"a falência de marcas pode acontecer a qualquer momento" por ricardo mealha

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Ricardo Mealha e Pedro Oliveira (managing director) abriram há um ano a Brand Gallery, uma designação herdada do espaço que o designer manteve durante oito meses no bairro de Santos, em Lisboa. Fundador do atelier RMAC–Ricardo Mealha/Ana Cunha, que vendeu em 2006 ao grupo BBDO Portugal, Ricardo Mealha trabalhou, antes de um período sabático no Brasil, para BES, hotéis Tivoli, Atlantis Crystal, lojas Area, Museu do Design e da Moda, Museu da Presi- dência da República, Casa das Histórias Paula Rego, entre outros. Meios & Publicidade (M&P): Durante vários anos trabalhou para o BES e assinou o rebranding. Enquanto designer como viu o fim da marca? Ricardo Mealha (RM): O BES não desapareceu enquanto marca. É uma marca centenária e durará muitos anos até ser esquecida pelos portugueses. O mesmo acontece com outro trabalho meu, como é o caso do Ministério da Cultura. Criámos, acima de tudo, marcas icónicas que têm uma longevidade que não é comum no panorama de branding e rebran- ding. O que é que isso significa? Muita consistência. São marcas de referência, não são marquinhas. Quando olhamos para o portfólio da Brand Gallery, vemos marcas complementares, mas que são de uma consistência e qualidade que não existem em Portugal. M&P: Um dos trabalhos mais recentes foi a da identidade do Palácio Nacional da Ajuda. Como sabe que se tornará também icónica? RM: A imagem que criámos é com coroa de D. João VI que está no Palácio. É a única coroa dos reis de Portugal que existe. É o símbolo máximo da realeza. A identidade e a utilização da coroa de D. João VI foi uma ideia minha que foi aceite pela direcção do Palácio. É um trabalho faseado que ainda não está terminado. M&P: A que se refere quando diz ‘marqui- nhas’? RM: São projectos que não têm visibilidade. Veja-se o exemplo de A Vida Portuguiesa de Catarina Portas. É uma micro-empresa, mas ela foi a pioneira da nostalgia portuguesa. Ressuscitou esse conceito. Estou ligado a essa marca desde o início. Ainda me lembro dos primeiros tempos. A Catarina resolveu, na altura, fazer uns gifts de Natal com produtos tradi- cionais portugueses. O nome da marca era diferente, mas depois criou-se a marca A Vida Portuguesa – Desde Sempre. Até hoje somos amigos e clientes. M&P: Entretanto, o estilo retro entrou na moda. RM: É verdade. O mesmo aconteceu com o H3, até aí não havia esta onda dos hambúrgueres. Considero que o trabalho que faço para os meus clientes é, de alguma forma, pioneiro e consistente para vários anos. Ao formarmos parcerias para novos projectos, os clientes têm a garantia do portfólio de grande qualidade. Não significa que sejamos mais caros do que os outros. Por exemplo, se aparece uma marca pequena que eu veja que tem potencial grande, obviamente que não vou cobrar o preço de uma grande marca. Não tenho tabela de preços. Tenho é um feeling em relação ao que são clientes com muito futuro. A falência de marcas pode acontecer a qualquer momento, como se viu com o Ministério da Cultura, BES e Rioforte. M&P: Rioforte é outra marca das marcas que criou… RM: Criei o nome. Na altura não foi falado que seria para reforçar a componente não-financeira do Grupo Espírito Santo. Para mim era uma marca nova do grupo. As directrizes eram criar uma marca que tivesse a ver com o Brasil e que tivesse força. Foi fácil: Rioforte. Não gosto de falar do passado, estou muito virado para o presente e para o que acredito hoje em dia: a dinâmica de novos tempos que não têm nada a ver com o que se passava há uns anos. A linguagem de comunicação próxima do cliente, a cumplicidade, longevidade e laços de confiança são valores clássicos que se perderam num mercado muito competitivo. Por exemplo, um concurso para fazer uma embalagem: chamam 30 agências. M&P: A Brand Gallery não vai a concursos? RM: Não, a não ser que haja condições especiais. Os clientes batem-nos à porta ou nós vamos falar com os clientes. M&P: Qual é a relação mais longa que mantém com um cliente? RM: Com o Manuel Reis, que tem uma consistência que mais ninguém tem em Portugal. O Manel é tão bom agora como era nos anos 80. Não conheço em Portugal longevidade maior do que a dele. A moder- nidade portuguesa a seguir ao 25 de Abril começou no Frágil. O meu trabalho não é dessa altura. É do início dos anos 90. Desde essa altura que somos amigos e o Manel é o meu cliente. A marca Lux Fragil é a mesma que foi criada há 15 anos. “A falência de marcas pode acontecer a qualquer momento” MERCADO 12 05 JUNHO 2015 As marcas do passado e as que podem vir a nascer nas palavras de Ricardo Mealha, o designer da Brand Gallery RUI OLIVEIRA MARQUES CATARINA PORTAS

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As marcas do passado e as que podem vir a nascer nas palavras de Ricardo Mealha, o designer da Brand Gallery, em entrevista ao M&P. In Meios & Publicidade - Edição N744 / 05 de Junho 2015. Fotografia por Catarina Portas

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Ricardo Mealha e Pedro Oliveira (managing director) abriram há um ano a Brand Gallery, uma designação herdada do espaço que o designer manteve durante oito meses no bairro de Santos, em Lisboa. Fundador do atelier RMAC–Ricardo Mealha/Ana Cunha, que vendeu em 2006 ao grupo BBDO Portugal, Ricardo Mealha trabalhou, antes de um período sabático no Brasil, para BES, hotéis Tivoli, Atlantis Crystal, lojas Area, Museu do Design e da Moda, Museu da Presi-dência da República, Casa das Histórias Paula Rego, entre outros.

Meios & Publicidade (M&P): Durante vários anos trabalhou para o BES e assinou o rebranding. Enquanto designer como viu o fim da marca?Ricardo Mealha (RM): O BES não desapareceu enquanto marca. É uma marca centenária e durará muitos anos até ser esquecida pelos portugueses. O mesmo acontece com outro trabalho meu, como é o caso do Ministério da Cultura. Criámos, acima de tudo, marcas icónicas que têm uma longevidade que não é comum no panorama de branding e rebran-ding. O que é que isso significa? Muita consistência. São marcas de referência, não são marquinhas.

Quando olhamos para o portfólio da Brand Gallery, vemos marcas complementares, mas que são de uma consistência e qualidade que não existem em Portugal.

M&P: Um dos trabalhos mais recentes foi a da identidade do Palácio Nacional da Ajuda. Como sabe que se tornará também icónica?RM: A imagem que criámos é com coroa de D. João VI que está no Palácio. É a única coroa dos reis de Portugal que existe. É o símbolo máximo da realeza. A identidade e a utilização da coroa de D. João VI foi uma ideia minha que foi aceite pela direcção do Palácio. É um trabalho faseado que ainda não está terminado.

M&P: A que se refere quando diz ‘marqui-nhas’?RM: São projectos que não têm visibilidade. Veja-se o exemplo de A Vida Portuguiesa de Catarina Portas. É uma micro-empresa, mas ela foi a pioneira da nostalgia portuguesa. Ressuscitou esse conceito. Estou ligado a essa marca desde o início. Ainda me lembro dos primeiros tempos. A Catarina resolveu, na altura, fazer uns gifts de Natal com produtos tradi-

cionais portugueses. O nome da marca era diferente, mas depois criou-se a marca A Vida Portuguesa –Desde Sempre. Até hoje somos amigos e clientes.

M&P: Entretanto, o estilo retro entrou na moda.RM: É verdade. O mesmo aconteceu com o H3, até aí não havia esta onda dos hambúrgueres. Considero que o trabalho que faço para os meus clientes é, de alguma forma, pioneiro e consistente para vários anos. Ao formarmos parcerias para novos projectos, os clientes têm a garantia do portfólio de grande qualidade. Não significa que sejamos mais caros do que os outros. Por exemplo, se aparece uma marca pequena que eu veja que tem potencial grande, obviamente que não vou cobrar o preço de uma grande marca. Não tenho tabela de preços. Tenho é um feeling em relação ao que são clientes com muito futuro. A falência de marcas pode acontecer a qualquer momento, como se viu com o Ministério da Cultura, BES e Rioforte.

M&P: Rioforte é outra marca das marcas que criou…RM: Criei o nome. Na altura não foi falado que seria para reforçar a componente não-financeira do Grupo Espírito Santo. Para mim era uma marca nova do grupo. As directrizes eram criar uma marca que tivesse a ver com o Brasil e que tivesse força. Foi fácil: Rioforte. Não gosto de falar do passado, estou muito virado para o presente e para o que acredito hoje em dia: a dinâmica de novos tempos que não têm nada a ver com o que se passava há uns anos. A linguagem de comunicação próxima do cliente, a cumplicidade, longevidade e laços de confiança são valores clássicos que se perderam num mercado muito competitivo. Por exemplo, um concurso para fazer uma embalagem: chamam 30 agências.

M&P: A Brand Gallery não vai a concursos?RM: Não, a não ser que haja condições especiais. Os clientes batem-nos à porta ou nós vamos falar com os clientes.

M&P: Qual é a relação mais longa que mantém com um cliente?RM: Com o Manuel Reis, que tem uma consistência que mais ninguém tem em Portugal. O Manel é tão bom agora como era nos anos 80. Não conheço em Portugal longevidade maior do que a dele. A moder-nidade portuguesa a seguir ao 25 de Abril começou no Frágil. O meu trabalho não é dessa altura. É do início dos anos 90. Desde essa altura que somos amigos e o Manel é o meu cliente. A marca Lux Fragil é a mesma que foi criada há 15 anos.

“A falência de marcas pode acontecer a qualquer momento”

MERCADO12

05 JUNHO 2015

As marcas do passado e as que podem vir a nascer nas palavras de Ricardo Mealha, o designer da Brand Gallery

RUI OLIVEIRA MARQUES CATARINA PORTAS

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M&P: Mas qual a diferença entre a Brand Gallery e os outros ateliers que criou?RM: A renovação. As coisas não podem ser estáticas. A minha marca adapta-se à realidade dos clientes, que são muitos. Não sou o mesmo do atelier Ricardo Mealha criado em 1996. Mudou. Já foi Centro de Design, Atelier de Design, Brand Strategy, passou para Brand Gallery, que tinha o atelier em Santos e partilhava um espaço para uma galeria de eventos. Este projecto da Brand Gallery manteve-se durante os oito meses de contrato. Várias marcas premium ou líderes tiveram lá eventos, como a Montblanc, Porsche, Alves Gonçalves, Gucci, Absolut, L’Oreal, Volkswagen…

M&P: Antes disso, tinha estado em São Paulo.RM: Nunca tinha ido à cidade. Quando cheguei percebi que tinha de ficar ali. A ideia inicial era ir para São Paulo e trazer clientes para a BBDO. Ainda tive conversas com a EDP local, com a Almap BBDO mas depois resolvi em comum acordo com a BBDO

deixar a agência e ter um sabático. Quis redescobrir--me. Aprender coisas novas. Estar fechado numa agência, a ver coisas na internet, não é a mesma coisa que ter liberdade e ir à procura de novas coisas. Os meus skills visuais e técnicos melhoraram subs-tancialmente. Como designer, sou melhor do que era antes de ir para São Paulo. Olho para o Ricardo antes da BBDO e agora e vejo que não têm nada a ver. Foi uma situação de risco sair, mas sempre quis acres-centar mais àquilo que tenho de origem. O objectivo não é estagnar ou ir à procura de dinheiro.

M&P: Porque não conseguiu arranjar trabalho para a BBDO a partir do Brasil?RM: Não aconteceu. O problema é a ideia de que os brasileiros têm dos portugueses. Eles são muito

preconceituosos. A dinâmica de São Paulo não tem nada a ver com o Rio, é trabalho à seria. Essa dinâ-mica vem dos italianos, dos japoneses, dos libaneses. Os portugueses não estão lá muito. Quando chego e mostro o portfólio, a reacção é: “E?”. Eles gostam mais da América do que de Portugal. A referência não é Portugal.

M&P: Em Portugal havia durante anos a ideia de que o Brasil, em termos de design, estava atrasado, em oposição ao que acontece na publicidade.RM: Não sei os números. Mas há tanta mediocridade de trabalho no Brasil como em Portugal. Há ateliers de design e arquitectura de interiores óptimos. Háa muita sofisticação em São Paulo e muita presença de marcas de luxo.

M&P: Fechou a fase brasileira com a criação da marca Ano de Portugal no Brasil. Como conseguiu esse projecto?RM: Tenho esta paixão pelo Brasil. Surgiu de uma forma informal. Na altura quem estava a liderar o projecto era Miguel Horta e Costa e já tinha várias

propostas para a marca. Não estavam satisfeitos e lembraram-se de mim. Apresentei a proposta e acei-taram na hora. Nem vi as outras propostas na altura. A partir daí criamos um símbolo em que entrelaçamos os dois países e criamos um fluxo. No fundo, é uma promessa do agora. Nunca virado para o passado ou para o futuro. É um trabalho ongoing. Se houvesse livre-trânsito entre os dois países, Portugal explodia. Falta um intercâmbio real entre os dois países.

M&P: Lançou também um livro de fotogra-fias de São Paulo (edição Babel) que não chegou a Portugal.RM: Nem tinha de chegar. Quis oferecer à cidade algo que não tinha. É uma visão minha de São Paulo muito positiva.

M&P: Como viu esta recente mudança de imagem da Sumol, que tem dado que falar entre os designers e não só?RM: Se o cliente achou que era o melhor… agora, acho a embalagem desadequada para o que é a

marca Sumol. Parece que quer ser jovem à força. Não gosto, mas no branding não funciona o gosto/não gosto. Trata-se de eficácia na comunicação. Se aquilo for eficaz e as vendas aumentarem, óptimo! Se eu faria aquilo? Não, teria outras soluções.

M&P: Nos últimos tempos temos visto várias novas agências a fazerem parcerias com grandes agências. É um caminho que vos interessa?RM: Não temos ideias fechadas em relação a nada. Quando aparecerem as oportunidades, iremos avaliar. As parcerias são um modelo natural. A fusão com agências de publicidade que não têm departamento de design é um modelo antiquado. Já participei nele no passado.

“Estar fechado numa agência, a ver coisas na internet, não é a mesma coisa que ter liberdade e ir à procura de novas coisas”