a experiência dacebola
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A Experiência DacebolaTRANSCRIPT
Iolanda Mendes de Oliveira
“Não podemos conhecer nada de exterior a nós próprios que nos supere (...) o universo é o espelho em
que podemos contemplar apenas o que aprendemos a conhecer em nós.” Italo Calvino
A reflexão que se segue, encontra-se enquadrada no âmbito da unidade curricular
“Psicologia do Desenvolvimento I”- aula teórica. Na aula do dia 12 de Dezembro fomos
submetidos a uma experiência de observação de uma cebola. A observação procedeu-se em dois
momentos. Num primeiro momento observou-se por cerca de 15 minutos a cebola que cada um
dispunha e procurou-se descrevê-la. No segundo momento continuou-se a discrição mas
iluminados por dois textos, ambos reportando para a importância do hábito de uma observação
mais cuidada e detalhada.
Observar um cebola numa aula de psicologia... algo incomum
A observação é não só uma ferramenta necessária para o psicólogo como também deve
constituir uma maneira de posicionar-se perante a vida, perante si mesmo, os outros e à
reliadade que o cerca. Mas dai, obsevar uma cebola?... À partida, parece que isto não tem
analogia com a atitude contemplativa, crítica e reflexiva que o psicólogo precisa assumir.
Indo mais à fundo da dinâmica, entendi que mais do que observar, perceber e reflectir o
observado, a experinência desta dinâmica me remeteu para o desafio que a existência muitas
vezes nos coloca, me coloca: ver além das aparências, acreditar além do evidente, perscrutar a
essência das coisas além de toda a dinâmica utilitarista que nos cerca e marca o nosso dia a dia.
Observando a realidade, vejo como esta corre veloz e assume vários rostos. A guerra, a
violência, o medo, o conflito entre as nações, a luta pelo poder, o desprezo pelo outro, o
egoísmo, o erotismo, o fundamentalismo religioso, a busca de identidade que não integra a
dimensão do outro, as famílias fragmentadas, parecem ser as manchetes dos nossos dias.
Sombras que quase impõe-se como o único rosto da realidade total do mundo. Parece que por
vezes, aceitamos esses factos como “o rosto” da nossa relidade. Isso, sem falar de uma certa
propaganda dos “escândalos” e da “ditadura do bem estar” a todo o custo. Esta é a casca que
frequentemente observamos ou ignoramos e que outras poucas vezes ousamos jogar fora para
observar outra camada e quiçá outro rosto que fica escondido e que somente vem à tona quando
decidimos ir além de nós mesmos, quando decidimos levar em consideração outros parâmetros,
quando conseguimos olhar atentamente.
Iolanda Mendes de Oliveira
O outro rosto da nossa realidade, pode ser a partir desta outra perspectiva a realidade do bem que
há no ser humano, do bem que se faz, da significação que se busca... o outro rosto, pode ser a
ousadia dos que ariscam ir além. É o rosto da beleza do ser, do transcerder-se, da busca de
compreensão da natureza singular da nossa história contemporânea que parece ensaiar uma
“virada radical”... é o rosto daqueles que enfrentam o seu medo, que se deixam desafiar por
questões mais profundas e ainda nutrem a beleza de doar-se aos outros em meio ao processo de
se possuirem, do auto-conhecimento.
Sim, afinal a “experiência da cebola” na aula passada ultrapassa as minhas previsões,quase
sempre limitadas... afinal tudo gira além do tempo, onde as coisas e os eventos são apenas
sombras da realidade... a cebola me revelou o quanto o “homem mítico” habita em mim... viver
observando a imagem da realidade em vez da realidade. A cebola me fez ver que se calhar é
preciso “sair da caverna”, enfrentar o sol em vez de contentar-me com os raios, enfrentar a
cegueira temporária ou o processo de “acomodacão visual” constante. Por isso como diz um dos
textos que nos iluminou na aula, “os pobres são os que se limitam à casca das coisas, à aparência
da realidade, à pele do mundo”. E eu acrescentaria ainda que viver miseravelmente é fechar-se
num único nível de interpretação simbólica.