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  • A QUESTO TICA EM HANNAH ARENDT

    RESUMO

    Maria Ollia Serra*Cacilda Bonfim e Silva**

    Abordagem terico-conceitual sobre a existncia de uma tica nopensamento da filsofa contempornea, Hannah Arendt, mediante suasreflexes polticas frente ao terror ideolgico do totalitarismo nazista.

    Palavras-chave: Hannah Arendt; tica; poltica; terror; totalitarismo;nazismo.

    ABSTRACT

    Theoretician-conceptual approach on the existence of ethics in the thoughtof the contemporaneous philosopher, Hannah Arendt by means of herpolitical reflexions front to the ideological terror ofthe nazi totalitarianism.

    Key words: Hannah Arendt; ethics; politics; terror; totalitarianism;Nazism.

    1 INTRODUO

    Buscar evidenciar uma ticaem Hannah Arendt (1906-1975) ,antes de tudo, trazer tona, mesmoque de modo genrico, suas refle-xes sobre as condies que levamo homem ao relacionamento consi-go mesmo, com os outros e com omundo, na significao de sua exis-tncia.

    Em sua obra, A Condio Hu

    mana (1958), que trata sobre a vitaactiva, ou seja, que trata sobre asatividades fundamentais exerci daspelos homens (labor, trabalho eao), Arendt (2001, p. 13) indicalogo no prlogo: "O que proponho[...] muito simples: trata-se ape-nas de refletir sobre o que estamosfazendo".

    Ora, implcito em tal coloca-o est o esclarecimento de queArendt no buscou desenvolver um

    * Professora Assistente do Departamento de Filosofia da UFMA, Mestra em Filosofia pela UFPB.** Aluna do 7 perodo do Curso de Filosofia da UFMA.

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  • tratado filosfico que fornecessesolues e frmulas para o agir hu-mano, atravs da revelao de umaverdade nica e imutveL Sua pro-posta, que pode ser estendida a todasua obra, uma proposta de refle-xo na qual esse - "o que estamosfazendo" - refere-se dimensopoltica da vida humana. Assim,explicitar uma tica em Arendt s possvel atravs da compreensoprvia de que seu pensamento -mesmo aquele que se dedica an-lise da vita contemplativa (pensar,querer e julgar), ou seja, a assuntosmais filosficos - vincula-se sem-pre ao tema poltico. Portanto, comoesclarece Aguiar (2001, p. 185-186) preciso considerar que:

    Arendt no uma filsofa da tica[...]. Isto , para Arendt pensar atica pensar que princpios ine-rentes atividade poltica so, ne-les mesmos, portadores de uma di-menso tica.

    Contudo, como escreveSontheimer (1999, p. 9) na introdu-o do livro de Arendt - O Que Poltica? - necessrio ainda ob-servar que:

    A compreenso da poltica paraqual Hannah Arendt quer abrir nos-sos oLhos [...] est muito acima dacompreenso usual e mais burocr-tica da coisa poltica, que reala

    apenas a organizao e a garantiada vida dos homens.

    Para Arendt, o sentido da po-ltica, desde seu surgimento napolisgrega, est vinculado liberdade ea espontaneidade humana. No setrata, contudo, de propor um retor-no invivel e saudosista aos temposclssicos, mas de, atravs da lem-brana, perscrutar o passado e des-pertar a essncia poltica da aohumana e suas implicaes ticas.

    2 A AO HUMANA

    As reflexes de Arendt so fru-to das experincias polticas de suapoca e de sua prpria vida. Expe-rincias estas que se ligam suacondio de judia-alem, s suasatividades sionistas, ao seu refgiona Frana e, posteriormente, nosEstados Unidos, frente uma Euro-pa conflituosa que presenciou o fe-nmeno totalitrio, a intolernciaideolgica e o terror dos campos deconcentrao em vista da ascensode Hitler ao poder. Portanto, o pen-samento de Arendt voltado paraos fenmenos que ofuscaram o sen-tido da poltica por terem tentadosuprimir sua condio bsica de li-berdade e pluralidade humana.

    Os sistemas totalitrios, na formado nazismo e do comunismo [...]

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  • cujo surgimento Hannab Arendtanalisou em seu grande livro sobreo totalitarismo, so a forma maisextrema de desnaturao da coisapoltica, posto que suprimem porcompleto a liberdade humana, sub-metendo-a ao fluxo de uma deter-minao histrica ideologicamen-te fundamentada (SONTHEIMER,1999, p. 8).

    No caso especfico do nazis-mo I com o fim da II Guerra, o mun-,do tomou conscincia dos horrorespromovidos por aquele regime to-talitrio. Os campos de concentra-o no se destinavam, apenas, aoextermnio de pessoas, mas eram,tambm, verdadeiras fbricas deaniquilamento sistemtico da dig-nidade humana, ou seja, antes doassassinato propriamente dito, adignidade humana da vtima eratotalmente destruda. Desprovidosde bens, de familiares e de seus pr-prios nomes, tais vtimas quandono eram horrendamente tatuadas,em seus braos, com nmeros deidentificao, viam suas identidadesreduzidas a smbolos (como a es-trela de Davi), ou a cores (como avermelha, para comunistas e arsea, para homossexuais). J noexistia, assim, o sujeito singular eaqueles corpos de homens, mulhe-res e crianas eram tangidos debai-xo de berros, surras e ladridos deces ferozes a trabalhos forados,

    sob pssimas condies de sobre-vivncia, submetidos total falta dehigiene, fome, ao frio, ao estupro, exibio de seus corpos nus paraa escolha de quem "merecia" sobre-viver por mais tempo. E toda essadegradao humana ainda no erasuficiente. Arrancavam-lhes os den-tes de ouro para enriquecer os co-fres do Reich; raspavam-lhes as ca-beas para que de seus cabelos fos-sem feitos colches e forros parabotas de soldados; submetiam-lhesa experincias mdicas

    hediondas, como, a amputaode membros perfeitos do corpo, semanestesia, para verificar a capacida-de de suportar a dor, ou ainda, cos-turar crianas gmeas, ~a a outra,para ver por quanto tempo sobrevi-veriam e at que grau chegaria asinflamaes causadas pela costura.Por fim, aps serem totalmente ex-plorados, esses seres eram levadosa cmaras de gs para serem exter-minados por asfixia e muitas vezes,antes de seus cadveres seguirempara o crematrio, arrancavam-lhesa pele que serviria de material paraa fabricao de abajures e de sabo.Toda essa terrificante realidade e,muitas outras, esto registradas emfilmes, documentrios, livros.e in-meros documentos disponveis naInternet.

    Contudo, para Arendt, no era

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  • apenas a terrificante situao dasvtimas que fugia qualquer expli-cao conceitual tradicional, tam-bm os carrascos criminosos esca-pavam para alm do classificadopela tradio.

    Do mesmo modo como as vtimasnas fbricas da morte ou nos cam-pos do esquecimento j no so"humanas" aos olhos do carrasco,tambm essa novssima espcie decriminosos situa-se alm dos limi-tes da prpria solidariedade do pe-cado humano (ARENDT, 1989, p.510).

    Ao se voltar o olhar para toassombrosa experincia, cabe per-guntar: existem de fato padres,mandamentos, crenas religiosas ouproposies morais que assegurema conduta humana em uma regrageral universalmente vlida?

    Segundo Hannah Arendt, dian-te desses fatos, o esfacelamento datradio tomou-se patente, ou seja,a tradio ocidental no foi capazde explicar, enquadrar, justificar ouprever o fenmeno totalitrio e suasimplicaes e conseqncias. Naintroduo da obra de Arendt, En-tre o Passado e o Futuro, Lafer(1979, p. 10- 11) esclarece:

    Diante deste fenmeno, os padresmorais e as categorias polticas quecompunham a continuidade hist-rica da tradio ocidental se torna-

    ram inadequadas [no s] para for-necerem regras para a ao - pro-blema clssico colocado por Plato- ou para entenderem a realidadehistrica e os acontecimentos quecriam o mundo moderno - que foia proposta hegeliana - mas, tam-bm, para inserirem as perguntasrelevantes no quadro de refernci-as da perplexidade contempornea.

    Ora, tica e poltica no sedissociam no pensamento deHannah Arendt e se houve um es-facelamento da tradio e umofuscamento do significado da po-ltica, o mesmo aconteceu no cam-po da tica, pois, sendo a poltica acategoria mais abrangente, tudo quenela acontece se reflete na esfera datica. Assim, dando continuidade explicao, Lafer (1979, p. 10)acrescenta:

    De fato, o fenmeno totalitrio re-velou que no existem limites sdeformaes da natureza humanae que a organizao burocrtica demassas, baseada no terror e na ide-ologia, criou novas formas de go-verno e dominao, cuja perversi-dade nem sequer tem grandeza.

    Ao mencionar que no fenme-no totalitrio nem a perversidadetem grandeza, Lafer traz tona umoutro ponto da reflexo de Arendt.Trata-se da "banalidade do mal",tema abordado em seu livroEichmann em Jerusalm: um rela-

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  • to sobre a banalidade do mal(1963). Obviamente, devido com-plexidade do assunto, no se pre-tende aqui explicitar todas as con-sideraes e implicaes que o li-vro de Arendt suscitou. A relevn-cia recai sobre a compreenso domal em seu carter banal e no emsua "grandeza" como sempre foitratado pela tradio.

    3 A INCAPACIDADE DEPENSAR

    Hannah Arendt empregou aexpresso "banalidade do mal", porocasio do relato que fez revistaNew Yorker sobre o julgamento deAdolf Eichmann, ocorrido em1961, em Jerusalm. Ora,Eichmann havia sido chefe da Se-o de Assuntos Judaicos, no Ter-ceiro Reich e um dos principais res-ponsveis pela concentrao e eva-cuao dos judeus da Alemanha,ustria e Tchecoslovquia, tendosido capturado em Buenos Aires,jno ano de 1960 e levado a respon-der por seus crimes, na Corte de Is-rael, que o condenou morte porenforcamento.

    Em meu relato, mencionei a "ba-nalidade do mal". Por trs destaexpresso no procurei sustentarnenhuma tese ou doutrina, muitoembora estivesse vagamente cons-

    ciente de que ela se opunha nossatradio de pensamento - literrio,teolgico ou filosfico - sobre ofenmeno do mal. Aprendemos queo mal algo demonaco; suaencamao Sat, "um raio cadodo cu" (Lucas 10:18), ou Lcifer,o anjo decado [...] cujo pecado oorgulho [...]. Diz-se que os homensmaus agem por inveja [...], ou po-dem ter sido movidos pela fraque-za [...], ou ainda, ao contrrio, pelodio poderoso que a maldade sen-te pela pura bondade [...]; ou pelacobia "raiz de todo mal" [... ].Aquilo com que me defrontei, en-tretanto, era inteiramente diferen-te, e, no entanto, inegavelmentefactual. O que me deixou aturdidafoi que a conspcua superficialida-de do agente tornava impossvelretraar o mal incontestvel de seusatos, em suas razes ou motivos, emquaisquer nveis mais profundos.Os atos eram monstruosos, mas oagente - ao menos aquele que es-tava agora em julgamento - erabastante comum, banal, e no de-monaco ou monstruoso(ARENDT, 1991, p. 5-6).

    Ora, o Eichmann descrito porArendt apenas um homem co-mum, como tantos outros, preso snecessidades, preocupado apenascom sua carreira, expressando-seatravs de uma linguagem adminis-trativa e que no possua grandesmotivaes ideolgicas ou polti-cas.

    "Banalidade do mal" , portan-

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  • to, um termo utilizado por Arendtpara designar a falta de profundi-dade que caracterizava o ru, deforma que o mal inegvel e extre-mo de seus atos no podia ser atri-budo a motivaes especificamen-te malignas.

    Por mais monstruosos que fossemos atos, o agente no era nem mons-truoso nem demonaco; a nica ca-racterstica especfica que se pode-ria detectar [era] [...] uma curiosa ebastante autntica incapacidade depensar (ARENDT, 1993, p. 145).

    Tal incapacidade de pensar identificada por Arendt mediante ocomportamento de Eichmann du-rante o julgamento.

    Funcionava no papel de notrio cri-minoso de guerra to bem como fun-cionava sob o regime nazista; notinha a menor dificuldade de aceitarum cdigo de regras inteiramentediferente. Sabia que aquilo que umdia considerara seu dever agora sechamava crime, e aceitava esse novocdigo de julgamento como se nopassasse de uma nova regra de lin-guagem. Acrescentara algumas fra-ses feitas ao seu estoque j bem li-mitado, e bastava defrontar-se comsituaes em que nenhuma dessasfrases se aplicava, para que ficassetotalmente desorientado; foi o queocorreu no momento grotesco emque, tendo de fazer um discurso aop da forca, viu-se forado a lanarmo de clichs da oratria fnebre,

    inadequados em seu caso,j que nofora ele o sobrevivente. Refletir so-bre quais deveriam ser suas ltimaspalavras em caso de uma sentenade morte, pela qual ele esperara otempo todo, eis um elemento sim-ples que no lhe ocorrera(ARENDT, 1993, p. 145-146, grifonosso).

    Deve-se considerar, tambm,que Eichmann era apenas umexemplo vivo do que se dava comvrios outros burocratas nazistasque, como ele, estavam desprovi-dos da capacidade dediscemimento, ou seja, da capaci-dade de emitir juizos prprios so-bre os acontecimentos.

    Essa normalidade era muito maisaterrorizadora do que todas as atro-cidades juntas, pois implicava que,[ ] esse novo tipo de criminoso[ ], cometesse crimes sobcircunstancias que tornam pratica-mente impossvel para ele saber ousentir que estava fazendo algo er-rado (ARENDT apud ASSY, 2001,p.87-88).

    Ora, exatamente essa incapa-cidade de pensar que, dentre outroselementos, pe em xeque a questotica.

    4 O PODER COMEARALGO NOVO

    Chega-se, assim, ao ponto emque na reflexo de Arendt, o pen-

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  • sar e o agir se articulam em umadimenso tica. Isso porque, comoalude Assy (2001, p. 88), paraArendt:

    o Totalitarismo revelar-se-ia comoum mal poltico capaz de espraiar-se por uma massa de cidados inap-tos a penetrarem num dilogo in-terno, em busca de suas prpriasdoxai, a refletirem sobre eventos, ainquirirem sobre o significado dosacontecimentos e acerca de seusprprios atos.

    Importa observar tambmque ao articular pensamento e aopara um novo sentido da dimensotica, Arendt une dois plos, quepor anos de tradio foramconsiderados opostos, vilacontemplativa evita activa.Contudo, no se deve,apressadamente, concluir que, comtal articulao, Arendt estaria dandoautoridade ao pensamento para queindicasse o caminho para o bem.At porque o bem, neste caso, teriaque ser considerado em umaperspectiva metafsica e no de ummodo fenomenolgico, que a basenorteadora da reflexo de Arendt.Assim, o pensamento em sualigao com a ao tem apenas o"poder" de prevenir contra o mal.Isso porque, como define Arendt(1991, p. 133):

    Na prtica, pensar significa que te-mos que tomar novas decises cadavez que somos confrontados comalguma dificuldade.

    Buscando esclarecer aindamais esta convergncia entre pen-samento e ao e sua implicaopara a tica, Assy (2001, p. 89) evi-dencia:

    A faculdade de pensar tem conse-qncias morais, todavia, permane-ce sendo uma atividade completa-mente amoral, no sentido de que opensamento no conduz constru-o de axiomas ou dogmas moraisou de regras de conduta tica [...].Em alguns manuscritos dedicados moral idade e faculdade de pen-sar, Arendt tem, com freqncia,reiterado que por meio da ativida-de de pensar atualizramos "nos-sas diferenas especficas", pormeio das quais constituiramos nos-sa singularidade.

    Ora, a construo de cada sin-gularidade, ou seja, daquilo que fazcom que os homens sejam diferen-tes uns dos outros s possvel coma preservao da plural idade, con-dio humana que faz com que ohomem viva como ser distinto en-tre iguais. Por sua vez, a pluralidade tambm a condio de toda a vidapoltica.

    A poltica baseia-se no fato da"pluralidade dos homens", eladeve, portanto, organizar e regular

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  • o convvio de diferentes, no deiguais. Distinguindo-se da interpre-tao geral comum do homem en-quanto zoon politikon (Aristteles),em conseqncia da qual o polti-co seria inerente ao ser humano,Arendt acentua que a poltica sur-ge no no homem, mas sim, entreos homens, que a liberdade e a es-pontaneidade dos diferentes ho-mens so pressupostos necessriospara o surgimento de um espaoentre os homens, onde s ento setoma possvel a poltica, a verda-deira poltica [pois] "o sentido dapoltica a liberdade"(SONTHEIMER 1999, p. 8-9).

    Para Arendt, tal liberdade estcontida no poder que cada pessoapossui de comear algo totalmentenovo que, em forma de milagre hu-mano, interrompe o curso de todo equalquer processo.

    o milagre da liberdade est conti-do nesse poder-comear que, porseu lado, est contido no fato de quecada homem em si um novo co-meo, uma vez que, por meio donascimento, veio ao mundo queexistia antes dele e vai continuarexistindo depois dele (ARENDT,1999, p. 43-44).

    Este conceito de natalidade o ponto central da reflexo deArendt sobre a vira activa, pois, fun-damentando todo seu pensamento,tal conceito demonstra que paraArendt o homem no um ser para

    morte e sim, para vida. Vida quetraz em seu bojo a capacidade hu-mana de agir.

    o fato de que o homem capaz deagir significa que se pode esperardele o inesperado, que ele capazde realizar o infmitamente impro-vvel (ARENDT, 2001, p. 191).

    Deste modo, a fora do con-ceito de natalidade reside no fato deque Arendt, como apontaSontheimer (1999, p. 11):

    [... ] quer chamar nossa atenohoje, em meio as calamidades coti-dianas e insuficincias da polticaprtica, para o fato de que no de-vemos nem podemos contentar-noscom isso [...]. O homem pode agire comear algo novo [...], no pre-cisa ser a marionete de um destinosituado fora de seu ser.

    Embora os regimes totalitri-os identificados por Arendt, nazis-mo e stalinismo, j no existammais em sua forma original, a luzlanada pelo seu pensamento noperdeu a fora. Primeiramente,como ela mesma adverte, porque:

    As solues totalitrias podemmuito bem sobreviver sob a formade fortes tentaes, que surgirosempre que parea impossvel ali-viar a misria poltica, social oueconmica de um modo digno dohomem (ARENDT, 1989, p. 511).

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  • E em segundo lugar, como evi-dencia Sontheimer (1999, p. 10),porque:

    [...] devemos continuar conscien-tes de que a restrio a liberdade, arepresso da espontaneidade huma-na e a corrupo do poder atravsda violncia [prticas usuais na atu-alidade] tambm so uma ameaaconstante para a poltica dospretensos sistemas liberais.

    Decorre, da, a atualidade dasreflexes de Arendt que sinalizampara a constante necessidade de serepensar o agir humano em socie-dade.

    5 CONCLUSO

    Uma tica em Hannah Arendtno implica em regras de condutadeterminadas, por valores imut-veis, situados fora do sujeito quepratica a ao, pois, em seu nti-mo, atravs do pensamento, que asrelaes estabeleci das com os ou-tros ganham significado. Portanto, pelo pensamento que a responsa-bilidade pessoal que do homem

    diante do mundo e das geraes fu-turas, aflora de modo a vencer todaapatia, toda futilidade e todo malque corrompem o espao pblico ea liberdade humana. Eichmann re-presentava para Arendt o retrato dohomem contemporneo, prisionei-ro das necessidades, sem motiva-es, carente de uma conscinciamoral e de capacidade poltica.Mas, todas essas limitaes podemsempre ser superadas pois, comofrisou Arendt, enquanto os homenstiverem a capacidade de agir pode-ro praticar atos imprevisveis e in-calculveis.

    A possibilidade de pensar, dequerer, de julgar e de agir se articu-lam assim, na tica da responsabi-lidade pessoal, na qual o sujeito pro-duz e avalia seus prprios princpi-os. Assim sendo, a nica maneirada ao humana se realizar ticaseria atravs da livre-escolha que,por sua vez, revela a maneira comque cada homem tem se inserido nomundo atravs de seus atos, afirma-es e negaes.

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