a escravidão e o direito

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    8 ● Brasília, segunda-feira, 14 de junho de 2004 ● 

    direito & justiçaPONTO FINAL

    A escravidão e o Direito  * CARLOS FERNANDO MATHIAS DE SOUZA

    Quando se fala de escravidão, observa-se que sua prática causa semprerepulsa. E o mais grave é que se cuida de realidade, de muitos modos, aindarecorrente (o adjetivo aqui aplicado em sua semântica de retrocesso, mesmo)na realidade contemporânea, pelos quatro cantos do mundo. !ist"ria aponta

    que a escravidão, pode-se di#er, foi o denominador comum das sociedadesantigas.

    $a realidade, trata-se de institui%ão social que consiste, em s&ntese, nodireito de propriedade sobre seres !umanos com a utili#a%ão de seus servi%os.  base da escravidão não reside apenas na cor da pele, como ocorria com ossudras ('ndia), descendentes dos drávidas, ou, com os negros, até o século, em muitas partes, como nos Estados *nidos e no +rasil. +aseou-se, aprática servil, sobremodo, no aprisionamento de guerra e no endividamento.

     contece que o status servil, pela !ereditariedade, constitu&a-se em umacamada social com forte influncia na economia. $ão é, pois, sem sentidofalar-se mesmo em sociedades escravocratas.

    $a antiguidade oriental, como também na clássica, isto é, nas cidadesgregas e (mais tarde) em oma, a escravidão apareceu sempre na base dapr"pria estrutura social. Em tenas, por eemplo, os escravos eram muitosnumerosos, !avendo registros de que constitu&am um ter%o da popula%ão dacidade. /or paradoal que pare%a, no ber%o da democracia o pr"prio Estadoateniense (se é que pode di#er assim) possu&a muitos escravos, que eerciamfun%0es de vigilância e de policiamento na cidade.

    $a importante cidade-Estado (de /éricles e de 1listenes, registre-se para

    recordar-se o apogeu da cultura e, repita-se, da origem da democracia), de par com os escravos natos, !avia a escravidão por d&vida e também a resultante daprisão em guerra. 2e passagem (e por outro lado), recorde-se que o uso damoeda facilitou as transa%0es comerciais e criou um novo tipo de rique#a3 aepressa pelo pr"prio din!eiro. Em outras palavras, a rique#a, que até então seconstitu&ra por terras e reban!os, principalmente, como resultado do comércioe da ind4stria gerou um grupo de pessoas cujo capital era medido pelaquantidade de moedas que possu&a.

    Essa gente passou a emprestar din!eiro e, quando o devedor não l!epagava, este passava a constituir-se em seu escravo. 5avia ainda,

    paralelamente, o comércio de escravos, aliás de grande importância no mundo

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    antigo, e que, no +rasil, por eemplo, operou-se por mais de trs séculos, ondeaté negros (na 6frica) gan!avam com o neg"cio.

    E, já que se enfati#a, por ora, a escravidão em tenas, anote-se que nela oescravo recebia tratamento mais benigno do que em outras plagas. Em

    verdade, estavam os servos ali intimamente ligados aos trabal!os dos seussen!ores, resultando da& uma rela%ão, dir-se-ia, de certa familiaridade.

    5avia, também, a possibilidade de emancipa%ão, com a peculiaridade deficar mantido o e-escravo vinculado a seu antigo amo. 7en!a-se, ademais, emconta que a eistncia dos escravos não fa#ia recair neles todo o trabal!o,inclusive o mais pesado.

    $a antiga oma 8 na oma que deiou como legado o direito,considerado como um dos alicerces do direito moderno de epressivossistemas 8 a escravidão foi de largo emprego. Summa divisio in iure personarum haec   est, quod omnes homines aut liberi sunt aut servi (em

    portugus, poder-se-ia di#er3 99 máima divisão no direito das pessoas é esta,que todos os !omens são livres ou escravos::), consignou ;aius, nas nstitutas(.

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    aqui qualquer contradi%ão no emprego do termo) com a prática da escravidão,garantida pelo direito.

    Duito embora o 1ongresso de iena (?F?G), por eemplo,recomendasse a aboli%ão do regime escravocrata em toda parte, ele s" foi

    sendo etinto lentamente. Hran%a 8 da liberdade, da igualdade e dafraternidade 8, com efeito, etinguiu o trabal!o servil com sua granderevolu%ão de ?IFP,  a agricultura,naturalmente, passou a eigir bra%os para o  trabal!o. ssim, o coloni#ador portugus lan%ou mão do elemento servil, de in&cio recorrendo ao elemento

    ind&gena e, logo a seguir, aos africanos.1om rela%ão aos ind&genas, atra&dos  de modo pac&fico ou M for%a,

    muitos inconvenientes se revelaram, desde logo.   bula do /apa /aulo 8Veritas ipsa ( pr"pria verdade) era epressa na condena%ão M escravidão dosabor&genes no $ovo Dundo e isso teria de ter  forte repercussão, mormente emuma na%ão cat"lica, no seu mister de dilatar a 99fé e o mpério::. 

    2e outra parte, a rela%ão entre lusos e ind&genas nem sempre se fe# demodo tão suave, como no primeiro encontro tão bem descrito por /ero a# de1amin!a. $ão se  fe# sem resistncias, enfati#e-se, o dom&nio do coloni#ador sobre os &ndios, a come%ar pelo pr"prio conflito cultural,  posto que osind&genas, acostumados a uma produ%ão de  subsistncia, sequer podiamcompreender a economia acumulativa do coloni#ador.

    rrelevante, pois, para a compreensão do tema o fato de que os &ndiosentre si já con!ecessem a escravidão, que resultava de pris0es por guerra. verdade é que, com rela%ão ao elemento ind&gena, a legisla%ão (e, ipso facto, aconduta do coloni#ador luso) sempre foi, de certo modo, vacilante, quando nãocontradit"ria.

    = regimento de 7omé de Nousa 8 o primeiro governador-geral 8 de ?Gde de#embro de ?GPF, consignava que o  99principal fim por que se mandava

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    povoar o +rasil era a redu%ão do gentio M fé cat"lica::. Em s&ntese, a conversãodos gentios, como muito comumente se di#. 

    $a lin!a da bula Veritas ipsa, o regimento recomendava que os gentiosfossem bem tratados e que !ouvesse a repara%ão devida em caso de danos

    que l!es fossem causados,  inclusive com a determina%ão de puni%0es paraquem descumprisse  o preceito. demais, era proibido fa#er-l!es  guerra por mar ou por terra, sem licen%a do governador ou  dos capitães-mores (estes osque governavam as capitanias que, como se sabe, continuaram a eistir, ap"sa implanta%ão do governo-geral, até a administra%ão de /ombal).

    /or outro lado, !avia, contudo, distin%ão entre &ndios amigos e inimigos. os amigos podiam ser concedidas terras,  sob a condi%ão de que nãoficassem nas aldeias com os demais gentios. @á aos inimigos era permitida, defato rigorosa repressão, uma espécie de guerra aos infiéis nos tr"picos.

    1opiosa e variada legisla%ão foi produ#ida no +rasil-1olJnia  referenteaos &ndios, sendo que, não raro (malgrado a  ambigQidade já apontada),enfati#ava-se a sua prote%ão.  /or mera ilustra%ão, nesse passo, registre-seque, na primeira metade do século , na fase inicial do referido regime decapitanias !ereditárias, foi introdu#ida na colJnia a figura do mamposteiro doscativos (mamposteiro, val!a  o registro, é um procurador ou uma pessoaencarregada de  substituir outra em determinada fun%ão ou neg"cio e, noestrito sentido que l!e deu o direito colonial portugus, era  o recebedor deesmolas para os cativos).

    Hoi precisamente para prote%ão M liberdade dos &ndios que surgiram osmamposteiros, que estavam encarregados de cobrar o que pertencia ao

    resgate dos gentios cativos, !avendo registro da eistncia de, pelos menos,um em cada capitania. 2urante o c!amado dom&nio espan!ol (?GF?-?RPK), alegisla%ão sobre o elemento ind&gena não discrepou muito da anterior. Duitoembora tratasse, predominantemente, de sua liberta%ão, não !avia o seucumprimento de modo criterioso, ou com uma lin!a certa e bem definida. ocontrário, era muito comum o &ndio cativo, ap"s ser declarado livre, vir, emseguida, tornar-se acess&vel a novo cativeiro.

    2e @. H. Sisboa a observa%ão3 992ecretava-se !oje o cativeiro semrestri%0es, aman!ã a liberdade absolutaT depois um meio termo entre os doisetremos. /romulgava-se, revogava-se, transigia-se ao sabor das pai0es e

    interesses em voga e, quando enfim se supun!am as idéias assentadas por uma ve#, recome%ava-se com novo ardor a teia interminável:: (-apud, 1ésar 7r&poli, História do ireito !rasileiro, v. , E.;. da evista dos 7ribunais, Não/aulo, ?R, p. ?AF).

    Em apertada s&ntese, foram as seguintes as leis decretadas no per&odoem referncia sobre os ind&genas3 1) Sei de AA de agosto de ?GFI, de Helipe (Helipe de /ortugal), confirmando outra, do rei Nebastião, de ?GIK, onde sedeclarava que os &ndios que trabal!assem para os portugueses não deveriamser considerados escravos, mas jornaleiros (a& no sentido de trabal!adores)livres, ficando ao seu arb&trio trabal!arem ou nãoT 2) Sei de ?? de novembro de

    ?G

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    /ortugal), de G de jun!o de ?RKG e de >K de jul!o de ?RK, referente aos &ndios do Estado do Daran!ão (como sesabe, em ?RA? foi criado o Estado do Daran!ão, separado do governo-geral,este com sede na +a!ia, integrado pelas 1apitanias do 1eará, Daran!ão e;rão-/ará). /ela lei em destaque, determinava-se a) que se eaminassem oscasos de todos os &ndios tornados cativos, para averiguar-se da legitimidade ounão, com a conseguinte liberta%ão dos que foram escravi#ados ilegalmenteT b)que se libertassem, nas entradas, os &ndios presos M corda ou mu%urana (cobranão venenosa que se alimenta de of&dios venenosos. palavra a& empregadaem linguagem, evidentemente, metaf"rica), para serem comidos ou seremescravos dos mesmosT c) que funcionários não se ocupassem dos &ndios, a seuservi%o particular, e d)  que os &ndios aprisionados em guerra fossem

    considerados escravos./rovisão de < de abril de ?RGG criou a junta das miss0es, uma espécie

    de tribunal consultivo para cuidar de matéria relativa aos &ndios, com privilégiose preferncias para as miss0es jesu&ticas. /rovisão de ?A de setembro de?RR>, todavia, retirou toda jurisdi%ão temporal dos jesu&tas e de quaisquer outros religiosos sobre os &ndios.

    2iversas outras leis cuidaram dos ind&genas, que acabaram todasrevogadas ao tempo de @osé (mel!or dir-se-ia de /ombal) entre ?IGK-?III.Seis de ?< de fevereiro de ?R

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    !ist"ria portuguesa e, por etensão, a do +rasil-1olJnia.  Especificamentesobre  os &ndios, leis de R de jun!o de ?IGG e de ?I de  agosto de ?IGFmodificaram toda a legisla%ão anterior  relativa aos nativos.

     demais, alvará de P de abril de ?IGG foi epedido  com objetivo de

    estimular os casamentos com  os ind&genas, inclusive contendo a proibi%ãoepressa de tratá-los pejorativamente por caboclo. Em verdade, por   trás dofavorecimento do matrimJnio entre &ndios com não &ndios, não era algo quevin!a mais  em favor da liberdade dos ind&genas,  mas um incremento aopovoamento.  /elo alvará em destaque  estipulava-se que tanto osportugueses, como os nascidos no +rasil, que se  casassem com &ndias,ficavam isentos de qualquer   infâmia e, ao contrário, mereciam real aten%ão eaté mesmo certas preferncias. demais, seus fil!os e descendentes seriam99!ábeis e capa#es para qualquer emprego, !onra e dignidade, sem careceremde dispensa algumas por estas alian%as (...) e que o mesmo se praticará arespeito das portuguesas que se casarem com &ndios::.

      merecer aten%ão especial, registre-se de passagem  (já que noper&odo pombalino os jesu&tas foram  epulsos do reino portugus e,naturalmente, do +rasil), o papel desempen!ado pelos inacianos em favor dossilv&colas. Nem desmerecer a a%ão de nc!ieta,  $"brega e tantos outros,imp0e-se destacar, no curso da !ist"ria, a figura de ieira (?RKF-?R

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    seja 1anaãT seja servo dos servos a seus irmãos::. 1om rela%ão M escravidão,ieira colocou-se sempre contra, valendo-se não raro do fundamento daigualdade natural dos seres !umanos.

    Em trs serm0es, pelo menos e, mais particularmente, com rela%ão aos

    negros, invocaria a igualdade. ssim, ao pregar para escravos negros,membros da rmandade da $ossa Nen!ora do osário (Nermão doosário) foi epresso3 99Vuem negará que são os !omens fil!os de dãoO

    Vuem negará que são fil!os daquele primeiro soberbo, o qual nãorecon!ecendo o que era, e querendo ser o que não podia, por uma presun%ãovã se perdeu a si e a elesO H-los 2eus a todos de uma mesma massa, paraque vivessem unidos, e eles se desunemT f-los iguais, e eles se desigualamTf-los irmãos, e eles se despre#am do parentesco....::.

    E, no Nermão do /rimeiro 2omingo do dvento, pregado na 1apelaeal de Sisboa, certamente para nobres, fidalgos e cortesãos, disse3 99E sendo

    todos (os seres !umanos, naturalmente) iguais e livres por nature#a, !ouvealguns que entraram em pensamento de se fa#er sen!ores dos outros por violncia, e o conseguiram::. Em outro Nermão (o do osário), tambémdirigido a negros, integrantes da citada rmandade do osário, valendo-se dadiscussão entre fil"sofos gregos, foi muito claro3 99=s est"icos, que eram a seitamais racional, e entre os gentios a mais cristã, ensinavam que os sen!oresdeviam admitir escravos M sua mesa, e louvavam a !umanidade dos que istofa#iam, e se riam da soberba dos que se despre#avam de o fa#er. 7odas estasra#0es de Nneca (ieira citava a carta PI do fil"sofo Nneca a Suc&lio) seredu#em a uma, que é serem também !omens os que são escravos. Ne afortuna os fe# escravos, a nature#a flos !umanos3 e por que !á-de poder maisa desigualdade da fortuna para o despre#o, que a igualdade da nature#a para aestima%ãoO::. 1om referncia aos &ndios, ieira, aliás, foi até, sempre, muitomais enfático.

    Em viagem ao rio 7ocantins, esbravejou ieira contra o erro de se retirar o &ndio do seu !abitat, e isto consignaria em carta ao rei @oão 3 99Esta é umadas causas que tm destru&do infinidade de &ndios neste estado3 tirarem-nos desuas terras e tra#erem-nos Ms nossas, sem l!es terem prevenidos osmantimentos de que se !ão de sustentarT mas fa#em-no assim os quegovernam, porque se !ouverem de fa#er as preven%0es necessárias, !á de segastar muito tempo nelas, e entretanto passam-se os seus trs anos, e eles

    antes querem cinqQenta &ndios que os sirvam, ainda que morram quin!entos,do que muitos mil vivos e conservados, de que eles se não !ajam deaproveitar::.

    ( III )3 O padre ieira, na sua a%ão e prega%ão em defesa dos oprimidos, foi

    sempre uma vo# ecoante contra a servidão e as persegui%0es. 1om rela%ãoaos judeus, por eemplo, foi ieira etraordinário e, por causa deles, de par 

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    com suas idéias messiânicas, inspiradas no +andarra (e epressas na obra "#uinto  $mp%rio do &undo Liderado pelo  Reino de 'ortugal ), acabaria por ter problemas com a nquisi%ão, que o levaria M prisão.

    mportante destacar que, ao enfrentar o 7ribunal do Nanto =f&cio, o

    grande jesu&ta pugnou pela introdu%ão em seus processos de acusa%0esabertas e publicadas, isto é, em s&ntese, que o réu devesse saber do queestava sendo acusado e quem o acusava.

    nvocaria, no particular, como quase sempre o fa#ia, os suprimentos dostetos b&blicos. $o caso, o Sivro de @" (, A). Em peti%ão ao 1onsel!o ;eral danquisi%ão, preso que estava em seus cárceres, fe# consignar3 99té no tribunaldivino, cuja cincia, verdade e juo é infal&vel, se consente e admite esterequerimento, o qual fe# @" ao mesmo 2eus, quando disse3 indica mihi cur meita judices (@ob -A) 8 Dostra-me por que me julgas::.

      merecer registro o pioneirismo da tese, !oje amplamente consagrada.

     o lado de suprimentos literários (como libelo), epressos, por eemplo, em "'rocesso, de WafXa, tem-se no ordenamento jur&dico normas constitucionaisconsagrando a garantia.

    Vuanto aos &ndios, enfati#e-se, ieira propugnou, tena#mente, por quenão ficassem como letra morta os instrumentos legais de sua prote%ão. ssim,valeu-se do célebre Nermão das erdades, para enfrentar, inclusive, o capitão-mor do Daran!ão (nácio ego +arreto), que l!e frustrava a missão, bem comoda festa de Nanto ntJnio (?> de jun!o de ?RGP), para, no sat&rico Nermão deNanto ntJnio aos /eies, vergastar a a%ão dos portugueses contra os &ndios.Está no Nermão das erdades3 99 este evangel!o do domingo quinto da

    quaresma c!amais comumente a domingo das verdades. /ara mim todos osdomingos tm este sobrenome, porque em todos prego verdades, e muitoclaros, como tendes visto. /or me sair, contudo, do que !oje todos esperam,estive considerando comigo que verdades vos diria3 e segundo as not&cias quevou tendo desta nossa terra, revolvi-me di#er uma s" verdade. Das queverdade será estaO $ão gastemos tempo. verdade que vos digo é que noDaran!ão não !á verdade::.

    E, prosseguindo no sermão, apresenta a letra D, um significado especialno abecedário dos v&cios3 99D Daran!ão, D murmurar, D motejar, D maldi#er, Dmalsinar e, sobretudo, D, mentir3 mentir com as palavras, mentir com as obras,

    mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui semente::.

    @á no Nermão de Nanto ntJnio aos /eies desafogava, o notávelpregador, toda sua indigna%ão pelos que no Daran!ão tornavam inviável (ouanulavam) o seu trabal!o, em particular o em prol dos &ndios. /or outro lado,assinale-se o etraordinário papel das redu%0es jesu&tas, designa%ão dasmiss0es, povos ou doutrinas, em que os inacianos espan!"is reuniam &ndioscatequi#ados ou por catequi#ar na maioria guaranis.

    Em ?IG, pelo /apa 1lemente ) passavam os aldeamentos a outrosreligiosos.

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    egistre-se que a cria%ão do 2iret"rio dos 'ndios, como sistema oficialde aldeamentos pouco tempo durou.

    Sogo ap"s a ndependncia, assinale- se, já com suas terras, planta%0ese gados bem dilapidados, foram as redu%0es etintas em definitivo. /or 

    oportuno, e recuando-se ainda um pouco, ao século , registre-se a tena#rea%ão dos &ndios dos Nete /ovos das Diss0es =rientais do *ruguai em prolde sua liberdade de autonomia, do que resultou a con!ecida ;uerra;uaran&tica.

    1omo se sabe, dando eecu%ão ao 7ratado de Dadri (?IGK),comissários portugueses e espan!"is empen!aram-se na tarefa de demarcar os novos limites das fronteiras das colJnias ibéricas. Vuando da demarca%ãodas fronteiras no sul, rebelaram-se os &ndios dos Nete /ovos das Diss0es,amparados e, mais que isso, incentivados pelos jesu&tas. =s referidoscomissários, em ?IGA e ?IG>, estabeleceram pra#os e, inclusive, ofereceramau&lios para que os padres inacianos e os ind&genas sa&ssem da região. $ãoforam atendidos, contudo. $a realidade, quando os demarcadores atingiram aregião de Nanta 7ecla (pr"ima M área da atual +agé), encontraram resistnciaarmada dos ind&genas e todas as tentativas de pacificá-los se frustraram.

    2a& resultou a%ão militar conjunta, isto é de portugueses e espan!"is,que a !ist"ria registra como o nome de ;uerra ;uaran&tica 8 evento cantadono clássico poema (ruguai, de @osé +as&lio da ;ama. Entre ?IGP e ?IGR, astropas luso-espan!olas venceram e se apossaram do territ"rio das miss0es. merecer registro a magn&fica s&ntese de 1apistrano de breu sobre os &ndiosna ;uerra ;uaran&tica (in ap*tulos de História olonial 8 ?GFK-?FKK, PY ed.io, ? de maio de ?FKF, que declarou guerra aos botocudos de

    4 ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 12

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    Dinas ;erais. 2e igual sorte, a carta-régia de G de novembro de ?FKF, comrespeito aos bugres de Não /aulo.

    Dais brandas, as cartas-régias, respectivamente, de A de de#embro de?FKF e de ?Z de abril de ?FK?, com a abdica%ão de

    /edro ao trono brasileiro, e se prolongou até ?FPK) foram revogadas ascartas-régias referidas. Em verdade, por Sei de AI de outubro de ?F>?, os&ndios que se encontrassem em servidão (ou que viessem a ser convertidos atal estado) deveriam ser postos em liberdade e considerados "rfãos.

    /or conseqQncia, deveriam ser entregues aos jues. 2e in&cio, aosouvidores das respectivas comarcas em que se encontrassem os nativosT ap"s?F>A (com a etin%ão dos ouvidores), aos jues de "rfãos e deveriam ser socorridos pelo 7esouro, até que conseguissem algum gan!o para o seupr"prio sustento.

    2ecreto de ?F>> reafirmava a aboli%ão da escravidão ind&gena, ficandoos &ndios sob a prote%ão das autoridades constitu&das, as quais estavamobrigadas a velar por sua liberdade, isto é, impedindo, inclusive, a persegui%ãoao elemento ind&gena em particular cativeiro e a servidão, ainda quetemporariamente.

    = to dicional (M 1onstitui%ão de ?FAP), de ?A de agosto de ?F>P, emtermos práticos proclamou a condi%ão dos &ndios, como !omens livres, aoprescrever, no GZ do seu art. ??, que as ssembléias Segislativas deviam99promover cumulativamente com a assembléia e o governo gerais (...) acatequese e a civili#a%ão dos ind&genas (...)::.

    1essava, assim, qualquer manifesta%ão no sentido da escravi#a%ão do&ndio, contra a qual este sempre reagiu, inclusive, sob forma violenta. ceitavam os ind&genas, contudo, muitas as atribui%0es, como as de canoeiro,guia, ca%ador e guerreiro, quando não l!es tiravam a liberdade, em particular para a ca%a e da pesca. $essas atividades, muito serviram os ind&genas, por eemplo, aos bandeirantes e aos entradistas.

     s rela%0es com o elemento ind&gena, entretanto, revelam, até !oje,certa compleidade. 2esde logo, se feita compara%ão entre o n4mero de &ndiosque se tem !oje no pa&s e a estimativa (geralmente aceita) do eistente aotempo do 2escobrimento 8 entre cerca de trs a quatro mil!0es de nativos 8

    é algo a eigir muitas e atentas refle0es.

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    = fato é que o +rasil passou a ter conscincia da imprescindibilidade daprote%ão ao ind&gena. $esse modo de pensar, etra&a-se, como figura-s&mbolo,a do Darec!al 1ândido Dariano ondon.

      1onstitui%ão de ?

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    Apesar de registro de que já em ?G>A introdu#iram-se os primeirosescravos negros do +rasil, somente em ap"s ?GPF, para atender Msnecessidades dos engen!os de a%4car, é que se pode falar em um tráficoorgani#ado. té meados do século tem-se not&cia de epressivo comérciode negros escravos, transportados pelos con!ecidos navios-negreiros ou99tumbeiros::, designa%ão que se deve, naturalmente, ao fato de que cerca deaté PK[ dos negros neles transportados morriam durante a viagem.

    5élio iana (in História do !rasil, . , /er&odo 1olonial, >Yed. ?

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    Estudos mais aprofundados de rt!ur amos, epressos em particular na obra " egro !rasileiro, esclareceram mel!or o tema. /or ilustrativo,transcreva-se pequeno trec!o da obra em referncia3 99Vuais as tribos africanasentradas no +rasilO /or muito tempo tem lavrado grande confusão a respeito,supondo alguns dos nossos mais autori#ados !istoriadores, copiando uma

    antiga nota de Npi e Dartius, que fossem negros bantus os que entraram no+rasil, eclusivamente para uns, em maior n4mero para outros. ssim, paraNpi e Dartius, negros escravos no +rasil teriam provindo dos 1ongos,1abindas e ngolas da 6frica =cidental, e dos Dacuas e ngicos, da costaoriental.

    $as suas mem"rias sobre as tribos negras importadas, fonso 1láudio e+rás maral, embora avan%ando em grande esfor%o de discrimina%ão, nãoconseguiram esclarecer cabalmente o assunto. confusão recon!ecia váriosfatores3 ineistncia de documentos originais, nomes vulgares que os negrosse davam a eles pr"prios, movimentos migrat"rios secundários, dentro do

    pr"prio pa&s 8 na 6frica e no +rasilT absor%ão s"cio-psicol"gica (...)T forma%ãode uma l&ngua geral (nagJ na +a!iaT quimbundo em outros pontos), pelomenos fenJmeno da absor%ão. Hoi $ina odrigues quem lan%ou a primeira lu#sobre a questão, e, na +a!ia, identificou a grossa massa da popula%ão negracomo sendo de procedncia sudanesa3 iorubas, geges, !aussás, minas ... semembargo da eistncia lá, em menor n4mero, de negros de origem bantu3angolas, cabindas::.

    2e qualquer modo, bantus e sudaneses mesclaram-se e, na li%ão de rtur amos (op. cit.), constitu&ram 99uma popula%ão escrava queprogressivamente se foi amalgamando aos demais contingentes da popula%ão

    brasileira 8 em cru#amentos biol"gicos e interflui%0es de origem psico-sociol"gica::. 1onsigne-se, de passagem, que a origem precisa dos negrosafricanos, em particular dos que vierem para a +a!ia, ainda é, de certo modo,uma questão em aberto.

    Sui# ieira Hil!o, em conferncia sob o t&tulo Rumos e cifras do trficobaiano (publicada na revista /studos  !rasileiros, nZ ?G, io, nov-de# ?

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    L verdade que ntonil (recorde-se aqui a clássica obra ultura e"pul0ncia do !rasil por suas rogas e &inas)  proclamou3 99=s escravos são asmãos e os pés do sen!or do engen!oT porque sem eles no +rasil não époss&vel fa#er, conservar, nem ter engen!o corrente::. 7odavia, os escravosfi#eram praticamente de tudo no +rasil 1olonial. Horam lavradores, é certo,

    mas foram também operários, remeiros, caldeireiros, marceneiros, ferreiros,criados domésticos, vaqueiros, pajens e até guarda-costas ou capangas.$aturalmente, a legisla%ão com rela%ão aos escravos, do séc. ao variou muito, isto é, foi da permissão ilimitada ao escravismo até restri%0es aotráfico e M aboli%ão da pr"pria escravatura.

    ( 8I )6 m quase quatro séculos de escravidão, legalmente recon!ecida (e

    garantida), é natural que as normas variassem (e muito) com rela%ão aos

    cativos. ecorde-se que !á registro de que, em /ortugal, já em ?PPA (aindaque de forma moderada), se iniciara a escravidão africana. Em ?G><apresentavam-se no mercado de Sisboa, anualmente, cerca de ?K a ?A milescravos.

    2e outra parte, fala-se que 99a caravela encontrada por Dartim fonso deNousa, no +rasil, em ?G>?, por ele tomada a seu servi%o depois de fa#er desembarcar os escravos que transportava, já se empregasse nesse comércio::(/erdigão Dal!eiros, in - /scravid1o no !rasil, >Yed. p. AR, o#es, /etr"polis,?P)conferiam-se poderes etraordinários aos donatários, mesmo os de mortesobre os escravos.

    L fato, contudo, que, s" com o lvará de A< de mar%o de ?GG

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    min!a observância (obviamente M do /r&ncipe, então regente do tronoportugus)T e bem assim o serão todos os que descenderem de moradoreslivres. /ela mesma ra#ão serão cativos todos aqueles que o eram antes deirem para os mesmos /almares, como também os fil!os e descendentes demul!eres cativas, seguindo o parto e condi%0es do ventre.

    Nendo o caso que alguns dos que por benef&cio desta Sei devam ser livres estejam cativos nos termos de fato not"rio, serão repostos pelo of&cio do@ui# em sua liberdadeT e quando o fato não seja not"rio, e eles pretendamdemandar os sen!ores, poderão em todo o tempo usar do seu direito perante o@ui# competente, que obrigará os tais sen!ores l!es dem livre os diasnecessários para se aconsel!arem e requererem sua justi%a, nomeando-l!esadvogados que os defenda, o qual será pago M custa da min!a fa#enda (...)::.

    E, ademais, definiu um pra#o prescricional de cinco anos que, ao seutermo, implicaria, praticamente, espécie de anistia. eja-se3 99Estando de fatolivre o que por direito deve ser escravo, poderá ser demandado pelo sen!or por tempo de cinco anos somente, contados do dia em que foi tornado M min!aobedinciaT no fim do qual tempo se entenderá prescrita a dita a%ão, (...) nãodevendo o descrido na negligncia fora dele aproveitar aos sen!ores::.

    $o século , não se legislou muito sobre os escravos. L ece%ão o lvará de ?R de janeiro de ?II>, que, por efeito de uni0es de indiv&duos dediferentes etnias, 99determinou que fossem os escravos indiv&duos de todas ascores, desde o negro até o quase branco:: (v. /erdião Dal!eiro, op. cit. p. >?).$as primeiras décadas do séc. advém nova "ptica com rela%ão Mescravidão negra.

    $a realidade, /ortugal firmara com a nglaterra o tratado de ?< defevereiro de ?F?K que, entre outras cláusulas, estabelecera o compromisso nosentido da gradual aboli%ão do tráfico, com vistas, naturalmente, a uma futuraetin%ão completa da escravidão. Evidentemente, os britânicos não agiam s"por motivos !umanitários, mas, sobretudo, em defesa dos seus interesseseconJmicos e em !ostilidade também aos Estados *nidos.

    Em ?FA>, o ice-ei da 'ndia, Sorde m!erst, de passagem pelo io de@aneiro, transmitiu a @osé +onifácio que seria uma condi%ão, para orecon!ecimento da ndependncia, a cessa%ão da vinda de escravos africanospara o +rasil e, em ?FAG, Nir 1!arles Ntuart acabou por firmar uma 1onven%ão

    com o mpério sobre a etin%ão do tráfico, a qual, todavia, não teve o respaldodo ministro 1anning.

    Sogo ap"s, em I de novembro de ?F>?, a egncia 7rina /ermanentedeclararia livres os escravos desembarcados no +rasil. demais, puniria osimportadores, inclusive, com a obriga%ão de reeporta%ão de negros para a 6frica. Enquanto isso, a marin!a inglesa apresava navios negreiros no tlântico, levando a julgamento os responsáveis pelo transporte perante ostribunais anglo-brasileiros, sediados em Nerra da Seoa e no io de @aneiro.

    Dalgrado isso, os interesses no tráfico eram muito grandes, inclusivecom a participa%ão de muitos sobas africanos no neg"cio. /or outro lado,quando os ingleses perceberam que não seria renovado 7ratado de 1omércio

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    de ?FAI, passaram a pressionar ainda mais as autoridades brasileiras,c!egando, inclusive, a aprisionar navios traficantes em águas brasileiras.

    mportante destacar que @osé +onifácio de ndrada e Nilva 8 =/atriarca da ndependncia 8 em ?FA>, na ssembléia ;eral 1onstituinte,

    apresentou projeto de lei (com >A artigos), objetivando o fim do tráfico deescravos e a aboli%ão da escravatura, de par com outras proposi%0es em favor dos negros, inclusive da mãe-escrava.

    $a fundamenta%ão da proposta integral, o grande ndrada, entreoutros argumentos, consignou3 99 sociedade civil tem por base primeira a justi%a, e por fim principal a felicidade dos !omensT mas que justi%a tem um!omem para roubar a liberdade de outro !omem, e, o que é pior, dos fil!osdeste !omem, e dos fil!os destes fil!osO Das, dirão talve# que favorecer aliberdade dos escravos será atacar a propriedade. $ão vos iludais, sen!ores, apropriedade foi sancionada para o bem de todosT e qual é o bem que tira oescravo de perder todos os seus direitos naturais, e passar de pessoa a coisa,na frase dos jurisconsultosO

    $ão é o direito de propriedade que querem defenderT é o direito dafor%a, pois não podendo o !omem ser coisa, não pode ser objeto dapropriedade, se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender aliberdade pessoal dos !omens, que não podem ser propriedade de ninguém,sem atacar os direitos da /rovidncia, a qual fe# os !omens livres e nãoescravos 8 sem atacar a ordem moral das sociedades, ou sejam todos osdeveres prescritos pela $ature#a, pela eligião e pela sã /ol&tica::.

    ( 8II )!

     "osé +onifácio, figura eponencial na !ist"ria brasileira, apresentou, em

    ?FA>, na ssembléia ;eral 1onstituinte e Segislativa do +rasil, projeto de leiem favor dos escravos negros, que merece aten%ão especial. 2e plano,objetivando secar uma das fontes da escravidão, previa, logo em seu primeiroartigo, a etin%ão inteiramente do comércio da escravatura africana, a ocorrer dentro de P a G anos. E, para todo o escravo varão que fosse importado noper&odo, estabelecia o pagamento em dobro dos direitos (a& no sentido deimposto) eistentes e, com rela%ão Ms escravas, a obriga%ão tributária somente

    pela metade, no intuito de se favorecerem os casamentos.2e outra parte, o projeto fiava que todo escravo que fosse vendido

    ap"s a transforma%ão do projeto em lei, quer provindo da 6frica, quer dos jáeistentes no +rasil, deveria ser registrado em um livro de notas, onde sedeclararia o pre%o da venda. =bjetivando evitar fraude em sua eecu%ão, foiestabelecido um prmio para quem o denunciasse, que seria o da metade dovalor do escravo do contratante que subnegou a opera%ão ao registro.

     lém disso, em outras disposi%0es previa !ip"teses diversas de alforria./or eemplo3 todo escravo, ou alguém por ele, que oferecesse ao sen!or valor por que fora vendido, ou que fora avaliado, seria imediatamente forro, isto é

    7 ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 02

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    libertado. 1om n&tido caráter de prote%ão M vel!ice e aos doentes, evitando quea alforria, ao invés de um benef&cio, viesse a ser uma desobriga%ão, previa aproposta legislativa3 997odo sen!or que forrar escravo vel!o, ou doenteincurável, será obrigado a sustentá-lo, vesti-lo e tratá-lo durante sua vida, se oforro não tiver outro modo de eistnciaT e, no caso de não o fa#er, será o forro

    recol!ido ao !ospital, ou casa de trabal!o M custa do sen!or::./ara evitar a separa%ão de casais escravos estava prevista regra no

    sentido de que nen!um sen!or poderia vender escravo casado com escravasem vender ao mesmo tempo e ao mesmo comprador a mul!er e os fil!osmenores de ?A anos. = mesmo deveria ocorrer com a escrava não casada comrela%ão aos seus fil!os de até ?A anos.

    /or outro lado, o sen!or que fosse amigado (esta a epressão usada noprojeto) com escrava ou que com ela tivesse um ou mais fil!os seria for%ado adar liberdade, isto é, M mãe e aos fil!os e a cuidar da educa%ão destes até aidade de ?G anos. /rote%ão especial M escrava grávida ou com prole previa oprojeto3 99] escrava, durante a pren!e#e passado o terceiro ms, não será obrigada a servi%os violentos e aturadosTno oitavo ms s" será ocupada em casaT depois do parto terá um ms deconvalescen%aT e passado este, durante um ano, não trabal!ará longe da cria.

    7endo a escrava o primeiro fil!o vingado, se pejar de novo, terá além doque acima fica determinado uma !ora de descanso mais fora das !orasestabelecidas, e assim M propor%ão dos fil!os vingados que for tendoT ficaráforra logo que tiver cinco fil!os, porém sujeita a obedecer e a morar com omarido, se for casada::.

    $ormas especiais previam-se com rela%ão ao casamento de escravoscom mul!eres livres ou com escravas do mesmo sen!or. Nobre o particular, oprojeto vedava a interferncia do sen!or no sentido de impedir taiscasamentos. Em outras palavras, se a mul!er livre quisesse casar-se com umescravo, e, naturalmente, vindo a morar com ele e, de igual sorte, se a escravade um sen!or quisesse desposar um escravo desse, desde que tudo por livrevontade, não !averia qualquer "bice.

     inda sobre o casamento, previa o projeto que o governo devesse tomar medidas necessárias para que os sen!ores de engen!os e de grandesplanta%0es de cultura tivessem não menos de dois ter%os de seus escravos

    casados. 1om rela%ão M greja, de par com a estipula%ão de providncia nosentido de que os escravos deveriam ser instru&dos na religião e na moral,fiava-se ao governo obriga%ão de procurar convencer os párocos e outroseclesiásticos a que concedessem liberdade aos escravos que possu&ssem.

    1uriosa regra encontrava-se no antigo AP do projeto3 99/ara que nãofaltem os bra%os necessários M agricultura e ind4stria, porá o ;overno emeecu%ão ativa as leis policiais contra os vadios e mendigos, mormente sendoestes !omens de cor::. *ma 1aia de /iedade era prevista com vista a custear as manumiss0es ou alforrias, prevendo uma estran!a preferncia. =bserve-se399$as manumiss0es que se fi#erem pela 1aia de /iedade, serão preferidas os

    mulatos aos outros escravos, e os crioulos aos da costa::.

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    1omo se v, o mulato, pela regra proposta, teria preferncia sobre osdemais escravos (negros, naturalmente) e os negros nascidos no +rasil (este osentido de crioulo no teto) sobre os escravos provindos da 1osta, ou seja, da 6frica. /ara celebrar as alforrias, em referncia, !averia um dia especialfestivo3 99= dia destas manumiss0es será um dia de festa solene com a

    assistncia das autoridades civis e eclesiásticas::.= projeto do grande ndrada não c!egou a ser aprovado, posto que, de

    par com as resistncias que encontrou, a pr"pria ssembléia $acional1onstituinte, como se sabe (devido a outras ra#0es), acabou por ser dissolvida.L fato, contudo, que, muito embora se tratasse de teto bem aquém dodesejável sob a "ptica atual, constituiu-se, para a época em que foiapresentado, em proposi%ão altamente avan%ada.

    Ne não vingou, foi, entretanto, uma boa semente para que poucasdécadas ap"s se deflagrasse um processo (naturalmente, passando por projetos legislativos) com vistas M aboli%ão do tráfico e do comércio deescravos e, por 4ltimo, a da pr"pria escravidão.

    ( 8III )# A importância do rendoso neg"cio do tráfico de escravos pode-se

    avaliar pela necessidade cada ve# mais crescente de bra%os para a lavouraque, em fins do séc. e in&cio do séc. eram empregados no plantio docafé e, ainda, no da cana-de-a%4car, algodão, fumo e cereais. /or outra parte,era alta a taa de mortalidade dos negros, enquanto baia era a da natalidade.

    /ara que se ten!a uma idéia da epressão do tráfico, registre-se queentre o ano ?FKI e o de ?F?< entraram no +rasil cerca de RFK mil escravos,média anual de GR.RRR ingressos. $esse grande neg"cio muita gente gan!ava8 mercadores ingleses, franceses, !olandeses, portugueses, além de reis ousobas africanos e, a&, evidentemente, com a participa%ão de muitos negros.

    Em recent&ssima obra 2rancisco 2eli3 de Sou4a 5&ercador de/scravos (co-edi%ão da $ova Hronteira com a ed. *erj), lberto da 1osta eNilva dá boa not&cia não s" dessa figura, que dá nome ao t&tulo, mas docomércio em si e da participa%ão nela de negros não escravos e (ou) e-escravos.

    /or ilustrativo, transcreva-se pequeno trec!o3 99=utros son!avam repetir a fa%an!a daquele @oão de =liveira, escravo liberto que retornara do +rasil por volta de ?I>>, para dedicar-se ao comércio negreiro e que tivera taman!o itoque abrira, com recurso de seu bolso, dois novos embarcadouros ao comérciotransatlântico3 /orto $ovo e Sagos. E !avia ainda aqueles que, além decomerciante de escravos, tin!am o gosto das aventuras militares e a voca%ãode caudil!o, como ntJnio a# 1oel!o, um negro livre que também viera do+rasil, a fim de eercer o tráfico e que, com seus !omens armados de fu#il esuas canoas de guerra dotadas de can!0es de eio 8 os primeiros quecon!eceu a 1ostas (...)::.

     ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 09

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    Epressivas, por outro lado, as estat&sticas quanto ao elemento negro no+rasil, mais particularmente entre o 4ltimo quartel do século e as duasprimeiras décadas do século , quando já !avia compromisso formal (umtratado de ?F?K) entre /ortugal e a nglaterra cuidando da proibi%ão do tráfico

    negreiro.Em ?IFKK mil !abitantes, sendo ? mil!ão e GKK mil escravos, vale di#er RG[ do total.E, mais para frente,em ?F?R, !á registro de que a popula%ão brasileira andavapela casa de >.>GF.GKK !abitantes, dos quais RF,G[ eram escravos, ou seja,um mil!ão novecentos e trinta mil.

    ecorde-se que, em ?F?K, pelo 7ratado de lian%a e mi#ade, opr&ncipe @oão (mais tarde @oão ), firmara compromisso com a nglaterra nosentido da aboli%ão gradual do transporte de escravos para o +rasil. E, em?F?G, na cidade de iena, firmou /ortugal novo tratado com a nglaterra,

    estipulando condi%0es sobre o tráfico, ocasião em que ficou estabelecido queos britânicos indeni#ariam ao reino de /ortugal os prejuos por este sofrido até?F?P, por terem seus navios apresados por cru#adores ingleses. 7alindeni#a%ão foi fiada em >KK mil libras esterlinas.

    1onven%ão adicional ao referido tratado de ?F?G foi assinada emSondres, em ?F?I, no sentido (mais uma ve#) de impedir-se o tráfico, que,contudo, ainda que com dificuldades, continuou a operar-se. /roclamada andependncia do +rasil, renovou a nglaterra press0es no sentido da aboli%ãodo tráfico negreiro.

    2e passagem pelo io de @aneiro (?FA>), o vice-rei da 'ndia Sorde m!erst transmitiu a @osé +onifácio not&cia de que a nglaterra condicionaria orecon!ecimento da ndependncia M aboli%ão total do tráfico em destaque. E,em ?FAG, 1!arles Ntuart firmou com o governo brasileiro conven%ão, cuidando,ainda uma ve#, da etin%ão dessa forma de comércio, ou seja, da vinda deescravos da 6frica. Esse acordo entre os governos brasileiro e ingls acaboupor não receber o apoio do primeiro ministro 1anning.

    Em ?FAR, novo negociador diplomático ingls, obert ;ordon renovou oacordo anterior, resultando da& que, a partir de ?> de mar%o de ?F>K, não seriamais permitido o embarque de escravos na costa africana em navios de

    bandeira brasileira. Em ?FPG, editou a nglaterra o bill berdeen (ou  -berdeen -ct), estabelecendo que fossem aprisionados, pelos cru#eiros ingleses, osnavios que estivessem transportando escravos para o +rasil, sendo osresponsáveis julgados pelos 7ribunais do lmirantado e não mais por tribunaismistos (isto é, composto por brasileiros e britânicos), como os que estavamsediados em Nerra Seoa (6frica) e no io de @aneiro.

    1uriosamente, com a pressão inglesa, o tráfico, que já vin!a diminuindo,cresceu para cerca de GK mil escravos entre ?FPR a ?FP

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    @osé +onifácio, como se sabe, em ?FA>, na ssembléia ;eral 1onstituintee Segislativa apresentou projeto de lei objetivando beneficiar os escravos.

    $a egncia, logo em seu in&cio, foi aprovada lei (I de novembro de?F>?), abolindo o tráfico e estabelecendo que 99todos os escravos que entrarem

    no territ"rio ou portos do +rasil, vindos de fora (ficariam) livres::, salvo umaspoucas ece%0es.

     s lutas intestinas durante o per&odo regencial, principalmente, frustraramas aten%0es e concentra%ão de esfor%os para o fiel cumprimento dessa lei.

    Nomente com a edi%ão de lei de P de setembro de ?FGK é que se teve umdiploma efetivamente efica# com vista M definitiva etra%ão do tráfico.

    1om efeito, gra%as a enérgicas medidas, tomadas pelo ministro da justi%aEusébio de Vueiro# 1outin!o Dáloso 1âmara, a lei em referncia foirigorosamente cumprida. liás, a lei ficou con!ecida como Sei Eusébio deVueiro#.

    /ara que se ten!a uma eata dimensão da postura inglesa(evidentemente, amb&gua e contradit"ria) sobre o tráfico, registre-se trec!oetra&do do livro a escravid1o 6 liberdade 5 a história do negro americano ,de @o!n 5ope HranXlin e lfredo . Doss @r. ($"rdica, ?

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     julgamento, a jui# especial. ;arantida assim a efetiva puni%ão dosdelinqQentesT GZ manter efica#mente a liberdade dos africanos apreendidos:: (7., p. RA).

    Dais adiante, consigna o autor em referncia3 99= certo é que o tráfico

    sofreu logo em ?FGK um golpe profundo. = n4mero dos africanos importadosnesse ano desceu a A>.KKK, quase dois ter%os menos do que fora anualmenteimportado desde ?FPR a ?FP.FAIT e em ?FGA apenasIKK, de ?FG> a?FGR !ouve ainda dois desembarques, em Nerin!aém e NãoDateusT foram, porém, apreendidos todos os africanos M ece%ão de quatro,sendo o n4mero total deles o de G?A:: (=p. cit. p. R>).

    Necava-se, assim, uma das fontes principais da escravidão. Era preciso,contudo, avan%ar mais e, agora, no sentido da etin%ão do escravismo no pa&s.

    Em suas Halas do 7rono, na abertura das ssembléias ;erais (1âmara de2eputados e Nenado) de ?FRF e de?FI?, consignou o mperador,

    epressamente, sua preocupa%ão com a situa%ão do elemento servil3 99=elemento servil tem sido objeto de ass&duo estudo, e, oportunamente,submeterá o governo M vossa sabedoria a conveniente proposta:: (?FRF). E,em ?FI?, 99considera%0es da maior importância aconsel!am que a reformadalegisla%ão sobre o estado servil não continue a ser uma aspira%ão nacionalindefinida e incerta::.

     dviria da& projeto que, ap"s emendas, transformou-se na Sei nZ A.KPK, deAF de setembro de ?FI?, que ficou con!ecida como Sei do entre Sivre.ecorde-se que, em A

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    oferecesse ao sen!or de sua mãe, procedendo-se M avalia%ão dos servi%ospelo tempo que l!e restasse preenc!er, se não !ouvesse acordo sobre oquantum da mesma indeni#a%ão.

    egras de caráter mais !umanitário encontram-se nos parágrafos terceiro

    e quatro. =bserve-se3 991abe também aos sen!ores criar e tratar os fil!os queas fil!as de suas escravas possam ter enquanto aquelas estiverem prestandoservi%os. 7al obriga%ão, porém, cessará logo que findar a presta%ão dosservi%os das mães. Ne estas falecerem dentro daquele pra#o, seus fil!ospoderão ser postos M disposi%ão do ;overno:: (>Z), e, 99se a mul!er escravaobtiver a liberdade, os fil!os menores de oito anos, que estejam em poder dosen!or dela por virtude do ?Z, l!e serão entregues, eceto se proferir deiá-los,e o sen!or assumir a ficar com eles:: ( PZ).

    $os parágrafos GZ, RZ e IZ tm-se regras que di#em de perto do direito queos sen!ores tiveram garantido, em particular de ter os servi%os, até a idade deA?anos completos, do fil!o de escrava nascido livre (O), a partir de AF desetembro de ?FI?. ssim, no caso de aliena%ão da mul!er escrava, seus fil!oslivres (O) menores de ?A anos, deveriam acompan!á-la, ficando o novo sen!or da mesma sub-rogado nos direitos e obriga%0es do antecessor.

    /oderia a obriga%ão de presta%ão de servi%os, por parte do fil!o daescrava, nascido livre (O) cessar antes dos A? anos, caso, se, por senten%a do juo criminal, ficasse recon!ecido que os sen!ores de suas mães osmaltratavam, infringindo-l!es castigos ecessivos. demais, o direitoassegurado aos sen!ores (de poder contar com o servi%o dos fil!os dasescravas até atingirem A? anos, repita-se), transferia-se, nos casos desucessão necessária, devendo os fil!os em referncia prestar servi%os Mpessoa a quem nas partil!as ficasse pertencendo M escrava (que fosse suamãe, naturalmente).

      Sei do entre Sivre previa, em seu art. AZ, que o governo pudesseentregar a associa%0es, por ele autori#adas, os fil!os das escravas, nascidos apartir de AF de setembro de ?FI?, que fossem cedidos ou abandonados pelossen!ores dessas cativas. 1urioso é que essas associa%0es ficavam tambémcom o direito aos servi%os desses nascidos livres (O) até a idade de A? anos,podendo, inclusive alugar tais servi%os a terceiros.

     inda cabem mais refle0es sobre a c!amada Sei do entre Sivre (O),

    que não libertou plenamente os fil!os de escravas, nascidos ap"s sua edi%ão.  rigor, transformou-os tão-s" de escravos em prestadores de servi%osgratuitos, até que completassem A? anos de idade.

    ( : )1% A s associa%0es, previstas pela Sei do entre Sivre, tin!am como

    obriga%0es prec&puas3 1  8 criar e tratar os menores fil!os de escravos,nascidos ap"s AF de setembro de ?FI?T 2 8 constituir para cada um deles umpec4lio, consistente na quota que para este fim fosse reservada nos

    10 ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 2

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    respectivos estatutosT e 3 8 procurar-l!es, findo o tempo de servi%o (isto équando completassem A? anos), apropriada coloca%ão.

    Essas entidades estavam sujeitas M inspe%ão dos jues de "rfãos. = art.>Z da lei em referncia contin!a dispositivo para além do ventre livre, visto que

    previa também uma quota anual de liberta%ão de escravos, a ser custeada por um fundo especial. Em outras palavras, anualmente, em cada prov&ncia dompério, deveriam ser libertados tantos escravos quantos correspondessem Mquota, a cada ano, dispon&vel do fundo destinado para a emancipa%ão.

    7ais fundos tin!am seis fontes principais3 1)  a taa de escravosT 2)  osimpostos gerais sobre transmissão de propriedade de escravosT 3) o produto deseis loterias anuais, isentas de impostos, e a parte da décima parte das quefossem concedidas, a partir da lei, para correrem no io de @aneiro, capital dompérioT 4) recursos provenientes de multas impostas em virtude da aplica%ãoda lei em destaqueT 5) quotas indicadas nos or%amentos geral, provinciais emunicipaisT e 6) resultados de subscri%0es, doa%0es e legados, destinados Memancipa%ão.

    2e outra parte, era permitido ao escravo a forma%ão de um pec4lio com oque l!e proviesse de doa%0es, legados e !eran%as, e, com o que, por consentimento de seu sen!or, obtivesse do seu trabal!o e economias. 1omrespeito a tal pec4lio, estipulava a lei que o governo providenciasse suadisciplina em regulamentos.

    /or morte do escravo, metade desse pec4lio seria destinada ao cJnjugesobrevivente (se o !ouvesse, naturalmente) e a outra metade se transmitia aosdemais !erdeiros, na forma da lei civil (M época, as =rdena%0es Hilipinas, 7&tulo

    1). ] m&ngua de meeiro (ou meeira) e de !erdeiros, tal pec4lio deveria ser adjudicado ao fundo de emancipa%ão, acima referido.

     demais, o escravo que, por meio de seu pec4lio obtivesse meios para aindeni#a%ão do seu valor, teria direito a alforria. Ne, por !ip"tese, o valor dafia%ão não fosse fiado por acordo, o seria por arbitramento. @á, nas vendas judiciais e nos inventários, o pre%o da alforria era fiado por avalia%ão.

    /odia, ainda o escravo, em favor da sua liberdade, contratar a presta%ãode futuros servi%os, por tempo que não ecedesse de sete anos, medianteconsentimento do sen!or e aprova%ão do jui# de "rfãos. 5ip"tese interessante

    ocorria, quando o escravo pertencesse a condJminos. Em tal caso, sealforriado por um desses, remanescia a obriga%ão do escravo de indeni#ar osoutros sen!ores do valor da quota que l!es pertencesse. Essa indeni#a%ãotambém poderia ser paga com servi%os prestados, por pra#o não superior asete anos.

    $orma rigorosa estava prevista no GZ do art. GZ, da Sei do entre Sivre em99benef&cio:: dos escravos. eja-se3 99 alforria com a cláusula de servi%osdurante certo tempo não ficará anulada pela falta de implemento da mesmacláusula, mas o liberto será compelido a cumpri-la por meio de trabal!o nosestabelecimentos p4blicos ou por contratos de servi%os a particulares::. 1omoincentivo Ms alforrias, essas eram isentas de qualquer tributo, emolumentos oudespesas.

    2

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    /or outro lado, em qualquer caso de aliena%ão ou transmissão deescravos era proibida, sob pena de nulidade, a separa%ão de cJnjuges, e a dosfil!os menores de ?A anos, do pai ou da mãe. 1omo se sabe, os escravosconstitu&am bens que eram arrolados nos inventários. Vuando a divisão dessesbens (escravos, obviamente) entre !erdeiros não comportasse a reunião de

    uma fam&lia, e nen!um dos !erdeiros preferisse conservá-la sob seu dom&nio(mediante reposi%ão da respectiva quota parte dos outros interessados) afam&lia de escravos deveria ser vendida e o produto rateado entre os !erdeiros.  mesma regra, mutatis mutandis, também valia para quando !ouvesse partil!aentre s"cios.

     s =rdena%0es Hilipinas, em seu 7&tulo S (2as doa%0es e alforria, quese podem revogar por causa de ingratidão), parágrafo I, do seu Sivro ,repetindo no particular as =rdena%0es Danuelinas (Sivro , 7&tulo S, IZ) eraepressa3 99Ne alguém forrar seu escravo, livrando-o de toda servidão, e, depoisque for forro, cometer contra quem o forrou, alguma ingratidão pessoal em sua

    presen%a ou em absncia, quer seja verbal, quer de feito e real, poderá essepatrono revogar a liberdade, que deu a esse liberto, e redu#i-lo M servidão, emque antes estava. E bem assim por casa, uma das causas de ingratidão, por que o doador pode revogar a doa%ão feita ao donatário (...)::.

    Essa regra foi epressamente revogada, pelo

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    eistentes no mpério, registro paroquial e estabelecimento de san%0es, aserem aplicadas na forma dos regulamentos.

    2uas normas de caráter instrumental, estavam previstas em seu art. IZ(cujo caput era as causas em  favor da liberdade), a saber3 o processo era

    sumário e !avia apela%0es e3 officio, quando as decis0es fossem contrárias Mliberdade. Em outras palavras, quando alguém dedu#isse pretensão em juoem favor de sua liberdade, isto é, para provar que não era mais escravo, talprocesso teria rito sumário e, sempre que a decisão judicial fosse contrária Mliberdade, a lei impun!a que o jui# recorresse, obrigatoriamente, de of&cio. stoé, a instância ad quem, por intermédio do duplo grau de jurisdi%ão, obrigat"rio,apreciaria a senten%a a quo. 

    /or outro lado, a lei em destaque era epressa em seu art. FZ3 99= ;overnomandará proceder M matr&cula especial de todos os escravos eistentes nompério, com declara%ão do nome, seo, estado, aptidão para o trabal!o efilia%ão de cada um, se for con!ecida::. L flagrante que a teleologia dadisposi%ão era possibilitar ao governo o con!ecimento preciso, não s" daquantidade de bra%os escravos (de onde, naturalmente, estavam eclu&dos oslibertos ou alforriados), como de dados concretos sobre eles, maisparticularmente no que se referisse ao seo, M aptidão para o trabal!o, e Midentifica%ão individual (nome, filia%ão e estado).

    /ara que não se frustrasse o cumprimento da lei, no particular, estadispun!a que o pra#o, em que deveria come%ar e encerrar-se a matr&cula, seriaanunciado com a maior antecedncia poss&vel por meio de editais repetidos.$esses editais teriam de constar, obrigatoriamente, que os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados não fossem dados M matr&cula até um anoap"s o pra#o fiado para o seu encerramento, seriam ipso facto consideradoslibertos.

    Em outras palavras, se um sen!or não levasse os seus escravos Mmatr&cula dentro do pra#o assinado, com a tolerância prática de poder fa#-loaté um ano ap"s esse termo, teria como san%ão, pelo fato, que os escravosnão matriculados seriam considerados libertos para todos os efeitos. /elamatr&cula de cada escravo, deveria o sen!or pagar o emolumento dequin!entos réis, se o fi#esse dentro do pra#o marcado, e de mil réis, seecedesse o dito pra#o.

    = produto da arrecada%ão desses emolumentos era destinado Msdespesas com a pr"pria matr&cula e, a que ecedesse dela, era destinado aofundo de emancipa%ão, que a lei previa em seu art. AZ. /ara evitar burlas,determinou a lei que fossem também matriculados, em livro distinto, os fil!osda mul!er escrava, nascidos livres a partir da data de sua san%ão, ou seja, AFde setembro de ?FI?.

    =s sen!ores considerados omissos, por negligncia, incorreriam empenas de multa entre ?KK a AKK réis, repetidas tantas ve#es quantas fossem osescravos omitidos, além de responderem por fraude, a& com as penas previstasno art. ?I< do 1"digo 1riminal de ?F>K. /or sua ve#, os párocos ficaram

    obrigados a ter livros especiais para o registro dos nascimentos e "bitos dosfil!os de escravos nascidos desde AF de setembro de ?FI?.

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    $a !ip"tese de descumprimento da norma, o pároco, em face de cadaomissão, ficava sujeito M pena de multa de cem mil réis. utori#ou, ainda, a leique o governo, em seus regulamentos, pudesse impor multas de até cem réis epenas de prisão simples de até um ms. /rosseguiria a batal!a legislativa paraampliar as !ip"teses de aboli%ão da escravatura. = mperador /edro

    identificava-se com a causa abolicionista.;eorges aeders, em interessante obra sob o t&tulo " onde de

    7obineau no !rasil (a que se agregou, na versão brasileira, a epressão 99oinimigo cordial do +rasil::), registra3 992esde o in&cio de seu reinado, 2. /edro também se mostrara um sincero partidário da aboli%ão. Encorajava qualquer propaganda capa# de esclarecer esp&ritos. compan!ava com simpatia asmanifesta%0es literárias suscitada pela campan!a abolicionista. poiava todoprojeto de lei que visasse M liberta%ão dos escravos. 1onferia recompensa econdecora%0es aos sen!ores que alforriavam seus escravos. Hoi pessoalmentefelicitar o abade dos +eneditinos no io que, no cap&tulo geral de > de maio de

    ?FRR, proclamara a liberdade dos fil!os dos ?.RKK escravos que possu&a. 2eueemplo e concedeu a liberdade a escravos de suas propriedades:: (=p. cit. p.??R, trad. osa Hreire d:guiar, ed. /a# e 7erra, io, ?.AIK, de AF de setembro de ?FFG),que ficou con!ecida como Sei dos Neagenários. 2esnecessário o registro deque o fato de as datas das leis (do entre Sivre e dos Neagenários) serem AFde setembro é algo mais de que uma simples coincidncia. = nome pelo qualficou con!ecido o diploma deriva, naturalmente, do fato de que, entre suasdisposi%0es constava, epressamente3 99Não libertos os escravos de RK anos de

    idade, completos antes e depois da data que entrar em eecu%ão esta SeiTficando, porém, obrigados, a t&tulo de indeni#a%ão pela sua alforria, a prestar servi%os a seus e-sen!ores pelo espa%o de trs anos:: (?K do art. >Z).

    $o parágrafo seguinte (??), dispun!a3 99=s que forem maiores de RKanos e menores de RG anos, logo que completaram esta idade, não serãosujeitos aos aludidos servi%os, qualquer que seja o tempo que os ten!amprestado com rela%ão ao pra#o (o de trs anos) acima declarado::. Em s&ntese,a lei libertou os escravos a partir de quando completassem RK anos, com aobriga%ão, porém, de que prestassem servi%os, a t&tulo de indeni#a%ão aosen!or, pelo pra#o de trs anos. = maior de RG anos, contudo, ficava liberado

    de tais trabal!os. Nobre essa lei de seagenários ainda !á muito a ser observado.

    ( :II )12 A Sei nZ >.AIK, de AF de setembro de ?FFG, sancionada pelo imperador 

    /edro , mais con!ecida como Sei dos Neagenários, cuidou em seus cincoartigos, quatro dos quais com vários parágrafos, de diversas normasobjetivando regular a etin%ão gradual do elemento servil. $a realidade, a lenta

    12 ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 06

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    evolu%ão da legisla%ão abolicionista deveu-se, em sua maior parte, M granderesistncia dos sen!ores do campo.

    /or outro lado, o pr"prio imperador (sinceramente comprometido com acausa abolicionista) temia que um avan%o abrupto, no sentido da etin%ão total

    da escravatura, poderia causar um colapso na economia e um confronto doqual poderiam resultar conseqQncias indesejáveis. ;eorges aeders (in "onde de 7obineau no !rasil, /a# e 7erra, ?

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    disposi%0es referentes M matr&cula, resultaria nulidade e o coletor ou agentefiscal responsável seria apenado independentemente de outras san%0es, emmulta de cem mil a tre#entos mil réis.

    $o parágrafo terceiro, tin!a-se a tabela de valor dos escravos do seo

    masculino, a saber3 a) escravos menores de >K anos3 K a PKanos3 FKK mil réisT de PK a GK anos3 RKK mil réisT de GK a GG anos3 PKK mil réis,e de GG a RK anos3 AKK mil réis. = valor das escravas era calculado tambémpela referida tabela, com abatimento de AG[ nos pre%os.

    =s escravos, a partir de RK anos, não eram dados M matr&cula, masdeviam ser arrolados, para fins precisos, que a pr"pria lei apontava. = pra#o deum ano foi fiado, para que se reali#asse a matr&cula, que deveria ser anunciada por editais afiados nos lugares mais p4blicos, com antecednciam&nima de

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    em destaque era epressa em que 99esta taa será cobrada desde já livre dedespesas de arrecada%ão, e anualmente inscrita no or%amento da receitaapresentado M ssembléia ;eral Segislativa pelo Dinistro e Necretário deEstado dos $eg"cios da Ha#enda::T III) compun!am, ainda, o fundo os t&tulos dad&vida p4blica emitidos a G[, com amorti#a%ão anual de meio por cento, sendo

    os juros e amorti#a%ão pagos pela referida taa, ou seja, G[.  taa adicional em destaque seria arrecadada ainda depois da liberta%ão

    de todos os escravos e até que se etinguisse a d&vida proveniente da emissãodos t&tulos que a lei autori#ava. disciplina das taas e rendas destinadas aofundo continuava a ser na conformidade do disposto em regulamento (2ecretoG.?>G de ?>. . ?FIA). $aturalmente, tal regulamento foi uma decorrncia daSei nZ A.KPK, de AF de setembro de ?FI?.

    @á o produto da taa adicional era para ser dividido em trs partes iguais,a saber3 a primeira para ser aplicada M emancipa%ão dos escravos de maior idade, conforme o que fosse estabelecido pelo governo em regulamentoT já asegunda parte era para ser aplicada M liberta%ão, por metade ou menos demetade de seu valor, dos escravos de lavoura e minera%ão, cujos sen!oresquisessem converter em livres os estabelecimentos mantidos por escravosT e,por 4ltimo, obviamente a terceira, que se destinava a subvencionar acoloni#a%ão por meio de pagamento de transporte de colonos que fossemefetivamente colocados em estabelecidos agr&colas de qualquer nature#a.

    2e outra parte, para desenvolver os recursos empregados natransforma%ão dos estabelecimentos agr&colas servidos por escravos emestabelecimentos livres e para auiliar o desenvolvimento da coloni#a%ãoagr&cola, ao governo foi facultada a emissão de t&tulos da d&vida p4blica. =s juros e amorti#a%ão de tais t&tulos não poderiam absorver mais de dois ter%osdo produto da taa adicional, já referida.

    1ontin!a, ainda, a Sei Naraiva-1otegipe (ou dos Neagenários) um t&tuloespecial, cuidando das alforrias e dos libertos. *m percentual de dedu%ão, por n4mero de anos, a contar da data em que fosse matriculado o escravo, estavaliteralmente previsto. ssim, no primeiro ano, dedu#iam-se A[T no segundo,>[T no terceiro, P[T no quarto, G[T no quinto, R[T no seto, I[T no sétimo,F[T no oitavo,

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    acontecesse, foram estabelecidos, ainda, trs comandos, diretivas oucondi%0es.

    2estarte, a liberta%ão teria de ser de todos os escravos eistentes nosmesmos estabelecimentos, ficando o sen!or obrigado a não admitir novos

    escravos, sob pena destes serem desde logo declarados libertos. indeni#a%ão era feita, pelo Estado, de metade do valor dos escravos assimlibertados, em t&tulos de G[, com preferncia para os sen!ores que redu#issemmais a indeni#a%ão. E, quanto M usufrui%ão dos servi%os dos libertos, essaficaria limitada ao tempo de cinco anos.

     crescente-se que continuavam obrigados a servi%o nosestabelecimentos agr&colas os libertos, pelo pra#o de cinco anos. Emcontrapartida, seriam eles alimentados, vestidos e tratados pelos seus e-sen!ores, além de go#arem de uma gratifica%ão pecuniária, por dia de servi%o,arbitrada pelo e-sen!or com aprova%ão pelo jui# de "rfãos.

      gratifica%ão em referncia constitu&a-se em pec4lio do liberto e eradividida em duas partes, sendo uma dispon&vel desde logo e, a outra, recol!idaa uma 1aia EconJmica ou 1oletoria, para ser entregue ao e-escravo, umave# terminado o pra#o de presta%ão de servi%os a que estava obrigado, repita-se, pelo pra#o de cinco anos.

      liberta%ão pelo pec4lio era concedida M vista de certidão contendo ovalor do escravo e de certidão do dep"sito desse valor na competentereparti%ão fiscal. mbas as certid0es eram passadas a t&tulo gratuito, registre-se de passagem.

    $aturalmente, nada inibiria a que fossem alforriados os escravos por mera liberalidade, mas eibido sempre o pre%o do escravo. $os parágrafos de?K a ?A, do art. >Z, da Sei nZ >.AIK, de AF de setembro de ?FFG, praticamente,se encontram disposi%0es que serviram de base a que se cognominasse odiploma de Sei dos Neagenários. L ponto a merecer mais detida refleão, atéporque da& se concluirá que, ao contrário do que normalmente se pensa, apartir de AF de setembro de ?FFG não ficaram livres, plenamente, os escravosmaiores de RK anos.

    ( :I8 )14 A Sei Naraiva-1otegipe (Sei nZ >.AIK, de AF de setembro de ?FFG)

    dispun!a nos parágrafos décimo e décimo primeiro, do seu art. >Z,respectivamente3 99Não libertos os escravos de RK anos de idade, completosantes e depois da data em que entrou em eecu%ão esta SeiT ficando, porém,obrigados, a t&tulo de indeni#a%ão pela sua alforria, a prestar servi%os a seuse-sen!ores pelo pra#o de trs anos:: e 99os que forem maiores de RK emenores de RG anos, logo que completarem esta idade, não serão sujeitos aosaludidos servi%os, qualquer que seja o tempo que os ten!am prestado comrela%ão ao pra#o (de fato, de até trs anos) declarado::.

    14 ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 20

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    $ão é dif&cil, evidentemente, entender o porqu da lei em destaque ter ficado con!ecida também como Sei dos Neagenários. mportante frisar que osescravos com idade de RK anos, a partir da Sei de AF de setembro de ?FFG,ficavam libertos, contudo estavam obrigados a prestar servi%os, semremunera%ão, a seus e-sen!ores, a t&tulo de indeni#a%ão pela alforria. tal

    presta%ão de servi%os gratuitos s" não ficavam obrigados os maiores de RGanos.

    L bem verdade que, entre RK e RG anos, o e-escravo poderia ficar obrigado, pelos aludidos servi%os, por tempo menor, caso contasse, por eemplo, com R> ou RP anos, quando s" (O) teria que pagar sua alforria comum ou dois anos de trabal!o para o e-sen!or.

      Sei dos Neagenários previa !ip"tese de remissão de tais servi%os,mediante o valor não ecedente M metade daquele arbitrado para os escravosda classe de GG a RK anos de idade. /ara que os e-sen!ores nãoabandonassem seus e-escravos, maiores de RK anos, ap"s a presta%ão deservi%os, pelo pra#o de até trs anos (na dependncia da idade que medeavaentre RK e RG anos, repita-se), a Sei em eame foi clara3 997odos os libertosmaiores de RK anos preenc!ido o tempo de servi%o (de trs anos), continuarãona compan!ia de seus e-sen!ores, que serão obrigados a alimentá-los, vesti-los, e tratá-los em suas moléstias, usufruindo os servi%os compat&veis com asfor%as deles, salvo se preferirem obter em outra parte os meios desubsistncia, e os jues de "rfãos os julgarem capa#es de o fa#er ::.

    /revia a lei o domic&lio obrigat"rio, pelo pra#o de cinco anos, para oliberto. 7al pra#o era contado a partir da data da alforria, com recursos do fundode liberta%ão e o domic&lio era o do munic&pio onde o e-escravo tornou-seforro, eceto o das capitais. /ara os libertos que se ausentassem dessedomic&lio (imposto pela lei), !avia, como san%ão, o fato de serem consideradosvagabundos, devendo ser apreendidos para serem empregados em trabal!osp4blicos ou colJnias agr&colas.

    N" o jui# de "rfãos poderia permitir a mudan%a do liberto, diante demoléstia ou outro motivo atend&vel, com a condi%ão do e-escravo ter bomprocedimento e declarar o lugar para onde pretendia transferir o domic&lio.Vuando o liberto fosse encontrado sem ocupa%ão, era ele obrigado aempregar-se ou a contratar servi%os, no pra#o que l!e fosse assinado pelapol&cia. Eaurido tal pra#o, se continuasse o liberto sem trabal!o, era ele

    enviado ao jui# de "rfão, que tin!a poder de constrang-lo a celebrar contratode loca%ão de servi%os, sob pena de ?G dias de prisão com trabal!o, e de ser enviado, em caso de reincidncia, para uma das colJnias agr&colas.

    Vuanto ao escravo, a Sei Naraiva-1otegipe fiou-l!e domic&liointransfer&vel, ou seja, não era poss&vel ter domic&lio diverso do que a prov&nciaem que estivesse matriculado em AF de setembro de ?FFG, obviamente a datada Sei dos Neagenários. $a verdade, a mudan%a de domic&lio do escravo,implicava sua liberta%ão. Era bem clara a lei no particular3 99 mudan%aimportará aquisi%ão da liberdade, eceto nos seguintes casos3 1 7ransfernciado escravo de um para outro estabelecimento do mesmo sen!orT 2  Ne oescravo (tivesse) sido obtido por !eran%a ou por adjudica%ão for%ada em outraprov&nciaT 3 Dudan%a de domic&lio do sen!orT 4 Evasão do escravo::. /ara

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    coibir a fuga de escravos, a lei estabelecera que o escravo, evadido da casa doseu sen!or ou de onde estivesse empregado, não poderia (enquanto estivesseausente) ser alforriado pelo fundo de emancipa%ão. /or outro lado, observe-seque a obriga%ão de presta%ão de servi%os de escravos empregados nosestabelecimentos agr&colas (e que seriam libertados pelo fundo de

    emancipa%ão, se seus sen!ores se propusessem a substituir em taisestabelecimentos o trabal!o escravo pelo trabal!o livre) não poderia vigorar por tempo maior do que aquele em que a escravidão fosse considerada etinta. $ocaso, pelo pra#o máimo de trs anos, para os maiores de sessenta anos.

     demais, a lei em comento fiou que, nos regulamentos que deveriamser epedidos para sua eecu%ão, o governo teria que determinar3 ?Z) osdireitos e obriga%0es dos libertos para com seus e-sen!ores e vice-versaT AZ)os direitos e obriga%0es dos demais libertos (isto é, os que não foramalforriados pelo fundo de liberta%ão) sujeitos M presta%ão de servi%os edaqueles a quem os servi%os deviam ser prestadosT >Z) a interven%ão de

    curadores gerais por parte do escravo, quando este fosseobrigado M presta%ão de servi%os, e as atribui%0es dos jues de direitos, juesmunicipais e de "rfãos e jues de pa#, nos casos de que a lei tratava.

    /ara a infra%ão das obriga%0es, quais sejam a dos libertos para com osseus e-sen!ores e vice-versa, conforme a gravidade, estava prevista multa dedu#entos réis ou prisão como trabal!o até >K dias. competncia para aplicar tais san%0es fica reservada aos jues de pa# dos respectivos distritos. os queacoitassem escravos incidiam no art. ARK do 1"digo 1riminal. 1omo a leiprevia a etin%ão da escravidão por implemento de idade, ficou, naturalmente,epresso que o direito dos sen!ores de escravos M presta%ão de servi%os dos

    ingnuos (assim, também, se c!amavam os libertos ou alforriados) ou Mindeni#a%ão em t&tulos de renda, na forma da Sei do entre Sivre (lei de AF desetembro de ?FI?, recorde-se, de passagem) encontravam limites com aetin%ão da escravidão.

    egistre-se, ademais, que o governo ficou obrigado a estabelecer colJnias agr&colas em diversos pontos do mpério ou nas prov&ncias fronteiras,regidas com disciplina militar, destinadas aos libertos encontrados semocupa%ão. =s que fossem ocupados em trabal!os da lavoura tin!am suaocupa%ão recon!ecida como leg&tima para isen%ão do servi%o militar.

    /or 4ltimo, consigne-se que o fundo de emancipa%ão era constitu&do

    basicamente por tributos, destacando-se que nem mesmo as prov&ncias quego#assem de tarifa especial poderiam ficar isenta do imposto adicional queintegrava o fundo em referncia. crescente- se que os regulamentos da Seidos Neagenários deveriam ser postos de imediato em eecu%ão, ficandoconsolidadas as disposi%0es relativas ao elemento servil, da Sei do entreSivre.

    ( :8 )15 

    15 ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 27

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    Na Hala do 7rono, de > de maio de ?FFF, a regente princesa sabelconcitou a ssembléia ;eral (1âmara dos 2eputados e Nenado) a 99apagar dodireito pátrio a 4nica ece%ão que nele figura em antagonismo com o esp&ritocristão e liberal das nossas institui%0es::. Hoi ainda epressa a Hala, noparticular3 99 etin%ão do elemento servil, pelo influo do sentimento nacional edas liberalidades particulares, em !onra do +rasil, adiantou-se pacificamente,de tal modo que é !oje aspira%ão aclamada por todas as classes, comadmiráveis eemplos de abnega%ão da parte dos proprietários.

    Vuando o pr"prio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o +rasil se desfa%a da infeli# !eran%a, que as necessidades dalavoura !aviam mantido, confio que não !esitareis a apagar do direito aece%ão apontada::. linguagem prudente revela a constante preocupa%ãopara que não ocorresse no +rasil o que sucedera nos Estados *nidos, em?FRG3 a ;uerra de Necessão, com setecentos mil mortos e dois mil!0es edu#entos mil feridos, de par com as seqQelas con!ecidas.

    2e outra parte, é reveladora, ainda, a precau%ão de evitar colapso nalavoura do café. ecorde-se que, sem embargo aos louvores Ms liberalidadesparticulares e M espontânea colabora%ão, acima dos interesses privados, paraque o +rasil se desfi#esse da infeli# !eran%a, !ouve sempre muita resistncia,mormente dos proprietários rurais, com respeito M aboli%ão. L o bastante, por ilustrativo, observar-se que tanto na Sei do entre Sivre, de AF de setembro de?FI?, quanto na Sei dos Neagenários, os nascidos livres pelo primeiro diplomaou os libertos, pelo segundo, deviam pagar com trabal!o a liberta%ão.

    Era de fato, contudo, a essas alturas, uma aspira%ão e um imperativo3 a

    etin%ão plena ou total da escravidão. /aralelamente M epressa disposi%ão dogoverno, não pode ficar sem registro a campan!a abolicionista, com destaqueespecial para a figura de @oaquim $abuco, com seus firmes e famososdiscursos e a%ão pol&tica.

    Em página eloqQente, por eemplo, $abuco oferece epressiva s&nteseda escravidão no +rasil3 995á tre#entos anos que o africano tem sido o principalinstrumento da ocupa%ão e da manuten%ão de nosso territ"rio pelo europeu, eque seus descendentes se misturam com o nosso povo. =nde ele não c!egouainda, o pa&s apresenta o aspecto com que surpreendeu aos seus primeirosdescobridores. 7udo significa luta do !omem com a nature#a, conquista do solo

    para !abita%ão e cultura, estradas e edif&cios, canaviais e cafe#ais, a casa dosen!or e as sen#alas dos escravos, igrejas e escolas, alfândegas e correios,telégrafos e camin!os de ferro, academias e !ospitais, tudo, absolutamentetudo, que eiste no pa&s, como resultado do trabal!o normal, como emprego decapital, como acumula%ão de rique#as, não passa de uma doa%ão gratuita dara%a que trabal!a M que fa# trabal!ar:: (apud, 2écio Hreitas in /scravos eSenhores de /scravos, ed. Dercado berto, /orto legre, ?, p. F`

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     ra4joT "  'a*s, de Vuintino +ocai4va, e  - 7a4eta da +arde de Herreira deDeneses e @osé do /atroc&nio), a merecer aqui registro especial a pena firmedo citado jornalista negro @osé do /atroc&nio.

    Em ?FFF, repita-se, era c!egado o momento para a aboli%ão. 2e acordo

    com a matr&cula de ?FFI, eistiam ainda no +rasil cerca de IAK mil escravos.1inco dias ap"s a citada Hala do 7rono, ou seja, a F de maio de ?FFF, oministro da gricultura, deputado odrigo ugusto da Nilva, lia na 1âmara dos2eputados, 99de ordem de sua lte#a a /rincesa mperial egente em nome deNua Dajestade o mperador:: o projeto, contendo apenas dois artigos,objetivando declarar etinta a escravidão no +rasil.

     p"s a leitura, seguiram-se 99prolongadas aclama%0es e ruidosasmanifesta%0es dentro e fora do recinto::. $a ocasião, @oaquim $abuco profereemocionado discurso e assina requerimento para que o presidente da 1asanomeasse comissão especial, composta por cinco membros, para dar parecer sobre a proposta do Eecutivo, etinguindo o elemento servil.

    = deputado 2uarte de #evedo, no pr"prio dia F de maio, declara que acomissão 99deu-se pressa em formular o parecer a respeito da proposta e pedelicen%a ao Nr. /residente e M 1âmara para l-lo, apresentando depois umrequerimento de urgncia, a fim de que fosse dispensada a impressão do/rojeto da 1omissão, para que possa ser dado para ordem do dia de aman!ã::(obviamente, .>G>, repita-se, de?> de maio de ?FFF3 a Sei 6urea, que declarou etinta a escravidão no +rasil399rt. ?Z L declarada etinta, desde a data desta Sei, a escravidão no +rasilT rt.

    AZ evogam-se as disposi%0es em contrário::. $ão foi dif&cil aprová-la, mas,naturalmente, !ouve alguma resistncia.

    = barão de 1otegipe (@oão Daur&cio ^anderle\, que era mulato,relembre-se de passagem) l&der conservador, muito embora declarando quenão oporia obstáculos M aprova%ão da proposi%ão do governo, manifestoupreocupa%0es relativamente M posi%ão dos proprietários de escravos 8 e dospr"prios escravos 8 em face da aboli%ão, fa#endo !ist"rico de matériascorrelatas votadas desde ?F>?. liás, ele pr"prio disse M princesa sabel399ossa lte#a redimiu uma ra%a, mas perdeu o seu trono::.

      etin%ão do elemento servil teve enorme repercussão. = poeta ictor 5ugo proclamou3 99= +rasil deu um golpe decisivo na escravidão:: e, ealtando

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    /edro , prosseguiu, afirmando que 99o +rasil tem um imperadorT esteimperador é mais que um imperador3 é um !omem::.

    L fato, contudo, que, se de um lado, não se verificou o abandono emmassa dos trabal!adores, nas #onas agr&colas, como apregoavam os mais

    pessimistas, de outro, como lembra @oão ibeiro, 99muitos agricultorespassaram- se para o /artido epublicano ou ficaram indiferentes ao ataquedas institui%0es::, monárquicas, evidentemente.

    ( :8I )16 A ?> de maio de ?FFF, com a Sei 6urea, foi etinta a escravidão legal

    no +rasil. 2olorosamente, a realidade aponta, em pleno século , para aeistncia de uma escravidão (ou algo assemel!ado a ela) que se opera nãos" nas rela%0es de trabal!o (inclusive com o trabal!o eercido por menores),

    mas, também, com o tráfico das c!amadas escravas brancas, tudo a revelar até que ponto pode c!egar a criminalidade organi#ada.

    1om rela%ão M mão-de-obra o quadro é tão dramático a ponto de ser sido baiado pelo /oder Eecutivo um /lano $acional para a Erradica%ão do7rabal!o Escravo. 7ramita no 1ongresso $acional a /E1 P>F`AK>, con!ecidacomo a /E1 contra o trabal!o escravo, objetivando, em termos mais precisos(e em s&ntese), a epropria%ão de terras onde forem encontrados trabal!adoressubmetidos a condi%0es análogas Ms de escravos.

    Negundo dados col!idos no Nervi%o de epressão ao 7rabal!o Hor%ado,do 2epartamento da /ol&cia Hederal, entre os anos de AKKK a AKKP (neste4ltimo relativos até jun!o) tem-se o seguinte quadro3 ano AKKK 8 em G>munic&pios (dos estados de Dato ;rosso, /ará, ;oiás, Dinas ;erais, /iau&,/ara&ba, 1eará, +a!ia, ondJnia, 7ocantins, oraima, Daran!ão e lagoas)foram fiscali#ados ?AK estabelecimentos e libertados GF> trabal!adoresT emAKK? 8 nos estados do Esp&rito Nanto, cre, Dato ;rosso, /ará, ;oiás, Dinas;erais, /iau&, 7ocantins e Daran!ão, em ?KA munic&pios, fiscali#ados >?Iestabelecimentos, ?.P>> trabal!adores foram libertadosT em AKKA 8 nosestados do mapá, Dato ;rosso do Nul, Dinas ;erais, /ará, Daran!ão,7ocantins e ;oiás, em RF munic&pios, fiscali#ados 8 em a%0es em FG munic&pios

    dos estados da +a!ia, ;oiás, Daran!ão, Dato ;rosso, Dato ;rosso do Nul eondJnia, com fiscali#a%ão em ?>P estabelecimentos, nada menos que >.>R?trabal!adores foram libertados e, por 4ltimo, até jun!o de AKKP, em ?Amunic&pios, compreendidos nos estados do Daran!ão, Dinas ;erais, Dato;rosso, /ará e 7ocantins, de >G estabelecimentos fiscali#ados resultou aliberta%ão de PGI trabal!adores.

    Não dados que merecem profundas refle0es, inclusive sobre ascondi%0es em que esses trabal!adores libertados foram encontrados,integrando a for%a de trabal!o nos ditos estabelecimentos objeto dafiscali#a%ão. Nalta aos ol!os, contudo, a epressividade dos n4meros, o que,

    16 ontinua!ão" #$$%I# B$A&I'I%()%, aderno DI$%I*# + )*I.A / Brasília, segunda-feira, 04

    de outu

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    de plano, condu# M necessidade de um /lano $acional de Erradica%ão do7rabal!o Escravo.

    2ir-se-á que o 1"digo /enal (2.S. A.F(trs) anos e multa. ncorre na mesma pena quem recrutar trabal!adores forada localidade de eecu%ão do trabal!o, dentro do territ"rio nacional, mediantefraude ou cobran%a de qualquer quantia do trabal!ador, ou, ainda, nãoassegurar condi%0es do seu retorno ao local de origem::. E parágrafo ?Z 8 99pena é aumentada de ?`R se a v&tima é menor de ?F (de#oito) anos, idosa,gestante, ind&gena ou portadora de deficincia f&sica ou mental::.

    =utra realidade, também das mais preocupantes, é a das c!amadasescravas brancas, o que passa pelo favorecimento M prostitui%ão e pelo tráficode mul!eres, entre outros tipos penais. imprensa, ve# por outra (e maisrecentemente com certa assiduidade), noticia a eistncia de uma redeinternacional liderada, em particular, por pa&s (ou pa&sesO) da Europa quealicia(m) mul!eres brasileiras, pagando-l!es as despesas de passagem aéreade ida e de entrega provis"ria de determinada quantia que, logo ap"s ac!egada ao destino, é retomada, bem como apreendido o respectivopassaporte. Enfim, a aliciada para a prostitui%ão fica sob o dom&nio do seuagente, tendo de pagar com o trabal!o do seu corpo todas as despesas (detransporte, alimenta%ão, 99ajuda de custo::, etc), com a sua liberdade de ir e vir tol!ida, visto que, como já registrado, recol!ido seu pr"prio passaporte.

    1umpriria lembrar que muitas a%0es internacionais, em particular denature#a policial, já são con!ecidas, com vista M repressão da prática odiosa.

    2e outra parte, for%oso é recordar que o +rasil adota, em seu 1"digo /enal, o1ap&tulo do seu 7&tulo da /arte Especial (2os 1rimes contra oscostumes), tipificando crimes con!ecidos como de lenoc&nio e o de tráfico demul!eres, este 4ltimo crime internacional, isto é, pun&vel pela lei brasileira,ainda que cometido no estrangeiro.

    2e fato, o +rasil adota o princ&pio da etraterritorialidade com rela%ão adeterminados crimes, entre eles aqueles a que se obrigou, por tratado ouconven%ão, a reprimir (art. IZ, , a, do 1"digo /enal), onde se inclui, além deoutros, o tráfico de mul!eres. /or efeito do princ&pio também con!ecido comoda @usti%a *niversal ou 1osmopolita, fica, assim, sujeito M lei brasileira o crime

    cometido no estrangeiro por eplorador do tráfico internacional de mul!eres.

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    =portuno observar, sob a "ptica do direito brasileiro, que o sujeito ativode tal delito pode ser qualquer pessoa, independentemente do seo. liás, taiscrimes, cujo objeto jur&dico são os bons costumes, com a prote%ão M !onraseual das mul!eres contra eploradores internacionais do lenoc&nio, são, emgeral, praticados por diversos agentes (tratando-se, no mais das ve#es, de

    criminalidade organi#ada em rede com ramifica%0es em diversos pa&ses).@á o sujeito passivo é a mul!er (muito embora, em tempos mais

    recentes, seja con!ecida largamente, também, a prática da prostitui%ãomasculina), como se observa claramente do teto do art. A>? do 1"digo /enal399/romover ou facilitar a entrada no territ"rio nacional de mul!er que nele ven!aeercer a prostitui%ão, ou na sa&da de mul!er que vá eerc-la no estrangeiro::.2e passagem, registre-se que os c"digos penais italiano, polons e su&%o, por eemplo, tutelam também o !omem.

    7ambém as normas penais, for%oso é admitir, não tm sido efica#es paracoibir esse il&cito, de muitos modos, semel!ante M escravidão. = alerta paraessas manifesta%0es, tidas como de trabal!o escravo (de trabal!adores, emespecial no campoT de eplora%ão ilegal de trabal!o de menoresT de tráfico demul!eres, para fins de prostitui%ão), é importante, pois em sendo insuficiente o já contido no ordenamento jur&dico para coibi-las, condu#irão por certo, aoaperfei%oamento legislativo e a lin!as de a%0es, com vistas M sua totalerradica%ão.

    * CARLOS FERNANDO MATHIAS DE SOUZA é /rofessor titular da *niversidadede +ras&lia e magistrado (diretor da Escola de Dagistratura Hederal da ?Y egião).