a escrita da palavra
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Livro de poemas sobre a palavra e a escrita de Carlos Sousa RamosTRANSCRIPT
A ESCRITA DA PALAVRA - 1 -
- 2 - A ESCRITA DA PALAVRA
Escrever
texto, prosa… poesia
livre, com ordem
ora doce, ora com azia
tentando afastar a melancolia
adormecendo ao som da melodia
que de tão leve embala
a palavra que não se cala
é uma primazia.
Sustentando nas notas do som
que do hi-fi transborda
em previsíveis decifráveis tons
perdendo a tentação
de ir atrás de uma atenção
preguiçosamente se aborda
a pena.
E se escreve, se escreve
o que rápido prescreve
no íntimo sabendo
que mesmo não querendo
o que no papel se transmuta
no fim
nos encontramos perto
do prazer de estar
com uma difícil luta.
A ESCRITA DA PALAVRA - 3 -
Traço no ar a palavra
que de entediada se faz cara
e que embrulhada nos tumultos
do pensamento se esquiva.
E difícil se torna o concreto
do desenho a que se destina
perdendo-se a consequência
da pouca tinta
de que disponho para o efeito.
Com a força da sua sensação
de ser palavra sem glória
e vã, peleio
sem me construir na tentação
de, com paranóia, me sentir feio
por, se conseguir domar
a poder desenhar.
E assim se cumpre o meu ego
que de deslumbrado se faz eco
de dizeres de outros, e não só
que estando já se sentindo pó
me deixam menos só.
- 4 - A ESCRITA DA PALAVRA
As palavras me fascinam
mais do que olhares, captáveis
mais do que paladares, intragáveis.
Do desejo de que elas me pertençam
brota incessantemente a vontade
de que elas de mim nasçam
e que faz ser constante
o labor da minha estouvada mente.
Esquizofrenia mal formada
perdida na tentativa de abraçar
dia a dia
um qualquer sentido que por aí
já deve ter existido
faz com que, momento a momento
se me vislumbra
o meu ente, na penumbra
que pede para, mesmo virando pó
pelo menos no meio delas possa ficar
para me sentir menos só.
A ESCRITA DA PALAVRA - 5 -
Sentado, no meio do turbilhão
de vozes silenciosas
ouvindo, o pensamento que se eleva
entre a enorme confusão
de mentes ociosas
olhando, o movimento que circula
no seio de um ar que seca
tacteando, a mesa que suporta
o papel que deixará de ser inocente
borboletando, as palavras
que me circundam, confundindo
as vontades que se afundam
no poço de ideias que vão pedindo
que não as deixem falecer
pois, por aqui, neste mundo
pouco abundam
caminhando, no tempo
que se me parece haver
eis que de repente, alguém tem em mente
questionar-me:
O que estás aqui a fazer?
- 6 - A ESCRITA DA PALAVRA
Risco, tento, o fio descritivo
do reflexo do traçado destino
querendo-o largo, sem fim
caminhando no intemporal infinito
e o que vejo (?), a folha tamanha
de limitado espaço
brincando com a vontade
que não é dela
com manhã e a espaço
ludibriando a força do traço
do desejo incontido
que me faz viajar
em rodopio constante
para não cair no vazio
da folha que, em contínuo
me coloca à frente
uma qualquer amante
a fim de não me permitir
nada entender.
A ESCRITA DA PALAVRA - 7 -
Certo de querer sempre algo dizer
que cale fundo no poço do mundo
há dias em que aparece sempre alguém
que, com desdém, diz que a rima é pobre e
simples
que o melhor é tentar descobrir
o caminho que me há-de levar
a desbravar que um outro discurso
devo parir.
Discurso esse que sendo possível
ser meu, não é dele, nem teu
mas sim de ninguém.
Ninguém esse que, de pensamento em pensamento
a tempo de se encontrar com a sua dúvida
se passeia pela incógnita da incongruência
perdendo a paciência e caindo alienado
no fácil juntar de palavras por acabar.
Acabar esse que, não tendo fim
nos mostra por fim a força do não ter
vontade de querer mudar a atracção
da conjunção das mesmas
que sendo a acomodação
de pequenos seres feitos letras
não se importam de gerar um imenso
acatar de ideias mostrando tretas.
- 8 - A ESCRITA DA PALAVRA
Esta sensação de me sentir fábrica
com linha de produção e tudo
de vários modelos prontos a sair no prelo
faz-me muita confusão.
E insónias e alguma depressão.
O que vale é que ela depressa passa
pois, não faltando a matéria prima
logo a incontornável contundente rima
o papel, feito vegetal, trespassa
mostrando que, só não rompendo o ciclo
me darei bem com esta tentação
de sensação.
Palavras, balas de prata
cortinas escondendo
o temor do desejo
mostram o seu poder
a quem as bem trata.
A ESCRITA DA PALAVRA - 9 -
Traço
Não! Onde já se disso isso?
Risco, no papel, a linha
desenhada, ou, pelo menos, tentada
da letra que, com mais outra
e mais outra
procura um texto, que não seja de treta.
E, o pensamento que comanda a mão
não tendo ainda formulado
um contexto
se vai dando conta que segue em contramão.
Pois no espaço feito virgem
surge, não se dando conta qual a origem
a apressada mensagem
que quer estar ali, só de passagem.
E a confusão se instala
e o conflito de interesses se abala
e a mensagem o pensamento afaga
e o pensamento a mensagem abafa.
E eu, querendo ter como certa a palavra
o traço no papel mando à fava.
- 10 - A ESCRITA DA PALAVRA
Eterno registo
do brincar com o pensar
do baralhar das ideias
do criar, no meio das ameias
do desconhecido
um novo conceito
que me faça deixar
de estar perdido.
Prazer invocado
êxtase provocado
memória conquistada
por a palavra por mim ser amada.
Eis porque
enquanto por aqui me encontrar
de escrever não posso parar.
A ESCRITA DA PALAVRA - 11 -
Nada está em sossego
naquela mesa de café.
Aquele ser, feita mulher
se ajeita, se vira
se baixa, se torça
e sem apego, se rejeita,
Bebendo uma qualquer tissana
com ar de quem espera
quem a ama
não dá descanso à colher.
E de repente se põe em pé.
Terá sido a perna dormente
ou a ânsia de uma espera
não ausente?
Caminha, dá dois passos
volta, torna a sentar-se
da sacola tira o papel
e a pena… ai a pena…
E escreve, escreve, escreve…
- 12 - A ESCRITA DA PALAVRA
Transvazo de letras
umas brancas outras pretas
perdidas na imensidão do espaço
querendo construir um pedaço
de sentimento.
O ruído que as envolve
devagarinho as enlouquece.
Umas, amarguradas
e, umas, umas às outras se atacam.
Há, ainda, as translúcidas, que se escapam
e ainda outras, persistentes, que se perfilam.
E de letras
passam a palavras
e de palavras
passam a inesquecível momento.
A ESCRITA DA PALAVRA - 13 -
O fascínio do traço
a procura, nem que seja
de um seu pedaço
o destino me traça.
O desenho que forma
a figura, mesmo que fosca
de uma entidade, possivelmente tosca
o sentir me domina.
A ideia que emerge
de leitura, de um principiante
do texto insignificante
os olhos me hipnotiza.
Ah!
Palavras desejadas
que de perdidas foram achadas
e que desamaldamente são usadas
vivo me devoram.
- 14 - A ESCRITA DA PALAVRA
Esgoto
a paciência, pois procuro
desvairado, uns versos
escritos, na penumbra
de um pensamento
em papel pardo, disfarçado.
Encontrando
o vazio do desejado
em páginas
ocupadas, perco-me
no infinito, de alheio
discurso.
Insisto
esforçando, a vontade
alimentada, por outros
ideais desvairados
competindo, através
de nevoeiros já usados.
A ESCRITA DA PALAVRA - 15 -
Descubro
o impossível, crescendo
na existência, escondendo
a sua força, enganando
as palavras, o seu poder
eliminando.
Atravesso
a realidade, imposta
sem sequência, pairando
sobre a sua gene, desmembrada
e sonho…
Oh! Como sonho…!
- 16 - A ESCRITA DA PALAVRA
ÍNDICE
Pág.
1 Dias difíceis
2. Ego de 24.02.2009
3. O que fazer?
4. Aqui
5. Em contínuo
6. Tretas
7. Contundente
(…)
8. Traço, risco
9. A palavra
10. Aquela mulher
11. Letras
12. O traço
13. Sonho
A ESCRITA DA PALAVRA - 17 -
EDIÇÃO de AUTOR
Carlos Sousa Ramos
Dezembro de 2010
Edição electrónica