a face oculta da droga - rosa del olmo

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ROSA DEL OLMO

A FACE OCULTA DI\

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Título original: La cara ocufla de la droga© Rosa dei Olmo, 1988© Editori al Temis, 1988

Direitos de edição da obra em língua portuguesano Brasil adquiridos pela EDITORA REVAN LTDA.

Praça Mauá, 13 - 7? andar - PBX: (021) 263-0863

CE P 20081 - Caixa Postal 21210 - Rio de Janeiro RJ

Coordenação EditorialLilian M. G. Lopes

Produção GráficaRaimundo Alves de Souza

Arte-FinalRicardo Gosi

RevisãoMiguel Villela

CapaPatrícia Ba1boa Monni

ComposiçãoJP Composição e Artes Gráficas Ltda.

Foto da CapaAgência Keystone

CIP-Brasil. Catalogação-na,fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ .

Olmo, Rosa dei061 f A face oculta da droga / Rosa dei Olmo; tradução de Teresa Ottoni. -

90-0015

Rio de Janeiro: Revan, 1990.

Tradução de: La cara oculta de la droga.Bibliografia.ISBN 85-7106-019-3

1. Toxicomania. 2. Drogas Abuso América Latina. 3. Drogas·Aspectos sociais -Amér ica Latina. 4. Narcóticos -Controle -América Latina.I. Título.

CDD 362.293363.45

364.2CDU 613.83

614.28615.099

SUMÁRIO

Apresentação 9

Prefácio 13

Introdução 21I. Na década de cinqüenta 29

n. sessenta 33

setenta 39

IV. Na década de oitenta 55

V. Conclusão 77

Bibliografia 81

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APRESENTAÇÃO

Hoje em dia, as drogas proibidas só são proibidas por figurarem numa lista editada mediante ato administrativo da autoridadesanitária, lista cuja função é complemen tar concretamente a norma

penal (que criminaliza, de modo genérico, o comércio e uso de algotão vago quanto "substância entorpecente", "substância que determina dependência física ou psíquica", etc). Já houve um tempo emque também certos livros eram proibidos exatamente po r figuraremnuma lista editada autoridade Parece que a interdi-

leitura livros, ao em suaaptidão des'entorpecente e em su a para determinar inde-

intelectual, ou seja, em seu crítico ecador.

Aface oculta da droga, da notável criminóloga venezuelana RosadeI Olmo, teria certamente figurado no index librorum prohibitOTum, em local de realce. Escrito em 1987, A face oculta é o frutodepurado de longos estudos sobre a questão das drogas, orientadospara a percepção do problema enquanto totalidade social c CCOilÔ

mica, o que supõe analisar criticamente as políticas criminais qU(;

trataram a questão, seus objetivos reais e o caráter dissimulador dosdiscursos que fundamentaram tais políticas e sua execnção.

De forma leve - em certas passagens, com sabor de reporl agem - Rosa deI Olmo expõe convincentemente as transformaçõesque a política criminal das drogas sofreu em nosso contillente, do sanos cinqüenta - quando o problema era circunscrito á perspectiva da subcultura até hoje - quando se enfrenta um prohlema econômico transnacional- bem como os modelos c estereótipos COI1S-

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APRESENTAÇÃO

truídos em função de tais transformações. Se para os anos dourados os modelos religioso e ético-jurídico forneciam adequada seivapenal, já nos sessenta, com o aumento do consumo por parte de jo vens integrantes dos estratos sociais dominantes, começa a impor

se o modelo médico-sanitário, tendo ao centro o estereótipo da dependência.

Como, ao mesmo tempo, se vivessem agitados dias de inconformismo juvenil e protesto político, gestava-se no discurso manipulado das drogas a idéia do inimigo interno (que seria um sucessono s anos setenta, especialmente se conjugado à doutrina da segurança nacional).

O modelo médico-sanitário estabeleceria um a distinção nítida entre o jovem negro e favelado que vende a droga (criminoso) eo jovem branco e bem situado que a adquire (doente): para o primeiro,cadeia, para o segundo, tratamento. Rosa sugere que nos países cen

trais, co m recursos disponíveis, o tratamento era um a proposta exeqüível, enquanto nos países periféricos, com seu conhecido défiCitnos programas de saúde, buscava-se resolver o impasse pela chaveda inimputabilidade, que permitia, dentro da burocracia processual,neín punir ncrn tratar.

Bem sabemos como, nos anos oitenta, a cocaína determinouum a rcestrutufélÇão dD discurso, e a "guerra contra as drogas" de Reaga n passa a ter como eixo especialmente um inimigo externo, dentro de um a visão que, ignorando as imposições de um a ordem econômica internacionalinjusta e espoliativa, falará em países-vítimase sugerirá países-agressores ("vítimas" são os países cuja populaçãotem dinheiro suficiente para comprar e consumir a cocaína; "agres

sores" são os países cujos camponeses ou cultivam a coca ou morrem de fome). O fracasso da política repressivo-imperialista, qu e serecusa - de modo muito coerente para qu e seja pura inocênciaa conceber a questão como econômica e social, já é hoje anotadopo r vozes insuspeitas (como, po r exemplo, o economista Milton Friedman, ano passado, na América, ou o jornalista Fernando Pedreira,recentemente, entre nós), vozes que se deram conta de qu e a manutenção desse quadro alimenta sim um a poderosa organização criminosa, perto da qual a Máfia de Valachi é brincadeira de criança, situada no hemisfério norte para a comercialização da cocaína.

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APRESENTAÇÃO

Os admiráveis olhos latino-americanos de Rosa dei ()!tllO percebem nos preconceitos hoje construídos sobre os colombiallos vestígios de episódios semelhantes, tais como os que, a pretcxto do ópio,se deram com os chineses no início do século, ou , a pretexto da ma

conha, com os mexicanos nos anos trinta. O discurso da dmea, qu eé hoje um discurso político-jurídico transnacional, cumprc a rUI1-

ção ideológica de encobrir o impacto econômico e social quc a cocaína, enquanto mercadoria, produz nas relações i n t e r n a c i o n ~ l i s depoder.

No momento em que esta apresentação é escrita, o General Noriega vai responder perante um tribunal americano a um a acusaçãode tráfico internacional de drogas. Mínima que seja a simpatia inspirada por Noriega, é concebível que Fulgêncio Batista - escolhoum nome que evite polêmica - respondesse a um processo dessa natureza?

A chamada criminologia crítica te m se esforçado, nos últimosvinte e cinco anos, para revelar a face oculta da questão criminal edos discursos criminológicos que legitimaram historicamente as práticas penais. Rosa del Olmo participa empenhaclamente desse projeto com infranqueável fidelidade a suas raízes, como demonstramSeus artigos (alguns dos quais recolhidos em Ruptura Criminológi-ca, Caracas, 1979, ed. Uno Central Venezuela) e livros (esp ecialmenteAmérica Latina y su CriminologIa, México, 1981, ed. Siglo XXI).

A face oculta da droga é um livro qu e exibe ao leitor o lado avessodos estandartes repressivos da droga, cm cujas cOllhccidas rrulllaleiras se estamparam sucessivamcnle o delllClIlio,;1 dOCI\(,;;I , a prÍ.';;lo,a traição e a guerra. É leitura obrigatória Iliío sú para proris.';ioll;li.';

da justiça cr iminal- juízes, advog;Il!O.':, pWllwloi'cs, puli"i:li:;e estudantes de direito, como para 1I11:i lq\ ln IH',':.';O:l li \(' , qll\'n'IHloconhecer o complexo fenômeno da li 1()I'.;!, ,';(' n CII,';" ;1 :I\'ci 1:1 r p:IS.'d

vamente as alucinações dos dis"I1I.';/l. '; oli,·,:,i.<;.

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PREFÁCIO

Como é difícil exorcisar relações sociais entregues publicamenteao demônio, ao repúdio e ao escárnio. Na maior ia das vezes, não bastam a convicção, a cultura e a coragem individuais dirigidas contra

o maniqueísmo. São necessárias também forças sociais coletivas que

questionem ativamente a carga moral e legal atribuída a uma relação; ou rupturas históricas que revertam o sentido dessa carga ou

a releguem definitivamente ao quarto de Santo Aleixo.Os ternas da cocaína e da maconha, sua produção-distribuição,

UlJ ,U \ . ,"C>V\. ," demoníacas na maior parte dos países da

Arnérica do Sul, América Central e do Caribe. Nestes países, um véude censura encobre imediatamente toda informação sobre a cocaína e, em menor medida, sobre a maconha. Mais do que os detalhesindividuais da notícia considerada em si mesma, o que ressalta são

as características de perversidade e de traiçã o com relação à cole lividade e a toda a humanidade.

Os principais responsáv.eis-pela produção ou pelo mneado süoretratados como psicopatas ou terroristas, criminosos desumallosque vivem num estado de orgia desenfreada contra a vida de seus semelhantes e os bons costumes da sociedade. Enquanto tais, são merecedores de um tratamento de exceção, distinto da lei normal capitalista. Para eles, a extradição, o ostracismo, o desterro, o fU/ibillcllto

e a publicidade com o objetivo da exemplaridadc.Não se justifica a explicação social do fenômeno da coca, já

que a própria informação destina-se a separar o ato dos rc:"'/:\!lt t.:s comportament os sociais, com a finalidade de prevenir sua mult ipliGH,:üo.O primeiro é insólito, insensato, misterioso e fantasmagórico; os sc-

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PREFÁCIO

gundos são explicáveis, abrigam uma trajetória racional e são suscetíveis a um chamamento à responsabilidade social.

A inquisição origina-se, como ocorreu em todos os tempos, dos

centros do poder. ] á nã o se materializa em bulas pontifícias repeti

das na homilia dominical; agora os decretos de excomunhão brotamdas agências de notícias do Norte e agigantam seu eco através dasondas dos modernos meios de comunicação de massa. E, como na

é p ~ c a da ~ e m . í v e l Inquisição, um a extensa rede transna cional de agentes InvestIga 1l1cessantemente milhares de vidas para levar acusados

à fogueira dos tribunais de Miami, Los Angeles e Nova Iorque.

Rosa del Olmo teve a coragem cívica e a vocação científica nestecaso com dimensões latino-americanas, de levantar a voz dos ~ r i m i nólogos contraa esmagadoraconjura mítica que impede que se cap

tem as raízes e os significados da indústriada cocaína. Sua iniciativa possui, também, dimensões latino-americanas nu m duplo sentido: r e s s ~ l t a os significados específicos e as dimensões particulares

dos quaIs se reveste o fenômeno nos países ao Sul do Rio Grande'recolhe tacitamente um sem-número de vozes anônimas ou não q u ~ demandam um tratamento mais soberano ou menos dependente para

este níl Latina.

subestimamos o valor, ne m as contribuições da obra da

destacada criminólogavenezuelana quando observamos que ela não

só. Sua tentativa de formalização do complexo fenômeno da cocaína é expressão c!entí!'ica de forças sociais muito diversas e dispersas. A ~ e u . l a d o e s t ~ o m I l h a r ~ s , t a l v e ~ milhões, ~ e colonos e campo

neses, mdlOs ou nao dos paIses andmos, que veem desconcertados

c o ~ o são privados de um cultivo tradicional convertido, pela pri

meIra~ e z e ~

sual o ~ g a

existência, em manancial de recursos parauI?a VIda dIgna e ate em fonte acumulação. Cerram também fileIras com_Rosa deI Olmo os incontáveis desempregados que buscam soluça0 para o problema da sobrevivência na audaz aventura

do proce.ss.amento e no mercado da coca. Timoratos e hipócritas, governos CIVIS e forças armadas da região seguem ruborizados e dissimuladamente os desenlaces do debate público aberto po r investigadores do q u ~ l a t e d ~ criminóloga. Banqueiros, financistas e magna

tas oportumstas, vmculados direta ou indiretamente ao negócio da

coca, analisam em reuniões de diretoria e sociais o grau maior ou

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JPREFÁCIO

menor de legalidade ou ilegalidade do negócio. Movimell[os de libertação nacional e movimentos revolucionários se pergUlll <1111 q tlalo possível uso instrumental da indústriae quais suas provúveís con

seqüências sobre a ética revolucionária. Mercenários da cont ra-

revolução se escondem atrás das sombras da interdição do lIarco( ,ú fico. O mapa científico do negócio, em toda a sua multidilllcllsionalidade social, econômica e política, serve a todos, sem cxccç,"\O, pa laesclarecer suas posições, sua força relativ a e sua capacidade de negociação, de recuo ou de luta. De modo que todos praticam, COIll

menor rigor científico e a partir da própria unilateralidacle de seusinteresses, o exercício liberador que Rosa deI Olmo coloca em prú( i-

ca.A autora está po r isso mesmo acompanhada, de maneira mui

to especial, pelos colegas de profissão latino-americanos. Co m exceção de uns poucos advogados que obtiveram gordos benefícios pessoais com a defesa dos grandes narcotraficantes, ou daqueles qu e

se alistaram nas fileiras burocráticas das redes de informação, deperseguição e de sanção da indústria da cocaína, juristas e criminó

logos se viram envolvidos, de maneira confusa e involuntária, nu-ma briga que lhes é estranha e que 05 de todos os

Os juristas de nossos países se diariamen te entre a ma-nutenção dos princípios soberania nacionale das garantias de cidadania consagradas pela Constituição, de um lado, e, de outro, aobservânc ia e aplicação de tratados internacion ais celebrados apressadamente e de leis internas expedidas na contramão de nossas tra

dições jurídicas com o objetivo único de castigar exemplarmente umpunhado de cidadãos.

Garantidores que eramda confiançapública, por seu papel debastião dos preceitos liberais em um meio capitalista espreitado pelo autoritarismo, a arbitrariedade e a violência estatais, nossos juí

zes e professores de Direito se viram expostos aos prós e contras de

posições que parecem pertencer a um labirinto sem saída digna. Ou

enfrentam a nódoa moralde uma posição juridicamente conseqüentedo ponto de vista legal e constitucional, ou violam suas crenças tra

dicionais e se tornam vulneráveis às represálias dos mais negros interesses do negócio da coca. Co m a advertência de que as posiçõesecléticas entre estes dois extremos, ou as outras combinações possí-

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di

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I rditacc

14

PREFÁCIO

veis entre a interpretação legal e a sanção social, nã o os exime da cen

sura oficial ne m os exclui da lista de reféns propícios neste mundoconturbado.

Diante disso, juristas e pesquisadores sociais haverão de receber também com beneplácito o esforço de Rosa deI Olmo para montarcoerentemente as peças do intrincado quebra-cabeças do negócio dacoca. Suas posições serão mais bem compreendidas por seus compatriotas e seus sentimentos de culpa, se os tiver, diminuirão à luzdo esclarecimento das determinações sociais do torvelinho que asenvolve.

Além das invisíveis forças sociais que lhes servem de companheiros de viagem e sopram suas velas de maneira tácita ou expressa, Rosa deI Olmo conta com o arsenal necessário para seguir em fren

te na difícil tarefa a que se propõe.A primeira de suas armas é sua própria trajetória de investiga

ção neste campo, trajetória que remonta há mais de dez anos. Depois de publicar La Sociopolítica de las Drogas (A Política Social dasDrogas) , em 1975, perseverou no tema e ehegou a acumular, nos últimos anOfi, volumosa informação qu e serve de sustento à presenteobra e aos artigos que rccentclnente sobre oSabemos que ainda falta processar e digerir devidamente muito dainformação reunida po r Rosa de} Olmo na última década. De mo do que a sua é um a carreira de amplo alento que a levará seguramentea refinar e consolidar algumas das teses aqui elaboradas. No momento, é necessário fazer um chamado aos centros de pesquisa e aos cientistas sociais latino-americanos para que juntem suas forças às damuito dedicada e prestigiosa colega venezuelana e, apoiando-nos to dos em seu colossal esforço pioneiro, produzamos coletivamente umcorpo teórico qu e corresponda às especificidades do fenômeno dadroga na América Latina e no Caribe, e reflita co m rigor os pontosde vista que, sobre ele, se expressam de maneira vulgar nas ruas denossos países.

A autora reúne também um vasto instrumental interdisciplinarindispensável para imprimir à sua obra a perspectiva totaliza nte necessária para plasmar a emaranhada rede de significados sociais dofenômeno da cocaína. A sua não pode ser um a visão exclusivamente jurídica do problema, apesar de o ingrediente jurídico fazer parte

16

PREFÁCIO

essencial da mitologia qu e Rosa deI Olmo tenta romper. Ao ~ 1 I 1 1 1 1 1 ciar esta obra ao leitor é inevitável fazermos alusão a toda a I rajel Ú

ria traçada por Rosa deI Olmo no que diz respeito aotralalllell(lll'il'll

tífico da questão da droga.A criminóloga venezuelana recorreu a ferramentas prL'llollli

nantemente econômicas para chegar à sua perspectiva toUllizallk_

.!\tias seu objeto não é a economia da droga, nem seu tratall1cllln dotema separa irreconciliavelmente as disciplinas do direito e da economia ou os planos ideológico e político. Quando Rosa dd Olmoinvoca as crises e as fases de acumulação do capitalismo, o faz paramostrar a íntima conexão existente entre discurso, normatividadc cmodalidade de acumulação, tudo integrado em função da geraçãoe transferência de um excedente.

Mediante observações empíricas, Rosa deI Olmo estabelece asdistintas etapas do discurso da maconha e da cocaína, seu tratamento

normativo e criminológico. A terminologia, os elementos constitutivos do discurso, sua construção, seus significados. A periodizaçãoque a autora faz do discurso e da criminalidade constitui valiosa eoriginal contribuição ao exame destas indústrias, se bem que será

Suapor um canünho aparentemente que é, na rCíl-

lidade, um a sucessão de rupturas com velhos significados e de início de novos.

Como regra, a autora se pergunta quais as determinações econômicas, sociais e políticas do discurso e do tratamento normativoe criminológico da maconha e da cocaína. Encontra tais determi

nações no processo de acumulação, mais precisamenteno papel quecabe às indústrias da maconha e da cocaína dentro deste processo.De modo que a autora propõe um esquema teórico de mútua deter

minacão: discurso e normatividade são determinados pelo processo de 'acumulação; mas, po r sua vez, são parte constitutiva deste.

O tratamento da maconha e da cocaína como mercadorias sujeitas às leis gerais de produção e de circulação mercantis e às normas de acumulação sob o capitalismo serviu para Rosa dei Olmo deexpediente teórico para alcançar um duplo propósito:

- O propósito de transcender os enfoques novelescos e moralistas predominantes nas apresentações norte-americanas do fenô-

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PREFÁCIO

meno e destinados a servir preferencialmente às necessidad es de estigmatização. Aos apetites de consumo fantasioso e aos juízos ma

niqueístas do governo e do público norte-americanos co m relaçãoaos países menos desenvolvidos.- O propósito de inserir as indústrias da cocaína e da maco

nh a nas modalidades de acumulação preponderantes em cada momento do capitalismo, principalmente do capitalismo norteamericano, a partir da década de cinqüenta.

Um a vez tratadas como mercadorias e inseridas no modo deprodução capitalista, maconha e cocaína perdem muito de seu sigilo e de seu mistério. Certamente o cunho de ilegalidade que as envolve lhes dá características especiais dentro do mundo mercantil:repentina rotação dos locais de produção, fragilidade dos canais dedistribuição, enormes magnitudes de vendas e de movimentos de di

nheiro, elevados índices de lucro, financiamento (pré-avaliação) subreptícia, maiores riscos de quebra devido à pré-ava liação e à pseudoavaliação, reinserção velada nos círculos transnacionais do dinheiro e do capital. Mas não por serem focos privilegiados da acumulação transnacional de capital deixam de pertencer ao âmbito das mercadorias e do c a p i t a l i ~ i m o , seu comportamento e suas modalidadesperiódicas. Assim, Rosa deI Olmo nos mostra que diversas merca··dorias desempenharam historicamente esse mesmo papel, sempreligadas de um a maneira ou de outra aos pólos mais avançados docapitalismo, o que sugere hipóteses sobre a função da criminalização e penalização de certas mercador ias a serviço da solução das crisesperiódicas de acumulação do capital. Essas as hipóteses que a auto

ra formula, vinculando um a periodização das crises de acumulaçãoà sua própria periodização do discurso e da penalização da cocaínae da maconha.

As hipóteses construídas po r Rosa deI Olmo para traçar pontes entre crises e modalidades de acumulação, incluídas nestas últimas a divisão internacional do trabalho e as relações de dominaçãoe dependência centro-periferia, de um lado, e, de outro lado, as modalidades de tratamento da maconha e cocaína, haverão de ser discutidas e revistas extensamente pelos pesquisadores da A.mérica Latina e do restante do Mundo. São, obviamente, grandes hipóteses,pertencentes ao nível mais geral e mais difícil das ciências sociais.

18

PREFÁCIO

Mas todos reconheceremos em uníssono que a autora colocou a primeira pedra e forçosamente nos referiremos a seu marco de análise

e nos apoiaremos repetidamente nele.Muitos são os pontos que faltam desabrochar. Gig antesca tarefa que chama, repetimos, a um trabalho coletivo combinado demaneira expressa ou tácita. Entre tais pontos sublinhamos os seguintes:

Conviria ampliar a documentação sobre os processos e as estratégias de abertura e controle dos mercados de mercado rias ilegais,como a maconha e a cocaína, a fim de ' ~ s t a b e l e c e r paralelos co m asestratégias usadas atualmente pelas multinacionais com relação amercadorias de produção e tráfico legais. No fundo da questão, tratase de saber qual é a natureza econômica da mercadoria ilegal. É simplesmente um bem inferior tornado artificialmente um bem escas

so? Qual é, em conseqüência, o comportamento de sua demanda?Como variam os comportamentos de oferta e demanda com as mudanças no tratamento criminal destes bens?

É também necessário precisar ainda mais as relações entre acumulação nacional e acumulação em escala mundial no qne diz resPeito às mercadorias tachadas de ilegais. Apareceram, novamente,as questôes de economia fechada-economia aberta, das relaçõescentro-periferia e, em geral, do lugar da Nação dentro do capitalis-mo.

Devemos po r isso mesmo aprofundar as relações de acumulação baseada em mercadorias ilegais com dois momentos do capitalque, não por coincidência, nos último s anos, devem confundir-se teo

ricamente. Referimo-nos, de um lado, às etapas recorrentes de ciclosperiódicos de auge e recesso do capitalismo e, de outro, às etapas maisfundamentais de erosão da moeda e da economia nacional hegcmônica no plano mundial, à reorganização da divisão internacional dotrabalho, e à reestruturação fundamental das relações sociais capitalistas que parece anunciar um a nova fase do capitalismo mundial.Para darmos um exemplo do que temos em mente, o primeiro destes momentos chama-nos a elucidar questões como as relações daindústria da cocaína com a inflação e com a estabilidade das moedas nacionais, enquanto o segundo toca em toda a reestruturaçãorequerida atualmente do sistema monetário internacional.

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PREFÁCIO

Bem-vinda, pois, a obra de Rosa deI Olmo, exemplo paradigmático dos temas que deveriam ocupar preferencialmente a atençãodos criminólogos críticos contemporâneos. máxima do

espírito latino-americano que explica po r que um a cientista venezuelana crava seu olhar inquisitivo na vida cotidiana da Bolívia, doPeru e da Colômbia. Modelo tambémde ousadia na ruptura e de coragem na desmitificação; sugestivoesquema de tratamento interdisciplinar e, mais importante até, totalizante, de um dos discursos criminais menos questionados de nossa época.

/

Fernando Rojas H.Bogotá, abril de 1987

NOTASI. Caracas, FACES, Universidade Central da Venezuela.2, Ver, entre outros, "Drugs in Latin America and the World Crisis. lnítial Con-

sidcratiolls", in. H. J. Hirsch et aI. (camp.), HILDE

l C · \ L F ~ i ( A N N , Berlim, Waller de Gmyter, 1986.

20

Recentemente, um jovem perguntou a seu pai, um famoso to xicólogo inglês:

- Papai, o que é um a droga?- Um a droga, meu filho, é um a substância, que injetada em

um cachorro, produz um a pesquisa.Esta resposta é a melhor maneira de ilustrar o que significa na

atualidade a palavra droga. Su a se faz sentir deumaformaou de outra, porque não de que é o negócio _. econôrrdcoe polít ico - mais dos últimos anos. exatarnente pOi"

isso, tem sua face oculta, qu e a em mito l•

Na linguagem científica, pela Organização Mun-dial de Saúde, a palavradroga "toda substânciaque, intro-duzida em um organismo vivo, pode modificar uma ou mais funções deste. É um conceito intencionalmente amplo, pois abarca nã oapenas os medicamentos destinados sobretudo ao tratamento de enfermos, mas também outras substâncias ativas do ponto de vista far:-

macológico"2. Definição repetida numa infinidade de textos de especialistas de diversos países, sem maiores comentários, apesar deestar mal definida, ser imprecisa e excessivamente geraL

Na linguagem cotidiana, trata-se de "toda substância capaz dealterar as condições psíquic as, e vezes físicas, do ser humano, doqual portanto pode-se esperar qualquer coisa".

Sua grande popularidade gerou um excesso de informações muitas vezes distorcidas , que levaram a um a lamentável confusão, comsuas respectivas conseqüências. Basta rever a proliferaç ão, nos últimos anos, de livros, artigos e entrevistas sobre a droga, cheios de pre-

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ROSA DEL OLMO

conceitos morais, dados falsos e sensacionalistas, onde se mistura

a realidade com a fantasia, o que só contribuiu para que a droga fosseassimilada à literatura fantástica, para que a droga se associasse ao

desconhecido e proibido, e, em particular, ao temido. Isto é, à difu

são e concretização posterior do terror. Converte-se desta maneira

na "responsável" po r todos os males qu e afligem o mundo contem

porâneo porque a própria palavra está funcionando como estereótipo, mais do que como conceito; c9mo crença, mais do que como

descoberta científica pesquisada. E o bode e x p i a ~ ó r i o por exce!ên-

da .

Trata-se, pois, d e um a palavra sem definição, imprecisa e de um a

excessiva generalização, porque em su a caracterização nã o se con

seguiu diferenciar os fatos das opiniões nem dos sentimentos. Criam

se diversos discursos contraditórios que contribuem para distorcer

e ocultar a realidade social da "droga", mas que se apresentam como modelos explicativos universais.Será que "h á um a necessidade de manter o fenômeno em um

estado de ignorância porque o discurso social precisamanter na som

br a a realidade do da para poder trabalhar em ci··tão sugestivamente o psi-

será a perfeita se induzir ao

consumo para qu e prossiga o grande negócio?Algo sim parece estar claro: a palavra droga nã o pode ser defi

nida corretamente porque é utilizada de mancira genérica para incluir toda uma série de substâncias muito distintas.entre si, inclusive em "sua capacidade de alterar as condições psíquicas e/ou físi

cas", que têm em comum exclusivamente o fato de haveram sido proibidas. Po r outro lado, a confusão aumenta quando se compara um a

série de substâncias permitidas, com igual capacidade de alterar essas condições psíquicas e/ou físicas, mas que nã o se incluem na definição de droga po r razões alheias à su a capacidade de alterar essascondições, como po r exemplo o caso do álcoo14

O importante, portanto, nã o parece ser nem a substância ne m

su a definição, e muito menos sua capacidade ou não de alterar de

algum modo o ser humano, mas muito mais o discurso que se cons

trói em torno dela. Daí o fato de se falar da droga, e nã o das drogas.Ao agrupá-las em uma única categoria, pode-se confundir e sepa-

22

A FACE OCULTA DA DROGA

rar em proibidas ou permitidas quando conveniente. Isto permite tam

bém incluir no mesmo discurso não apenas as características das substâncias, mas também as do ator consumidor ou traficante -, ndivíduo que se converterá, no discurso, na expressão concreta e tan

gível do terror. Algumas vezes será a vítima e outras, o algoz. Tudo

depende de quem fale. Para o médico, será "o doente", ao qual deve-semínistrarum tratamento para reabilitá-lo; o juiz verá nele o "per

verso" que se deve castigar como dejeto. Mas sempre será útil para

a manifestação do discurso que se permita estabelecer a polaridade/entre o bem e o ma! entre Caim e Abel - que o sistema social necessita para criar consenso em torno dos valores e normas qu e são

funcionais para sua conservação. Po r su a vez, desenvolvem-se no

vas formas de controle social, que ocultam outros problemas muito

mais profundos e preocupantes.

Opsiquiatra

francêsCLAUDE OLIEVENSTEIN

sepergunta, com

razão: "Por que falamos tanto dela (a droga), quando enormes pro

blemas de injustiça e de morte muito mais importantes invadem omundo?"5

Os meios de comunicação, que o britânico JOCI<

YOUNG chama de guardiães do consenso", são os indica

dos para difundir o terror, já que, como o mesmo autor, "têm

a possibilidade de hierarquizar os problemas sociais, de dramatizá

los repentinamente, e de criar o pânico moral sobre determinado tipo de conduta de um a maneira surpreendentemente sistemática . ;'6Assim se demoniza o problema, ocultando su a verdadeira essência.

São vários os discursos construídos em torno da droga que per

mitiram, por sua vez, a criação de estereótipos a melhor expressão do controle social informal- , tão necessários para legitimar ocontrole social formal, cuja expressão máxima no caso das drogas

é a normativa jurídica. O advogado penal espanhol CARLOS GONZÁLEZ ZORRILLA nos fala de tipos: o médico, o cultural e o mo-

raI. Estereótipos que servem como fator ele coesão, de consenso em

torno da figura de Abel e contra a ele CaímoO discurso médico (produto da difusão do modelo médico

sanitário), ao considerar o drogado um "doente" e a droga um "vírus", uma "epidemia" ou um a "praga", serve para criar o estereótipo médico (do qual nos fala GONZÁLEZ ZORRILLA), mais especifi-

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ROSA DEL OLMO

camente O estereótipo da dependência. O problema se centra concretamente na saúde pública.

O discurso dos meios de comunicação, ao apresentar o consumidor como "o que se opõe ao consenso" - chamando-o além disso de "drogado" - voluntária ou involuntariamente, dependente seé rico ou pobre (leia-se estudan te ou desempregado) mas sempre "jo

vem", serve para criar o estereótipo cultural; e, ao qualificá-lo de "viciado" e "ocioso" (segundo o caso), e a droga como "prazer proibido", "veneno da alma" ou "flagelo", difunde o estereótipo moral mencionado por GONZÁLEZ ZORRILLA, mas que tem sua origem não

apenas no discurso dos meios de comunicação, mas também no discurso jurídico (produto da difusão do modelo éttco-jurldico). Tudoprovocando um distanciamento cada vez maior entre drogas proibidas e drogas permitidas, mas sobretudo entre os que consomem

umas e outras.Os três estereótipos assinalados por GONZÁLEZ ZORRILLA 7

dirigem-se fundamentalmente ao consumidor. Eles se reforçam semdúvida com o discurso jurldico, ô qual designa todas as drogas

em e como quem

as conso.mc c as como , minimizando suas im-di Ao mesmo tempo, legitima a diferença "entre

o bem e o mal" ao ilegal apenas a conduta que tenha a vercom a droga definida po r esse mesmo discurso como ilegal, "não

po r suas qualidades farmacológicas, mas porque se percebe como

ameaça sócio-ética, apesar de no fundo a razão real de sua ilegalidade ser econômica"8.

Existe assim um quarto tipo, o estereótipo criminoso, presentedesde que existem legislações sobre drogas; mas que na atualidade

se converteu em estereótipo poWico-criminoso, ao recorrer ao discurso polltico para legitimar-secomo discurso jurídico (produto da '

difusão do modelo geopolltico). A droga é vista como "inimiga", eo trafi cant e - central de interesse deste discurso- como "invasor", "conquistador", ou mais especificamente como "narcoter

rorista" e "narcoguerrilheiro", apesar de o traficante poder muito

bem ser não um indivíduo, mas um país.Este discurso polzíico-jurídico, mais conhecido como geopolí

tico, tão difundido na atual década de oitenta no Continente ameri-

24

A fACE OCULTA DA DROGA

cano, concorda com a incorporação dos postulados da Doutrina da

Segurança Nacional da qual nos fala EMILIOGARCÍA MÉNDEZ, criminólogo argentino. Neste caso, "a tendência à eliminação da fron

teira que separa a guerra contra a subversão daquela contra a criminalidade comum"9, observa-se concretamente no discurso da droga e seu controle. Isto é, "como elemento teórico legitimador assimcomo metodologia de ação" !O, citando de novo GARCÍA M.ÉNDEZ.

Colocar o "problema da droga" através destes diversos discursossó contribuiu para reforçar a confusão reinante e para ignorar suasreais dimensões psicológicas e sociais, assim como políticas e econômicas. Os estereótipos servem para organizar e dar sentido ao discurso em termos dos interesses das ideologias dominantes; por isso,no caso das drogas se oculta o político e econômico, dissolvendo-ono psiquiátrico e individual.

E mais: como bem assinala o psiquiatra norte-americano

LESTER GRINSPOON, "ao criar pânico, o resultado é que os jovensjá não nos levam a sério .. quando os organism os oficiais pretendemafirmar que todas as drogas (por suposição soment e as ilegais) sãoigualmente perigosas, os jovens preferem experimentar por si mesmos com que II

As afirmações e pouco cautelosas emitidas por fun-cionários com aparente critério de autoridade, mas ao mesmo tempo com grandes preconceitos morais, podem transformar-se em estímulo ao consumo, ampliando a possibilidade de escolha entre substâncias de diferentes tipos e preços, tal como estabelece qualquer mercado, ignorando seus diferentes graus de dependência (razão central

de sua regulação), já que o fim máximo é o lucro.Por outro lado, só informar e não educar sobre cada substân

cia em separado traz como conseqüência seu consumo imprudente

e talvez, como assinala o toxicólogo JEF-LoUIS BONNARDEAUX, seja esse "o principal fator dos danos que essas substâncias ocasionam ..não é a droga em si o realmente prejudicial, mas muito mais a forma como é feito seu consumo" 12. Isto é, o importante é sua ideologia, nas palavras do psiquiatra italiano GIOVANNI JERVIS, que afirma: "Cada droga tem sua ideologia .. (por exemplo) não há dúvida

de que o uso eonstante de cannabis e de substâncias psicodélicas favorece uma ideologia contemplativa e abúlica . :'J3.

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ROSA DEL OLM.O

Seria conveniente estabelecer nos mesmos termos que ideolo

gia os discursos atuais e seus correspondentes estereótipos favorecem. Todos parecem favorecer a ignorância e a confusão para silen

ciar a contraditória história de cada droga e dos "condicionantes estruturais e político-econômicos que produzem essa conduta, assim

como a do que reage a essa conduta"14.O criminólogo alemão SEBASTIAN SCHEERER nos demonstra,

po r exemplo, em seu interessante trabalho sobre a história do ópio

nos Estados Unidos, como seus distintos modos de consumo - fumálo, comê-lo ou injetá-lo - foram objeto de uma"criminalização di-ferenciada (leia-se proibição) .. "O tipo menos perigoso de consu

mo em termos de saúde, isto é, fumá-lo, foi rapidamente sujeito àcriminalização, enquanto o mais perigoso (injetar-se heroína) foi oúltimo a ser definido publicamente corno problema social" 15. A ex

plicação é muito clara neste caso: era preciso deslocar a mão-de-obra

chinesa - únicos fumadores na época quando se tornou ameaçadora sua competição no mercado de trabalho. Assim observamos

como para sua criminalização predominou o interesse econômico

sobre o médico.A cem e corno se tenta

um mesmo discurso universal, e a-histórico sobre "o

problema da droga", corno se a situação cada país e de cada dro-

ga fossem semelhantes. E mais, corno se os condicionantes estrutu

rais dentro de um mesmo país fossem estáticos e nada tivessem a ver

com o terna.As palavras recentes de um representante da Administração para

o cumprimen to da iei sobre drogasdo

Departamento deJustiça dos

Estados Unidos (DEA) ante a VIIConferência de Estados Partes do

Acordo Sul-Americano sobre Estupefacientes e Psicotrópicos, rea

lizada em Santiago do Chile em novembro de 1985, demonstram com

eloqüência o que dissemos:"O que ocorre nos Estados Unidos imediatamente ocorre no

resto do mundo, primeiro na Europa e em seguida nos outros países. Mas isso não porque os habitantes dos outros países estejam imi

tando os dos Estados Unidos simplesmente, mas porque todo mun-

do se tornou uma cultura única (sic). É apenas devido à tecnologia

e riqueza dos, Estados Unidos. que tais coisas ocorrem ali primeiro.

26

A FACE OCULTA DA DROGA

Ocorre o mesmo no caso do problema das drogas .. A luta contra otráfico de drogas se tornou um a guerra mundial. Como resultado,as experiências dos Estados Unidos se tornaram mais importantes

para os outros países corno lições para o futuro" 16. . . -

A partir da 11 Guerra Mundial, foram os orgamsmos mterna

cionais, particularmente a Organização Mundial de Saúde (OMS) e

a Organização das Nações' Unidas (ONU), que contribuíram para universalizar os diversos modelos - com seus respectivos discursos sobre

as drogas proibidas e suas características. A primeira organização,

po r meio de seus informes técnicos elaborados por especialistas ~ a medicina e da farmacologia fundamentalmente; e a segunda, nao

apenas através de suas comissões de E s p e ~ i a l i s t a s (muitos p r o v e n i ~ n tes das ciências médicas, mas com urna Importante presença de JU-

ristas), mas sobretudo com a promulgação de seus divers?s convênios e protocolos e com a criação de urna série de orgamsmos ~ n carregados de sua aplicação. Um exemplo recente é a Convenção U n ~ ca sobre Estupefacientes de 1961 e o Protocolo de 1972 que a modl- .fica, assim corno o Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971.

A primeira organização internacionaliza o discurso médico e a se-o lcrnbrar sem dúvida que

se desenvolvem apenas no século tendo sido os Estados. . 17

seu promotor fundamental no camp? m t ~ r n ! l c l O n a .'Apesar da inegável influência da leglslaçao mterr:aclOnal nas

legislações dos diferentes países que po r sua vez determmam a fron

teira entre o proibido e o permitido em matéria de drogas, observamse importantes diferenças nos últimos anos na forma de abordar o

tema entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos'- e ~ outras ~ a lavras, entre o centro e a periferia do capitalismo mundIaI-, aSSImcorno dentro de cada país e segundo cada droga, que responde a con-

dicionantes sócio-políticos e e conômi co s . . .Sua análise, limitada em nosso caso ao Contmente amencano,

permitirá nos aproximarmos daface oculta da droga.

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ROSA DEL OLMO

NOTAS

I. Cfr. neste sentido a interessante discussão sobre o poder do mito em ALBINIJ. L. e BAYON B. J., "Witchies, Mafia, Mental Illness and Social Reality. A

Study in the Power of Mithical Belief", in lnternationalJournalofCriminol-ogy and Penology, 1978, 6.

2. J. F. KRAMER C D. C. CAMERON, Manual sobre dependencia de las drogas,OMS, Genebra, 1975, pág. 13.

3. HUGO FREDA, "Seminario para una Clínica de Drogadictos", Ateneo de Ca racas, 12-16 de junho de 1986.

4. O psiquiatra norte-americano LESTER GRINSPOON comentou em um a entrevista o seguinte: "O s médicos se uniram às. forças da lei para decretar a separação entre a medicina e o prazer. Hoje definimos um meio de consumir dro

gas como terapia e outro como delito", High Times (The Best ofHigh TimesvaI. II, 1977/78, pág. 99). '

5. CLAUDE OUEVENSTEIN, La toxic%gia, Madri, Ed. Fundamentos, 1975, pág.9.

6. JOCK YOUNG, "Mass media, Drugs and Deviance", in PAUL ROCK e MARY

MC/NTOSH, DevianceandSocial Control, Tavistock, Londres, 1974, pág. 243.

7. CARLOS GONZÁLEZ ZORRILLA, Drogas y cues tión criminal, in ROBERTO BER-GALU, JUAN BASTOS RAMÍREZ e outros, EI pensarniento criminológico lI , Bogotá, Ed. Temis, 1933, pág. 200 e segs.

8. Vêr neste sentido a interessante discussão sobre as variáveispara o processo de e descriminalizaçãodo s deconsumo de ópio, in SEBASTlAN SCIlEERER, "The Popularity 01' the Poppy,Sclectivc Politizatiol1 an d Criminalization of Opium Use in XIX CenturyUSA", Grupo Európeo para el Estudío de la Desviación y el Control Social,Barcelona, 9-12 de setembro, 1977.

9. EMIUO GARCIA MÉNDEZ, "L a dimenzione politica dell abolizionismo: Unpunto de vista periférico", in Dei Delitti e delle Penne, 3/85, 562.

10. Ibid, pág. 563.

11. Ver o interessante foro "What is Ou r Drug Problem?", in Harper>s Magazi-ne, dezembro, 1985, 43.

12 . J E F ~ L o U I S BONNARDEAUX, "Les effets des drogu(',s psychotropes", in Impact.Unesco n? 133, vaI. 34, n? 1, 1984, pág. 37.

1 3. GIOVANc.lI JERVIS, "Drogas e Ideología de la Droga" (Entrevista), in El Viejo10po, n? 23, Barcelona, agosto, 1978.

14 . Neste sentido, SEBASTIAN SCHEERER, op. cito

15. Ibid., pág. J7.] 6. Ver informe do do DE A em ASEP. Documento final, Santiago do

Chile, 5-8 de novembro, 1985, págs. 223 e 224 (grifo nosso).17 . Ver neste sentido o detalhado estudo de Jos!:', MARÍA RICO, "Las legislacio

nes sobre drogas: origen, evolución, significado y replanteamiento". XXXV

Curso Internacional de CriminologIa, Quito, agosto, 1984.

28

I. NA DÉCADA CINQÜENTA

Nos anos cinqüenta, a droga não era vista como "problema"porque não tinha a mesma importância econômico-políticada atualidade' nem seu consumo havia atingido proporções tão elevadas.Er a muito mais um universo misterioso, vinculado sobretudo aosopiáceos - morfina ou heroína-, próprio de grupos marginais dasociedade, desde integrantes da aristocracia européia, médicos e intelectuais, músicos dejazz e grupos de elite da América Latina,delinqüentes comuns.

Nos Estados Unidos, os não eram assunto de grandepreocupação nacional, pois estavam muito mais confinados aos gue-

tos urbanos e, em especial vinculados aos negros e/ou portoriquenhos. Por sua vez, a maconha também era própria de gruposmarginais, fundamentalmente emigrant es mexicanos_ Er a chamada de "a erva assassina" (The killer weed)l porque era associada àviolência, agressividade e criminalidade.

Na Inglaterra, começava-se a considerá-la "ameaça social" porque se vinculava à emigração negra das Antilhas e do oeste da Africa, cujos integrantes eram vistos como "depravados sexuais", quebuscavam suas vítimas entre jovenzinhas inglesas2

Nos países da periferia, e concretamente na América Latina,também se associava a droga à violência, à classe baixa e especialmente à delinqüência. Pensar nas drogas era associá-las aos "baixos escalões", Na Colômbia, também, alguns intelectuais como osNada{stas começavam a elaborar um a apologia da maconha, tal comosucederia entre os intelectuais norte-americanos conhecidos como

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ROSA DEL OLMO

Beatniks; mas ambos os grupos eram tão marginais como os demaisvinculados à droga.

Em linhas gerais, nem nos países do centro, nem nos da peri feri a o consumo de drogas ainda causava grande inquietaçã03• Estava bem localizado. Resulta disso que os especialistas norteamericanos, e particularmente os sociólogos, o considerassem prática de "subcultura" (a subcultura do "retraimento" da qual nos fala R. MERIDN em seu célebre Paradigma de la conducta desviada (Paradigma da conduta desviada)4, que poderia coexistir com características próprias e independentes, com a sociedade ~ m geraL

Por outro lado, começava-se a escutar a voz dos especialistasinternacionais através da Organização Mundial de Saúde e da Organização das Nações Unidas e suas respectivas Comissões que emitiam suas primeiras observações e medidas de controle em termosfarmacológicos, médicos e jurídicos, para qualificar a droga como

problema de saúde pública. Eram as primeiras tentativas de difundir internacionalmente os modelos ético-jurídico e médico-sanitáriopara enfrentá-la.

O consumo de drogas era considerado "patologia" ou "vício",o caso e o tipo de e o consumidor "vulnerável" aos

contatos delinqüentes; po r isso eram muito escassas, nessa época,as advertências educativas. Havia o temor de que as drogas se tornassem atraentes. Difundia-se seu discurso em termos de "perversão moral" e os consumidores eram considerados "degenerados" ou"criminosos viciados dados a orgias sexuais" porque predominavaa associação droga-sexo. Seu controle se limitava à proibição e seutratamento a penas severas nos famosos hospitais-prisão. Nos Es

tados Unidos, por exemplo, devido à aprovação em 1956 do BoggsDaniel Narcotic ContraIAc t (Lei de Controle de Narcóticos Boaas

Daniel), que aumentou consideravelmente as condenações à p r i ~ ã o , abordava-se o problema com um critério religioso e a poss ibilidadede arrependimento porque era "por culpa própria" que se incorrianesta prática.

Predominava o discurso ético-jurldico e portanto o estereótipo moral, que considerava a droga fundamentalmente sinônimo depericulosidade5

, apesar de começar a se impor o modelo médicosanitário com as opiniões dos especialistas internacionais .

30

NA DÉCADA DE CINQÜENTA

O problema principal desde o pós-guerra era a superproduçãodo ópio e sua conversão em morfina e heroína nos laboratórios europeus, negócio controlado pela Máfia, as grande s famHias do crime organizado, então fundamentalmente de origem italiana. Nestesentido, cabe lembrar a famosa reunião, em 1957, destas famíl ias nosApalaches, no Estado de Nova Iorque, qualificada pelas autoridades norte-americanas de "conspiração". Nessa reunião planejou-seo ingresso de centenas de quilos de heroína a partir da Europa, viaHavana, cidade que se convertera na capital do crime organizado naAmérica Latina6 • Nele então se falava da conexão MarselhaHavana-Nova Iorque, assim como da conexão Medellin-HavanaNova Iorque, entre outras.

Como predominava o estereótipo moral, relacionavam-se todos os negócios da máfia em termos de "vício e contatos crimino

sos", pelo qual droga-prostituição-jogo se uniam, ao ponto de se afir

mar que onde existia um, teria de haver os demais, reforçando-se entresi o discurso da época.

A década de cinqüenta termina com um a grande batida contr a o crime organizado, quando em 1959 são condenados à prisão

de 20 qu e haviam assistido à farnosa reuniãoApalaches. Um deles, Joscph Valachj7, seria o primeiro a de nunciartodos os escalões da organização, "a subcultura da maldade", cornoa chamaram na época, m as que Valachi designou como La Cosa Nostra. Em Havana, po r sua vez, surgia a Revolução Cubana, que desbaratou a conexão. Aparentemente estava-se desmantelando o negócio, mas não foi assim: mudaram os lugares e os atores, e portanto o tipo de droga.

NOTAS

1. JEROME L. HIMMELSTEIN, "From KiIler Weed to Dro p-Out Drug: theing Ideology of Marihuana", in Contemporary Crises, 6, 1983.

2. PETER LAURIE, em seu livro Las drogas (Madri, Alianza Editorial, 1970), fazuma análise detalhada da lite ratur a inglesa neste sentido. Ver págs. 108-11L

3. De qualquer modo é importante lembrar aqui a situação dos anos trinta, quese caracteriza pela promulgação de leis, regula mentos e decretos para contro-

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ROSA DE L OLMO

lar as drogas. Sua análise e razões serão objeto de um trabalho posterior, jáque escapa do alcance deste ensaio. Reeorde-se porém nos EUA o Manhu-

ana Táx Act (Ato de Imposto sobre a Maconha) de 1937; a L<;1.de FIscalIza-

ção de Estupefacien tesde 1938, no Brasil, que substitUI uma sene de decretosanteriores; a Ley de Estupefactivos de 1934 da Venezuela; o D ~ c : e t o l .3'?daColômbia, assim como a Ley 18 de 1933; e a Ley 95 que modifica o CodlgoPenal neste sentido. ,,' dRecorde-se, po r exemplo, a repetição do termo "subcultura na lJte:atura a

4. época e concretamente na obra de RICHARDA. CLOWARD e LLOYD E. OHLlN,

Delinquency and Oportunity, The Free P r ~ s : " Glencoe, 1960.- Na mesma época também se legisla na A ~ n e f 1 c a Lat!r:a nos mes;nos termos,) . O E'quador po r exemplo sanciona um a lei sobre o trafico de m a t e n a s - p n m a ~ ,

" 'I 19-4 IgaoCo-drogas e preparados narcóticos em 1957; o Brasl , ,em ), p:omudigo Nacional de Saúde e vários decretos nessa decada relaCIOnados com,?protocolo da ON U de 1953; o Panamá sanciona em 1954 su.a Ley 23 s ~ b r . e , ,a

'mporta ~ ã o manejo e uso das drogas enervantes, e s t u p e f a c l e n ~ e ~ ou narcotl~ o s e p r o ~ u t ~ s de patentes que as contenham"; a R ~ p ú b l i c a DomlI1lcana aprova

em 1956 seu Regulamento 8.064 sobre e s t u I ? e f a ~ l . e n t e s . . . '

O roblema em Cuba era velho. Nesse sentido e mteressante l.emblar o livro6. d e ~ o S É SOBRADO LÓPEZ, El vicio de la droga en Cuba, pubhcado e ~ n 1941.

Ao mesmo tempo sua obra posterior 20 p r o c e ~ o s c é l e ~ r e s de/os VIC/O.sos,en

?prescntada como "Radionovela dramatlca de mten:,l) romance pdS~ n v o l v i d o lla voragem da droga, com sangrenlo e ap.rescnta-

do à maneira de Cruzada contra o vício; de argumento cheIO de eu-

~ i n a r n e n t o s sobre o Narcomanislllo l'·jacional" (sic).Para maiores detalhes pode-se consultar o famoso livro de PETER MAAS, The

7. Valachi Papers, publicado inicialmente em 1?68 por Putnam, N?va Iorqu:,mas com sucessivas edições posteriores da edltora Bantam, tambem de Nova

Iorque.

32

NA DÉCADA DE SESSENTA

Os anos sessenta bem poderiam ser classificados de o períododecisivo de difusão do modelo médico-sanitário e de consideraçãoda droga como sinônimo de dependência. Desde que em 1961 as Nações Unidas apresentaram sua Convenção Única sobre Estupefacien-tesna cidade de Nova Iorque, e em 1962 a Corte Suprema de Justiçados Estados Unidos especificou ratificando o defendido em 1924- que o consumidor não era delinqüente, mas doente, o discursoestava mudando. Ao mesmo 1962, o

convocou uma na Casa o u;,o i

devido e posteriormente cr iou o Comitê Assessor do P!'e .

sidenle sobre Es'fupejacientes e Uso Indevido Drogas.Um a série de acontecimentos, que só se enunciavam, contri

buiu para isso: era o início da década da rebeldia juvenil, da chamada "contracultura", das buscas místicas, dos movimentos de protesto político, das rebeliõesdos negros, dos pacifistas, da Revolução Cu

bana e dos movimentos guerrilheiros na América Latina, da Alian- ,ça para o Progresso e da guerra do Vietnã. Estava-se transtornandoo "American way of life" dos anos anteriores; mas sobretudo era omomento do estouro da droga e também da indústria farmacêuticanos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Surgiam as drogas psicodélicas como o LSD com todas as suas implicações, e em meados da década aumenta violentamente o consumode maconha, já nã o só entre os trabalhadores mexicanos, m2S també m entre os jovens de classe média e alta.

Em 1962 foram confiscados 850 quilos de cannabis na frontei-ra mexicana, e em 1965 várias toneladas. autoridades começa-

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ROSA DEL OLMO

ram a alertar sobre o crescente perigo da droga. Em 1967, po r exemplo, foram confiscadas quantidades incalculáveis de drogas alucinógenas no distrito Height Ashbury da cidade de São Francisco, onde

estavam se concentrando milhares de jovens hippies.Este estouro da droga sem dúvida era considerado inexplicá

vel, não só por sua magnitude, mas porque o consumo já não era próprio dos guetos urbanos nem dos negros, porto-riquenhos ou mexicanos, pobres e/ou delinqüentes, mas também dos iovens brancos

da classe média norte-americana. "A juventude brinca foi toman

do progressivamente consciência da problemática dos direitos das

minorias e eventualmente se integrou às atividades políticas qu e elasdesenvolviam e ao consumo de drogas antes questionados"l,

O problema da droga se apresentava como "uma luta entre obem e o mal", continuando com o estereótipo moral, com o qual adroga adquire perfis de "demônio"; mas sua tipologia se tornaria

mais difusa e aterradora, criando-se o pânico devido aos "vampiros"

que estavam atacando tantos "filhos de bo a família". Os culpados

tinham de estar fora do consenso e ser considerados "corruptores",

da í o fato o discurso jurídico enfatizar na o estereótipo crio escalão teI-

a pequeno distribuidor, seria como o incitador ao con-

surno, o ou revendedor de rua. Este indi viduo geralmente provinha dos guetos, razão pela qual era fácil qualificá-lo

de "delinqüente". O consumidor, em troca, como era de condição

social distinta, seria qualificado de "doente" graças à difusão do estereótipo da dependência, de acordo com o discurso médico que apre- .

sentava o já bem consolidado modelo médico-sanitário.Deste modo, pode-se afirmar que na década de sessenta se ob

serva um duplo discurso sobre a droga, que pode ser chamado de

discurso médico-jurfdico, po r tratar-se de um híbrido dos modelos

predominantes (o modelo médico-sanitário e o modelo ético

jurídico), o qual serviria para estabelecer a ideologia da

diferenciação2, tão necessária para poder distinguir entre consumi

dor e traficante. Quer dizer, entre doente e delinaüente.É po r isso, po r exemplo, que em fevereiro de' 1966 se aprovaria

nos Estados Unidos o NarcoticAddictRehabilítationAc t pelo qual,

po r lei (discursojurldico), se permite ao consumidor optar por um a

34

NA DÉCADA DE SESSENTA

sanção civil, ou seja, escolher entre o tratamento e a reabilitacão ou

a prisão. Isto é, o discurso jurídico reforça o discurso médico, q ~ e po r

sua vez estava adquirindo importância desde 1963, quando, po r lei,

o Instituto Nacional de Saúde Mental lhe destinou um papel fundamental na solução dos problemas sociais do país. Assim se difundi

ri a o estereótipo da dependência para o consumidor, com o qual seinicia a experiência co m diferentes tipos de tratamento ao longo da

década.

Em um primeiro momento as comunidades terapêuticas são

promovidas com um critério clínico-comunitário, e mais adiante com

caráter de seita, com um personagem carismático central que as dirige, como foi o caso po r exemplo de Synanon ou de Daytop com

seu sistema de castigos (Punishment Cure). Posteriormente se desenvolveriam outros métodos de tratamento, como os programas de ma

nutenção com metadona para os viciados em heroína, ou os progra

mas dirigidos para "resgatar o drogado e torná-lo como os demais".O importante seria o tratamento, e não tanto o tipo. Também se in

corporaria a discussão sobre drogas às escolas como tema obriga-

tório de mental, "para educar os inocentes". Todos os proble-masdé, eram atribuídos à quando tra-tava de jovens,

no final da década, se enfatizariam

as campanhas da "lei e da ordem", com planos de reorganização ecriação de novos escritórios governamentais para controlar o pro

blema, como por exemplo o novo Bureau ofNarcotics and Dangerous Drugs dentro do Departamento de Justiça a partir de abril de

1968. Tudo reforçando, ao mesmo tempo, o estereótipo criminoso para

o traficante.

O predomínio do discurso médico-jurfdico permitia explicar miticamente o crescente número de jovens de classe média que, na década de sessenta, rechaça vam sua condição de classe. crescenteenfermidade de nossa terra", como a qualificaria o presidente RichardNixol1.

Em 1965, o "boom" da maconha provenientedo México- então o grande produtor - se faria sentir entre amplos setores da ju

ventude, o qual mudaria a percepção sobre a própria maconha e odiscurso que se construiria em torno dela. Já não podia continuar

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ROSA DEL OLMO

sendo vista como "a erva assassina" (The KiIler Weed) dos anos an

teriores, mas se converteria na "droga do excluído" (The Dropout

Drug)3, e seria relacionada nã o mais co m a violência e a agressivi

d ~ d e , como antes, mas com a passivida de e a falta de motivação; surgIa no discurso a famosa "síndrome amotivacional" como efeito principal de seu consumo, com a qual se quis associá-la.

Era a única forma de poder legitimar - isto é, ideologizar

a nã o participação de tantos jovens no ideal de vida americano (TheAmerican Way ofL ife) tão difundido na década de cinqüenta. Oconsumo de drogas nã o podia ser visto corno um a simples "subcul

tura", a droga e seus protagonistas haviam mudado. Tinha de ser vistocorno um "vírus contagioso". A maconha coletivizava o consumo

ao ser usada em um ato público, compartilhado e comunitário. Devese lembrar, po r exemplo, dos Hippies e do consumo maciço de ma

conha nos festivais de música ao ar livre corno o famoso Festival

Woodstock. Er a a arma por excelência que os jovens haviam encontrado para responder ao desafio da ordem vigente nos países desen

volvidos. Não é estranho então que se começasse a falar da droga,

em de segurança, corno o inimigo interno.com ta l terror, (lue a

rec1aLuava algum tipo ele O presidente j;'-fixonda época: "O abuso de drogas de

nacional". A famosa Operação Intercept de 1969 para

acabar com a droga proveniente do México pode ter tido grande relação com o clima nos Estados Unidos. Ingressavam a partir do Mé

xico toda sorte de tabletes sintéticos, maconha e inclusive os famo

sos cogumelos da época, esses alucinó genosde origem mexicana

as-. 'SIm como o Peyote. Esta operação sem dúvida resultou nu m fracas-so, não só porqlle abriu caminho para a produção de maconha na

J ~ I n a i c a e posteriormente na Colômbia, mas também porque levoumilhares de dependentes dentro dos Estados Unidos a consumirem

outras drogas, em especial a heroína, criando assim a chamada

da flcroína", no final da década c sobretudo no inicio dos anos

setenta.

Na América Latina a situação era diferente, se bem que já co

meçava a se sentir a presença das drogas entre a ju ventude de ma

neira incipiente. Não teve porém nessa década o mesmo significado

36

NA DÉCADA DE SESSENTA

que nos Estados Unidos, nem se vinculou a movimentos de protes

to. Eram os anos das guerrilhas-- da "libertação política" - com

um discurso diferente do da contracultura norte-americana. O on

sumo de drogas tinha muito mais o caráter de uma conduta miméti

ca que se assimilava distorcida para tornar-se coerente dentro deste

contexto. Po r exemplo, os jovens de classe alta de então imitavam

os bandos de rua norte-americanos de classe baixa - os famosos

teddy boys - na forma de se vestir e de agir e portanto também no s

padrões consumo, neste caso drogas, mas fundamentalmente an

fetaminas. Eram conhecidos como patotas em várias cidades da Amé

rica Latina. Nos bairros continuava fundamentalmente associado

ao. s ~ b m u ~ d o , à delinqüência, ao "malandro". Mas a preocupação

ofiCIal da epoca não era com a droga, e sim com a delinqüênciajuvenil (de classe alta e/ou baixa).

E

interessante lembrar porém que no final da década mais especificamente em 1970, é lançada um a campanha a n t i d r ~ g a s com

conteúdo semelhante em vários países da América Latina, propa-

que vinha dos Estados Unidos através suas embaixadas,

como au-

América no processo au-uma do que simbólica - - e que requer urna

em outra A situação nada tinha av ~ r com a dos Estados Unidos nem em sua formá, nem em sua mag

mtude. Alguns governos porém já ratificavam a Convenção Únicasobre Lstupefacientes de 1961 da ONU, com a qual modificavam alegislação introduzindo o discurso médico-jur{dico. A Venezuela, po r

exemplo, modificaria seu Código Penal para aumentar as penas; oBrasil promulgaria o decreta·-lei n? 159 em 1967, em cujo título sefala de "substâncias que produzam dependência. A Colômbia san

cionaria o decreto 1.136 de 1970, pelo qual se dispõe, como medida

d : p ~ o t e ç ã o social, reclusão clínica da pessoa que perturbe a paz

publIca quando se em estado de intoxicação". Na América La-tina no entanto a do consumidor como "doente" teria con-seqüências distintas. Se o que se pretendia nos Estados Unidos com

esta separação entre "delinqüente" e "doente" era aliviar o consu

midor da pena de prisão, nos países periféricos, sem os serviços deassistência para tratamento dos países do centro, o consumidor se

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converteria em inimputável penalmente. Na prática significou queo consumidor era privado de liberdade e da capacidade de escolhaou vontade, e portanto sujeito a um controle muito mais forte. Ou tr a alternativa era, como ocorreu por exemplo com a reforma do art.

367 do Código Penal venezuelano em 1965, a falta de precisão na definição entre posse e consumo, que deu lugar a múltiplas sentençascondenatórias à prisão de possíveis consumidores.

NüTAS

1. Ver para maiores detalhes, JERALD W. CLOYD, Drogas y control de informa-ción, Buenos Aires, Edicíones Tres Tiempos, 1985, pág. 198.

2. Ver FRANCO BASAGLlA e FRANCA BASAGLlA ONGARO, La mayoría margina-da, Barcelona, Editorial Laia, 1973, com um a interessante discussão sobre esteaspecto.

3. JEROME L. HIMMELSTEIN, op. cito

38

,L

NA DÉCADA S E T F ~ N 1 r A

Quando começaram os anos setenta, a heroína passou a ser, nodiscurso, sinônimo de "perturbação social" nos Estados Unidos, porqu e estava fazendo estragos entre ajuventude de classe média. Po risso, os maiores confiscos em toda a su a história até aquele momen-

. to se realizaram entre 1971 e 1973. O problema havia se agravad o com

a guerra do Vietnã, e os ex-combatentes consumiam não apenas maconha, mas também heroína, droga que até então se limitava aos gue-tos urbanos e nã o à juventude branca.

o qualificá-la "omeiro inimigo público nã o econômico", mesmo quando com estas

palavras ignorava a raiz do problema: su a grande produção, com a

cumplicidade dos governos do Sudeste Asiático e sua comercialização po r parte do crime organizado. Só enfatizava o consumo comopreocupação fundamental e assim continuava com o discurso mé-dico e o estereótipo da dependência.

Qualificar a heroína de "inimigo público" permitia iniciar odiscurso polftico para que a droga começasse a ser percebida comoameaça à ordem. Porém, um a análise detalhada da heroína levaria

a contradizer o presidente Nixon, já que esta droga era, na realidade, muito menos ameaçadora para o sistema do que a maconha. Éum a droga profundamente individualista, de consumo solitário quemarginaliza, inibe e, portanto, elimina qualquer tentativa de formação de grupos de protesto. Tem além disto o agravante de seu altocusto, que obriga o consumidor a renunciar a tudo por ela; a optarpo r traficar para poder consegui-la; e incl usive a e star disposto a delatar o amigo para obter dinheiro com o qual adquiri-la.

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Deste modo, "o heroinômano se torna um ser explorado em proveito das gangs internacionais .. l . Mas ao mesmo tempo é um a dasmelhores vias para neutralizar o inimigo interno (aqueles jovens con

sumidores de da década anterior) e uma forma indireta deconservação da ordem. Daí que tenha sido qualificada em múltiplasocasiões como "arma do Estado" e "droga contra-revolucionária".É interessante observar como, ao massificar-se seu consumo, acabaram os movimentos contestatórios nos Estados Unidos, po r exemplo o caso dos "Panteras Negras" e seus dirigentes viciados em heroína.

Poderia assinalar-se no entanto que a heroína deu lugar a umnovo inimigo interno: o aumento da crimin alidadepara manter o vÍcio. Mas foi rapidamente neutralizado com o mesmo estereótipo dadependência: a criação dos programas de manutenção de metadona,

que teriam su a grande expansão entre 1969 e 1973, mas que aindapersistem na atualidade. Seria um a forma indireta de legalizar e controlar o vício da heroína, mas não de curar o vício. Só se substituiriaum a droga por um a droga legal, tão dependente ou mais do

mas com a vantagem de poder

de heroína, e em o con-sumidor ex-veterano Vietnã, serviu para iniciar o discurso polfti-

co da droga. Apesar de alguns especialistas sustentarem qu e a epidemia dos ex-combatentes do Vietnã não tinha a magnitude com quese quis na época), foi a forma mais convincente para

conseguir que a opinião pública apoiasse a necessidade de tratamentoe que todos os se destinassem a difundir o discurso médico.Deste ocultar a rede que manejava o comércio

assinala ALFRED W. McCoy:"Os norte-americanos viciados em heroína se converte m em vÍ

timas da empresa criminosa mais rentável conhecida pelo nc'm!:m~ empresa que implica milhões de camponeses nasÁsia, milhares de funcionários governamentais cOrruptos, sindicatos criminosos disciplinados e agências do governo norte-americano.Os viciados em heroína dos Estados Unidos são o último escalãoum a cadeia de criminosas secretas que começam nas plan-

40 ," ~ '

NA DÉCADA DE SETENTA

tações de ópio da .Ásia, passam através dos laboratórios clandestinos de heroína da Europa e Ásia e entram nos Estados Unidos através de um a rede de rotas internacionais de contrabando"4.

A ênfase no tratamento se explica porque não era convenientenaquele momento da guerra do Vietnã atacar os principais centrosde produção, como por exemplo a tribo dos Meo no Triângulo Dourado do Sudeste Asiático. Seus integrantes, junto com um a série degovernantes da região, eram grandes colaboradores da na guerra,e esta, por sua vez, apoiava o tráfico de ópio por razões desegurança5• Tampouco se podia atacar o crimé organizado, a famosa Máfia, encarregada na época do tráfico de heroína, po r suas vinculaçõescom altos funcionários do governo. Era mais adequa,do responsabilizar pelo problema a China de Ma 06, com o CJue tambémse compraziam os governos inimigos da China no Continente asiá

tico. Já houvera antecedentes neste sentido em meados dos anos cinqüenta na ONU, quando da guerra da Coréia. O representante permanente dos Unidos diante da Comissão de Estupefacien-tes, e diretor por sua vez do Federa! Bureau ofNarcotics desde sua

o senhor ANSLH<iGER, sustentava naera a fonte de ópio, e

nos :Estados Unidos"7.o consumo heroína se elimina, em de segurança ,

o lmrnigo mas começa a surgir no começo dos anos setentaa discussão sobre o inimigo externo, referindo-se particularmente aotráfico. Er a a forma de responsabilizar pelo consumo de drogas no"tvlundo Livre" um país então inimigo; discurso que se difundiria

rapidamente em outros países na mesma época co m grandeintensidades.O alemão HANS-GEORG BEHR o ilustra detida-

mente quando, em seu livro A droga, potência mundial, assinala:''A guerra do Vietnã foi, se não a madrinha, pelo menos a tes

temunha do casamento da heroína com a política .. A teoria quea China estava o mundo livre com a heroína recebeunos círculos do Secreto um nome peculiar, "O Pacto de Pe-quim", que imediatamente foi adotado também pelos jornalistas ..Assim a jornalista cana dense Patr icia Young publicaria seu livro Mer-cadores da Morte em 1973, muito rapidamente esquecido po r falta

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de evidências .. Com isto pode-se eliminar definitivamente o "pacto

pequinês" como um a burla jornalística dos tempos da Guerra Fria

que deve ser arquivada para sempre"9.

O discurso dos primeiros anos da década de setenta, apesar da"falta de evidência" que o autor acima citado assinala, implementa

o estereótipo político-criminoso, embora de maneira difusa, porque

o problem a doméstico se agravava e era preciso fazer algo para acalmar a opinião pública. Por exemplo, em 1970 havia 68 mil 89 4 viciados registrados, enquanto em 1971 a cifra aumentou para 490 mil912 heroinômanos. Evidentementeo consumo se estendia a todo tipo de droga, nã o apenas de origem vegetal (heroína ou maconha),

mas também às drogas sintéticas produzidas pelos grandes labora

tórios. Vários estudos elaboradospelos diferentes comitês do Senado dos Estados Unidos o evidenciam. Por exemplo, em 1973 foi pu

blicado um extenso informe de 1mil 59 4 páginas sobre O abuso dos

barbitúricosem 1971-72 do Subcomitê para Investigar a Delinqüência Juvenil; do mesmo modo, o informe sobre Os barbitúricos nosEstados Unidos, 590 páginas, do Comitê sobre o Bem-Estar PÚblico e

mOElCútos o não se vincula a cs-social e à idade. do consumo dos 10-

vens em termos de e aos programas educativos SOlJ[C

o tema se incorpora o álcool, que vinha sendo estudado po r várioscomitês do Congresso dos Estados Unidos junto com as drogas proibidas desde 1971. Definia-seque todo jovem da classe trabalhadora

qu e consumisse qualquer tipo de droga - proibida ou permitida

eraum

dependente, e portanto devia ser sujeito a tratamento. Nixon,em sua segunda lvlensagem ao Congresso em 197], assinalou o seguinte: "O problema das drogas atingiu dimensões de emergência'

nacional que aflige o corpo e a alma da América".Chegara o momento de tomar uma série de mediçlas internas

que permItIsSem tarde enfrentar o problema em nível interna

cional, e ao mesmo tempo contar com uma normativa jurídica internacional que facilitasse a ação. Neste sentido, a ON U aprovaria

em 1971 o Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas, e em 1972 o Protocolo que modificava a Convenção Única sobre Estupefacientes de

1961, para incluir nas listas desta um a série substâncias que ha -

42

NA DÉCADA DE SETEN"l'A

viam sido excluídas, entre elas as anfetaminas. Nesse momento, ovice-presidente dos Estados Unidos, George Bush depois um do s

principais dirigentes da campanha antidrogas do presidente Reagan_ ,

era representante na ONU dos Estados Unidos e conseguiu qu e104países ratificassem a nova normativa. Curiosamente, porém, apenas em 1980 os Estados Unidos a ratificaram.

As primeiras medidas internas da épocadentro dos Estados Unidos tinham a ver com o discurso jurídico, mediant e a criação de uma

série de leis severas, como por exemplo o Comprehensive DrngAbuse

Pí'evention and Control Act, o Controlled Substances Act, o Racketeer Influenced and Corrupt Organization Statute, ou o Continuing Criminal Enterprise Statute. Ao mesmo tempo, se criaria toda uma

série de escritórios federais até culminar co m o surgimento, em 1973,da Drng Enforcement Agency, posteriormente Drug EnforcementAd -ministration ou DEA, ligada ao Departamento de Justiça, qu e fun

diria vários escritórios federais criados anteriormente para converterse no organismo responsável pela coordenação e implementação da s

funções de informação e investigação relaciona das com a repressãoa ela: consoli-

um unifi-

nesse mesmo de 1973 a Estratégiaderal, onde se deu prioridade à heroína. Um ano antes havia sido lançada a famosa operação contra a amapola na Turquia com o propó

sito de substituir seu cultivo, para a qual foram assignados 35 milhões de dólares. Por sua vez, se programou a Operação Cactus no

México contra a maconha e outras drogas. Este país, ironicamente,serviria de base para aumentar o negócio da heroína em seguida àoperação contra a Turquia.

O Congresso dos Estados Unidos também se preocupava com

o problema. Em 1972, publicou um informe sobre O tráfico mun-

dial de drogas e seu impacto na segurança dos Estados Unidos e enviou uma missão especial de estudos à América Latina em 1973. N aquele momento se falava de uma conexão franco-latino-americana

através Paraguai, e do caso de Auguste J. Ricord, principal responsável pelo envio de heroína aos Estados Unidos, Mais importante

que a heroína, porém, parecia ser, naquela época, a projeção Ínter-

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ROSA mu, OLMO

nacional do problema. Nixon havia criado em 1972 o Cabinet Comm ittee for Interna/ional Narcortic Control (CCINC), para coordenar os esforços dos Estados Unidos no exterior. Do mesmo modo,

ainda em 1972 aprovado o Drug Abuse Office anel TreatmentAct, po r meio do qual se iniciou a centraliz ação e o controle da pro

dução de drogas no exterior._ Como !emos a s s i , n ~ a d o , com Nixon começa a se exportar a apli

caça0 da leI em matena de drogas, isto é, a legitimar o discursojurfdico-polftico e o estereótipo polzíico-criminoso da droga além das

f r , o n ~ e i r a s ~ t o s Esta?os Unidos. O discurso estava se complicando.

J a na o haVIa neceSSIdade de se silenciar s obre o problema do tráfico

como no início da administração, pois a guerra do Vietnã havia terminado. Tampouco se podia silenciar o discurso médico, já que o problema do consum o havia sido um dos pilares fundamentais para separar os estereótipos do consumidor-doente e do traficante

? ~ I ~ n C J . ü e ~ t e . A o p i ~ ~ ã ? pública considerando a droga comoImmIgo ,mas o cnteno de segurança se tornav a incerto. Qualificavase a droga de inimigo interno ou inimigo externo; tudo dependia do

contexto.os dema-

setenta,él_ discurso juridico. O primeiro passo promulga-

çao em resposta sugestões da Convenção Únicasobre Estupefacientes de 1961 da ONU. O primeiro país foi o Equa

dor, em 1970, c ~ m sua lei n? de Controle e Fiscalização do Tráfico de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, seguido pelo Brasilcon: sua lei n? 5 .726 ou lei Antitóxicos de 1971; em seguida o Para

gUaI e a Costa RIca em 1972, e nesse mesmo ano o Peru aDrova seudecreto lei n? 19.505; em 1973 a Bolívia com seu de creto 'n? 11.245ou L e ~ Nacional de Controle Substâncias Perigosas; o Chile com

sua ~ e I , . p ~ r a r e p r i m ~ r o tráfico, e o México sanciona o CódigoSam.tano Estados Umdos Colômbia, Uruguai, Ar-gentma e promu!gam suas !eis sobre em 1974'a República Dominicana em aLei 168; a Venezuela elabora u ~ anteprojeto em 1974, que não foi nem sequer discutido, porque ocorreu aos legisladores inclUÍ-lo na regulamentação sobre álcool e ta-baco. .

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NA DÉCADA DE SETEl\lTA

Foram criadas também em alguns países Comissões Naciona ispara ocupar-se em nível oficial do tema. A primeira parece ter sido

a Comissão contra o Uso Indevido de Drogas (CCUID) da Venezuela, em 1971, seguida da Comissão Nacional de Toxicomanias e Nar

cóticos (CONATON) da Argentina e a Comissão Nacional Coordenadora contra o Uso Não Autorizado de Drogas (CONADRO) da

Costa Rica em 1972. A Colômbia criou seu Conselho Nacional deEstupefacientes pelo decreto lei 1.206 em 1973, e oUruguai a Comissão Nacional de Luta contra as Toxicomanias, em 1974, pela lei n?

14.294. O México criou em 1975 o Centro lvlexicano de Estudos emFarmacodependência.

Em 1972 foi realizada em Buenos Aires uma Reunião Governarnental de Especialistas em Estupefacientes e Psicotrópicos que convocou a Conferência Sul-Americana Plenipotenciária sobre Estupefacientes e Psicotrópicos, também realizadaem Buenos Aires, em abrilde 1973, onde surgiu o Acordo Sul-:Americano sobre Estupefacien

tes e Psicotrópicos (ASEP). organismo, no entanto, só começaa ter conferências anuais dos Estados-Membros a partir de 1979,

desde então no único grupo de tipo gover··o implantar

de suas quatro comissões técni-Preventiva, e Fiscaliza ção

de ilícitas e Repressão ao Tráfico Ilícito, assim como seus respectivos Centros Regionais Capacitação na Venezuela, Argenti na, Brasil e Peru, respectivamente.

América Latina, é no início dos anos setenta que começa

"o pânico" em torno da droga, especialmente por meio do discurso

dos meios de comunicação. muitas ocasiões se misturavam de ma-neira incoerente os estereótipos da droga, surgidos numa

totalmente distinta, como a norte-americana. Quando sefazia referência à "droga", geralmente se referia apenas à maconha.

Então era a droga de maior consumo (mesmo quando se desconhece sua verdadeira magnitude) e considerada "pr oblema" porque eramos jovens que começavam a consumi-la, muitas vezes por imitação.Difundiu-se na época um a série de informações que tinham a vercom a heroína nos Estados Unidos, mas que alguns "especialistas"da América Latina relacionavam com "a droga" em geral de manei-

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ra bastante irresponsáveL Os resultados foram desastrosos porqueestavam sendo importados, e sendo impostos, discursos alheios quenã o levavam em conta nem a diferença entre as drogas, nem entreos grupos sociais. Surgiram grupos como o "poder jovem", que proclamava a maconha como símbolo de libertação, mas neste caso de"libertação interior" para se contrapor aos grupos que na décadaanterior buscavam a "libertação política". Assim, se a heroinafoi adroga contra-revolucionária dos Estados Unidos, a maconha o fo i naAmérica Latina no início da década de setenta.

É certo que na América Latina também se consumiam pílulasde anfetaminas, barbitúricos e outras drogas, como por exemplo oLSD e os cogumelos (apesar de não haver estimativas confiáveis).Mesmo assim, em países como o Peru se começava a fumar pastade coca. Segundo o psiquiatra peruano RAÚL JERI, "essa prá tica começou em 1974 em Lima e se estendeu em seguida ao Equador e à

Bolívia .. Antes de 1975, nã o ocorreram em zonas urbanas do Peruhospitalizaçõesem centros psiquiátricos relacionadas com a masti-

de pasta coca ou com o uso indevido de cloriclrato de co-lO

já se à coca nos produtores, o prin-no era a maconha - - a erva rnaldita como a qualifica-

vam os meios de comunicação ~ considerada a responsável pela criminalidade e a violência, mas ao mesmo tempo pela "síndrome amotivacional"; tudo dependia na América Latina de quem a consumia.Se eram os habitantes de favelas, seguramente haviam cometido umdelito, porque a maconha os tornava agressivos. Se eram os "meni

nos de bem", a droga os tornava apáticos. Daí que aos habitantes dasfavelas fosse aplicado o estereótipo criminoso e fossem condenadosa severas penas de prisão po r traficância, apesar de só levarem consigo um par de cigarros; em troca, os "meninos de bem", que cultivavam a planta em sua própria casa, como aconteceu em inúmerasocasiões, eram mandados a alguma clínica particularpara em seguidaserem enviados aos Estad os Unidos porque eram "doentes" e seriamsujeitos a tratamento, de acordo com o discurso médico tão em moda na época nos Estados Unidos. A eles corresponderia o estereótipo da dependência.

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N A DÉCADA DE SETENTA

Quando o Presidente Ford assumiu o poder em 1974, já estavacriada nos Estados Unidos a infra-estrutura do novo discurso quefixava a atenção além das fronteiras dos Estados Unidos em buscado responsável pelo problema, mas faltava legitimá-lo. Não é de se

estranhar, portanto, que já na época, ao referir-se à droga, o presidente Ford a qualificasse de "ameaça à nossa segurança nacional".Por outro lado, Kissinger, Rockfeller e o primeiro administrador daDEA, John BarteIs, elaboraram um White Paper sobre "abuso dedrogas", documento que pode ser considerado a primeira colocaçãooficial da nova política; ali se assinala, po r exemplo, a necessidadede apoiar outras nações por meio da internacionalização do programade drogas tendo em vista a repressão e o controle de matérias-primas.Uma das primeiras manifestações desta política foi a Declaração conjunta Kissinger-Banzer sobre a cooperação internacional contra otráfico de cocaína, quando se reuniram na Bolívia em 1976; igual

mente o Convênio de Cooperação entre os Estados Unidos e o Perude 1978, e os programas de fumigação aérea de plantas produtorasde drogas - ~ como a que se levou a cabo no México em 1975 para

os cultivos de maconha na Sierra Madre fi-

É lembrar aqui o reconhecirncnto, em 1977, por par-te do Departamento de Estado, dos quase 2 mil cidadãos norteamericanos detidos por tráfico de drogas n o exterior, assim comoa preocu pação dos congressistas da época em ~ ' r e s g a t á - l o s dos cárceres mexicanos" Jl , tanto quanto dos cubanos e colombianos.

A part ir de 1976 começa a vincular-se o discurso dentro dos Estados Unidos a uma substância específica, porq ue se observa um re

pentino aumento no consumo e disponibilidade da cocaína. Da í 6fato de se assinalar este ano como o do início da "epidemia". Sua inclustrialização já estava criada em grande escala na Bolívia, pois seiniciara em 1972 quando BanzeI' chego u ao poder 12 Isto explicaprovavelmente a entrevista privada, antes mencionada, de Banzer comKissinger nesse mesmo ano de 1976. Mas foi entre 1977 e 1981 quea produção aumentou 750;0 na Bolívia. Teria isto algo a ver com oque estava acontecendo com a heroína? Também em 1976 se lançoua Operação Condor no México, para destruir as plantações cada vezmais extensas de amapola. Que relação há entre a eliminação da he-

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roína e o surgimento da cocaína, que certamente havia caído em de-

suso desde os anos vinte? . .Já no começo da década de setenta começa a ressurgIr d ~ s c r e -

tamente em livros e filmes, apresentada através do consun;-0 dIscreto, elegante, como droga fascinante a s s o c ~ a d a a ' p e r s o n a ~ I d a d e s deprestígio profissional e artístico; droga mUlto m ~ I s recreaclOnal e social, à diferença da heroína; droga que produzIa bem-estar e.euforia e tinha a reputação de nã o criar dependência nem ser p e n ~ o s ~ . O discurso dos meios de comunicação se encarregou nesses pnmelros anos de estimular seu consumo ao ressaltar as virtudes de algunsdos heróis da época, assíduos consumidores, como por exemplo asestrelas do rock, do cinema ou esportistas famosos.

Estava-se criando um estereótipo cultural que, em vez de ser ne-gativo eomo em outras épocas, ap;esentava a ~ ~ r a a droga, mas muito

especialmente a cocaína, como slmbolo de eXltO: todos o? que e?tavam em evidência a consumiam. Ao mesmo tempo, surgIa m a c 1 Ç ~ mente a indústria da "parafernália" da cocaína, anunciando nos dIversos meios comunicação tipos de colheirinhas, cigarros, balan-

t seu con"L'1l10 (como havia ocorrido dez <.>..nosç,tS, e " c ~ , . ~ - LJ ~ antes com ada , a qual po r sua vez estimulou acado.

Nã o é de se estranhar portanto que, em 1975, a Comissão deEstupefacientes das Nações Unidas assinale que a quantidade totalde cocaína reportada como confiscada no mundo tenha super.adoa heroína. Estava sendo instalada su a indústria nos países a n d m ~ s e formada a rede de comercialização nos Estados Unidos, orgamzada po r grupOS de cubanos exilados, colombianos e norteamericanos. droga já nã o era domínio do crime organizad<:> tradicional, a Máfia ou a Cosa Nostra, como a chamava Valachl, como havia sido o negócio da heroína. A organização no caso da cocaína adquiTia características muito próprias, que para ser estudadas. É interessante mencionar neste sentido como, em 1983,FRANC[SM. MULLEN JR., administrador da falava "existência do crif(le organizado não tradicional há v Í I ; t ~ anos" 13 aoreferir-se aos diversos grupos que participam do negoclO, como po rexemplo, organizações do Sudeste Asiático, os Cocaine Cowboys co-

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NA DÉCADA DE SETENTA

l o m b ~ a n o s , os bandos de motociclistas norte-americanos e grupospaqmstaneses.

A I ? a c o n ~ a por sua vez volt,,:ra a aparecer; os contrabandistas,

que haVIam se mstalado naJamaIca em conseqüência da OperaçãoIntercep,..t contra a p r o d ~ ç ã o mexicana, superaram-na porque deramocupaçao ao g r ~ n d e numero de desempregados existentes naquele~ ? m e n t o no paiS, com o que aproveitaram a crise econômica e polltlca.

Em 1974,por razões que se teria de analisar mas que pare-c ~ m ser de pobtlca externa ,,o DE A lançou sua primeira operaçao, exatamente c.ontra a JamaIca, a Operação Bucanero. Como re; ; d t a ~ o , , , s e dest:-ulU a produção e comercialização de exportação da

GanJa no paiS (pelo menos momentaneamente). A produção demaconha n ~ o . d i m i n . u i u da forma esperada. Pelo contrário, aumentou comt;1aIs m t e n s I d ~ d e , desta vez na Guajira colombiana a partir

daquela epoca. Inclu.sIve se discutia no final da década, nos círculo? d ~ po.der de Washmgton e de Bogotá, a possibilidade de sua descnmmahzação e legalização l4 •

.. Evidentemente se "uma no padrãoh::o de ". na América Latina", como disse em seu in-forme o Comlttee on NarcoticsAbuse and Contro! Câma-ra d,e R e p r e s e ~ t a . ? t e s do Congresso dos Estados Unidos, depois dee : 1 V l a ~ um a mIssao de estudo ao México, Costa Rica, Panamá e Co-10mbIa em. 1 ~ 7 6 , an o de criação do Comitê. Po r isso envia-se um asegunda m l ~ s ~ o de e s ~ u ? o em a ~ o s t o de 1977 para a Colômbia, Equador, Peru ,. ChIle, BollVla e Brasll e um a terceira em 1979 à Colômbia

e Porto RIeo.O interesse do Comitê ao enviar estas missões de estudo é muito compreensível, uma vez que quando Carter chega à Presidência,em 1977, a cocama - produzida exclusivamente na AméricaL f 15 ., d1l1,a - Ja era um a roga de consumo elevado nos Estados Uni-dos, ~ e g u n d o os dados do l ! a t i o n a ~ l n s t i t u t e on DrugAbuse (NIDA),publicados na monografIa Cocame 1977, dois milhões de norteamericanos a haviam ~ o ~ s u m ~ d o em 1976, apesar porém de poucos,e s ~ b e r sobre o S ~ p o ? s l v e l s pengos para a saúde causados po r "essafascmante substancla", como a qualificou o diretor da NIDA nessemesmo trabalho l6 •

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ROSA DEL OLMO

o desenvolvimento e as mudanças no consumo de cocaína nosEstados Unidos exigiriamum a análise detida que nã o pretendemosrealizar aqui. Mencionamos a questão rapidamente para destacaras mudanças sofridas pelo discurso sobre esta droga em particular,

já quefoi ela e apenas ela que serviu para dramatizar o problema dadroga no Continente americano nos últimos dez anos, apesar do desenvolvimento paralelo da maconha e de seu consumo maior em alguns países.

O psiquiatra RONALD K. atualmente consultor da Co-missão sobre o Crime Organizado da Presidência dos Estados Unidos, assinala três etapas distintas da cocaína nesse país l7

. A primeira etapa se situa entre 1970 e 1979, quando não é considerada problema, mas droga social e recreacíonal de consumo esporádico emreuniões sociais e em doses intranasais de um a quatro gramas pormês. O discurso desses anos, em vez de condená-la, a estimula. Em1976, por exemplo, se observa na imprensa um aumento significativo de notícias sobre seu consumo pela população em geral, e de revistas dedicadas a defender a droga, como a High Times, criada em197418 , que exaltam suas virtudes com grande desdobramento foto-

A segunda elapa da situa entre 1978 e 1982, quan-do mudam tanto a imagem do consumo quanto os padrões; come-ça a ser usada com mais freqüência, misturada à maconha, em suaforma de pasta de coca ou cocaína base, substâncias muito mais causadoras de dependência. Consome-se em doses de um a três gramassemanais. 1979 foi considerado nos Estados Unidos o ano pico damaconha e da cocaína, e curiosamen te também o an o de menor con

sumo da heroína.E a terceira etapa transcorre ent re 1982 e 1984, quando se observa o consumo da droga em todos os grupos sócio-econômicos.Neste sentido, outros autores assinalam que "enquanto em 1974 ahaviam provado 5 milhões 400 mil; em 1982,21 milhões 600 mil denorte-americanos haviam provado a cocaína: ao mesmo tempo, onúmero de consumidores habitmús aumentou de 1,6 milhão em 1977para 4,2 milhões em 1982"19.

Aumenta na mesma época o policonsumo de drogas, muitasvezes para contra-atacar os efeitos da cocaína, e se obser va como re-

50

I

II, ,I

NA DÉCADA DE SETENTA

sultado um aumento considerável de problemas psicológicos e físicos. Segundo o próprio SIEGEL, o controle imposto durante essesanos à indústria da "parafernália" contribuiu para aumentar o problema, porque o consumidor já não tinha os artefatos necessários

para medir a dose adequada como antes. Isto é, a falta de controlede qualidade e de quantidade da cocaína contribuiu para que se convertesse em um problema real de saúde pública, com o qual teria deressurgir o discurso médico.

Mas, o que se iniciou no final da década foi o discurso da cocaína, além das fronteiras dos Estados Unidos, imediatamente associado ao discurso da coca, apesar de suas claras diferenças se noslembrarmos que um a é própria do centro e a outra dos países da periferia. Neste sentido, o governo norte-americano, através daAID/USAID, nomeou alguns especialistas em 1978 para trabalharna Bolívia em colaboração com o Museu Etnográfico do país e elaborar um informe sobre O estudo multidisciplinar do uso tradicional da coca. Po r sua vez, as Nações Unida s, pOr intermé dio do Fundo para a Fiscalização do Uso Indevido de Drogas (FNFUID) e aOrganização Mundial Saúde, assim como o governo norteamericano, com a colaboração do Ministério do Interior dorealizaram na çidade de Lima um Seminário Interamericano sobrecoca e cocaína, dedicado fundamentalmente a destacar o discursomédico-jurúlico sem levar em conta as diferenças entre ambas.

Observa-se no final da década, na América Latina, um reinício do discurso médico-juddico da droga, depois de alguns anos deaparente silêncio. Desta vez dirige-se especificamente à droga cocaína.Por isso são observadas tentativas de legislar de novo, mas tendo pre

sente fundamentalmente a droga da moda. Po r exemplo, em 1977,a República Argentina promulga um a série de decretos sobre a coca, proibindo inclusive sua mastigação. A Bolívia, por sua vez, aprovaum a nova lei cm 1979; o Peru, por meio de seu decreto-lei 22.095 de1978, transforma em delito mastiga r folhas de coca; o Equador reforma pela quinta vez, em 1979, sua lei original de 1970, e assim sucessivamente. Por outro lado, a ASEP, criada em 1973 como se recordará, como organismo regional, apenas em 1979 realiza sua I Conferência dos Estados Membros do Acordo na cidade de Buenos Aires.

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Detecta-se nesse momento o aumento do problema também naAmérica Latina, o que provavelmente ocorreu, apesar de ser necessário um estudo mais detalhado, especialmente para destaca r as possíveis variações regionais de padrões de consumo e tipo de drogas.

N o entan to, o discurso dos meios de comunicação, na época, ocultao fato, para difundir de maneira homogênea a preocupação com achamadaAl iAmerican drug, criando um novo estereótipo como problema de todo o Continente: o estereótipo da cocaína.

Assim chegamos à atual década de oitenta.

NOTAS

1. CATHERINE LAMOUR & MICHAEL R. LAMBERTI, La nueva guerra deI opio,Barcelona, BarraI Editores, 1973, pág. 16.

2. ANDREW Moss, "Methadone's Rise and Fall", in PAUL E. ROCK (ed.) Drugsand Politics, Transaction, N.J., 1977, pág. 150. Consultar também JOYCE H.LOWINSON e outros, "Changing Patterns of Street Methadone Abuse", inThird National Drug Abuse Conference, Nova Iorque, 1976.

3. Cfr. a interessante discussão de THOMAS S. SZASZ,

Addicts: Th e Helping Hand Strikes Again", in PAUL E. }{OCK (ed.),Politics, ed. cit., 247-250.

4. AURED W. McCoy, The Politics ofHeroin in Southeast Asta, Barper, 1'·10-

va Iorque, 1973, págs. 8 e 9.5. Ibid., pág. 144.6. Veja-se po r exemplo os livros editados pela Liga AnticomunistaMundial, Ca

p(fulo Chinê" e em especial Conspiração dos comunistas chineses para narcotizar o mundo, maio de 1972.

7. DEA, Drug Enforcement, dezembro, 1980, pág. 43.

8. É interessante conhecer a mesma situação na Itália da época, consultandoMARISA RUSCONI e GUlDO BLUMlR, La Droga e il Sistema: La Nuova Repressione, Feltrinelli, Milão, 1972.

9. HANS-GEORG BEHR, La droga, po tencia mundiaL' el negocio con el vicio, Barcelona, Planeta, 1981, pág. 170 e segs.

10 . F. R. JÉRl, "Nuevas observaciones sobre los síndromes producidos por fumarpasta de coca", in Coca{na 1980, Lima, 1980, pág. 87.

11 . Ver "The Role ofDEAoverseas", in Drug Enforcement, voI. 4, n? 3, dez. 1977.12 . Sobre este ponto ver a interessante discussão em A. CANELAS ORELLANA e

J. C. CANELAS ZANNER, Bolívia: Coca-cocaína, La Paz, 1983, capo IIl .13 . Ver l"RANCIS M. MULLEN JR., "Organized Crime and Drug Trafficking", in

Drug Enforcement, vol. 10, n? 2, 1983,pág. 8.

52

N A DÉCADA DE SETENTA

14 . Ver po r exemplo o informe de 634 páginas do Select Committeeon NarcoticsAbuse and ContraI, chamado Descriminalizatíon o fMarihuana, Washington, D.C., 1977. Também ANIl", Marihuana: legalización o represión, Bogotá, 1979.

15 . Neste sentido vale lembrar que em seu auge anterior, há cem anos, a cocaínaproduzida na América Latina, e particularmente no Peru, tinha de competircom a produzida nas Índias Holandesas.

16 . NIDA, Cocaine 1977, Research Monograph Sedes 13, Washington , nc., 1977,Prefácio.

17 . Ver seu interessante trabalho "New Patterns of Cocaine Use: Changing Dosesan d Routes", in NIDA, Cocaine Use in A merica: Epidemiologic and ClinicaIPerspectives, Research Monograph Series 61, Washington, D.C., 1985, págs.204-220.

18 . É interessante destacar que esta revista é publicada mensalmente com um atiragem de 400 mil exemplares e vendida livremente em qualquer banca de revistas dos EUA. Pertence a um "trust" que marca a linha e se encarrega dagestão econômica. A maior parte da publicidade em suas páginas se refere à"parafernália" ligada ao consumo, como po r exemplo colheirinhas, lâmpa-

das de todo tipo para cultivar maconha em casa, etc. .19 . EDG/de ADAMS e J. DURELL, "Cocaíne: A growing Public Health Problem",in NIDA, Cocaine: Pharmacology, Ejfec ts and Treatment ofAbuse, ResearchrVTonograph Sedes 50, Washington, D.C., 1984, pág. 10.

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NA DÉCADA DE OITENTA

Escrever este trabalho no inÍCio de 1987, dada a proximidadedos fatos e sua grande complexidade, dificulta sua clara percepção.Apesar destas limitações, se evidenciam mudanças importantes nodiscurso desde que a cocaína surge como droga fundamental de preo

cupação continental.As graves difIculdad es econômicas e políticas dos Estados Unidos desde a crise energética e o problema do dólar, a crescente agudizaçâo do processo inflacionário e o crescente desemprego, até a

na - t e rão notórias nonovo discurso da droga.

Por outro lado, ao entrar na década de oitenta, os Estados Unidos contarão com o maior número de consumidores de drogas detoda a su a história, e particularmente de cocaína e maconha. Apesar disso, o consumidor deixa de ser considerado um "doente" e passaa ser considerado "cliente e consumidor de substâncias ilícitas"1. Apreocupação central é a droga procedente do exterior - e muito es

pecialmente os aspectos econômicos e políticos do tráfico de cocaína , droga que, como já assinalamos, é o centro de atenção do discurso nos últimos anos.

Alguns fatos contribuíram para esta nova ênfase. Po r exemplo,com relação ao aspecto econômico da droga, é significativo que jáem 1980 "o DEA havia detectado importantes fugas de capital emdireção a contas bancárias situadas fora do s Estados Unidos no valo r de mais de 2 bilhões de dólares acumulados po r vendas de cocaína e maconha. Comprovou-se igualmente na época que 31 dos 250bancos de Miami haviam sido cúmplices das fugas e qu e cinco deles

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ROSA DEL OLMO

eram propriedades de "narcotraficantes", que enviavam seu dinheiroà Suíça, Panamá, Bahamas e outros locais para ser lavado e intro

duzido novamente nos Estados Unidosatravés de investimentos le

gais"2.

O problema, porém, havia sido colocado anteriormente. Em1977, por exemplo, o Select Committee on Narcotics Abuse and Con-trol, da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, depois desua missão de Estudo à América Latina, assinalou nas conclusõesde seu Informe Final o seguinte:

"Como apenas um a pequena parcela da quantidade total decocaína introduzidaclandestinamente nos Estados Unidosé confiscada, estamos diante de um a enorme quantidade, qu e representa muitos milhões de dólares transportados diariamente para nosso país.Como resultado deste tráfico, estão passando milh ões de dólares li-

vres de impostos através de estabelecimentos legítimos montados pe

los traficantes edepositados em

contasbancárias aqui

eno

exterior.O Comitê considera que o único meio de interferir no tráfico é expor as técnicas financeiras utilizadas pelos traficantes para mobili-za r o dinheiro em o mundo. Espera-se que ode nossas leis de impostos , etc., para

a mobilidade dos traficantes" 3•

Não é de se portanto, que ao começar a década deoitenta se assinale publicamente que os funcionários federais do DEA

estavam mudando suas táticas: "Concentrando-se cada vez mais no

dinheiro e nos chamados narcodólares. E que em 1982 suas priori

dades foram a investigação e a eliminação da cocaína"4•

A novaênfase nos aspectos econômico e político das drogas -e sobret.udo da cocaína - é tã o evidente que inclusive especialistas,antes ocupados exclusivamente em difundir O discurso médico, os

colocam em relevo. Po r exemplo, o conhecido psiquiatra SIDNEYCOHEN escreveu recentemente o seguinte:

"O s aspectos da saúde pública já não são tão graves, mesmo

quando a morbilidade e a mortalidade aumentam po r causa da co

caína. tvIas sim o impacto desorganizador dos bilhões de cocadóla-res nas nações produtoras e consumidoras, que produz um nível decorrupção, violência e desmoralização que prejudica a todos"5.

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NA DÉCADA DE OITENTA

Igualmente, pesquisadores do National Institute on Drug Abuse

(NIDA) organismo caracterizado por difundir o discurso médico hoje se referem também detalhadamente a estes aspectos. Um

exemplo são as palavras de RICHARD CLAYTON, quando diz o se

guinte: dois temas econômicos e políticos qu e devem ser levadosem consideração. Primeiro, as estimativas macroeconômica s de uma

indústria da cocaína calculada em 50 a 70 milhões anuais .. A quan-tidade de dinheiro que mobiliza deve exercer um impacto significativo em toda a estrutura econômica de nossa sociedade. Segundo,o custo do uso indevido de drogas para a sociedade norte-americana

em termos de dólares para tratamento, hospitalização e perda de produtividade e lucros po r enfermidade, incapacidade, morte, crime eoutras c o n s e q ü ~ : l c i a s do consumo de cocaína .. A partir de umapers-pectiva econômica fria e racional, a produtividade e as perdas para

a sociedade com a morte prematura de um viciado em heroína po

dem ser muito pequenas. Isto é ainda mais certo se o viciado era umcrônico, entrando e saindo do tratamento e pri-

para sustentax seu

devido (J lH'W

um executivo de publicidade

ou um advogado de caso, apartir dames-ma perspectiva, a perda para a sociedade seria considerável" 6

Esta evidente preocupação econômica se aprofunda durante aAdministração Reagan, como o informe do Comitê Econô-mico Conjunto de seu governo, quando assinala em 1983 que a economia subterrânea dos Estados Unidos sonegava 222 bilhões dó

lares do Internai Rewmu e System (Imposto deRenda); isto

é, 7,5frjodo Produto Nacional Bruto. Apenas o negócio das drogas é estimado em mais de 100 bilhões dólares dentro dos Estados Unidos, oque equivale a 100/0 da produção industrial do país.

Sua solução porém era fácil, devido aos problemas

no s do país assinalados Um caminho, no caso das

drogas, se apresentava através do discurso jurídico, mas, diferentedo de anos atrás. Hoje parece necessário antes de tudo controlar aeconomia subterrânea alémdas fronteiras dos Estados Unidos. Surgeassim, para sua legitimação, o discurso jurídico transnacional. dro-

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gas produzidas no exterior não deviam chegar aos Estados Unidos,nem tampouco sair do país de acordo com a política econômica protecionista da nova Administração. Como a cocaína é a mais cara ea que mais ingressa no país entre as chamadas "drogas internacionais", a ênfase recai sobre ela. Não se deve esquece r que um quilode cocaína tem o mesmo valor no mercado do que uma tonelada demaconha. Já o contrabando da heroína não é um problema prioritário, apesar de seu aumento -70/0 de 1979 a 1980 - t e r se mantidoestável desde então. Po r isso os funcionários do DE A estimaram onúmero de consumidores em algo em torno de meio milhão de habitantes em 19847

• A maconha por sua vez estava praticamente descriminalizada, mesmo quando não legalizada, e seu cultivo era cada vez maior e de melhor qualidade em vários lugares do país. Em1982, por exemplo, se calculava que a maconha era a terceira colheira mais rentável dos Estados Unidos, no valor de 10 bilhões de dóla

res e cultivada em 11 EstadosB•

Em 1983, sua produção dentro dosEstados Unidos era de 2 mil toneladas, segundo fontes conservadoras, embora, segundo outras, fosse muito maior, superando a da Jamaica, ocupando o segundo lugar da Colômbia9 , É um fa-

a aA rnaconha portanto nã o é centro de aten

na atualidade, como o foi anosAo examinar o discursojurídico transnacional que se desenvolve,

a primeira coisa que se observa é a ratificação po r parte dos Estados Unidos, em 1980, da Convenção Única de Estupefacientes de 1961,

da ONU, assim como do Convênio sobre Substâncias Psicotrópicasde 1971. Nã o se poderia implementar este novo discurso se não se

acolhia, como o haviam feito há vários anos mais de 100 países; anormativa internacional. Igualmente, nesse mesmo an o de 1980 sefirmou o Tratado de Extradição co m a Colômbia, com a principalfinalidade de julgar dentro dos Estados Unidos os traficantes colombianos que atentavam contra a economia norte-americana. Era evidentemente outra medida dirigida contra a cocaína, já que a Colômbia se convertera no principal centro de processamento, mas ao mesmo tempo preparava terreno para o futuro discurso. Discurso queno início da década responsabilizaria os imigrantes ilegais pelo aspecto econômico das drogas.

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NA DÉCADA DE OITENTA

Aqui valeria recordar as palavras de RONALD J. CAFFEY, chefeem 1982 da Seção de Investigação sobre a Cocaína do DEA, quando declarou o seguinte:

"As investigações do DE A indicam que um a proporção significativa dos traficantes de cocaína colombianos que operam nos Estados Unidos é constituída de imigrantes ilegais. O que distingue este grupo de gerações anteriores de imigrantes ilegais é que estespos-suem enormes recursos em dinheiro e portanto viajam sem problemas po r todo o país realizando atividades clandestinas. Em virtudedesta infiltração são exportadas para os Estados Unidos outrasformasde atividade criminosa e potencialmente subversiva, o que representa uma grave ameaça à nossa segurança nacional .. A cocaína está estabelecendo um a nova políti cá .. O tráfico de cocaína representa um grave dano à moral e à liderança das comunidades políticas,de negócios e de justiça penal dentro dos Estados Unidos .. Mas, além

da ameaça à Saúde Pública, o tráfico de cocaína está extraindo dosEstados Unidos 30 bilhões de dólares anualmente"l1.Palavras que evidentemente ratificam o que estamos assinalan-

sobre as características do novo discurso droga, mas que 1am··v ~ i o po r razões aparentemente econômi-

cas, do estereótipo latino-americano, produto não apenasdo discurso juddico, mas também do discurso dos meios de co municação, se nos lembrarmos de sua grande difusão em programas detelevisão como "Miami Vice", no qual os traficantes de cocaína sãosempre latino-americanos, mas com maior freqüência colombianos.

Não é de se estranhar que atrás deste estereótipo criminosolatino-americano, e em particular colombiano, se ocult e também um

problema de economia doméstica norte-americana, se nos lembrarmasque se dirige fundamentalmente a colombianos que residemnos Estados Unidos imigrantes ilegais como os qualificou CAF-

FEY na citação anterior. Como os colombianos são o maior contingente de imigrantes da América Latina no país 12

, seria interessantever que conexão existe entre estedado e a criação do estereótipo. Lembremos o que aconteceu com os chineses e o ópio no início do século, ou com os mexicanos e a maconha nos anos trinta, para citar apenas dois casos de criação de estereótipos quando estes grupos se converteram em força de trabalho ameaçadora em momentos de crise

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ec?r:ômica. Hoje, os colombianos são acusados de responsáveis pelot r ~ f I c o de cocama para os Estados Unidos, conhecidos como "Cocame Cowboys", ocultando deste modo o caráter transnacional don e g ? ~ i o da c o c ~ í ~ a no mundo contemporâneo. Oculta-se po r razões

pohtIcas a partIcIpação dos cubanos exilados em Miami na distribuição; a intervenção neo-nazista na Bolívia que facilitou sua industrialização, assim como a colaboração de urna série de membros dasF o r ç ~ s A r m a d ~ s do Continente, e os numerosos pilotos norteamerIcanos detIdos ao buscarem a cocaína em países produtores13 •

E também a denunciada "conexão" da família Duvalier no Haitique facilitou a proteção aos contrabandistas desde 1980. '

. Pouco depois de assumir a presidência, em março de 1981, opresIdente Reagan se ocupou do problema das drogas assinalando:" ~ u s ~ indevido de drogas é um dos nossos maiores ~ r o b l e m a s . Senao agIrmos, correremos o risco de perder grande parte de toda um a

geração".Um a das primeiras medidas para contra-atacar o problema econômico foram as investigações inter-agências como a bem-sucedidaOperação DC,.,r)artamentos d J t'e a USclçacm

1981,IJarananciadorcscaraLei

ração.

bancos eo Centro paraApli-proveniente da ope-

Po r outro lado, nesse mesmo an o o presidente Reagan assinouu m ~ e m e n ~ a ao CommitatusAc t para a ajuda militar, de aplicaça0 da leI de parte de forças civis, e foi ditada a ordem executivan? 12.333, que autoriza o Serviço de Informações dos Estados Uni-

dos a r ~ c o l h e r sobre o tráfico de drogas no exterior, poisse cOIlSlderava que "as tentativas de diminuir o uso indevido das drogas dentro dos Estados Unidos deviam ser combatidas no exteriorcom a ajuda dos Estados Unidos" 14. Iniciava-se a guerra contra asdrogas do presidente REAGAN.

que estaria dirigida fundamentalmente contra a cocaína, se bem que o Departamento de Estado, através de JOHN

MAS, a qualificasse de "guerra contra as drogas internacionais". Jáem ~ 9 8 2 o p r e s i d ~ n t ~ lança sua estratégia federal contra as drogas,destmada a cobnr cmco aspectos:

60

NA DÉCADA DE OITENTt\.

1. A cooperação internacional2. A aplicação da lei3. A educação e a prevenção4. A desintoxicação e o tratamento

5. A investigação

Para isso criaria a infra-estrutura necessária. Em janeiro de1982, po r exemplo, criou o Cabinet Councilon Legal Policy, para dirigir, em nível de Gabinete, todas as iniciativas; em mãos do vicepresidente George Bush, criou o South Florida Task Force, iniciativa contra problemas criminosos no Estado da Flórida, incluindo o

contrabando de drogas e as atividades financeiras ilegais.Em outubro REAGAN anunciou seu plano nacional de oito

pontos para combater o crime organizado, e portanto o tráfico dedrogas, que constava dos seguintes aspectos: 1) estabelecimento dedoze equipes de trabalho (Task Forces) para a aplicação da lei contr a o crime organizado em lugares-chave do país; 2) criação da Co-missão Presidencial sobre Crime Organizado para estudar o proble- '

na administração de justiça em cado_ Estado; 4) cen-todos os da Aplicação

de governo, presidido pcGa_, de um Centro

donalpara o Treinamento da Lei, ligado aos Departamentos de Justiça e do Tesouro; 6) nova ofensiva legislativa para reformar as leis; 7) apresentação de um Memorando Anual do Procurador Geral sobre os avanços na luta contra o crime organizado;8) destinação de milhões de dólares às prisões para evitar que se re

pita o erro libertar criminosos perigosos por motivo de anistia carcerária.

No an o seguinte, em março de 1983, o presidente Reagan criouNarcotics Border Interdiction System (NNBIS), presidi-

vice-presidente para coordenar as operações con-fisco nas fronteiras Unidos. Desta forma, foi implemen-

tado um programa de controle da região do Caribe com a colaboraçãodo DEA, da dos Estados Unidos, da guarda-costeira,

e o apoio técnico das Forças Armadas. Apresenta-se por sua vez, em1983, no Congresso, a lei Comprehensive Crime Control Act, que con-

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ROSA DEL OLMO

tém novas medidas para combater o tráfico de drogas e o crime organizado.

É reconstituído o Select Committee on Narcotics Abuse andControl, que envia em agosto um a missão de estudo ao México, Pe

ru, Bolívia, Colômbia e Jamaica. E é aprovada a Emenda Gilman-Hawkins para suspender a ajuda econômica aos países que nã o cooperam com o programa antidroga s dos Estados Unidos, com o qualse aumenta a cooperação internacional aos programas de controle,dc acordo com um dos objetivos básicos da nova estratégia: inter-nacionalizar o contro le das drogas. Toda um a série de operações serealizaria neste sentido. Por exemplo, a Operação Pez Espada, no Sulda Flórida, a Operação Trampa, no Caribe, em 1982, e a OperaçãoPadrino contra a cocaína em 1983, na Colômbia e México entre outros.

Po r isso CLYDE TAYLDR, então vice-secretário de Estado adjunto para assuntos de narcóticos internacionais - hoje embaixa

do r no Paraguai - a ssina lou:"O crescimentoda cooperação internacional nos programas de

control e narcóticos, especialmente no hemisfério foium " 15

o que é ratificado porpresidente para normas de contra drogas, que

"O ano de 1983 foi significativo na luta contra as drogas: os países estão começando a reconhecer que têm um problema e que nã ose trata de um problema apenas dos Estados Unidos"16.

Apesar de os maio res esforços se dirigirem ao exterior, no plano doméstico também era preCiSl) tomar medidas. Nesse mesmo anofoi criado um programa de televisão dirigido aos adultos com o título Chemical People"; e para as crianças foram editadas trêsmilhões de revistas em quadrinhos dirigidas a alunos do quarto aosexto graus, que apresentavam os traficantes e consumidores comoinimigos, e as drogas como perigosas e causadoras de morte.

Em 1984 o governo publica um a novaE5tratégiaNacionalpa-ra a Prevenção do Uso Indevi do e o Tráfico de Drogas, depois de terestabelecido as diferentes agências federais e departamentos destinados à "guerra contra as drogas". Esta nova Estratégia reforçariaa de 1982, dando prioridade à cocaína apesar de seu programa se

62

NA DÉCADA DE OITENTA

tinar a reduzir o uso indevido de drogas e do álcool nos Estados Unidos.

Foi aprovado o Comprehensive Crime Control Act, que permitiao confisco das propriedades e do dinheiro provenientes do tráfico.

Por sua vez, nessa época se ativou o Grupo de Trabalho ad hoc sobre drogas da Organização dos Estados Amer icanos (OEA), que posteriormente convocou uma reunião continental, em 1986, no Rio deJaneiro: a Conferência Especia llnteramericana sobre Narcotráfico.

Realizou-se uma séríe de operações para impedir o acesso dedrogas aos Estados Unidos. Por exemplo, a Operação Pássaro, noBrasil, país onde os traficantes instalaram laboratór ios na região amazônica pararefinar cocaína devido ao bloqueio contra a importação pela Bolívia dos produtos químicos necessários para a elaboração da cocaína. Também se atacou a maconha no México e na Colômbia com as operações Chihuahua e Rat Trick.

Apesar de todos estes esforços, o tráfico e o consumo aumen

taram. Neste sentido, po r exemplo, o Research Tríangle Institute assinalou que o uso indevido de drogas custou à economia dos Esta-60 bilhões em 1983, enquanto em 1980 haviamiihões; isto é, um amnento 30°70 17 , Po r outro

as estimativas National Narcotics lntelligence ConsumersCommittee (N1'-rICC) - a voz mais autorizada em matéria deestatística --- em 1981 ingressaram nos Estados Unidos entre 30 e 60toneladas de cocaína, enquanto em 1984 se calculava entre 71 e 137

toneladas.A ênfase central recai sobre a aplicação da lei. Daí que os re

cursos humanos do DE A em 1973 tenham sido de 1 mil e 423 agentes, com um orçamento de 74 milhões e 900 mil dólares, enquantoem 1985 aumentou para 2 mil e agentes e um orçamento de 359milhões e 500mB dólares. Em o governo federal gastou naapli-cação da lei 708 milhões em 1981 e 1 bilhão e 200 milhões em 1985.

contraste, o orçamento para programas do Departamento deLJUU,",'Ol.vuvbaixoude 404 milhões em 1981 para 253 milhões em 1985.Contraste que deu lugar a divergências entre diferentes setores do governo, ainda mais quando se observa que o problema aumenta a cada ano apesar de tantos programas. Trata-se de um problema doméstico, mas se considera que o campo de batalha está fora do país. As-

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ROSA DEL OLMO

sim o expressa o governo quando diz: "A solução do problema doconsumo de drogas nos Estados Unidos está nos países estrangeirosque produzem as drogas ilícitas mais importantes" 18.

Observa-se neste sentido como nos primeiros anos da década

de oitenta tende-se a responsabilizar pelo problema da droga a oferta,e nã o a demanda - isto é, o tráfico e não o consumo -, co m o queo discurso se torna parcial co m relação ao inimigo externo, o únicoculpado. A Casa Branca manifestou o fato claramente em 1982, qu.ando assinalou: "A eliminação das drogas ilegais na fonte no extenor,ou próximo dela, é a maneira mais efetiva de red uzir a oferta doméstica destas substâncias".

Deste modo, como assinalam os pesquisadores norteamericanos G. LAFREE e B. PERLMAN, são resolvidos vários problemas práticos - qu e seriam melhor chamados de política doméstica -, como por exemplo: I? ) continua a "guerra contra as d r o g a s ~ ' sem abordar o problema básico de po r que são consumidas; 2?) aplI

car a lei em outros países não cria os problemas apresentados às autoridades norte-americanas dentro dos Estados Unidos em torno dosdireitos civis; 3? ) apesar de ser difícil avaliar o obtido no con-trole isso é impossível as en-

globam os estrangeiros"Apesar os objetivos centrais da guerra contra as drogas se-

rem a erradicação dos cultivos, o confisco das drogas, a destruiçãodos negócios de "lavagem de dinheiro" dentro dos Estados Unidose o castigo aos traficantes e consumidores, os maiores esforços sã odirigidos aos dois primeiros porque o mais importante dessa guerraé reduzir a quantidade de drogas que entram nos Estados Unidos e

aumentar, em conseqüência, seu custo para o consumidor. Para isto foram traçadas duas estratégias paralelas: 1?) a eliminação dasdrogas antes de sua chegada aos Estados Unidos; 2? ) a eliminaçãodos traficantes. Na primeira se planeja a redução da produção, a des

truição das colheitas, a apreensão drogas em diferentes etapasdo processo de refinação e, po r último, o confisco da s drogas antesde entrarem nos Estados Unidos. Na segunda estratégia se contempla o julgamento dos traficantes, o confisco, e portanto a destruição dos negócios, produto da lavagem de dinheiro2o . Na prática, osmaiores esforços se concentraram na primeira estratégia,

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!~ ,

J

NA DÉCADA DE OITENTA

aumentando-se deste modo a participação norte-americana no exterior.

Foram elaborados nos últimos anos vários planos de erradicação dos cultivos nos países de maior produção de maconha e cocaí

na. Programas que, entretanto, nã o parecem ter conseguido acabarcom a produção, mas sim "estender os negócios a outras áreas, aumentando desta maneira as fontes de oferta"21; o que na realidadenão se conseguiu foi reduzir o consumo dentro dos Estados Unidos,porque foram ignoradas as realidqdes do mercado mundial das drogas .. os argumentos para manter osprogramas atuaispodem ser considerados muito mais parte da política norte-americana de ajuda

externa22• As palavras de J OH N R. THOMAS, antes de deixar o car

go de assistente do Escritório Internacional de Assuntos de Drogasdo Departamento de Estado, em março de 1986, o assinalam claramente: "Nos últimos dois anos a repressão contra as drogas está emum nível prioritário como nunca antes em nossa política externa"23.O mesmo salientou naquele mês, numa conferênciaem Bancoc, ED-WIN MESSE, procurador geral dos Estados Unidos: objetivo in-ternacional Reagan é manter em asgeográficas o controle sobre o cultivo e a produçào de drogasilícitas que possam ser exportadas para os Estados Unidos. E o segundo objetivo, internacional, é converter o controle dasdrogas em um a questão importante da política externa e em um a prio

ridade diplomática entre todas as nações do mundo . :'

A insistência da atual Administração em buscar a solução para o consumo de drogas norte-americano no exterior permitiutimar a intervenção - diplomática, financeira e até militar - dos

Estados Unidos em outros países, como ocorreu com a OperaçãoBlast Furnacerealizadana Bolívia em julho de 1986. Mas nã o resolveu o problema. O Departamento de Justiça ressaltou com alarmerecentemente os custos anuais dos problemas relacionados com drogas: 46 bilhões e 900 milhões de dólares. Além disso, em 1986observou-se com grande preocupação a produção dentro dos Estados Unidos de novas drogas, muito mais baratas mas muito mais viciantes e mortais: o crack, derivado da cocaína; o alcatrão negro ou"barro mexicano", um a heroína de qualidade muito ruim; e a sem-

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ROSA DEL OLMO

semente, um a variedade da maconha muito mais poderosa cultiva-

da nos Estados Unidos.Um dos integrantes do Select Commi ttee on Narcotics Abl!se

and Contrai da Câmara de Representantes, DUNCAN HUNTER, mformou que em 1985 entraram de contrabando nos Estados Unidos150 toneladas de drogas. Em meados do ano, os representantes re-

publicanos pediram a pena de morte, a suspensão de c r é d i t ~ s a I?aí-ses produtores de drogas e rígidas restrições à lavagem do dmheuo,etc., diante do que qualificaram de "crise da família norteamericana"24. /

Po r su a vez, o presidente REAGAN destinou às f o r ç a ~ armadase aos serviços policiais maior participação na d e f e s a . n a c l O n ~ l contr a o tráfico de drogas porque, como afirmou o vIce-presIdenteBUSH, "pela primeira vez o govern o dos Estados Unidos declara queo comércio internacional de drogas é um problema de segurança na-cional que pode desestabilizar as democracias a l i a d ~ s med!ante.a cor-rupção de polícias e instituições judicia is .. a diretrIz p r e s I d e n ~ I a l as-

socia o narcotráfico ao terrorismo, pois traficantes e terrorIstas se

ajudam mutuamente"25.EU l agosto de 1936 o presidente REAGAN declarou que as dro--

gas eram "o problema n? 1 do país" e que "a guerra devia c o m e ç ~ r dentro de casa", para o que apresentou um novo programa de seIS

pontos destinado a atacá-lo a partir da demanda:1. Eliminar as drogas ilegais nos locais de trabalho.2. Eliminar o abuso de drogas em nossas escolas.3. Proporcionar um tratamento efetivo para os consumidores

crônicos.4. Melhorar a cooperação internacional para evitar a entrada

de drogas ilegais.5. Novo fortalecimento da lei.6. Aumentar o conhecimento do público e a prevenção contra

o abuso de drogas.Como aspecto principal de seu programa, REAGAN anunciou

a prova obrigatória para determinar se a pessoa é ou nã o viciada,que teria de ser aplicada a vários milhões de empregados do g o v e ~ no e das empresas privadas. Esta medida foi objeto de fortes crítI-cas e os tribunais se pronunciaram contra, alegando que atentava con-

66

NA DÉCADA DE OITENTA

tr a os d ireitos civis; porém, REAGAN assinou a ordem que obriga osempregados civis do governo federal, que estejam em "posições im-portantes", a submeter-se ao teste.

Em outubro de 1986 o Senado norte-americano aprovou um anova lei contra as drogas e autorizou 3 bílhões e 900 milhões de dólares para o an o fiscal de 1987, que triplicava o orçamento destinado à campanha contra a droga em 1981. A no va lei acolhe os seis pontos do programa do presidente REAGAN citados. Neste sentido, exi-ge: I? ) o estabelecimento de programas de prevenção, tratamento ereabilitação para funcionários federais; 2?) programas para ajudaros governos dos estados e municípios a criar instituições educativaslivres de drogas e para prevenir o consumo entre os estudantes; 3?)fundos para tratamento e reabilitação; 4?) modifica a Emenda Mans-field para permitir que os agentes da lei norte-americanos participem no exterior de detenções po r causa de drogas; facilita a depor

tação de estrangeiros ilegais residentes nos Estados Unidos que es-tejam envolvidos no tráfico; 5?) aumenta as penas perante os tribunais e dispõe a prisão perpétua; e 6?) amplia as medidas de preven-ção e para isso cria a Comissão Presidencial dos Meios de Informação sobre a Prevenção ao Abuso do Álcool e das Drogas formadapor doze membros nomeados pelo presidente para difundir informação.

Quisemos esboçar, apesar de brevemente, a série de medidastomadas pela Administração Reagan co m relação às drogas para des-tacar su a magnitude e demonstrar o lugar prioritário que elas ocupa m hoje no programa de governo. Mas também para assinalar a im-

portância do aspecto econômico de acordo com os esforços do governo para resolver a crescente crise econômica através de su a polí-tica protecionista.

Como as autoridades sabem muito bem que as drogas são mer-cadorias sujeitas às leis da oferta e da procura do mercado (apesarde isto ser ocultado no discurso), e como o volume de vendas nos Estados Unidos é cada vez maior, alcançando, particularmente no ca-so da cocaína, cifras astronômicas, um a forma de implementar o pro-tecionismo, neste caso, é observada na preocupação exclusiva co ma droga procedente do exterior. Isto explica a insistência, po r partede algumas autoridades norte-americanas , em assinalar que a solu-

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ROSA DEL OI,MO

ção para o problema do consumo de drogas nos Estados Unidos es

tá nos países estrangeiros.

Este esforço para internacionalizar o problema das drogas é

muito complexo, diante da crise política vivida pela presente Administração com o ressurgimento da Guerra Fria, aguçada pelos conflitos no Oriente Médio e na América Central. Mas ao mesmo tempo, os problemas domésticos que o consumo está ocasionando e apreocupação da opinião pública exigem da atual Administração res

postas concretas. em 1981 o presidente REAGAN considerava asdrogas um dos maiores problemas do país, pouco tempo depois declararia su a guerra contra as drogas, porque em matéria de segurança era preciso colocá-las em termos de "inimigo"; mas neste caso,para legitimar a situação política, se evidencia fundamentalmenteo inimigo externo26

Deste modo, surge um novo discurso em relação às drogas, maiscomplexo, mas mais coerente com os fins perseguidos: o discurso

polftico-juridico transnacional, que corresponde ao surgimento domodelo geopolítico e portanto à ineorporação dos postulados da

aotcmase nos de que neste momento as drogas estão

tando o próprio poder do Estado.

Como a atenção está dirigida ao exterior, a ênfase do discursorecai sobre a oferta, e concretamente sobre o tráfico de drogas produzidas fora dos Estados Unidos, ou seja, maconha, heroína ou cocaína, mas fundamentalmente esta última (por razões econômicasassim como sociais, se nos lembrarmos de quem as consome). Para

legitimar o discurso e dar mais força à imagem do "inimigo externo", já nã o se fala das "drogas", mas se resgatará o termo inglês Nar

cotics utilizado quando se associava a droga aos opiáceos e àcocaína27 , adaptando-o à época atual. Isto explica o fato de osmeios de comunicação, em seu discurso, terem se encarregado de difundir em âmbito continental os termos narcolráfico para qualificar o inimigo em seu aspecto econômico, e narcoterrorismo28 em seuaspecto político. E que, posteriormente, a todas as palavras relacio··nadas ao tema das drogas na década de oitenta se acrescente o prefi

xo narco, po r exemplo, narcodólar, narcoeconomia, narcoestado, nar-

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NA DÉCADA DE OITENTA

comilitar, narcosubversivo, narcomania e recentemente narcocontras.

Eliminam-se as barreiras idiomáticas: os termos podem ser usa

dos igualmente em inglês e em espanhol; deste modo, a linguagemda droga da década de oitenta reproduz curiosamente as mesmas características mundiais da transnacional da qual se ocupa.

Este novo discurso, po r seu conteúdo geopolítico, já nã o esta

belece diferenças entre doente-consumidor e delinqüente-traficantecomo antes, mas entre países vítimas e países vitimários. Neste sentidO, nu m primeiro momento, os Estados Unidos são apresentadoscomo o país vítima po r excelência, quando se assinala qu e é "o objetivo principal de produtores e narcotraficantes do exterior". E sefaz referência aos "narcóticos" em termos de "praga" que está in

vadindo o país. Posteriormente, quando no discurso se internacionaliza o problema do consumo, o termo se estende a outros países,

qu e também se convertem em vítimas.Qualifica-se em um primeiro momento de país algoz Cuba, erecentemente a Nicarágua, acusados de cúmplices do tráfico

e de nos países da Américado O discurso dirige-se - - no ca-

so cio Continente americano especialmente contra os movimen-tos e co m o qual o estereótipo criminosolatino-americano, e concretamente colombiano, ao qual nos referimos antes, deixa de ser exclusividade da política doméstica norteamericana e adquire caráter continental, convertendo-se no estereótipo poHtico··criminoso colombiano, temido principalmente pelos países fronteiriços.

Nu m primeiro momento faz-se referência à Conexão Cubana

com acusações concretas do Departamento de Estado contra funcionários do governo cubano residentes na Colômbia e se fala de vin

culações entre o transporte de armas para o M-19 e o tráfico de maconha para os Estados Unidos com a ajuda do governo cubano. Maisrecentemente, se inclui a Nicarágua e se afirma que "o tráfico de drogas é parte da estratégia dos sandinistas para desestabilizar os Estados Unidos através do consumo de drogas, porque o consumo da dro

ga faz parte da estratégia soviético-cubana-nicaragüense contra o Ocidentc"29. meses antes de serem difundidas na imprensa estas

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ROSA DEL OLMO

palavras, no entanto, o administrador do DEA, JOHN C. LAWN, declarou: "Não existe informação substancial que implique de maneira

definitiva Cuba ou a Nicarágua como países de onde a cocaínaé pro

veniente"30. O discurso contribuiu para legitimar diante da opinião

pública qualquer ajuda possível do governo norte-americano aos

"Contras"31. E por sua vez para difundir apenas um estereótipo,ma s ampliando o narcoterrorismo para incluir todos os países inimigos dos Estados Unidos ou possíveis grupos opositores que pos

sam surgir no futuro.

Neste sentido, recentemente o discurso geopolítico foi ampliado

para incluir no estereótipo do algoz também governos da região. Em

1986 se desencadeou uma campanha contra o México (e posterior

mente contra o Panamá), chegando o governo norte-amer icano a afirma r o seguinte: "Os Estados Unidos devem evitar a colaboração com

funcionários governamentais de países que, como no caso do Pana

má , têm ligações comprovadas com o narcotráfico"32.Difunde-se posteriormente em nível continental, sem se men

cionar a fonte, um discurso mais geral, mas também mais ameaça

do r - porque já não se acusa nenhum país em particular -, que

se resume nas seguintes comprovada a existência de

um vínculo entre o narcotráfico, o terrorismo, a subver são e a delinqüência, ocasionando a deterioração da sociedade e a desestabilização da área". Palavras que as forças armadas do Continente aco

lhem para reforçar o estereótipo da narcosubversão, tão ou mais

ameaçador do que o do narcoterrorismo, e provavelmente um termo mais apropriado à região. E também para incluir no mesmo dis

curso os responsáveis latino-americanos pelo negócio, qualificados

de "Máfia", utilizando equivocadamente a terminologia da épocada proibição nos Estados Unidos, apesar de as características da organização serem muito mais complexas e de, no contexto latino

americano, participar toda um a série de atores que não correspon

dem ao que era aquela33 •

O importante porém é o discurso, e em especial que este fomenteo terror para legitimar a ideologia da diferenciação à qual nos referimos anteriormente. Observa-se portanto também nos últimos anos

a difusão do estereótipo moral pelos meios de comunicação. As pa

lavras de PAULA HAWKINS quando era senadora pelo Estado da Fló-

70

NA DÉCADA DE OITENTA

rida e presidente do Subcomitê do Senado sobre Alcoolismo e Us o

Indevido de Drogas ilustram isso (apesar de ela parecer não esquecer tampouco o aspecto econômico): "A cocaína é a droga do juizo

final capaz de destruir nossos filhos, nosso país e nossa civilização.tivesse de suspender este ano a ajuda para qualquer nação, o fa

ria para pôr fim ao narcotráfico"34.Correspondendo a tudo o que foi mencionado até agora com

relação à década de oitenta nos Estados Unidos, observam-se na

América Latina a difusão do mesmo discurso no plano oficial e aadoção de um a série de medidas que dão caráter prioritário ao pro

blema. O discurso busca eliminar diferenças entre nações consumi

doras e produtoras para destacar, como o assinalou Edwin Meese,procurador geral dos Estados Unidos, que "o vício da droga não éum problema apenas dos Estados Unidos, mas uma praga que chega a toda parte". A ênfase recai sem dúvida sobre a cocaína, apesar

de os governos latino-americanos reiteradamente manifestarem, emreuniões internacionais, que o problema de consumo em seus respectivos países se concentra especialmente na maconha, nos psico-

e nos inalantes. se deve esquecer que o discurso geo-dirige concretamente ao tráfico um a dro-

ga produzida exclusívamente na América Os governos dare

gião acolhem estas colocações, esquecendo-se de seus problemas internos. Isto explica, por exemplo, a série de reuniões que

se realizaram estes anos para estudar exclusivamente a coca. A primeira, ocorrida no Peru e organizada pela OMS e o governo perua

no, teve grande difusão num livro intitulado Cocaína 1980. Em 1983se reuniu, também em Lima, a UI Conferência Anual dos Estados

Membros da ASEP, com o tema central ''Análise Integral do Uso da Folha de Coca pela População Indígena". Nesse mesmo ano se realizou na Colômbia um a conferência internacional na qual a atenção

esteve dirigida para o estudo do bazuco, droga mais barata que a co

caína e que já começava a ser consumida em vários países da Amé

rica Latina. Em 1 a OMS organiza em Bogotá um a reunião deum grupo de especialistas sobre as conseqüências adversas para a saú-

derivadas do consumo da cocaína e de fumar past a de coca. Po r

sua vez, também em Bogotá, nesse ano a ASEP realizou sua VI Con

ferência Anual de Estados Membros e tratou da mesma droga. Daí o

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ROSA DEL OLMO

tema eentral ter sido "Modalidades eriminosas no tráfico ilícito defolhas de coca e seus derivados". Em 1985 se reuniu de novo no Peru

um grupo de especialistas para estudar a coca, culminando tudo com

a realização,no Rio de Janeiro, em abril de

1986,da

Conferência Es-pecializada Interamericana sobre Narcotráfico, convocada pela Or

ganização dos Estados Americanos (OEA) para estudar exclusivamente o problema da cocaína.

Em 1982 havia sido criado um grupo de trabalho na OEA, por

iniciativa da Missão Permanente da Bolívia, para estudar possíveislinhas de ação que pudessem ser tomadas pelo sistema iriteramerica

no. No s respectivos países estava sendo traçada a infra-estrutura necessária para dar prioridade ao problema das drogas. Neste senti

do, po r exemplo, se cria no Brasil em 1980 o Conselho Federal de

tupefacientes, e na Bolívia em 1982 se aprova um a nova lei e se cria

o Conselho Nacional de Luta contra o Narcotráfico. Em 1983 é fir

mado um acordo com os Estados Unidos para erradicar cultivos eem 1984 aAID elabora um projeto de desenvolvimento na região de

Chapare. No Peru também são elaborados vários projetos em con-

junto co m o Departamento de dos e o Fundo das Na-

Unidas no Alto Huallaga e Mada. se aprova

que designa um a comissão para estudar o problema

U\ ' - ' f 1"" . a à droga e o alcoolismo na juventude. Realiza-se um a

série de reuniões de forças de segurança em vários países; são estabelecidos convênios bilaterais. O Peru cria o Centro Regional de Ca

pacitação de Instrutores para a luta contra o tráfico ilícito de dro

gas, para capacitar oficiais e funcionários dos países membros do

Acordo Sul-Americano. Por sua vez, na Venezuela se sanciona em

1984 a lei orgânica sobre substâncias estupefacientes e psicotrópi

cas e se estabelece no Centro Regional de Capitalização um Serviço

para a Educação Preventiva, co m base na Comissão Nacional Con

tra o Uso Ilícito de Drogas (CONACUID).

Estes poucos exemplos demonstram como na América Latina,

na década de oitenta, é reativada de modo bastante considerável um a

série de medidas para sua entrada na guerra contra (l''l drogas.Mas é provavelmente o an o de 1984 o detonador do discurso,

por uma série de acontecimentos que se sucederam. Talvez o mais

significativo e que dramatizou de forma violenta o problema tenha

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NA DÉCADA DE OITENTA

sido o lamentável assassinato, na Colômbia, do ministro da Justi

ça, RODRIGO LARA BONILLA. Exatamente nesse an o estabeleceu

se um a série de acordos e reuniões governamentais de alto nível pa

ra da r maior força à colaboração continental. O ponto de partida

parece ter sido a Declaração de Quito, assinada po r vários presiden

tes da região, na qual o narcotráficoé qualificado de "delito contra

a humanidade". Po r sua vez, nesse mesmo ano os ministros das Relações Exteriores de vários países latino-americanos assinaram a De-claração deNova Iorque, na qual solicitam às Nações Unidas acon

vocação de um a conferência especializada para o exame dos proble

mas jurídicos e institucionais e a adoção de um plano de ação inter

nacional contra o narcotráfico, conferência que se realizou em Vie

na em julho de 1987.

Em fevereiro de 1985 foi realizada em Washington um a confe

rência sobre a luta contra as drogas, da qual participaramvinte paí

ses da América Latina, organizada pela senadora PAULAHAWKINS.

Em abril de 1986 foi firmado o Convênio "Rodrigo Lara Bonilla"

entre os países-membros do Acordo de Cartagena, sobre Coopera-

para a Uso Indevido e a ao Ilí-

cito Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas na cidade de Li-ma. maio se realizou em Quito o Simpósio Interparlamentarso-bre Narcotráfico e Farmacodependência convocado pelo Parlamento

Andino, onde se assinou aAta Interparlamentar de Quito sobre Nar-cotráfico e Farmacodependência, e se assinaloU, entre outros aspec

tos, a necessidade de se uniformizar as legislações sobre narcotráfi

co e farmacodependência e se criar um a legislação latino-americana

sobre o narcotráfico e a farmacodependência.Em novembro de 1986 se reuniram os ministros e procurado

res gerais de Justiça de vários países em Puerto Vallarta, Jalisco, Mé

xico, onde se emitiu a Declaração de Puerto de Vallarta, na qual se

destaca a necessidade da colaboração regionál para reduzir a pro

dução, o tráfico e o consumo ilegais de estupefacientes e psicotrópi

cos.

Em fevereiro de 1987 se realizou um seminário sobre coorde

nação legislativa contra os estupefacientes, sob os auspícios do Par

lamento Andino e do Fundo das Nações Unidas na cidade de Lima,

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ROSA DEL OLMO

Peru, que corresponde ao decidido no Simpósio Interparlamentarrealizado em Quito em maio de 1986, ao qual nos referimos.

Po r todo o exposto é evidente que no atual momento no Continente americano, predominam o discurso pOlítico-jurídfco trans

nacional, assim como dois estereótipos: I? ) o da cocaína; 2?) opolítico-criminoso latino-americano, segundo os quais o atual problema das drogas no Continente se restringe a apenas um a droga ea apenas um responsáveL Discurso que tem como característica fundamental "uma crescente militarização da terminologia emprega-da "3 5 . I . ., mas que consegue o que assma ou certa vez um mIlItar vene-zuelano:

"O narcotráfico é a única força capaz de internacionalizar omundo em um só bloco para lutar contra ele; talvez um a que nadapôde u n i r . . ~ '

NOTAS

1. GARY LA FREE e BRUCE J. PERLMAN, "L a evolución de las gestiones realizadas por USA para controlar el narcotráfico a nivel internacional y sus repercusíones en Latinoamérica: Investigación preliminar", Seminarío sobre la CriminologlÍl en Latinoamérica, CENIPEC, ULA, Mérida, novo 1985, I J.

2. PERFEClD CONDE, HEI Triângulo de las Bermudas de la Cocaína" in lnter-view, an o 10, n? 474, junho, 1985, pág. 30. '

3. ~ C N A C , ~ o u t h American StudyJyfission (9-23 de agosto, 1977), US, Gvt. Printm g OffIce, Washington, 1977, págs. 28-29.

4. MELINDA BECK e ELAlNE SHANON, ''A New Attack on Drugs" in Newsweek

20 de julho de 1981, pág. 30 (grifo nosso). '

5.SlDNEY COHEN,

Cocaine: The Bottom Line. The American Council for DrugEducation, 1985, pág. 8.

6. ~ I C H , A R ~ , ~ ' CLAYlDN, "C?caine Use in t h ~ US in. a B 1 ~ z z a r d or just beingSno\\ed .. ' mNIDA. Cocame Use m Amenca: EpldemlOloglc and ClinicaiRIersp:ctlves, Research Monograph Series 61, Washington, D.c., 1985, págs.4e b .

7. Th e President's Commissiol1 on Organized Crime, Oro-anízed Crime and

H.eroin Traffícking. Informe da Audiência de 20-21 de t;vereiro, 1985, Washmgton, D.c., 1985.

8. MARGANTHAU e outros, "Guns, Grass an d Money", in Newsweek, 22 de outubro, 1982.

9. Ver MARY KATHERINE PERKINS e HERBERT RAY GILBERT, "The Economic

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10 .

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Impact of the Drug Trade and US Interdiction an d ErradicationPolicy on theCaribbean", Caribbean Studies Association Conference, Caracas, 20-31 demaio, 1986, Tabela 1.Ver por exemplo lnter-American Dialogue, Rebuilding Cooperation in theAmericas, Informe Anual, 1986, capítulo IV.RONALD J. CAFFEY, "The Strategy of Enforcement: Counter attack on cocaine", in Drug Enforcement, OEA, outono de 1982, pág. 2.PETER REUTER, "Eternal Hope: America's quest for narcotic control", in ThePublic lnterest, 1985, pág. 89.Ver sobre este aspecto os interessantes dados de RAFAEL ORTEGóN P ÁEZ, emseu livro Vorágine alucinante en la historiq .de las drogas, Bogotá, Ed. TercerMundo, 1981, em especial o capítulo XXI e seguintes.GARY D. LAFREE e J. PERLMAN, op. cit., pág. 9.EI Nacional, Caracas, 21 de fevereiro de 1984.DOMENICK DIPASCUALE, "1983, an o significativo en la lucha contra Ias drogas", El Universal, Caracas, 21-1-84.JANICE CASTRO, "Battling the Enemy Within", in Time, 17 de março d e 1986,pág.25.PETER REUTER, op. cit., pág. 79.GARY D. LAFREE e BRUCE PERLMAN, op. cit., pág. 16.

ETHAN A. NADELMAN, "International Drugs Trafficking and US Foreign Polícy", in The Washington Quarterly, 8, 4, 1985.Ver neste sentido a discussão de MARY K. PERKINS e H. R. GILBERT, op. cil.PETER REUTER, op. cit., pág. 79.JOEL BRINKLEY, "Diplomacy an d Drugs", in The New Yórk Times, 26 demarço de 1986."USA busca medidas drásticas contra llarcotráficos", El Díario de Caracas,28 de julho de 1986."Reagan asignó a fuerzas armadas y servicios policiales papel importante contr a narcotráfico", El Universal, Caracas, 9 de junho de 1986.É interessante ler na revista Time, de 19 de janeiro de 1987, pág. 25, queo presidente Reagan decid iu pelo recorde de 3 bilhões para o orçamento para 1988,argumentando que

"aguerra contra as drogas

se ligafundamentalmente

à retidão moral e liderança inspiradora e apenas secundariamenteao dinheiro".Será que a frente intema não é o mais importante, mas a externa, de acordocom o que assinalamos?Vários especialistas salientaram o erro de se incluir dentro dos "narcóticos"(que em espanhol se traduz por "estupefaciente") a cocaína, que não tem nenhuma das propriedades dos opiáceos. Estes têm como finalidade adormecer - isto é, narcotizar enquanto a cocaína é um estimulante evidente.Nos anos 70 já se costumava relacionar as drogas com a guerrilha na América Latina, mas de um modo diferente, de acordo com o discurso da época,no qual o importante era o consumo. Da í o fato de o embaixador norteamericano em Buenos Aires, Robert RiU, acusar os guerrilheiros de serem os

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principais consumidores das drogas, pelo que, para ele, uma campanha antidrogas seria automaticamente uma campanha antiguerrilha. Foi outro embaixador nor te-america no, Lewis Tambs, que, em Bogotá, já no começo dadécada de oitenta, alcunhou o termo narcoguerrílha.

29 . E/ Diario de Caracas, 19 de abril de 1986.

3O. El Diario de Caracas, 26 de janeiro de 1986.3 1. Curiosamente, se denunciou, porém, com gr ande insistência nos últimos dias,

os Contras de, em cumplicidade com ex-agentes da CIA, vender cocaína aosEstados,Unidos para comprar arma s e enriquecer. Neste sentido, ver "l s Therea Contra Drug Connection?", in Newsweek, 26 de janeiro, 1987, pág. 40.

32 . El Diario de Caracas, I? de outubro de 1986.

33 . Ver os estudos de'PETER REUTER e em particular "The Organization of theilIegal Mark ets: An Economic Analysis", US Department of Justice, Washington, D.C., fevereiro, 1985.

34 . E/ Diario de Caracas, 22 de junho de 1986 (grifo nosso).

35. EMILIO GARCiA MÉNDEZ, "Drogas: qué política criminal para Ia Argentinademocrática?", Roma, 1986, pág. 10 (datilografado).

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V. CONCLUSÃO

Neste ensaio quisemos demonstrar como nos últimos anos foram tecidos vários discursos em torno das drogas, muitas vezes contraditó rios entre si, mas que servem para criar um a série de estereótipos cuja principal finalidade é dramatizar e demoniza r o problema. Com isto se escondem o alcance e suas repercussões econômi

cas e políticas atrás de um discurso único de caráter universal, a temporaI e a-histórico que só contribui para a consolidação do poderdas transnacionais qu e manejam o negócio.

esta é o dossignificados das drogas em diferentes épocas. Aqui se partiu exclusivamente do período do pós-guerra, e concretamente da década decinqüenta até nossos dias - - aproximadamente 40 anos-, mas apesa r de sua brevidade se percebem nestes últimos anos transforma-ções mui to significativas.

Deste modo quisemos demonstrar co mo na década de cinqüentao mundo da droga era visto como um universo misterioso, próprio

de grupos marginais - aristocratas ou guetos - que consumiam heroína ou maconha. Predominava o discurso juridico e concretamenteum estereótipo mora l que vinculava as drogas ao perigo. Com relação ao consumo, porque as vinculava ao sexo, e em relação ao tráfico porque as vinculava à Máfia, à chamada Cosa Nostra da época.Mas em linhas gerais nã o era um problema de grande produção.

Na década de sessenta a situação muda nos Estados Unidos,que desde então vão estabelecer as pautas do novo discurso; o consumo (especialmente de drogas alucinógenas) chega àjuventude declasse média, razão pela qual se reforma todo o discurso. A droga

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passa a ser sinônimo de dependência, a ser percebida em termos de

um a luta "entre o bem e o mal" e a ser vista como um "vírus" conta

gioso. Cria-se assim um discurso médico-jurídico que define o con

sumidor como doente e o traficante como delinqüente, e em conse

qüência se criam dois estereótipos: o da dependência e o criminoso.As autoridades tratam o problema, e em especial a maconha,

em termos de inimigo in terno, de desafio contra a ordem, razão pela

qual se lança um a violenta campanha de erradicação no México, de

onde provinha em grandes quantidades.

N o início da década de setenta, e em parte como conseqüência

da perseguição à maconha, surge a epidemia da heroína, a ponto deo presidente Nixon qualificá-la de "primeiro inimigo público não

econômico", Surge assim o estereótipo polltico-criminoso, que é reforçado pelo discurso jurídico-político ao lado do discurso médicoque criou com maior ênfase o estereótipo da dependência, pelo lugar destacado que tem na época o problema do consumo. Há um du

plo inimigo: externo e interno. Enquanto isso, nos últimos anos dadécada, a cocaína entra no mercado norte-americano devido à instalação de sua indústria na América Latina e do declínio da heroína

quando termina a guerra do Vietnã.. ass im o co-

Na década de oitenta se estabelece o discurso jurídico transna

cional e se internacionaliza o controle das drogas, porque o funda

mental é impedir que cheguem as drogas do exterior. Declara-se aguerra contra as drogas. O principal objetivo é controlar o tráfico

e ao mesmo tempo a subversão que pode se originar da atual criseeconômica e do problema da dívida, razão pela qual toda a atenção

recai sobr e a América Latina. Cri a-se assim o estereótipo político criminoso latino-americano, já que o inimigo neste momento é o inimigo externo, convertendo-se as drogas em um problema de segurança nacional. Deste modo se considera o problema em termos denarcosubversão, com um predomínio de conseqüências sobre o po

der econômico para os Estados Unidos e sobre o poder político para a América Latina.

Mas o discurso da droga esconde os aspectos econômicos e po

líticos do Continente que impedem a solução do problema, e que devem ser estudados co m cuidado. Será a única forma de compreen-

78

CONCLUSÃO

der por que milhares de habitantes do Continente se vêem obriga

dos neste momento a fazer parte das transnacionais das drogas em

seus diferentes níveis. Um exemplo que ilustra o que dissemos é o que

ocorreu em Belize e Jamaica: "Os proj etos do presidente Reagan para

promover estabilidade política e econômica, c o n t r o ~ a r a imigr:w_ão

ilegal e o tráfico de drogas foram afetados pelas contmuas restnçoesàs cotas açucareiras desde 1982 .. A polí tica norte-americana frenteao açúcar custou à região mais de 130 mil desempregad?s ~ e s d e 1 9 ~ 4 , que não tiveram outro remédio senão converter-se em ImIgrantes Ilegais ou em cultivadores de maconha para sobreviver"l. E o que está acontecendo com o café na Colômbia?

Esta é a face oculta da droga

NOTA

1. Ver o interessantePolicies towards1986.

de CLlFFORD KRAUSS, "Us Sugar Quotas Impede USAmerica", in Wall Street Journal, 26 de setembro de

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