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Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC n. 09 jan./jun. 2007 13 A ESSÊNCIA ÉTICA DO DIREITO À INFORMAÇÃO PIETRO LORA ALARCÓN * Resumo: O presente artigo trata de uma reflexão sobre o direito constitucional à informação, observado na sua fundamentalidade material, e os postulados que, emanados da ética, constituem os pontos de referência necessários para pautar a notícia. De fato, a assimilação do conteúdo da informação conduz a um agir consciente do ser humano, mas, sem dúvida este não pode ser considerado um ente passivo, porque leva consigo uma idéia sobre aquilo que deve ser aprovado ou reprovado coletivamente, que se atrela às próprias finalidades que orientam a construção da sociedade. Assim, em jogo se encontram as noções do bom, do justo, da verdade, da veracidade, da credibilidade e do uso da linguagem e do contexto, questões que interessam sobremaneira ao mundo jurídico e, em particular, ao Direito Constitucional. Palavras-chave: Direito à informação, ética, verdade, credibilidade. Abstract: The following article brings a reflection about Constitutional law, the information observed in its material fundamentalism and the postulates that emanated in the ethics, constitute the necessary points of reference to register the information. In fact, the assimilation of the content, leads to a conscious act of the human being, but with no doubt, this human being can not be considered a passive one because it carries with oneself the idea about things that must be collectively approved or not, the one that links itself to the own aims that guide the construction of the society. So, the notion of the good, the fair, the truth, the veracity, the credibility, the use of the language and the context, questions that are extraordinarily interesting to the legal world, in particular, to the Constitutional law. Key words: Right to the information, ethics, truth, credibility. Introdução É cediço e indiscutível que dentre os direitos fundamentais do ser humano, o direito à informação adequada e veraz destaca-se com importância superlativa. Também é uma verdade inegável que os meios de comunicação constituem um dos fatores reais de poder de maior incidência no cenário do conjunto de opiniões que se geram na seara social. De fato, os pontos de vista adotados pelos co-associados nos domínios particulares da política, da religião e, em geral, das mais variadas esferas da vida, apresentam uma deliberada interferência da mídia na sua elaboração. Obviamente, os meios de comunicação jogam rol importante na formação das convicções do grupo social e nos julgamentos coletivos das condutas individuais. * Colombiano. Advogado formado pela Universidade Libre de Colômbia. Especializado em Ciência Política pela ESJAM de Havana-Cuba. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor da PUC/SP, da Faculdade de Direito de Bauru e da Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC).

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Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007 13

A ESSÊNCIA ÉTICA DO DIREITO À INFORMAÇÃO

PIETRO LORA ALARCÓN*

Resumo: O presente artigo trata de uma reflexão sobre o direito constitucional à informação, observado na sua fundamentalidade material, e os postulados que, emanados da ética, constituem os pontos de referência necessários para pautar a notícia. De fato, a assimilação do conteúdo da informação conduz a um agir consciente do ser humano, mas, sem dúvida este não pode ser considerado um ente passivo, porque leva consigo uma idéia sobre aquilo que deve ser aprovado ou reprovado coletivamente, que se atrela às próprias finalidades que orientam a construção da sociedade. Assim, em jogo se encontram as noções do bom, do justo, da verdade, da veracidade, da credibilidade e do uso da linguagem e do contexto, questões que interessam sobremaneira ao mundo jurídico e, em particular, ao Direito Constitucional.

Palavras-chave: Direito à informação, ética, verdade, credibilidade.

Abstract: The following article brings a reflection about Constitutional law, the information observed in its material fundamentalism and the postulates that emanated in the ethics, constitute the necessary points of reference to register the information. In fact, the assimilation of the content, leads to a conscious act of the human being, but with no doubt, this human being can not be considered a passive one because it carries with oneself the idea about things that must be collectively approved or not, the one that links itself to the own aims that guide the construction of the society. So, the notion of the good, the fair, the truth, the veracity, the credibility, the use of the language and the context, questions that are extraordinarily interesting to the legal world, in particular, to the Constitutional law.

Key words: Right to the information, ethics, truth, credibility.

Introdução

É cediço e indiscutível que dentre os direitos fundamentais do ser humano, o direito à

informação adequada e veraz destaca-se com importância superlativa.

Também é uma verdade inegável que os meios de comunicação constituem um dos

fatores reais de poder de maior incidência no cenário do conjunto de opiniões que se geram

na seara social. De fato, os pontos de vista adotados pelos co-associados nos domínios

particulares da política, da religião e, em geral, das mais variadas esferas da vida, apresentam

uma deliberada interferência da mídia na sua elaboração. Obviamente, os meios de

comunicação jogam rol importante na formação das convicções do grupo social e nos

julgamentos coletivos das condutas individuais.

* Colombiano. Advogado formado pela Universidade Libre de Colômbia. Especializado em Ciência Política pela

ESJAM de Havana-Cuba. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor da PUC/SP, da Faculdade de Direito de Bauru e da Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC).

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Essas constatações podem resultar perturbadoras para o Direito Constitucional, pois

todas elas apresentam uma conseqüência prática entrelaçada à edificação do Estado de

Direito. É de interesse lembrar que o Estado Constitucional contemporâneo é pautado pela

separação de funções, pelas idéias de participação, democracia e república, bem como pelos

ideais de efetividade dos direitos humanos.

Nesses termos, a aceitação cega daquilo que é veiculado como verdade —

particularmente quando a mensagem gira em torno de temas tão caros à humanidade, como a

guerra e a paz, o exercício do poder e os erros e acertos dos governos, a liberdade ou a

opressão, a estabilidade ou a convulsão social, a reforma ou a revolução dos sistemas

econômicos e políticos — pode conduzir a danos de consideráveis dimensões, pois essa

informação se dirige ao convencimento, projetando-se ao sujeito que emitirá um juízo de valor

e agirá conforme a ela.

Infere-se, por essa via, que o prejuízo pode ser ainda maior quando em lugar de difundir

o fato, guarda-se silêncio, impedindo a tomada de posição da coletividade, ou mesmo, quando

a transmissão é deficitária, aquém do requerimento cidadão de obter informações sobre

aquilo que interessa.

Longe estamos de imaginar que nas sociedades nacionais exista plenitude no que

respeita ao exercício da liberdade de expressão, pois é evidente que estamos diante de uma

delicada relação entre povo, governo e mídia. No entanto, o grau de legítima independência

com relação ao Estado que deve caracterizar a atividade jornalística aumenta, em idêntica

proporção, a responsabilidade do agente na emissão da informação, especialmente quanto à

veracidade e a ausência de qualquer interesse em falsear, recortar ou explorar a verdade em

benefício de algo que não seja a coletividade organizada.

Daí porque a relação entre ética e direito à informação afigure-se íntima. É que,

naturalmente, circunscrito aos limites objetivos que afetam a todo e qualquer direito

fundamental, o uso da liberdade de informar acrescenta as possibilidades objetivas de obter as

finalidades sociais de paz, segurança e bem-comum. Certamente, a lembrança histórica traz

momentos em que a atividade midiática constituiu-se em reserva moral e ética da sociedade.

Advirta-se que conectar a ética ao direito à informação supõe um vasto terreno de

hipóteses, todas elas de inegável importância. Não é uma pretensão abordar cada uma.

Aspiramos, modestamente, analisar alguns elementos da realidade, tentando sempre

estabelecer os pontos onde a ética e o direito à informação se tocam ou colidem, para, ao

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final, esforçar-nos por encontra uma saída que, admitamos, pode vir a ser extremamente

polêmica. Mesmo assim, são tempos difíceis, que não admitem uma neutralidade sem sentido;

tempos nos quais há que tomar partido, sem dúvida, em favor da verdade e da vida.

1. O direito à informação

1.1. Direito da Informação e direito à informação

De início, convém partir de questões muito singelas, que aos poucos podem ser

aprofundadas em favor de um raciocínio coerente e metódico. Diga-se, nessa intenção, que

focalizar o direito à informação supõe considerar, de imediato, a construção de mensagens

comunicativas para relatar fatos. Por outras palavras, imaginamos alguém que transmite idéias

e alguém que as recebe no pólo oposto. A perspectiva que se obtém deslocando-se de um

lugar, aquele que ocupa o transmissor, conduz à defesa da liberdade de expressar, de opinar

ou de manifestar idéias. Contudo, esse é apenas um ponto de vista a ser levado em conta.

Situando-nos no outro extremo, naquele que ocupa quem recebe a mensagem, emerge

um outro direito, que consiste em receber informações, e que, certamente, é correlato ao

direito inicial de manifestá-las.

Por essa via, de fato estamos no campo da comunicação. Agora, bem, a argúcia do

pesquisador leva a reconhecer que as relações humanas não são um segundo momento da

realidade ora informada, senão que essas relações são a realidade mesma, a que deve ser

convenientemente e adequadamente informada.

Vale à pena refletir um pouco sobre essa idéia: os homens formam uma comunidade

porque se comunicam efetivamente, isto é, porque podem participar reciprocamente de seus

modos de ser, que de tal maneira adquirem novos e imprevisíveis significados.1 Apesar da

noção de comunidade ser de difícil conceituação, a sociologia contemporânea indica a

distinção entre relações sociais localistas e relações sociais cosmopolitas, que conforme N.

Abbagnano, com apoio em R. K. Merton, “es uma distinción puramente descriptiva entre

comportamientos ligados a la C. restringida, en la cual se vive, y comportamientos orientados o

abiertos hacia uma sociedad mayor” 2.

1 ABBAGNAMO, Nicola. Diccionário de Filosofia. Verbete Comunicación. P. 186-187.

2 Verbete Comunidade. P. 188.

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Nesse compasso, pode-se observar que a interdependência cada vez maior de

realidades que poderíamos ingenuamente considerar como distintas em princípio tende a

conduzir os seres humanos a uma necessidade crescente de informações. Justifiquemos,

assim, que hoje o direito de informar e o de ser informado adquire sua completude final com o

direito à crítica, que corresponde a uma atividade especial do jornalista, e o direito a procurar

informações, o que elimina a atitude passiva, em certa medida, do sujeito que na

cotidianidade aguardava a chegada da informação.

Diga-se de passagem, embora não seja tão aceita em nossos dias a chamada teoria da

bala, segundo a qual qualquer mensagem da mídia todo-poderosa provoca impacto no

receptor3, que resulta incontestável a existência de efeitos produzidos pelo que se diz, ainda

que também pelo que não se diz. Importa detectar que o sujeito parece estar muito atento ao

que se oculta, e então procura se informar.

Apesar de que os assuntos referentes à profissionalização da atividade de informar e sua

normativização jurídica serão abordados um pouco mais adiante, há que presentemente

distinguir entre o Direito Constitucional da Informação, da liberdade de informação e do

direito à informação.

Deveras, por um lado, o Direito da Informação compreende uma multiplicidade

normativa cuja abordagem escaparia das pretensões modestas do presente trabalho. Por

exemplo, as normas jurídicas que se referem aos convênios que regulam os salários das

distintas categorias dos profissionais da informação constituem parte importante desse ramo

particular do Direito Constitucional. Trata-se, assim, de uma disciplina, que deve ser

convenientemente estudada.

Um outro sentido pode-se detectar no exercício da liberdade de informação, que se

refere ao exercício de informar. E um outro se infere do direito à informação, pois este supõe a

possibilidade de ser informado e de procurar informações.

As distinções não são irrelevantes, pois, como veremos, contribuem para ir delimitando

os espaços pelos quais a ética fará sua aparição. Perspicazmente Joaquín Urias manifesta que

não se trata apenas de modificar preposições, senão de conceitos diferentes, pois “el Derecho

de algo son las normas que regulan la materia en cuestión, pero un derecho a algo es la

facultad de hacerlo o obtenerlo”4.

3 BERTRAND,Jean-Claude. O Arsenal da Democracia. P. 19.

4 Ibid. P. 16.

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Sendo assim, o Direito da Informação é substancialmente diferente do direito à

informação. O Direito da Saúde, analogicamente, compreende todas as normas que regulam

inclusive a prestação do serviço, instalação de hospitais, e até os honorários médicos, mas o

direito à saúde é o direito fundamental, universalmente reconhecido, que toda pessoa possui

de acesso aos centros de saúde para preservar incólume sua vida. É uma projeção do direito à

vida.

Há, no entanto, que reconhecer a íntima relação entre Direito da Saúde e direito à

saúde, assim como do Direito de Informação e direito à informação, isso porque, de todo

modo, existe nos Estados contemporâneos uma previsão constitucional que os eleva dentro da

hierarquia normativa a um patamar mais do que especial, posto que são fundamento de

validade de outras normas, consideradas inferiores, e, ainda, cabe manifestar que constituem

limites a uma atividade, no caso da informação, que desregulada, e tendo em vista os avanços

da tecnologia em matéria de comunicações e a concentração dos meios em redes poderosas

de informação, poderia ocasionar uma certa unilateralidade da notícia, gerindo as bases da

reflexão dos sujeitos observados em um plano universal.

De todo modo, convém ressaltar a força das constituições que se projetam à realidade,

embora suas normas tenham muitas vezes um conteúdo genérico e plasmem a idéia de que

pertencem ao campo do que se requer, ou seja, do necessário para que um Estado funcione

harmonicamente.

Claro que elas contêm, simultaneamente, uma certa pretensão de efetividade de valores

emanados da coletividade, que em exercício de nobre profissão podem, em alguns casos, estar

em risco. A interpretação acertada do texto constitucional soluciona não poucos problemas de

invasão de intimidade, vida privada ou de afirmações sem compromisso com a verdade.

Reside, sem dúvida, nessas situações, uma discussão nas fronteiras da ética.

1.2. A fundamentalidade do direito à informação e as decorrências dessa característica no plano da ética

A sempre difícil relação histórica entre Estado e indivíduos é resolvida no panorama

normativo constitucional distinguindo os denominados direitos fundamentais. Essa

qualificação de fundamentabilidade, que oferece a idéia de elemento fundante, de base sólida,

decorre não apenas de estarem constitucionalizados, mas de confundir-se com uma

determinada valoração sobre como deve ser o relacionamento entre os seres humanos e o

que deve ser resguardado da prepotência estatal.

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Por essa linha de raciocínio é possível diferenciar o direito à informação como algo que

legitima o regime político, ou seja, que possui uma importância superlativa por ser

materialmente fundamental, sendo um suporte para a convivência democrática, e o direito à

informação constitucionalizado, inserido em uma constituição, constante, então, no direito

positivo, ou, como alguns preferem, formalmente constitucional.

Sobre o ponto em tela, adverte sabiamente Gomes Canotilho:

a positivação constitucional não significa que os direitos fundamentais deixem de ser elementos constitutivos da legitimidade constitucional, e, por conseguinte, elementos legitimativo-fundamentais da própria ordem jurídico-constitucional positiva, nem que a simples positivação jurídico-constitucional os torne, só por si, realidades jurídico-efectivas (ex. catálogo de direitos fundamentais em constituições meramente semânticas).

5

Obviamente que a consagração nos textos constitucionais não somente do direito à

informação, senão de qualquer direito fundamental, oferece a vantagem da aplicação das

técnicas de fiscalização de constitucionalidade, resultando, então, um controle da atividade

legislativa e, em geral, da atividade de todos os órgãos públicos que eventualmente possam vir

a atentar contra o direito positivado. Ainda que, nem por isso, possamos afirmar que no

Direito Constitucional de tradição histórica, não codificada, seja possível inferir ausência de

efetividade ou que a efetividade na tradição positivada seja automática.

Pois bem, a alternativa da fundamentalidade, da defesa de uma característica que

irradia do direito à informação e que faz que seja considerado pela sua matéria um alicerce da

ordem das ações humanas e conseqüentemente da ordem jurídica, supõe distinguir um

transfundo importante: a liberdade de manifestação do pensamento.

De fato, pensar é uma atividade íntima e sobre a qual não há força humana que possa

interferir. Mas expressar o pensamento é um outro fenômeno, pois consiste em revelar e

promover diante dos outros seres humanos aquilo que se pensa.

Destarte, tornar manifesto o pensamento é o complemento necessário para pensá-lo,

pois a transmissão do pensamento realiza algo que somente o pensar não consegue, o passo

da transformação. A verdade é que as expressões libertam, promovem, engendram um

movimento capaz de modificar a realidade.

5 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. P. 376.

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Além disso, como manifesta Polo Sabau, a liberdade de exteriorização das crenças é a

que pode juridicamente tutelar-se em diversos âmbitos da atividade humana, pela via do

reconhecimento de diversas concretizações e especializações da mesma.6

Dessa maneira, a liberdade natural de pensar se exterioriza e atinge vários planos, o

religioso, o político, o científico ou o da comunicação de massas ou expansão através de meios

de comunicação dirigidos a milhares de pessoas. É comum a esses fenômenos o tratamento

pelo Direito, isso significa que todas essas manifestações são reguladas juridicamente, e que

até o próprio Direito é uma exteriorização de pensamentos sobre a maneira de organização da

comunidade organizada através de normas. Por isso, o fenômeno jurídico é uma construção

coletiva que assume variadas formas, por isso não é uma entidade absoluta, mas relativa,

susceptível de aperfeiçoamento no tempo e de múltiplas formulações conforme o contexto

em que surja.

Do pensamento é possível passar a uma outra questão, a expressão, o que indica a

evidência do pensamento por inúmeras formas, e então, daí, na seqüência, é possível

desentranhar a informação. Com efeito, informar supõe expressar pensamentos. Entretanto,

as diferenças, embora sutis, entre a liberdade de expressão e a de informação, devem ser

expostas claramente, pois a expressão consiste na exposição do pensamento de quem

manifesta aquilo que se expõe, enquanto que a informação tem o intuito de gerar uma

opinião, ou seja, uma multiplicidade de pensamentos naqueles que a escutam.7

Antes de avançar no raciocínio é bom sedimentar que se no epicentro do direito à

informação encontramos a liberdade de manifestação do pensamento como motor e condição

da sua efetividade, podemos reivindicar para ele um mandamento ético que poderia escapar

da orientação do constituinte, mas que, de qualquer forma, se confundiria com a própria

natureza humana.

Evidente que o direito de manifestar o pensamento é um valor humano do qual devem

desfrutar todos apenas pelo fato de ter o atributo da humanidade. Observe-se que,

regularmente, existe uma relação entre a legitimidade ética do regime político e a capacidade

do povo de manifestar livremente seu pensamento, ainda que também essa relação seja

bastante acidentada.

6 Libertad de Expresión y derecho de acceso a los medios de comunicación. P. 21.

7 Em interessante pesquisa, Ana Lúcia Menezes Vieira trata das diferenças entre a liberdade de manifestação e

expressão do pensamento e a liberdade de informação. Consulte-se sua obra Processo Penal e Mídia. P. 23-25.

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Perceba-se, então, que a fundamentalidade de um direito não decorre apenas da sua

consagração constitucional, mas de uma certa materialidade ou conteúdo teleológico, ligado a

uma filosofia de valores e a uma transcendência social que faz dele merecedor de uma

atenção especial em termos da construção jurídica.

Nesse sentido, e na tentativa de aproximar o direito à informação da ética na

informação parece-nos importante declarar, verticalmente, que o direito à informação, ou

seja, o direito de ser informado e procurar informações, é um direito fundamental, e não é

somente porque nos Estatutos Constitucionais assim possa estar estabelecido, mas porque

dele decorre algo que ultrapassa essa formalidade, isto é, a potencialidade de participação

consciente do indivíduo no seu entorno.

Tal assertiva pode ser identificada quando se observa que dentre os indicadores de

conduta eleitos correntemente para definir a intervenção pessoal nos processos políticos

aparece, ao lado da filiação e a assistência a atos políticos, a transmissão e recepção de

informações que introduzem alternativas de ação e decisão política ou se opõem,

eventualmente, à execução de outras tantas opções.8 Destarte, os meios de comunicação e o

caráter e sentido da informação condicionam as decisões e o curso da política como atividades

a seres exercidas por aquele que se encontra no poder do Estado e aquele que o procura

atingir.

É claro que não se pode afirmar com veemência que o sujeito que recebe a informação

seja um instrumento não pensante, um objeto concebido apenas como receptor. A verdade é

que existe um imaginário coletivo sobre a sociedade desejável, o que supõe entender um

conjunto relativamente relacionado e hierarquizado de crenças que se referem a processos e

comportamentos situacionais em cada ser humano.9

Há, sem dúvida, na contemporaneidade, um choque entre uma orientação valorativa

que podemos considerar cada vez mais universal, que condena a violência como mecanismo

de solução de conflitos e propugna pela ausência da discriminação negativa, que rejeita as

ameaças ou violações aos direitos humanos, e uma realidade que, obviamente, é capturada e

reproduzida pela imprensa. Esse sentido converte a cada ser humano em um receptor ativo da

notícia, que critica, assume e se posiciona conforme ela.

8 Veja-se a LANGTON; SCURRAH; FRANCO. Personalidad, Poder y Participación. P. 165.

9 Ibid. P. 171.

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Nessa trilha, e ao tratar da reprodução pela mídia das imagens do mundo, uma outra

questão emerge — igualmente importante quando se define o direito à informação e que

constitui peça a ser levada em conta em toda a análise que leve a ética jornalística como pano

de fundo —, que consiste na procedência da informação e o caráter do discurso informativo,

tema explorado em nosso meio pela pesquisadora M. Steinberger, que, referindo-se aos

noticiários internacionais, mostra como o poder midiático institui discursos geopolíticos e

contribui decisivamente para constituir um imaginário social que, em última análise, ira

alimentar a própria elaboração teórico-científica no campo das Relações Internacionais.10

Assim, a fundamentalidade do direito à informação implica reconhecer um âmbito

discursivo que deverá ser estudado para se detectar os elementos que nele se reproduzem e

que guardam relação com o compromisso ético que a humanidade reclama em delicados

momentos de decisão política na ordem internacional. Bem por isso dedicaremos um ponto

especial em nossas breves considerações a esse aspecto.

Contudo, não é apenas a dimensão discursiva a que decorre dessa peculiar característica

do direito em pauta, pois outras questões devem ser deduzidas. Veja-se como um segundo

assunto adquire relevância para qualquer pesquisa, que poderia ser considerada, a princípio,

uma questão de metodologia, mas que, com certeza, para além da definição do setor da

pesquisa, se mistura com o compromisso ético de quem transmite informações a quem longe

se encontra do local onde acontecem os fatos, que desde logo se mistura com um padrão

universal de leitura dos direitos fundamentais, e que, ao final, indica a chance de compreender

manifestações culturais diversas, modelos de regimes políticos diversos, manifestações

religiosas variadas, que, embora possam ser desqualificadas pelo chamado padrão ocidental

de conhecimento, devem ser apresentadas como parte da riqueza da civilização universal.

Trata-se de que a eficácia dos direitos fundamentais encontra na diversidade de

espaços, na modificação do entorno natural pelo ser humano, na identificação dos distintos

códigos culturais, uma restrição que merece o tratamento adequado de quem transmite a

informação. Naturalmente que o direito à crítica que acompanha o trabalho do jornalista é

essencial, mas, se não é possível esquecer que o jornalista é um ser humano, e como tal,

sujeito ideologizado e com manifestações que não o colocam no plano da neutralidade,

também não é possível desdenhar o compromisso com a ética do respeito pelo próximo.

10

Consulte-se a obra Discursos Geopolíticos da Mídia. P. 69.

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Levando em conta a estatura que o direito à informação alcançou hoje, e em momentos

em que a notícia internacional vem, praticamente, pronta e pautada pelas grandes redes

localizadas nos Estados que ostentam o domínio sobre o relato dos fatos que se sucedem em

qualquer canto do mundo, nossa opção pela ética não permite um enfoque, pelo menos nesta

primeira parte da nossa análise, particularizado aos domínios brasileiros, ainda que nele

existam inúmeras questões a desvendar.

Por fim, uma questão deve ser levantada, parece-nos que a defesa da ética na

informação está firmemente enraizada a um terreno ético que emana da intencionalidade

constitucional. Por outras palavras, as constituições possuem, como reflexo dos avanços de

uma perspectiva progressista quanto à natureza e efetividade dos direitos fundamentais, um

suporte ético, no qual as finalidades do Estado se fundem com as da sociedade, para que a

leitura da norma seja um convite à procura de fórmulas de implantação do seu conteúdo

favorável à reprodução do tecido social. O direito à informação deve, então, pautar-se na sua

aplicabilidade por esse suporte ético, que, indubitavelmente, se localiza nos princípios

constitucionais e se espalha pelo conjunto normativo.

Não há como não ignorar essa relação — direito à informação e princípios

constitucionais — porque daí emana a orientação geral em matéria ideológica, tanto para

iluminar a via da hermenêutica adequada em momentos de perplexidade pelo confronto

eventual de direitos fundamentais — dentre outros —, como para conduzir a ação do Estado a

decisões para o bem-comum. Daí que constituam um núcleo imodificável dentro do sistema.

Em suma, detecta-se na Constituição contemporânea uma base ética, por sobre a qual

se afirma uma estrutura estatal orientada principiologicamente, com uma finalidade

predefinida, que não apenas se dirige a outorgar uma harmonia necessária ao funcionamento

do sistema, senão que neutraliza a ação dirigida à mera satisfação do interesse individual e

impõe o dever de pensar no benéfico para a coletividade.

Vale ressaltar que o fundamento ético da ordem jurídica que se desenvolve a partir dos

postulados constitucionais nos Estados contemporâneos continua a ser a organização

existencial do homem. Essa é, precisamente, a razão de ser do Estado. Por outras palavras,

todo o Direito, como ciência cultural, tem sentido se justificado eticamente. Essa afirmação

não pode ser abandonada nos raciocínios que atendam o conteúdo de qualquer dos direitos

fundamentais.

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Se ainda pairam dúvidas, convém realizar uma leitura do artigo 3° da Constituição

Federal brasileira, que, inserido no Título I, Dos Princípios Fundamentais, ilustra a sociedade

desejável, livre, justa e solidária, sem pobreza nem marginalização, com redução das

desigualdades, desenvolvida e com promoção do bem de todos. Esse formato leva no seu

interior um ideal de justiça que, como veremos posteriormente, apresenta um conteúdo ético

que dá cobertura a um leque de normas que marcam a ação do Estado e dos particulares.

Mas, já estamos praticamente adentrando na Constituição de 1988, sugerimos, então,

prosseguir com a análise do direito à informação no interior da norma suprema.

1.3 O direito à informação na Constituição de 1988

Os problemas referentes ao direito à informação estabelecido no Texto Constitucional

de 1988, que, como já identificamos, apresenta um suporte ético localizado nas normas de

cunho principiológico, são nossa preocupação imediata.

Acontece que no panorama constitucional se contemplam variadas referencias ao

direito à informação, como no artigo 5º, LXIII, onde se estabelece que “o preso será informado

de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da

família e do advogado”. Aqui, obviamente, trata-se de um certo tipo de informação que se

completa pela comunicação do fato de maneira direta, em cumprimento do mandato

constitucional. Também é possível encontrar outra menção à informação nos incisos XXXIII e

LXXII do mesmo artigo, quando se estabelece o dever de informar dos órgãos públicos e se

formula o remédio constitucional habeas data.

Apesar dessas alusões do constituinte, que são deveras importantes, nossa pesquisa

tocará exclusivamente o direito à informação jornalística, aquela transmitida pelos jornais e

outros meios de comunicação massiva. A opção delimita e permite aprofundar idéias em torno

de um direito em particular, impedindo a dispersão e a debandada por caminhos e áreas

diversas, que não traria resultados positivos.

Parece-nos que o direito à informação é um direito autônomo, independente do direito

de informar, ainda que unido a ele intrinsecamente, e que tem como requisito para sua

completude a idéia de veracidade. Essa autonomia se desprende da colocação que

encontramos no artigo 5°, XIV.

“É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando

necessário ao exercício profissional.”

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Veja-se que a expressão acesso à informação encontra-se atrelada à titularidade de

todos. O sigilo da fonte é resguardado quando necessário para o exercício de uma atividade

cujo objetivo é precisamente informar àquele que possui o direito de ser informado, ou seja, a

atividade do jornalista.

Por sua vez, o direito de transmitir informações se encontra regulado em norma

consagrada no capítulo V, Da Comunicação Social, do Título VIII da Constituição, denominado

Da Ordem Social, e reza:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão nenhuma restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Par. 1° - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5°, IV, V, X, XIII e XIV.

Par. 2° - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

(...)

Par. 5° - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente ser objeto de monopólio ou oligopólio.

Par. 6° - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de

licença de autoridade.”11

Naturalmente, detectar a natureza jurídica do direito à informação jornalística requer

uma reflexão sistemática da Constituição, pensada, então, como um todo integrado, no qual as

normas constitucionais iniciam o desenho geral de uma liberdade ou direito fundamental e,

posteriormente, com precisão, determinam as particularidades de uma outra liberdade ou

direito fundamental que pode emergir da primeira.

Daí, Luis Eduardo Barroso anotar, com apoio de Murphy, Flemig e Harris, que:

Uma norma constitucional, vista isoladamente, pode fazer pouco sentido ou mesmo estar em contradição com outra. Não é possível compreender integralmente alguma coisa — seja um texto legal, uma história ou uma composição — sem entender suas partes, assim como não é possível entender as partes de alguma coisa sem a compreensão do todo. A visão

estrutural, a perspectiva do sistema, é vital. 12

11

Deliberadamente não transcrevemos os parágrafos 3° e 4° do artigo 220 porque não tratam diretamente do tema que concentra a nossa atenção no presente artigo. O parágrafo 3° determina a competência para que o Congresso Nacional regule através de lei federal as diversões e espetáculos públicos e estabeleçam os mecanismos de defesa para as pessoas ou as famílias eventualmente afetadas pela programação de rádio e televisão que contrarie os postulados do artigo 221, ou por propagandas perigosas. O parágrafo 4° estabelece a necessidade de restrições legais à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. 12

Interpretação e Aplicação da Constituição. P. 127.

A ESSÊNCIA ÉTICA DO DIREITO À INFORMAÇÃO

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Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007 25

Observe-se o que acontece em particular com o direito fundamental de informação

jornalística, que se encontra evidentemente consagrado no artigo 220, mas cujas raízes se

localizam no artigo 5º, IV e IX, no qual o constituinte primário cuida da liberdade de

manifestação do pensamento, nos termos seguintes: “É livre a manifestação do pensamento,

sendo vedado o anonimato”, e da liberdade de expressão, da seguinte maneira: “É livre a

expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente

de censura ou licença”.

Sempre é bom lembrar quando se trata da interpretação dos direitos fundamentais que

na origem, e subjacente a eles, existe o primado da liberdade, que se opõe ao poder do

Estado. Nessa fórmula vence historicamente o indivíduo, que ora reduz o papel do Estado a

ente que não interfere no exercício da sua liberdade, ora o agiganta e outorga a ele o rol de

prestador de serviços sociais imprescindíveis para gerar um padrão de dignidade à existência

humana.

Nessa antítese histórica, como ensina Gomes Canotilho, os direitos fundamentais

cumprem sua função de direitos de defesa dentro do ordenamento jurídico sob uma dupla

perspectiva: a primeira, a de proibir a ingerência dos poderes públicos na esfera individual

(perspectiva jurídico-objetiva e liberdade negativa) e a segunda, a de poder exercer

positivamente direitos fundamentais e de exigir omissões dos poderes públicos evitando assim

agressões lesivas por parte dos mesmos (perspectiva jurídico- subjetiva e liberdade positiva).13

Dessa maneira, podemos interpretar que quando a constituição manifesta, no artigo 5º,

IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”, e

então, garante o direito de divulgar o pensamento como manifestação do intelecto através da

arte, bem como a divulgação do conhecimento científico e a de comunicar ou transmitir

notícias, nos encontramos diante de uma liberdade positiva, ou seja, de uma perspectiva

subjetiva. Em jogo está, até esse ponto, a prática da liberdade humana. Pela mesma

interpretação chega-se à idéia de que, quando complementa o constituinte o artigo 5, IX,

dizendo “(...) independentemente de censura ou licença” estamos diante de uma perspectiva

objetiva, que impede aos poderes públicos de impor as restrições assinaladas.

Para o jornalista, quando a interpretação sistemática da Constituição nos remete ao

parágrafo primeiro do artigo 220, e dentro de uma perspectiva jurídico-subjetiva, existe a

garantia de que o Estado, através da lei, não poderá embaraçar a liberdade de obter a

13

CANOTILHO, J. J. G. Ob, Cit. P. 405.

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26 Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007

informação e noticiá-la. Apenas restringe o uso dessa liberdade, de maneira mais do que

razoável, quando veda o anonimato ou confronta a atividade jornalística com os bens

tutelados no inciso X do artigo 5°, a saber: intimidade, vida privada, honra e imagem.

Agora, bem, quando examinamos o direito à informação, parece viável afirmar que

quando o constituinte determina que é assegurado a todos o acesso à informação estamos

diante das perspectivas que proíbem a colocação de empecilhos à circulação e afluência da

notícia, ou seja, manifesta-se que os indivíduos têm direito à possibilidade de alcançar a

informação, de realizar comportamentos destinados a obter informações.

O que acontece é que a interpretação não pode concluir no direito a informar, pois que

do outro lado do jornalista se encontra quem recebe a notícia, que pretende fazer valer seu

direito à informação, e nele co-existem os direitos de obter a notícia pelo meio que transmite

o jornalista, e de que ela seja adequada a sua expectativa regular de informação, aquela que se

obtém do exame do senso informativo da coletividade. Por outras palavras, tem direito a

conhecer a informação sem que deliberadamente se oculte aquilo que seja necessário para

forjar um juízo equilibrado e o mais próximo da verdade, sem a interferência de fatores de

poder, como o próprio Estado ou o oligopólio ou monopólio da entidade que transmite a

notícia.

É verdade que a Constituição Federal de 1988 não traz nenhuma menção à necessidade

de qualificar o direito à informação como direito à informação verdadeira. No entanto, poder-

se-ia sustentar que o constituinte pretendeu, quando da configuração do direito à informação,

salvaguardar a informação falsa? O conjunto normativo principiológico da Constituição, a idéia

de justiça que nela se alberga não permitiria, sob nenhuma hipótese, chegar a uma conclusão

que fosse positiva perante a interrogante. Uma dimensão apenas formal do direito à

informação cede diante de uma outra, substancial, atrelada à qualidade e veracidade da

informação.

É fácil deduzir que no âmago desse direito detecta-se uma questão fortemente atrelada

à ética: a veracidade da informação. Contudo, este é apenas o primeiro de muitos assuntos

que devem ser tratados no terreno da ética e muito especialmente na ética das virtudes. Por

isso, e com cautela, ingressaremos, após ter delimitado o direito em tela na Constituição

Federal, no campo da ética, tentando assim conhecer uma certa virtude analisada por uma das

vertentes da teoria moral, a da ação justa, o que pode trazer algumas questões de interesse

para desentranhar o conteúdo do direito à informação.

A ESSÊNCIA ÉTICA DO DIREITO À INFORMAÇÃO

PIETRO LORA ALARCÓN

Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007 27

2. Ética e direito à informação

2.1 Uma noção de ética

Especialmente nas duas últimas décadas, a ética vem sendo amplamente discutida na

perspectiva de sistematizar um conjunto de representações imaginárias sobre aquilo que se

aguarda dos diversos atores sociais nos mais diversos terrenos da sua existência.

Constatando essa realidade, Bernard Williams lembra que à medida que elas se

interessam essencialmente pelas conseqüências, pelos direitos ou pelas virtudes, podemos

distinguir três tipos de teorias morais, utilizando como critério o sobre que repousa o valor

moral.

Na primeira categoria de teorias, é sobre as situações desejáveis; na segunda, sobre a ação justa; quanto à terceira, ela insiste, sobretudo, na idéia de pessoa boa ou personalidade moral, ou seja, a idéia de uma pessoa que se poderia igualmente descrever como moralmente digna de

admiração.14

Assim, impende deixar claro que em pauta se encontram as noções de bem e mal, justo

e injusto, daquele conjunto de critérios teleológicos básicos utilizados pelos seres humanos

para admitir pelo hábito ou pela assimilação de uma crença o que deve ser aprovado ou

reprovado coletivamente. Parece-nos que em um dos domínios da ética, talvez o mais

pertinente para ser explorado em nosso trabalho, se encontra a relação do ser humano com os

costumes através de um ponto de referência moral ou valorativo que o faz, por esse prisma,

qualificar a conduta.

Entretanto, poder-se-á argüir que estamos a falar de moral, e não de ética. A verdade é

que é possível assumir e cumular tais idéias. Sobre esse aspecto, uma reflexão interessante é

exposta por Paul Ricoeur:

Proponho tomar o conceito de moral como conceito fixo de referência e atribuir-lhe uma dupla função, a de designar, por um lado, a área das normas, ou seja, dos princípios do permitido e do proibido, e, por outro, o sentimento de obrigação como face subjetiva da relação de um sujeito com

as normas .15

Convidando a uma leitura da ética nessa trilha, Ricoeur tenta demonstrar que temos

necessidade de um conceito clivado, cindido, disperso de ética,

14

Virtudes e Vícios. As virtudes e a teoria. In: Dicionário de Ética e Filosofia Moral. P. 769-773. 15

Ética. Da moral á ética e às éticas. In: Dicionário de Ética e Filosofia Moral. Pp. 591-595.

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28 Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007

a ética anterior, apontando para o enraizamento das normas na vida e no desejo, a ética posterior, visando a inserir as normas em situações concretas. A essa tese principal juntarei uma tese complementar, a saber, que a única maneira de tomar posse do anterior das normas visado pela ética anterior é mostrar seus conteúdos no plano da sabedoria prática, que

não é senão o da ética posterior.16

Destarte, a questão ética supõe tecer um raciocínio além das normas gerais para as

normas que se referem a pontos concretos da atuação do ser humano, uma ética, por

exemplo, no campo do direito, uma ética médica, uma ética na política. É claro que nos

deteremos, como temos anunciado, na ética jornalística, ligada ao direito à informação.

Portanto, sem maiores delongas, iremos direto ao ponto.

2.2. Os problemas inerentes à relação entre ética e direito à informação

2.2.1. O problema da informação veraz e da procura pela verdade

Vamos, no começo, recordar algumas idéias expostas no primeiro segmento do nosso

trabalho.

Diga-se que, em outro item, saltaram à vista as características do direito à informação.

Surgiram o direito a receber informações e, concomitantemente, o direito a veicular a

informação. E concluímos que nas entrelinhas da situação correlata existe uma idéia de

veracidade. Por outras palavras, o constituinte presume e protege a informação veraz.

Isso porque uma interpretação razoável e acorde com a finalidade trazida pelo artigo 3°

do Texto Maior, bem como sobre por que o constituinte salvaguardaria esse direito, conduziria

ao reconhecimento da sua transcendência social.

Visto dessa maneira, o direito à informação se manifesta em uma perspectiva que

supera a apreensão individual da notícia e supõe uma assimilação coletiva, que se manifesta

pela simultaneidade de opiniões diante de um fato relatado pelo veículo de comunicação, e

que pode conduzir a um agir também necessariamente coletivo, cujo sentido é a rejeição ou a

aceitação do noticiado. Em todo caso, as conseqüências desse agir para a vida pública e para a

construção ou deterioro do tecido social são imagináveis quanto a sua magnitude.

Coloquemos um exemplo concreto que permita distinguir o fenômeno. Já é certamente

costumeiro argüir que o sistema democrático e a forma de governo republicana somente

16

Ibidem. P. 591.

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Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007 29

funcionam através do fluxo de informações que ostentem a característica da veracidade. A

questão da ética, a república e a informação se entrecruzam de tal maneira que o quadro

constitucional dos Estados é absolutamente incompatível com a surpresa, como lembrava

Geraldo Ataliba. Porque a atuação do legislador é pública,

seu trabalho é necessariamente público e desenvolvido em clima de debate. Os negócios do Estado são públicos (se fazem abertamente, à vista do público), salvo raras exceções, expressamente previstas em lei. A imprensa livre — condição necessária ao funcionamento do sistema (como viabilizadora do direito à informação) — serve de veículo aos mecanismos

de fiscalização do governo pelo povo.17

Detecte-se que, então, a falsidade da notícia quanto à gestão pública de um

determinado mandatário popular, ou a veiculação pela mera suposição de algo que tem

aparência de verdade, mas que não obedece a uma diligência profissional, ou, pior ainda,

quando é o fruto de uma certa intencionalidade marcada pelo interesse diverso de noticiar,

como o de provocar uma virada na estatística das intenções de voto, gera uma ação política à

margem da realidade, fora do contexto. A república é, em últimas, vítima da manipulação, o

que certamente ocasiona um desfavor à democracia e às finalidades constitucionais.

Daí que a veracidade da informação seja um dos elementos mais questionados em

termos de ética, assim como a atitude do jornalista. Lembre-se que na ética das virtudes, e

acompanhando a idéia de B. Williams, as teorias conseqüencialistas e as filosofias dos direitos

sistematizam as regras da ação do ser humano, ajudando a estabelecer o que é preciso fazer

ou preconizar fazer nesse ou naquele caso. O jornalista opta, e seu raciocínio e juízo crítico

recebem a forte influência das circunstancias.

Por essa via novamente se apresenta algo que já tínhamos esboçado e que volta à tona

forçosamente. Trata-se da questão ideológica.

Tivemos em outro capítulo oportunidade de manifestar que as constituições

democráticas designam claramente a proteção da liberdade de manifestação do pensamento

— como faz a Carta brasileira de 1988 no seu artigo 5°, IV — e que ela é uma condição

necessária para o direito de informação. Registre-se que a liberdade de pensar, ainda que esta

seja uma atividade tão íntima e sobre a qual não existam condições de regulação jurídica,

posto que o pensamento foge ao controle dos seres humanos, implica uma exteriorização do

17

República e Constituição. P. 171.

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30 Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007

pensamento, reproduzindo uma reflexão em tempo e espaço e, freqüentemente, um

entendimento singular dos fenômenos, uma certa ideologia.

Ainda que sobre o conceito de ideologia possam ser oferecidas várias visões, observe-se

como na Espanha a Constituição designa a liberdade de pensamento ou ideológica. O Tribunal

Constitucional concede destaque à mesma, colocando-a junto à dignidade da pessoa humana,

dentre os elementos que dão suporte a outras liberdades e direitos fundamentais.18

A relevante questão da ideologia permite vislumbrar o horizonte da ética porque, na

prática, nenhuma reportagem é neutral. A propósito, cabem algumas considerações sobre a

teoria que com esse nome é sustentada pelo Tribunal Constitucional espanhol — a reportagem

neutral —, e que, como salienta Joaquín Urias, é formalmente contraditória com a maioria das

teorias do jornalismo, segundo a qual é neutra a reportagem na qual o informador limita-se a

reproduzir declarações de outros sujeitos, sem incluir conclusões nem hipóteses.19

Obviamente esta regra não pode ser levada em conta de maneira absoluta, posto que existem

declarações que embora não sejam do jornalista, de todo modo, apenas com a sua publicação,

podem ocasionar um dano concreto à coletividade, difundindo o pânico, o terror sem

justificativa, desinformando.

Deve-se mencionar que na procura pela auto-afirmação e diante das forças da natureza

o homem leva historicamente a sério sua pesquisa para descobrir a verdade dos fatos. Lembra

Meyes Greene:

Somos feitos de tal modo que nos sentimos fascinados pelo mundo que nos cerca, e causa-nos prazer intrínseco conhecer tudo o que possamos conhecer sobre ele. A principal razão da preocupação do homem pela verdade, contudo, é de ordem mais prática. A verdadeira percepção das coisas constitui o processo mais eficaz de se adaptar a elas e poder controlá-

las para seu próprio bem-estar.20

Essa busca incessante pela verdade é considerada uma luta inglória, impossível quando

se confrontam verdade e veracidade, termos que não possuem o mesmo significado. A

dificuldade é: a verdade pode ser encontrada?

Conforme analisa J. Urias:

18

O Tribunal Constitucional Espanhol se refere ao artigo 20 da Constituição Espanhola, que consagra as liberdades de expressão e informação nos termos seguintes: “por una parte se configura la libertad de pensamiento o ideológica, libertad de expresión o de opinión, mientras por outra parte se construye el derecho de información en una doble dirección, comunicarla y recibirla” (STC 223/1992. 14.12.1, FJ 1º). 19

Ob. Cit. P. 104-106. 20

Liberalismo – Teoria e Prática. São Paulo: Ibrasa. 1957. P. 32.

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El concepto de verdad en cuanto existencia real de las cosas, no es más que una idea ontológica razonable y, desde luego, sin posible transcendencia jurídica. La verdad no es una realidad sino un objetivo. No es algo que exista y se pueda aprehender; es esencialmente un destino, una búsqueda. Por ello la verdad nunca se halla, aunque el ideal de verdad sirve como método convencional de análisis da realidad (...) el concepto de veracidad no se determina, en principio, por el grado de parecido entre el resultado informativo final y una realidad más o menos objetivable. Al contrario, el núcleo del concepto de veracidad alude – básicamente – al grado de

profesionalidad y diligencia del autor de la información.21

É lógico pensar que, de todas as formas possíveis e aceitando-se essa distinção, o grau

de veracidade de uma informação terá algo a ver finalmente com aquilo que realmente

aconteceu. Por isso, J. Urias assinala como mecanismos de aferição da veracidade, por um

lado, a diligência profissional, que exclui a apresentação como notícia do que seja considerado

mero rumor, bem como a constatação de que efetivamente atendeu a fontes distintas, o que

reconhece a urgência da informação e o modo de trabalhar do meio jornalístico; por outro

lado, a confiabilidade da fonte, que implica reconhecer as fontes “oficiais”, como a polícia, por

exemplo, ou as Forças Armadas, ou a Secretaria de Imprensa da Presidência da República, que

reduzem a obrigação de contrastar a informação com outras fontes, e de fontes “não oficiais”,

que devem ser submetidas a alguns testes de fidelidade que consistem em procurar outras

possíveis versões sobre o mesmo fato.22

Com isso, presume-se que a ética paute a atuação do jornalista. Sem embargo, para

quem recebe a informação, a situação afigura-se em sentido inverso, pois a confiança no meio

de comunicação é essencial para o exercício do seu direito, e constitui uma transmissão da

possível confiança do meio do jornalista na fonte que consulta, seja oficial ou não, à qual ele

próprio não tem acesso direto.

Vejamos isso com maior clareza: não fere a ética o jornalista, ou o meio de comunicação

de massas, que reproduz, tendo à vista as informações obtidas de uma fonte oficial, como por

exemplo, o Departamento de Estado dos Estados Unidos, que expressam que em determinado

Estado do mundo existem armas de poderoso alcance e efetividade e que se realizam

atividades militares que violentam tratados internacionais, colocando em risco a sobrevivência

dos seres humanos que povoam o planeta. Mas se fere a ética quando sabendo o impacto que

essa informação poderia causar, não se contrasta com outras fontes oficiais de outros Estados,

ou quando, contrastando-se, não se transmitem, ou não se lhes outorga a devida importância,

21

Ob. Cit. P. 98-101. 22

Ibid. P. 102-103.

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32 Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007

ou ainda, quando embora se tenha acesso à informação do Estado acusado, esta não se

reproduz, ou se reproduz sem a proporção necessária, ou simplesmente se oculta.

Nesse raciocínio existem dois elementos interessantes. O primeiro deles: o conceito de

verdade somente pode ser um, pois não existem duas verdades sobre o mesmo fato ou

situação. Verdade é, assim, correspondência com a realidade. O segundo é que a aferição da

verdade somente pode ser o resultado de uma atividade prática, envolve a prática humana.

Destarte, toda realidade pode apresentar uma aparência de verdade, uma forma

imediata. Contudo, a ética propõe ao jornalista não somente, como sustenta, data máxima

vênia, o professor Urias, a descrição do imediato, mas a procura pela essência para o qual a

aparência é apenas um ponto de partida metodológico.

Certamente que estamos atribuindo à informação, e particularmente ao jornalista, um

domínio sobre a realidade. De fato, ele faz parte de um complexo fator real de poder — a

mídia — que estende sua capacidade de interferência aos campos da linguagem. Pode-se

afirmar, sem vacilações, que hoje não existe notícia inocente, pois parece que a antiga

pretensão de reproduzir a verdade foi modificada. Busca-se criar uma verdade em lugar de

procurá-la.

Continuando por esse caminho, não podemos esquivar o tema da crítica, porque,

evidentemente, no momento em que o direito fundamental à informação reconhece o direito

de crítica como inerente, então o propósito de apenas descrever o mundo cresce diante da

possibilidade de opinar e recriar a notícia onde ela já não é um mero reflexo senão a evidência

de que no mundo algo foi mudado, interferindo o olhar do jornalista, cuja percepção

discricionária se estende à comunidade que o escuta ou assiste.

Essa é a complexidade da crítica jornalística, que acompanha a notícia e que, reiteramos,

é inerente ao direito fundamental de informar. Não é possível pretender que a notícia seja um

mero reflexo de uma suposta realidade, senão que deve ser, e é, hoje, de fato, uma

representação do pensamento do jornalista, que ainda pode crivar o que é ou não é notícia.

Essa linha de pensamento parece-nos lógica, porque não considera o jornalista sujeito

inanimado diante da fonte, oficial ou não, nem diante dos fatos que independem da sua

vontade, senão que lhe outorga uma qualidade que realmente ostenta, a de ser humano que

não é neutral, senão comprometido com uma certa imagem, com determinados valores e

compromissos éticos, o que lhe impregna seu pensamento de um juízo com relação aquilo que

noticia, alimentando seu discurso. Na formulação de seus juízos aparecem seu temperamento,

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Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007 33

necessidades e interesses, limitações, o lugar que ocupa no modelo produtivo, a família, o

partido, os interesses do seu Estado ou de seu país.

Agora, bem, maior liberdade significa também, como costumava ser dito pelos

revolucionários franceses, maior responsabilidade. A verdade se torna pública a partir da

exposição do sujeito pensante que teve acesso ao conhecimento dos fatos, e o mandato ético

que embasa sua conduta vai determinado por uma opção muito específica: a da modificação

da realidade quando esta se encontra fora do eticamente desejável.

A notícia, a maneira de conclusão, nunca é neutral, pois a realidade é capturada e de

imediato submetida a uma visão do mundo, uma atitude que dista muito de ser

contemplativa, porque procura incidir na opinião pública, conduzindo a quem a escuta, lê ou

observa, a agir, modificando a realidade ou aceitando-a como ela se apresenta.

A ética supõe, finalmente, que na essência do direito à informação não há apenas um

olhar exterior do indivíduo que a transmite, senão uma missão de decifrar a realidade, reduzir

as inconsistências, aumentar os interrogantes, contribuir à paz, denunciar as afrontas à vida e

à dignidade humana e, finalmente, influir na prática cotidiana motivando o respeito pelo

próximo.

2.2.2. Ética e credibilidade

Os resultados obtidos até o momento permitem ingressar no atributo que se procura

ostentar por quem, no dia-a-dia, se ocupa em dar a conhecer os fatos. Trata-se da

credibilidade, tema que traz — ao igual que a veracidade à qual se encontra unida — alguns

problemas éticos de singular importância, especialmente diante das gravíssimas condições em

que se desenvolvem os acontecimentos na órbita internacional e a velocidade das mais

diversas situações na ordem nacional dos Estados.

Já sabemos que a notícia não pode fazer parte de um universo diferenciado das

contradições sociais, posto que os fatos considerados notícias são acontecimentos sócio-

culturais, que se produzem nas instancias da sociedade, colhem o acúmulo de virtudes,

desigualdades e intolerâncias. São, nas relações sociais, os homens os que fazem a notícia, e

por isso estas cumprem papel importante na economia e nas urgências dos povos, no seu

planejamento econômico, na cultura e nas decisões políticas, operacionalizando a história.

A verdade é que, contemporaneamente, a comunicação social se intensifica de tal

maneira que a quantidade de informações publicadas supera em muito aquilo que os

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34 Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007

indivíduos são capazes de digerir no seu cotidiano. Ademais, é importante não separar

artificialmente o desenvolvimento do padrão ético na comunicação social do desenvolvimento

do padrão ético social que de maneira geral se reproduz na sociedade organizada.

Assim, se espetacular é o fato pelo inédito da situação, espetacular é a reportagem onde

a imagem se sobrepõe ao conteúdo. É precisamente nesse ponto que se identifica o problema

da credibilidade, que no terreno da ética constitui preocupação desde praticamente a Grécia

antiga.

Advirta-se, porém, que talvez as referências à ética não sejam muito fáceis de descobrir

naquela época, devido a que a apresentação da filosofia moral, como por exemplo, a de

Aristóteles, não passava pela utilização do vocábulo ethiké, nem como substantivo nem como

adjetivo, para qualificar um domínio da filosofia ou um tipo de ciência. Aristóteles vinculou

essas exposições aos discursos éticos, que dizem respeito aos assuntos humanos.23

Com efeito, se analisamos o fundamento aristotélico exposto na Ética a Nicômaco, o

estagirita deduz que toda coisa é virtuosa quando atinge sua própria excelência, é dizer,

quando não apenas realizou sua função, senão quando a realizou bem. O mesmo se aplica ao

homem, na óptica do pensador, que não deve apenas viver para ser feliz, senão que deve

conquistar sua felicidade, que consistirá em bem exercer a vida, pois a virtude “é um meio

termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta”, e assim, “os homens são bons de

um modo só, e maus de muitos modos”.24

Apesar da dificuldade anotada, no plano da comunicação o pensamento grego evoluiu

tendo como primeira referência a retórica dos sofistas, consistente na arte de persuadir com

independência da disponibilidade de provas ou de argumentos que produzam um saber

racional. Assim, Aristóteles designou também como Retórica a faculdade de considerar os

meios disponíveis de persuasão, utilizando os argumentos, em cada caso, como uma

estratégia.

Embora tenha sido praticamente sepultada pelo racionalismo, que não admite

aproximações à verdade, o certo é que na esfera da comunicação jornalística o relato dos

fatos, a maneira como eles se apresentam ao leitor, leva uma forte dose de persuasão à

procura de um convencimento.

23

Labarrière. In: Dicionário de Ética e Filosofia Moral . P.117. 24

Aristóteles. Ética a Nicômaco. P. 11-27.

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Na sociedade internacional massificada, a informação excessiva e altamente

diversificada a que é submetido o indivíduo remete a um mecanismo seletivo, pautado não só

pelos interesses individuais, senão pelo consenso quanto a dois elementos: o primeiro deles é

a pertinência ou expectativa de relevância considerada suficiente para conduzir o leitor rumo

ao significado daquilo que se transmite, onde também cada ato de comunicação ostensiva

comunica uma presunção da sua própria relevância ótima.25

Embora cimentada uma caríssima idéia de relevância na informação, o ponto é que nem

toda informação relevante é automaticamente digna de credibilidade. Isso porque o aspecto

da pertinência ou relevância se refere ao ser da informação, em sentido amplo e fundamental.

Um segundo elemento consiste em reconhecer que a credibilidade se manifesta pelo

conhecimento do verdadeiro e, nesse sentido, seu contraponto é a ausência de reflexão ou a

opinião sem razoabilidade que se introduz na informação como manifestação crítica, algo por

sobre o qual já tínhamos tecido alguns comentários no capítulo anterior.

Não podemos negar que na comunicação jornalística evidencia-se um problema muito

concreto: é que a tecnologia que permite a transmissão de informações desde lugares

distantes ocasiona um relato onde interferem fatores que extrapolam a essência do fato

acontecido. Assim, a relação entre a entidade que transmite e o receptor da informação, em

termos de credibilidade, é dinâmica.

Sobre esse aspecto resultam sobremaneira interessantes as opiniões de Joaquim Paulo

Serra. O professor lusitano indica a lei da progressão geométrica e a lei da indução como

antíteses não equivalentes no terreno da informação, pois afirma que a primeira determina

que a cada informação produzida e confirmada aumenta a credibilidade de forma intensa,

enquanto que pela segunda, basta que um fato não seja comprovado para que o transmissor

perca essa qualidade de credível e, então, deva partir de zero. Como se nota, essas orientações

podem nos conduzir ao nódulo onde se encontram a retórica aristotélica e a credibilidade

como problema ético. Certamente, daí será mais fácil superar as dificuldades ocasionadas pela

magnitude dos avanços em matéria de comunicação.26

25

Sobre o assunto recomenda-se a leitura da revista especializada Linguagem em (Dis) Curso. Vol. 5. Número especial publicado pela Unisul no ano 2005, com a coordenação dos professores Fábio José Rauén e Jane Rita Caetano da Silveira, especialmente o artigo de Dan Sperber e Deirdre Wilson sobre Teoria da Relevância, que desde 1989 quando da publicação da obra La Pertinence. Communication et Cognition na França, já foi defendida pelos autores em publicações em Oxford e Cambridge. 26

Sugerimos a leitura dos resultados do projeto de pesquisa em Filosofia e Comunicação do professor da Faculdade de Beira Interior (Portugal), especialmente na área de Teoria da Linguagem e na obra Da Fé na Comunicação à Comunicação da Fé.

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36 Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007

Voltando um pouco à Retórica de Aristóteles, observe-se com atenção sua sentença: “só

se pode levar alguém a crer em algo quando se pode levar esse alguém a crer no alguém que o

quer leva a crer”.27

Pois bem, sendo assim, para persuadir ou convencer, o primeiro requisito é o “ethos”,

ou seja, o caráter moral do orador informador, que deve agir com condições mínimas de

credibilidade, como a prudência, que ordena opinar corretamente e constitui o fundamento

ético do direito de resposta; a honestidade, que consiste em dizer o que se pensa (direito à

crítica jornalística), ou a benevolência, atitude de respeito para com o público, o que pode

constituir a base ética de uma informação de qualidade, voltada para as finalidades de

reprodução da cultura e dos valores populares.

2.2.3. Outros dilemas éticos vinculados ao direito à informação jornalística

Na trilha que percorremos, e sem pretender esgotar a questão referente à influência da

Retórica ou do pensamento ético na história, é perfeitamente possível realizar outras

conexões entre a ética e a atividade do jornalista, o que nos parece imprescindível se levamos

em conta as circunstâncias em que se desenvolveram estes primeiro anos do século.

Acontece que essa ligação, tão necessária quanto delicada, inevitavelmente

desencadeará reflexões no campo da ética, posto que seus elementos centrais são temas

como a fortaleza democrática, a participação cidadã, a opinião pública, a tolerância e a

aceitação e defesa dos direitos fundamentais.

Tais assuntos, que desde nosso modesto ponto de vista atingem contemporaneamente

a relação ética e liberdade de informação jornalística na perspectiva de um compromisso com

os direitos fundamentais e a democracia são, pois, os seguintes:

- A legitimidade de meios para obtenção de informação, em especial as polêmicas, sobre o sigilo das fontes.

A problemática inclui as referências às atividades de ocultação, interceptação de

comunicações, gravação e difusão de comunicação reservada, dentre outros não menos

importantes.

27

Consulte-se Retórica. P. 49.

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De fato, é possível inferir que não pode ser considerado um ideal de Estado democrático

aquele no qual as informações circulam com total independência e sem responsabilidade

nenhuma quanto a sua origem e veracidade.

A questão se agrava com a polêmica sobre o sigilo das fontes, que a partir de uma

interpretação equivocada pode provocar que a eventual quebra da honra ou da imagem das

pessoas não seja ressarcida em função de uma pretensa impossibilidade de mencionar o

sujeito que informa, resultando na impossibilidade de defesa da vítima diante um

desconhecido.

- Os conflitos entre direitos fundamentais.

Tema abordado por alguns autores, em especial Novoa Monreal, em conhecida obra

especialmente dedicada ao fenômeno28, e, em nosso meio, o professor Luiz Alberto David

Araujo.29

Lembre-se, sobre o ponto, que no ano 2004 o governo brasileiro cancelou o visto

temporário do correspondente do New York Times por ofensas em matéria divulgada em

conhecido jornal dos Estados Unidos na edição de 08 de maio, que sugeriam um certo

problema de governabilidade no Estado em decorrência de abuso no consumo de álcool pelo

Presidente da República. Acontece que, realmente, a leitura atenta da notícia não dá apenas a

entender que o Brasil estivesse diante de graves problemas internos por conta de uma política

errada em matéria econômica ou social, o que seria completamente admissível em exercício

do direito à crítica, senão que propalava a existência de um ambiente de irresponsabilidade e

submetia o portador da primeira magistratura do Estado à piada venenosa com toques de má-

fé. Parece-nos que, ao final, a imagem deteriorada era mais a do Estado brasileiro.30

É claro que a solução do conflito (positivo ou negativo) obriga a um balanceamento ou

estabelecimento de uma certa relação de proporcionalidade entre os direitos em confronto.

Referindo-se ao fenômeno, o professor Konder Comparato menciona, tocando em particular a

possível concorrência entre a informação jornalística, a intimidade pessoal ou à dignidade do

cargo público ocupado.

28

Veja-se a obra Derecho a la Vida Privada y Libertad de Información. 29

Consulte-se a obra A Proteção Constitucional da Própria Imagem. 30

Vale a pena conferir, além da matéria assinada por Larri Rohter no New York Times, o interessante debate entre o Porta-voz da Presidência da República, jornalista André Singer, e a professora Tais Gasparian. In: Folha de São Paulo. 13.05.2004.

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O comportamento privado dos governantes deve sempre ser divulgado pelos meios de comunicação de massa, sem se considerar o valor da intimidade ou da honra pessoal? É o que a técnica jurídica germânica

denomina Güterbwägung, e a anglo-saxônica, balancing.31

- A postura axiológica do profissional da informação.

Aqui nós temos um possível problema ético decorrente das impressões e juízos críticos

particulares do jornalista diante da natureza dos fatos que investiga e seu dever profissional de

pertinência e de credibilidade.

O que antes se disse sobre o tema da credibilidade bem pode servir de embasamento ao

ponto. Todavia, vale a pena ressaltar que o cotidiano exercício da atividade e a seqüência de

atos informativos geram uma reação que se apresenta nos estados democráticos como uma

verdadeira instituição política básica, pois é a origem da opinião pública.

Em sede doutrinária, Polo Sabau salienta que na medida em que forma parte da trama

jurídica tutelar da opinião pública livre, a liberdade de expressão adquire, além da condição de

direito subjetivo, a de garantia institucional.32

Neste passo, emerge outra questão, a problemática originada pelo dilema sobre o que

deve e não deve ser publicado, que implica distinguir o que é relevante e o que não é em

determinado contexto.

Naturalmente, o que não é possível esquecer é que os conflitos e as ideologias não se

esvaecem nesse percurso de obtenção, transmissão e interpretação da informação, e isso

interfere, obviamente, no parâmetro de relevância do jornalista.

- A exploração das palavras, da linguagem e da imagem.

Em um raciocínio cartesiano, que postula a relação entre duas substâncias diferentes,

homem e mundo, a informação sugere um modelo de bola de bilhar em que a comunicação é

a mensagem que um sujeito emissor envia a um sujeito receptor por um canal. O trajeto da

bola de bilhar e o impacto sobre o receptor são sempre calculáveis. E a informação é uma

31

Ob. Cit. P. 26. 32

Ob. Cit. P. 23.

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representação que garante a coincidência entre a realidade do sujeito e a realidade do seu

mundo.33

Nesse sentido, a informação insere o sujeito no complexo ambiente social, o alimenta e

o faz opinar e participar diuturnamente da sua realidade circundante e da realidade global. O

coloca e localiza no mundo. E, em conseqüência, a postura do indivíduo no universo

hierarquizado pode ser reproduzida atendendo a um padrão informativo.

Com efeito, a informação captura o indivíduo, que pode permanecer encerrado em seu

mundo interior, o faz passivo e pessimista, abandonando qualquer ideal transformador, mas

também pode convidar ou obrigar o indivíduo a insurgir-se diante da mesma hierarquização de

valores sociais.

A confusão surge por uma contradição inerente ao exercício do próprio direito à

informação, na qual o resultado é que o sujeito receptor da dualidade cartesiana acredita que

a representação é a expressão própria do mundo sensível, o que pode ser uma encenação ou

uma representação com aparência enganosa. Assim, uma verdade pode virar mentira, ou se

falam verdades a médias. O tom de voz, as formas de apresentação, os recursos tecnológicos

interferem cada vez mais na verdade.

A propósito, com suporte teórico nas lições de Terry Winograd e John Searle, a

professora Lucien Sfez explica que

o léxico e a gramática são uma mesma coisa; o sentido não provém diretamente deles. Ele varia segundo a situação, o pano de fundo, a intencionalidade (...) a decifração da linguagem falada se faz com o auxílio da compreensão de uma situação dada e dos hábitos sociais que nela são

convocados.34

Assim, a significação define um valor semântico ligado à frase, que se une à intenção de

quem transmite a informação, verbalmente ou por escrito. O transmissor pode outorgar um

sentido com apenas a tonalidade da voz ou o gesto que se espalha pela força das ondas do

rádio ou da televisão. Por isso, a situação exige uma interpretação permanente de quem lê ou

escuta a informação.

Para essa finalidade, Oswald Ducrot distingue um conjunto de passos importantes, que

são destacados por L. Sfez. Em primeiro lugar, o contexto, que estrutura a informação e

33

Consulte-se o Dicionário de Ética e Filosofia Mora. Org: Monique Canto-Sperber. Verbete Comunicação. P. 284 e subs. 34

Dicionário de Ética e Filosofia Moral. Verbete Comunicação. P. 284 e subs.

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permite uma compreensão do significado da informação conforme situações pré-estabelecidas

ou hábitos e costumes da coletividade; a intenção do transmissor que produz um sentido

particular à informação; a interpretação do interpretante, que reage à informação e se inclina

por um sentido; as regras do discurso, que regem as enunciações e que o intérprete supõe que

o transmissor conhece; o próprio transmissor, que ostenta a presunção dos intérpretes da

informação de que ele se serve das regras da transmissão, ou seja, que ele sabe e quer

dialogar.35

Obviamente nos encontramos em terreno difícil, onde a ética e o jornalismo se

misturam de tal maneira no dia-a-dia que pode parecer imperceptível a intencionalidade na

transmissão. Mas, com certeza, com vista a um panorama mais claro dos limites éticos do

trabalho jornalístico, trata-se de problema relevante. Basta citar exemplificativamente que no

estádio atual das relações internacionais, a cobertura dos cenários de guerra impõe, no

mínimo, o dever ético de contribuir para a paz entre os povos e defender as liberdades

públicas e a dignidade humana ainda nas mais infelizes e trágicas circunstâncias.

- Monopolização dos meios de comunicação, ética e caráter da notícia.

A concentração do capital nos meios de comunicação, que produz uma verdade

comprometida com uma certa estrutura social e regularmente define os limites e as

possibilidades da participação do cidadão no cenário eleitoral, continua a ter graves

repercussões para os planos éticos.

Na verdade, como denuncia Lozano Guillén, os meios de comunicação e de informação

não escaparam dos processos de acumulação de riqueza e monopolização crescente da

economia, tanto que há séculos as tentativas de criar meios de comunicação idôneos, com

incidência na opinião pública e possibilidades de apresentar uma versão diferente daquela

impulsionada pelos grandes conglomerados econômicos, em muitas oportunidades com

veracidade e suporte em uma realidade cada vez mais difícil para setores excluídos das

decisões do Estado, esbarram em problemas de custos, dificuldades para a obtenção de

informações, e até gravíssimos casos de repressão e censura.36

Aliada ao controle monopolístico, o incremento dos avanços tecnológicos, somado à

necessidade de conhecimento do ser humano, deu origem a esforços por criar meios de

35

Ibidem. Mesma página. 36

Medios, Sociedad y Conflicto. P. 17 e subs.

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comunicação melhores em alcance e extensão. Assim, de pequenos espaços de influência

assistimos hoje a comunicação de massa.

Frente ao problema, com apoio na doutrina de Luis Aníbal Gomes, os comentários de

Ana Luzia M. Vieira tratam do conceito massa, associando-o a:

um grupo amplo e heterogêneo de indivíduos com características sociais diversas, sem liame de organização, sem interesses comuns e anônimos: desconhecidos não necessariamente entre eles, mas para os comunicadores. (...) a pessoa como tal é absorvida pela massa, seus interesses pessoais se diluem na massa, sua personalidade se massifica, seu grau de desempenho se acentua — é a massificação do indivíduo.

37

Para as grandes redes de comunicação da contemporaneidade globalizada, liberal ou

neoliberalmente, os problemas inerentes ao exercício da liberdade de informação se

confundem com aqueles decorrentes de contar com um auditório universal. Duas questões

importantes, em termos éticos, emergem dessa nova situação.

O primeiro problema consiste na recorrente idéia da verdade universal, e nesse sentido

vale a pena lembrar da obra de Ch. Perelman e Olbrechts-Tyteca, em que “as concepções que

os homens criaram no curso da história dos ‘fatos objetivos’ ou das ‘verdades evidentes’

variaram o bastante para que nos mostremos desconfiados a esse respeito” 38. Até que ponto,

então, o monopólio do meio de informação compromete a verdade? Teria essa verdade

condições de ser considerada universal?

Ao que parece, a aproximação à verdade, para além daquele conjunto genérico de

afirmações que podem e devem ser consideradas científicas, a ser confirmada por um

auditório universal que manifeste seu consentimento ao que considere válido, deixou de ser

essência da comunicação.

Isso conduz ao segundo problema, que os autores supramencionados esboçam da

seguinte maneira:

poder-se-ia, com mais razão, caracterizar cada orador pela imagem que ele próprio forma do auditório universal que busca conquistar para suas opiniões. O auditório universal é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência. Assim, cada cultura, cada indivíduo tem sua própria concepção do auditório universal, e o estudo dessas variações seria muito instrutivo, pois nos faria conhecer o que os homens consideraram, no decorrer da história, real, verdadeiro e objetivamente válido. Se a

37

Ob. Cit. P. 26-27. 38

Tratado da Argumentação. A Nova Retórica. P. 37.

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argumentação dirigida ao auditório universal, e que deveria convencer, não convence, todavia, a todos, resta sempre o recurso de desqualificar o recalcitrante, considerando-o estúpido ou anormal. Esse modo de proceder, freqüente entre os pensadores medievais, encontra-se igualmente entre os modernos.

39

Vinculando massa, verdade, monopólio e ética, a grande discussão que emana desta

reflexão é a de se é possível reconhecer à massa um espaço de discernimento sobre a notícia

veiculada. Ou seja: é a massa algo sem possibilidades de reconhecer a manipulação, ou pode

assimilar a mensagem de maneira consciente e crítica?

A verdade é que em contraposição ao princípio liberal da independência das instâncias

políticas, a vinculação dos meios de comunicação à chamada governabilidade sugere

reconhecer que os jornais são a voz de um grupo, de um setor, de um partido. Registre-se que

não existe jornal que não reproduza uma ideologia que regularmente tem uma ou várias

expressões políticas. Não é possível isolar de tal maneira os jornais a ponto de que eles não

sejam considerados parte integrante do meio político. A informação é um poder e assim deve

ser tratada em termos político-sociológicos.

De todo resulta que a liberdade de expressão é a garantia da formação de uma opinião

pública livre, esta é ligada, então, indissoluvelmente ao pluralismo político e passa a ser

fundamento do Estado democrático. Só que, isto posto, o real problema consiste em resolver,

então, sobre que bases é possível desenvolver uma informação que promova a democracia, o

direito à vida e o respeito pelas liberdades públicas do ser humano, sobretudo quando uma

comunicação generalizada modifica as condições de crítica e esta comunicação emana de um

ente monopolizado por um interesse particular.

Tratando-se, por exemplo, da televisão, não é possível negar o peso e o impacto

imediato da sua incidência nos processos políticos. Com efeito, as expressões vídeo-política e

homo-videns, acunhadas por Giovanni Sartori na obra Homo videns. Televisão e pós-

pensament, assinalam um dos aspectos mais interessantes do poder da televisão: o de gerar

uma radical transformação da maneira de “ser político” e de “fazer política”.

A questão, naturalmente, está atrelada à necessidade de que a televisão contribua à

mantença das liberdades públicas, e, para isso, há que se entender que o regime político

39

Ibidem. P. 37.

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democrático é um regime de opinião, baseado em um sentimento coletivo a respeito da

realidade pública, do que interessa a todos em termos de notícia porque incide no controle da

coisa pública, nos valores, idéias e ideais dos seres humanos que conformam uma comunidade

com aspirações de paz e progresso.

Acontece que, fruto de uma monopolização dos meios televisivos, na realidade de hoje

parece não existir um equilíbrio entre a necessidade de informação e a liberdade de possuir o

veículo de comunicação televisiva, pois a informação depende do interesse do grupo

econômico proprietário do meio que passa a ser, por infeliz tabela, o dono da notícia. O

mesmo poderia se dizer de outros meios. Daí que James Petras manifeste que a denominada

“era da informação” não se desenvolve em um vazio politicamente neutral.

É evidente que as pretensões de classe estão localizadas por trás da notícia, do estilo, da

linguagem e da oportunidade em que e como a notícia se veicula. Não é possível tolerar é que

a falsidade seja o norte e que tal estilo e linguagem acompanhem uma distorção. Pelo

contrário, a comunicação deve ter como finalidade que o ser humano consiga assumir uma

identidade singular e em perspectiva histórica como sujeito — e não objeto — de um processo

dialético, no interior de sociedades em permanente conflito em tempos de globalização.

Conclusão

Após as considerações anteriores, uma palavra final deve ser dita à maneira de

conclusão. A verdade é que a análise das relações entre a ética e o direito à informação conduz

ao questionamento de temas como verdade, veracidade, credibilidade e do monopólio dos

meios de comunicação de massas.

O intuito de uma consideração no plano ético desse direito, que é um direito

materialmente, e não apenas formalmente fundamental, supõe entender que se a construção

da sociedade é um processo que sugere uma paulatina modificação da realidade de maneira

mais ou menos cooperada, e se as conquistas da civilização nos terrenos políticos e

econômicos são originadas pela interação humana, então, tanto a liberdade de expressão, e

uma das suas projeções mais importantes, a liberdade de informação e crítica, como também

a fidelidade para com a verdade acham-se enraizadas na própria natureza humana, na

permanente necessidade do homem em conhecer-se a si mesmo, seus semelhantes, o mundo

da natureza e a realidade final.

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