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UMA HISTORIA DA ESCRITA DE , FICÇÃO EM LINCUAINCLESA UM OLHAR CRITICO SOBRE LIVES OF THE HOVELISTS . UM PANORAMA HISTÓRICO DA LITERATURA EM LINCUA INGLESA QUE O PROFESSOR E CRITICO JOHN SUTHÇRLAND APRESENTA NUM VOLUME DE MAIS DE 800 PACINAS rUKKUtfEKTGUTTLIEB difícil dizer o que é mais cx- traordinário, se as inflacionadas ambições deste gigantesco li- vro, as proezas que realmente alcança ou a obstinação com que o autor as abala. Um res- peitado académico - Lord Northcliffe, professor emérito de Literatura Inglesa Moderna no Colégio Universitário de Londres e antigo membro de longa data do Ins- tituto de Tecnologia da Califórnia - e conheci- do jornalista literário, John Sutherland propôs- -se a traçar A Vida dos Romancistas (isto é, dos romancistas de língua inglesa). Ou, como ele diz no seu subtítulo, "Uma história da ficção em 294 vidas". O autocongratulatório aceno de cabeça à obra de Samuel Johnson, Lives of English Poets [trad. livre: A Vida dos Poetas In- gleses], é tão embaraçosa quanto presunçosa. A vasta obra de Sutherland previamente pu- blicada é estranhamente irregular. as suas populares crónicas no The Guardian, que avan- çam engenhosos puzzles literários e depois os resolvem à custa de árdua investigação e com uma intuição bem informada: "Será HeathclifF* um Assassino?", "Onde Guarda Fanny Hill (2) os Seus Contracetivos?", "Como consegue a Sra. Dalloway <3> Chegar a Casa Tão depressa?" E, claro, a pergunta que nunca nos atreve- mos a colocar a nós próprios: "Será que Daniel Deronda <4) Era Circuncidado?" (George Elliot não nos contou). Cerca de uma centena destes

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UMA HISTORIADA ESCRITA DE

, FICÇÃO EMLINCUAINCLESA

UM OLHAR CRITICO SOBRE LIVES OF THE HOVELISTS . UMPANORAMA HISTÓRICO DA LITERATURA EM LINCUA INGLESA

QUE O PROFESSOR E CRITICO JOHN SUTHÇRLANDAPRESENTA NUM VOLUME DE MAIS DE 800 PACINAS

rUKKUtfEKTGUTTLIEB

difícil dizer o que é mais cx-traordinário, se as inflacionadas

ambições deste gigantesco li-vro, as proezas que realmentealcança ou a obstinação com

que o autor as abala. Um res-

peitado académico - LordNorthcliffe, professor emérito de Literatura

Inglesa Moderna no Colégio Universitário de

Londres e antigo membro de longa data do Ins-tituto de Tecnologia da Califórnia - e conheci-do jornalista literário, John Sutherland propôs--se a traçar A Vida dos Romancistas (isto é, dos

romancistas de língua inglesa). Ou, como elediz no seu subtítulo, "Uma história da ficçãoem 294 vidas". O autocongratulatório aceno

de cabeça à obra de Samuel Johnson, Lives ofEnglish Poets [trad. livre: A Vida dos Poetas In-

gleses], é tão embaraçosa quanto presunçosa.A vasta obra de Sutherland previamente pu-

blicada é estranhamente irregular. Há as suas

populares crónicas no The Guardian, que avan-

çam engenhosos puzzles literários e depois os

resolvem à custa de árdua investigação e comuma intuição bem informada: "Será HeathclifF*um Assassino?", "Onde Guarda Fanny Hill (2)

os Seus Contracetivos?", "Como consegue a

Sra. Dalloway <3> Chegar a Casa Tão depressa?"E, claro, há a pergunta que nunca nos atreve-mos a colocar a nós próprios: "Será que DanielDeronda <4) Era Circuncidado?" (George Elliotnão nos contou). Cerca de uma centena destes

textos estão reunidos numa compilação inti-tulada TheLiterary Detective [trad literal: O De-tetive Literário].

As suas biografias de Walter Scott e da sra.

Humphry Ward [Mary Augusta] (às quais elese refere com demasiada frequência em Lives

ofthe Novelists) são dignas de respeito (a biogra-fia de Stephen Spender já o é menos). O seuútil compêndio TheStanford Companion to Vic-torian Fiction (com quase 700 páginas) refleteos 20 anos que diz ter passado a compilá-10, en-

quanto se entregava à "altamente aprazível ta-refa de ler cerca de 3000 romances". Tantoneste livro como na sua mais recente obra é

possível descobrir romances tão inusitados co-

mo Doctor Phillips, A Maida Vale Idyll, de Frank

Danby, um best-seller antissemita de 1887, so-bre o qual nos diz Sutherland:

"Este romance é notório pela crueldade da

sua sátira da burguesia judia inglesa. Ele geroufuror. Com grande perversidade, o Athenaeum <5)

interpretou o romance como 'um insulto de-liberado à profissão médica'."

Com Sutherland, ficamos também a saber

que Danby era o pseudónimo de Julia Frankau,ela própria judia, mãe do escritor GilbertFrankau e avó da romancista do século XX Pa-

mela Frankau, autora de vários best-setters.

No livro de Sutherland figuram tambémprodígios de produtividade tais como L. T.

Meade, que só em 1898, um ano típico paraesta autora, exibiu assim a sua versatilidade:

"Em Mary Gifford, uma médica estabelece

o seu consultório no East End de Londres. EmThe Cleverest Woman in England, uma esposadedica-se tão inteiramente à propagação dacausa da nova mulher que arruina o seu ca-samento e morre com varíola. Girls ofSt. Wo-de's conta a história das raparigas modernas,dotadas de instrução universitária, das famí-lias Girton e Newnham. Em A Handful ofSil-ver, Audrey, a heroína, recusa casar-se com o

homem que ama por estar carregada de dí-vidas, contraídas por seu pai. Em On theßrinkofa Chasm, uma enfermeira, Clara, usa o hip-notismo para salvar um jovem baronete das

garras de um vilão. The Rebellion ofLil Carring-ton esboça a história da carreira de uma maria-

rapaz que aos 15 anos é deixada ao cuidado de

uma tia severa. Em The Siren, a heroína é umamulher socialista-niilista a quem os seus mes-tres russos ordenam que assassine o própriopai."

Tire-se o chapéu a L. T. Meade e a JohnSutherland, por ter exumado esta autora - e

muitos outros - do esquecimento.

Sutherland também escreveu um relatosensível e tocante - The Boy Who Loved Books- acerca do seu crescimento enquanto filho de

uma mulher intrépida e mãe carinhosa masdescuidada, que o deixava durante longos pe-ríodos de tempo ao cuidado de parentes e ins-

tituições negligentes. De algum modo, estemiúdo inteligente mas proveniente de umaclasse baixa encontrou uma vocação e formade se instruir, mas as cicatrizes perduraram: re-fletiram-se não apenas no seu alcoolismo, so-bre o qual escreve noutro livro de memórias -Last Drink to L. A. -; mas também em ocasio-nais expressões de ressentimento contra o tipode instrução de Oxbridge que lhe foi negada(ele frequentou Leicester) e um ressentimen-to mais escondido ainda relativamente aos vá-rios tipos de autoridade, sendo o mais impor-tante destes últimos, no que ao livro Lives ofthe Novelists diz respeito, fruto das suas escara-

muças com a autoridade dos cânones instituí-dos.

A ficção popularUm objetivo constante do seu trabalho é a

promoção daquilo a que ele chama a "ficçãopopular". Ele é um entusiasta da ficção cien-tífica e da ficção, pura e dura, das antigas revis-tas baratuchas de papel de má qualidade - o

que, hoje em dia, dificilmente constitui umaposição revolucionária. E, no entanto, escreveacerca daqueles géneros literários como se

ainda fossem os infelizes enteados da literatu-

ra, que lhe compete a ele salvar. No seu curtoe totalmente insuficiente prefácio, escreve:"O leitor pode ficar chocado pelos encontros

que vai ter com diversos escritores que nor-malmente não têm entrada no bosque sa-

grado" e "confesso que dou, realmente, valora uma gama de ficção que a história literáriatem muitas vezes, do meu ponto de vista, er-radamente subvalorizado". Repare-se tantono tom (de novo) autocongratulatório comono antagonismo em relação aos cânones ins-tituídos. Mais tarde, o autor diz-nos que Elmo-re Leonard é "o maior romancista americano

que jamais foi mencionado em simultâneocom as palavras 'Prémio Nobel"'. Acorde, pro-fessor Sutherland! Elmore Leonard há muito

que vem sendo considerado um herói da lite-

ratura; quando muito, ele tem sido mais so-brestimado do que ignorado. Na realidade, umdos problemas do livro de Sutherland é o fac-

to de ele estar tão desatualizado. Os seus he-róis de ficção científica, por exemplo, são, na

sua maioria, veteranos ultrapassados menosinteressantes do que alguns dos seus brilhan-tes sucessores da atualidade, com os quais o

autor demonstra não estar, de todo, familiari-zado. Neste aspeto, como em muitos outros,Sutherland está preso num intervalo tempo-ral próprio (ele nasceu em 1938).

Do mesmo modo, ao proclamar que algunsautores de livros infantis são dignos de nota,a sua argumentação para defender aquelesque ele inclui no seu livro é: "Não pude sim-

plesmente excluí-los." Mas na realidade con-

seguiu excluir Lewis Carroll (!) embora incluaL. Frank Baum e Kenneth Grahame. RoaldDahl também foi cortado, apesar de ter sido,indubitavelmente, o escritor de livros infan-tis mais bem-sucedido e original da segundametade do século XX. Mas Sutherland não

cresceu acompanhado pelas suas obras.

O que nos traz à questão crucial: por que ra-zão foram escolhidas certas vidas e não ou-tras? No seu prefácio, Sutherland tenta con-tornar um problema básico que é o facto de o

seu título prometer um tipo de abrangênciaque o livro não consegue cumprir. Por negli-gência, contrariedade ou puro esgotamentode tempo e espaço (o livro já tem mais de 800páginas), o autor omitiu dezenas de escritores

importantes, que o seu título insinua de quevamos ouvir falar e incluiu dúzias de outrossem qualquer importância, à exceção do fac-to de o autor os conhecer.

Eis aqui alguns nomes importantes do pas-sado para os quais o autor não teve tempo:Smollett, Kipling (sim, um romancista, bemcomo o maior de todos os autores britânicos de

contos), Harriet Beecher Stowe, Thomas Love

Peacock, William Dean Howells, Galsworthy,Cather, Sinclair Lewis, Dos Passos, Thomas

Wolfe, Ford Madox Ford. A sua tentativa de

desculpar tais omissões é fraca. Por que razãonão constam do livro "alguns dos grandes no-mes"? "Ofereço duas desculpas: a primeira é

que não se pode meter o Rossio na Rua da Be-

tesga; a segunda é: não está já suficientemen-te grande este livro?" Meter o Rossio na Rua da

Betesga? E não podia o livro ter mantido a suarobusta dimensão atual deixando cair umagrande quantidade de figuras marginais e subs-

tituindo-as por nomes importantes? Com isto,ele está a despachar-nos a nós, aos leitores, nasua corrida para meta final.

No campo da ficção popular, da qual ele se

vê como o único grande defensor, obtemosvelhas "picaretas" britânicas como Peter

Cheyney, Sapper, Leslie Charteris, Nicholas

Monsarrat, Trevaman, Dick Francis, mas não

o imensamente superior John le Carré - ou, jáagora, P. G. Wodehouse. E quando ele viaja até

à América do início do século XX, não mencio-na que os autores mais vendidos eram GeneStratton-Porter (A Girl ofthe Limberlost, Freck-

tes) e Harold Bell Wright (The Shepherd oftheHills, The Winningof Barbara Worth).

No livro de 1947 Golden Multitudes, de

Frank Luthe Mott - uma cuidada história dos

best-sellers americanos que vai até imediata-mente após a Segunda Guerra Mundial -, fi-camos a saber que os escritores com o maiornúmero de livros lidos por, pelo menos, umpor cento da população dos EUA eram Di-ckens (um total de 16), Scott (seis), Erle Stan-

ley Gradner (sete), James Fenimore Cooper(seis) e Stratton-Porter e Wright (com cinco

cada). E o romancista que foi, possivelmente,o mais amplamente lido ao longo das décadas

de 1930 e 1940 era Lloyd C. Douglas - quetambém está entre os que não constam no li-vro de Sutherland, embora o seu terrivelmen-te enfadonho A Túnica (um romance sobre a

crucificação de Cristo) tenha figurado por três

anos consecutivos no top dos dez livros maisvendidos nos EUA. Se Lives ofthe Novelists pre-tende apresentar-nos os melhores escritoresda ficção inglesa e americana, estes últimosnomes são mais do que prescindíveis. Mas se

estamos a falar acerca da ficção mais popular,a sua exclusão é inexplicável.

Quando chegamos aos tempos mais recen-

tes, o mistério adensa-se ainda mais. Suther-land faz um bom trabalho ao discutir os escri-

tores americanos dominantes do seu tempo:Cheever, Bellow, Updike, Roth. Aqui, real-mente aprofunda a discussão e tem coisas in-

teressantes a dizer acerca dos livros destes au-tores. Em contrapartida, faz tábua rasa das es-

critoras de origem africana vencedoras do Pré-mio Nobel: tanto Doris Lessing como NadineGordimer não conseguem passar o teste parachegar ao seu livro. E no que diz respeito aosmais influentes escritores americanos da ge-ração atual, ele simplesmente ignora-os. A jul-gar por Lives ofthe Novelists, não se adivinha-ria que existem autores como Thomas Pyn-chon, Don DeLillo, David Foster Wallace,Tom Wolfe ou Jonathan Franzen. Em vez de-

les, à medida que o livro se arrasta para o seu

final, está Alice Sebold - lembram-se do The

Lovely Bonés? E, já que se fala nisso, onde estáa fenomenal Joyce Carol Oates? Poderão as

suas altamente distintas 28 obras de ficçãoter-se revelado um desafio simplesmente de-

masiado formidável para o homem que inge-riu 3000 romances vitorianos?

Romancistas topo de gamaPouco surpreendentemente, Sutherland estáfortemente comprometido com o atual tipode romancistas topo de gama britânicos damoda - Martin Amis, Julian Bames, lan

McEwan, David Lodge ("o maior romancistacómico dos nossos dias") -, ao passo que igno-ra Hilary Mantel, que é, na minha opinião, aescritora inglesa mais consistentemente ori-

ginal e estimulante do momento. (Esqueçamo WolfHall e peguem no Beyond Black ou

Every Day is Mother's Day) . E, falando de vozes

originais, onde está a falecida Penelope Fitz-gerald? E aqueles génios únicos que são Ro-nald Firbank e Ivy Compton-Burnett? Em vezdeles, oferece-nos autores americanos e bre-tões como Louis Bromfield, Michael Sadleir,Rex Beach, Margery Allingham (embora não

Dorothy Sayers), Marilyn French e RobertShaw. Deixem estar, não se incomodem em irverificar quem são.

Sutherland está absolutamente certo ao

apreciar escritores pop fundamentais na épo-ca em que viveram - Ouida, Marie Corelli,Arthur Conan Doyle, Zane Grey, Edgar Rice

Burroughs, Agatha Christie, Jacqueline Su-

sann, Stephen King - e estou-lhe grato porressuscitar Florence Barclay, que, apesar denão ter durado muito, deu vida, no seu tre-mendo best-seUer intitulado O Rosário, a umadas minhas heroínas favoritas. A ilustre Jane

Champion, após ter rejeitado o homem queama por ser demasiado feia para quem, comoele, adora a beleza, corre para o seu lado quan-do ele fica cego, finge ser uma enfermeira, é

reconhecida por ele graças à gloriosa forma co-

mo canta a famosa canção de Ethelbert NevinO Rosário e ajuda-o a passar do maior retratis-ta de Inglaterra (algo difícil de continuar a fa-zer quando se fica cego) ao maior compositordo país.

Em contrapartida, o seu critério entra com-

pletamente no exagero quando traz à colação

figuras do tipo de H. Bedford-Jones, o escritora quem chamaram o Rei das Revistas de FicçãoBaratas [King ofthe Pulps na expressão usada

no texto], por muito divertido que seja desco-

brir que entre as centenas de títulos de sua au-toria estão AU Quiet on the Tariker Front, The

Blind Farmer and the Strip Dancer eßombsandOlive OU e que, segundo uma anedota que se

conta, quando a mulher dele disse a alguém

que havia telefonado que o marido estava a es-

crever um romance, o homem respondeu: "Eu

espero que ele acabe." Um livro dedicado a per-sonagens como Bedford-Jones seria um verda-deiro regalo mas será que ele pertence a linhade romancistas que vão de John Bunyan a Mi-chael Crichton? (Será que o próprio MichaelCrichton devia figurar nesta enumeração?)

Critérios biográficosQuanto ao texto de Sutherland, em si mesmo,ele revela os mais variados tipos de critérios e

abordagens. Do lado positivo, encontram-seos perspicazes relatos da história de figurascomo as irmãs Bronté, as sras. Gaskell e

Oliphant, Trollope, Conrad, Dreiser e Booth

Tarkington. Estes textos são verdadeiros mo-delos de biografias compactas, mesmo sendomais sólidas no que respeita às vidas reais dos

seus autores do que quanto à sua obra. Mas de-

pois, quando chegamos a Thomas Hardy, nãohá nada no total das cinco páginas que lhe são

dedicadas que não esteja relacionado com a

obsessão deste autor com o enforcamento:Não se faz menção de ele ser um dos princi-pais poetas do seu tempo, absolutamente na-da se diz acerca da sua vida ou dos seus livros.E quanto a George Elliot, Sutherland mal con-

segue esconder o seu desprezo:"Dois ventos favoráveis foram responsá-

veis pelo levantar da poeira que cobria Geor-

ge Elliot:1. 0 feminismo e sua busca enérgica por um

Shakespeare-femea;2. A ascensão da 'investigação' patrocinada

para a elaboração de teses de doutoramento.O que antes parecia ser 'enfadonho' é agoraalgo de 'elevada seriedade' arnoldiana (6> ."

Sutherland chega mesmo a desferir um for-te golpe contra esta autora no relato que fazsobre o livro The Virginian de Owen Wister,cujo herói faz um "comentário nada desade-

quado" acerca de George Elliot ao dizer que"ela fala demais".

E o que dizer acerca do seu comentário de

que "qualquer pessoa daria todos os hectaresde folhas da biografia de Henry James em tro-ca de uma centena de páginas que nos contas-

sem mais sobre a vida de [Stephen] Crane"?Então e a sua opinião de que Anthony Powellnos deixou "uma série [de obras] ficcionais

capaz de rivalizar com a de Balzac"? Ou queArthur Koestler "devia ter ganho o PrémioNobel - pelo menos duas vezes"? Quanto à

ideia que faz de Aldous Huxley, nada mais há

que não seja o Admirável Mundo Novo, As Por-

tas da Perceção e mexericos. Ninguém diria

que os cáusticos romances satíricos de Huxley- Contraponto, Ronda Grotesca e Crome Yellow- foram a definição por excelência da sofisti-

cação literária na década de 1920 e obras con-sideradas de leitura obrigatória mesmo até 25anos mais tarde.

E o mais pateta de tudo: como pode Suther-land comparar a personagem de Melville,Bartelby, com Pooter, o herói de uma diverti-da sátira à vida da classe média-baixa inglesa,em Diary ofa Nobody? Na realidade, ele nãotem qualquer simpatia ou compreensão paracomMoby Dick, concentrando-se, em vez dis-

so, neste seu ensaio acerca de Melville, nas in-

sinuações de homossexualidade entre Ishmaele Queequeg (e o mesmo se diga quanto a BillyBudd, Claggart e o Capitão Vere). Em Lives ofthe Novelists, há que dar prioridade às coisas

mais importantes.Como pode Sutherland reivindicar que Eli-

za Linton é "uma escritora de primeira cate-

goria"? Ela foi uma figura literária menor nocírculo Landor-Dickens e o seu The True His-

tory ofjoshua Davidson - "uma obra que, sar-

casticamente, remodela o Evangelho colocan-

do-o num cenário moderno" e que eu li depoisde tal livro ter sido por ele calorosamente re-comendado - é um relato, ridiculamente insí-

pido, da vida de um operário "santinho", querala e age aplicando, na prática, o cristianismo.

(Linton já antes tinha aparecido como "umaescritora de primeira categoria" no livro deSutherland The Stanford Companion to Victo-

rian Fiction, onde Joshua Davidson também jáfora descrito como "uma obra que, sarcastica-

mente, remodela o Evangelho colocando-onum cenário moderno". Este tipo de recicla-

gem ajuda a explicar a espantosa produtivida-de de Sutherland. Mas também, porque não?

Afinal foi ele que fez o trabalho: porque nãovoltar a apresentá-lo?)

Os erros de discernimento são complemen-tados por erros factuais: uma referência a

Porgy and Bess <7) como tendo "dois composi-tores judeus" e, mais bizarro ainda, uma refe-rência a Joseph Brodsky como "o escritor ven-cedor do Prémio Nobeí". Os erros acumulam--se ainda mais nas páginas do seu mal alinha-vado livro Bestsellers. Uma amostra: Os Ho-mens Preferem as Louras teve excertos publica-dos na [revista de moda] Harper's Bazaar, nãona The New Yorker; a obra de 1944 de LillianSmith, Strange Fruit, é posterior, e não ante-

rior, à famosa gravação de 1939 de Billie Holi-day; Not as a Stranger, o best-seller número umde 1954, foi escrito por Morton Thompson enão por Henry Morton Robbins. A ideia de

que H. G. Wells nunca teve uma popularida-de generalizada nos Estados Unidos é tola: eleteve imensos leitores e uma tremenda repu-tação neste país, indo mesmo para além da sua

ficção científica. Por exemplo, o seu Mr. Brit-

ling Sees It Through foi o romance mais vendi-do na América em 1917 e o seu Outline ofHis-tory ocupou o topo da tabela de livros de não

ficção mais procurados tanto em 1921 comoem 1922. O que importa não são estes errosconcretos mas o facto de Sutherland, clara-

mente, não ter "bagagem" quanto a estas ma-térias e de ir fazendo bluffk medida que vai es-crevendo ou de se basear na investigação ina-

dequada de outrem.O livro Lives ofthe Novelists foi inicialmen-

te publicado, em Inglaterra, pela Profile Books

Ltd., que não é propriamente o arquétipo de

rigor nos textos publicados. Contudo, para a

publicação na América, ele foi tomado pelaVale University Press, cuja reputação lançaum manto de respeitabilidade sobre tudo o

que publica. (Eu próprio já beneficiei disso).Será que algum editor, ou até revisor, olhou

para os textos antes de serem automatica-mente reeditados a partir da edição inglesa?Uma revisão comum podia, pelo menos, ter--nos poupado às ideias deixadas no ar (bastaum único exemplo: "Uma vez lido, ninguémalguma vez esquecerá o coelho") e os intermi-náveis superlativos, como "enorme" e "ex-traordinário".

Aquilo que causa maior perplexidade é o

interesse obsessivo de Sutherland pela vidasexual dos indivíduos sobre quem escreve."Austen é para a ficção o que Isabel I foi parao trono de Inglaterra: uma rainha virgem.Mas será que ela não tinha anseios sexuais?".

Benjamin Disraeli <8), "especula-se, [pode] ter

passado por alguns momentos homossexuais

na sua juventude". O apetite de Somerset

Maugham, recordou uma das suas parceiras,era voraz mas as suas exigências sexuais

eram 'simples'". Quão importante é para nósficarmos a saber que J. B. Priestley "leu The

History ofMr. Polly, de H. G. Wells, em 1910 e

perdeu a virgindade em 1913" e que a sua"vida adulta foi sexualmente atlética"? E. M.Forster é totalmente visto pelo prisma da suavida sexual. É-nos dito que "na escola prepa-ratória, um insensível colega seu gritou paratoda a gente ouvir: 'Já viram a pila do Forster?

Uma coisa castanha horrível'". Mas não há

uma única menção que seja à sua obra Passa-

gem para a índia. Por que razão ficou GeorgeOrwell na função pública indiana durantecinco anos? "Uma das suspeitas é que foi porcausa do sexo." Faz grandes conjeturas acercada vida sexual da jovem Evelyn Waugh. E Pa-

trick Hamilton? "Permanecem dúvidas rela-tivamente à questão de se saber se Hamilton,mesmo quando sóbrio, era sexualmente vi-

goroso." E continua assim sucessivamente.Trata-se de lascívia, por parte de Sutherland?Uma tentativa de fazer titilar o público? (Se-rá que há mesmo um público pronto a ficar ti-tilado pelas práticas sexuais de Patrick Hamil-ton?)

Por vezes é de perguntar por que razãoSutherland não chamou simplesmente a estelivro "A Vida Sexual dos Romancistas". Toda-

via, consigo perdoar-lhe grande parte de tudoisto por gratidão pelo facto de me ter informa-do que o formidável académico classicista deOxford Maurice Bowra era "um homem cujos

genitais, revelou mais tarde um dos muitosfãs que o adoravam como se fosse um herói,pareciam as ruínas de Delfos". Ainda estou a

tentar visualizar esta imagem.Nota: eu próprio sou mencionado na entra-

da acerca de John Kennedy Toole. O pouco quefoi dito está longe de acertar no alvo (e é ino-

fensivo) e se George Elliot e Melville conse-

guem aguentar, eu também consigo. Pelo me-nos, a minha vida sexual ficou por examinar.Este texto é a tradução e adaptação, por Adelaide

Cabral, de A Very Lush Garland of Writers, de Kobert

Gottlieb, publicado no Volume 59 - Número 13, de 16

de agosto de 2012, da New York Review of Books.

Capa de uma edição de 'Miss Nonentity'de L. T. Meade

Charles Dickens é um dos autores maisLidos em língua inglesa

Arthur Conan Doyle foi o criador deSherlock Holmes

SUTHERLANDDISCUTE OS

ESCRITORESAMERICANOS

DOMINANTES DO

SEU TEMPO:CHEEVER,

BELLOWUPDIKE,ROTH.

'Lives of the Novelists: AHistory of Fiction in 294 Lives'

[trad. literal - A Vida dos Romanrístas:Uma História da Ficção em 294 Vidas]

por John Sutherland Vale UniversityPress, 818 págs., 39,95 $

(Pode obter-se uma versão também em

inglês deste livro, da Prqfile Books, com

704 págs., na Bertrand por 36,64. €ena Fnac por 16,10 €)