resultados de produtividade nesses

países. É preciso considerar, no entanto, que eram poucos os proprietários agrícolas que

dispunham de condições de adquirir novos equipamentos para a produção agrícola. À

pequena ou quase inexistente capacidade de investimento dos produtores, somava-se a

falta de mão-de-obra especializada e preparada para manejar o solo para a utilização de

novos instrumentos, o que acabava levando esses produtores a se subordinarem ao

grande capital norte-americano.

A condição de fornecedora de matérias-primas colocou Cuba em uma situação de

dependência e subordinação econômica em relação aos Estados Unidos, em função da

inevitável relação comercial oriunda da compra de produtos industrializados. Tudo isso,

era particularmente interessante para os grandes proprietários rurais e a burguesia

mercantil, que obtinham ganhos imediatos com a exportação para o mercado mundial.

Enquanto isso, a grande maioria da população cubana, distante de qualquer benefício,

transformou-se em mão-de-obra barata e amplamente explorada.

Em relação a esse processo, segundo o comentador de José Martí nos Estados Unidos,

Philip Foner (apud ROSSI, 1981, p. 147) ele sabia que “significaria pouco para

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camponeses pobres ensinar-lhes agricultura científica, se a terra estava monopolizada

por alguns aristocratas ricos [...]”. E foi por isso que José Martí, deixando transparecer

suas influências fisiocratas, defendeu a atuação do Estado no intuito de converter a terra

em domínio público. Para tanto, propunha reformas que pudessem gerar a distribuição

das terras e o fomento da agricultura, que ele entendia ser a fonte constante e certa de

riqueza.

O Estado teria o dever de promover o desenvolvimento agrícola nacional e o primeiro

desafio seria fixar o homem na terra, pois, separá-lo dela era cometer um crime. Sendo

assim, acreditava que quanto mais educação fosse propiciada ao homem do campo, mais

ele se fortaleceria na agricultura. O que se pode verificar é que José Martí atribuía um

alto valor econômico à educação e os poucos investimentos recebidos por ela eram tidos

por ele como o principal erro dos governantes em Cuba. Em especial, assinalava o grave

fato de se educar exclusivamente para a vida urbana e não se preparar o homem para a

vida no campo.

REFERÊNCIAS

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ROSSI, Wagner Gonçalves. Pedagogia do trabalho: raízes da educação socialista. v. 1.

São Paulo: Editora Moraes, 1981.