a palavra escrita historia do
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A palavra escrita
História do livro, da imprensa e da biblioteca
Wilson Martins
Cap. 1 (parte)
Materiais e instrumentos primitivos empregados na escrita
- O homem já empregou , e continua empregando, na escrita materiais provenientes dos três reinos da
natureza.
• Reino mineral: (a pedra, onde segundo o Velho Testamento, foi gravada a primeira lei dos
hebreus, revelada no Monte Sinai, e os mais “escreviam” seus admiráveis calendários, as
reproduções dos gregos, dos seus feitos e fatos importantes, o mármore (inscrições tumulares e
cívicas) a argila (esculpida e cozida, nas bibliotecas da Mesopotâmia). Ainda do reino mineral
provieram e continuam provindo os metais aos quais se confiavam os textos importantes ou
tocados de sacralidade (no bronze os romanos escreviam os seus tratados de paz, e, acima de
tudo, a sua famosa Lei das Doze Tábuas.) Também o chumbo foi empregado na escrita, e deveria
oferecer, em compensação da sua maleabilidade, pouca resistência ao trabalho do estilete. Os
também chamados “metais nobres”, o ouro e a prata, também serviram excepcionalmente para
a escrita, mas todos os metais parecem ter sido abandonados desde os primeiros tempos nas
necessidades ordinárias. Mas conservam o seu emprego, até hoje, nas placas dos monumentos e
das ruas, nas inscrições comemorativas, nas homenagens murais.
• Reino vegetal: a madeira, como espécie que já se apresentava por assim dizer pronta, foi a
primeira a ser empregada na escrita. Os egípcios a usavam desde tempos imemoriais, e nós a
empregamos ainda hoje, ainda que transformada em papel. Os judeus conheciam as tabletas de
madeira no momento em que o Livro dos Reis foi redigido, mas o povo que as celebrizou, pelo
largo emprego que delas fez, foi o romano. Recobertas ou não de uma leve camada de cera, sobre
a qual se escrevia com o estilete, elas serviam para os mais variados fins: correspondência,
cadernos de estudos, contas, anotações, e ofereciam a vantagem de servir indefinidamente,
quando enceradas, bastando raspar a cera e substituí-la por outra. (essas tabletas foram utilizadas
até na Idade Média) . Em geral, todos os produtos do reino vegetal, como todos os do reino
mineral e todos os do reino animal, serviram ou servem para a escrita. Folhas de palmeiras ou de
oliveiras, panos, papiro. Era em pedaços de pano que os romanos reproduziam os oráculos, alguns
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contratos particulares e até as leis. Na Pérsia e na China a seda foi um material muito empregado
na escrita: é mesmo daí que sairá a invenção do papel.
• O papiro : Sem dúvida, o mais célebre de todos os produtos vegetais empregados na escrita. De
grande importância histórica em si mesmo e pelos textos que conteve. As regiões onde a utilização
do papiro se fez de forma mais marcante foram o Nilo, o lago Tiberíades, na Síria e nas águas do
Eufrates. Nada se sabe do momento em que se transformou o papiro em material de escrita. O
Museu do Louvre possui um papiro que data de 237 a.C, escrito em hierógriflos demóticos (ultima
transformação da escrita egípcia). Supõe-se que os papiros mais velhos datem de 3.500 a.C.
Chartoe era o papiro preparado que podia ser utilizado na escrita. Sobre cada folha, o texto era
escrito em colunas e cada uma delas se colava, em seguida, pela extremidade à folha seguinte, de
forma que se obtinham fitas de papiro com, às vezes, 18m de comprimento. Enroladas em torno de
um bastonete chamado umbilicus, constituíam os primeiros rolos, antepassados dos de
pergaminho, e, por conseqüência, do próprio livro. Os papiros começaram a desaparecer a partir
do século VII. Na Itália, ainda se encontram papiros até o século XII, mas na França eles
desapareceram completamente no século VIII. Eis porque os escribas de Carlos Magno e seus
descendentes se viam obrigados a raspar papiros merovingianos, a corta-los e a coser os pedaços
ainda em branco, para atender às suas necessidades de papel. Dessa forma, existem palimpsestos
de papiro, ao contrário do que por tanto tempo se afirmou. À escassez natural do papiro, vieram
juntar-se as guerras, que impediam a sua importação. E como as invenções nascem da
necessidade, o homem teve de recorrer a qualquer outro material que substituísse o papiro. É
entretanto, a pele curtida que substituirá, em forma de pergaminho, o papiro raro e caro. Mas, a
pele de carneiro ou de terneiro foi apenas o material mais comum empregado no manuscrito.
Certos bibliófilos chegam ao ponto de afirmar que há livros feitos com pele humana.
• O pergaminho : o uso de peles como substratum da escrita é muito antigo na Ásia, e tudo o que
se pode ter feito em Pérgamo é melhorar-lhe a preparação. Os mais antigos monumentos em
pergaminho, atualmente existentes, datam do III século de nossa era: são uma República, de
Cícero, e um Virgílio, ambos da Biblioteca Vaticana. Do IV ao XVI séculos, o pergaminho foi o
material mais comumente empregado na escrita; na França, do IX ao XII séculos, é apenas o
pergaminho que se emprega nos livros e atos. O pergaminho foi sempre material de preço
elevado. Essa circunstância explicaria, segundo os autores, o fenômeno dos palimpsestos, isto é,
manuscritos em que o texto primitivo foi raspado, a fim de servir novamente para a escrita
(palimpsesto significa “raspado de novo”). Pensou-se durante muito tempo que esse hábito
resultava das intenções piedosas dos monges copistas, que apagavam textos pagãos para inscrever
em lugar deles orações e meditações religiosas. Mas, verificou-se posteriormente que não só o
palimpsesto existe desde a mais remota antiguidade, como ainda inúmeras orações e trechos
religiosos tinham sido raspados em benefício da literatura profana.... Em qualquer dos casos, é
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possível ler, com o auxílio de recursos modernos, o texto primitivo, que se destaca com maior ou
menor clareza sob a ação de reagentes químicos. É a mesma necessidade de economizar
pergaminho que dará nascimento ao que hoje constitui a tortura dos paleógrafos (antigas formas
de escrita) , isto é, o sistema de abreviações da Idade Média.
O pergaminho foi escrito, como o papiro, de um lado só, até que se descobriu ser perfeitamente
possível faze-lo nas duas faces. Enquanto a escrita era realizada apenas no reto, o pergaminho era
enrolado, como o papiro, para constituir o volumem. A escrita no reto e no verso vai dar
nascimento ao codex, isto é, ao antepassado imediato do livro. Com ele revoluciona-se o aspecto
da matéria escrita e o das bibliotecas. Códex (plural : códices) é o nome dado aos manuscritos
cujas folhas eram reunidas entre si pelo dorso e recobertas de uma capa semelhante à das
encadernações modernas. É, em suma, o livro quadrado e chato, tal como ainda hoje o possuímos.
A diferença é que o livro moderno apresenta-se em tamanhos reduzidos, graças ao corte das folhas
de impressão, ao passo que o pergaminho não era dobrado nem cortado em folhas pequenas, o que
significa que os códices são livros grandes, “in-fólio”, quer dizer, “em folha”, no tamanho da
folha. Embora escritas dos dois lados as folhas do pergaminho, conservou-se, até o fim da Idade
Média, o hábito de apenas numera-las no reto, o que significa que a noção de página somente
aparece no fim desse período.
• Os instrumentos da escrita : cada instrumento diferia segundo a matéria empregada. Os caldeus
faziam uso de uma espécie de cinzel para gravar as tabletas de argila, os romanos empregavam o
graphium ou stylus nas tabuinhas enceradas. O estilete era uma haste de metal ou de osso,
pontuda de um lado, achatada de outro, o que permitia escrever e apagar, em caso de erro. São
Jerônimo afirma que o estilete escrevia sobre a cera e o caniço sobre o papiro ou sobre o
pergaminho. Esse caniço, chamado comumente calamus, foi, por conseguinte, o antepassado
direto de nossa pena. Os calami eram conservados em estojos apropriados, que muitas vezes se
carregavam pendurados na cintura, junto com os recipientes de tinta. Os romanos chegaram a
fabricar calami de bronze, que foram, assim, um prenúncio da pena metálica, dela separados pelo
reinado da pena propriamente dita, a pena das aves. O uso do calamus se prolongou até os
séculos VI/VII de nossa era. A pena de pato, em particular, prestou aos calígrafos e aos escritores
os mais assinalados serviços. Eram escolhidas as penas da asa, chamadas remígias, o que
provavelmente deveria facilitar os vôos da imaginação. Eram preparadas por meio de um
mergulho em cinzas quentes. Desde o século XIV começaram-se a fabricar as penas de ferro ou
de bronze, embora aceite-se que seu uso somente se generalizou no século XIX. O lápis, por sua
vez, seria um pouco mais velho ou um pouco mais moço que a pena metálica: sua invenção data
do fim da Idade Média, dos primeiros anos do século XV. A escrita, para Diderot (século XVIII) :
“sem a escrita, privilégio do homem, cada indivíduo, reduzido à sua própria experiência, seria
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forçado a recomeçar a carreira que seu antecessor teria percorrido, e a história dos conhecimentos
do homem seria quase a da ciência da humanidade.”
Capítulo 3 – Os manuscritos medievais
• A rigor, manuscrito é o texto escrito à mão, seja qual for o instrumento auxiliar, seja qual for a
matéria que o receba. Na significação direta da palavra, nenhuma distinção é feita além das raízes
de que se formou. Nessas condições, seriam manuscritos todas as “inscrições” feitas em papel ou
em pedra, marfim, bronze ou mármore. Mas, uma convenção por todos admitida reserva esse
nome aos “manuscritos” em papel, papiro ou pergaminho, e aos demais o nome de gravura ou de
escultura. Assim, a palavra “manuscrito” evoca sem dubiedade a idéia da folha de papel, de papiro
ou de pergaminho, escrita à mão, e até, visto que nem sempre são sincrônicos os progressos
técnicos e os progressos vocabulares, à folha de papel datilografada, quando ela representa o
“original” vindo das mãos do escritor. É assim que muitos escritores entregam à tipografia o
seu...”manuscrito”, isto é, a cópia datilografada de um texto que, com freqüência cada vez maior,
já foi inicialmente escrito também à máquina (ou digitado em computador). Então, o termo
manuscrito evoca sempre o texto escrito a mão, qualquer que seja o instrumento auxiliar, seja qual
for a matéria que o receba. O manuscrito medieval será, portanto, um texto escrito à mão em
papiro, pergaminho ou papel e que data do período da Idade Média.
• Mas o que significa Idade Média ? Adotemos um critério delimitador para o período em números
redondos : anos 500 até o ano de 1500, ou seja, os 10 séculos que vai dos primeiros conventos
com o seu trabalho de escrita até a invenção da imprensa. (os incunábulos foram os livros dos
primeiros anos da imprensa. – até o ano de 1500). O livro medieval conservou os conhecimentos,
guardou-os para a Renascença, hibernou-os nos conventos, e preparou, em consequência, sem o
saber e, em certo sentido, sem o querer, o movimento intelectual que substituiria a tábua medieval
de valores. A Renascença não teria sido possível, no que concerne às obras escritas, se a Idade
Média não tivesse possuído esses enormes silos que foram as suas bibliotecas monásticas,
universitárias e particulares. Eis porque os historiadores da cultura, vendo exclusivamente o que
foi conservado, se recusam a enxergar na Idade Média uma era de ignorância e obscurantismo, da
mesma forma porque os historiadores sociais, vendo exclusivamente o que não foi difundido,
acusam-na de todas as faltas de inteligência.
• Para que a Renascença, movimento laico por excelência, pudesse ocorrer, é necessário supor que
os profanos tivessem acesso, um acesso cada vez maior, às bibliotecas, ou, pelo menos, que
tivessem conhecimento dos manuscritos que somente nas bibliotecas existiam. Esse trabalho
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intelectual, ininterrompido em toda a Idade Média, explica que o humanismo medieval seja,
dentro de suas proporções, tão importante quanto o humanismo renascentista.
• Durante toda a Idade Média vê-se aumentar sem interrupção o conhecimento das obras antigas e
dos meios de que dispunham os sábios da Antiguidade. Se se pôde compreender de forma mais
íntima o espírito dos escritores antigos, primeiro na Itália do século XIV, depois em outras nações,
devemos atribuí-lo a causas mais profundas. No seio dos novos povos e mais particularmente nas
cidades constituíra-se uma nova ordem política e social que se assemelhava em muito à que
reinava nas cidades antigas. Disso resultou que o sentimento da vida, as disposições gerais do
espírito, os interesses, as representações, tomaram um aspecto mais pessoal, e é a sua afinidade
com a mentalidade dos povos antigos que tornou possível uma compreensão nova e o
revigoramento do pensamento antigo. (Não existe, assim, entre a Renascença e o período
medieval uma incontestável linha demarcatória. Coexistem uma na outra). Na história do livro,
essa linha poderia ser marcada pela invenção da imprensa. Seria, então, para os nossos fins, o
limite e a distinção. A “nossa” Idade Média não se divide em períodos de maior ou menor
adiantamento intelectual, a não ser na medida em que os progressos nesse domínio se vieram
refletir na técnica do livro, na sua encadernação, na sua ilustração.
• Durante a Idade Média o livro é indústria eminentemente e exclusivamente monástica. Mais do
que um simples trabalho de ordem material, a cópia de manuscritos assumia foros de exercício
espiritual, capaz de aprimorar as virtudes e de realçar os merecimentos sobrenaturais dos monges.
Os livros eram considerados “o eterno alimento das nossas almas” e a sua cópia era colocada entre
os primeiros deveres monásticos. Teodorico, abade de Ouche, repetia continuamente aos seus
monges: “Escrevei! Uma letra traçada neste mundo vos resgatará de um pecado no céu.” Contava
a história “de um monge culpado de numerosas infrações às regras monásticas, mas fervoroso e
assíduo copista. Depois de sua morte, ao comparecer perante o tribunal do Grande Julgamento,
enquanto os anjos maus expunham um a um os pecados que cometera, os anjos bons expunham
uma a uma as letras que tinham escrito. Afinal, uma única letra ultrapassou em número os pecados
cometidos pelo monge, e o Supremo Juiz, absolvendo o culpado, mandou que sua alma retornasse
ao corpo, concedendo-lhe de vida o tempo necessário para corrigir-se.”
• Apesar do zelo assim despendido pelos monges copistas, eram freqüentes os erros cometidos na
cópia ou no ditado (quando se desejava obter várias cópias simultâneas, um monge ditava a vários
copistas o texto original). Se isso acontecia com os textos latinos, mais freqüentes eram os
enganos cometidos nas citações gregas. Como o escriba ignorava frequentemente o grego, de duas
uma: ou decalcava penosamente os traços da escrita grega, ou confessava o seu embaraço,
suprimindo a citação e substituindo-a pelas duas letras gr., isto é, groecum, designação da
ignorância do grego.
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• Aspecto material : a Idade Média consagra a substituição do rolo pelo codex, da mesma forma
por que substitui o papiro pelo pergaminho, e já na transição para a Renascença, o pergaminho
pelo papel. O aspecto material dos manuscritos reflete, como é natural, as condições em que era
trabalhado. Todas as grandes abadias possuíam um scriptorium, oficina de copistas em que o
número de escribas variava, naturalmente, de acordo com a importância do convento. O trabalho
consistia na preparação material do pergaminho, isto é, na sua redução a um tamanho comum
(quadratio); em seguida, as folhas eram polidas ou acetinadas e marcadas as linhas, cujo intervalo
se obtinha exatamente igual por meio de buracos marcados nas bordas com um compasso. As
linhas eram assinaladas, nos primeiros tempos, com um estilete ou com tinta vermelha; mais tarde,
o lápis foi empregado. A escrita se fazia com pena de ganso ou cisne. A tarefa dos copistas era
examinada por corretores que reviam cuidadosamente o trabalho executado e colacionavam os
manuscritos. Em seguida, os rubricadores e miniaturistas se ocupavam da cópia dos títulos e das
iniciais em tinta vermelha. Os iluministas e os ornamentadores colaboravam igualmente na
ilustração do livro. Segundo parece, as palavras miniatura (de minium) e iluminura (de iluminare)
eram inicialmente sinônimas, e, na verdade, não deixam, ainda hoje, de ser, a rigor, sinônimas. Os
tipos de letras empregados eram os herdados da antiguidade, ao lado da carolina, criação da Idade
Média. Reinava a maior fantasia na ligação das letras: pedaços de palavras diferentes eram unidos
entre si, enquanto as letras da mesma palavra eram, com freqüência, desligadas. Quando, no
início da Renascença, os humanistas italianos se puseram à procura das obras literárias da
Antiguidade, os mais velhos manuscritos que encontraram eram, em geral, escritos em carolina.
Ao mesmo tempo que se deleitavam com o texto, adotaram-lhe o tipo de letra, que se tornou o
protótipo da escrita humanística. Os caracteres de imprensa “romanos” e “itálicos” são derivados
da carolina antiga, através dos humanistas.
• A raridade, e por conseqüência, o alto preço do pergaminho obrigará a um aproveitamento integral
da folha; as letras diminuem, tornam-se arredondadas, e, por volta dos séculos XI e XII, aparecem
as abreviações, que acabarão por obedecer a um código fixo. Enfim, é ainda nos meados do século
XII que surge a escrita chamada “gótica”, produto da substituição das curvas pelos ângulos. Ao
terminar a cópia, acrescentava-lhe o copista as linhas da “subscrição” ou do “colofão” , nas quais
mencionava o título do livro. Essas linhas começavam, em geral, com as palavras explicitus est, ou
explicit, reminiscência, ainda do rolo antigo: elas significavam que o manuscrito estava
“desenrolado”. Quando o título era colocado no começo do livro, o texto começava com as
palavras : hic incipit, isto é, “aqui começa”, explicando-se, em seguida, de que livro se tratava. É
ainda a penúria e o prelo do pergaminho que provocarão o fenômeno dos “palimpsestos”, embora
tal procedimento já se praticasse nos papiros.
• Tipos de ilustração: Com certa incorreção, podemos dizer que são dois os tipos de ilustração
praticados nos manuscritos medievais: a iluminura e a miniatura. Na verdade, esses dois tipos se
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reduzem a um só, visto que a ornamentação dos manuscritos (illuminatio) não compreende apenas
a aplicação minium nas letras e nas figuras: a miniatura é uma técnica mais pobre e mais restrita
que a iluminura, e só esta última merece propriamente o nome de “ilustração”, de “decoração” da
página. A miniatura seria, quando muito, a espécie de que a iluminura seria o gênero: ao passo que
os simples ornamentos, letras de fantasia e outros motivos de ornamentação recebem o nome de
miniaturas quando traçadas com linha vermelha composta de mínio (nome vulgar do óxido
natural de chumbo, também conhecido como vermelho-cinábrio ou zarcão;
dissolvido no óleo, o mínio dá uma mistura que é utilizada para proteger o ferro da
destruição pela ferrugem.) e cinábrio, (mineral sulfeto de mercúrio (HgS), o nome iluminura é
reservado para os desenhos ilustrativos propriamente ditos, em que a abundância e variedade de
cores são muito maiores. Havia o hábito de “ilustrar” a história do texto com a representação
gráfica dos episódios, ou de simplesmente “alegra-lo” com desenhos coloridos muitas vezes sem
nenhuma relação com o assunto do livro ou da página. Muitos livros piedosos apresentam
ilustrações profanas e até impudicas, sem que, segundo parece, isso chocasse de qualquer forma os
sentimentos dos leitores. (alguns monges, embora incentivados às cópias, eram proibidos de
pintura). Pouco a pouco, das grandes letras iniciais que se complicavam de arabescos e de cores, a
ilustração invadiu toda a página. No século VI a inicial ganha tamanho e beleza; um século mais
tarde, ela se prolonga pelas margens. Daí em diante é propriamente a história da ilustração
medieval que começa: o saltério que em 772 Carlos Magno ofereceu ao papa Adriano I é
apontado como um exemplo magnífico dos progressos alcançados pela iluminura. Houve, por
outro lado, uma espécie de “especialização” de cada uma das técnicas: a miniatura ficou
reservada, em geral, para as letras ornadas, muitas vezes formadas por figuras fantásticas de
animais mitológicos ou de homens, aves, peixes e flores, enquanto a iluminura correspondia à
ilustração propriamente dita. A história da iluminura pode ser dividida em duas fases: a fase
hierática e a fase naturalista. Na primeira (hierática) o ilustrador trabalha exclusivamente para
os clérigos. Os volumes decorados são os livros de igreja, sendo que o clero é praticamente a
única classe social que se entrega à leitura. Além disso, o próprio artista é, no mais das vezes, um
eclesiástico, e quase sempre, um monge. “Ele falará aos olhos dos seus irmãos a mesma linguagem que à sua
inteligência falam a teologia e a literatura sagrada, o que lhe é mais familiar à boca e aos ouvidos, isto é, a
linguagem simbólica. Mesmo no desenho, ele pretende tocar mais ao espírito que à vista; reproduzirá tipos
convencionais, emblemas seculares, que estará certo de ver apreciados e compreendidos; seguirá a tradição, e não a
natureza. (...) Sem dúvida, ele decorará cuidadosamente as iniciais, traçará desenhos de puro ornamento, e a
fantasia lhe inspirará, por vezes, encantadoras idéias; mas o cúmulo do seu talento, o supremo no gênero consistirá
em fazer com que as coisas mais simples digam o que elas não dizem aos ignorantes. Por exemplo, ao pintar um
Cristo crucificado, não se preocupará em fazer escorrer naturalmente o sangue das feridas, nem de representar a
cena do Calvário tal como se deve ter passado em realidade. Ele terá em vista, acima de tudo, o sentido místico da
cena; e fará escorrer o sangue divino num cálice sustentado por uma mulher: será a Igreja recolhendo os frutos da
paixão do Salvador. Uma mão significará Deus, um peixe, o cristão batizado.” Essa “maneira” durou da época
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merovíngiana até os meados do século XIII, e ela é hierática pelo simbolismo que a domina. A
iluminura, a ilustração, não são a cópia da realidade, são a sua interpretação, visto que a própria
realidade, impregnada de sobrenatural, é menos um fato que um reflexo. Como tudo, nessa
“primeira fase da Idade Média”, o trabalho do manuscrito é sagrado, e não profano. Mas a partir
dos séculos IX-X, inicia-se em todas as coisas um processo de “profanização”. São inúmeros os
sinais que um historiador da cultura poderia apontar como índice desse novo estado de espírito
que começa a se fazer sentir. Há como que uma expectativa da verdadeira revolução que os
séculos XIV-XV introduzirão na Europa com a vulgarização do papel, com as aplicações da
pólvora, com a invenção da imprensa. As artes e as letras começam a se secularizar; o mecenato
típico da segunda fase da Idade Média começa a se exercer, deslocando dos conventos para os
castelos uma parte dos trabalhos intelectuais. E seja para se fazer melhor compreender, seja pelo
decréscimo de sua “sacralidade” espiritual, o artista começa a representar os seus personagens
com os traços e as roupas dos seus contemporâneos: a “cor local” aparece e os pormenores típicos.
O simbolismo cede lugar ao realismo: daí a fase “naturalista”. Esta fase abre-se no século XIII,
ainda que experiências isoladas se possam encontrar anteriormente; ela alcança o seu apogeu no
século SV e se prolonga até o século XVI, época em que, à força de seu desenvolver no sentido
indicado, a miniatura se transformará na grande pintura. Além do vermelho originário, passaram-
se a empregar, mais tarde, nas miniaturas, o azul-claro e, nos manuscritos de luxo, caracteres
dourados ou prateados. Os artistas que trabalhavam as letras de ouro chamavam-se crisógrafos: a
utilização do ouro parece uma das mais evidentes influências bizantinas na arte da ilustração.
Lecoy de La Marche distinguia duas fases na arte de iluminar os livros: o período gótico
(arabescos, animais fantásticos ou verdadeiros, os personagens hieráticos, magros e alongados. As
cores são, a princípio biinárias ou ternárias – verde, vermelho ou marrom e amaralho. Tudo se
apresenta sem perspectiva, uma arte ainda rudimentar) e o período da Renascença (a técnica de
ilustração passa pelos aperfeiçoamentos que distinguem, em geral, toda a época: a iluminura se
transforma em verdadeira pintura e dá, mesmo, nascimento à pintura moderna. A miniatura e a
iluminura, artes essencialmente “manuais”, desaparecem com o manuscrito e pelos mesmos
motivos que determinaram o seu abandono, entre os quais, e antes de mais nada, se conta a
invenção da imprensa. Tanto o texto quanto as ilustrações passam a ser feitos mecanicamente,
ainda que os primeiros impressos reservassem o espaço necessário para as grandes iniciais
pintadas à mão e para a ilustração igualmente manual. A partir do século XV, pode-se dar como
terminado o período histórico dos manuscritos e da sua ilustração.
• A encadernação: na Idade Média, houve principalmente 2 tipos : couro e ourivesaria. Couro: liso,
gravado e estampado a frio. A ourivesaria, que respondia mais a intenções artísticas e de luxo que
ao desejo de proteger o livro, consistir em “placas de madeira ornadas de marfim esculpido, de
prata ou de ouro trabalhado e incrustado, ao mesmo tempo, de pedras preciosas, de pérolas e de
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esmalte pintado.” Esse tipo de encadernação era usado sobretudo para os livros de igreja e por
isso se conhecem igualmente pelo nome de “encadernações de altar”. A encadernação bizantina
caracterizava-se pelo abundante emprego de placas de ouro e de pedras preciosas, dentro das quais
se conservava o manuscrito. Entretanto, ess técnica de encadernação começa a se tornar rara a
partir do século XIV, e grande número de encadernações litúrgicas se executa, a partir dessa
época, em veludo ou couro, pregando-se nos vértices, para maior proteção, cantoneiras de metal. É
igualmente nessa época que o “estilo gótico” começa a influenciar a encadernação. Foram os
árabes que primeiro produziram encadernações de couro com gravuras douradas ou prateadas. A
encadernação com o couro liso era conhecida desde a Antiguidade. No decorrer dos séculos XIV
e XV , conhecem-se as encadernações de couro gravado: nesse caso, “desenhava-se sobre o couro
previamente umedecido um modelo que era em seguida gravado à faca. Esvaziava-se, em seguida,
o fundo, de forma a fazer com que o desenho ressaltasse em relevo”. Os ornamentos preferiso
eram os nossos já conhecidos animais fantásticos do período gótico (a encadernação em couro
gravado é sobretudo uma arte alemã), o que de resto, não excluía os anjos, os santos e os
cavaleiros com suas damas. A última técnica é a do couro estampado a frio: uma espécie de pré-
estado da encadernação moderna, porque a estampagem a frio não comporta nenhuma douração.
Os motivos ornamentais são uma série de enquadramentos entrelaçados e compostos de pequenas
figuras quadrangulares, triangulares, redondas, ou em forma de coração. Em geral, os quadros do
exterior diferem dos do centro; no meio, os ferros são dispostos seja em pequenos losangos
formados pelas linhas que se cruzam em diagonal, seja disposto mais livremente.
CÓDICE
Livro manuscrito organizado em cadernos cosidos ao longo da dobra e protegidos por uma encadernação
(codex). Esta forma de livro sucedeu à do rolo (volumen) e começou a ser adoptada em Roma no século I
da era cristã. A partir do século XV o livro manuscrito foi gradualmente rendido pelo livro impresso,
sobrevivendo mais alguns séculos como veículo de textos de circulação restrita (a literatura clandestina,
por exemplo) ou de carácter provisório (versões manuscritas de textos a imprimir).
O códice diz-se membranáceo quando os fólios são em pergaminho, se bem que até ao século V
tenha havido códices de papiro e, depois do século XII, códices em papel. Na elaboração de um códice
intervinham um ou mais copistas e um encadernador, para além de poderem estar envolvidos outros
especialistas (um rubricador, um iluminista, um revisor), ligados todos eles a centros de produção
codicológica: mosteiros e, a partir de finais do século XII, também a universidade. O material
indispensável para a fabricação do códice envolvia instrumentos de regramento, escrita, decoração e
encadernação (como o estilete, o compasso, a régua, a férula, a pluma, o cálamo, o pincel) bem como as
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correspondentes matérias-primas (giz, plumbagina, tinta, pigmento, cola, resina, nervo de boi, pele,
madeira, metal). Sobre a superfície do suporte era distribuída, geralmente a duas colunas, a mancha
gráfica, obedecendo este trabalho de empaginação a normas destinadas a manter uma proporção
geométrica entre largura e altura, margens, intercolúnio e linhas do texto. Estas proporções tornam-se
tradicionais e passam a fazer parte da expectativa do leitor, de modo que a imprensa começará por
respeitá-las nos incunábulos e tardará em introduzir uma proposta alternativa de empaginação.
O trabalho de cópia do códice exigia ora a leitura de um modelo (o exemplar) por parte do copista
isolado, que assim se convertia no elo de uma "transmissão em cadeia", ora a leitura em voz alta,
destinando-se o texto oral a vários copistas que trabalhavam simultaneamente e protagonizavam uma
"transmissão em leque", ora ainda o desmembramento do exemplar, distribuindo-se os seus cadernos por
diferentes copistas (transmissão pelo sistema da pecia). Os dois primeiros sistemas eram seguidos nos
scriptoria dos mosteiros, e o último nas tendas de livreiros ligados às universidades. Tanto a cópia pelo
sistema em leque como, e sobretudo, pela pecia permitiam uma multiplicação do exemplar segundo
números próximos já das tiragens da imprensa tipográfica.
COLOFÃO ou CÓLOFON
Dístico final de um livro que contém informações sobre o autor, o tipo de edição, o lugar e a data da
publicação da obra. Diz-se também da informação fornecida pelos tipógrafos sobre o lugar e adata da
impressão e que, regra geral, aparece no final da obra. O colofão funciona, portanto, como emblema de
um editor, também conhecido por imprint, quando aparece na capa de um livro. O colofão aparece no
século XV, após a invenção da imprensa, e já então representava uma marca de prestígio do editor. As
palavras “fim” ou “finis”, e também “Laus Deos” (“Deus seja louvado”), após a conclusão de um texto,
podem também ser consideradas colofões.
O livro de Vitorino Nemésio Nem Toda a Noite e a Vida (2ªed., rev., 1973) termina com um
poema com o título “Cólofon”, que pretende ser uma espécie de testamento poético de Nemésio, que quis
deixar a sua marca “tipográfica”, em forma de versos finais.
Disponível em http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/C/codice.htm
Capítulo 4 : O papel
• Fabricação na Antiguidade: “papel” vem, etimologicamente, de “papiro”, que era papyrus em
latim e papurs em grego. Mas, ainda uma vez, o nome poucas relações tem com a coisa, e o papel
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não é um derivado do papiro: é o seu rival vitorioso. A sua história é antiga, embora muito menos
que a do papiro; e como o papiro, o papel veio do Oriente: da China. Há uma imprecisão em
relação às origens do papel. (alguns falam em 213 a.C). Os chineses fabricavam o “papel de seda”:
cortava-se ou rasgava-se a seda em tiras e pedaços miúdos, logo postos de molho numa cuba cheia
de água. O tecido apodrecia e fermentava, as fibras pouco a pouco se desintegravam e formavam
uma pasta que, posta a secar, se transformava em papel. Já era, como se vê, o embrião da
fabricação moderna, da qual só se distingue quantitativamente. Os chineses, que o soubessem ou
não, isolavam, por conseqüência, a celulose para formar o que se chama a pasta de papel.
• Introdução na Europa: É nos albores da Idade Média que o papel faz a sua aparição na Europa:
foram necessários mais de mil anos para que a invenção chinesa chegasse ao Ocidente, o que teria
ocorrido com o estabelecimento de uma fábrica na Espanha, em 1144 e depois nos “moinhos de
papel”, na Itália em 1276. Esses moinhos “eram acionados por força hidráulica; a roda punha
em movimento alguns pesados pilões que, sob a ação contínua da água, fragmentavam as
matérias-primas (panos, trapos de algodão, fibras diversas) e as reduziam a um mingau claro, a
pasta de papel, em seguida derramada numa cuba. Mergulhava-se nesta última uma fôrma
constituída de fios de latão emoldurados de madeira e nela se recolhia certa quantidade de pasta,
que viria a constituir, depois de seca, uma folha de papel. Com o emprego de feltros,
comprimiam-se as diversas folhas, eliminando-se o excesso de água; cientemente firme para
poder receber a escrita. Assim, pode-se dizer que se criou desde o primeiro dia a técnica de
fabricação do papel. O operário que colhia uma a uma, nas suas fôrmas, as folhas de papel, foi
substituído pelas máquinas gigantescas que fabricam o papel aos quilômetros; e a própria fôrma se
perpetua, ainda hoje, para as exigências da filigrana. Também desde o primeiro dia se sentiu
necessidade de acrescentar cola ao papel: isso torna ainda mais estranho que não se tenha criado
antes do papel comum o papel mata-borrão, inventado por acaso, segundo se diz, por um operário
que certo dia esqueceu de juntar cola à sua pasta. Isso, porém, nos conduz à criação do mundo
moderno, ao fim da Idade Média com a substituição total do nobre pergaminho pelo papel, esse
primeiro burguês da civilização ocidental. (Os 3 períodos da civilização ocidental: argila e papiro;
papiro e pergaminho; pergaminho e papel.) A expansão do islamismo reduzira as exportações
egípcias do papiro, substituído pelo pergaminho, na corte merovingiana entre 659 e 679,
desaparecendo praticamente depois de 716. Outra conseqüência profunda, acrescenta ele, foi a
crescente importância das línguas vernaculares, assim se alargando o hiato entre as tradições oral e
escrita, na medida mesmo em que a Igreja e os mosteiros privilegiavam o latim. A primeira etapa
da introdução do papel na Europa é marcada pelo ano de 751, quando diversos prisioneiros
chineses, trazidos para Samarcande, cidade de Ásia Central, nela introduziram a indústria do
papel. É pois, aos chineses que se deve, além da invenção, o primeiro impulso na direção do
Ocidente. Essa etapa durou seis séculos e meio. O passo seguinte é mais rápido: em menos de
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cinqüenta anos, em 794, encontram-se fábricas de papel em Bagdá e em Damasco. Entrava o
papel na rota das caravanas: o caminho do Ocidente estava aberto. Com efeito, junto com outras
preciosidades, os árabes colocaram o papel no ciclo das suas atividades comerciais com o mundo
cristão. Com a parada tradicional na África, o papel passa para a Espanha, onde já o encontramos
em 1144. Mais dois séculos, e o “manuscrito em papel” substitui o “manuscrito em pergaminho”.
É que, entre a introdução e a divulgação, um período que hoje nos parece longo teve de se escoar.
O emprego do papel só se revelaria em todas as suas possibilidades quando novas condições
espirituais começassem a modificar a cultura medieval. Juntamente com a pólvora, essa outra
invenção chinesa, o papel é o grande aríete do mundo renascentista que se anunciava, contra o
mundo medieval que sucumbia. A transformação seria feita, em grande parte, através do livro e da
palavra escrita: o papel é que se ia revelar, na verdade, a grande arma, a arma mais perigosa, mais
potente e de maior alcance já inventada pelo homem. Nesses dois séculos de hibernação européia,
o papel aguardava, apenas o seu momento. Da Espanha para a Itália, da Itália para a França, a
Inglaterra e a Holanda, fechou o papel o seu circuito europeu: a história da civilização moderna foi
escrita, em grande parte, não “sobre” papel, mas “pelo” papel. Na França, há moinhos de papel
funcionando em Troye e em Essones, no século XIV; desde o século anterior na havia moinhos na
Alemanha. O papel encontraria o seu grande destino, até aos fins do século XVIII e, mesmo, aos
começos do século XIX, na Holanda, país de liberdade espiritual, onde o livro e o pensamento se
acolheram durante os longos períodos de censura vigorantes na Europa. A Holanda será, por isso,
durante uns dois séculos, a “oficina tipográfica” e editorial do mundo inteiro. Daí o seu prestígio e
a glória das suas prensas. A introdução e a vulgarização do papel na Europa decidiu dos destinos
da nossa civilização porque ele vinha responder às necessidades que todos sentiam de um material
barato, praticamente inesgotável, capaz de substituir com infinitas vantagens o precioso
pergaminho. A “democratização” da cultura é, antes de mais nada, o resultado dessa substituição:
pode-se dizer que, sem o papel, o humanismo não teria exercido a sua enorme influência. Toda a
fisionomia de um mundo estaria, então, completamente mudada.
• Fabricação moderna : Até os fins do século XVIII, a fabricação do papel era puramente manual.
Os moinhos de papel eram oficinas primitivas, onde se faziam as folhas uma a uma, em
quantidades que ainda não chegavam para caracterizar uma indústria. Esta última aparece quando
é possível combinar o máximo de produção no mínimo de tempo, o que equivale a dizer que ela é
inseparável da máquina. A utilização do papel em larga escala dependia, assim, de um
aperfeiçoamento na técnica. A primeira máquina de fazer papel data de 1798 (inventor Louis
Robert), dois anos antes do fim do século XVIII. E notem a singularidade: como o papel aparece
na Europa para encerrar um período histórico, permitindo a substituição da Idade Média pela
Renascença, a máquina de papel aparece, da mesma forma, para encerrar outro período
histórico, permitindo a substituição da monarquia absoluta pelos sistemas democráticos de
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governo. É difícil imaginar a Renascença e o movimento humanista sem o papel; é igualmente
difícil imaginar todo o desenvolvimento democrático da cultura ocidental, a partir da Revolução
Francesa, sem o papel. A máquina de Louis Robert poucas relações terá com as grandes máquinas
modernas, a não ser, naturalmente, as do mesmo princípio em que todas se fundam. É que nesse
caso, como no de todas as outras grandes invenções técnicas, o “inventor” inventa apenas o
princípio: é toda uma série posterior de “técnicos” que aperfeiçoa e corrige o seu trabalho. O
trabalho do inventor é um trabalho de imaginação; o trabalho dos técnicos é um trabalho de
realização. Assim, as primeiras máquinas são sempre “esquemáticas”, enquanto as suas formas
definitivas são sempre “enciclopédicas”: a história das máquinas é a história da simplicidade
para a complexidade e da disformidade para a elegância, como é também a da marcha para uma
produtividade cada vez maior.
• Fontes da celulose; transformação da celulose em pasta de papel; transformação da celulose
em pasta de papel: Originalmente, os trapos de seda, linho e de algodão forneciam quase
exclusivamente a matéria-prima do papel. Em nossos dias, entretanto, a fonte principal da celulose
é a madeira, restando os tecidos como fonte de celulose para a fabricação dos papeis de luxo. Na
escolha das madeiras, guiam-se, naturalmente, os fabricantes pela respectiva riqueza em celulose,
que varia de uma espécie para outra. A espécie mais rica de todas, que permite um aproveitamento
de quase cinqüenta por cento, é o pinheiro, de que existem dois tipos: o “pinheiro europeu”
(Finlândia, Noruega, Suécia, Canadá) e o pinheiro do hemisfério sul, este um pouco mais duro que
aquele e, por isso, inferior na fabricação do papel. Outro material que se tem revelado de um
emprego cada vez mais amplo, é a palha de cereais. De uma forma geral, qualquer substância que
contenha celulose serve para a fabricação do papel; o único limite é o da riqueza maior ou menor,
que governa, como é claro, maior ou menor rentabilidade industrial. A transformação da celulose
em pasta de papel depende de processos diferentes, segundo se trate de trapos, de madeira ou de
palha, sendo as operações para a produção basicamente as mesmas, obviamente consideradas as
inovações mecânicas e tecnológicas. A pasta, que é naturalmente amarelada, se branqueia, neste
como nos demais casos, como o emprego de oxidantes. A madeira encontrou o seu emprego na
indústria o papel na segunda metade do século XIX. Há dois tratamentos diferentes, segundo se
pretenda obter a celulose pura, também chamada de pasta química ou pasta de bissulfito, com a
eliminação de todas as outras matérias-primas de madeira, ou a pasta mecânica, na qual tudo é
utilizado. O primeiro tipo é chamado de pasta química porque são empregadas substâncias
químicas no tratamento da matéria-prima, em geral, o hipossulfito de cálcio; a outra pasta tirou
seu nome dos processos exclusivamente mecânicos empregados na sua fabricação. A diferença
entre ambas é que a pasta mecânica produz um papel mais barato e menos sólido, sensivelmente
mais grosseiro. Para obter melhor qualidade sem alterar enormemente o preço, costuma-se
misturar um pouco de pasta fibrosa à pasta mecânica: isso produz um papel mais sólido. Assim, se
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obtem uma variedade imensa de papéis, conforme as proporções da mistura. Pra a obtenção do
papel, a pasta é mergulhada em água e, por meio de um movimento giratório, desintegrada pela
passagem obrigatória entre lâminas móveis que trabalham conjugadas com lâminas fixas. O
espaço entre as lâminas determinará o comprimento das fibras, cujas extremidades são, por sua
vez, abertas e divididas em fibrilhas. Esse tratamento determina, juntamente com a espécie de
fibra empregada, as diversas qualidades de papel, que variam segundo a sua intensidade e duração.
É também nessa fase que se acrescentam à pasta a quantidade de cola necessária para a
impermeabilização que se deseja, e, ainda, as anilinas apropriadas, quando se trata de obter papel
colorido. A noção de formato da folha tipográfica de papel e, por conseqüência, a do formato do
livro é, em nossos dias, “absolutamente factícia”. Efetivamente, com o desaparecimento das
fôrmas manuais, que produziam folha por folha com um formato, isto é, com dimensões
determinadas, desapareceu, igualmente, a folha, no seu sentido tradicional. As grandes máquinas
transformaram por completo não apenas a quantidade horária, mas ainda a própria apresentação
material do papel: hoje a “folha” é obtida pelo corte, em dimensões convencionais, quando isso se
torna necessário, da longa fita de papel produzida pela máquina. Em geral, a “bobina” não
segmentada se adapta à máquina de impressão e aí, então, já não se pode mais, a rigor, falar em
folha, nem por conseqüência, em formato. Mas as idéias representadas por essas duas palavras
têm, na prática, uma grande utilidade, de maneira que a noção convencional de formato continua a
vigorar em bibliotecologia, embora modernamente se procurem substituir as denominações
clássicas pelas medidas correspondentes. O formato do livro depende, em certa medida, do
formato da página tipográfica, ou, pelo menos, existe entre ambos tal relação recíproca que se
torna conveniente estuda-los em conjunto. Na verdade, o que se chama de formato do livro é pura
e simplesmente a dimensão desse livro, “dimensão determinada pelo número de páginas contido
em cada folha”. Ou, em outras palavras: “o formato bibliográfico compreende a dimensão da folha
de papel impressa, depois que ela foi dobrada segundo o número de páginas que contém.” Assim,
o formato do livro não se relaciona, a rigor, com o tamanho da folha de papel, mas pode, em
circunstâncias determinadas, depender dele, no sentido de que certas folhas permitem ou não obter
alguns formatos convencionais. Retenhamos, desde logo, a recomendação de Albert Cim, a fim de
não confundir o formato com a espessura do livro: o formato é a medida da superfície e não
indica senão a altura e a largura do volume. É fácil compreender as denominações correntes dos
formatos: o in-plano, também chamado formato atlas ou atlântico, resulta da folha não dobrada e
compreende, em conseqüência, apenas duas páginas, reto e verso; o in-fólio resulta da folha
dobrada em dois e contém quatro páginas; o in-quarto resulta da folha dobrada em quatro e
contém 8 páginas; o in-octavo resulta da folha dobrada oito vezes e contém 16 páginas; o in-doze
resulta da folha dobrada doze vezes e contém 24 páginas. Atualmente consideramos grande
formato os volumes que ultrapassam 35 cm; formato médio aqueles volumes que têm entre 25 e
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35 cm e pequeno formato os volumes abaixo de 25 cm. Os bibliotecários brasileiros guardam
ainda, entretanto, o nome de “in-fólio”, por comodidade e para os simples efeitos de arrumação
nas estantes, para os livros cuja altura, ultrapassando de muito as médias comuns, os obriga a
serem deitados nas prateleiras.
Capítulo 5 – A imprensa antes de Gutemberg
• O livro xilográfico : (xiloglifia : arte de esculpir caracteres em madeira) – É necessário
distinguir a arte de imprimir da tipografia, que se prende, ao contrário daquela, à história do
livro e da imprensa, no sentido correto da expressão. Segundo tudo se indica, as técnicas
tipográficas eram praticadas na China desde o segundo século da nossa era e na Europa desde a
segunda metade no século XIII, surgiram de outras preocupações, de um estado de espírito
diferente do que provocara, na Antiguidade, a produção de selos, anéis, medalhas e moedas. Com
efeito, é impossível confundir simples inscrições em metal, e mesmo em argila (como as que
constituíam os livros das bibliotecas mesopotâmicas), que pertencem, sem dúvida, à arte de
imprimir no seu sentido lato, com o processo de imprensa, inventados independentemente das
primeiras e visando finalidades completamente diferentes: “a imprensa não consiste somente num
sinal qualquer sobre o papiro, pergaminho ou papel, mas também e sobretudo na reprodução
rápida e ilimitada da escrita ou da palavra.” Da mesma forma que não devemos recorrer a
fantasias da antiguidade, confundindo-as com a arte de imprimir, também devemos evitar o erro
de supor que ocorra alguma relação entre a imprensa chinesa e a que começa a praticar na Europa,
antes de Gutemberg, a partir do século XIII. É inegável a existência de uma tradição segundo a
China possuiria, desde o segundo século da nossa era, um processo litográfico de impressão1 ,
que teria, mesmo, precedido a impressão xilográfica . Mas a verdade é que nenhum exemplar nos
resta dessas primeiras impressões e não se sabe até que ponto a imaginação chinesa terá
contribuído para esta história maravilhosa da palavra impressa. Tudo o que se pode afirmar com
segurança é que o impresso xilográfico chinês mais antigo que se possui data, segundo Svend
Dahl, do ano de 932 da nossa era: é o mais antigo existente, o que permite concluir, da sua própria
existência, que o processo já era praticado algum tempo antes. Pelo menos, a tradição japonesa
menciona impressões em madeira desde o século XIII: como o Japão tomou da China todas as
técnicas de impressão, tal fato contribui para afirmar a existência de uma “tipografia xilográfica”
chinesa anterior ao exemplar que se salvou da destruição. Tanto na China quanto na Europa as
impressões xilográficas foram feitas inicialmente em planchas únicas, com todo o texto de cada
1 Litografia : arte de reprodução por impressão, de desenho ou escrito gravado numa pedra (também chapas de zinco ou alumínio)
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página gravado na madeira de uma vez só. Na Europa, esse processo representa, por um lado, uma
espécie de projeção do manuscrito na técnica de impressão e, por outro lado, uma transição entre
o manuscrito e a imprensa propriamente dita. Com efeito, é sabido que durante alguns anos o
livro impresso imitou conscientemente o aspecto material do manuscrito. Os países orientais
contam a invenção da imprensa do tempo em que começaram as impressões tabelares e
consideram os tipos móveis quase como uma criação tardia e sem importância. Tal distinção
repousa na diferença entre a escrita ideográfica e o alfabeto: “Nas línguas européias, a escrita se
baseia no alfabeto: para elas, a invenção da tipografia é a invenção da imprensa. No extremo
Oriente, a escrita se baseia em cerca de 40 mil símbolos independentes: nesse caso, e até à
grande venda de caracteres por atacado nos últimos anos, o uso de tipos móveis raramente era
prático ou econômico. Em qualquer país, a invenção da tipografia corresponde à invenção da
forma de impressão que transforma a sua educação e cultura.” (mas mesmo assim, na China do
século XI, já eram fabricados caracteres móveis de argila cozida e, mais tarde de cobre e de
chumbo. Se esse processo não se desenvolveu na China foi porque os chineses empregavam um
número muito grande de sinais).
• As impressões tabelares: Na Europa, aquela projeção do manuscrito sobre o impresso, da página
sobre a letra, aparece de maneira ainda mais sugestiva nas primeiras impressões xilográficas, que
receberam o nome de impressões tabelares ou tabulares justamente por serem feitas com o
emprego de tabuinhas: é que, em flagrante contradição com o espírito mesmo da tipografia, essas
impressões eram feitas em folha única, tal como a cópia manuscrita. Esses impressos, dos quais se
conhecem mais de três mil, datando do século XV, reproduzem coisas aparentemente
contraditórias, como imagens de santos e baralhos, além de calendários. Mas, a contradição
desaparece como tal se nos lembrarmos que toda a Idade Média foi uma idade de contradições e
que nela a piedade e o deboche conviviam lado a lado, assim como o sentimento religioso e a
crueldade, as virtudes e os vícios: o jogo de cartas, em particular, “fazia furor” nos séculos XIV e
XV. (Segundo pesquisas mais recentes, isso teria mais relações com o trabalho de Gutemberg do
que pensamos.) O mais antigo dos impressos tabelares hoje existente data de 1418 e representa a
Virgem de pé, com o Menino Jesus nos braços. Outro tipo de impressão tabular, este não
xilográfico, é o dos impressos “à pasta”, processo de invenção alemã: “consistia em imprimir,
contra o papel recoberto de uma pasta mole, mas de rápido endurecimento, a placa metálica que
se desejava reproduzir, gravada e untada de tinta preta. Colorindo-se a pasta, aumentava-se
ainda o efeito produzido pelas imagens, que representavam sempre cenas de piedade.
Conservaram-se mais ou menos 150 desses impressos, todos infelizmente em muito mal estado.”
Não tardou a surgir a idéia de reunir essas impressões tabulares em livros: datam da metade do
século XV os primeiros livros tabelares, executados segundo se acredita, na Holanda. Eram livros
destinados não ao povo, mas ao baixo clero, encarregado da predicação popular, e ao qual serviam
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de manuais. Sabe-se que era total o analfabetismo das classes populares na Idade Média: isso
elimina desde logo a idéia de que se imprimissem livros que lhes fossem destinados. Essa
destinação era apenas indireta, tanto que os textos, aliás reduzidos, dos livros tabelares eram
escritos em latim: deduz-se, por conseqüência, que o clérigo neles encontrava o tema da
predicação e o ilustrava com as imagens piedosas ali impressas. Os primeiros livros de imagens
foram impressos na Holanda: esse fato parece ser o primeiro sinal do papel importante que os
Países Baixos teriam, durante alguns séculos, na vida do livro impresso e na manutenção da
liberdade de pensamento. A impressão xilográfica constitui o primeiro passo no sentido da
descoberta da impressão em caracteres móveis: com efeito, o mesmo simples raciocínio que
conduziu da folha tabelar para o livro tabelar deveria conduzir da plancha xilográfica para os
caracteres móveis. O caminho para o incunábulo estava aberto. Foi, efetivamente, a vista de
uma plancha xilográfica que deu a Gutemberg a idéia de separar individualmente os diversos
caracteres: do tipo móvel de madeira para o tipo móvel de metal a passagem é igualmente
inevitável, desde que o primeiro levanta os problemas da simetria, da durabilidade e do
alinhamento que somente o segundo pode resolver.
• Os caracteres móveis e a imprensa : Aqui abordamos um aspecto paradoxal da história do
livro: o de que o uso de caracteres móveis é anterior à própria invenção da imprensa ! Esta
última, costuma-se data-la convencionalmente de 1455, ano em que Gutemberg imprimiu a
famosa Bíblia de 42 linhas2: ora, muito antes disso, em 1260, os fundidores europeus tinham
licença para fabricar letras isoladas. E, embora não haja ligação nenhuma entre a “imprensa”
oriental e a ocidental, não é menos certo que livros impressos com caracteres móveis, datando das
primeiras décadas do século XV, foram descobertos na Coréia. Assim, temos que retificar os dois
lugares-comuns que atribuem a Gutemberg seja a invenção da imprensa, seja a invenção de
caracteres móveis: uma coisa como outra já existiam na Europa quando ele começou a trabalhar
em tipografia. Foi outra a invenção de Gutemberg: ele abriu, na verdade, o caminho para a
grande imprensa, e o seu mérito em nada fica diminuído porque, mais do que na invenção
2 A obra suprema de Gutenberg e desses primórdios da imprensa é essa Bíblia de 42 linhas, que leva o seu nome e também de Bíblia Mazarina, por ter pertencido à biblioteca do cardeal Mazarino o primeiro exemplar. O que chamou a atenção dos bibliófilos foi “a força e a beleza do velino, e do papel dos exemplares que nele foram impressos, o brilho da tinta, a regularidade da tiragem, fazendo desse volume um monumento admirável do grau de perfeição que, desde a sua origem a arte tipográfica atingiu.” São palavras de Rouveyre, que exprimem a opinião unânime dos historiadores. Svend Dahl descreve-a da seguinte maneira: “Cada página – e são 1200- é dividida em duas colunas, sendo o tipo exatamente o da escrita gótica do último período, tal como a conhecemos pelos grandes manuscritos de luxo, com os seus caracteres vigorosos e fortemente angulares. Para as subscrições, as iniciais, as rubricas e os desenhos marginais, o impressor deixou espaço livre a fim de que fossem traçados; mas, em alguns exemplares, há subscrições impressas a tinta vermelha. Existem ainda 41 exemplares da Bíblia de Gutemberg, dos quais doze impressos em pergaminho. É provável que a edição tenha sido de apenas cem exemplares.” A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui dois exemplares da Bíblia de Mogúncia (de 1462), que não é a de Gutemberg, mas de Fust e Schoeffer. Pesquisas confirmaram as estimativas do cardeal Piccolomini (futuro Papa Pio II), segundo as quais foram impressos cerca de 180 exemplares da Bíblia de 42 linhas, mas acrescentaram dados interessantes a respeito da tinta de impressão aperfeiçoada por Gutenberg, assim resolvendo um dos seus mais árduos problemas. Utilizando-se do cicloton (o mesmo empregado no desenvolvimento da bomba atômica), pesquisadores da Biblioteca Pierpont Morgan, de NY, e da Universidade da Califórnia, identificaram-lhe a composição: Gutenberg acrescentou chumbo e cobre às fórumulas conhecidas, assim obtendo uma tinta que conserva até hoje o seu brilho e frescor, além de não haver perdido coloração.
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material, ele consiste em “ter visto” o que se poderia tirar de uma idéia que “estava no ar” e que
apenas aguardava os seus meios práticos de realização. A tipografia representa menos uma
invenção do que um aperfeiçoamento da arte de imprimir, mas é apenas com Gutemberg que ela
adquire a sua realidade técnica, a sua possibilidade de existir. A própria palavra “tipografia” é
raramente empregada durante o século XV, isto é, durante todo o período em que o incunábulo,
sendo embora um livro impresso, prolongava artificialmente a vida do manuscrito, ou pelo menos,
a sua aparência. É apenas a partir da segunda metade do século XVI, quando o livro impresso
corta definitivamente todas as suas ligações com o manuscrito que o termo se torna de um
emprego freqüente.
Capítulo 7 – A difusão da imprensa
• Os incunábulos: (do latim incunabulum, berço): expressão técnica que designa os livros
impressos até o ano de 1500 (no norte Europeu até 1550). O interesse pelos incunábulos começa
no século XVIII, mas é no XIX e no XX que se publicam as grandes bibliografias referentes ao
assunto (inventário e descrição de todos os incunábulos conhecidos). Estima-se que há mais de 30
mil incunábulos, o que nos instrui, ao mesmo tempo, sobre o desenvolvimento atingido pela
tipografia antes mesmo do fim do século XV. A maior parte dos incunábulos é impressa em
pergaminho. Como reconhecer um incunábulo: 1) a espessura, a densidade e a cor amarelada
do papel; 2) a irregularidade e a imperfeição dos caracteres tipográficos, muito evidentes,
principalmente nos tipos romanos provindos das oficinas italianas; 3) a ausência de assinaturas,
de réclames, de paginação e, nos mais antigos, de registro, isto é, do quadro indicativo dos
cadernos que compõem a obra: esses cadernos eram indicados pelas primeiras palavras da sua
primeira página3; 4) a ausência de título separado ou frontispício: o título, ou, antes, o assunto do
livro, era enunciado no começo do texto, no que se denominava sobrescrito ou incipit. É por essa
última palavra que o texto frequentemente começava. É por volta de 1476 ou 1478 que se
começam a imprimir os títulos dos livros numa página separada; 5) ausência do nome do
impressor, do lugar e da data de impressão: essas indicações não tardarão a figurar na última
página dos volumes, num parágrafo final chamado subscrição (também tem o nome de adresse
(endereço) e de colofão; 6) a quantidade de abreviações; 7) a raridade de alíneas e de capítulos; 8)
ausência de letras capitais no começo dos capítulos ou divisões: nos primeiros tempos os
3 Cada primeira página de uma folha de impressão ostenta, no canto inferior direito, debaixo da última linha, um algarismo chamado assinatura, que indica o número dessa folha e, por conseqüência, o do “caderno” tipográfico. Em lugar de algarismos, empregavam-se outrora, com essa finalidade, as letras do alfabeto. Ainda para facilitar a classificação das folhas, costumava-se antigamente colocar no canto inferior direito da última página de cada caderno a primeira palavra do caderno seguinte: é a essa palavra, assim destacada, que se dava o nome de réclame. Esse costume caiu em desuso porque a finalidade do réclame já se encontrava satisfeita com a existência das assinaturas. É provavelmente desses hábitos puramente empíricos da primitiva tipografia, herdados, aliás, dos manuscritos , que se originou o costume forense, já hoje inadmissível, mas ainda assim, persistente, de repetir a última palavra de cada página no começo da página seguinte.
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impressores deixavam em branco o lugar dessa grandes letras, que eram postas à mão pelos
calígrafos e rubricadores; 9) ausência de sinais de pontuação; 10) traços oblíquos em lugar de
pontos sobre os i.
• As edições princeps: Na sua exata conceituação, as edições princeps são quase sempre
incunábulos. Reouveyre afirma que a palavra deve ser “reservada exclusivamente aos clássicos
impressos no segundo período do século XV”. Se assim é, todas as edições princeps são
incunábulos, embora nem todos os incunábulos sejam edições princeps. A qualificação de
Princeps se dá ordinariamente às edições dos clássicos tidas como primeiras, isto é, às edições
que, sem o auxilio de nenhum livro já impresso, foram feitas por manuscritos mais ou menos
antigos, anteriores à “descoberta” da imprensa. Essas primeiras edições, sobretudo as que
apareceram antes de 1480, são, em sua maioria, verdadeiros calques de manuscritos preciosos:
porque os primeiros tipos de imprensa, seja esculpidos, seja fundidos, não podendo ter outro
modelo senão a letra de forma ou a cursiva, então em uso, imitavam de tal maneira a escrita que as
primeiras obras impressas eram encaradas, e, segundo se diz, até adquiridas como manuscritos. O
alto valor alcançado pelas edições princeps se deve mais à sua raridade que aos seus méritos
textuais, já que estão longe de merecer a cega confiança que durante muito tempo se lhes atribuiu
e isso porque não apenas repetiam os erros constantes dos próprios manuscritos, mas ainda porque
lhes acrescentavam outros.
• O milagre se torna cotidiano: É sabido que os primeiros tipógrafos, em parte por interesse
comercial, em parte por simples espanto, procuraram manter o maior segredo em torno da nova
invenção. A tipografia foi, em seus primeiros tempos, uma verdadeira sociedade secreta, na qual
os iniciados eram admitidos sob juramento de sigilo. A arte de imprimir passou, durante algum
tempo, por ser uma obra sobrenatural: era a “arte de escrever sem mão e sem pena”. Muitos
pensavam que os impressores trabalhavam por meios cabalísticos: a imprensa passava por ser uma
espécie de pedra filosofal de novo tipo: os tipógrafos, longe de serem considerados modestos
operários, eram tidos como alquimistas soturnos e terríveis; as oficinas, laboratórios de horrendas
missas negras. Essas velhas superstições explicam, talvez, por uma parte, que ao livro, à palavra
escrita, sempre tenham sido atribuídas, mais ou menos, pelos ignorantes e pelos interessados de
todos os tempos, as mais íntimas relações com o Diabo. A censura, qualquer que seja ela, mas,
em particular, a censura eclesiástica (quando armada do “braço secular”) encontra a sua origem
nessa profunda, inconsciente e imortal hostilidade contra a palavra escrita. Apesar da venerável
tradição dos “livros santos”, ou talvez por isso mesmo, sempre se admitiu tacitamente que o livro,
ao contrário dos réus de direito comum, era culpado até prova em contrário, devendo-se, em caso
de dúvida, queima-lo, se possível junto com o autor, para extirpar o mal de uma vez para sempre.
O livro impresso somente afirma definitivamente os seus direitos com a Renascença, que foi,
antes de mais nada, a “civilização da liberdade”, que nasceu, é inegável, com um sentido evidente
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de reação contra a estrita dominação da Igreja nos domínios propriamente intelectuais. O livro
segue, assim, por sua vez (e é coincidência que merece a nossa atenção) a mesma trajetória de
todos os conhecimentos teóricos, evoluindo nitidamente de uma natureza religiosa e limitada para
uma natureza cada vez mais profana e universal. O milagre se torna cotidiano e banal; a alquimia,
ainda aqui, se transforma em química; o feiticeiro em operário. O que não quer dizer que o
operário deixasse imediatamente de ser considerado feiticeiro e alquimista, profanador e não
profano. É que o livro impresso vinha invadir os domínios tradicionais do livro manuscrito, o
reprodutor mecânico vinha substituir o copista eclesiástico, e não apenas substituí-lo, mas rivalizar
com ele, disputar-lhe algumas das suas prerrogativas mais essenciais: com efeito, o livro
facilmente e abundantemente reproduzido significava a possibilidade, desde então irrefreável e
infinita, do livre exame, do espírito científico e objetivo da discussão inesgotável de todos os
problemas, da vida individual então possível para cada um. O mundo moderno começava.
• O impresso imita o manuscrito: O livro impresso não surgiu imediatamente com sua
personalidade própria. Ele procurou instintivamente continuar o livro manuscrito, em lugar de
substituí-lo, como devia ser, forçosamente, o seu destino: não apenas a imprensa, nos seus
primeiros tempos, imita o mais fielmente possível o manuscrito (ao ponto de ser preciso grande
atenção para verificar que a Bíblia de Gutemberg, por exemplo, é um livro impresso), mas, ainda,
reservou-lhe uma parte do seu texto, tentou uma conciliação ou uma convivência impossível com
o copista manual. No século XV, sobretudo, em certos livros, como os litúrgicos e de literatura
popular, os tipógrafos ainda sofrem a influência do manuscrito e da caligrafia. Aos calígrafos,
eles tomam emprestado as grandes iniciais em traços de pena, a paginação, muitas vezes em duas
colunas, com título corrente e subtítulos nas margens; aos miniaturistas, as cercaduras repletas
de folhagens e de animais fantásticos, as vinhetas de variadas dimensões, semeadas pelo texto
com a maior liberdade. Tais analogias com a página manuscrita tornam-se ainda mais evidentes
quando as gravuras em madeira são coloridas ou recobertas de tinta, como é freqüente verificar
nos incunábulos, em particular nos exemplares destinados às altas personalidades. O próprio tipo
de impressão era fundido em moldes que imitavam os caracteres manuscritos, embora
alcançassem uma regularidade natural que permite distingui-los das letras traçadas à mão. Mais
ainda: as letras iniciais eram deixadas em branco, bem como os grandes espaços necessários para
que, depois de impresso o texto, fossem desenhadas à mão pelos copistas; estes continuavam a
entrelaça-las de arabescos e desenhos, o que mais concorria para aproximar a página impressa da
página manuscrita. É por esse motivo que ainda se encontram muitos impressos dessa época sem
as letras iniciais:é que, vindos demasiado tarde, ou produzidos em grande quantidade, ou não mais
se revelou interessante desenhar as letras que faltavam, ou os copistas que pouco a pouco
desapareciam, não chegaram a vencer o volume de trabalho. Até as abreviações, tão necessárias
ao manuscrito medieval, tiveram continuidade nos impressos do século XV, quando o processo
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mecânico de reprodução e a utilização do papel não mais as justificavam. Ainda por esse lado,
pois, o impresso continuou a imitar o manuscrito. A imitação dos manuscritos, por parte dos
primeiros impressos, estende-se, entretanto, a outros pormenores. Assim, p.ex., por um espaço de
mais ou menos trinta anos após a invenção da imprensa, os títulos das obras não eram impressos
separadamente: juntamente com a imprenta, o nome do lugar da impressão e o nome do tipógrafo
constituíam o colofão, geralmente constante da última folha impressa. É um hábito que, com
algumas modificações, se perpetua até os nossos dias, com exceção, naturalmente, do título, que
passou a ser impresso em folha própria. Mas os primeiros livros impressos não traziam o título em
folha separada. Embora haja discordâncias entre autores quanto ao início da impressão de títulos
em páginas separadas, podemos considerar como entre 1470 e 1500, o que nos leva a concluir que
a maior parte dos incunábulos têm esta característica. Coisa ainda mais curiosa, e bem pouco
conhecida, é a influência dos tipos de imprensa sobre o formato da letra manuscrita. Essa
influência se manifestou em pelo menos dois casos: um deles é o da chamada “escrita
humanística”, surgida na Itália já no primeiro quarto do século XV, não passando de uma
renovação da minúscula. Essa letra desempenhou papel preponderante no desenvolvimento da
escrita na Europa, tendo sido sobretudo empregada pelos humanistas; o outro caso se refere à
maior legibilidade dos manuscritos, já no século XVII, por influência da letra impressa. É sabido
que, a partir do século XVI, a imprensa se propaga com grande rapidez e substitui o manuscrito no
que se refere aos livros comuns. Mas, as obras destinadas, por exemplo, às grandes
personalidades, como presente, ainda eram executadas à mão, bem como alguns antifonários em
uso nas igrejas. Esses manuscritos invadem o século XVII, sem falar, naturalmente, nos atos
oficiais e notariais, forçosamente, feitos à mão. A própria encadernação ainda se esforça, nos
primeiros tempos da imprensa, por obter a maior semelhança possível com os tipos de
encadernação usados na Idade Média.
• Um paradoxo: Essa imitação tão estreita explica-se por duas circunstâncias diferentes: a primeira,
de ordem psicológica , consiste no fato de que dificilmente o homem inventa qualquer coisa de
inteiramente novo. Bem examinadas, as invenções, mesmo as mais revolucionárias, são apenas
transformações ou aperfeiçoamentos de coisas anteriormente conhecidas, ou de pedaços de
invenções anteriormente testadas. Há igualmente uma circunstância de ordem econômica: é que os
manuscritos, longe de desaparecerem imediatamente do mercado diante da invenção da imprensa,
ganharam, ao contrário, nos primeiros tempos, um extraordinário prestígio, passaram a gozar da
mesma consideração de que tinham usufruído os rolos de papiro em face dos primeiros livros de
pergaminho, ou, nos tempos modernos, os livros feitos em prensa manual diante dos que são
compostos à máquina. Essa valorização paradoxal e inesperada fez com que os primeiros
impressores tentassem, se não fazer passar os seus impressos por manuscritos, pelo menos
alcançar a mesma “perfeição” desse último. (A Teoria do Valor – Ricardo e Marx : o manuscrito
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representava, com relação ao impresso, muito mais “trabalho humano cristalizado”). Os
manuscritos satisfaziam, nos primórdios da imprensa, a um desejo ou a uma necessidade de
situação social, sua posse “qualificava” socialmente o possuidor, distinguia-o do número cada vez
maior dos que podiam possuir o livro impresso (grande número de exemplares, mais ordinário que
o manuscrito, que não existia senão em exemplar único, mesmo que dele se pudessem tirar cópias;
muitos colecionadores na época eram hostis ao livro impresso e não o admitiam em suas
bibliotecas). Entretanto, o livro impresso vinha satisfazer melhor que o manuscrito às suas
finalidades materiais e devia, forçosamente, vencer nessa luta subterrânea de prestígio – não
quanto ao valor em si mesmo, mas quanto à sua infinita capacidade de responder ao critério de
utilidade. É que o próprio livro pôde, em pouco tempo, corresponder aos desejos de diferenciação
social antes satisfeitos pelo manuscrito: melhorando a sua qualidade, o volume impresso veio a
constituir, tal como o manuscrito, um objeto de beleza, completado pela perfeição técnica.
Quando essa técnica alcançou o seu ponto mais alto de desenvolvimento, isto é, quando, de novo,
ela se pôs ao alcance de todos, o mesmo desejo de diferenciação voltou a influir, e os livros mais
caros são os feitos à mão, são os que se tiram em papel especial e em pequeno número de
exemplares, são os que trazem desenhos originais, são os que se imprimem, paradoxalmente, em
velhas prensas manuais, são, enfim, os que concorrem, por qualquer maneira, de marcar um
status. Entre os fins do século XV e os começos do XVI, a tipografia marcou definitivamente a
sua vitória: não somente aumenta o número de adeptos do livro impresso, mas, consequentemente,
verifica-se um declínio na própria arte do copista, do miniaturista. O valor do manuscrito
medieval continuou a crescer, mas agora por motivos diferentes: é hoje a sua raridade que o
determina, não mais o seu conteúdo, nem qualquer idéia de sua superioridade intrínseca sobre o
impresso. O manuscrito está agora definitivamente reduzido a mercadoria, a objeto. A tipografia
será a grande arma, a arma fundamental dessa batalha chamada “Humanismo”. O homem tinha,
enfim, encontrado o instrumento específico do seu espírito.
• Um novo mundo começa e uma encruzilhada decisiva: Assim se revelava aos olhos do homem
quatrocentista um novo mundo, que escondia e riquezas ainda mais impressionantes do que as
novas terras descobertas que surgiriam do nada pela mesma época. O homem adquire, através da
imprensa, a plena consciência de sua força espiritual e se atira ao livro como o sedento se atira na
água. As tiragens fabulosas atingidas nessa época demonstram que o livro vinha responder a uma
necessidade, necessidade obscura e inconsciente que o seu aparecimento tornou consciente e
lúcida. Por paradoxal que pareça, havia nessas populações que não conheciam o livro uma
extraordinária fome de leitura: nenhuma invenção terá surgido mais do que a imprensa no seu
momento próprio. Com efeito, é difícil explicar a coincidência que determinou o esplendor da
Renascença no momento das grandes descobertas, da introdução da pólvora e do papel na Europa
e da invenção da imprensa. Ao mesmo tempo, repugna ao espírito explicar essa simultaneidade
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como uma simples coincidência. O RENASCIMENTO – surgindo na Itália na segunda metade do
século XIV, a Renascença foi um fenômeno italiano, isto é, puramente local, até à sua introdução
na França, que lhe garantiu a universalidade e seu destino revolucionário. Suas ligações históricas
com a Idade Média não nos devem fazer esquecer que, ideologicamente, a Renascença foi uma
ruptura, foi uma revolução, a mais séria, a mais grave, a mais profunda de todas as mudanças que
se verificaram na história da cultura. É inegável que os fatores a que se deve o declínio e a
decadência da Idade Média favoreceram a expansão da Renascença. Isto não quer dizer que a
tenham criado. (crítica à concepção de que a Idade Média teria “preparado” o Renascimento).
Que a Renascença tenha surgido no seu momento próprio e tomado o lugar do grande vazio então
aberto, é fato que não encontra as suas origens, nem a sua necessidade, no anterior. A introdução
da pólvora na Europa, apressando o fim do feudalismo e o conceito medieval do heroísmo; a
aplicação crescente da bússola, revelando mundos desconhecidos e lançando uma suspeita sobre
os próprios livros sagrados, que não os haviam mencionado; o conhecimento do papel coincidindo
com a invenção da imprensa e ambos concorrendo para o aparecimento do espírito de crítica e de
livre exame – são fenômenos que determinariam, com toda a certeza, o desaparecimento da Idade
Média. Nada indica que por si mesmos, tivessem produzido a Renascença. Pensemos um pouco
no que significou a invenção da imprensa nesse momento: Se a imprensa tivesse sido descoberta
duzentos anos mais cedo ou duzentos anos mais tarde, não teria causado tanto mal à Idade
Média. Descoberta em 1300, teria impresso e divulgado a filosofia cristã e a literatura dos
séculos XI, XII e XIII; e a Antiguidade, irrompendo mais tarde, apenas teria juntado seus livros
aos que a Idade Média teria deixado...Descoberta em 1700, esgotado o primeiro fervor pela
Antiguidade, teria impresso ao mesmo tempo os livros antigos e os livros da Idade Média,
igualmente ou quase igualmente espalhados até então pelos copistas. Ela foi inventada no
momento exato em que os livros antigos, tendo, sem falar no seu incomparável valor, o prestígio
vitorioso da novidade, impunham-se a todas as atenções e monopolizavam todas as preferências,
de tal forma que durante um século quase não se imprimiu outra coisa. A partir de então, com
exceção dos livros essenciais, como a Bíblia, a Imitação e alguns outros, uma nítida separação se
estabelece: de um lado o livro antigo e o livro do século XVI, impressos, portáteis, facilmente
lisíveis, incrivelmente multiplicados; de outro lado, o livro da Idade Média, manuscrito, pouco
manejável, frágil, pouco legível e raro. Pode-se dizer que a imprensa suprimiu a Idade Média; e,
além disso, apresentando a Antiguidade e o século XVI aos olhos e aos espíritos sob as mesmas
formas, nos mesmos formatos, na mesma escrita e como que na mesma língua, exprimia e
acusava fortemente essa continuação da Antiguidade pelo século XVI, sentida mais ou menos
confusamente por todo o mundo e lançava na sombra, como se não tivesse existido, por toda a
Idade Média. Também na Renascença, propugnar por uma língua nacional era o primeiro passo
para a universalidade, era a destruição dos particularismos dialetais. Na impossibilidade de
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estender o latim ao grosso das populações, que ao menos estas últimas abrissem, através de uma
só língua nacional, janelas mais amplas para a cultura. Isso tornava mais fácil, tornava possível, a
tarefa de democratização cultural que foi a obra eminente da revolução renascentista. O “espírito
de livre exame” , sendo condição essencial de toda vida intelectual, é também um fator de
primeira importância no desenvolvimento do livro. Ele repousa na consulta pessoal, no manuseio
direto das fontes; ele pressupõe a existência da circulação dos impressos, a sua fácil obtenção, e os
multiplica, por assim dizer, por sim mesmos. Ler e não mais ouvir torna-se o gesto essencial da
inteligência; surge então a cultura, porque ler será a atividade de um número cada vez maior de
homens, e, em todo caso, atividade indistintamente acessível a todos eles. A Renascença teve, a
princípio, um sentido tão nitidamente antimedieval, que essa liberdade de leitura e de crítica só foi
empregada na luta religiosa: há um momento da história em que “Reforma” e “Humanismo” são
sinônimos, em que o liberalismo da vida espiritual só se emprega para a emancipação dos dogmas
e dos intermediários. Ou melhor: de então por diante, só um intermediário será admitido – o livro.
A civilização moderna, no que ela tem de mais característico e de mais imprescindível (porque
mesmo os seus aspectos mecânicos , tão censurados, repousam sobre o livro, sobre os
conhecimentos que o livro transmite e multiplica) – a civilização moderna nascia. E com ela
também o livro, em sua história propriamente dita.