a experiência dacebola

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REFLEXÃO DA AULA DO DIA 12/12/13 Iolanda Mendes de Oliveira “Não podemos conhecer nada de exterior a nós próprios que nos supere (...) o universo é o espelho em que podemos contemplar apenas o que aprendemos a conhecer em nós.” Italo Calvino A reflexão que se segue, encontra-se enquadrada no âmbito da unidade curricular “Psicologia do Desenvolvimento I”- aula teórica. Na aula do dia 12 de Dezembro fomos submetidos a uma experiência de observação de uma cebola. A observação procedeu-se em dois momentos. Num primeiro momento observou-se por cerca de 15 minutos a cebola que cada um dispunha e procurou-se descrevê- la. No segundo momento continuou-se a discrição mas iluminados por dois textos, ambos reportando para a importância do hábito de uma observação mais cuidada e detalhada. Observar um cebola numa aula de psicologia... algo incomum A observação é não só uma ferramenta necessária para o psicólogo como também deve constituir uma maneira de posicionar- se perante a vida, perante si mesmo, os outros e à reliadade que o cerca. Mas dai, obsevar uma cebola?... À partida, parece que isto não tem analogia com a atitude contemplativa, crítica e reflexiva que o psicólogo precisa assumir. Indo mais à fundo da dinâmica, entendi que mais do que observar, perceber e reflectir o observado, a experinência desta dinâmica me remeteu para o desafio que a existência muitas vezes nos coloca, me coloca: ver além das aparências, acreditar além do

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A Experiência Dacebola

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Page 1: A Experiência Dacebola

Iolanda Mendes de Oliveira

“Não podemos conhecer nada de exterior a nós próprios que nos supere (...) o universo é o espelho em

que podemos contemplar apenas o que aprendemos a conhecer em nós.” Italo Calvino

A reflexão que se segue, encontra-se enquadrada no âmbito da unidade curricular

“Psicologia do Desenvolvimento I”- aula teórica. Na aula do dia 12 de Dezembro fomos

submetidos a uma experiência de observação de uma cebola. A observação procedeu-se em dois

momentos. Num primeiro momento observou-se por cerca de 15 minutos a cebola que cada um

dispunha e procurou-se descrevê-la. No segundo momento continuou-se a discrição mas

iluminados por dois textos, ambos reportando para a importância do hábito de uma observação

mais cuidada e detalhada.

Observar um cebola numa aula de psicologia... algo incomum

A observação é não só uma ferramenta necessária para o psicólogo como também deve

constituir uma maneira de posicionar-se perante a vida, perante si mesmo, os outros e à

reliadade que o cerca. Mas dai, obsevar uma cebola?... À partida, parece que isto não tem

analogia com a atitude contemplativa, crítica e reflexiva que o psicólogo precisa assumir.

Indo mais à fundo da dinâmica, entendi que mais do que observar, perceber e reflectir o

observado, a experinência desta dinâmica me remeteu para o desafio que a existência muitas

vezes nos coloca, me coloca: ver além das aparências, acreditar além do evidente, perscrutar a

essência das coisas além de toda a dinâmica utilitarista que nos cerca e marca o nosso dia a dia.

Observando a realidade, vejo como esta corre veloz e assume vários rostos. A guerra, a

violência, o medo, o conflito entre as nações, a luta pelo poder, o desprezo pelo outro, o

egoísmo, o erotismo, o fundamentalismo religioso, a busca de identidade que não integra a

dimensão do outro, as famílias fragmentadas, parecem ser as manchetes dos nossos dias.

Sombras que quase impõe-se como o único rosto da realidade total do mundo. Parece que por

vezes, aceitamos esses factos como “o rosto” da nossa relidade. Isso, sem falar de uma certa

propaganda dos “escândalos” e da “ditadura do bem estar” a todo o custo. Esta é a casca que

frequentemente observamos ou ignoramos e que outras poucas vezes ousamos jogar fora para

observar outra camada e quiçá outro rosto que fica escondido e que somente vem à tona quando

decidimos ir além de nós mesmos, quando decidimos levar em consideração outros parâmetros,

quando conseguimos olhar atentamente.

Page 2: A Experiência Dacebola

Iolanda Mendes de Oliveira

O outro rosto da nossa realidade, pode ser a partir desta outra perspectiva a realidade do bem que

há no ser humano, do bem que se faz, da significação que se busca... o outro rosto, pode ser a

ousadia dos que ariscam ir além. É o rosto da beleza do ser, do transcerder-se, da busca de

compreensão da natureza singular da nossa história contemporânea que parece ensaiar uma

“virada radical”... é o rosto daqueles que enfrentam o seu medo, que se deixam desafiar por

questões mais profundas e ainda nutrem a beleza de doar-se aos outros em meio ao processo de

se possuirem, do auto-conhecimento.

Sim, afinal a “experiência da cebola” na aula passada ultrapassa as minhas previsões,quase

sempre limitadas... afinal tudo gira além do tempo, onde as coisas e os eventos são apenas

sombras da realidade... a cebola me revelou o quanto o “homem mítico” habita em mim... viver

observando a imagem da realidade em vez da realidade. A cebola me fez ver que se calhar é

preciso “sair da caverna”, enfrentar o sol em vez de contentar-me com os raios, enfrentar a

cegueira temporária ou o processo de “acomodacão visual” constante. Por isso como diz um dos

textos que nos iluminou na aula, “os pobres são os que se limitam à casca das coisas, à aparência

da realidade, à pele do mundo”. E eu acrescentaria ainda que viver miseravelmente é fechar-se

num único nível de interpretação simbólica.