a experiÊncia dos profissionais de saÚde da ......inclusive na uti neonatal. como uma enfermeira...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA UTI NEONATAL À LUZ DA FENOMENOLOGIA HERMENÊUTICA HEIDEGGERIANA Lucila Moura Ramos Vasconcelos Natal/ RN 2018

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Page 1: A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA ......inclusive na UTI Neonatal. Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da morte de pacientes na UTI. Um sofrimento

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM PSICOLOGIA

A EXPERIEcircNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAUacuteDE DA UTI NEONATAL Agrave LUZ

DA FENOMENOLOGIA HERMENEcircUTICA HEIDEGGERIANA

Lucila Moura Ramos Vasconcelos

Natal RN

2018

2

Lucila Moura Ramos Vasconcelos

A EXPERIEcircNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAUacuteDE DA UTI NEONATAL Agrave LUZ

DA FENOMENOLOGIA HERMENEcircUTICA HEIDEGGERIANA

Natal RN

2018

Tese elaborada sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

e apresentado ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

Doutora em Psicologia

3

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogaccedilatildeo de Publicaccedilatildeo na Fonte UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes -

CCHLA

Vasconcelos Lucila Moura Ramos

A experiecircncia dos profissionais de sauacutede da uti neonatal agrave luz

da fenomenologia hermenecircutica Heideggeriana Lucila Moura Ramos

Vasconcelos - Natal 2018

160f il color

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia

Orientadora Profa Dra Elza Dutra

1 Pesquisa fenomenoloacutegica - Tese 2 Profissionais de sauacutede

- Tese 3 UTI Neonatal - Morte - Receacutem-nascido - Tese I

Dutra Elza II Tiacutetulo

RNUFBS-CCHLA CDU 1599

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15710

4

5

ldquo Eacute preciso amor

Pra poder pulsar

Eacute preciso paz pra poder sorrir

Eacute preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia

Todo mundo chora

Um dia a gente chega

E no outro vai embora

Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria

Cada ser em si

Carrega o dom de ser capaz

E ser felizrdquo

Almir Sater

6

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria

Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o

meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito

obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional

Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila

aprendizado e afeto

Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais

forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo

Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos

iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir

A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do

doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo

inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-

mundo

Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento

Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave

pesquisa

Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees

para a minha tese

A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito

bom trabalhar com vocecircs

A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse

Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce

e radiante com a presenccedila de vocecircs

A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse

realidade

7

Sumaacuterio

Resumo 11

Introduccedilatildeo 13

Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31

Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia

Heideggeriana

45

Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67

Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83

Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de

sauacutede em UTI Neonatal

95

Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das

narrativas dos profissionais de sauacutede

139

Referecircncias 150

Anexos 157

8

Lista de Figuras

Figura Paacutegina

1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24

2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93

9

Lista de Tabelas

Tabela Paacutegina

1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia

na MEJC NatalRN

18

10

Lista de Siglas

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria

BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares

HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes

IMI Instituto Materno Infantil

MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

UTI Unidade de Terapia Intensiva

UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

11

Resumo

Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o

papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser

justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as

maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida

Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos

a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico

considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia

intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do

conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda

lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no

cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a

experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a

gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi

utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a

entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas

formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas

assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo

hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees

mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza

diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano

de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo

aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo

de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos

profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de

instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de

pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a

instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte

receacutem-nascido

12

Abstract

Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated

to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence

of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the

possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the

consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became

places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of

life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals

in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety

protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses

in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience

of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a

field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic

phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were

conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing

technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was

inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence

The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt

and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There

was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the

structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary

meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study

also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the

academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the

understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to

the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and

their families

Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn

13

Introduccedilatildeo

O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local

assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local

tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em

uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento

pela necessidade de zelo e carinho

A UTI Neonatal

Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida

Por entre equipos e leitos e sensores

E monitores e bombas de infusatildeo

A tecnologia aliviando as dores

A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo

Por entre antibioacuteticos e perfusores

Coletas rastreando a infecccedilatildeo

Profissionais e procedimentos salvadores

Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo

A UTI Neonatal assustadora

Tentando ser a matildeo renascedora

Tentando ser o manto que alivia

A UTI Neonatal porto seguro

Oaacutesis da esperanccedila em um futuro

Misto de amor e tecnologia

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017

14

Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos

aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se

desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu

desenvolvimento ou finitude

Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute

justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso

no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees

Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas

experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes

dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem

Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o

presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares

Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo

de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em

que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia

aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para

relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva

inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da

morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser

um profissional da aacuterea de sauacutede

O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de

adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais

Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares

Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo

envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para

15

a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos

equipamentos

A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a

experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e

as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o

tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos

profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a

morte

A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a

dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma

sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de

sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma

sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante

da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes

seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida

Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas

temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que

influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger

A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a

experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que

se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno

Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger

trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia

Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre

ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-

16

para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto

projeto

Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que

a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica

valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave

constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio

Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas

possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo

Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do

outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem

morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando

morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria

morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz

distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano

Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de

pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar

com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras

atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa

A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns

questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional

reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a

morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento

proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando

Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que

valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso

17

profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo

como se isso fosse possiacutevel

Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a

produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave

morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a

primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a

qualquer momento

Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um

idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela

frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos

que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental

contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a

preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade

Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente

destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito

longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se

em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de

paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988

mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade

materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo

componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede

2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)

A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee

o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes

foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e

18

avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais

se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-

nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o

risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito

neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)

No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos

oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees

perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes

infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-

econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees

Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos

de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes

(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado

do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco

histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o

nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016

contemplam apenas os meses de janeiro a junho)

Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC

NatalRN

19

Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os

meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das

causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como

da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-

nascido

Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo

atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)

eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte

de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte

em vida

Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo

trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente

A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano

da UTI Neonatal

Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar

com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade

caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E

quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas

(Bernieri e Hirdes 2007)

Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi

considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a

morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute

vivenciada (Ariegraves 2003)

20

O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a

morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata

no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de

palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas

posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto

A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade

de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das

demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na

vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade

que tambeacutem se finda

Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais

Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees

de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a

possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre

a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma

reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever

algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar

mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida

Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o

mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este

() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo

acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal

a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do

general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp

139)

21

faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam

conjuntamente

Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao

longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como

campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio

Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos

hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais

de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada

pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a

questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes

cotidianamente

Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se

apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos

de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida

concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre

dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados

Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega

o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto

com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante

deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e

Germano 2010)

Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais

de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os

22

procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do

tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com

a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma

tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)

Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do

mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para

a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar

sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no

mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem

vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana

O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo

da vida Como relata Casanova (2013)

Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar

estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e

diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados

para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas

dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos

imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de

cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros

movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que

mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas

preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na

primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a

proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro

lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por

vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca

a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai

completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)

23

Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que

trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade

de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo

cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados

pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma

das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave

Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os

cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade

da vida dos receacutem-nascidos

Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional

de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como

uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este

contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu

um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas

24

Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal

O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade

constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo

tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar

aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade

Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que

por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das

determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos

Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte

e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia

humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido

demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos

adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da

Profissional de Sauacutede

Teacutecnica

Protocolos de

seguranccedila

Matildees dos pacientes

Bebecircs em alto risco de morte

Equipamentos

25

maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos

pais

Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada

junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo

quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava

dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender

que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee

os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento

para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram

o suporte aos pais

As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de

quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os

profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido

durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender

o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como

enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas

experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede

Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade

de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de

compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed

utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a

existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos

demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de

enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores

26

ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou

nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo

Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e

teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e

culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em

que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que

possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia

fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)

Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de

receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os

profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de

enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a

uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)

Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar

da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar

profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer

assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma

direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos

A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a

comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente

para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

27

A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados

da seguinte forma

- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos

histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo

Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o

sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a

morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do

desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante

-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia

Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-

com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de

Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o

nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a

impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como

uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do

tempo

28

-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede

Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as

dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da

UTI Neonatal

O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra

intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida

eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o

olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a

morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em

particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas

matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos

-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho

Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para

compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das

aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos

mesmos

Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os

procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e

exclusatildeo dos participantes

Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a

caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu

trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo

29

colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno

ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas

dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica

heideggeriana

No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que

retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma

mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma

homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores

-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos

participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele

que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem

interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador

que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o

que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que

assumiu um sentido para o observador

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher

borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem

30

estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam

dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando

Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na

introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da

histoacuteria ateacute a contemporaneidade

31

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893

32

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja

como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As

atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto

histoacuterico e social de cada eacutepoca

Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado

iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da

histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a

ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia

Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com

o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos

dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram

encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes

rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram

encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais

reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e

cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)

No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados

em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e

ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a

morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte

que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante

a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de

fundamentalrdquo

(Edgar Morin 1997 p32)

33

utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam

pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos

primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de

transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)

Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das

tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida

apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia

falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local

um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como

gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos

tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se

sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)

Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para

o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao

ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a

conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade

atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos

escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro

dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava

o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris

Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o

eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser

destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)

Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da

proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava

34

o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma

preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por

vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da

justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em

um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro

e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento

do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que

concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos

Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida

De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para

utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada

em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A

civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a

morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de

servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo

individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um

atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que

os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e

em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto

como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo

(Santos 2009)

Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar

agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse

praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio

35

uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para

aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade

e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas

Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000

dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons

receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras

sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e

desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras

que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que

posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio

da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este

coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte

(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a

cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os

restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o

local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico

Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um

ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado

ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava

sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)

Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da

imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo

foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo

36

A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787

Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma

das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da

alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o

que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este

momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por

Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e

a ocasiatildeo da sua morte

Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias

refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com

o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por

uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que

nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do

homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para

outro mundo (p5)

Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos

antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte

37

enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em

vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo

a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)

Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a

forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O

sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que

a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la

e de vivenciaacute-la

Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim

para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como

tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios

por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres

e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de

deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou

abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)

No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e

era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma

natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano

que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada

Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo

que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de

preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a

proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas

tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo

cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)

38

Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo

quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs

conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei

paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda

era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um

animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia

alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra

crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)

Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos

explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma

distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida

regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os

seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o

acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca

repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)

As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte

anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia

cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees

sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos

coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos

cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)

Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte

dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte

domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as

crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural

39

Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas

aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta

crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja

cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg

1983 Ariegraves 2003)

Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em

particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma

triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como

um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi

a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a

ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)

Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram

a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte

Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas

em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do

morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos

momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens

buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras

realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves

2003 Kovaacutecs 1992)

A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor

diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se

tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o

ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao

indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que

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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e

majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)

Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do

tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro

que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia

conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho

em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte

e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto

origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada

A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando

de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII

a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado

fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi

separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-

se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo

das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande

movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves

leis ou ao Estado

Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das

famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e

filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de

honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma

espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser

mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava

de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo

ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas

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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama

dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las

Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos

dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos

seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e

solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia

que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem

uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-

se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa

revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo

voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)

Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi

modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e

ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo

menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que

jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de

cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a

sociedade contemporacircnea

Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem

faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo

aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave

vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais

destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio

distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie

de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade

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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a

existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)

No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem

como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo

estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos

contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo

trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas

no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros

comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas

(Pinto amp Veiga 2005)

A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida

e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do

prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta

busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o

sucesso a juventude e o controle emocional

Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante

refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como

ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as

interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir

reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)

Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram

frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa

de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das

condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou

faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para

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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora

da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio

a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle

sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida

Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status

social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para

o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em

detrimento do grupo social

Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos

para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando

os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos

deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da

medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores

de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte

a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo

Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo

que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos

Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os

que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do

consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer

Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos

geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na

necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte

predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem

como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual

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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos

adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica

entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo

(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)

Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia

de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar

retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais

produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas

A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute

uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo

45

Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931

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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que

natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela

imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade

que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence

a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi

ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao

mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos

pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos

esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras

a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances

A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater

entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais

contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas

controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da

valorizaccedilatildeo da vida e da juventude

O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da

forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me

A Morte Chega Cedo

A morte chega cedo pois breve eacute toda vida

O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida

O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou

E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou

E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo

No caderno da sorte que Deus deixou aberto

Fernando Pessoa in Cancioneiro

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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente

estudo

Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes

definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo

humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor

Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um

questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e

da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida

como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem

eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais

diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos

A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece

inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine

questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples

ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha

derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade

e uma reflexatildeo bem mais profunda

E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)

define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas

escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia

acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo

Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra

sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que

todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo

a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um

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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido

eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu

quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e

encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente

Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de

ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente

(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem

algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute

relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo

denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)

Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos

hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o

objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma

de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no

mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma

relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar

natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada

A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com

o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo

que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do

cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem

cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que

Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o

ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico

as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente

ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais

Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda

o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)

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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos

pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes

profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)

seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem

ganham outro sentido

O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa

que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo

de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura

ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa

Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e

depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do

cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe

eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante

Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao

mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual

estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por

assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no

mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo

Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em

um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos

caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a

() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta

e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem

natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual

por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)

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ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o

ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos

O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser

existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a

inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser

dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)

O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as

suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios

necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se

ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um

espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os

seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo

O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico

envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo

enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido

Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas

escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem

em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e

consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos

Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein

O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira

para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo

anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma

caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma

determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no

cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)

Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da

natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de

uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica

que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e

no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)

51

Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de

outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes

existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial

(Ferreira 2010 p113)

ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo

espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a

habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo

em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto

de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem

como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um

ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de

empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o

Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)

Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute

essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para

as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive

ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir

interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo

Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade

Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do

corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da

corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial

do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo

Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes

como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser

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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como

seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se

concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto

Sem abranger o ser que habita este corpo

Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica

do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as

palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa

agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um

corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar

compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais

Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a

corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que

ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte

Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da

substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes

Princiacutepios I n 53 p 44)

Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a

aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a

utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de

corporeidaderdquo (Heidegger p 146)

A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees

sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como

um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo

A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar

de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o

53

nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a

possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute

ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo

dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar

pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com

outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)

Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante

compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo

para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias

caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada

profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras

ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora

universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura

O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem

um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de

isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o

estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como

co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar

sempre com o outro (Heidegger 19272015)

Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se

estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro

das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas

mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica

eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as

encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa

primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)

54

Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade

de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma

equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento

dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E

o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do

receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees

de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo

juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em

que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se

restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos

O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein

existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do

momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da

presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da

existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem

desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do

pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um

impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros

Daseins

O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito

de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo

primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao

encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial

empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos

ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente

dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no

mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)

55

Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que

tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein

Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de

se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano

eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo

do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender

nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos

outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)

O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de

preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais

apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve

as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo

mesmo (Heidegger 1927 2015)

O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se

manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao

cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-

se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias

escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger

(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado

como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas

existem e devem existir no ser-com

O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude

que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o

seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer

o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee

56

oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um

substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua

profissatildeo por exemplo

Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da

utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo

com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que

torna o outro algo que pode ser substituiacutedo

No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais

em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente

utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia

do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com

o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro

Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se

dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a

vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades

existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas

mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim

dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais

projetos a realizar Ela encerra o inacabado

O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute

intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se

envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia

inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar

sobre o sentido do seu ser dos seus projetos

57

A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe

jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a

possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no

mundo (Heidegger 19272015)

A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada

indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma

perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas

Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto

natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram

uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos

lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte

De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a

experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor

merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca

de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute

junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede

Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-

mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute

tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-

em pode tocar e ser tocadordquo

Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa

que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra

pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do

outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias

vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo

58

Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade

proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano

deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com

a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge

com o mergulho na impessoalidade

Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver

com a ausecircncia

E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito

importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai

sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-

mundo (Heidegger 19272015)

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

59

A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua

existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em

explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos

influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem

na forma como encara a proacutepria morte

Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo

comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa

existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo

O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de

refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido

por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia

natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura

para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees

do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda

A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia

e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-

morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino

certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida

como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)

Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que

pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave

possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a

extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo

que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela

se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem

a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o

viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)

60

A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se

encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas

inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma

forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute

portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo

sobre a proacutepria morte seja evitada

Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva

do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser

medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta

consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica

torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais

o que se pode perder

O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo

(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada

pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos

e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez

eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo

Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte

algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma

intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal

[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no

mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao

ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo

como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso

significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo

(Heidegger 19272015 pp 253)

61

de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico

natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo

Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos

uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases

de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo

cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e

natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)

Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e

crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo

antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um

vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A

morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e

era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o

iniacutecio de uma histoacuteria interrompida

Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave

impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos

simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute

singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo

(Costa 2015 p 79)

A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser

medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares

de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente

e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)

Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar

que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A

62

primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga

fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer

remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)

A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental

portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a

temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da

sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo

de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos

Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma

importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em

ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento

para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em

uma eacutepoca

Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo

dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo

armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza

produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor

conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem

da necessidade de subsistecircncia

Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste

em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a

semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus

A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na

histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo

preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria

(Nunes 2012 p151)

63

frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave

presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E

este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta

O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele

se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira

satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda

retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave

manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)

Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento

Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de

provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos

e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor

desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)

Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela

postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do

homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades

de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e

No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores

alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos

deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla

era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As

obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da

produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos

Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)

Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo

fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir

dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na

clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a

ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)

64

reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o

domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo

diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que

calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com

maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de

oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo

(Heidegger 1959 p 13)

Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da

existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos

estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente

presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista

parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)

A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que

pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta

demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo

que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)

Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os

acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem

diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas

cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com

novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou

ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente

adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido

65

O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos

tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o

pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode

predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura

de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo

O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu

cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-

las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no

leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a

dependecircncia

Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que

atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e

novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico

natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as

almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo

para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver

o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo

Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo

preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as

decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos

adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos

familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de

trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a

respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede

66

Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees

acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute

esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo

67

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512

68

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves

dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular

da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o

hospital o local destinado ao envio de doentes

O cuidador

Tanta palavra

Tanto trabalho

Tanto diagnoacutestico Avassalador

Tanta cultura

Entre a dor e a cura

Tanta procura

Pelo fim da dor

Tanta rotina

Tanto medicamento

Tanto equipamento De alto valor

Tanta tecnologia

Envolvendo tanta gente

E nada disso

Aparentemente

Eacute suficiente

Para garantir

Verdadeiramente

Um cuidador

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas

Apressadas 2017

69

A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho

Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e

cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta

2003)

Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram

locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de

Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em

1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com

condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais

eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham

outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)

O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente

recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu

um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-

1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer

hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as

condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para

gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)

Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior

surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata

Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente

que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos

cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente

nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo

era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria

70

salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma

obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo

De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem

aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios

domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a

acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a

matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser

extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem

apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio

dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)

As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu

leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de

1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute

atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender

crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma

geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito

frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em

portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)

Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar

continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da

temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram

a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a

diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)

Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se

ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser

71

referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de

atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos

que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios

Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus

familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em

berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto

ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho

logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o

estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar

a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento

conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada

de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de

Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)

De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede

passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite

ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade

capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede

Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35

semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de

Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)

Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo

encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo

10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para

a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para

o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados

72

I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica

ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)

II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de

nascimento menor de 1000 gramas

III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio

imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte

IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e

V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter

venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de

infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta

por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos

agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de

30122013)rdquo

A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie

de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos

quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos

cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de

alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada

para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o

sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado

um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados

necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira

2005 Costa amp Padilha 2011)

73

Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as

matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas

Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto

Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir

de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de

baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de

sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)

Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido

de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo

da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos

cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o

envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)

Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a

implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes

no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias

de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga

emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho

excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas

decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade

A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo

Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo

Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo

voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que

permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia

com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo

buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no

hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)

74

ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e

dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005

Scochi et al 2001)

No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia

no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local

escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou

importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do

seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da

deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra

Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de

Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade

que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)

Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia

materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo

praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no

atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de

recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo

(EBSERH 2015)

Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de

Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A

maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com

75

23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados

recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do

RN (UFRN 2017)

Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade

A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia

de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a

morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares

De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da

Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe

multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de

2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e

humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e

habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)

a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em

Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina

Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou

Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo

76

c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com

habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional

comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal

e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia

profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada

horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas

h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada

turno

i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno

j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade

Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel

de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de

fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais

Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria

GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia

psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de

77

funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive

fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos

Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no

proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era

da teacutecnica e diante da morte de pacientes

32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes

No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado

Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro

e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a

condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A

ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins

inclusive o proacuteprio indiviacuteduo

O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o

cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior

de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias

possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo

inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo

de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua

responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha

Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra

nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a

racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a

doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura

(Rebouccedilas 2015)

78

Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os

pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante

na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto

ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas

Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de

um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que

cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo

foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado

como coisa objeto

O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao

pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece

Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e

que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o

nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo

enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e

expectativas

Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da

medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado

de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre

o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger

(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de

cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica

ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares

Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado

algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc

79

apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs

Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de

um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves

necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)

Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo

a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais

estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem

um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro

(Heidegger 1927 2015)

Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no

cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da

morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do

que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia

paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade

enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante

da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006)

Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes

proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede

diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo

prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao

abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente

propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo

aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e

orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam

80

Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades

apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda

tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros

como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt

2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)

Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como

um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute

morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais

sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a

manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp

Luker 2003)

Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte

de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao

comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover

qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente

com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva

2006)

Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes

profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo

de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais

frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais

presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados

sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre

os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva

2012 p 54)

81

Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados

diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim

dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a

comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do

oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o

paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados

925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto

Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com

familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se

como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se

ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte

precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e

profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto

(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de

oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o

psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as

suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas

pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente

possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto

um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento

(Medeiros amp Lustosa 2011)

O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em

oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio

82

ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na

praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais

do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que

promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a

necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo

a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por

um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)

Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos

familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave

alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do

psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo

quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres

psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)

As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte

aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os

sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano

de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo

para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional

Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue

contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa

83

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888

84

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir

enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes

compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees

anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo

real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar

sobre a pesquisa

Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para

um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha

questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a

praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de

sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia

da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma

compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal

Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir

atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados

e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados

com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer

uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao

fenocircmeno

Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair

daqui

Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato

Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice

Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o

gato

Lewis Carroll

85

Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel

com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a

fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a

realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos

A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)

busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de

questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude

Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo

aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas

simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama

de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto

morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde

o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a

experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle

como premissas

Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada

nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano

a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e

teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e

instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da

filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas

como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do

real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita

noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente

e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)

86

enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no

mundo (Heidegger 19271989)

A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu

como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI

Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia

que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-

para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado

Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a

existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no

mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida

que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo

inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo

a serrdquo

Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais

de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios

vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo

da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o

fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos

encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno

A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento

uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o

fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador

Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular

o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A

verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e

87

considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo

Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia

desvelar novos sentidos para a sua existecircncia

A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de

causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para

realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma

mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos

A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante

seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees

sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante

do que foi narrado

41-Participantes da pesquisa

A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional

considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente

contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a

estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal

Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de

participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove

entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)

Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45

anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais

de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e

88

estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da

EBSERH

A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as

entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28

meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos

de enfermagem

42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo

Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-

Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe

multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e

que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo

delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou

de niacutevel superior)

Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica

para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na

Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de

exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de

Terapia Intensiva Neonatal

Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica

heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a

idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para

a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a

tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram

considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas

89

43-Aspectos eacuteticos

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN

Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram

participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa

(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi

solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em

anexo)

As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o

desenvolvimento das atividades laborais

Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a

preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um

cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles

pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de

alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho

Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes

fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo

tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para

tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho

com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como

Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol

90

44- Formas de trilhar o caminho

Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto

agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de

Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica

da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com

a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute

de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta

etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre

a pesquisa

Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal

dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada

naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como

a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz

gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia

Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas

narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das

profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo

do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de

matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede

A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao

fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A

narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o

participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio

de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)

91

A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo

pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir

da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa

durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)

Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu

interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma

busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que

o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas

mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)

A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e

resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado

pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo

disparadora

ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI

Neonatalrdquo

42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo

A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger

buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a

fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na

Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem

verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana

Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no

seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia

da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)

92

Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo

utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano

sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e

Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano

como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger

19272015)

Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo

afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o

mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o

interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas

que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como

tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a

abertura do ser para o mundo de outro modo

A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do

ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-

ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as

possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de

ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a

compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em

si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo

A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como

interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas

separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as

possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo

93

A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo

da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por

meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)

ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo

eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da

maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente

a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo

Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre

os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de

gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo

Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e

compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade

absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto

histoacuterico especiacutefico

Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que

compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a

concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir

Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico

Posiccedilatildeo Preacutevia

Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo

Preacutevia

Abertura Disposiccedilatildeo

compreensatildeo linguagem

(Azevedo 2013 Maux 2014)

94

A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras

realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a

escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao

encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do

participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico

especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado

A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi

ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma

disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos

apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a

interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com

base na sua compreensatildeo de mundo

A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo

dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo

anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades

de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta

abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando

a compreensatildeo da experiecircncia do outro

A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade

hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes

de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)

-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o

pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e

questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia

-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador

95

-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas

da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os

participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador

narrador

-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos

anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute

apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do

fenocircmeno

A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta

a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux

amp Dutra 2009 Schmidt 2006)

Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que

assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do

percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do

mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o

fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes

do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as

coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo

instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens

atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo

A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a

historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um

encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e

buscam formas de lidar com a finitude

96

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush

97

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes

na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro

apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em

torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que

integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas

de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as

relaccedilotildees que constituem com o outro

Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas

vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em

nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo

jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada

integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros

bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos

bebecircs

As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas

ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando

o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres

humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais

murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades

As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para

as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo

cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro

sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo

98

Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como

caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas

Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros

conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos

instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada

dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares

Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos

por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do

pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas

apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para

trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os

sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes

os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-

Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e

projetos

De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos

participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes

da UTI Neonatal

1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal

Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente

contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da

MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato

passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida

Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante

99

a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes

profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos

durante a anaacutelise

Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia

durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento

inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida

Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente

quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos

Seguem alguns relatos que ilustram isso

ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na

enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar

da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na

famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo

(Margarida)

ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo

que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento

tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha

casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)

As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do

concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar

em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de

bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que

hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias

ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo

vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito

grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas

receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)

100

ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido

aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a

aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)

Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em

comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de

ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da

dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de

uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem

continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas

Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia

existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que

constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees

diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo

Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI

Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de

Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu

primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois

virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as

oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso

profissional foi se desenvolvendo

ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo

foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a

oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)

O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que

enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai

sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de

101

uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado

de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da

vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte

de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo

profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando

O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo

implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na

concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas

como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo

do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias

Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes

profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito

Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo

baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do

homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser

encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo

natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)

A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte

histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla

o trabalho na UTI Neonatal

2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal

A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas

unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um

corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos

uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)

102

Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um

maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que

ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos

receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado

por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal

ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se

eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado

ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai

que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas

tomar banho de solrdquo (Girassol)

Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator

que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por

Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu

desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma

caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos

profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que

circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs

Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada

pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz

solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente

algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para

ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por

alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do

confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de

trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005

Rocha Souza e Teixeira 2015)

103

Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave

sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta

um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos

ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do

que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros

de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba

levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros

na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)

ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos

profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar

com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto

e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto

que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo

(Amariacutelis)

A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e

psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com

o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos

afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de

atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados

pelos profissionais

Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia

negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local

onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa

Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos

profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se

pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo

104

da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de

vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)

A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os

profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em

Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o

contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma

questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo

Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica

Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento

teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual

estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os

resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)

Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que

valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento

Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e

agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica

produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado

Como pode ser observado no relato a seguir

ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia

Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das

vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar

Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc

abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)

Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela

profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava

correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso

105

que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias

impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma

atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a

pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte

O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso

que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que

pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na

morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma

ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute

presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso

No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de

pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este

tipo de abandono

O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais

refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da

responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia

ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na

profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua

vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute

inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados

familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)

Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta

obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os

profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade

interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede

106

Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos

comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado

reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso

horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo

com Heidegger (2007 p 380)

O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa

ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas

de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os

homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)

Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza

o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta

dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua

vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os

obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que

realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga

ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho

de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em

ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se

atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a

essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O

desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza

a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal

Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece

previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de

proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna

tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo

107

relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte

assimrdquo (Violeta)

ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo

que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto

pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de

identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da

falta de pessoalrdquo (Rosa)

Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um

lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que

ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas

e ateacute na morte de pacientes

Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma

reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo

Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas

consequecircncias que podem gerar

ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma

famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o

impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo

(Tulipa)

Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do

conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir

sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo

esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela

concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica

enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)

E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa

possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta

108

desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve

os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir

3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos

Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de

receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute

contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave

ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros

contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte

certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute

verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida

Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar

adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)

ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida

quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva

Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute

que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar

com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)

A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera

sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro

da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e

tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede

em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)

109

Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como

se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e

seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido

ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro

pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me

marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma

matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)

Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo

Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo

distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento

conforme pode ser constatado nos relatos a seguir

ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a

capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer

uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA

gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)

ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz

muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar

remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo

emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia

Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma

vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)

A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento

para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga

suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta

necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando

110

ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico

enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta

na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no

colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada

chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num

shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu

cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas

foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta

dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que

vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)

O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas

de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o

controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim

este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio

profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele

ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao

como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio

e racional

De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi

apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o

quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo

passiacuteveis de serem expostas

Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos

profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode

ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte

eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo

seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom

111

prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento

nos profissionais

ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila

a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam

quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute

comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio

que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as

perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)

Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima

pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os

pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade

Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional

Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de

impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados

e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso

horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar

a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os

acontecimentos do mundo

De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente

quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o

desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees

e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao

aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar

parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute

muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato

ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes

mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo

taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de

112

hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o

momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou

maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente

mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de

pararrdquo (Angeacutelica)

Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer

que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela

cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de

esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi

feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel

Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na

qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar

com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe

que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais

porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo

Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o

reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos

abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um

sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de

forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir

ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a

gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir

responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi

porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo

orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo

ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)

113

ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que

parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida

porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou

faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de

emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)

Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as

participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar

dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma

culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo

A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo

Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se

cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)

Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez

por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na

decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma

determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do

cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem

estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser

(Heidegger 1927 2015)

A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser

portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da

facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o

homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)

Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa

Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais

114

comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que

estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando

Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a

ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir

com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto

anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente

estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do

preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se

materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a

culpa

A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para

pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que

eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade

Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos

Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das

ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)

Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e

os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam

sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras

doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes

como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de

tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios

e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no

centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar

ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja

115

A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado

O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para

alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem

pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)

A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que

centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas

possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a

referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser

introjeta os valores deste mundo

Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas

atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de

trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos

profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de

trabalho

4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de

trabalho

Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de

presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em

relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento

O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre

essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico

Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que

ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada

profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs

em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente

116

as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam

questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem

iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas

instalaccedilotildees da UTI Neonatal

ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute

importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que

taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema

eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute

desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por

exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a

gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra

fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)

A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo

fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os

familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim

acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e

questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido

Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de

trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos

projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos

perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco

entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-

se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos

aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo

envolve a sua histoacuteria

117

Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais

em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte

de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma

profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar

esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido

ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma

coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque

tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber

uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu

bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu

bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas

reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc

porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo

Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar

ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)

Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de

expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de

conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento

das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia

de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um

profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo

detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de

tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um

no outro

De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo

de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz

parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa

118

interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no

qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo

Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute

interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante

das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee

preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar

temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a

sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados

ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela

foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo

como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um

divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira

menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee

taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute

dentrordquo (Angeacutelica)

Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma

situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar

do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a

considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos

refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro

Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era

um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela

Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e

sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de

Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o

grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor

119

dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas

proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados

(Carvalho 1996)

Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-

se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional

ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto

Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha

ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito

que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como

eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho

que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor

de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)

O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no

contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e

geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem

natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute

ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia

como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo

Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees

sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o

ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais

satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais

De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc

com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas

que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada

direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua

120

compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade

vai sendo construiacutedordquo

Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si

mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais

da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria

especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente

tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc

pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente

adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir

ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de

enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo

e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute

algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto

com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere

a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)

Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o

iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic

2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que

vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda

receber uma visita ficar no colo)

Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se

tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)

do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc

Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc

precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no

121

berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que

ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)

No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados

baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se

preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos

familiares principalmente das matildees

ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que

foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou

abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que

chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela

Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da

juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)

Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do

receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo

de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que

vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer

as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito

um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar

diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma

nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma

profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares

ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma

histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a

matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do

namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo

eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado

122

dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos

uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A

gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente

tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha

mais jeitordquo (Tulipa)

Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre

o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das

possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o

outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo

que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da

compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade

de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as

articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se

transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura

para novas possibilidades

Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com

a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para

entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos

cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos

diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas

sobretudo humanas

Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo

contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os

desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma

dificuldade a ser enfrentada

123

ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser

mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro

colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)

O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que

apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um

dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso

depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam

mandam ditam regras e normas

ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute

que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande

que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo

satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc

eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro

ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse

suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai

morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha

e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem

que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)

As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se

apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com

o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento

do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser

tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida

Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o

desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de

responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe

Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos

profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as

responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior

124

que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa

convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios

cotidianos

ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes

somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a

questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute

os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem

aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os

lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo

eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo

(Amariacutelis)

Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de

relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores

Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que

trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que

convivem com as mesmas dificuldades

De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum

satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama

significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em

contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que

entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo

O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode

aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto

do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de

sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de

trabalho

125

5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos

profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e

resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila

Botomeacute 2005 Silva 2006)

Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como

compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a

serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs

2003)

Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com

as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional

ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum

momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na

residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo

entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por

exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi

aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)

Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a

graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio

profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade

ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute

pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso

acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que

os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou

por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas

ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo

Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe

entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo

126

precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo

entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade

emocional tatildeo granderdquo (Girassol)

A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades

que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade

de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato

as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam

e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede

O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute

que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo

O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica

sobre como lidar com as mortes e perdas

Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades

enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores

considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as

dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades

podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade

e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver

habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber

como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)

Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos

sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem

e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas

adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade

(Moreira Vasconcelos Heath 2015)

127

A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos

desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar

espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo

se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares

(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)

A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional

nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a

respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN

ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da

gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo

aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo

telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo

estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda

todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter

um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)

Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos

profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo

reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o

desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com

ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo

A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido

durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte

da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que

outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para

reflexatildeo

Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo

tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida

128

enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O

defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver

a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo

que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias

recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo

Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas

existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso

como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar

de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo

dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com

sofrimento no cotidiano

Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em

instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos

um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir

ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente

em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente

lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento

aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi

aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar

isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim

Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)

De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo

do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco

suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia

aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa

mesma falta em seus pacientesrdquo

129

Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com

as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte

ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que

vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta

mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A

Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que

reconhecerrdquo (Angeacutelica)

Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os

limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como

reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder

Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento

calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade

voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da

teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que

seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos

equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As

mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico

Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do

controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se

chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de

que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a

minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as

escolhas que estou fazendo

A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria

em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e

para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo

130

para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os

profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se

renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre

o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela

morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das

expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada

Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de

familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto

que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites

da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram

relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e

outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites

da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na

cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees

tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de

uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia

Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito

aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da

praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas

desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)

A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica

Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de

complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica

por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de

outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las

131

Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute

oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias

poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia

contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e

possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir

Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para

implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares

Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o

sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo

desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se

apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca

contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares

6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas

possibilidades e projetos

A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de

transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes

do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as

reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017

Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional

para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia

fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas

pelos profissionais

132

Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados

paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a

seguir

ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas

a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo

do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute

o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente

taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito

sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente

comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar

essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente

entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)

O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da

matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo

que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a

incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC

ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute

foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo

contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra

tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava

vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a

rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)

Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado

pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo

em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem

contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos

pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas

nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir

133

ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo

encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute

Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino

monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito

porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo

ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que

ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer

porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute

perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em

casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada

eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)

O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo

mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento

sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes

as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares

dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar

escolhas

ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos

humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos

contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o

amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo

pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a

equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que

ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar

com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito

sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo

(Rosa)

O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva

e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar

134

decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares

decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas

possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na

assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar

autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias

dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo

individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e

evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo

Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos

momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia

dos profissionais desenvolverem a empatia

ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente

ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho

que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada

profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)

ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente

de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada

por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)

No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo

muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando

os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois

o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo

ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia

do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute

complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou

vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar

135

mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar

eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)

Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo

no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a

permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo

O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente

quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede

Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do

adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo

ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)

Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e

sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento

da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre

o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim

implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz

de fazer escolhas

Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem

desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e

atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de

perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita

de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o

domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas

de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para

estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho

136

O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita

pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos

relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na

sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que

ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto

intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo

ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente

os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num

niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a

equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro

cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto

com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem

inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com

dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como

chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo

encontrosrdquo (Rosa)

ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo

bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe

multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros

profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura

para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o

entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees

Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo

psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos

que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos

que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os

137

funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da

expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir

ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo

tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a

gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e

a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente

natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito

grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado

meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos

fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de

conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee

ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah

a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente

ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem

que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem

uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)

Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da

pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele

momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um

espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final

da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida

Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de

fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia

que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos

que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador

agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como

o que foi ouvido o afetou

138

E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a

circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo

do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees

Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem

reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas

distintas compreensotildees de mundo

139

Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

ldquoVladimir Kushrdquo

140

O SONHO

Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser

Porque vocecirc possui apenas uma vida

E nela soacute se tem uma chance

De fazer aquilo que quer

Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce

Dificuldades para fazecirc-la forte

Tristeza para fazecirc-la humana

E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades

Que aparecem em seus caminhos

A felicidade aparece para aqueles que choram

Para aqueles que se machucam

Para aqueles que buscam e tentam sempre

E para aqueles que reconhecem

A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo

Clarice Lispector

A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui

continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado

Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos

imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que

precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave

juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e

interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria

141

fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas

necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)

Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada

bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que

se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo

necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo

Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente

trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar

constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares

Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da

administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e

como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em

seus caminhosrdquo

Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas

famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os

profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos

familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se

amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir

adiante

Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante

da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das

experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem

mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre

a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o

uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos

142

Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como

as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos

tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor

assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios

O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser

feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na

importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle

para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura

para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute

reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o

trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de

todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As

limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente

indefinida a morte iraacute chegar

A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada

Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto

especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o

querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que

embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo

deixa enxergar o natildeo querer

Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais

do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao

que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender

o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do

que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer

143

Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser

ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de

trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de

trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do

cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades

De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de

atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado

ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles

Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos

profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo

embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade

Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar

o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro

Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees

existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a

ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem

limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional

Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte

esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim

tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que

vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em

um contexto histoacuterico especiacutefico

No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se

faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente

controle

144

A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no

mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder

natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo

Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-

no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas

com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para

realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para

o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo

O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas

de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a

capacidade de ser propriamente livre

Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no

sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o

sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples

citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente

e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si

proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos

Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto

mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para

melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades

Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da

vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se

tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo

com o mesmo

145

Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos

prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que

nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo

nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo

Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a

morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-

los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma

reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte

poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a

culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca

da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a

realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos

faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes

Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um

contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a

sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso

aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os

momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um

espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo

psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees

multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de

escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o

caminhar a jornada

146

Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto

o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas

de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades

Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo

temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves

coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma

sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo

Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos

consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o

poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de

informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de

quem acumula coisas

Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar

vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes

de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja

assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar

atenccedilatildeo

Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e

mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam

chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados

capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante

da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping

Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira

caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para

a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais

147

televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A

populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede

Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como

o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo

vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a

sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem

Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco

valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do

emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a

renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando

desgaste fiacutesico e psicoloacutegico

Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no

trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar

que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de

trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma

forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de

materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o

profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo

satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam

A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos

bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o

profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as

frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes

satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do

148

outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de

si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida

Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas

cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego

o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras

mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir

sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute

possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave

depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio

Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo

de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode

significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um

pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo

um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como

a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros

Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano

Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

149

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes

para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso

tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos

a condiccedilatildeo de ser-no-mundo

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida

como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila

como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e

deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso

150

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157

ANEXOS

158

Paacutegina 1 de 1

TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ

Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da

entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a

experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora

responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte

Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a

compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees

propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a

realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio

durante o transcorrer da entrevista

Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora

responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto

agrave identidade dos participantes desta pesquisa

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

159

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de

sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos

Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do

olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes

No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento

teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam

situaccedilotildees de morte de pacientes

Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os

profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e

como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender

como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender

os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica

foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia

no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)

hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi

gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um

desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o

pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio

Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional

de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute

para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo

A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-

nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os

profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos

pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que

vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a

Paacutegina 1 de 3

160

conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees

poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no

enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas

orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e

qualidade de vida no trabalho

Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento

em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em

qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta

As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas

apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar

seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro

por um periacuteodo de 5 anos

Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela

pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado

por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo

conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa

Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila

Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail

lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa

a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail

elzadutrarngmailcom

Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para

o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como

poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital

Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis

(CEP 59012-300)

Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a

pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos

Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as

informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios

Paacutegina 2 de 3

161

Paacutegina 3 de 3

e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs

profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia

hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em

congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

Page 2: A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA ......inclusive na UTI Neonatal. Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da morte de pacientes na UTI. Um sofrimento

2

Lucila Moura Ramos Vasconcelos

A EXPERIEcircNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAUacuteDE DA UTI NEONATAL Agrave LUZ

DA FENOMENOLOGIA HERMENEcircUTICA HEIDEGGERIANA

Natal RN

2018

Tese elaborada sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

e apresentado ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

Doutora em Psicologia

3

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogaccedilatildeo de Publicaccedilatildeo na Fonte UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes -

CCHLA

Vasconcelos Lucila Moura Ramos

A experiecircncia dos profissionais de sauacutede da uti neonatal agrave luz

da fenomenologia hermenecircutica Heideggeriana Lucila Moura Ramos

Vasconcelos - Natal 2018

160f il color

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia

Orientadora Profa Dra Elza Dutra

1 Pesquisa fenomenoloacutegica - Tese 2 Profissionais de sauacutede

- Tese 3 UTI Neonatal - Morte - Receacutem-nascido - Tese I

Dutra Elza II Tiacutetulo

RNUFBS-CCHLA CDU 1599

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15710

4

5

ldquo Eacute preciso amor

Pra poder pulsar

Eacute preciso paz pra poder sorrir

Eacute preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia

Todo mundo chora

Um dia a gente chega

E no outro vai embora

Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria

Cada ser em si

Carrega o dom de ser capaz

E ser felizrdquo

Almir Sater

6

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria

Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o

meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito

obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional

Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila

aprendizado e afeto

Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais

forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo

Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos

iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir

A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do

doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo

inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-

mundo

Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento

Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave

pesquisa

Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees

para a minha tese

A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito

bom trabalhar com vocecircs

A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse

Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce

e radiante com a presenccedila de vocecircs

A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse

realidade

7

Sumaacuterio

Resumo 11

Introduccedilatildeo 13

Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31

Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia

Heideggeriana

45

Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67

Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83

Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de

sauacutede em UTI Neonatal

95

Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das

narrativas dos profissionais de sauacutede

139

Referecircncias 150

Anexos 157

8

Lista de Figuras

Figura Paacutegina

1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24

2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93

9

Lista de Tabelas

Tabela Paacutegina

1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia

na MEJC NatalRN

18

10

Lista de Siglas

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria

BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares

HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes

IMI Instituto Materno Infantil

MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

UTI Unidade de Terapia Intensiva

UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

11

Resumo

Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o

papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser

justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as

maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida

Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos

a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico

considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia

intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do

conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda

lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no

cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a

experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a

gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi

utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a

entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas

formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas

assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo

hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees

mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza

diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano

de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo

aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo

de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos

profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de

instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de

pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a

instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte

receacutem-nascido

12

Abstract

Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated

to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence

of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the

possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the

consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became

places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of

life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals

in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety

protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses

in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience

of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a

field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic

phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were

conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing

technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was

inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence

The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt

and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There

was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the

structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary

meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study

also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the

academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the

understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to

the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and

their families

Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn

13

Introduccedilatildeo

O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local

assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local

tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em

uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento

pela necessidade de zelo e carinho

A UTI Neonatal

Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida

Por entre equipos e leitos e sensores

E monitores e bombas de infusatildeo

A tecnologia aliviando as dores

A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo

Por entre antibioacuteticos e perfusores

Coletas rastreando a infecccedilatildeo

Profissionais e procedimentos salvadores

Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo

A UTI Neonatal assustadora

Tentando ser a matildeo renascedora

Tentando ser o manto que alivia

A UTI Neonatal porto seguro

Oaacutesis da esperanccedila em um futuro

Misto de amor e tecnologia

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017

14

Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos

aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se

desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu

desenvolvimento ou finitude

Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute

justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso

no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees

Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas

experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes

dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem

Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o

presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares

Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo

de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em

que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia

aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para

relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva

inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da

morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser

um profissional da aacuterea de sauacutede

O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de

adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais

Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares

Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo

envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para

15

a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos

equipamentos

A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a

experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e

as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o

tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos

profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a

morte

A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a

dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma

sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de

sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma

sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante

da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes

seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida

Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas

temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que

influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger

A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a

experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que

se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno

Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger

trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia

Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre

ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-

16

para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto

projeto

Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que

a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica

valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave

constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio

Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas

possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo

Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do

outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem

morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando

morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria

morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz

distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano

Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de

pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar

com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras

atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa

A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns

questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional

reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a

morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento

proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando

Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que

valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso

17

profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo

como se isso fosse possiacutevel

Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a

produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave

morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a

primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a

qualquer momento

Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um

idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela

frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos

que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental

contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a

preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade

Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente

destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito

longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se

em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de

paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988

mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade

materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo

componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede

2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)

A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee

o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes

foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e

18

avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais

se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-

nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o

risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito

neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)

No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos

oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees

perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes

infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-

econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees

Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos

de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes

(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado

do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco

histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o

nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016

contemplam apenas os meses de janeiro a junho)

Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC

NatalRN

19

Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os

meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das

causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como

da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-

nascido

Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo

atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)

eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte

de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte

em vida

Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo

trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente

A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano

da UTI Neonatal

Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar

com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade

caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E

quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas

(Bernieri e Hirdes 2007)

Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi

considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a

morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute

vivenciada (Ariegraves 2003)

20

O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a

morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata

no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de

palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas

posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto

A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade

de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das

demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na

vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade

que tambeacutem se finda

Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais

Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees

de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a

possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre

a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma

reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever

algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar

mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida

Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o

mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este

() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo

acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal

a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do

general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp

139)

21

faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam

conjuntamente

Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao

longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como

campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio

Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos

hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais

de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada

pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a

questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes

cotidianamente

Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se

apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos

de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida

concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre

dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados

Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega

o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto

com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante

deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e

Germano 2010)

Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais

de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os

22

procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do

tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com

a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma

tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)

Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do

mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para

a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar

sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no

mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem

vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana

O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo

da vida Como relata Casanova (2013)

Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar

estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e

diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados

para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas

dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos

imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de

cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros

movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que

mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas

preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na

primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a

proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro

lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por

vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca

a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai

completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)

23

Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que

trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade

de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo

cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados

pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma

das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave

Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os

cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade

da vida dos receacutem-nascidos

Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional

de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como

uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este

contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu

um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas

24

Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal

O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade

constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo

tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar

aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade

Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que

por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das

determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos

Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte

e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia

humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido

demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos

adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da

Profissional de Sauacutede

Teacutecnica

Protocolos de

seguranccedila

Matildees dos pacientes

Bebecircs em alto risco de morte

Equipamentos

25

maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos

pais

Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada

junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo

quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava

dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender

que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee

os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento

para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram

o suporte aos pais

As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de

quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os

profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido

durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender

o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como

enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas

experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede

Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade

de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de

compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed

utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a

existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos

demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de

enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores

26

ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou

nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo

Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e

teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e

culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em

que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que

possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia

fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)

Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de

receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os

profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de

enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a

uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)

Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar

da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar

profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer

assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma

direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos

A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a

comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente

para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

27

A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados

da seguinte forma

- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos

histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo

Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o

sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a

morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do

desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante

-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia

Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-

com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de

Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o

nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a

impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como

uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do

tempo

28

-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede

Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as

dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da

UTI Neonatal

O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra

intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida

eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o

olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a

morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em

particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas

matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos

-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho

Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para

compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das

aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos

mesmos

Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os

procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e

exclusatildeo dos participantes

Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a

caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu

trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo

29

colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno

ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas

dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica

heideggeriana

No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que

retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma

mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma

homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores

-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos

participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele

que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem

interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador

que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o

que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que

assumiu um sentido para o observador

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher

borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem

30

estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam

dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando

Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na

introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da

histoacuteria ateacute a contemporaneidade

31

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893

32

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja

como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As

atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto

histoacuterico e social de cada eacutepoca

Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado

iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da

histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a

ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia

Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com

o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos

dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram

encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes

rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram

encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais

reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e

cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)

No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados

em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e

ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a

morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte

que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante

a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de

fundamentalrdquo

(Edgar Morin 1997 p32)

33

utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam

pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos

primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de

transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)

Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das

tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida

apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia

falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local

um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como

gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos

tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se

sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)

Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para

o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao

ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a

conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade

atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos

escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro

dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava

o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris

Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o

eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser

destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)

Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da

proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava

34

o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma

preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por

vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da

justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em

um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro

e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento

do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que

concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos

Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida

De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para

utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada

em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A

civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a

morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de

servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo

individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um

atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que

os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e

em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto

como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo

(Santos 2009)

Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar

agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse

praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio

35

uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para

aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade

e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas

Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000

dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons

receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras

sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e

desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras

que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que

posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio

da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este

coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte

(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a

cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os

restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o

local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico

Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um

ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado

ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava

sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)

Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da

imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo

foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo

36

A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787

Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma

das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da

alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o

que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este

momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por

Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e

a ocasiatildeo da sua morte

Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias

refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com

o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por

uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que

nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do

homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para

outro mundo (p5)

Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos

antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte

37

enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em

vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo

a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)

Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a

forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O

sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que

a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la

e de vivenciaacute-la

Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim

para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como

tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios

por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres

e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de

deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou

abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)

No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e

era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma

natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano

que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada

Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo

que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de

preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a

proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas

tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo

cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)

38

Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo

quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs

conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei

paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda

era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um

animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia

alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra

crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)

Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos

explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma

distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida

regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os

seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o

acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca

repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)

As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte

anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia

cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees

sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos

coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos

cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)

Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte

dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte

domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as

crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural

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Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas

aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta

crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja

cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg

1983 Ariegraves 2003)

Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em

particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma

triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como

um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi

a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a

ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)

Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram

a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte

Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas

em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do

morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos

momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens

buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras

realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves

2003 Kovaacutecs 1992)

A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor

diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se

tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o

ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao

indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que

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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e

majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)

Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do

tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro

que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia

conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho

em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte

e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto

origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada

A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando

de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII

a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado

fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi

separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-

se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo

das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande

movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves

leis ou ao Estado

Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das

famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e

filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de

honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma

espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser

mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava

de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo

ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas

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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama

dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las

Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos

dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos

seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e

solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia

que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem

uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-

se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa

revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo

voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)

Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi

modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e

ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo

menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que

jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de

cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a

sociedade contemporacircnea

Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem

faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo

aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave

vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais

destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio

distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie

de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade

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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a

existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)

No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem

como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo

estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos

contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo

trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas

no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros

comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas

(Pinto amp Veiga 2005)

A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida

e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do

prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta

busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o

sucesso a juventude e o controle emocional

Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante

refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como

ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as

interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir

reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)

Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram

frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa

de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das

condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou

faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para

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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora

da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio

a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle

sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida

Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status

social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para

o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em

detrimento do grupo social

Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos

para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando

os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos

deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da

medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores

de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte

a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo

Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo

que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos

Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os

que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do

consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer

Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos

geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na

necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte

predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem

como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual

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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos

adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica

entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo

(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)

Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia

de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar

retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais

produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas

A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute

uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo

45

Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931

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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que

natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela

imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade

que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence

a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi

ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao

mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos

pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos

esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras

a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances

A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater

entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais

contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas

controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da

valorizaccedilatildeo da vida e da juventude

O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da

forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me

A Morte Chega Cedo

A morte chega cedo pois breve eacute toda vida

O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida

O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou

E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou

E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo

No caderno da sorte que Deus deixou aberto

Fernando Pessoa in Cancioneiro

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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente

estudo

Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes

definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo

humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor

Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um

questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e

da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida

como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem

eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais

diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos

A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece

inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine

questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples

ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha

derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade

e uma reflexatildeo bem mais profunda

E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)

define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas

escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia

acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo

Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra

sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que

todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo

a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um

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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido

eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu

quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e

encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente

Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de

ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente

(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem

algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute

relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo

denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)

Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos

hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o

objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma

de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no

mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma

relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar

natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada

A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com

o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo

que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do

cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem

cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que

Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o

ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico

as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente

ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais

Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda

o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)

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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos

pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes

profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)

seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem

ganham outro sentido

O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa

que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo

de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura

ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa

Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e

depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do

cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe

eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante

Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao

mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual

estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por

assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no

mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo

Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em

um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos

caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a

() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta

e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem

natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual

por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)

50

ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o

ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos

O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser

existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a

inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser

dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)

O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as

suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios

necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se

ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um

espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os

seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo

O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico

envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo

enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido

Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas

escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem

em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e

consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos

Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein

O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira

para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo

anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma

caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma

determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no

cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)

Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da

natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de

uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica

que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e

no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)

51

Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de

outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes

existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial

(Ferreira 2010 p113)

ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo

espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a

habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo

em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto

de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem

como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um

ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de

empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o

Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)

Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute

essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para

as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive

ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir

interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo

Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade

Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do

corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da

corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial

do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo

Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes

como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser

52

doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como

seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se

concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto

Sem abranger o ser que habita este corpo

Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica

do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as

palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa

agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um

corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar

compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais

Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a

corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que

ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte

Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da

substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes

Princiacutepios I n 53 p 44)

Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a

aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a

utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de

corporeidaderdquo (Heidegger p 146)

A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees

sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como

um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo

A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar

de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o

53

nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a

possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute

ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo

dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar

pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com

outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)

Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante

compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo

para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias

caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada

profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras

ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora

universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura

O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem

um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de

isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o

estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como

co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar

sempre com o outro (Heidegger 19272015)

Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se

estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro

das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas

mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica

eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as

encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa

primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)

54

Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade

de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma

equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento

dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E

o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do

receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees

de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo

juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em

que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se

restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos

O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein

existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do

momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da

presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da

existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem

desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do

pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um

impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros

Daseins

O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito

de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo

primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao

encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial

empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos

ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente

dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no

mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)

55

Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que

tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein

Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de

se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano

eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo

do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender

nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos

outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)

O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de

preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais

apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve

as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo

mesmo (Heidegger 1927 2015)

O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se

manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao

cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-

se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias

escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger

(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado

como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas

existem e devem existir no ser-com

O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude

que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o

seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer

o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee

56

oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um

substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua

profissatildeo por exemplo

Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da

utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo

com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que

torna o outro algo que pode ser substituiacutedo

No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais

em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente

utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia

do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com

o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro

Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se

dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a

vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades

existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas

mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim

dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais

projetos a realizar Ela encerra o inacabado

O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute

intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se

envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia

inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar

sobre o sentido do seu ser dos seus projetos

57

A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe

jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a

possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no

mundo (Heidegger 19272015)

A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada

indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma

perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas

Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto

natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram

uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos

lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte

De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a

experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor

merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca

de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute

junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede

Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-

mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute

tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-

em pode tocar e ser tocadordquo

Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa

que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra

pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do

outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias

vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo

58

Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade

proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano

deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com

a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge

com o mergulho na impessoalidade

Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver

com a ausecircncia

E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito

importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai

sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-

mundo (Heidegger 19272015)

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

59

A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua

existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em

explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos

influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem

na forma como encara a proacutepria morte

Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo

comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa

existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo

O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de

refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido

por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia

natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura

para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees

do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda

A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia

e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-

morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino

certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida

como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)

Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que

pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave

possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a

extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo

que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela

se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem

a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o

viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)

60

A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se

encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas

inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma

forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute

portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo

sobre a proacutepria morte seja evitada

Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva

do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser

medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta

consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica

torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais

o que se pode perder

O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo

(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada

pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos

e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez

eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo

Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte

algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma

intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal

[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no

mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao

ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo

como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso

significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo

(Heidegger 19272015 pp 253)

61

de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico

natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo

Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos

uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases

de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo

cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e

natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)

Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e

crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo

antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um

vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A

morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e

era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o

iniacutecio de uma histoacuteria interrompida

Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave

impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos

simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute

singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo

(Costa 2015 p 79)

A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser

medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares

de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente

e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)

Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar

que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A

62

primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga

fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer

remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)

A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental

portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a

temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da

sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo

de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos

Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma

importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em

ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento

para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em

uma eacutepoca

Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo

dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo

armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza

produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor

conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem

da necessidade de subsistecircncia

Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste

em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a

semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus

A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na

histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo

preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria

(Nunes 2012 p151)

63

frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave

presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E

este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta

O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele

se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira

satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda

retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave

manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)

Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento

Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de

provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos

e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor

desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)

Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela

postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do

homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades

de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e

No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores

alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos

deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla

era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As

obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da

produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos

Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)

Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo

fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir

dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na

clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a

ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)

64

reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o

domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo

diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que

calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com

maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de

oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo

(Heidegger 1959 p 13)

Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da

existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos

estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente

presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista

parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)

A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que

pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta

demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo

que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)

Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os

acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem

diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas

cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com

novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou

ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente

adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido

65

O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos

tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o

pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode

predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura

de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo

O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu

cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-

las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no

leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a

dependecircncia

Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que

atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e

novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico

natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as

almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo

para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver

o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo

Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo

preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as

decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos

adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos

familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de

trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a

respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede

66

Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees

acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute

esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo

67

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512

68

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves

dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular

da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o

hospital o local destinado ao envio de doentes

O cuidador

Tanta palavra

Tanto trabalho

Tanto diagnoacutestico Avassalador

Tanta cultura

Entre a dor e a cura

Tanta procura

Pelo fim da dor

Tanta rotina

Tanto medicamento

Tanto equipamento De alto valor

Tanta tecnologia

Envolvendo tanta gente

E nada disso

Aparentemente

Eacute suficiente

Para garantir

Verdadeiramente

Um cuidador

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas

Apressadas 2017

69

A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho

Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e

cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta

2003)

Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram

locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de

Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em

1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com

condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais

eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham

outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)

O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente

recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu

um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-

1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer

hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as

condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para

gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)

Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior

surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata

Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente

que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos

cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente

nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo

era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria

70

salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma

obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo

De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem

aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios

domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a

acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a

matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser

extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem

apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio

dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)

As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu

leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de

1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute

atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender

crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma

geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito

frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em

portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)

Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar

continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da

temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram

a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a

diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)

Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se

ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser

71

referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de

atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos

que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios

Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus

familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em

berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto

ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho

logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o

estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar

a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento

conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada

de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de

Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)

De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede

passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite

ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade

capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede

Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35

semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de

Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)

Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo

encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo

10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para

a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para

o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados

72

I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica

ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)

II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de

nascimento menor de 1000 gramas

III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio

imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte

IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e

V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter

venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de

infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta

por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos

agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de

30122013)rdquo

A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie

de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos

quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos

cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de

alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada

para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o

sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado

um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados

necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira

2005 Costa amp Padilha 2011)

73

Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as

matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas

Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto

Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir

de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de

baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de

sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)

Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido

de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo

da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos

cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o

envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)

Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a

implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes

no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias

de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga

emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho

excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas

decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade

A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo

Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo

Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo

voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que

permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia

com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo

buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no

hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)

74

ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e

dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005

Scochi et al 2001)

No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia

no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local

escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou

importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do

seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da

deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra

Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de

Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade

que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)

Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia

materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo

praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no

atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de

recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo

(EBSERH 2015)

Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de

Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A

maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com

75

23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados

recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do

RN (UFRN 2017)

Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade

A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia

de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a

morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares

De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da

Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe

multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de

2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e

humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e

habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)

a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em

Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina

Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou

Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo

76

c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com

habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional

comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal

e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia

profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada

horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas

h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada

turno

i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno

j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade

Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel

de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de

fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais

Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria

GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia

psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de

77

funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive

fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos

Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no

proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era

da teacutecnica e diante da morte de pacientes

32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes

No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado

Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro

e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a

condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A

ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins

inclusive o proacuteprio indiviacuteduo

O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o

cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior

de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias

possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo

inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo

de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua

responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha

Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra

nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a

racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a

doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura

(Rebouccedilas 2015)

78

Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os

pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante

na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto

ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas

Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de

um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que

cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo

foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado

como coisa objeto

O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao

pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece

Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e

que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o

nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo

enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e

expectativas

Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da

medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado

de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre

o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger

(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de

cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica

ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares

Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado

algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc

79

apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs

Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de

um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves

necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)

Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo

a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais

estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem

um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro

(Heidegger 1927 2015)

Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no

cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da

morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do

que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia

paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade

enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante

da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006)

Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes

proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede

diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo

prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao

abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente

propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo

aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e

orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam

80

Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades

apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda

tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros

como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt

2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)

Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como

um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute

morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais

sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a

manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp

Luker 2003)

Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte

de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao

comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover

qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente

com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva

2006)

Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes

profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo

de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais

frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais

presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados

sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre

os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva

2012 p 54)

81

Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados

diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim

dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a

comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do

oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o

paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados

925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto

Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com

familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se

como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se

ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte

precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e

profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto

(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de

oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o

psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as

suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas

pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente

possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto

um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento

(Medeiros amp Lustosa 2011)

O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em

oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio

82

ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na

praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais

do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que

promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a

necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo

a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por

um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)

Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos

familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave

alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do

psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo

quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres

psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)

As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte

aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os

sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano

de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo

para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional

Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue

contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa

83

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888

84

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir

enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes

compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees

anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo

real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar

sobre a pesquisa

Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para

um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha

questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a

praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de

sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia

da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma

compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal

Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir

atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados

e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados

com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer

uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao

fenocircmeno

Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair

daqui

Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato

Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice

Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o

gato

Lewis Carroll

85

Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel

com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a

fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a

realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos

A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)

busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de

questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude

Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo

aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas

simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama

de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto

morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde

o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a

experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle

como premissas

Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada

nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano

a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e

teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e

instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da

filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas

como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do

real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita

noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente

e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)

86

enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no

mundo (Heidegger 19271989)

A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu

como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI

Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia

que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-

para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado

Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a

existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no

mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida

que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo

inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo

a serrdquo

Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais

de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios

vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo

da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o

fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos

encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno

A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento

uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o

fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador

Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular

o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A

verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e

87

considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo

Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia

desvelar novos sentidos para a sua existecircncia

A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de

causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para

realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma

mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos

A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante

seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees

sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante

do que foi narrado

41-Participantes da pesquisa

A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional

considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente

contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a

estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal

Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de

participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove

entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)

Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45

anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais

de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e

88

estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da

EBSERH

A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as

entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28

meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos

de enfermagem

42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo

Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-

Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe

multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e

que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo

delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou

de niacutevel superior)

Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica

para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na

Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de

exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de

Terapia Intensiva Neonatal

Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica

heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a

idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para

a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a

tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram

considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas

89

43-Aspectos eacuteticos

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN

Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram

participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa

(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi

solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em

anexo)

As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o

desenvolvimento das atividades laborais

Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a

preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um

cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles

pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de

alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho

Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes

fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo

tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para

tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho

com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como

Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol

90

44- Formas de trilhar o caminho

Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto

agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de

Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica

da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com

a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute

de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta

etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre

a pesquisa

Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal

dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada

naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como

a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz

gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia

Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas

narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das

profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo

do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de

matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede

A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao

fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A

narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o

participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio

de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)

91

A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo

pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir

da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa

durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)

Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu

interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma

busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que

o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas

mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)

A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e

resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado

pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo

disparadora

ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI

Neonatalrdquo

42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo

A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger

buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a

fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na

Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem

verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana

Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no

seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia

da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)

92

Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo

utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano

sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e

Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano

como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger

19272015)

Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo

afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o

mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o

interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas

que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como

tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a

abertura do ser para o mundo de outro modo

A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do

ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-

ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as

possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de

ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a

compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em

si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo

A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como

interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas

separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as

possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo

93

A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo

da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por

meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)

ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo

eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da

maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente

a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo

Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre

os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de

gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo

Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e

compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade

absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto

histoacuterico especiacutefico

Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que

compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a

concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir

Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico

Posiccedilatildeo Preacutevia

Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo

Preacutevia

Abertura Disposiccedilatildeo

compreensatildeo linguagem

(Azevedo 2013 Maux 2014)

94

A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras

realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a

escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao

encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do

participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico

especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado

A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi

ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma

disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos

apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a

interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com

base na sua compreensatildeo de mundo

A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo

dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo

anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades

de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta

abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando

a compreensatildeo da experiecircncia do outro

A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade

hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes

de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)

-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o

pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e

questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia

-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador

95

-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas

da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os

participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador

narrador

-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos

anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute

apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do

fenocircmeno

A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta

a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux

amp Dutra 2009 Schmidt 2006)

Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que

assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do

percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do

mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o

fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes

do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as

coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo

instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens

atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo

A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a

historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um

encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e

buscam formas de lidar com a finitude

96

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush

97

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes

na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro

apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em

torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que

integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas

de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as

relaccedilotildees que constituem com o outro

Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas

vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em

nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo

jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada

integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros

bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos

bebecircs

As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas

ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando

o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres

humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais

murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades

As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para

as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo

cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro

sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo

98

Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como

caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas

Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros

conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos

instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada

dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares

Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos

por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do

pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas

apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para

trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os

sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes

os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-

Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e

projetos

De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos

participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes

da UTI Neonatal

1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal

Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente

contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da

MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato

passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida

Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante

99

a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes

profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos

durante a anaacutelise

Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia

durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento

inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida

Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente

quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos

Seguem alguns relatos que ilustram isso

ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na

enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar

da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na

famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo

(Margarida)

ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo

que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento

tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha

casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)

As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do

concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar

em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de

bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que

hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias

ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo

vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito

grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas

receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)

100

ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido

aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a

aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)

Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em

comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de

ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da

dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de

uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem

continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas

Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia

existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que

constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees

diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo

Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI

Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de

Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu

primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois

virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as

oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso

profissional foi se desenvolvendo

ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo

foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a

oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)

O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que

enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai

sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de

101

uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado

de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da

vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte

de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo

profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando

O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo

implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na

concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas

como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo

do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias

Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes

profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito

Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo

baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do

homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser

encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo

natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)

A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte

histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla

o trabalho na UTI Neonatal

2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal

A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas

unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um

corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos

uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)

102

Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um

maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que

ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos

receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado

por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal

ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se

eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado

ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai

que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas

tomar banho de solrdquo (Girassol)

Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator

que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por

Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu

desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma

caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos

profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que

circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs

Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada

pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz

solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente

algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para

ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por

alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do

confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de

trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005

Rocha Souza e Teixeira 2015)

103

Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave

sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta

um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos

ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do

que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros

de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba

levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros

na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)

ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos

profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar

com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto

e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto

que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo

(Amariacutelis)

A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e

psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com

o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos

afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de

atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados

pelos profissionais

Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia

negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local

onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa

Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos

profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se

pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo

104

da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de

vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)

A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os

profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em

Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o

contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma

questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo

Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica

Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento

teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual

estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os

resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)

Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que

valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento

Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e

agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica

produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado

Como pode ser observado no relato a seguir

ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia

Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das

vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar

Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc

abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)

Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela

profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava

correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso

105

que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias

impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma

atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a

pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte

O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso

que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que

pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na

morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma

ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute

presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso

No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de

pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este

tipo de abandono

O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais

refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da

responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia

ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na

profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua

vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute

inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados

familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)

Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta

obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os

profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade

interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede

106

Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos

comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado

reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso

horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo

com Heidegger (2007 p 380)

O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa

ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas

de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os

homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)

Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza

o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta

dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua

vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os

obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que

realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga

ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho

de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em

ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se

atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a

essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O

desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza

a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal

Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece

previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de

proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna

tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo

107

relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte

assimrdquo (Violeta)

ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo

que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto

pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de

identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da

falta de pessoalrdquo (Rosa)

Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um

lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que

ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas

e ateacute na morte de pacientes

Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma

reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo

Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas

consequecircncias que podem gerar

ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma

famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o

impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo

(Tulipa)

Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do

conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir

sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo

esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela

concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica

enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)

E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa

possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta

108

desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve

os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir

3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos

Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de

receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute

contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave

ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros

contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte

certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute

verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida

Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar

adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)

ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida

quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva

Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute

que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar

com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)

A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera

sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro

da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e

tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede

em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)

109

Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como

se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e

seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido

ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro

pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me

marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma

matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)

Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo

Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo

distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento

conforme pode ser constatado nos relatos a seguir

ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a

capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer

uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA

gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)

ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz

muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar

remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo

emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia

Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma

vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)

A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento

para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga

suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta

necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando

110

ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico

enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta

na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no

colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada

chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num

shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu

cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas

foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta

dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que

vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)

O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas

de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o

controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim

este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio

profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele

ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao

como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio

e racional

De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi

apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o

quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo

passiacuteveis de serem expostas

Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos

profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode

ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte

eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo

seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom

111

prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento

nos profissionais

ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila

a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam

quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute

comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio

que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as

perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)

Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima

pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os

pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade

Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional

Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de

impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados

e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso

horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar

a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os

acontecimentos do mundo

De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente

quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o

desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees

e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao

aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar

parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute

muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato

ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes

mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo

taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de

112

hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o

momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou

maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente

mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de

pararrdquo (Angeacutelica)

Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer

que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela

cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de

esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi

feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel

Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na

qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar

com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe

que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais

porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo

Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o

reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos

abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um

sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de

forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir

ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a

gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir

responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi

porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo

orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo

ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)

113

ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que

parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida

porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou

faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de

emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)

Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as

participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar

dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma

culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo

A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo

Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se

cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)

Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez

por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na

decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma

determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do

cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem

estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser

(Heidegger 1927 2015)

A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser

portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da

facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o

homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)

Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa

Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais

114

comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que

estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando

Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a

ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir

com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto

anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente

estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do

preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se

materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a

culpa

A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para

pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que

eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade

Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos

Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das

ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)

Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e

os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam

sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras

doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes

como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de

tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios

e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no

centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar

ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja

115

A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado

O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para

alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem

pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)

A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que

centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas

possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a

referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser

introjeta os valores deste mundo

Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas

atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de

trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos

profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de

trabalho

4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de

trabalho

Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de

presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em

relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento

O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre

essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico

Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que

ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada

profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs

em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente

116

as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam

questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem

iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas

instalaccedilotildees da UTI Neonatal

ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute

importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que

taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema

eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute

desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por

exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a

gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra

fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)

A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo

fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os

familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim

acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e

questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido

Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de

trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos

projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos

perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco

entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-

se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos

aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo

envolve a sua histoacuteria

117

Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais

em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte

de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma

profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar

esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido

ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma

coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque

tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber

uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu

bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu

bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas

reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc

porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo

Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar

ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)

Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de

expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de

conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento

das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia

de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um

profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo

detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de

tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um

no outro

De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo

de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz

parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa

118

interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no

qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo

Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute

interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante

das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee

preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar

temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a

sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados

ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela

foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo

como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um

divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira

menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee

taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute

dentrordquo (Angeacutelica)

Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma

situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar

do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a

considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos

refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro

Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era

um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela

Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e

sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de

Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o

grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor

119

dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas

proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados

(Carvalho 1996)

Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-

se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional

ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto

Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha

ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito

que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como

eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho

que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor

de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)

O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no

contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e

geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem

natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute

ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia

como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo

Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees

sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o

ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais

satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais

De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc

com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas

que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada

direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua

120

compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade

vai sendo construiacutedordquo

Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si

mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais

da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria

especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente

tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc

pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente

adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir

ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de

enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo

e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute

algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto

com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere

a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)

Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o

iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic

2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que

vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda

receber uma visita ficar no colo)

Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se

tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)

do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc

Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc

precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no

121

berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que

ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)

No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados

baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se

preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos

familiares principalmente das matildees

ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que

foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou

abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que

chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela

Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da

juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)

Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do

receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo

de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que

vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer

as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito

um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar

diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma

nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma

profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares

ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma

histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a

matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do

namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo

eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado

122

dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos

uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A

gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente

tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha

mais jeitordquo (Tulipa)

Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre

o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das

possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o

outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo

que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da

compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade

de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as

articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se

transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura

para novas possibilidades

Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com

a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para

entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos

cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos

diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas

sobretudo humanas

Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo

contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os

desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma

dificuldade a ser enfrentada

123

ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser

mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro

colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)

O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que

apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um

dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso

depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam

mandam ditam regras e normas

ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute

que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande

que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo

satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc

eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro

ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse

suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai

morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha

e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem

que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)

As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se

apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com

o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento

do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser

tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida

Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o

desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de

responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe

Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos

profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as

responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior

124

que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa

convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios

cotidianos

ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes

somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a

questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute

os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem

aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os

lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo

eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo

(Amariacutelis)

Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de

relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores

Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que

trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que

convivem com as mesmas dificuldades

De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum

satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama

significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em

contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que

entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo

O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode

aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto

do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de

sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de

trabalho

125

5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos

profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e

resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila

Botomeacute 2005 Silva 2006)

Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como

compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a

serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs

2003)

Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com

as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional

ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum

momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na

residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo

entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por

exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi

aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)

Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a

graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio

profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade

ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute

pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso

acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que

os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou

por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas

ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo

Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe

entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo

126

precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo

entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade

emocional tatildeo granderdquo (Girassol)

A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades

que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade

de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato

as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam

e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede

O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute

que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo

O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica

sobre como lidar com as mortes e perdas

Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades

enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores

considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as

dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades

podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade

e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver

habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber

como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)

Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos

sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem

e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas

adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade

(Moreira Vasconcelos Heath 2015)

127

A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos

desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar

espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo

se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares

(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)

A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional

nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a

respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN

ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da

gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo

aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo

telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo

estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda

todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter

um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)

Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos

profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo

reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o

desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com

ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo

A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido

durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte

da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que

outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para

reflexatildeo

Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo

tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida

128

enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O

defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver

a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo

que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias

recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo

Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas

existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso

como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar

de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo

dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com

sofrimento no cotidiano

Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em

instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos

um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir

ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente

em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente

lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento

aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi

aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar

isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim

Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)

De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo

do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco

suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia

aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa

mesma falta em seus pacientesrdquo

129

Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com

as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte

ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que

vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta

mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A

Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que

reconhecerrdquo (Angeacutelica)

Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os

limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como

reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder

Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento

calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade

voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da

teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que

seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos

equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As

mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico

Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do

controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se

chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de

que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a

minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as

escolhas que estou fazendo

A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria

em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e

para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo

130

para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os

profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se

renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre

o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela

morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das

expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada

Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de

familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto

que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites

da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram

relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e

outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites

da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na

cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees

tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de

uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia

Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito

aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da

praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas

desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)

A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica

Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de

complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica

por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de

outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las

131

Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute

oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias

poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia

contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e

possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir

Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para

implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares

Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o

sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo

desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se

apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca

contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares

6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas

possibilidades e projetos

A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de

transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes

do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as

reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017

Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional

para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia

fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas

pelos profissionais

132

Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados

paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a

seguir

ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas

a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo

do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute

o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente

taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito

sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente

comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar

essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente

entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)

O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da

matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo

que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a

incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC

ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute

foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo

contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra

tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava

vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a

rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)

Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado

pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo

em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem

contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos

pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas

nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir

133

ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo

encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute

Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino

monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito

porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo

ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que

ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer

porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute

perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em

casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada

eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)

O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo

mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento

sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes

as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares

dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar

escolhas

ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos

humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos

contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o

amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo

pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a

equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que

ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar

com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito

sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo

(Rosa)

O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva

e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar

134

decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares

decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas

possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na

assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar

autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias

dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo

individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e

evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo

Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos

momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia

dos profissionais desenvolverem a empatia

ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente

ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho

que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada

profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)

ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente

de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada

por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)

No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo

muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando

os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois

o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo

ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia

do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute

complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou

vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar

135

mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar

eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)

Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo

no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a

permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo

O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente

quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede

Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do

adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo

ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)

Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e

sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento

da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre

o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim

implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz

de fazer escolhas

Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem

desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e

atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de

perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita

de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o

domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas

de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para

estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho

136

O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita

pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos

relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na

sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que

ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto

intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo

ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente

os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num

niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a

equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro

cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto

com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem

inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com

dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como

chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo

encontrosrdquo (Rosa)

ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo

bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe

multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros

profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura

para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o

entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees

Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo

psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos

que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos

que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os

137

funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da

expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir

ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo

tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a

gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e

a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente

natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito

grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado

meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos

fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de

conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee

ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah

a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente

ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem

que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem

uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)

Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da

pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele

momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um

espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final

da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida

Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de

fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia

que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos

que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador

agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como

o que foi ouvido o afetou

138

E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a

circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo

do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees

Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem

reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas

distintas compreensotildees de mundo

139

Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

ldquoVladimir Kushrdquo

140

O SONHO

Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser

Porque vocecirc possui apenas uma vida

E nela soacute se tem uma chance

De fazer aquilo que quer

Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce

Dificuldades para fazecirc-la forte

Tristeza para fazecirc-la humana

E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades

Que aparecem em seus caminhos

A felicidade aparece para aqueles que choram

Para aqueles que se machucam

Para aqueles que buscam e tentam sempre

E para aqueles que reconhecem

A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo

Clarice Lispector

A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui

continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado

Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos

imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que

precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave

juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e

interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria

141

fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas

necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)

Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada

bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que

se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo

necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo

Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente

trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar

constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares

Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da

administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e

como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em

seus caminhosrdquo

Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas

famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os

profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos

familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se

amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir

adiante

Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante

da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das

experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem

mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre

a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o

uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos

142

Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como

as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos

tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor

assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios

O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser

feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na

importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle

para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura

para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute

reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o

trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de

todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As

limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente

indefinida a morte iraacute chegar

A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada

Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto

especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o

querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que

embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo

deixa enxergar o natildeo querer

Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais

do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao

que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender

o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do

que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer

143

Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser

ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de

trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de

trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do

cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades

De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de

atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado

ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles

Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos

profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo

embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade

Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar

o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro

Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees

existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a

ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem

limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional

Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte

esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim

tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que

vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em

um contexto histoacuterico especiacutefico

No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se

faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente

controle

144

A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no

mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder

natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo

Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-

no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas

com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para

realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para

o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo

O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas

de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a

capacidade de ser propriamente livre

Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no

sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o

sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples

citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente

e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si

proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos

Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto

mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para

melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades

Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da

vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se

tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo

com o mesmo

145

Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos

prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que

nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo

nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo

Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a

morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-

los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma

reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte

poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a

culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca

da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a

realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos

faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes

Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um

contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a

sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso

aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os

momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um

espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo

psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees

multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de

escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o

caminhar a jornada

146

Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto

o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas

de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades

Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo

temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves

coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma

sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo

Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos

consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o

poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de

informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de

quem acumula coisas

Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar

vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes

de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja

assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar

atenccedilatildeo

Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e

mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam

chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados

capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante

da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping

Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira

caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para

a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais

147

televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A

populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede

Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como

o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo

vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a

sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem

Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco

valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do

emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a

renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando

desgaste fiacutesico e psicoloacutegico

Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no

trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar

que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de

trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma

forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de

materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o

profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo

satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam

A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos

bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o

profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as

frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes

satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do

148

outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de

si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida

Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas

cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego

o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras

mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir

sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute

possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave

depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio

Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo

de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode

significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um

pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo

um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como

a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros

Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano

Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

149

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes

para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso

tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos

a condiccedilatildeo de ser-no-mundo

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida

como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila

como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e

deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso

150

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157

ANEXOS

158

Paacutegina 1 de 1

TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ

Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da

entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a

experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora

responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte

Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a

compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees

propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a

realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio

durante o transcorrer da entrevista

Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora

responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto

agrave identidade dos participantes desta pesquisa

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

159

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de

sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos

Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do

olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes

No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento

teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam

situaccedilotildees de morte de pacientes

Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os

profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e

como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender

como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender

os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica

foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia

no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)

hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi

gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um

desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o

pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio

Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional

de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute

para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo

A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-

nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os

profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos

pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que

vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a

Paacutegina 1 de 3

160

conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees

poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no

enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas

orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e

qualidade de vida no trabalho

Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento

em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em

qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta

As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas

apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar

seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro

por um periacuteodo de 5 anos

Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela

pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado

por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo

conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa

Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila

Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail

lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa

a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail

elzadutrarngmailcom

Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para

o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como

poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital

Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis

(CEP 59012-300)

Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a

pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos

Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as

informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios

Paacutegina 2 de 3

161

Paacutegina 3 de 3

e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs

profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia

hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em

congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

Page 3: A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA ......inclusive na UTI Neonatal. Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da morte de pacientes na UTI. Um sofrimento

3

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogaccedilatildeo de Publicaccedilatildeo na Fonte UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes -

CCHLA

Vasconcelos Lucila Moura Ramos

A experiecircncia dos profissionais de sauacutede da uti neonatal agrave luz

da fenomenologia hermenecircutica Heideggeriana Lucila Moura Ramos

Vasconcelos - Natal 2018

160f il color

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia

Orientadora Profa Dra Elza Dutra

1 Pesquisa fenomenoloacutegica - Tese 2 Profissionais de sauacutede

- Tese 3 UTI Neonatal - Morte - Receacutem-nascido - Tese I

Dutra Elza II Tiacutetulo

RNUFBS-CCHLA CDU 1599

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15710

4

5

ldquo Eacute preciso amor

Pra poder pulsar

Eacute preciso paz pra poder sorrir

Eacute preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia

Todo mundo chora

Um dia a gente chega

E no outro vai embora

Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria

Cada ser em si

Carrega o dom de ser capaz

E ser felizrdquo

Almir Sater

6

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria

Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o

meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito

obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional

Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila

aprendizado e afeto

Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais

forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo

Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos

iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir

A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do

doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo

inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-

mundo

Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento

Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave

pesquisa

Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees

para a minha tese

A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito

bom trabalhar com vocecircs

A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse

Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce

e radiante com a presenccedila de vocecircs

A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse

realidade

7

Sumaacuterio

Resumo 11

Introduccedilatildeo 13

Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31

Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia

Heideggeriana

45

Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67

Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83

Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de

sauacutede em UTI Neonatal

95

Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das

narrativas dos profissionais de sauacutede

139

Referecircncias 150

Anexos 157

8

Lista de Figuras

Figura Paacutegina

1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24

2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93

9

Lista de Tabelas

Tabela Paacutegina

1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia

na MEJC NatalRN

18

10

Lista de Siglas

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria

BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares

HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes

IMI Instituto Materno Infantil

MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

UTI Unidade de Terapia Intensiva

UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

11

Resumo

Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o

papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser

justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as

maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida

Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos

a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico

considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia

intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do

conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda

lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no

cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a

experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a

gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi

utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a

entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas

formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas

assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo

hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees

mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza

diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano

de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo

aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo

de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos

profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de

instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de

pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a

instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte

receacutem-nascido

12

Abstract

Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated

to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence

of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the

possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the

consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became

places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of

life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals

in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety

protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses

in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience

of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a

field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic

phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were

conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing

technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was

inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence

The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt

and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There

was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the

structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary

meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study

also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the

academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the

understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to

the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and

their families

Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn

13

Introduccedilatildeo

O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local

assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local

tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em

uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento

pela necessidade de zelo e carinho

A UTI Neonatal

Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida

Por entre equipos e leitos e sensores

E monitores e bombas de infusatildeo

A tecnologia aliviando as dores

A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo

Por entre antibioacuteticos e perfusores

Coletas rastreando a infecccedilatildeo

Profissionais e procedimentos salvadores

Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo

A UTI Neonatal assustadora

Tentando ser a matildeo renascedora

Tentando ser o manto que alivia

A UTI Neonatal porto seguro

Oaacutesis da esperanccedila em um futuro

Misto de amor e tecnologia

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017

14

Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos

aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se

desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu

desenvolvimento ou finitude

Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute

justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso

no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees

Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas

experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes

dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem

Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o

presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares

Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo

de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em

que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia

aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para

relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva

inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da

morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser

um profissional da aacuterea de sauacutede

O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de

adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais

Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares

Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo

envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para

15

a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos

equipamentos

A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a

experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e

as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o

tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos

profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a

morte

A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a

dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma

sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de

sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma

sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante

da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes

seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida

Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas

temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que

influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger

A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a

experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que

se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno

Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger

trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia

Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre

ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-

16

para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto

projeto

Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que

a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica

valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave

constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio

Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas

possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo

Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do

outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem

morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando

morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria

morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz

distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano

Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de

pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar

com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras

atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa

A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns

questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional

reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a

morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento

proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando

Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que

valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso

17

profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo

como se isso fosse possiacutevel

Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a

produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave

morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a

primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a

qualquer momento

Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um

idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela

frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos

que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental

contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a

preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade

Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente

destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito

longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se

em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de

paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988

mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade

materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo

componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede

2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)

A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee

o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes

foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e

18

avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais

se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-

nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o

risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito

neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)

No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos

oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees

perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes

infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-

econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees

Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos

de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes

(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado

do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco

histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o

nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016

contemplam apenas os meses de janeiro a junho)

Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC

NatalRN

19

Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os

meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das

causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como

da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-

nascido

Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo

atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)

eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte

de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte

em vida

Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo

trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente

A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano

da UTI Neonatal

Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar

com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade

caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E

quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas

(Bernieri e Hirdes 2007)

Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi

considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a

morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute

vivenciada (Ariegraves 2003)

20

O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a

morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata

no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de

palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas

posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto

A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade

de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das

demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na

vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade

que tambeacutem se finda

Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais

Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees

de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a

possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre

a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma

reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever

algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar

mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida

Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o

mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este

() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo

acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal

a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do

general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp

139)

21

faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam

conjuntamente

Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao

longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como

campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio

Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos

hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais

de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada

pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a

questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes

cotidianamente

Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se

apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos

de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida

concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre

dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados

Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega

o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto

com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante

deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e

Germano 2010)

Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais

de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os

22

procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do

tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com

a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma

tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)

Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do

mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para

a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar

sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no

mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem

vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana

O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo

da vida Como relata Casanova (2013)

Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar

estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e

diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados

para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas

dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos

imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de

cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros

movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que

mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas

preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na

primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a

proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro

lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por

vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca

a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai

completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)

23

Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que

trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade

de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo

cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados

pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma

das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave

Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os

cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade

da vida dos receacutem-nascidos

Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional

de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como

uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este

contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu

um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas

24

Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal

O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade

constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo

tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar

aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade

Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que

por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das

determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos

Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte

e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia

humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido

demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos

adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da

Profissional de Sauacutede

Teacutecnica

Protocolos de

seguranccedila

Matildees dos pacientes

Bebecircs em alto risco de morte

Equipamentos

25

maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos

pais

Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada

junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo

quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava

dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender

que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee

os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento

para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram

o suporte aos pais

As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de

quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os

profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido

durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender

o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como

enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas

experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede

Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade

de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de

compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed

utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a

existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos

demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de

enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores

26

ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou

nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo

Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e

teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e

culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em

que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que

possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia

fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)

Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de

receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os

profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de

enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a

uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)

Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar

da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar

profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer

assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma

direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos

A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a

comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente

para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

27

A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados

da seguinte forma

- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos

histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo

Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o

sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a

morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do

desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante

-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia

Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-

com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de

Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o

nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a

impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como

uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do

tempo

28

-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede

Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as

dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da

UTI Neonatal

O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra

intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida

eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o

olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a

morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em

particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas

matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos

-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho

Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para

compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das

aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos

mesmos

Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os

procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e

exclusatildeo dos participantes

Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a

caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu

trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo

29

colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno

ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas

dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica

heideggeriana

No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que

retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma

mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma

homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores

-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos

participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele

que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem

interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador

que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o

que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que

assumiu um sentido para o observador

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher

borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem

30

estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam

dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando

Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na

introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da

histoacuteria ateacute a contemporaneidade

31

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893

32

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja

como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As

atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto

histoacuterico e social de cada eacutepoca

Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado

iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da

histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a

ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia

Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com

o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos

dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram

encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes

rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram

encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais

reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e

cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)

No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados

em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e

ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a

morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte

que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante

a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de

fundamentalrdquo

(Edgar Morin 1997 p32)

33

utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam

pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos

primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de

transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)

Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das

tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida

apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia

falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local

um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como

gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos

tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se

sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)

Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para

o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao

ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a

conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade

atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos

escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro

dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava

o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris

Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o

eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser

destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)

Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da

proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava

34

o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma

preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por

vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da

justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em

um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro

e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento

do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que

concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos

Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida

De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para

utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada

em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A

civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a

morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de

servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo

individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um

atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que

os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e

em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto

como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo

(Santos 2009)

Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar

agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse

praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio

35

uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para

aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade

e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas

Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000

dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons

receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras

sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e

desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras

que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que

posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio

da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este

coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte

(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a

cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os

restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o

local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico

Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um

ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado

ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava

sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)

Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da

imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo

foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo

36

A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787

Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma

das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da

alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o

que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este

momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por

Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e

a ocasiatildeo da sua morte

Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias

refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com

o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por

uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que

nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do

homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para

outro mundo (p5)

Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos

antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte

37

enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em

vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo

a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)

Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a

forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O

sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que

a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la

e de vivenciaacute-la

Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim

para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como

tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios

por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres

e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de

deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou

abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)

No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e

era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma

natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano

que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada

Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo

que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de

preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a

proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas

tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo

cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)

38

Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo

quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs

conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei

paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda

era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um

animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia

alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra

crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)

Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos

explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma

distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida

regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os

seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o

acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca

repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)

As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte

anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia

cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees

sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos

coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos

cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)

Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte

dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte

domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as

crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural

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Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas

aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta

crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja

cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg

1983 Ariegraves 2003)

Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em

particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma

triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como

um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi

a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a

ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)

Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram

a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte

Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas

em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do

morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos

momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens

buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras

realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves

2003 Kovaacutecs 1992)

A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor

diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se

tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o

ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao

indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que

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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e

majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)

Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do

tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro

que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia

conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho

em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte

e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto

origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada

A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando

de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII

a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado

fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi

separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-

se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo

das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande

movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves

leis ou ao Estado

Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das

famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e

filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de

honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma

espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser

mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava

de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo

ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas

41

camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama

dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las

Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos

dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos

seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e

solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia

que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem

uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-

se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa

revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo

voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)

Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi

modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e

ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo

menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que

jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de

cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a

sociedade contemporacircnea

Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem

faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo

aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave

vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais

destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio

distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie

de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade

42

crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a

existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)

No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem

como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo

estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos

contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo

trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas

no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros

comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas

(Pinto amp Veiga 2005)

A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida

e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do

prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta

busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o

sucesso a juventude e o controle emocional

Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante

refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como

ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as

interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir

reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)

Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram

frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa

de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das

condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou

faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para

43

a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora

da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio

a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle

sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida

Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status

social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para

o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em

detrimento do grupo social

Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos

para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando

os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos

deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da

medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores

de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte

a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo

Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo

que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos

Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os

que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do

consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer

Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos

geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na

necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte

predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem

como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual

44

ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos

adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica

entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo

(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)

Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia

de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar

retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais

produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas

A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute

uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo

45

Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931

46

Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que

natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela

imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade

que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence

a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi

ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao

mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos

pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos

esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras

a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances

A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater

entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais

contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas

controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da

valorizaccedilatildeo da vida e da juventude

O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da

forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me

A Morte Chega Cedo

A morte chega cedo pois breve eacute toda vida

O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida

O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou

E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou

E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo

No caderno da sorte que Deus deixou aberto

Fernando Pessoa in Cancioneiro

47

remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente

estudo

Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes

definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo

humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor

Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um

questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e

da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida

como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem

eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais

diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos

A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece

inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine

questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples

ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha

derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade

e uma reflexatildeo bem mais profunda

E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)

define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas

escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia

acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo

Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra

sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que

todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo

a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um

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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido

eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu

quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e

encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente

Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de

ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente

(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem

algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute

relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo

denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)

Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos

hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o

objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma

de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no

mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma

relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar

natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada

A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com

o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo

que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do

cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem

cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que

Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o

ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico

as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente

ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais

Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda

o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)

49

vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos

pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes

profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)

seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem

ganham outro sentido

O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa

que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo

de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura

ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa

Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e

depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do

cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe

eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante

Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao

mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual

estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por

assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no

mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo

Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em

um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos

caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a

() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta

e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem

natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual

por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)

50

ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o

ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos

O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser

existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a

inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser

dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)

O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as

suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios

necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se

ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um

espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os

seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo

O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico

envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo

enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido

Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas

escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem

em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e

consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos

Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein

O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira

para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo

anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma

caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma

determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no

cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)

Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da

natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de

uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica

que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e

no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)

51

Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de

outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes

existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial

(Ferreira 2010 p113)

ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo

espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a

habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo

em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto

de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem

como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um

ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de

empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o

Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)

Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute

essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para

as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive

ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir

interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo

Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade

Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do

corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da

corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial

do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo

Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes

como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser

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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como

seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se

concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto

Sem abranger o ser que habita este corpo

Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica

do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as

palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa

agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um

corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar

compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais

Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a

corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que

ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte

Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da

substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes

Princiacutepios I n 53 p 44)

Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a

aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a

utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de

corporeidaderdquo (Heidegger p 146)

A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees

sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como

um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo

A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar

de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o

53

nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a

possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute

ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo

dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar

pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com

outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)

Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante

compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo

para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias

caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada

profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras

ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora

universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura

O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem

um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de

isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o

estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como

co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar

sempre com o outro (Heidegger 19272015)

Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se

estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro

das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas

mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica

eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as

encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa

primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)

54

Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade

de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma

equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento

dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E

o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do

receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees

de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo

juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em

que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se

restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos

O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein

existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do

momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da

presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da

existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem

desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do

pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um

impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros

Daseins

O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito

de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo

primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao

encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial

empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos

ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente

dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no

mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)

55

Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que

tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein

Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de

se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano

eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo

do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender

nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos

outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)

O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de

preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais

apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve

as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo

mesmo (Heidegger 1927 2015)

O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se

manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao

cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-

se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias

escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger

(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado

como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas

existem e devem existir no ser-com

O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude

que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o

seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer

o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee

56

oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um

substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua

profissatildeo por exemplo

Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da

utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo

com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que

torna o outro algo que pode ser substituiacutedo

No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais

em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente

utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia

do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com

o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro

Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se

dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a

vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades

existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas

mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim

dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais

projetos a realizar Ela encerra o inacabado

O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute

intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se

envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia

inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar

sobre o sentido do seu ser dos seus projetos

57

A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe

jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a

possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no

mundo (Heidegger 19272015)

A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada

indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma

perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas

Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto

natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram

uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos

lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte

De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a

experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor

merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca

de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute

junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede

Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-

mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute

tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-

em pode tocar e ser tocadordquo

Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa

que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra

pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do

outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias

vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo

58

Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade

proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano

deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com

a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge

com o mergulho na impessoalidade

Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver

com a ausecircncia

E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito

importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai

sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-

mundo (Heidegger 19272015)

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

59

A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua

existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em

explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos

influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem

na forma como encara a proacutepria morte

Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo

comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa

existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo

O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de

refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido

por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia

natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura

para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees

do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda

A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia

e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-

morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino

certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida

como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)

Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que

pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave

possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a

extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo

que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela

se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem

a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o

viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)

60

A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se

encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas

inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma

forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute

portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo

sobre a proacutepria morte seja evitada

Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva

do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser

medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta

consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica

torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais

o que se pode perder

O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo

(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada

pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos

e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez

eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo

Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte

algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma

intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal

[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no

mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao

ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo

como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso

significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo

(Heidegger 19272015 pp 253)

61

de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico

natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo

Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos

uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases

de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo

cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e

natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)

Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e

crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo

antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um

vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A

morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e

era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o

iniacutecio de uma histoacuteria interrompida

Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave

impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos

simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute

singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo

(Costa 2015 p 79)

A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser

medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares

de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente

e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)

Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar

que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A

62

primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga

fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer

remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)

A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental

portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a

temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da

sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo

de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos

Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma

importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em

ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento

para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em

uma eacutepoca

Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo

dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo

armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza

produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor

conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem

da necessidade de subsistecircncia

Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste

em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a

semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus

A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na

histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo

preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria

(Nunes 2012 p151)

63

frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave

presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E

este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta

O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele

se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira

satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda

retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave

manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)

Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento

Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de

provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos

e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor

desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)

Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela

postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do

homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades

de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e

No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores

alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos

deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla

era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As

obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da

produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos

Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)

Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo

fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir

dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na

clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a

ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)

64

reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o

domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo

diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que

calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com

maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de

oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo

(Heidegger 1959 p 13)

Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da

existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos

estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente

presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista

parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)

A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que

pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta

demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo

que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)

Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os

acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem

diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas

cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com

novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou

ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente

adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido

65

O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos

tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o

pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode

predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura

de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo

O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu

cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-

las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no

leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a

dependecircncia

Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que

atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e

novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico

natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as

almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo

para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver

o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo

Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo

preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as

decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos

adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos

familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de

trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a

respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede

66

Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees

acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute

esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo

67

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512

68

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves

dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular

da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o

hospital o local destinado ao envio de doentes

O cuidador

Tanta palavra

Tanto trabalho

Tanto diagnoacutestico Avassalador

Tanta cultura

Entre a dor e a cura

Tanta procura

Pelo fim da dor

Tanta rotina

Tanto medicamento

Tanto equipamento De alto valor

Tanta tecnologia

Envolvendo tanta gente

E nada disso

Aparentemente

Eacute suficiente

Para garantir

Verdadeiramente

Um cuidador

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas

Apressadas 2017

69

A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho

Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e

cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta

2003)

Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram

locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de

Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em

1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com

condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais

eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham

outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)

O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente

recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu

um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-

1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer

hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as

condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para

gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)

Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior

surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata

Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente

que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos

cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente

nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo

era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria

70

salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma

obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo

De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem

aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios

domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a

acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a

matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser

extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem

apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio

dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)

As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu

leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de

1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute

atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender

crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma

geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito

frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em

portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)

Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar

continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da

temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram

a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a

diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)

Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se

ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser

71

referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de

atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos

que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios

Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus

familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em

berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto

ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho

logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o

estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar

a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento

conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada

de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de

Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)

De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede

passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite

ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade

capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede

Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35

semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de

Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)

Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo

encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo

10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para

a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para

o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados

72

I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica

ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)

II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de

nascimento menor de 1000 gramas

III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio

imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte

IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e

V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter

venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de

infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta

por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos

agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de

30122013)rdquo

A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie

de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos

quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos

cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de

alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada

para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o

sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado

um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados

necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira

2005 Costa amp Padilha 2011)

73

Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as

matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas

Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto

Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir

de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de

baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de

sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)

Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido

de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo

da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos

cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o

envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)

Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a

implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes

no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias

de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga

emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho

excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas

decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade

A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo

Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo

Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo

voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que

permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia

com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo

buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no

hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)

74

ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e

dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005

Scochi et al 2001)

No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia

no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local

escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou

importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do

seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da

deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra

Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de

Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade

que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)

Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia

materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo

praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no

atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de

recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo

(EBSERH 2015)

Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de

Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A

maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com

75

23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados

recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do

RN (UFRN 2017)

Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade

A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia

de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a

morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares

De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da

Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe

multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de

2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e

humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e

habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)

a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em

Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina

Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou

Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo

76

c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com

habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional

comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal

e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia

profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada

horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas

h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada

turno

i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno

j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade

Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel

de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de

fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais

Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria

GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia

psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de

77

funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive

fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos

Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no

proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era

da teacutecnica e diante da morte de pacientes

32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes

No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado

Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro

e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a

condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A

ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins

inclusive o proacuteprio indiviacuteduo

O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o

cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior

de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias

possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo

inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo

de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua

responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha

Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra

nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a

racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a

doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura

(Rebouccedilas 2015)

78

Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os

pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante

na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto

ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas

Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de

um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que

cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo

foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado

como coisa objeto

O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao

pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece

Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e

que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o

nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo

enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e

expectativas

Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da

medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado

de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre

o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger

(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de

cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica

ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares

Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado

algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc

79

apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs

Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de

um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves

necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)

Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo

a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais

estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem

um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro

(Heidegger 1927 2015)

Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no

cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da

morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do

que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia

paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade

enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante

da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006)

Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes

proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede

diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo

prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao

abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente

propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo

aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e

orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam

80

Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades

apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda

tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros

como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt

2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)

Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como

um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute

morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais

sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a

manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp

Luker 2003)

Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte

de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao

comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover

qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente

com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva

2006)

Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes

profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo

de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais

frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais

presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados

sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre

os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva

2012 p 54)

81

Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados

diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim

dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a

comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do

oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o

paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados

925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto

Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com

familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se

como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se

ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte

precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e

profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto

(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de

oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o

psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as

suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas

pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente

possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto

um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento

(Medeiros amp Lustosa 2011)

O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em

oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio

82

ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na

praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais

do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que

promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a

necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo

a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por

um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)

Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos

familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave

alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do

psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo

quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres

psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)

As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte

aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os

sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano

de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo

para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional

Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue

contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa

83

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888

84

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir

enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes

compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees

anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo

real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar

sobre a pesquisa

Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para

um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha

questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a

praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de

sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia

da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma

compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal

Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir

atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados

e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados

com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer

uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao

fenocircmeno

Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair

daqui

Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato

Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice

Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o

gato

Lewis Carroll

85

Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel

com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a

fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a

realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos

A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)

busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de

questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude

Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo

aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas

simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama

de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto

morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde

o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a

experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle

como premissas

Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada

nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano

a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e

teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e

instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da

filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas

como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do

real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita

noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente

e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)

86

enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no

mundo (Heidegger 19271989)

A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu

como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI

Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia

que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-

para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado

Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a

existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no

mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida

que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo

inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo

a serrdquo

Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais

de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios

vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo

da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o

fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos

encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno

A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento

uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o

fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador

Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular

o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A

verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e

87

considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo

Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia

desvelar novos sentidos para a sua existecircncia

A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de

causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para

realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma

mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos

A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante

seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees

sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante

do que foi narrado

41-Participantes da pesquisa

A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional

considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente

contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a

estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal

Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de

participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove

entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)

Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45

anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais

de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e

88

estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da

EBSERH

A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as

entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28

meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos

de enfermagem

42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo

Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-

Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe

multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e

que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo

delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou

de niacutevel superior)

Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica

para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na

Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de

exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de

Terapia Intensiva Neonatal

Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica

heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a

idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para

a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a

tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram

considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas

89

43-Aspectos eacuteticos

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN

Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram

participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa

(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi

solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em

anexo)

As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o

desenvolvimento das atividades laborais

Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a

preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um

cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles

pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de

alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho

Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes

fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo

tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para

tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho

com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como

Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol

90

44- Formas de trilhar o caminho

Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto

agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de

Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica

da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com

a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute

de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta

etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre

a pesquisa

Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal

dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada

naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como

a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz

gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia

Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas

narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das

profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo

do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de

matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede

A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao

fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A

narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o

participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio

de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)

91

A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo

pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir

da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa

durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)

Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu

interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma

busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que

o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas

mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)

A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e

resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado

pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo

disparadora

ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI

Neonatalrdquo

42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo

A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger

buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a

fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na

Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem

verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana

Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no

seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia

da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)

92

Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo

utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano

sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e

Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano

como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger

19272015)

Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo

afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o

mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o

interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas

que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como

tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a

abertura do ser para o mundo de outro modo

A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do

ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-

ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as

possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de

ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a

compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em

si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo

A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como

interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas

separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as

possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo

93

A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo

da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por

meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)

ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo

eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da

maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente

a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo

Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre

os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de

gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo

Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e

compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade

absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto

histoacuterico especiacutefico

Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que

compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a

concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir

Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico

Posiccedilatildeo Preacutevia

Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo

Preacutevia

Abertura Disposiccedilatildeo

compreensatildeo linguagem

(Azevedo 2013 Maux 2014)

94

A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras

realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a

escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao

encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do

participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico

especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado

A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi

ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma

disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos

apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a

interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com

base na sua compreensatildeo de mundo

A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo

dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo

anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades

de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta

abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando

a compreensatildeo da experiecircncia do outro

A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade

hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes

de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)

-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o

pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e

questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia

-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador

95

-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas

da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os

participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador

narrador

-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos

anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute

apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do

fenocircmeno

A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta

a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux

amp Dutra 2009 Schmidt 2006)

Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que

assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do

percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do

mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o

fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes

do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as

coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo

instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens

atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo

A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a

historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um

encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e

buscam formas de lidar com a finitude

96

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush

97

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes

na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro

apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em

torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que

integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas

de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as

relaccedilotildees que constituem com o outro

Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas

vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em

nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo

jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada

integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros

bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos

bebecircs

As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas

ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando

o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres

humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais

murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades

As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para

as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo

cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro

sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo

98

Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como

caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas

Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros

conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos

instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada

dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares

Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos

por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do

pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas

apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para

trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os

sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes

os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-

Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e

projetos

De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos

participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes

da UTI Neonatal

1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal

Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente

contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da

MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato

passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida

Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante

99

a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes

profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos

durante a anaacutelise

Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia

durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento

inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida

Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente

quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos

Seguem alguns relatos que ilustram isso

ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na

enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar

da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na

famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo

(Margarida)

ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo

que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento

tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha

casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)

As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do

concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar

em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de

bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que

hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias

ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo

vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito

grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas

receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)

100

ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido

aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a

aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)

Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em

comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de

ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da

dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de

uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem

continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas

Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia

existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que

constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees

diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo

Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI

Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de

Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu

primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois

virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as

oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso

profissional foi se desenvolvendo

ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo

foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a

oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)

O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que

enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai

sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de

101

uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado

de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da

vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte

de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo

profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando

O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo

implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na

concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas

como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo

do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias

Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes

profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito

Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo

baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do

homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser

encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo

natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)

A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte

histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla

o trabalho na UTI Neonatal

2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal

A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas

unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um

corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos

uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)

102

Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um

maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que

ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos

receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado

por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal

ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se

eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado

ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai

que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas

tomar banho de solrdquo (Girassol)

Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator

que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por

Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu

desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma

caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos

profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que

circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs

Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada

pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz

solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente

algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para

ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por

alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do

confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de

trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005

Rocha Souza e Teixeira 2015)

103

Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave

sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta

um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos

ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do

que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros

de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba

levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros

na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)

ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos

profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar

com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto

e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto

que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo

(Amariacutelis)

A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e

psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com

o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos

afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de

atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados

pelos profissionais

Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia

negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local

onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa

Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos

profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se

pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo

104

da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de

vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)

A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os

profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em

Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o

contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma

questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo

Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica

Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento

teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual

estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os

resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)

Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que

valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento

Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e

agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica

produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado

Como pode ser observado no relato a seguir

ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia

Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das

vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar

Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc

abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)

Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela

profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava

correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso

105

que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias

impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma

atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a

pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte

O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso

que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que

pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na

morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma

ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute

presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso

No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de

pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este

tipo de abandono

O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais

refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da

responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia

ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na

profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua

vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute

inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados

familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)

Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta

obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os

profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade

interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede

106

Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos

comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado

reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso

horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo

com Heidegger (2007 p 380)

O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa

ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas

de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os

homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)

Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza

o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta

dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua

vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os

obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que

realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga

ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho

de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em

ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se

atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a

essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O

desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza

a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal

Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece

previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de

proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna

tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo

107

relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte

assimrdquo (Violeta)

ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo

que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto

pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de

identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da

falta de pessoalrdquo (Rosa)

Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um

lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que

ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas

e ateacute na morte de pacientes

Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma

reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo

Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas

consequecircncias que podem gerar

ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma

famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o

impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo

(Tulipa)

Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do

conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir

sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo

esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela

concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica

enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)

E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa

possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta

108

desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve

os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir

3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos

Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de

receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute

contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave

ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros

contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte

certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute

verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida

Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar

adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)

ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida

quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva

Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute

que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar

com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)

A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera

sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro

da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e

tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede

em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)

109

Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como

se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e

seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido

ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro

pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me

marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma

matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)

Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo

Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo

distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento

conforme pode ser constatado nos relatos a seguir

ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a

capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer

uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA

gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)

ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz

muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar

remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo

emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia

Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma

vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)

A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento

para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga

suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta

necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando

110

ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico

enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta

na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no

colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada

chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num

shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu

cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas

foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta

dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que

vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)

O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas

de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o

controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim

este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio

profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele

ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao

como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio

e racional

De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi

apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o

quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo

passiacuteveis de serem expostas

Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos

profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode

ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte

eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo

seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom

111

prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento

nos profissionais

ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila

a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam

quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute

comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio

que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as

perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)

Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima

pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os

pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade

Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional

Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de

impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados

e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso

horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar

a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os

acontecimentos do mundo

De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente

quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o

desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees

e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao

aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar

parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute

muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato

ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes

mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo

taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de

112

hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o

momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou

maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente

mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de

pararrdquo (Angeacutelica)

Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer

que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela

cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de

esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi

feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel

Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na

qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar

com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe

que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais

porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo

Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o

reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos

abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um

sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de

forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir

ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a

gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir

responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi

porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo

orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo

ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)

113

ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que

parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida

porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou

faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de

emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)

Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as

participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar

dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma

culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo

A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo

Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se

cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)

Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez

por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na

decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma

determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do

cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem

estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser

(Heidegger 1927 2015)

A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser

portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da

facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o

homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)

Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa

Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais

114

comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que

estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando

Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a

ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir

com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto

anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente

estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do

preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se

materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a

culpa

A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para

pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que

eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade

Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos

Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das

ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)

Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e

os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam

sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras

doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes

como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de

tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios

e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no

centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar

ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja

115

A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado

O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para

alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem

pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)

A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que

centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas

possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a

referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser

introjeta os valores deste mundo

Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas

atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de

trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos

profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de

trabalho

4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de

trabalho

Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de

presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em

relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento

O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre

essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico

Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que

ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada

profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs

em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente

116

as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam

questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem

iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas

instalaccedilotildees da UTI Neonatal

ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute

importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que

taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema

eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute

desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por

exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a

gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra

fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)

A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo

fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os

familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim

acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e

questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido

Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de

trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos

projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos

perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco

entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-

se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos

aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo

envolve a sua histoacuteria

117

Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais

em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte

de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma

profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar

esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido

ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma

coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque

tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber

uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu

bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu

bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas

reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc

porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo

Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar

ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)

Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de

expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de

conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento

das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia

de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um

profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo

detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de

tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um

no outro

De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo

de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz

parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa

118

interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no

qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo

Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute

interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante

das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee

preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar

temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a

sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados

ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela

foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo

como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um

divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira

menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee

taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute

dentrordquo (Angeacutelica)

Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma

situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar

do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a

considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos

refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro

Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era

um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela

Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e

sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de

Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o

grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor

119

dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas

proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados

(Carvalho 1996)

Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-

se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional

ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto

Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha

ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito

que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como

eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho

que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor

de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)

O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no

contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e

geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem

natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute

ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia

como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo

Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees

sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o

ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais

satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais

De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc

com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas

que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada

direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua

120

compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade

vai sendo construiacutedordquo

Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si

mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais

da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria

especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente

tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc

pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente

adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir

ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de

enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo

e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute

algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto

com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere

a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)

Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o

iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic

2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que

vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda

receber uma visita ficar no colo)

Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se

tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)

do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc

Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc

precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no

121

berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que

ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)

No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados

baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se

preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos

familiares principalmente das matildees

ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que

foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou

abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que

chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela

Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da

juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)

Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do

receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo

de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que

vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer

as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito

um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar

diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma

nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma

profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares

ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma

histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a

matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do

namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo

eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado

122

dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos

uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A

gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente

tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha

mais jeitordquo (Tulipa)

Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre

o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das

possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o

outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo

que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da

compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade

de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as

articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se

transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura

para novas possibilidades

Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com

a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para

entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos

cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos

diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas

sobretudo humanas

Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo

contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os

desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma

dificuldade a ser enfrentada

123

ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser

mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro

colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)

O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que

apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um

dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso

depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam

mandam ditam regras e normas

ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute

que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande

que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo

satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc

eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro

ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse

suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai

morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha

e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem

que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)

As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se

apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com

o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento

do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser

tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida

Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o

desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de

responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe

Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos

profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as

responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior

124

que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa

convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios

cotidianos

ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes

somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a

questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute

os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem

aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os

lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo

eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo

(Amariacutelis)

Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de

relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores

Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que

trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que

convivem com as mesmas dificuldades

De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum

satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama

significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em

contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que

entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo

O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode

aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto

do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de

sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de

trabalho

125

5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos

profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e

resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila

Botomeacute 2005 Silva 2006)

Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como

compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a

serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs

2003)

Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com

as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional

ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum

momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na

residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo

entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por

exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi

aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)

Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a

graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio

profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade

ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute

pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso

acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que

os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou

por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas

ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo

Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe

entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo

126

precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo

entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade

emocional tatildeo granderdquo (Girassol)

A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades

que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade

de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato

as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam

e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede

O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute

que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo

O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica

sobre como lidar com as mortes e perdas

Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades

enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores

considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as

dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades

podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade

e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver

habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber

como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)

Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos

sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem

e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas

adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade

(Moreira Vasconcelos Heath 2015)

127

A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos

desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar

espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo

se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares

(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)

A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional

nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a

respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN

ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da

gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo

aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo

telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo

estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda

todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter

um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)

Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos

profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo

reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o

desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com

ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo

A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido

durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte

da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que

outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para

reflexatildeo

Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo

tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida

128

enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O

defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver

a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo

que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias

recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo

Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas

existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso

como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar

de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo

dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com

sofrimento no cotidiano

Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em

instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos

um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir

ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente

em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente

lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento

aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi

aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar

isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim

Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)

De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo

do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco

suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia

aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa

mesma falta em seus pacientesrdquo

129

Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com

as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte

ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que

vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta

mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A

Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que

reconhecerrdquo (Angeacutelica)

Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os

limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como

reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder

Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento

calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade

voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da

teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que

seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos

equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As

mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico

Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do

controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se

chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de

que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a

minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as

escolhas que estou fazendo

A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria

em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e

para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo

130

para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os

profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se

renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre

o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela

morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das

expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada

Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de

familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto

que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites

da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram

relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e

outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites

da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na

cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees

tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de

uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia

Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito

aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da

praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas

desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)

A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica

Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de

complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica

por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de

outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las

131

Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute

oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias

poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia

contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e

possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir

Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para

implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares

Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o

sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo

desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se

apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca

contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares

6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas

possibilidades e projetos

A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de

transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes

do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as

reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017

Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional

para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia

fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas

pelos profissionais

132

Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados

paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a

seguir

ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas

a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo

do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute

o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente

taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito

sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente

comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar

essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente

entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)

O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da

matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo

que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a

incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC

ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute

foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo

contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra

tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava

vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a

rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)

Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado

pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo

em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem

contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos

pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas

nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir

133

ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo

encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute

Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino

monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito

porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo

ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que

ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer

porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute

perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em

casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada

eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)

O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo

mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento

sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes

as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares

dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar

escolhas

ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos

humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos

contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o

amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo

pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a

equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que

ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar

com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito

sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo

(Rosa)

O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva

e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar

134

decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares

decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas

possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na

assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar

autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias

dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo

individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e

evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo

Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos

momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia

dos profissionais desenvolverem a empatia

ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente

ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho

que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada

profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)

ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente

de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada

por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)

No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo

muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando

os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois

o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo

ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia

do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute

complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou

vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar

135

mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar

eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)

Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo

no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a

permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo

O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente

quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede

Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do

adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo

ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)

Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e

sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento

da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre

o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim

implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz

de fazer escolhas

Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem

desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e

atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de

perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita

de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o

domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas

de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para

estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho

136

O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita

pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos

relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na

sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que

ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto

intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo

ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente

os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num

niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a

equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro

cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto

com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem

inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com

dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como

chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo

encontrosrdquo (Rosa)

ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo

bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe

multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros

profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura

para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o

entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees

Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo

psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos

que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos

que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os

137

funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da

expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir

ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo

tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a

gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e

a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente

natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito

grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado

meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos

fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de

conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee

ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah

a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente

ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem

que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem

uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)

Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da

pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele

momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um

espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final

da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida

Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de

fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia

que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos

que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador

agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como

o que foi ouvido o afetou

138

E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a

circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo

do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees

Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem

reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas

distintas compreensotildees de mundo

139

Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

ldquoVladimir Kushrdquo

140

O SONHO

Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser

Porque vocecirc possui apenas uma vida

E nela soacute se tem uma chance

De fazer aquilo que quer

Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce

Dificuldades para fazecirc-la forte

Tristeza para fazecirc-la humana

E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades

Que aparecem em seus caminhos

A felicidade aparece para aqueles que choram

Para aqueles que se machucam

Para aqueles que buscam e tentam sempre

E para aqueles que reconhecem

A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo

Clarice Lispector

A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui

continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado

Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos

imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que

precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave

juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e

interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria

141

fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas

necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)

Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada

bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que

se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo

necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo

Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente

trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar

constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares

Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da

administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e

como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em

seus caminhosrdquo

Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas

famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os

profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos

familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se

amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir

adiante

Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante

da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das

experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem

mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre

a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o

uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos

142

Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como

as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos

tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor

assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios

O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser

feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na

importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle

para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura

para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute

reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o

trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de

todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As

limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente

indefinida a morte iraacute chegar

A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada

Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto

especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o

querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que

embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo

deixa enxergar o natildeo querer

Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais

do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao

que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender

o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do

que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer

143

Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser

ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de

trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de

trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do

cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades

De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de

atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado

ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles

Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos

profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo

embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade

Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar

o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro

Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees

existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a

ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem

limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional

Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte

esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim

tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que

vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em

um contexto histoacuterico especiacutefico

No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se

faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente

controle

144

A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no

mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder

natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo

Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-

no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas

com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para

realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para

o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo

O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas

de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a

capacidade de ser propriamente livre

Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no

sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o

sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples

citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente

e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si

proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos

Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto

mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para

melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades

Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da

vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se

tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo

com o mesmo

145

Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos

prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que

nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo

nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo

Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a

morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-

los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma

reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte

poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a

culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca

da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a

realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos

faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes

Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um

contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a

sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso

aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os

momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um

espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo

psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees

multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de

escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o

caminhar a jornada

146

Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto

o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas

de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades

Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo

temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves

coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma

sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo

Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos

consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o

poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de

informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de

quem acumula coisas

Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar

vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes

de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja

assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar

atenccedilatildeo

Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e

mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam

chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados

capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante

da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping

Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira

caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para

a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais

147

televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A

populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede

Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como

o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo

vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a

sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem

Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco

valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do

emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a

renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando

desgaste fiacutesico e psicoloacutegico

Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no

trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar

que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de

trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma

forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de

materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o

profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo

satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam

A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos

bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o

profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as

frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes

satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do

148

outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de

si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida

Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas

cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego

o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras

mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir

sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute

possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave

depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio

Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo

de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode

significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um

pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo

um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como

a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros

Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano

Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

149

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes

para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso

tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos

a condiccedilatildeo de ser-no-mundo

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida

como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila

como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e

deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso

150

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ANEXOS

158

Paacutegina 1 de 1

TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ

Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da

entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a

experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora

responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte

Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a

compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees

propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a

realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio

durante o transcorrer da entrevista

Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora

responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto

agrave identidade dos participantes desta pesquisa

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

159

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de

sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos

Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do

olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes

No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento

teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam

situaccedilotildees de morte de pacientes

Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os

profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e

como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender

como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender

os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica

foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia

no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)

hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi

gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um

desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o

pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio

Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional

de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute

para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo

A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-

nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os

profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos

pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que

vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a

Paacutegina 1 de 3

160

conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees

poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no

enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas

orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e

qualidade de vida no trabalho

Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento

em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em

qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta

As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas

apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar

seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro

por um periacuteodo de 5 anos

Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela

pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado

por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo

conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa

Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila

Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail

lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa

a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail

elzadutrarngmailcom

Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para

o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como

poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital

Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis

(CEP 59012-300)

Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a

pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos

Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as

informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios

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161

Paacutegina 3 de 3

e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs

profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia

hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em

congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

Page 4: A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA ......inclusive na UTI Neonatal. Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da morte de pacientes na UTI. Um sofrimento

4

5

ldquo Eacute preciso amor

Pra poder pulsar

Eacute preciso paz pra poder sorrir

Eacute preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia

Todo mundo chora

Um dia a gente chega

E no outro vai embora

Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria

Cada ser em si

Carrega o dom de ser capaz

E ser felizrdquo

Almir Sater

6

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria

Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o

meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito

obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional

Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila

aprendizado e afeto

Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais

forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo

Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos

iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir

A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do

doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo

inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-

mundo

Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento

Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave

pesquisa

Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees

para a minha tese

A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito

bom trabalhar com vocecircs

A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse

Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce

e radiante com a presenccedila de vocecircs

A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse

realidade

7

Sumaacuterio

Resumo 11

Introduccedilatildeo 13

Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31

Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia

Heideggeriana

45

Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67

Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83

Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de

sauacutede em UTI Neonatal

95

Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das

narrativas dos profissionais de sauacutede

139

Referecircncias 150

Anexos 157

8

Lista de Figuras

Figura Paacutegina

1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24

2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93

9

Lista de Tabelas

Tabela Paacutegina

1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia

na MEJC NatalRN

18

10

Lista de Siglas

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria

BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares

HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes

IMI Instituto Materno Infantil

MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

UTI Unidade de Terapia Intensiva

UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

11

Resumo

Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o

papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser

justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as

maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida

Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos

a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico

considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia

intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do

conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda

lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no

cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a

experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a

gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi

utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a

entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas

formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas

assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo

hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees

mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza

diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano

de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo

aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo

de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos

profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de

instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de

pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a

instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte

receacutem-nascido

12

Abstract

Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated

to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence

of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the

possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the

consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became

places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of

life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals

in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety

protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses

in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience

of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a

field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic

phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were

conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing

technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was

inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence

The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt

and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There

was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the

structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary

meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study

also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the

academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the

understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to

the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and

their families

Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn

13

Introduccedilatildeo

O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local

assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local

tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em

uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento

pela necessidade de zelo e carinho

A UTI Neonatal

Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida

Por entre equipos e leitos e sensores

E monitores e bombas de infusatildeo

A tecnologia aliviando as dores

A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo

Por entre antibioacuteticos e perfusores

Coletas rastreando a infecccedilatildeo

Profissionais e procedimentos salvadores

Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo

A UTI Neonatal assustadora

Tentando ser a matildeo renascedora

Tentando ser o manto que alivia

A UTI Neonatal porto seguro

Oaacutesis da esperanccedila em um futuro

Misto de amor e tecnologia

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017

14

Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos

aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se

desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu

desenvolvimento ou finitude

Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute

justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso

no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees

Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas

experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes

dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem

Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o

presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares

Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo

de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em

que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia

aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para

relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva

inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da

morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser

um profissional da aacuterea de sauacutede

O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de

adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais

Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares

Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo

envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para

15

a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos

equipamentos

A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a

experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e

as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o

tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos

profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a

morte

A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a

dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma

sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de

sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma

sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante

da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes

seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida

Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas

temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que

influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger

A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a

experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que

se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno

Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger

trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia

Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre

ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-

16

para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto

projeto

Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que

a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica

valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave

constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio

Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas

possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo

Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do

outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem

morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando

morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria

morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz

distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano

Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de

pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar

com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras

atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa

A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns

questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional

reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a

morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento

proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando

Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que

valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso

17

profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo

como se isso fosse possiacutevel

Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a

produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave

morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a

primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a

qualquer momento

Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um

idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela

frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos

que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental

contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a

preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade

Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente

destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito

longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se

em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de

paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988

mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade

materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo

componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede

2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)

A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee

o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes

foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e

18

avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais

se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-

nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o

risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito

neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)

No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos

oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees

perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes

infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-

econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees

Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos

de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes

(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado

do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco

histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o

nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016

contemplam apenas os meses de janeiro a junho)

Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC

NatalRN

19

Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os

meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das

causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como

da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-

nascido

Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo

atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)

eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte

de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte

em vida

Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo

trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente

A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano

da UTI Neonatal

Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar

com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade

caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E

quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas

(Bernieri e Hirdes 2007)

Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi

considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a

morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute

vivenciada (Ariegraves 2003)

20

O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a

morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata

no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de

palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas

posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto

A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade

de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das

demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na

vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade

que tambeacutem se finda

Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais

Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees

de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a

possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre

a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma

reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever

algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar

mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida

Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o

mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este

() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo

acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal

a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do

general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp

139)

21

faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam

conjuntamente

Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao

longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como

campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio

Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos

hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais

de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada

pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a

questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes

cotidianamente

Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se

apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos

de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida

concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre

dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados

Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega

o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto

com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante

deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e

Germano 2010)

Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais

de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os

22

procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do

tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com

a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma

tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)

Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do

mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para

a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar

sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no

mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem

vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana

O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo

da vida Como relata Casanova (2013)

Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar

estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e

diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados

para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas

dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos

imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de

cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros

movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que

mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas

preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na

primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a

proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro

lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por

vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca

a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai

completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)

23

Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que

trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade

de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo

cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados

pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma

das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave

Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os

cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade

da vida dos receacutem-nascidos

Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional

de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como

uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este

contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu

um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas

24

Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal

O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade

constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo

tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar

aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade

Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que

por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das

determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos

Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte

e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia

humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido

demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos

adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da

Profissional de Sauacutede

Teacutecnica

Protocolos de

seguranccedila

Matildees dos pacientes

Bebecircs em alto risco de morte

Equipamentos

25

maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos

pais

Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada

junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo

quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava

dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender

que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee

os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento

para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram

o suporte aos pais

As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de

quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os

profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido

durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender

o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como

enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas

experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede

Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade

de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de

compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed

utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a

existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos

demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de

enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores

26

ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou

nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo

Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e

teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e

culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em

que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que

possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia

fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)

Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de

receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os

profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de

enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a

uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)

Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar

da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar

profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer

assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma

direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos

A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a

comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente

para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

27

A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados

da seguinte forma

- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos

histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo

Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o

sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a

morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do

desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante

-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia

Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-

com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de

Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o

nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a

impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como

uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do

tempo

28

-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede

Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as

dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da

UTI Neonatal

O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra

intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida

eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o

olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a

morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em

particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas

matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos

-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho

Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para

compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das

aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos

mesmos

Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os

procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e

exclusatildeo dos participantes

Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a

caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu

trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo

29

colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno

ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas

dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica

heideggeriana

No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que

retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma

mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma

homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores

-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos

participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele

que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem

interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador

que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o

que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que

assumiu um sentido para o observador

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher

borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem

30

estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam

dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando

Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na

introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da

histoacuteria ateacute a contemporaneidade

31

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893

32

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja

como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As

atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto

histoacuterico e social de cada eacutepoca

Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado

iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da

histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a

ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia

Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com

o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos

dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram

encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes

rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram

encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais

reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e

cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)

No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados

em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e

ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a

morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte

que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante

a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de

fundamentalrdquo

(Edgar Morin 1997 p32)

33

utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam

pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos

primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de

transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)

Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das

tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida

apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia

falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local

um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como

gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos

tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se

sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)

Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para

o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao

ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a

conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade

atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos

escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro

dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava

o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris

Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o

eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser

destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)

Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da

proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava

34

o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma

preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por

vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da

justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em

um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro

e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento

do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que

concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos

Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida

De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para

utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada

em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A

civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a

morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de

servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo

individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um

atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que

os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e

em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto

como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo

(Santos 2009)

Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar

agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse

praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio

35

uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para

aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade

e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas

Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000

dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons

receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras

sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e

desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras

que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que

posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio

da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este

coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte

(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a

cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os

restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o

local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico

Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um

ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado

ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava

sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)

Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da

imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo

foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo

36

A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787

Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma

das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da

alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o

que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este

momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por

Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e

a ocasiatildeo da sua morte

Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias

refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com

o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por

uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que

nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do

homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para

outro mundo (p5)

Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos

antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte

37

enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em

vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo

a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)

Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a

forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O

sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que

a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la

e de vivenciaacute-la

Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim

para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como

tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios

por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres

e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de

deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou

abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)

No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e

era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma

natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano

que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada

Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo

que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de

preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a

proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas

tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo

cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)

38

Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo

quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs

conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei

paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda

era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um

animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia

alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra

crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)

Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos

explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma

distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida

regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os

seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o

acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca

repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)

As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte

anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia

cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees

sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos

coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos

cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)

Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte

dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte

domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as

crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural

39

Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas

aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta

crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja

cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg

1983 Ariegraves 2003)

Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em

particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma

triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como

um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi

a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a

ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)

Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram

a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte

Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas

em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do

morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos

momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens

buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras

realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves

2003 Kovaacutecs 1992)

A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor

diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se

tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o

ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao

indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que

40

deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e

majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)

Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do

tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro

que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia

conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho

em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte

e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto

origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada

A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando

de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII

a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado

fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi

separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-

se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo

das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande

movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves

leis ou ao Estado

Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das

famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e

filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de

honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma

espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser

mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava

de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo

ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas

41

camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama

dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las

Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos

dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos

seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e

solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia

que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem

uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-

se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa

revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo

voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)

Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi

modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e

ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo

menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que

jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de

cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a

sociedade contemporacircnea

Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem

faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo

aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave

vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais

destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio

distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie

de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade

42

crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a

existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)

No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem

como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo

estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos

contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo

trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas

no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros

comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas

(Pinto amp Veiga 2005)

A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida

e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do

prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta

busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o

sucesso a juventude e o controle emocional

Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante

refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como

ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as

interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir

reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)

Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram

frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa

de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das

condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou

faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para

43

a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora

da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio

a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle

sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida

Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status

social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para

o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em

detrimento do grupo social

Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos

para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando

os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos

deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da

medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores

de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte

a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo

Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo

que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos

Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os

que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do

consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer

Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos

geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na

necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte

predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem

como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual

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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos

adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica

entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo

(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)

Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia

de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar

retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais

produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas

A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute

uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo

45

Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931

46

Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que

natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela

imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade

que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence

a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi

ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao

mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos

pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos

esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras

a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances

A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater

entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais

contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas

controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da

valorizaccedilatildeo da vida e da juventude

O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da

forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me

A Morte Chega Cedo

A morte chega cedo pois breve eacute toda vida

O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida

O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou

E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou

E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo

No caderno da sorte que Deus deixou aberto

Fernando Pessoa in Cancioneiro

47

remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente

estudo

Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes

definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo

humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor

Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um

questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e

da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida

como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem

eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais

diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos

A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece

inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine

questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples

ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha

derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade

e uma reflexatildeo bem mais profunda

E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)

define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas

escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia

acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo

Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra

sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que

todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo

a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um

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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido

eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu

quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e

encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente

Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de

ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente

(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem

algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute

relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo

denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)

Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos

hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o

objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma

de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no

mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma

relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar

natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada

A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com

o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo

que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do

cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem

cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que

Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o

ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico

as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente

ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais

Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda

o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)

49

vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos

pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes

profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)

seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem

ganham outro sentido

O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa

que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo

de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura

ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa

Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e

depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do

cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe

eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante

Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao

mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual

estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por

assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no

mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo

Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em

um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos

caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a

() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta

e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem

natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual

por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)

50

ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o

ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos

O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser

existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a

inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser

dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)

O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as

suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios

necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se

ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um

espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os

seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo

O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico

envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo

enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido

Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas

escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem

em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e

consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos

Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein

O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira

para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo

anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma

caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma

determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no

cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)

Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da

natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de

uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica

que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e

no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)

51

Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de

outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes

existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial

(Ferreira 2010 p113)

ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo

espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a

habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo

em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto

de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem

como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um

ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de

empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o

Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)

Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute

essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para

as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive

ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir

interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo

Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade

Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do

corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da

corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial

do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo

Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes

como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser

52

doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como

seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se

concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto

Sem abranger o ser que habita este corpo

Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica

do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as

palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa

agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um

corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar

compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais

Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a

corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que

ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte

Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da

substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes

Princiacutepios I n 53 p 44)

Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a

aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a

utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de

corporeidaderdquo (Heidegger p 146)

A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees

sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como

um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo

A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar

de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o

53

nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a

possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute

ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo

dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar

pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com

outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)

Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante

compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo

para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias

caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada

profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras

ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora

universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura

O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem

um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de

isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o

estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como

co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar

sempre com o outro (Heidegger 19272015)

Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se

estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro

das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas

mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica

eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as

encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa

primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)

54

Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade

de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma

equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento

dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E

o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do

receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees

de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo

juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em

que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se

restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos

O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein

existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do

momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da

presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da

existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem

desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do

pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um

impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros

Daseins

O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito

de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo

primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao

encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial

empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos

ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente

dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no

mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)

55

Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que

tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein

Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de

se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano

eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo

do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender

nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos

outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)

O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de

preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais

apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve

as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo

mesmo (Heidegger 1927 2015)

O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se

manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao

cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-

se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias

escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger

(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado

como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas

existem e devem existir no ser-com

O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude

que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o

seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer

o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee

56

oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um

substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua

profissatildeo por exemplo

Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da

utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo

com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que

torna o outro algo que pode ser substituiacutedo

No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais

em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente

utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia

do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com

o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro

Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se

dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a

vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades

existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas

mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim

dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais

projetos a realizar Ela encerra o inacabado

O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute

intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se

envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia

inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar

sobre o sentido do seu ser dos seus projetos

57

A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe

jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a

possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no

mundo (Heidegger 19272015)

A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada

indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma

perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas

Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto

natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram

uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos

lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte

De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a

experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor

merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca

de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute

junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede

Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-

mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute

tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-

em pode tocar e ser tocadordquo

Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa

que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra

pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do

outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias

vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo

58

Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade

proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano

deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com

a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge

com o mergulho na impessoalidade

Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver

com a ausecircncia

E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito

importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai

sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-

mundo (Heidegger 19272015)

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

59

A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua

existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em

explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos

influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem

na forma como encara a proacutepria morte

Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo

comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa

existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo

O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de

refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido

por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia

natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura

para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees

do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda

A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia

e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-

morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino

certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida

como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)

Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que

pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave

possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a

extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo

que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela

se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem

a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o

viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)

60

A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se

encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas

inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma

forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute

portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo

sobre a proacutepria morte seja evitada

Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva

do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser

medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta

consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica

torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais

o que se pode perder

O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo

(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada

pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos

e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez

eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo

Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte

algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma

intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal

[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no

mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao

ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo

como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso

significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo

(Heidegger 19272015 pp 253)

61

de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico

natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo

Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos

uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases

de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo

cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e

natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)

Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e

crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo

antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um

vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A

morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e

era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o

iniacutecio de uma histoacuteria interrompida

Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave

impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos

simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute

singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo

(Costa 2015 p 79)

A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser

medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares

de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente

e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)

Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar

que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A

62

primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga

fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer

remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)

A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental

portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a

temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da

sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo

de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos

Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma

importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em

ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento

para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em

uma eacutepoca

Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo

dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo

armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza

produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor

conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem

da necessidade de subsistecircncia

Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste

em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a

semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus

A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na

histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo

preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria

(Nunes 2012 p151)

63

frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave

presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E

este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta

O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele

se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira

satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda

retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave

manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)

Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento

Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de

provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos

e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor

desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)

Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela

postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do

homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades

de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e

No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores

alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos

deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla

era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As

obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da

produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos

Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)

Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo

fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir

dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na

clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a

ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)

64

reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o

domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo

diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que

calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com

maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de

oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo

(Heidegger 1959 p 13)

Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da

existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos

estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente

presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista

parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)

A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que

pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta

demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo

que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)

Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os

acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem

diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas

cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com

novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou

ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente

adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido

65

O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos

tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o

pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode

predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura

de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo

O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu

cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-

las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no

leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a

dependecircncia

Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que

atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e

novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico

natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as

almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo

para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver

o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo

Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo

preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as

decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos

adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos

familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de

trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a

respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede

66

Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees

acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute

esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo

67

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512

68

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves

dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular

da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o

hospital o local destinado ao envio de doentes

O cuidador

Tanta palavra

Tanto trabalho

Tanto diagnoacutestico Avassalador

Tanta cultura

Entre a dor e a cura

Tanta procura

Pelo fim da dor

Tanta rotina

Tanto medicamento

Tanto equipamento De alto valor

Tanta tecnologia

Envolvendo tanta gente

E nada disso

Aparentemente

Eacute suficiente

Para garantir

Verdadeiramente

Um cuidador

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas

Apressadas 2017

69

A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho

Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e

cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta

2003)

Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram

locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de

Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em

1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com

condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais

eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham

outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)

O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente

recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu

um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-

1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer

hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as

condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para

gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)

Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior

surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata

Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente

que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos

cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente

nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo

era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria

70

salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma

obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo

De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem

aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios

domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a

acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a

matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser

extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem

apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio

dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)

As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu

leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de

1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute

atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender

crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma

geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito

frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em

portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)

Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar

continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da

temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram

a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a

diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)

Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se

ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser

71

referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de

atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos

que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios

Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus

familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em

berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto

ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho

logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o

estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar

a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento

conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada

de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de

Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)

De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede

passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite

ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade

capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede

Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35

semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de

Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)

Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo

encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo

10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para

a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para

o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados

72

I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica

ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)

II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de

nascimento menor de 1000 gramas

III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio

imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte

IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e

V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter

venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de

infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta

por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos

agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de

30122013)rdquo

A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie

de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos

quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos

cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de

alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada

para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o

sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado

um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados

necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira

2005 Costa amp Padilha 2011)

73

Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as

matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas

Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto

Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir

de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de

baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de

sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)

Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido

de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo

da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos

cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o

envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)

Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a

implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes

no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias

de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga

emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho

excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas

decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade

A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo

Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo

Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo

voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que

permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia

com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo

buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no

hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)

74

ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e

dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005

Scochi et al 2001)

No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia

no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local

escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou

importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do

seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da

deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra

Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de

Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade

que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)

Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia

materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo

praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no

atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de

recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo

(EBSERH 2015)

Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de

Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A

maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com

75

23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados

recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do

RN (UFRN 2017)

Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade

A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia

de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a

morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares

De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da

Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe

multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de

2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e

humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e

habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)

a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em

Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina

Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou

Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo

76

c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com

habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional

comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal

e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia

profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada

horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas

h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada

turno

i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno

j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade

Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel

de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de

fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais

Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria

GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia

psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de

77

funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive

fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos

Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no

proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era

da teacutecnica e diante da morte de pacientes

32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes

No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado

Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro

e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a

condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A

ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins

inclusive o proacuteprio indiviacuteduo

O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o

cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior

de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias

possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo

inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo

de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua

responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha

Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra

nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a

racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a

doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura

(Rebouccedilas 2015)

78

Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os

pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante

na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto

ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas

Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de

um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que

cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo

foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado

como coisa objeto

O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao

pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece

Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e

que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o

nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo

enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e

expectativas

Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da

medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado

de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre

o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger

(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de

cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica

ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares

Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado

algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc

79

apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs

Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de

um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves

necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)

Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo

a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais

estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem

um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro

(Heidegger 1927 2015)

Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no

cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da

morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do

que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia

paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade

enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante

da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006)

Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes

proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede

diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo

prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao

abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente

propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo

aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e

orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam

80

Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades

apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda

tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros

como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt

2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)

Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como

um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute

morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais

sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a

manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp

Luker 2003)

Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte

de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao

comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover

qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente

com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva

2006)

Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes

profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo

de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais

frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais

presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados

sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre

os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva

2012 p 54)

81

Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados

diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim

dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a

comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do

oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o

paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados

925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto

Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com

familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se

como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se

ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte

precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e

profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto

(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de

oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o

psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as

suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas

pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente

possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto

um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento

(Medeiros amp Lustosa 2011)

O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em

oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio

82

ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na

praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais

do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que

promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a

necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo

a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por

um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)

Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos

familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave

alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do

psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo

quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres

psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)

As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte

aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os

sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano

de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo

para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional

Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue

contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa

83

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888

84

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir

enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes

compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees

anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo

real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar

sobre a pesquisa

Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para

um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha

questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a

praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de

sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia

da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma

compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal

Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir

atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados

e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados

com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer

uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao

fenocircmeno

Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair

daqui

Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato

Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice

Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o

gato

Lewis Carroll

85

Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel

com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a

fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a

realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos

A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)

busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de

questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude

Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo

aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas

simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama

de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto

morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde

o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a

experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle

como premissas

Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada

nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano

a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e

teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e

instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da

filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas

como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do

real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita

noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente

e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)

86

enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no

mundo (Heidegger 19271989)

A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu

como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI

Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia

que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-

para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado

Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a

existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no

mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida

que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo

inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo

a serrdquo

Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais

de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios

vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo

da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o

fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos

encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno

A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento

uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o

fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador

Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular

o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A

verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e

87

considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo

Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia

desvelar novos sentidos para a sua existecircncia

A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de

causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para

realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma

mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos

A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante

seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees

sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante

do que foi narrado

41-Participantes da pesquisa

A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional

considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente

contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a

estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal

Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de

participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove

entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)

Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45

anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais

de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e

88

estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da

EBSERH

A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as

entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28

meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos

de enfermagem

42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo

Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-

Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe

multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e

que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo

delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou

de niacutevel superior)

Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica

para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na

Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de

exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de

Terapia Intensiva Neonatal

Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica

heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a

idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para

a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a

tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram

considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas

89

43-Aspectos eacuteticos

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN

Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram

participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa

(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi

solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em

anexo)

As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o

desenvolvimento das atividades laborais

Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a

preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um

cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles

pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de

alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho

Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes

fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo

tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para

tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho

com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como

Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol

90

44- Formas de trilhar o caminho

Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto

agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de

Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica

da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com

a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute

de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta

etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre

a pesquisa

Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal

dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada

naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como

a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz

gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia

Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas

narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das

profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo

do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de

matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede

A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao

fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A

narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o

participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio

de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)

91

A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo

pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir

da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa

durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)

Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu

interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma

busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que

o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas

mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)

A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e

resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado

pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo

disparadora

ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI

Neonatalrdquo

42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo

A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger

buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a

fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na

Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem

verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana

Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no

seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia

da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)

92

Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo

utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano

sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e

Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano

como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger

19272015)

Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo

afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o

mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o

interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas

que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como

tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a

abertura do ser para o mundo de outro modo

A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do

ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-

ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as

possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de

ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a

compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em

si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo

A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como

interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas

separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as

possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo

93

A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo

da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por

meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)

ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo

eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da

maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente

a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo

Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre

os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de

gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo

Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e

compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade

absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto

histoacuterico especiacutefico

Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que

compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a

concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir

Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico

Posiccedilatildeo Preacutevia

Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo

Preacutevia

Abertura Disposiccedilatildeo

compreensatildeo linguagem

(Azevedo 2013 Maux 2014)

94

A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras

realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a

escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao

encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do

participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico

especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado

A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi

ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma

disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos

apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a

interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com

base na sua compreensatildeo de mundo

A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo

dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo

anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades

de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta

abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando

a compreensatildeo da experiecircncia do outro

A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade

hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes

de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)

-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o

pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e

questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia

-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador

95

-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas

da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os

participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador

narrador

-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos

anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute

apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do

fenocircmeno

A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta

a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux

amp Dutra 2009 Schmidt 2006)

Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que

assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do

percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do

mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o

fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes

do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as

coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo

instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens

atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo

A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a

historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um

encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e

buscam formas de lidar com a finitude

96

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush

97

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes

na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro

apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em

torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que

integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas

de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as

relaccedilotildees que constituem com o outro

Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas

vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em

nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo

jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada

integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros

bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos

bebecircs

As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas

ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando

o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres

humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais

murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades

As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para

as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo

cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro

sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo

98

Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como

caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas

Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros

conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos

instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada

dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares

Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos

por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do

pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas

apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para

trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os

sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes

os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-

Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e

projetos

De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos

participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes

da UTI Neonatal

1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal

Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente

contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da

MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato

passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida

Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante

99

a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes

profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos

durante a anaacutelise

Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia

durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento

inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida

Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente

quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos

Seguem alguns relatos que ilustram isso

ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na

enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar

da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na

famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo

(Margarida)

ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo

que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento

tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha

casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)

As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do

concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar

em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de

bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que

hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias

ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo

vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito

grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas

receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)

100

ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido

aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a

aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)

Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em

comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de

ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da

dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de

uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem

continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas

Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia

existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que

constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees

diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo

Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI

Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de

Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu

primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois

virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as

oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso

profissional foi se desenvolvendo

ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo

foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a

oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)

O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que

enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai

sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de

101

uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado

de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da

vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte

de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo

profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando

O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo

implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na

concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas

como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo

do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias

Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes

profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito

Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo

baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do

homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser

encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo

natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)

A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte

histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla

o trabalho na UTI Neonatal

2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal

A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas

unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um

corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos

uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)

102

Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um

maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que

ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos

receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado

por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal

ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se

eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado

ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai

que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas

tomar banho de solrdquo (Girassol)

Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator

que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por

Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu

desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma

caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos

profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que

circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs

Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada

pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz

solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente

algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para

ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por

alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do

confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de

trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005

Rocha Souza e Teixeira 2015)

103

Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave

sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta

um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos

ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do

que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros

de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba

levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros

na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)

ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos

profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar

com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto

e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto

que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo

(Amariacutelis)

A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e

psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com

o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos

afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de

atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados

pelos profissionais

Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia

negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local

onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa

Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos

profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se

pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo

104

da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de

vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)

A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os

profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em

Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o

contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma

questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo

Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica

Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento

teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual

estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os

resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)

Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que

valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento

Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e

agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica

produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado

Como pode ser observado no relato a seguir

ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia

Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das

vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar

Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc

abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)

Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela

profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava

correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso

105

que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias

impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma

atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a

pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte

O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso

que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que

pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na

morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma

ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute

presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso

No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de

pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este

tipo de abandono

O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais

refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da

responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia

ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na

profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua

vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute

inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados

familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)

Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta

obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os

profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade

interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede

106

Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos

comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado

reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso

horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo

com Heidegger (2007 p 380)

O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa

ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas

de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os

homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)

Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza

o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta

dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua

vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os

obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que

realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga

ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho

de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em

ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se

atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a

essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O

desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza

a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal

Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece

previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de

proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna

tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo

107

relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte

assimrdquo (Violeta)

ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo

que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto

pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de

identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da

falta de pessoalrdquo (Rosa)

Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um

lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que

ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas

e ateacute na morte de pacientes

Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma

reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo

Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas

consequecircncias que podem gerar

ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma

famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o

impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo

(Tulipa)

Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do

conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir

sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo

esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela

concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica

enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)

E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa

possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta

108

desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve

os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir

3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos

Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de

receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute

contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave

ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros

contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte

certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute

verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida

Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar

adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)

ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida

quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva

Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute

que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar

com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)

A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera

sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro

da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e

tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede

em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)

109

Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como

se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e

seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido

ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro

pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me

marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma

matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)

Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo

Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo

distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento

conforme pode ser constatado nos relatos a seguir

ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a

capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer

uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA

gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)

ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz

muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar

remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo

emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia

Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma

vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)

A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento

para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga

suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta

necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando

110

ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico

enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta

na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no

colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada

chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num

shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu

cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas

foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta

dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que

vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)

O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas

de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o

controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim

este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio

profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele

ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao

como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio

e racional

De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi

apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o

quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo

passiacuteveis de serem expostas

Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos

profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode

ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte

eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo

seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom

111

prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento

nos profissionais

ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila

a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam

quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute

comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio

que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as

perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)

Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima

pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os

pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade

Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional

Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de

impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados

e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso

horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar

a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os

acontecimentos do mundo

De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente

quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o

desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees

e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao

aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar

parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute

muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato

ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes

mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo

taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de

112

hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o

momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou

maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente

mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de

pararrdquo (Angeacutelica)

Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer

que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela

cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de

esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi

feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel

Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na

qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar

com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe

que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais

porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo

Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o

reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos

abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um

sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de

forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir

ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a

gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir

responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi

porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo

orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo

ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)

113

ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que

parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida

porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou

faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de

emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)

Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as

participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar

dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma

culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo

A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo

Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se

cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)

Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez

por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na

decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma

determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do

cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem

estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser

(Heidegger 1927 2015)

A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser

portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da

facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o

homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)

Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa

Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais

114

comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que

estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando

Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a

ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir

com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto

anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente

estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do

preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se

materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a

culpa

A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para

pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que

eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade

Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos

Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das

ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)

Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e

os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam

sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras

doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes

como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de

tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios

e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no

centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar

ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja

115

A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado

O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para

alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem

pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)

A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que

centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas

possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a

referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser

introjeta os valores deste mundo

Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas

atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de

trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos

profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de

trabalho

4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de

trabalho

Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de

presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em

relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento

O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre

essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico

Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que

ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada

profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs

em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente

116

as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam

questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem

iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas

instalaccedilotildees da UTI Neonatal

ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute

importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que

taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema

eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute

desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por

exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a

gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra

fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)

A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo

fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os

familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim

acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e

questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido

Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de

trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos

projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos

perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco

entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-

se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos

aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo

envolve a sua histoacuteria

117

Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais

em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte

de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma

profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar

esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido

ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma

coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque

tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber

uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu

bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu

bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas

reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc

porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo

Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar

ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)

Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de

expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de

conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento

das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia

de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um

profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo

detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de

tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um

no outro

De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo

de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz

parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa

118

interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no

qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo

Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute

interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante

das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee

preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar

temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a

sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados

ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela

foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo

como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um

divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira

menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee

taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute

dentrordquo (Angeacutelica)

Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma

situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar

do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a

considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos

refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro

Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era

um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela

Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e

sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de

Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o

grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor

119

dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas

proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados

(Carvalho 1996)

Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-

se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional

ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto

Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha

ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito

que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como

eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho

que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor

de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)

O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no

contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e

geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem

natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute

ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia

como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo

Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees

sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o

ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais

satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais

De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc

com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas

que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada

direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua

120

compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade

vai sendo construiacutedordquo

Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si

mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais

da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria

especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente

tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc

pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente

adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir

ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de

enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo

e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute

algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto

com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere

a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)

Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o

iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic

2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que

vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda

receber uma visita ficar no colo)

Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se

tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)

do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc

Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc

precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no

121

berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que

ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)

No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados

baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se

preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos

familiares principalmente das matildees

ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que

foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou

abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que

chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela

Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da

juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)

Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do

receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo

de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que

vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer

as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito

um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar

diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma

nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma

profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares

ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma

histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a

matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do

namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo

eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado

122

dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos

uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A

gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente

tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha

mais jeitordquo (Tulipa)

Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre

o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das

possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o

outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo

que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da

compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade

de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as

articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se

transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura

para novas possibilidades

Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com

a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para

entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos

cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos

diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas

sobretudo humanas

Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo

contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os

desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma

dificuldade a ser enfrentada

123

ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser

mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro

colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)

O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que

apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um

dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso

depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam

mandam ditam regras e normas

ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute

que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande

que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo

satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc

eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro

ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse

suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai

morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha

e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem

que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)

As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se

apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com

o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento

do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser

tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida

Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o

desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de

responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe

Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos

profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as

responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior

124

que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa

convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios

cotidianos

ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes

somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a

questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute

os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem

aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os

lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo

eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo

(Amariacutelis)

Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de

relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores

Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que

trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que

convivem com as mesmas dificuldades

De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum

satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama

significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em

contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que

entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo

O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode

aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto

do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de

sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de

trabalho

125

5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos

profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e

resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila

Botomeacute 2005 Silva 2006)

Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como

compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a

serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs

2003)

Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com

as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional

ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum

momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na

residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo

entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por

exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi

aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)

Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a

graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio

profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade

ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute

pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso

acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que

os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou

por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas

ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo

Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe

entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo

126

precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo

entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade

emocional tatildeo granderdquo (Girassol)

A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades

que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade

de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato

as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam

e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede

O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute

que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo

O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica

sobre como lidar com as mortes e perdas

Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades

enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores

considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as

dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades

podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade

e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver

habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber

como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)

Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos

sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem

e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas

adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade

(Moreira Vasconcelos Heath 2015)

127

A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos

desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar

espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo

se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares

(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)

A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional

nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a

respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN

ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da

gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo

aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo

telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo

estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda

todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter

um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)

Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos

profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo

reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o

desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com

ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo

A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido

durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte

da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que

outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para

reflexatildeo

Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo

tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida

128

enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O

defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver

a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo

que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias

recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo

Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas

existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso

como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar

de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo

dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com

sofrimento no cotidiano

Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em

instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos

um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir

ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente

em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente

lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento

aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi

aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar

isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim

Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)

De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo

do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco

suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia

aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa

mesma falta em seus pacientesrdquo

129

Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com

as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte

ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que

vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta

mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A

Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que

reconhecerrdquo (Angeacutelica)

Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os

limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como

reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder

Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento

calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade

voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da

teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que

seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos

equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As

mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico

Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do

controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se

chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de

que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a

minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as

escolhas que estou fazendo

A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria

em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e

para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo

130

para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os

profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se

renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre

o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela

morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das

expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada

Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de

familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto

que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites

da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram

relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e

outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites

da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na

cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees

tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de

uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia

Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito

aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da

praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas

desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)

A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica

Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de

complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica

por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de

outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las

131

Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute

oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias

poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia

contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e

possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir

Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para

implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares

Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o

sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo

desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se

apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca

contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares

6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas

possibilidades e projetos

A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de

transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes

do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as

reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017

Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional

para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia

fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas

pelos profissionais

132

Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados

paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a

seguir

ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas

a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo

do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute

o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente

taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito

sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente

comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar

essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente

entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)

O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da

matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo

que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a

incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC

ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute

foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo

contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra

tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava

vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a

rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)

Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado

pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo

em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem

contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos

pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas

nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir

133

ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo

encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute

Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino

monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito

porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo

ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que

ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer

porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute

perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em

casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada

eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)

O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo

mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento

sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes

as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares

dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar

escolhas

ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos

humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos

contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o

amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo

pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a

equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que

ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar

com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito

sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo

(Rosa)

O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva

e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar

134

decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares

decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas

possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na

assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar

autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias

dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo

individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e

evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo

Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos

momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia

dos profissionais desenvolverem a empatia

ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente

ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho

que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada

profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)

ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente

de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada

por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)

No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo

muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando

os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois

o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo

ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia

do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute

complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou

vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar

135

mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar

eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)

Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo

no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a

permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo

O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente

quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede

Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do

adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo

ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)

Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e

sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento

da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre

o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim

implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz

de fazer escolhas

Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem

desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e

atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de

perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita

de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o

domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas

de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para

estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho

136

O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita

pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos

relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na

sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que

ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto

intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo

ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente

os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num

niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a

equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro

cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto

com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem

inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com

dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como

chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo

encontrosrdquo (Rosa)

ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo

bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe

multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros

profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura

para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o

entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees

Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo

psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos

que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos

que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os

137

funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da

expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir

ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo

tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a

gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e

a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente

natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito

grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado

meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos

fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de

conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee

ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah

a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente

ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem

que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem

uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)

Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da

pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele

momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um

espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final

da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida

Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de

fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia

que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos

que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador

agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como

o que foi ouvido o afetou

138

E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a

circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo

do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees

Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem

reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas

distintas compreensotildees de mundo

139

Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

ldquoVladimir Kushrdquo

140

O SONHO

Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser

Porque vocecirc possui apenas uma vida

E nela soacute se tem uma chance

De fazer aquilo que quer

Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce

Dificuldades para fazecirc-la forte

Tristeza para fazecirc-la humana

E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades

Que aparecem em seus caminhos

A felicidade aparece para aqueles que choram

Para aqueles que se machucam

Para aqueles que buscam e tentam sempre

E para aqueles que reconhecem

A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo

Clarice Lispector

A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui

continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado

Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos

imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que

precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave

juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e

interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria

141

fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas

necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)

Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada

bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que

se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo

necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo

Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente

trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar

constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares

Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da

administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e

como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em

seus caminhosrdquo

Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas

famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os

profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos

familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se

amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir

adiante

Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante

da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das

experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem

mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre

a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o

uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos

142

Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como

as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos

tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor

assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios

O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser

feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na

importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle

para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura

para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute

reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o

trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de

todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As

limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente

indefinida a morte iraacute chegar

A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada

Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto

especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o

querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que

embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo

deixa enxergar o natildeo querer

Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais

do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao

que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender

o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do

que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer

143

Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser

ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de

trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de

trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do

cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades

De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de

atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado

ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles

Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos

profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo

embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade

Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar

o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro

Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees

existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a

ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem

limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional

Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte

esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim

tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que

vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em

um contexto histoacuterico especiacutefico

No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se

faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente

controle

144

A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no

mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder

natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo

Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-

no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas

com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para

realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para

o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo

O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas

de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a

capacidade de ser propriamente livre

Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no

sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o

sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples

citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente

e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si

proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos

Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto

mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para

melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades

Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da

vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se

tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo

com o mesmo

145

Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos

prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que

nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo

nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo

Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a

morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-

los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma

reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte

poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a

culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca

da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a

realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos

faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes

Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um

contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a

sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso

aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os

momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um

espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo

psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees

multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de

escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o

caminhar a jornada

146

Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto

o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas

de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades

Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo

temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves

coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma

sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo

Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos

consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o

poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de

informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de

quem acumula coisas

Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar

vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes

de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja

assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar

atenccedilatildeo

Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e

mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam

chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados

capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante

da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping

Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira

caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para

a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais

147

televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A

populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede

Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como

o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo

vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a

sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem

Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco

valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do

emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a

renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando

desgaste fiacutesico e psicoloacutegico

Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no

trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar

que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de

trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma

forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de

materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o

profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo

satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam

A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos

bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o

profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as

frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes

satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do

148

outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de

si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida

Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas

cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego

o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras

mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir

sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute

possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave

depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio

Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo

de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode

significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um

pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo

um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como

a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros

Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano

Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

149

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes

para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso

tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos

a condiccedilatildeo de ser-no-mundo

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida

como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila

como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e

deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso

150

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157

ANEXOS

158

Paacutegina 1 de 1

TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ

Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da

entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a

experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora

responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte

Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a

compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees

propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a

realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio

durante o transcorrer da entrevista

Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora

responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto

agrave identidade dos participantes desta pesquisa

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

159

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de

sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos

Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do

olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes

No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento

teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam

situaccedilotildees de morte de pacientes

Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os

profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e

como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender

como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender

os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica

foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia

no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)

hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi

gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um

desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o

pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio

Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional

de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute

para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo

A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-

nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os

profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos

pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que

vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a

Paacutegina 1 de 3

160

conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees

poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no

enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas

orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e

qualidade de vida no trabalho

Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento

em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em

qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta

As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas

apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar

seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro

por um periacuteodo de 5 anos

Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela

pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado

por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo

conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa

Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila

Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail

lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa

a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail

elzadutrarngmailcom

Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para

o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como

poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital

Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis

(CEP 59012-300)

Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a

pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos

Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as

informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios

Paacutegina 2 de 3

161

Paacutegina 3 de 3

e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs

profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia

hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em

congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

Page 5: A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA ......inclusive na UTI Neonatal. Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da morte de pacientes na UTI. Um sofrimento

5

ldquo Eacute preciso amor

Pra poder pulsar

Eacute preciso paz pra poder sorrir

Eacute preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia

Todo mundo chora

Um dia a gente chega

E no outro vai embora

Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria

Cada ser em si

Carrega o dom de ser capaz

E ser felizrdquo

Almir Sater

6

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria

Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o

meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito

obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional

Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila

aprendizado e afeto

Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais

forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo

Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos

iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir

A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do

doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo

inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-

mundo

Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento

Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave

pesquisa

Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees

para a minha tese

A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito

bom trabalhar com vocecircs

A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse

Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce

e radiante com a presenccedila de vocecircs

A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse

realidade

7

Sumaacuterio

Resumo 11

Introduccedilatildeo 13

Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31

Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia

Heideggeriana

45

Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67

Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83

Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de

sauacutede em UTI Neonatal

95

Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das

narrativas dos profissionais de sauacutede

139

Referecircncias 150

Anexos 157

8

Lista de Figuras

Figura Paacutegina

1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24

2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93

9

Lista de Tabelas

Tabela Paacutegina

1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia

na MEJC NatalRN

18

10

Lista de Siglas

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria

BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares

HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes

IMI Instituto Materno Infantil

MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

UTI Unidade de Terapia Intensiva

UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

11

Resumo

Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o

papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser

justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as

maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida

Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos

a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico

considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia

intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do

conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda

lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no

cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a

experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a

gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi

utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a

entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas

formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas

assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo

hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees

mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza

diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano

de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo

aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo

de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos

profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de

instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de

pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a

instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte

receacutem-nascido

12

Abstract

Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated

to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence

of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the

possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the

consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became

places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of

life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals

in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety

protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses

in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience

of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a

field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic

phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were

conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing

technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was

inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence

The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt

and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There

was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the

structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary

meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study

also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the

academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the

understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to

the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and

their families

Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn

13

Introduccedilatildeo

O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local

assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local

tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em

uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento

pela necessidade de zelo e carinho

A UTI Neonatal

Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida

Por entre equipos e leitos e sensores

E monitores e bombas de infusatildeo

A tecnologia aliviando as dores

A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo

Por entre antibioacuteticos e perfusores

Coletas rastreando a infecccedilatildeo

Profissionais e procedimentos salvadores

Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo

A UTI Neonatal assustadora

Tentando ser a matildeo renascedora

Tentando ser o manto que alivia

A UTI Neonatal porto seguro

Oaacutesis da esperanccedila em um futuro

Misto de amor e tecnologia

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017

14

Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos

aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se

desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu

desenvolvimento ou finitude

Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute

justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso

no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees

Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas

experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes

dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem

Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o

presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares

Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo

de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em

que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia

aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para

relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva

inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da

morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser

um profissional da aacuterea de sauacutede

O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de

adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais

Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares

Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo

envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para

15

a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos

equipamentos

A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a

experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e

as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o

tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos

profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a

morte

A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a

dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma

sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de

sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma

sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante

da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes

seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida

Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas

temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que

influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger

A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a

experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que

se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno

Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger

trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia

Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre

ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-

16

para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto

projeto

Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que

a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica

valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave

constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio

Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas

possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo

Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do

outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem

morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando

morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria

morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz

distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano

Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de

pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar

com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras

atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa

A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns

questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional

reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a

morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento

proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando

Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que

valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso

17

profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo

como se isso fosse possiacutevel

Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a

produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave

morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a

primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a

qualquer momento

Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um

idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela

frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos

que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental

contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a

preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade

Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente

destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito

longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se

em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de

paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988

mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade

materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo

componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede

2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)

A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee

o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes

foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e

18

avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais

se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-

nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o

risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito

neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)

No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos

oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees

perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes

infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-

econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees

Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos

de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes

(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado

do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco

histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o

nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016

contemplam apenas os meses de janeiro a junho)

Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC

NatalRN

19

Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os

meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das

causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como

da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-

nascido

Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo

atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)

eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte

de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte

em vida

Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo

trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente

A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano

da UTI Neonatal

Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar

com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade

caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E

quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas

(Bernieri e Hirdes 2007)

Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi

considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a

morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute

vivenciada (Ariegraves 2003)

20

O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a

morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata

no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de

palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas

posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto

A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade

de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das

demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na

vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade

que tambeacutem se finda

Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais

Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees

de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a

possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre

a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma

reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever

algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar

mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida

Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o

mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este

() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo

acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal

a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do

general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp

139)

21

faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam

conjuntamente

Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao

longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como

campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio

Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos

hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais

de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada

pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a

questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes

cotidianamente

Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se

apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos

de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida

concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre

dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados

Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega

o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto

com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante

deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e

Germano 2010)

Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais

de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os

22

procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do

tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com

a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma

tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)

Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do

mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para

a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar

sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no

mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem

vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana

O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo

da vida Como relata Casanova (2013)

Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar

estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e

diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados

para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas

dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos

imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de

cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros

movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que

mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas

preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na

primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a

proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro

lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por

vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca

a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai

completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)

23

Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que

trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade

de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo

cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados

pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma

das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave

Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os

cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade

da vida dos receacutem-nascidos

Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional

de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como

uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este

contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu

um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas

24

Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal

O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade

constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo

tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar

aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade

Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que

por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das

determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos

Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte

e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia

humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido

demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos

adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da

Profissional de Sauacutede

Teacutecnica

Protocolos de

seguranccedila

Matildees dos pacientes

Bebecircs em alto risco de morte

Equipamentos

25

maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos

pais

Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada

junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo

quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava

dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender

que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee

os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento

para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram

o suporte aos pais

As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de

quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os

profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido

durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender

o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como

enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas

experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede

Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade

de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de

compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed

utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a

existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos

demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de

enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores

26

ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou

nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo

Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e

teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e

culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em

que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que

possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia

fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)

Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de

receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os

profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de

enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a

uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)

Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar

da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar

profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer

assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma

direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos

A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a

comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente

para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

27

A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados

da seguinte forma

- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos

histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo

Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o

sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a

morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do

desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante

-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia

Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-

com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de

Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o

nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a

impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como

uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do

tempo

28

-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede

Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as

dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da

UTI Neonatal

O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra

intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida

eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o

olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a

morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em

particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas

matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos

-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho

Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para

compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das

aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos

mesmos

Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os

procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e

exclusatildeo dos participantes

Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a

caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu

trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo

29

colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno

ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas

dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica

heideggeriana

No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que

retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma

mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma

homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores

-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos

participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele

que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem

interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador

que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o

que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que

assumiu um sentido para o observador

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher

borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem

30

estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam

dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando

Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na

introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da

histoacuteria ateacute a contemporaneidade

31

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893

32

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja

como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As

atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto

histoacuterico e social de cada eacutepoca

Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado

iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da

histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a

ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia

Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com

o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos

dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram

encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes

rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram

encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais

reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e

cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)

No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados

em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e

ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a

morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte

que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante

a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de

fundamentalrdquo

(Edgar Morin 1997 p32)

33

utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam

pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos

primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de

transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)

Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das

tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida

apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia

falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local

um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como

gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos

tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se

sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)

Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para

o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao

ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a

conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade

atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos

escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro

dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava

o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris

Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o

eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser

destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)

Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da

proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava

34

o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma

preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por

vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da

justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em

um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro

e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento

do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que

concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos

Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida

De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para

utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada

em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A

civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a

morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de

servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo

individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um

atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que

os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e

em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto

como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo

(Santos 2009)

Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar

agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse

praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio

35

uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para

aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade

e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas

Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000

dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons

receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras

sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e

desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras

que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que

posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio

da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este

coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte

(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a

cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os

restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o

local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico

Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um

ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado

ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava

sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)

Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da

imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo

foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo

36

A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787

Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma

das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da

alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o

que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este

momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por

Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e

a ocasiatildeo da sua morte

Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias

refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com

o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por

uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que

nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do

homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para

outro mundo (p5)

Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos

antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte

37

enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em

vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo

a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)

Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a

forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O

sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que

a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la

e de vivenciaacute-la

Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim

para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como

tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios

por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres

e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de

deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou

abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)

No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e

era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma

natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano

que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada

Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo

que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de

preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a

proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas

tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo

cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)

38

Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo

quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs

conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei

paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda

era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um

animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia

alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra

crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)

Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos

explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma

distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida

regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os

seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o

acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca

repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)

As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte

anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia

cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees

sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos

coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos

cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)

Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte

dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte

domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as

crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural

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Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas

aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta

crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja

cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg

1983 Ariegraves 2003)

Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em

particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma

triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como

um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi

a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a

ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)

Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram

a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte

Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas

em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do

morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos

momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens

buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras

realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves

2003 Kovaacutecs 1992)

A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor

diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se

tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o

ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao

indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que

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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e

majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)

Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do

tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro

que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia

conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho

em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte

e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto

origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada

A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando

de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII

a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado

fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi

separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-

se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo

das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande

movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves

leis ou ao Estado

Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das

famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e

filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de

honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma

espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser

mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava

de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo

ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas

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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama

dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las

Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos

dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos

seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e

solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia

que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem

uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-

se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa

revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo

voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)

Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi

modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e

ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo

menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que

jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de

cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a

sociedade contemporacircnea

Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem

faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo

aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave

vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais

destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio

distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie

de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade

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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a

existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)

No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem

como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo

estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos

contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo

trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas

no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros

comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas

(Pinto amp Veiga 2005)

A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida

e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do

prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta

busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o

sucesso a juventude e o controle emocional

Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante

refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como

ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as

interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir

reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)

Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram

frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa

de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das

condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou

faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para

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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora

da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio

a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle

sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida

Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status

social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para

o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em

detrimento do grupo social

Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos

para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando

os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos

deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da

medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores

de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte

a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo

Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo

que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos

Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os

que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do

consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer

Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos

geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na

necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte

predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem

como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual

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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos

adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica

entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo

(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)

Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia

de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar

retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais

produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas

A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute

uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo

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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931

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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que

natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela

imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade

que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence

a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi

ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao

mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos

pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos

esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras

a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances

A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater

entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais

contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas

controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da

valorizaccedilatildeo da vida e da juventude

O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da

forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me

A Morte Chega Cedo

A morte chega cedo pois breve eacute toda vida

O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida

O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou

E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou

E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo

No caderno da sorte que Deus deixou aberto

Fernando Pessoa in Cancioneiro

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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente

estudo

Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes

definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo

humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor

Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um

questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e

da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida

como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem

eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais

diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos

A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece

inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine

questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples

ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha

derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade

e uma reflexatildeo bem mais profunda

E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)

define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas

escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia

acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo

Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra

sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que

todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo

a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um

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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido

eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu

quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e

encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente

Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de

ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente

(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem

algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute

relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo

denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)

Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos

hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o

objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma

de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no

mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma

relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar

natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada

A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com

o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo

que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do

cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem

cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que

Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o

ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico

as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente

ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais

Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda

o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)

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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos

pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes

profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)

seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem

ganham outro sentido

O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa

que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo

de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura

ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa

Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e

depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do

cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe

eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante

Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao

mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual

estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por

assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no

mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo

Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em

um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos

caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a

() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta

e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem

natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual

por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)

50

ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o

ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos

O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser

existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a

inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser

dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)

O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as

suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios

necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se

ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um

espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os

seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo

O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico

envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo

enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido

Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas

escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem

em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e

consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos

Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein

O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira

para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo

anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma

caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma

determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no

cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)

Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da

natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de

uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica

que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e

no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)

51

Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de

outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes

existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial

(Ferreira 2010 p113)

ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo

espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a

habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo

em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto

de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem

como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um

ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de

empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o

Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)

Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute

essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para

as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive

ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir

interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo

Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade

Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do

corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da

corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial

do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo

Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes

como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser

52

doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como

seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se

concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto

Sem abranger o ser que habita este corpo

Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica

do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as

palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa

agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um

corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar

compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais

Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a

corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que

ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte

Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da

substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes

Princiacutepios I n 53 p 44)

Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a

aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a

utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de

corporeidaderdquo (Heidegger p 146)

A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees

sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como

um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo

A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar

de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o

53

nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a

possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute

ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo

dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar

pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com

outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)

Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante

compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo

para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias

caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada

profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras

ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora

universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura

O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem

um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de

isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o

estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como

co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar

sempre com o outro (Heidegger 19272015)

Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se

estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro

das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas

mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica

eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as

encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa

primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)

54

Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade

de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma

equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento

dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E

o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do

receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees

de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo

juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em

que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se

restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos

O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein

existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do

momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da

presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da

existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem

desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do

pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um

impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros

Daseins

O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito

de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo

primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao

encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial

empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos

ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente

dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no

mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)

55

Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que

tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein

Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de

se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano

eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo

do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender

nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos

outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)

O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de

preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais

apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve

as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo

mesmo (Heidegger 1927 2015)

O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se

manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao

cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-

se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias

escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger

(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado

como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas

existem e devem existir no ser-com

O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude

que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o

seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer

o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee

56

oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um

substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua

profissatildeo por exemplo

Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da

utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo

com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que

torna o outro algo que pode ser substituiacutedo

No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais

em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente

utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia

do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com

o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro

Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se

dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a

vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades

existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas

mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim

dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais

projetos a realizar Ela encerra o inacabado

O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute

intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se

envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia

inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar

sobre o sentido do seu ser dos seus projetos

57

A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe

jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a

possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no

mundo (Heidegger 19272015)

A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada

indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma

perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas

Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto

natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram

uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos

lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte

De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a

experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor

merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca

de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute

junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede

Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-

mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute

tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-

em pode tocar e ser tocadordquo

Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa

que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra

pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do

outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias

vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo

58

Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade

proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano

deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com

a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge

com o mergulho na impessoalidade

Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver

com a ausecircncia

E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito

importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai

sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-

mundo (Heidegger 19272015)

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

59

A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua

existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em

explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos

influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem

na forma como encara a proacutepria morte

Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo

comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa

existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo

O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de

refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido

por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia

natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura

para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees

do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda

A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia

e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-

morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino

certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida

como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)

Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que

pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave

possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a

extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo

que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela

se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem

a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o

viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)

60

A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se

encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas

inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma

forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute

portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo

sobre a proacutepria morte seja evitada

Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva

do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser

medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta

consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica

torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais

o que se pode perder

O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo

(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada

pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos

e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez

eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo

Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte

algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma

intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal

[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no

mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao

ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo

como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso

significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo

(Heidegger 19272015 pp 253)

61

de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico

natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo

Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos

uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases

de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo

cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e

natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)

Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e

crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo

antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um

vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A

morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e

era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o

iniacutecio de uma histoacuteria interrompida

Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave

impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos

simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute

singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo

(Costa 2015 p 79)

A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser

medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares

de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente

e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)

Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar

que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A

62

primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga

fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer

remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)

A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental

portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a

temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da

sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo

de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos

Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma

importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em

ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento

para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em

uma eacutepoca

Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo

dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo

armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza

produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor

conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem

da necessidade de subsistecircncia

Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste

em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a

semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus

A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na

histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo

preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria

(Nunes 2012 p151)

63

frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave

presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E

este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta

O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele

se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira

satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda

retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave

manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)

Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento

Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de

provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos

e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor

desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)

Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela

postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do

homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades

de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e

No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores

alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos

deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla

era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As

obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da

produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos

Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)

Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo

fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir

dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na

clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a

ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)

64

reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o

domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo

diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que

calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com

maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de

oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo

(Heidegger 1959 p 13)

Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da

existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos

estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente

presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista

parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)

A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que

pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta

demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo

que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)

Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os

acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem

diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas

cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com

novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou

ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente

adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido

65

O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos

tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o

pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode

predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura

de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo

O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu

cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-

las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no

leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a

dependecircncia

Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que

atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e

novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico

natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as

almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo

para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver

o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo

Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo

preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as

decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos

adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos

familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de

trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a

respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede

66

Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees

acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute

esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo

67

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512

68

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves

dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular

da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o

hospital o local destinado ao envio de doentes

O cuidador

Tanta palavra

Tanto trabalho

Tanto diagnoacutestico Avassalador

Tanta cultura

Entre a dor e a cura

Tanta procura

Pelo fim da dor

Tanta rotina

Tanto medicamento

Tanto equipamento De alto valor

Tanta tecnologia

Envolvendo tanta gente

E nada disso

Aparentemente

Eacute suficiente

Para garantir

Verdadeiramente

Um cuidador

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas

Apressadas 2017

69

A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho

Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e

cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta

2003)

Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram

locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de

Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em

1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com

condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais

eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham

outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)

O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente

recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu

um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-

1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer

hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as

condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para

gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)

Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior

surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata

Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente

que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos

cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente

nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo

era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria

70

salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma

obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo

De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem

aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios

domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a

acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a

matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser

extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem

apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio

dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)

As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu

leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de

1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute

atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender

crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma

geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito

frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em

portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)

Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar

continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da

temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram

a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a

diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)

Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se

ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser

71

referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de

atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos

que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios

Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus

familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em

berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto

ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho

logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o

estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar

a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento

conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada

de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de

Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)

De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede

passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite

ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade

capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede

Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35

semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de

Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)

Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo

encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo

10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para

a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para

o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados

72

I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica

ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)

II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de

nascimento menor de 1000 gramas

III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio

imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte

IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e

V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter

venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de

infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta

por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos

agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de

30122013)rdquo

A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie

de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos

quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos

cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de

alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada

para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o

sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado

um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados

necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira

2005 Costa amp Padilha 2011)

73

Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as

matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas

Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto

Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir

de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de

baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de

sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)

Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido

de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo

da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos

cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o

envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)

Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a

implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes

no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias

de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga

emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho

excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas

decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade

A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo

Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo

Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo

voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que

permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia

com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo

buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no

hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)

74

ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e

dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005

Scochi et al 2001)

No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia

no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local

escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou

importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do

seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da

deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra

Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de

Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade

que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)

Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia

materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo

praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no

atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de

recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo

(EBSERH 2015)

Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de

Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A

maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com

75

23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados

recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do

RN (UFRN 2017)

Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade

A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia

de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a

morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares

De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da

Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe

multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de

2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e

humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e

habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)

a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em

Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina

Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou

Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo

76

c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com

habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional

comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal

e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia

profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada

horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas

h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada

turno

i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno

j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade

Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel

de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de

fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais

Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria

GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia

psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de

77

funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive

fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos

Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no

proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era

da teacutecnica e diante da morte de pacientes

32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes

No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado

Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro

e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a

condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A

ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins

inclusive o proacuteprio indiviacuteduo

O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o

cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior

de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias

possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo

inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo

de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua

responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha

Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra

nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a

racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a

doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura

(Rebouccedilas 2015)

78

Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os

pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante

na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto

ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas

Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de

um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que

cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo

foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado

como coisa objeto

O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao

pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece

Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e

que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o

nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo

enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e

expectativas

Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da

medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado

de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre

o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger

(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de

cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica

ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares

Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado

algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc

79

apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs

Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de

um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves

necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)

Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo

a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais

estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem

um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro

(Heidegger 1927 2015)

Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no

cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da

morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do

que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia

paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade

enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante

da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006)

Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes

proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede

diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo

prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao

abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente

propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo

aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e

orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam

80

Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades

apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda

tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros

como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt

2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)

Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como

um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute

morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais

sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a

manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp

Luker 2003)

Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte

de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao

comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover

qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente

com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva

2006)

Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes

profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo

de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais

frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais

presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados

sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre

os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva

2012 p 54)

81

Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados

diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim

dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a

comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do

oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o

paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados

925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto

Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com

familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se

como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se

ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte

precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e

profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto

(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de

oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o

psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as

suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas

pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente

possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto

um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento

(Medeiros amp Lustosa 2011)

O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em

oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio

82

ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na

praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais

do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que

promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a

necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo

a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por

um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)

Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos

familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave

alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do

psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo

quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres

psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)

As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte

aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os

sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano

de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo

para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional

Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue

contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa

83

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888

84

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir

enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes

compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees

anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo

real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar

sobre a pesquisa

Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para

um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha

questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a

praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de

sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia

da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma

compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal

Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir

atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados

e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados

com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer

uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao

fenocircmeno

Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair

daqui

Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato

Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice

Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o

gato

Lewis Carroll

85

Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel

com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a

fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a

realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos

A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)

busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de

questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude

Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo

aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas

simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama

de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto

morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde

o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a

experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle

como premissas

Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada

nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano

a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e

teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e

instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da

filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas

como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do

real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita

noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente

e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)

86

enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no

mundo (Heidegger 19271989)

A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu

como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI

Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia

que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-

para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado

Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a

existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no

mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida

que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo

inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo

a serrdquo

Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais

de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios

vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo

da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o

fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos

encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno

A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento

uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o

fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador

Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular

o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A

verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e

87

considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo

Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia

desvelar novos sentidos para a sua existecircncia

A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de

causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para

realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma

mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos

A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante

seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees

sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante

do que foi narrado

41-Participantes da pesquisa

A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional

considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente

contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a

estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal

Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de

participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove

entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)

Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45

anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais

de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e

88

estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da

EBSERH

A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as

entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28

meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos

de enfermagem

42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo

Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-

Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe

multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e

que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo

delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou

de niacutevel superior)

Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica

para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na

Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de

exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de

Terapia Intensiva Neonatal

Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica

heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a

idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para

a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a

tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram

considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas

89

43-Aspectos eacuteticos

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN

Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram

participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa

(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi

solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em

anexo)

As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o

desenvolvimento das atividades laborais

Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a

preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um

cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles

pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de

alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho

Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes

fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo

tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para

tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho

com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como

Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol

90

44- Formas de trilhar o caminho

Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto

agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de

Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica

da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com

a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute

de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta

etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre

a pesquisa

Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal

dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada

naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como

a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz

gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia

Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas

narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das

profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo

do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de

matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede

A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao

fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A

narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o

participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio

de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)

91

A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo

pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir

da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa

durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)

Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu

interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma

busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que

o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas

mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)

A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e

resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado

pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo

disparadora

ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI

Neonatalrdquo

42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo

A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger

buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a

fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na

Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem

verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana

Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no

seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia

da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)

92

Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo

utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano

sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e

Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano

como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger

19272015)

Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo

afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o

mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o

interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas

que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como

tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a

abertura do ser para o mundo de outro modo

A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do

ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-

ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as

possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de

ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a

compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em

si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo

A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como

interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas

separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as

possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo

93

A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo

da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por

meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)

ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo

eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da

maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente

a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo

Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre

os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de

gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo

Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e

compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade

absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto

histoacuterico especiacutefico

Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que

compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a

concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir

Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico

Posiccedilatildeo Preacutevia

Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo

Preacutevia

Abertura Disposiccedilatildeo

compreensatildeo linguagem

(Azevedo 2013 Maux 2014)

94

A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras

realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a

escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao

encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do

participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico

especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado

A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi

ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma

disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos

apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a

interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com

base na sua compreensatildeo de mundo

A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo

dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo

anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades

de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta

abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando

a compreensatildeo da experiecircncia do outro

A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade

hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes

de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)

-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o

pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e

questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia

-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador

95

-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas

da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os

participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador

narrador

-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos

anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute

apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do

fenocircmeno

A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta

a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux

amp Dutra 2009 Schmidt 2006)

Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que

assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do

percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do

mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o

fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes

do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as

coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo

instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens

atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo

A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a

historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um

encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e

buscam formas de lidar com a finitude

96

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush

97

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes

na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro

apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em

torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que

integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas

de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as

relaccedilotildees que constituem com o outro

Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas

vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em

nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo

jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada

integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros

bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos

bebecircs

As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas

ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando

o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres

humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais

murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades

As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para

as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo

cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro

sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo

98

Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como

caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas

Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros

conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos

instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada

dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares

Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos

por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do

pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas

apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para

trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os

sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes

os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-

Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e

projetos

De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos

participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes

da UTI Neonatal

1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal

Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente

contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da

MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato

passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida

Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante

99

a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes

profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos

durante a anaacutelise

Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia

durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento

inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida

Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente

quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos

Seguem alguns relatos que ilustram isso

ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na

enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar

da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na

famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo

(Margarida)

ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo

que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento

tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha

casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)

As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do

concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar

em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de

bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que

hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias

ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo

vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito

grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas

receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)

100

ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido

aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a

aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)

Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em

comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de

ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da

dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de

uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem

continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas

Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia

existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que

constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees

diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo

Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI

Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de

Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu

primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois

virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as

oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso

profissional foi se desenvolvendo

ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo

foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a

oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)

O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que

enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai

sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de

101

uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado

de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da

vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte

de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo

profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando

O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo

implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na

concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas

como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo

do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias

Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes

profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito

Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo

baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do

homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser

encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo

natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)

A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte

histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla

o trabalho na UTI Neonatal

2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal

A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas

unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um

corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos

uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)

102

Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um

maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que

ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos

receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado

por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal

ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se

eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado

ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai

que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas

tomar banho de solrdquo (Girassol)

Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator

que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por

Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu

desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma

caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos

profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que

circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs

Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada

pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz

solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente

algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para

ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por

alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do

confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de

trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005

Rocha Souza e Teixeira 2015)

103

Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave

sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta

um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos

ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do

que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros

de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba

levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros

na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)

ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos

profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar

com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto

e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto

que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo

(Amariacutelis)

A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e

psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com

o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos

afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de

atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados

pelos profissionais

Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia

negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local

onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa

Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos

profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se

pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo

104

da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de

vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)

A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os

profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em

Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o

contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma

questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo

Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica

Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento

teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual

estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os

resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)

Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que

valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento

Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e

agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica

produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado

Como pode ser observado no relato a seguir

ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia

Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das

vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar

Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc

abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)

Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela

profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava

correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso

105

que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias

impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma

atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a

pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte

O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso

que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que

pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na

morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma

ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute

presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso

No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de

pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este

tipo de abandono

O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais

refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da

responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia

ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na

profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua

vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute

inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados

familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)

Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta

obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os

profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade

interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede

106

Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos

comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado

reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso

horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo

com Heidegger (2007 p 380)

O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa

ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas

de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os

homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)

Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza

o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta

dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua

vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os

obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que

realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga

ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho

de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em

ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se

atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a

essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O

desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza

a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal

Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece

previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de

proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna

tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo

107

relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte

assimrdquo (Violeta)

ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo

que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto

pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de

identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da

falta de pessoalrdquo (Rosa)

Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um

lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que

ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas

e ateacute na morte de pacientes

Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma

reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo

Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas

consequecircncias que podem gerar

ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma

famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o

impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo

(Tulipa)

Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do

conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir

sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo

esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela

concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica

enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)

E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa

possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta

108

desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve

os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir

3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos

Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de

receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute

contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave

ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros

contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte

certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute

verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida

Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar

adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)

ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida

quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva

Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute

que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar

com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)

A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera

sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro

da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e

tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede

em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)

109

Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como

se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e

seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido

ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro

pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me

marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma

matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)

Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo

Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo

distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento

conforme pode ser constatado nos relatos a seguir

ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a

capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer

uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA

gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)

ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz

muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar

remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo

emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia

Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma

vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)

A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento

para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga

suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta

necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando

110

ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico

enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta

na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no

colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada

chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num

shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu

cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas

foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta

dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que

vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)

O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas

de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o

controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim

este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio

profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele

ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao

como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio

e racional

De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi

apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o

quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo

passiacuteveis de serem expostas

Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos

profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode

ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte

eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo

seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom

111

prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento

nos profissionais

ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila

a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam

quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute

comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio

que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as

perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)

Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima

pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os

pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade

Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional

Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de

impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados

e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso

horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar

a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os

acontecimentos do mundo

De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente

quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o

desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees

e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao

aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar

parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute

muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato

ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes

mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo

taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de

112

hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o

momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou

maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente

mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de

pararrdquo (Angeacutelica)

Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer

que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela

cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de

esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi

feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel

Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na

qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar

com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe

que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais

porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo

Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o

reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos

abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um

sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de

forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir

ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a

gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir

responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi

porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo

orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo

ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)

113

ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que

parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida

porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou

faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de

emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)

Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as

participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar

dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma

culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo

A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo

Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se

cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)

Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez

por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na

decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma

determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do

cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem

estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser

(Heidegger 1927 2015)

A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser

portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da

facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o

homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)

Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa

Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais

114

comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que

estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando

Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a

ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir

com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto

anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente

estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do

preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se

materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a

culpa

A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para

pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que

eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade

Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos

Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das

ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)

Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e

os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam

sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras

doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes

como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de

tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios

e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no

centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar

ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja

115

A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado

O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para

alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem

pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)

A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que

centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas

possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a

referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser

introjeta os valores deste mundo

Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas

atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de

trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos

profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de

trabalho

4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de

trabalho

Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de

presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em

relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento

O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre

essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico

Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que

ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada

profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs

em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente

116

as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam

questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem

iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas

instalaccedilotildees da UTI Neonatal

ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute

importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que

taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema

eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute

desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por

exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a

gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra

fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)

A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo

fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os

familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim

acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e

questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido

Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de

trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos

projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos

perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco

entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-

se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos

aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo

envolve a sua histoacuteria

117

Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais

em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte

de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma

profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar

esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido

ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma

coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque

tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber

uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu

bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu

bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas

reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc

porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo

Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar

ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)

Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de

expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de

conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento

das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia

de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um

profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo

detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de

tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um

no outro

De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo

de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz

parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa

118

interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no

qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo

Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute

interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante

das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee

preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar

temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a

sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados

ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela

foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo

como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um

divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira

menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee

taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute

dentrordquo (Angeacutelica)

Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma

situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar

do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a

considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos

refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro

Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era

um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela

Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e

sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de

Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o

grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor

119

dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas

proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados

(Carvalho 1996)

Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-

se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional

ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto

Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha

ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito

que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como

eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho

que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor

de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)

O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no

contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e

geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem

natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute

ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia

como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo

Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees

sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o

ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais

satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais

De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc

com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas

que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada

direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua

120

compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade

vai sendo construiacutedordquo

Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si

mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais

da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria

especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente

tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc

pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente

adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir

ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de

enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo

e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute

algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto

com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere

a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)

Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o

iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic

2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que

vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda

receber uma visita ficar no colo)

Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se

tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)

do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc

Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc

precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no

121

berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que

ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)

No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados

baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se

preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos

familiares principalmente das matildees

ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que

foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou

abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que

chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela

Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da

juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)

Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do

receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo

de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que

vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer

as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito

um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar

diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma

nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma

profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares

ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma

histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a

matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do

namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo

eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado

122

dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos

uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A

gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente

tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha

mais jeitordquo (Tulipa)

Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre

o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das

possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o

outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo

que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da

compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade

de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as

articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se

transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura

para novas possibilidades

Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com

a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para

entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos

cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos

diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas

sobretudo humanas

Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo

contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os

desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma

dificuldade a ser enfrentada

123

ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser

mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro

colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)

O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que

apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um

dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso

depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam

mandam ditam regras e normas

ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute

que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande

que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo

satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc

eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro

ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse

suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai

morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha

e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem

que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)

As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se

apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com

o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento

do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser

tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida

Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o

desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de

responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe

Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos

profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as

responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior

124

que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa

convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios

cotidianos

ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes

somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a

questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute

os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem

aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os

lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo

eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo

(Amariacutelis)

Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de

relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores

Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que

trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que

convivem com as mesmas dificuldades

De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum

satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama

significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em

contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que

entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo

O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode

aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto

do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de

sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de

trabalho

125

5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos

profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e

resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila

Botomeacute 2005 Silva 2006)

Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como

compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a

serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs

2003)

Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com

as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional

ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum

momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na

residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo

entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por

exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi

aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)

Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a

graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio

profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade

ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute

pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso

acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que

os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou

por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas

ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo

Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe

entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo

126

precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo

entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade

emocional tatildeo granderdquo (Girassol)

A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades

que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade

de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato

as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam

e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede

O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute

que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo

O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica

sobre como lidar com as mortes e perdas

Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades

enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores

considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as

dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades

podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade

e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver

habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber

como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)

Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos

sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem

e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas

adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade

(Moreira Vasconcelos Heath 2015)

127

A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos

desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar

espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo

se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares

(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)

A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional

nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a

respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN

ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da

gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo

aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo

telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo

estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda

todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter

um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)

Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos

profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo

reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o

desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com

ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo

A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido

durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte

da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que

outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para

reflexatildeo

Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo

tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida

128

enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O

defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver

a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo

que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias

recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo

Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas

existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso

como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar

de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo

dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com

sofrimento no cotidiano

Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em

instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos

um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir

ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente

em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente

lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento

aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi

aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar

isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim

Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)

De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo

do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco

suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia

aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa

mesma falta em seus pacientesrdquo

129

Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com

as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte

ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que

vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta

mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A

Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que

reconhecerrdquo (Angeacutelica)

Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os

limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como

reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder

Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento

calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade

voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da

teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que

seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos

equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As

mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico

Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do

controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se

chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de

que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a

minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as

escolhas que estou fazendo

A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria

em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e

para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo

130

para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os

profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se

renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre

o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela

morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das

expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada

Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de

familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto

que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites

da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram

relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e

outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites

da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na

cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees

tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de

uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia

Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito

aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da

praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas

desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)

A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica

Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de

complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica

por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de

outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las

131

Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute

oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias

poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia

contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e

possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir

Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para

implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares

Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o

sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo

desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se

apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca

contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares

6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas

possibilidades e projetos

A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de

transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes

do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as

reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017

Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional

para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia

fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas

pelos profissionais

132

Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados

paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a

seguir

ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas

a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo

do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute

o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente

taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito

sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente

comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar

essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente

entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)

O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da

matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo

que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a

incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC

ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute

foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo

contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra

tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava

vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a

rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)

Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado

pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo

em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem

contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos

pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas

nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir

133

ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo

encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute

Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino

monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito

porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo

ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que

ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer

porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute

perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em

casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada

eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)

O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo

mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento

sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes

as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares

dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar

escolhas

ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos

humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos

contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o

amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo

pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a

equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que

ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar

com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito

sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo

(Rosa)

O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva

e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar

134

decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares

decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas

possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na

assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar

autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias

dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo

individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e

evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo

Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos

momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia

dos profissionais desenvolverem a empatia

ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente

ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho

que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada

profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)

ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente

de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada

por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)

No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo

muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando

os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois

o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo

ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia

do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute

complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou

vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar

135

mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar

eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)

Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo

no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a

permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo

O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente

quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede

Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do

adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo

ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)

Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e

sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento

da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre

o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim

implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz

de fazer escolhas

Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem

desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e

atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de

perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita

de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o

domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas

de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para

estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho

136

O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita

pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos

relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na

sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que

ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto

intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo

ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente

os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num

niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a

equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro

cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto

com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem

inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com

dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como

chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo

encontrosrdquo (Rosa)

ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo

bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe

multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros

profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura

para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o

entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees

Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo

psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos

que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos

que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os

137

funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da

expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir

ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo

tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a

gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e

a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente

natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito

grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado

meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos

fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de

conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee

ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah

a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente

ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem

que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem

uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)

Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da

pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele

momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um

espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final

da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida

Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de

fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia

que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos

que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador

agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como

o que foi ouvido o afetou

138

E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a

circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo

do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees

Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem

reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas

distintas compreensotildees de mundo

139

Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

ldquoVladimir Kushrdquo

140

O SONHO

Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser

Porque vocecirc possui apenas uma vida

E nela soacute se tem uma chance

De fazer aquilo que quer

Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce

Dificuldades para fazecirc-la forte

Tristeza para fazecirc-la humana

E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades

Que aparecem em seus caminhos

A felicidade aparece para aqueles que choram

Para aqueles que se machucam

Para aqueles que buscam e tentam sempre

E para aqueles que reconhecem

A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo

Clarice Lispector

A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui

continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado

Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos

imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que

precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave

juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e

interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria

141

fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas

necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)

Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada

bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que

se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo

necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo

Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente

trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar

constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares

Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da

administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e

como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em

seus caminhosrdquo

Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas

famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os

profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos

familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se

amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir

adiante

Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante

da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das

experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem

mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre

a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o

uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos

142

Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como

as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos

tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor

assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios

O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser

feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na

importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle

para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura

para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute

reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o

trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de

todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As

limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente

indefinida a morte iraacute chegar

A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada

Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto

especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o

querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que

embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo

deixa enxergar o natildeo querer

Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais

do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao

que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender

o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do

que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer

143

Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser

ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de

trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de

trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do

cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades

De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de

atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado

ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles

Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos

profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo

embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade

Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar

o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro

Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees

existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a

ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem

limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional

Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte

esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim

tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que

vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em

um contexto histoacuterico especiacutefico

No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se

faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente

controle

144

A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no

mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder

natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo

Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-

no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas

com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para

realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para

o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo

O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas

de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a

capacidade de ser propriamente livre

Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no

sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o

sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples

citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente

e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si

proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos

Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto

mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para

melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades

Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da

vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se

tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo

com o mesmo

145

Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos

prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que

nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo

nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo

Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a

morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-

los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma

reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte

poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a

culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca

da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a

realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos

faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes

Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um

contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a

sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso

aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os

momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um

espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo

psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees

multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de

escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o

caminhar a jornada

146

Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto

o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas

de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades

Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo

temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves

coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma

sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo

Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos

consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o

poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de

informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de

quem acumula coisas

Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar

vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes

de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja

assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar

atenccedilatildeo

Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e

mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam

chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados

capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante

da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping

Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira

caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para

a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais

147

televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A

populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede

Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como

o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo

vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a

sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem

Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco

valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do

emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a

renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando

desgaste fiacutesico e psicoloacutegico

Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no

trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar

que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de

trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma

forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de

materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o

profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo

satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam

A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos

bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o

profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as

frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes

satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do

148

outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de

si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida

Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas

cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego

o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras

mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir

sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute

possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave

depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio

Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo

de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode

significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um

pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo

um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como

a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros

Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano

Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

149

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes

para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso

tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos

a condiccedilatildeo de ser-no-mundo

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida

como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila

como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e

deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso

150

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157

ANEXOS

158

Paacutegina 1 de 1

TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ

Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da

entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a

experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora

responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte

Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a

compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees

propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a

realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio

durante o transcorrer da entrevista

Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora

responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto

agrave identidade dos participantes desta pesquisa

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

159

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de

sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos

Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do

olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes

No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento

teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam

situaccedilotildees de morte de pacientes

Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os

profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e

como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender

como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender

os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica

foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia

no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)

hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi

gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um

desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o

pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio

Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional

de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute

para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo

A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-

nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os

profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos

pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que

vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a

Paacutegina 1 de 3

160

conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees

poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no

enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas

orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e

qualidade de vida no trabalho

Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento

em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em

qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta

As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas

apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar

seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro

por um periacuteodo de 5 anos

Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela

pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado

por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo

conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa

Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila

Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail

lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa

a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail

elzadutrarngmailcom

Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para

o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como

poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital

Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis

(CEP 59012-300)

Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a

pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos

Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as

informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios

Paacutegina 2 de 3

161

Paacutegina 3 de 3

e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs

profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia

hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em

congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

Page 6: A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA ......inclusive na UTI Neonatal. Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da morte de pacientes na UTI. Um sofrimento

6

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria

Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o

meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito

obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional

Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila

aprendizado e afeto

Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais

forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo

Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos

iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir

A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do

doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo

inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-

mundo

Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento

Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave

pesquisa

Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees

para a minha tese

A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito

bom trabalhar com vocecircs

A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse

Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce

e radiante com a presenccedila de vocecircs

A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse

realidade

7

Sumaacuterio

Resumo 11

Introduccedilatildeo 13

Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31

Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia

Heideggeriana

45

Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67

Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83

Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de

sauacutede em UTI Neonatal

95

Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das

narrativas dos profissionais de sauacutede

139

Referecircncias 150

Anexos 157

8

Lista de Figuras

Figura Paacutegina

1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24

2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93

9

Lista de Tabelas

Tabela Paacutegina

1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia

na MEJC NatalRN

18

10

Lista de Siglas

ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria

BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares

HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes

IMI Instituto Materno Infantil

MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

UTI Unidade de Terapia Intensiva

UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

11

Resumo

Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o

papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser

justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as

maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida

Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos

a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico

considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia

intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do

conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda

lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no

cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a

experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a

gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi

utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a

entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas

formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas

assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo

hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees

mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza

diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano

de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo

aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo

de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos

profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de

instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de

pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a

instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte

receacutem-nascido

12

Abstract

Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated

to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence

of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the

possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the

consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became

places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of

life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals

in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety

protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses

in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience

of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a

field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic

phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were

conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing

technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was

inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence

The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt

and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There

was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the

structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary

meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study

also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the

academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the

understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to

the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and

their families

Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn

13

Introduccedilatildeo

O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local

assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local

tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em

uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento

pela necessidade de zelo e carinho

A UTI Neonatal

Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida

Por entre equipos e leitos e sensores

E monitores e bombas de infusatildeo

A tecnologia aliviando as dores

A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo

Por entre antibioacuteticos e perfusores

Coletas rastreando a infecccedilatildeo

Profissionais e procedimentos salvadores

Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo

A UTI Neonatal assustadora

Tentando ser a matildeo renascedora

Tentando ser o manto que alivia

A UTI Neonatal porto seguro

Oaacutesis da esperanccedila em um futuro

Misto de amor e tecnologia

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017

14

Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos

aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se

desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu

desenvolvimento ou finitude

Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute

justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso

no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees

Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas

experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes

dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem

Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o

presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares

Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo

de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em

que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia

aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para

relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva

inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da

morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser

um profissional da aacuterea de sauacutede

O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de

adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais

Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares

Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo

envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para

15

a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos

equipamentos

A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a

experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e

as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o

tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos

profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a

morte

A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a

dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma

sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de

sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma

sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante

da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes

seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida

Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas

temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que

influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger

A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a

experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que

se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno

Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger

trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia

Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre

ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-

16

para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto

projeto

Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que

a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica

valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave

constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio

Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas

possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo

Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do

outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem

morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando

morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria

morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz

distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano

Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de

pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar

com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras

atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa

A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns

questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional

reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a

morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento

proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando

Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que

valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso

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profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo

como se isso fosse possiacutevel

Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a

produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave

morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a

primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a

qualquer momento

Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um

idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela

frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos

que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental

contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a

preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade

Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente

destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito

longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se

em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de

paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988

mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade

materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo

componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede

2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)

A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee

o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes

foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e

18

avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais

se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-

nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o

risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito

neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)

No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos

oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees

perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes

infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-

econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees

Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos

de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes

(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado

do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco

histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o

nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016

contemplam apenas os meses de janeiro a junho)

Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC

NatalRN

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Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os

meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das

causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como

da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-

nascido

Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo

atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)

eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte

de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte

em vida

Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo

trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente

A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano

da UTI Neonatal

Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar

com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade

caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E

quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas

(Bernieri e Hirdes 2007)

Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi

considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a

morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute

vivenciada (Ariegraves 2003)

20

O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a

morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata

no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de

palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas

posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto

A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade

de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das

demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na

vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade

que tambeacutem se finda

Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais

Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees

de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a

possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre

a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma

reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever

algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar

mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida

Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o

mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este

() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo

acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal

a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do

general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp

139)

21

faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam

conjuntamente

Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao

longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como

campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio

Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos

hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais

de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada

pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a

questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes

cotidianamente

Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se

apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos

de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida

concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre

dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados

Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega

o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto

com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante

deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e

Germano 2010)

Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais

de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os

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procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do

tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com

a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma

tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)

Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do

mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para

a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar

sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no

mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem

vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana

O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo

da vida Como relata Casanova (2013)

Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar

estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e

diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados

para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas

dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos

imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de

cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros

movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que

mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas

preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na

primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a

proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro

lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por

vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca

a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai

completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)

23

Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que

trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade

de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo

cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados

pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma

das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave

Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)

O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os

cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade

da vida dos receacutem-nascidos

Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional

de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como

uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este

contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu

um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas

24

Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal

O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade

constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo

tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar

aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade

Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que

por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das

determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos

Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte

e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia

humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido

demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos

adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da

Profissional de Sauacutede

Teacutecnica

Protocolos de

seguranccedila

Matildees dos pacientes

Bebecircs em alto risco de morte

Equipamentos

25

maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos

pais

Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada

junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo

quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava

dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender

que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee

os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento

para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram

o suporte aos pais

As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de

quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os

profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido

durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender

o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como

enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas

experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede

Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade

de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de

compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed

utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a

existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos

demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de

enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores

26

ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou

nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo

Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e

teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e

culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em

que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que

possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia

fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)

Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de

receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os

profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de

enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a

uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)

Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar

da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar

profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer

assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma

direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos

A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos

profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a

comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente

para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares

27

A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados

da seguinte forma

- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos

histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo

Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o

sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a

morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do

desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante

-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia

Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-

com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de

Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o

nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a

impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como

uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do

tempo

28

-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede

Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as

dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da

UTI Neonatal

O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra

intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida

eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o

olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a

morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em

particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas

matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos

-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho

Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para

compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das

aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos

mesmos

Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os

procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e

exclusatildeo dos participantes

Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a

caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu

trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo

29

colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno

ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas

dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica

heideggeriana

No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que

retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma

mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma

homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores

-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos

participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele

que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem

interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador

que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o

que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que

assumiu um sentido para o observador

No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher

borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem

30

estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam

dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando

Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na

introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da

histoacuteria ateacute a contemporaneidade

31

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893

32

Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria

A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja

como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As

atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto

histoacuterico e social de cada eacutepoca

Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado

iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da

histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a

ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia

Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com

o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos

dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram

encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes

rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram

encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais

reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e

cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)

No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados

em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e

ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a

morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte

que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante

a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de

fundamentalrdquo

(Edgar Morin 1997 p32)

33

utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam

pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos

primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de

transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)

Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das

tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida

apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia

falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local

um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como

gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos

tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se

sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)

Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para

o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao

ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a

conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade

atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos

escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro

dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava

o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris

Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o

eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser

destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)

Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da

proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava

34

o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma

preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por

vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da

justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em

um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro

e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento

do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que

concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos

Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida

De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para

utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada

em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A

civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a

morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de

servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo

individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um

atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que

os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e

em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto

como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo

(Santos 2009)

Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar

agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse

praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio

35

uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para

aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade

e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas

Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000

dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons

receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras

sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e

desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras

que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que

posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio

da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este

coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte

(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)

Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a

cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os

restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o

local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico

Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um

ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado

ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava

sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)

Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da

imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo

foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo

36

A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787

Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma

das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da

alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o

que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este

momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por

Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e

a ocasiatildeo da sua morte

Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias

refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com

o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por

uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que

nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do

homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para

outro mundo (p5)

Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos

antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte

37

enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em

vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo

a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)

Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a

forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O

sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que

a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la

e de vivenciaacute-la

Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim

para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como

tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios

por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres

e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de

deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou

abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)

No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e

era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma

natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano

que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada

Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo

que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de

preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a

proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas

tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo

cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)

38

Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo

quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs

conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei

paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda

era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um

animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia

alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra

crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)

Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos

explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma

distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida

regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os

seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o

acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca

repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)

As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte

anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia

cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees

sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos

coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos

cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)

Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte

dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte

domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as

crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural

39

Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas

aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta

crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja

cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg

1983 Ariegraves 2003)

Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em

particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma

triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como

um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi

a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a

ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)

Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram

a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte

Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas

em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do

morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos

momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens

buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras

realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves

2003 Kovaacutecs 1992)

A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor

diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se

tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o

ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao

indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que

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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e

majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)

Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do

tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro

que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia

conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho

em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte

e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto

origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada

A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando

de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII

a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado

fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi

separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-

se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo

das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande

movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves

leis ou ao Estado

Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das

famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e

filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de

honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma

espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser

mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava

de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo

ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas

41

camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama

dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las

Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos

dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos

seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e

solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia

que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem

uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-

se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa

revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo

voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)

Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi

modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e

ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo

menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que

jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de

cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a

sociedade contemporacircnea

Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem

faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo

aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave

vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais

destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio

distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie

de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade

42

crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a

existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)

No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem

como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo

estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos

contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo

trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas

no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros

comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas

(Pinto amp Veiga 2005)

A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida

e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do

prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta

busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o

sucesso a juventude e o controle emocional

Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante

refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como

ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as

interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir

reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)

Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram

frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa

de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das

condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou

faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para

43

a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora

da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio

a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle

sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida

Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status

social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para

o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em

detrimento do grupo social

Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos

para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando

os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos

deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da

medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores

de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte

a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo

Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo

que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos

Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os

que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do

consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer

Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos

geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na

necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte

predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem

como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual

44

ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos

adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica

entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo

(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)

Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia

de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar

retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais

produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas

A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute

uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo

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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931

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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana

ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que

natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela

imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade

que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence

a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi

ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao

mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos

pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos

esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras

a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances

A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater

entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais

contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas

controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da

valorizaccedilatildeo da vida e da juventude

O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da

forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me

A Morte Chega Cedo

A morte chega cedo pois breve eacute toda vida

O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida

O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou

E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou

E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo

No caderno da sorte que Deus deixou aberto

Fernando Pessoa in Cancioneiro

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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente

estudo

Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes

definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo

humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor

Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um

questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e

da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida

como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem

eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais

diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos

A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece

inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine

questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples

ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha

derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade

e uma reflexatildeo bem mais profunda

E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)

define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas

escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia

acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo

Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra

sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que

todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo

a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um

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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido

eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu

quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e

encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente

Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de

ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente

(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem

algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute

relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo

denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)

Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos

hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o

objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma

de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no

mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma

relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar

natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada

A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com

o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo

que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do

cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem

cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que

Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o

ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico

as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente

ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais

Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda

o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)

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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos

pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes

profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)

seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem

ganham outro sentido

O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa

que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo

de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura

ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa

Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e

depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do

cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe

eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante

Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao

mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual

estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por

assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no

mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo

Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em

um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos

caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a

() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta

e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem

natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual

por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)

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ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o

ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos

O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser

existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a

inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser

dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)

O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as

suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios

necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se

ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um

espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os

seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo

O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico

envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo

enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido

Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas

escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem

em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e

consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos

Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein

O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira

para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo

anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma

caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma

determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no

cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)

Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da

natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de

uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica

que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e

no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)

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Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de

outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes

existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial

(Ferreira 2010 p113)

ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo

espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a

habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo

em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto

de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem

como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um

ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de

empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o

Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)

Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute

essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para

as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive

ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir

interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo

Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade

Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do

corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da

corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial

do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo

Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes

como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser

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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como

seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se

concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto

Sem abranger o ser que habita este corpo

Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica

do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as

palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa

agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um

corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar

compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais

Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a

corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que

ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte

Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da

substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes

Princiacutepios I n 53 p 44)

Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a

aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a

utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de

corporeidaderdquo (Heidegger p 146)

A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees

sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como

um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo

A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar

de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o

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nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a

possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute

ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo

dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar

pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com

outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)

Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante

compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo

para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias

caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada

profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras

ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora

universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura

O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem

um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de

isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o

estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como

co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar

sempre com o outro (Heidegger 19272015)

Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se

estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro

das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas

mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica

eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as

encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa

primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)

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Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade

de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma

equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento

dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E

o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do

receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees

de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo

juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em

que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se

restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos

O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein

existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do

momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da

presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da

existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem

desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do

pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um

impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros

Daseins

O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito

de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo

primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao

encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial

empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos

ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente

dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no

mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)

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Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que

tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein

Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de

se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano

eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo

do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender

nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos

outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)

O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de

preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais

apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve

as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo

mesmo (Heidegger 1927 2015)

O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se

manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao

cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-

se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias

escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger

(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado

como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas

existem e devem existir no ser-com

O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude

que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o

seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer

o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee

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oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um

substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua

profissatildeo por exemplo

Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da

utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo

com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que

torna o outro algo que pode ser substituiacutedo

No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais

em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente

utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia

do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com

o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro

Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se

dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a

vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades

existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas

mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim

dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais

projetos a realizar Ela encerra o inacabado

O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute

intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se

envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia

inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar

sobre o sentido do seu ser dos seus projetos

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A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe

jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a

possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no

mundo (Heidegger 19272015)

A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada

indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma

perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas

Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto

natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram

uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos

lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte

De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a

experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor

merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca

de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute

junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede

Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-

mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute

tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-

em pode tocar e ser tocadordquo

Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa

que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra

pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do

outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias

vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo

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Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade

proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano

deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com

a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge

com o mergulho na impessoalidade

Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver

com a ausecircncia

E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito

importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai

sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-

mundo (Heidegger 19272015)

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

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A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua

existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em

explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos

influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem

na forma como encara a proacutepria morte

Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo

comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa

existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo

O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de

refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido

por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia

natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura

para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees

do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda

A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia

e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-

morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino

certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida

como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)

Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que

pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave

possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a

extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo

que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela

se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem

a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o

viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)

60

A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se

encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas

inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma

forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute

portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo

sobre a proacutepria morte seja evitada

Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva

do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser

medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta

consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica

torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais

o que se pode perder

O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo

(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada

pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos

e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez

eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo

Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte

algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma

intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal

[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no

mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao

ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo

como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso

significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo

(Heidegger 19272015 pp 253)

61

de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico

natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo

Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos

uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases

de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo

cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e

natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)

Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e

crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo

antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um

vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A

morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e

era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o

iniacutecio de uma histoacuteria interrompida

Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave

impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos

simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute

singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo

(Costa 2015 p 79)

A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser

medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares

de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente

e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)

Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar

que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A

62

primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga

fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer

remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)

A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental

portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a

temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da

sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo

de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos

Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma

importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em

ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento

para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em

uma eacutepoca

Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo

dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo

armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza

produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor

conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem

da necessidade de subsistecircncia

Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste

em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a

semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus

A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na

histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo

preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria

(Nunes 2012 p151)

63

frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave

presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E

este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta

O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele

se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira

satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda

retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave

manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)

Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento

Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de

provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos

e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor

desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)

Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela

postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do

homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades

de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e

No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores

alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos

deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla

era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As

obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da

produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos

Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)

Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo

fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir

dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na

clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a

ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)

64

reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o

domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo

diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que

calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com

maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de

oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo

(Heidegger 1959 p 13)

Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da

existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos

estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente

presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma

representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista

parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)

A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que

pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta

demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo

que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)

Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os

acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem

diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas

cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com

novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou

ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente

adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido

65

O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos

tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o

pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode

predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura

de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo

O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu

cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-

las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no

leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a

dependecircncia

Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que

atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e

novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico

natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as

almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo

para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver

o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo

Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo

preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as

decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos

adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos

familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de

trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a

respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede

66

Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees

acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute

esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo

67

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512

68

Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede

O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves

dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular

da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o

hospital o local destinado ao envio de doentes

O cuidador

Tanta palavra

Tanto trabalho

Tanto diagnoacutestico Avassalador

Tanta cultura

Entre a dor e a cura

Tanta procura

Pelo fim da dor

Tanta rotina

Tanto medicamento

Tanto equipamento De alto valor

Tanta tecnologia

Envolvendo tanta gente

E nada disso

Aparentemente

Eacute suficiente

Para garantir

Verdadeiramente

Um cuidador

Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas

Apressadas 2017

69

A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho

Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e

cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta

2003)

Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram

locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de

Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em

1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com

condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais

eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham

outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)

O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente

recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu

um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-

1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer

hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as

condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para

gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)

Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior

surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata

Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente

que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos

cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente

nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo

era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria

70

salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma

obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo

De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem

aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios

domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a

acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a

matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser

extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem

apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio

dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)

As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu

leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de

1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute

atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender

crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma

geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito

frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em

portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)

Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar

continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da

temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram

a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a

diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)

Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se

ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser

71

referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de

atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos

que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios

Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus

familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em

berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto

ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho

logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o

estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar

a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento

conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada

de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de

Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)

De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede

passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite

ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade

capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede

Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35

semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de

Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)

Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo

encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo

10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para

a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para

o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados

72

I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica

ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)

II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de

nascimento menor de 1000 gramas

III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio

imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte

IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e

V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter

venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de

infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta

por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos

agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de

30122013)rdquo

A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie

de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos

quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos

cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de

alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada

para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o

sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado

um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados

necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira

2005 Costa amp Padilha 2011)

73

Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as

matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas

Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)

O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto

Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir

de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de

baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de

sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)

Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido

de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo

da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos

cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o

envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)

Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a

implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes

no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias

de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga

emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho

excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas

decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade

A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo

Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo

Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo

voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que

permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia

com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo

buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no

hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)

74

ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e

dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005

Scochi et al 2001)

No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia

no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local

escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco

A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou

importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do

seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da

deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra

Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de

Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade

que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)

Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia

materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo

praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no

atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de

recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo

(EBSERH 2015)

Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de

Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A

maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com

75

23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados

recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do

RN (UFRN 2017)

Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade

A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia

de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a

morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares

De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da

Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe

multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de

2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e

humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e

habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)

a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em

Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina

Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou

Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo

76

c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com

certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)

fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva

Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia

ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10

(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com

habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional

comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal

e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno

g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia

profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada

horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas

h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada

turno

i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno

j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade

Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel

de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de

fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais

Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria

GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia

psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de

77

funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive

fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos

Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no

proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era

da teacutecnica e diante da morte de pacientes

32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes

No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado

Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro

e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a

condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A

ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins

inclusive o proacuteprio indiviacuteduo

O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o

cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior

de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias

possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo

inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo

de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua

responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha

Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra

nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a

racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a

doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura

(Rebouccedilas 2015)

78

Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os

pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante

na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto

ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas

Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de

um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que

cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo

foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado

como coisa objeto

O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao

pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece

Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e

que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o

nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo

enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e

expectativas

Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da

medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado

de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre

o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger

(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de

cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica

ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares

Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado

algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc

79

apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs

Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de

um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves

necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)

Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo

a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais

estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem

um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro

(Heidegger 1927 2015)

Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no

cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da

morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do

que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia

paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade

enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante

da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006)

Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes

proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede

diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo

prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao

abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente

propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo

aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e

orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam

80

Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades

apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda

tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros

como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt

2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)

Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como

um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute

morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais

sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a

manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp

Luker 2003)

Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte

de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao

comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover

qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente

com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva

2006)

Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes

profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo

de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais

frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais

presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados

sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre

os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva

2012 p 54)

81

Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados

diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim

dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a

comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do

oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o

paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados

925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto

Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com

familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se

como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se

ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte

precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e

profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto

(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)

Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de

oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o

psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as

suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas

pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente

possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto

um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento

(Medeiros amp Lustosa 2011)

O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em

oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio

82

ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na

praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais

do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que

promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a

necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo

a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por

um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)

Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos

familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave

alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do

psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo

quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres

psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)

As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte

aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os

sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano

de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo

para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional

Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue

contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa

83

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888

84

Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho

Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir

enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes

compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees

anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo

real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar

sobre a pesquisa

Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para

um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha

questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a

praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de

sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia

da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma

compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva

Neonatal

Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir

atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados

e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados

com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer

uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao

fenocircmeno

Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair

daqui

Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato

Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice

Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o

gato

Lewis Carroll

85

Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel

com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a

fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a

realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos

A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)

busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de

questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude

Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo

aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas

simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama

de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto

morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde

o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a

experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle

como premissas

Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada

nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano

a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e

teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e

instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da

filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas

como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do

real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita

noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente

e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)

86

enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no

mundo (Heidegger 19271989)

A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu

como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI

Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia

que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-

para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado

Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a

existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no

mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida

que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo

inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo

a serrdquo

Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais

de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios

vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo

da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o

fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos

encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno

A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento

uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o

fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador

Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular

o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A

verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e

87

considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo

Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia

desvelar novos sentidos para a sua existecircncia

A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de

causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para

realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma

mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos

A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante

seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees

sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante

do que foi narrado

41-Participantes da pesquisa

A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da

Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional

considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente

contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a

estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal

Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de

participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove

entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros

teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)

Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45

anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais

de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e

88

estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da

EBSERH

A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as

entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28

meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos

de enfermagem

42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo

Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-

Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe

multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e

que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo

delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou

de niacutevel superior)

Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica

para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na

Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de

exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de

Terapia Intensiva Neonatal

Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica

heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a

idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para

a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a

tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram

considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas

89

43-Aspectos eacuteticos

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN

Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram

participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa

(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi

solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em

anexo)

As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio

Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o

desenvolvimento das atividades laborais

Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a

preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um

cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles

pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de

alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho

Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes

fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo

tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para

tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho

com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como

Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol

90

44- Formas de trilhar o caminho

Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto

agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de

Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica

da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com

a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute

de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta

etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre

a pesquisa

Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal

dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada

naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como

a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz

gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia

Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas

narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das

profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo

do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de

matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede

A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao

fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A

narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o

participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio

de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)

91

A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo

pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir

da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa

durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)

Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu

interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma

busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que

o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas

mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)

A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e

resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado

pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo

disparadora

ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI

Neonatalrdquo

42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo

A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger

buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a

fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na

Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem

verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana

Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no

seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia

da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)

92

Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo

utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano

sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e

Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano

como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger

19272015)

Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo

afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o

mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o

interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas

que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como

tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a

abertura do ser para o mundo de outro modo

A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do

ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-

ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as

possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de

ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a

compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em

si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo

A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como

interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas

separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as

possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo

93

A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo

da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por

meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)

ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo

eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da

maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente

a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo

Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre

os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de

gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo

Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e

compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade

absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto

histoacuterico especiacutefico

Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que

compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a

concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir

Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico

Posiccedilatildeo Preacutevia

Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo

Preacutevia

Abertura Disposiccedilatildeo

compreensatildeo linguagem

(Azevedo 2013 Maux 2014)

94

A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras

realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a

escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao

encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do

participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico

especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado

A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi

ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma

disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos

apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a

interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com

base na sua compreensatildeo de mundo

A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo

dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo

anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades

de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta

abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando

a compreensatildeo da experiecircncia do outro

A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade

hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes

de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)

-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o

pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e

questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia

-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador

95

-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas

da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os

participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador

narrador

-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos

anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute

apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do

fenocircmeno

A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta

a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux

amp Dutra 2009 Schmidt 2006)

Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que

assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do

percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do

mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o

fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes

do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as

coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo

instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens

atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo

A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a

historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um

encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo

seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e

buscam formas de lidar com a finitude

96

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush

97

-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em

UTI Neonatal

Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes

na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro

apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em

torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que

integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas

de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as

relaccedilotildees que constituem com o outro

Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas

vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em

nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo

jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada

integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros

bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos

bebecircs

As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas

ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando

o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres

humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais

murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades

As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para

as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo

cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro

sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo

98

Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como

caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas

Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros

conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos

instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada

dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares

Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos

por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do

pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas

apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana

contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para

trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os

sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes

os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-

Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e

projetos

De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos

participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes

da UTI Neonatal

1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal

Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente

contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da

MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato

passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida

Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante

99

a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes

profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos

durante a anaacutelise

Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia

durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento

inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida

Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente

quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos

Seguem alguns relatos que ilustram isso

ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na

enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar

da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na

famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo

(Margarida)

ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo

que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento

tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha

casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)

As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do

concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar

em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de

bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que

hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias

ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo

vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito

grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas

receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)

100

ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido

aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a

aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)

Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em

comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de

ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da

dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de

uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem

continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas

Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia

existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que

constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees

diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo

Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI

Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de

Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu

primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois

virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as

oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso

profissional foi se desenvolvendo

ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo

foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a

oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)

O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que

enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai

sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de

101

uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado

de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da

vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte

de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo

profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando

O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo

implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na

concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas

como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo

do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias

Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes

profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito

Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo

baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do

homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser

encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo

natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)

A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte

histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla

o trabalho na UTI Neonatal

2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal

A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas

unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um

corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos

uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)

102

Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um

maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que

ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos

receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado

por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal

ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se

eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado

ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai

que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas

tomar banho de solrdquo (Girassol)

Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator

que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por

Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu

desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma

caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos

profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que

circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs

Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada

pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz

solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente

algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para

ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por

alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do

confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de

trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005

Rocha Souza e Teixeira 2015)

103

Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave

sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta

um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos

ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do

que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros

de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba

levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros

na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)

ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos

profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar

com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto

e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto

que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo

(Amariacutelis)

A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e

psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com

o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos

afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de

atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados

pelos profissionais

Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia

negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local

onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa

Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos

profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se

pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo

104

da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de

vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)

A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os

profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em

Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o

contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma

questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo

Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica

Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento

teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual

estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os

resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)

Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que

valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento

Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e

agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica

produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado

Como pode ser observado no relato a seguir

ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia

Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das

vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar

Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc

abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)

Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela

profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava

correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso

105

que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias

impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma

atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a

pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte

O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso

que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que

pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na

morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma

ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute

presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso

No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de

pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este

tipo de abandono

O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais

refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da

responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia

ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na

profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua

vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute

inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados

familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)

Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta

obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os

profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade

interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede

106

Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos

comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado

reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso

horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo

com Heidegger (2007 p 380)

O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa

ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas

de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os

homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)

Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza

o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta

dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua

vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os

obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que

realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga

ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho

de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em

ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se

atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a

essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O

desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza

a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal

Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece

previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de

proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna

tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo

107

relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte

assimrdquo (Violeta)

ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo

que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto

pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de

identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da

falta de pessoalrdquo (Rosa)

Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um

lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que

ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas

e ateacute na morte de pacientes

Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma

reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo

Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas

consequecircncias que podem gerar

ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma

famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o

impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo

(Tulipa)

Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do

conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir

sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo

esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela

concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica

enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)

E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa

possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta

108

desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve

os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir

3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos

Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de

receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute

contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave

ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros

contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte

certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute

verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida

Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar

adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)

ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida

quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva

Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute

que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar

com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)

A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera

sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro

da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e

tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede

em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso

2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)

109

Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como

se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e

seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido

ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro

pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me

marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma

matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)

Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo

Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo

distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento

conforme pode ser constatado nos relatos a seguir

ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a

capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer

uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA

gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)

ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz

muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar

remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo

emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia

Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma

vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)

A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento

para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga

suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta

necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando

110

ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico

enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta

na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no

colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada

chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num

shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu

cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas

foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta

dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que

vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)

O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas

de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o

controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim

este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio

profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele

ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao

como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio

e racional

De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi

apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o

quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo

passiacuteveis de serem expostas

Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos

profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode

ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte

eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo

seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom

111

prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento

nos profissionais

ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila

a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam

quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute

comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio

que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as

perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)

Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima

pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os

pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade

Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional

Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de

impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados

e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso

horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar

a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os

acontecimentos do mundo

De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente

quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o

desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees

e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao

aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar

parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute

muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato

ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes

mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo

taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de

112

hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o

momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou

maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente

mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de

pararrdquo (Angeacutelica)

Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer

que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela

cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de

esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi

feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel

Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na

qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar

com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe

que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais

porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo

Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o

reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos

abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um

sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de

forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir

ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a

gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir

responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi

porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo

orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo

ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)

113

ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que

parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida

porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou

faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de

emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)

Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as

participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar

dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma

culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo

A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo

Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se

cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)

Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez

por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na

decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma

determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do

cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem

estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser

(Heidegger 1927 2015)

A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser

portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da

facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o

homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)

Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa

Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais

114

comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que

estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando

Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a

ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir

com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto

anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente

estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do

preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se

materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a

culpa

A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para

pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que

eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade

Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos

Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das

ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)

Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e

os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam

sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras

doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes

como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de

tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios

e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no

centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar

ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja

115

A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado

O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para

alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem

pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)

A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que

centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas

possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a

referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser

introjeta os valores deste mundo

Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas

atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de

trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos

profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de

trabalho

4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de

trabalho

Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de

presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em

relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento

O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre

essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico

Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que

ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada

profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs

em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente

116

as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam

questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem

iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas

instalaccedilotildees da UTI Neonatal

ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute

importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que

taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema

eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute

desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por

exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a

gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra

fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)

A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo

fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os

familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim

acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e

questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido

Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de

trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos

projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos

perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco

entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-

se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos

aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo

envolve a sua histoacuteria

117

Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais

em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte

de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma

profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar

esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido

ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma

coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque

tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber

uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu

bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu

bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas

reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc

porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo

Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar

ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)

Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de

expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de

conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento

das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia

de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um

profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo

detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de

tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um

no outro

De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo

de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz

parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa

118

interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no

qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo

Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute

interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante

das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee

preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar

temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a

sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados

ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela

foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo

como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um

divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira

menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee

taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute

dentrordquo (Angeacutelica)

Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma

situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar

do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a

considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos

refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro

Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era

um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela

Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e

sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de

Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o

grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor

119

dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas

proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados

(Carvalho 1996)

Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-

se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional

ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto

Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha

ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito

que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como

eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho

que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor

de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)

O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no

contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e

geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem

natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute

ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia

como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo

Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees

sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o

ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais

satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais

De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc

com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas

que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada

direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua

120

compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade

vai sendo construiacutedordquo

Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si

mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais

da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria

especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente

tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc

pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente

adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir

ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de

enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo

e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute

algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto

com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere

a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)

Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o

iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic

2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que

vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda

receber uma visita ficar no colo)

Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se

tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)

do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc

Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc

precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no

121

berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que

ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)

No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados

baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se

preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos

familiares principalmente das matildees

ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que

foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou

abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que

chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela

Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da

juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)

Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do

receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo

de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que

vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer

as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito

um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar

diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma

nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma

profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares

ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma

histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a

matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do

namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo

eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado

122

dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos

uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A

gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente

tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha

mais jeitordquo (Tulipa)

Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre

o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das

possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o

outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo

que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da

compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade

de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as

articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se

transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura

para novas possibilidades

Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com

a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para

entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos

cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos

diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas

sobretudo humanas

Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo

contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os

desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma

dificuldade a ser enfrentada

123

ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser

mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro

colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)

O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que

apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um

dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso

depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam

mandam ditam regras e normas

ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute

que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande

que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo

satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc

eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro

ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse

suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai

morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha

e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem

que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)

As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se

apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com

o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento

do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser

tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida

Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o

desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de

responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe

Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos

profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as

responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior

124

que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa

convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios

cotidianos

ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes

somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a

questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute

os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem

aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os

lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo

eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo

(Amariacutelis)

Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de

relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores

Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que

trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que

convivem com as mesmas dificuldades

De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum

satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama

significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em

contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que

entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo

O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode

aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto

do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de

sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de

trabalho

125

5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede

Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos

profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e

resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila

Botomeacute 2005 Silva 2006)

Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como

compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a

serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs

2003)

Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com

as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional

ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum

momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na

residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo

entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por

exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi

aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)

Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a

graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio

profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade

ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute

pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso

acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que

os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou

por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas

ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo

Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe

entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo

126

precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo

entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade

emocional tatildeo granderdquo (Girassol)

A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades

que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade

de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato

as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam

e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede

O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute

que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo

O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica

sobre como lidar com as mortes e perdas

Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades

enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores

considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as

dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades

podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade

e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver

habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber

como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)

Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos

sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem

e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas

adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade

(Moreira Vasconcelos Heath 2015)

127

A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos

desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar

espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo

se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares

(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)

A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional

nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a

respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN

ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da

gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo

aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo

telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo

estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda

todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter

um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)

Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos

profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo

reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o

desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com

ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo

A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido

durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte

da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que

outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para

reflexatildeo

Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo

tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida

128

enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O

defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver

a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo

que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias

recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo

Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas

existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso

como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar

de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo

dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com

sofrimento no cotidiano

Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em

instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos

um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir

ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente

em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente

lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento

aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi

aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar

isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim

Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)

De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo

do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco

suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia

aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa

mesma falta em seus pacientesrdquo

129

Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com

as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte

ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que

vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta

mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A

Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que

reconhecerrdquo (Angeacutelica)

Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os

limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como

reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder

Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento

calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade

voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da

teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que

seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos

equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As

mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico

Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do

controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se

chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de

que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a

minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as

escolhas que estou fazendo

A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria

em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e

para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo

130

para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os

profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se

renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre

o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela

morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das

expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada

Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de

familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto

que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites

da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram

relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e

outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites

da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na

cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees

tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de

uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia

Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito

aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da

praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas

desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)

A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica

Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de

complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica

por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de

outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las

131

Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute

oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias

poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia

contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e

possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir

Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para

implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares

Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o

sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo

desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se

apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca

contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares

6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas

possibilidades e projetos

A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de

transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes

do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as

reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017

Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional

para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia

fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas

pelos profissionais

132

Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados

paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a

seguir

ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas

a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo

do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute

o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente

taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito

sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente

comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar

essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente

entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)

O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da

matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo

que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a

incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC

ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute

foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo

contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra

tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava

vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a

rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)

Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado

pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo

em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem

contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos

pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas

nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir

133

ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo

encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute

Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino

monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito

porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo

ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que

ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer

porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute

perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em

casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada

eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)

O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo

mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento

sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes

as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares

dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar

escolhas

ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos

humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos

contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o

amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo

pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a

equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que

ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar

com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito

sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo

(Rosa)

O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva

e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar

134

decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares

decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas

possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na

assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar

autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias

dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo

individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e

evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo

Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos

momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia

dos profissionais desenvolverem a empatia

ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente

ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho

que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada

profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)

ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente

de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada

por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)

No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo

muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando

os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois

o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo

ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia

do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute

complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou

vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar

135

mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar

eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)

Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo

no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a

permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo

O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente

quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede

Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma

atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do

adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo

ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)

Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e

sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento

da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre

o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim

implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz

de fazer escolhas

Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem

desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e

atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de

perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita

de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o

domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas

de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para

estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho

136

O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita

pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos

relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na

sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que

ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto

intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo

ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente

os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num

niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a

equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro

cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto

com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem

inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com

dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como

chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo

encontrosrdquo (Rosa)

ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo

bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe

multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros

profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura

para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o

entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees

Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo

psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos

que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos

que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os

137

funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da

expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir

ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo

tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a

gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e

a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente

natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito

grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado

meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos

fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de

conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee

ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah

a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente

ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem

que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem

uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)

Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da

pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele

momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um

espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final

da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida

Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de

fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia

que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos

que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador

agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como

o que foi ouvido o afetou

138

E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a

circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo

do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees

Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem

reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas

distintas compreensotildees de mundo

139

Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos

profissionais de sauacutede

ldquoVladimir Kushrdquo

140

O SONHO

Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser

Porque vocecirc possui apenas uma vida

E nela soacute se tem uma chance

De fazer aquilo que quer

Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce

Dificuldades para fazecirc-la forte

Tristeza para fazecirc-la humana

E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades

Que aparecem em seus caminhos

A felicidade aparece para aqueles que choram

Para aqueles que se machucam

Para aqueles que buscam e tentam sempre

E para aqueles que reconhecem

A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo

Clarice Lispector

A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui

continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado

Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos

imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que

precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave

juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e

interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria

141

fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas

necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)

Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada

bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que

se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo

necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo

Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente

trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar

constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares

Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da

administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e

como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em

seus caminhosrdquo

Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas

famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os

profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos

familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se

amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir

adiante

Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante

da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das

experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem

mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre

a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o

uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos

142

Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como

as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos

tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor

assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios

O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser

feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na

importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle

para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura

para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute

reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o

trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de

todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As

limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente

indefinida a morte iraacute chegar

A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada

Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto

especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o

querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que

embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo

deixa enxergar o natildeo querer

Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais

do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao

que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender

o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do

que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer

143

Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser

ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de

trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de

trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do

cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades

De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de

atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado

ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles

Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos

profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo

embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade

Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar

o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro

Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees

existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a

ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem

limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional

Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte

esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim

tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que

vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em

um contexto histoacuterico especiacutefico

No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se

faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente

controle

144

A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no

mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder

natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo

Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-

no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas

com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para

realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para

o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo

O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas

de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a

capacidade de ser propriamente livre

Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no

sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o

sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples

citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente

e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si

proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos

Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto

mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para

melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades

Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da

vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se

tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo

com o mesmo

145

Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos

prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que

nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo

nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo

Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a

morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-

los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma

reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte

poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a

culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca

da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a

realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos

faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes

Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um

contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a

sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso

aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os

momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um

espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo

psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees

multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de

escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o

caminhar a jornada

146

Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto

o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas

de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades

Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo

temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves

coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma

sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo

Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos

consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o

poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de

informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de

quem acumula coisas

Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar

vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes

de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja

assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar

atenccedilatildeo

Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e

mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam

chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados

capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante

da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping

Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira

caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para

a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais

147

televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A

populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede

Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como

o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo

vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a

sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem

Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco

valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do

emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo

em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a

renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando

desgaste fiacutesico e psicoloacutegico

Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no

trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar

que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de

trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma

forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de

materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o

profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo

satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam

A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos

bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o

profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as

frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes

satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do

148

outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de

si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida

Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas

cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego

o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras

mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir

sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute

possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave

depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio

Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo

de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode

significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um

pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo

um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como

a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros

Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que

deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas

Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano

Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao

maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem

fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a

natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para

o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees

das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores

para dormir o sono que evita a culpa

149

As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que

somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o

tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes

para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso

tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos

a condiccedilatildeo de ser-no-mundo

Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas

que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da

sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida

Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida

como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila

como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e

deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso

150

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ANEXOS

158

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TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ

Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da

entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a

experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora

responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra

vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte

Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a

compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees

propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a

realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio

durante o transcorrer da entrevista

Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora

responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto

agrave identidade dos participantes desta pesquisa

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

159

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de

sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica

heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos

Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do

olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes

No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento

teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam

situaccedilotildees de morte de pacientes

Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os

profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e

como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender

como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender

os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica

foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia

no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco

Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)

hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi

gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um

desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o

pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio

Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional

de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute

para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo

A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-

nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os

profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos

pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que

vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a

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160

conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees

poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no

enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas

orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e

qualidade de vida no trabalho

Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento

em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em

qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta

As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas

apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar

seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro

por um periacuteodo de 5 anos

Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela

pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado

por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo

conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa

Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila

Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail

lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa

a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail

elzadutrarngmailcom

Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para

o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como

poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital

Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis

(CEP 59012-300)

Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a

pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos

Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as

informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios

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e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs

profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia

hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em

congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar

Natal _________ _____________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa

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