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Instituições Escolares
A ESCOLA TÉCNICA AGRÍCOLA ESTADUAL DE SEGUNDO
GRAU DOUTOR DARIO PACHECO PEDROSO E A POLÍTICA
EDUCACIONAL DO REGIME MILITAR
Ana Rita Bueno de Camargo Matos (UFSCar – Campus Sorocaba)1
Heulália Charalo Rafante (UFSCar – Campus Sorocaba)2
Resumo: Este trabalho tem como objeto de estudo a Escola Técnica Agrícola Estadual
de Segundo Grau Doutor Dario Pacheco Pedroso, criada em 1970, em Taquarivaí, então
distrito de Itapeva, São Paulo e incorporada, em 1994, ao Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza. Tal objeto é analisado a partir da abordagem da trajetória
histórica do ensino agrícola, o qual passou por mudanças, ao longo das transformações
políticas e econômicas operadas entre os períodos colonial e republicano. Essa
abordagem é realizada com base em autores como: Saviani (2007), Sobral (2005),
Feitosa (2006), Fernandes (1975) e Costa; Limberger (2011). Para o estudo da criação e
do perfil do ensino agrícola ministrado na Escola pesquisada, é utilizado um Histórico
do estabelecimento, datado de 1984. Considerando a criação da Escola no quadro do
projeto de modernização do regime militar, o ensino agrícola ministrado naquele
estabelecimento estava vinculado à política educacional da ditadura, caracterizada pela
valorização do preparo de mão de obra para o mercado de trabalho, para a qualificação
profissional.
Palavras-chave: Ensino agrícola. Escola Técnica. Modernização. Qualificação.
Mercado de trabalho.
1 Ana Rita Bueno de Camargo Matos, Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba, São Paulo, Brasil. E-
mail: [email protected]. 2 Heulália Charalo Rafante, Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba, São Paulo, Brasil. E-mail:
Introdução
O presente trabalho compõe a dissertação de mestrado, em andamento, que tem
como objeto de estudo o ensino agrícola na Escola Técnica Agrícola Estadual de
Segundo Grau Doutor Dario Pacheco Pedroso, criada em 1970, em Taquarivaí, então
distrito de Itapeva, São Paulo e incorporada, em 1994, ao Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza.
O ensino agrícola iniciou no cenário do predomínio das ordens religiosas,
sobretudo dos jesuítas, na educação do Brasil Colônia. Tal ensino, segundo Sobral
(2005), destinava-se à exploração das fazendas e à manutenção da subsistência dos
colonos. Mas, como aponta Cunha (2005 apud SÁ, 2006), nesse período tal ensino não
se manifestou na forma escolar.
Somente no regime monárquico, o ensino agrícola se manifestaria na forma
escolar, por meio da criação de estabelecimentos de ensino e de disciplinas. Na
transição do período imperial para a fase republicana, o Brasil passa por mudanças, a
exemplo da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre e, deste modo surgem,
conforme Sobral (2005), novas técnicas na prática da agricultura e novas escolas. Nessa
direção, o ensino agrícola se expande ao longo da República.
Tendo por base o contexto histórico, com enfoque nos fatores políticos e
econômicos, na abordagem do ensino agrícola no Brasil, este trabalho levanta a seguinte
questão problema: quais fatores políticos e econômicos influenciaram na criação da
Escola Técnica Agrícola Estadual de Segundo Grau Doutor Dario Pacheco Pedroso?
Deste modo, tem-se por objetivo geral deste estudo analisar o contexto histórico
da criação da supracitada Escola e por objetivos específicos: abordar a trajetória do
ensino agrícola no Brasil e identificar os fatores econômicos e políticos que
influenciaram no surgimento da referida Escola.
A metodologia aplicada neste trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica
realizada por meio da consulta de livros, artigos e textos impressos ou extraídos de sites
da internet, além de um documento referente ao histórico da Escola pesquisada.
Primeiramente é feita uma abordagem acerca da história do ensino agrícola no
Brasil, entre o período colonial e o regime republicano e, em seguida, trata-se da análise
do contexto histórico da criação da Estadual de Segundo Grau Doutor Dario Pacheco
Pedroso e o perfil do ensino ali ministrado.
Ensino agrícola no período colonial
O ensino agrícola, no contexto do início do processo de colonização do Brasil,
ao longo do século XVI, era ministrado por ordens religiosas, das quais se destacam
franciscanos e jesuítas. Segundo Sobral (2005), nessas ordens, o ensino agrícola
destinava-se principalmente aos filhos dos colonos e aos povos indígenas, tendo por
objetivos a organização, exploração das fazendas de sua propriedade e a subsistência.
“Os educandos criavam gado e cultivavam alimentos como mandioca, milho, arroz,
além de produzirem açúcar, panos e vestimentas.” (SÁ, 2006, pp.2-3)
De acordo com Saviani (2007), os frades franciscanos percorriam as aldeias
indígenas, buscando unir a catequese e a instrução e construíram recolhimentos em
regime de internato, os quais funcionavam como escolas que, além da doutrina,
ensinavam a lavrar a terra.
Por sua vez, os jesuítas, cuja ação se assemelhava a dos franciscanos3, no que diz
respeito à união entre catequese e instrução, também se preocupavam com o
aprendizado agrícola. Exemplo dessa preocupação é o plano de instrução elaborado pelo
padre jesuíta Manuel de Nóbrega, que:
[...] iniciava-se com o aprendizado do português (para os indígenas);
prosseguia com a doutrina cristã, a escola de ler e escrever e, opcionalmente
canto orfeônico e música instrumental e, culminava, de um lado com o
aprendizado profissional e agrícola e, de outro para aqueles que se
destinavam à realização de estudos superiores na Europa [...]. (SAVIANI,
2007, p. 43)
Porém, como destaca Saviani (2007), o plano de Nóbrega teve aplicação precária
e logo encontrou oposição no interior da própria Ordem, ou seja, da Companhia de
Jesus, sendo suplantado pelo plano geral de estudos, unificado no Ratio Studiorum, o
qual orientou as práticas pedagógicas no Brasil até a expulsão dos jesuítas, em 1759.
3 Não obstante o pioneirismo desses franciscanos, foi inegável a predominância dos jesuítas no Brasil
colonial, desde o início com forte apoio do Estado português, diferentemente das outras ordens e por isso
mesmo detiveram quase que o monopólio do trato com a educação nos dois primeiros séculos da nossa
história. SÁ, Jean Magno Moura de. O público e o privado no ensino agrícola no Maranhão: do início
ao ruralismo pedagógico, 2006, p.2.
Identificado com os padrões culturas europeus, o Ratio Studiorum excluiu as primeiras
etapas do estudo e aprendizados voltados à cultura, como o ensino agrícola,
privilegiando a Teologia e a Filosofia em detrimento do ensino elementar.
Coutinho (2014) afirma que, não obstante a participação dos jesuítas tenha sido
pequena no desenvolvimento de técnicas agrícolas no território brasileiro, eles foram os
primeiros “mestres da agricultura” para a população da época, mesmo que sem a
característica de transmitir conhecimento especializado, porém, se fazia necessário
organizar as atividades desenvolvidas nas fazendas e seus ensinamentos se perpetuaram
nas atividades com a terra no Brasil.
Mas, sob os jesuítas, o ensino agrícola não era sistematizado. Esses padres não
formaram quadros profissionais para as atividades econômicas, pois a mão de obra
necessária à indústria extrativa [...] não parecia exigir qualquer preparo profissional
específico e nem sequer o domínio das técnicas de leitura e escrita.” (COUTINHO,
2014, pp.5-6)
A respeito do caráter assistemático do ensino de ofícios no contexto do período
colonial, Cunha (2005 apud SÁ, 2006) ressalta que, nesse período, tal ensino não se
manifestou na forma escolar. Somente no início do século XIX que o príncipe regente
João manifestou o desejo de criar uma escola agrícola no Brasil, como demonstra a
Carta Régia de 1812.
[...] atendendo que a agricultura, quando bem entendida e praticada, é sem
dúvida a primeira e a amis inexaurível fonte de abundancia, e da riqueza
nacional; constando na minha real presença que por falta de conhecimentos
próprios deste importante ramo das ciências naturais não tem prosperado no
Brasil algumas culturas já tentadas, são desconhecidas ou desprezadas
outras, de que se poderia colher considerável proveito, e se não tira toda a
possível vantagem ainda mesmo daquelas que se reputam estabelecidas, e
por serem muitas delas inferiores na qualidade, e superiores em preço ás
homogêneas dos países estrangeiros, já por falta dos bons princípios
agronômicos, já por ignorância dos processos e maquinas rurais, que tanto
servem para brevidade e facilidade de mão de obra, e para a toda
multiplicação de variedades das produções da natureza, não podendo por tais
motivos sustentar a concorrência nos mercados da Europa; tendo resolvido
franquear e facilitar a todos os meus vassalos os meios de adquirirem os
bons princípios de agricultura [...] segundo as disposições provisórias que
com esta baixam assinadas pelo Conde de Arcos se estabeleça
imediatamente um Curso de Agricultura na Cidade da Bahia para instrução
publica dos habitantes dessa Capitania, (MOACYR, 1936, pp.52-53 apud
FEITOSA, 2006, pp.48-49)
No entanto, a intenção de D. João não se concretizou. De acordo com Sá (2006),
por meio da supracitada Carta, o príncipe regente buscou acalmar os ânimos dos
produtores de açúcar, os quais perdiam espaço no mercado mundial para os holandeses.
Para Feitosa (2006), tal intenção teve o objetivo de demonstrar uma suposta
preocupação do governo português, na superação da defasagem4 da produção agrícola
brasileira.
Apenas no cenário do regime monárquico, o ensino agrícola se manifesta na
forma escolar, a exemplo da criação das disciplinas e das escolas voltadas a esse tipo de
ensino.
Ensino agrícola no regime monárquico
No cenário do regime monárquico, foi criada, em 1845, na Bahia, a disciplina de
agricultura. E, em 1862, surgiu a disciplina de ensino das noções gerais da agricultura
“[...] no elenco das disciplinas da Escola Normal [...].” (CIMINO, 2011, p.5)
Segundo Feitosa (2006), em 1859, foi inaugurado o primeiro estabelecimento de
ensino agrícola: o Instituto Baiano de Ensino Agrícola; seguido do Instituto
Pernambucano de Agricultura (1861) e da Imperial Escola Agrícola da Bahia (1877).
Nesse mesmo ano, como aponta Cimino (2011), o Asilo dos Órfãos de São Joaquim, no
Rio de Janeiro, foi transformado em Colônia Orfanológica Industrial e Agrícola. Em sua
abordagem acerca da história do ensino agrícola no Brasil, Cimino (2011) observa que a
Bahia pode ser considerada pioneira de uma série de iniciativas voltadas ao
conhecimento na área da agricultura.
De acordo com Sobral (2005), o ensino agrícola foi administrado inicialmente
em instituições de caráter corretivo, mas tais instituições ampliaram sua área de
profissionalização, mediante disciplinas técnicas que visava a formação de veterinários.
No entanto, isto ocorreu de forma lenta, pois “durante toda a fase imperial diplomaram-
4 Refere-se ao atraso tecnológico da agricultura brasileira na fase colonial. FEITOSA, André Elias Fidelis.
A trajetória do ensino agrícola no Brasil no contexto do capitalismo dependente. Dissertação de
Mestrado. Niterói: Universidade Federal Fluminense (UFF), 2006, p.52.
se no Brasil apenas 74 engenheiros agrônomos e nenhum veterinário” (CALAZANS,
1979, p. 83 apud SOBRAL, 2005, p.26).
Nesse período, o ensino agrícola voltava-se para a formação de letrados e
eruditos, os quais, distanciavam-se do trabalho físico, braçal que, de acordo com a
mentalidade escravista, deveria ser realizado pelos escravos. Desta forma, o ensino
agrícola contribui para o repúdio pelas atividades manuais e enobrecimento do ócio e
“[...] fazer-nos considerar como profissões vis as artes e os ofícios [...].” (AZEVEDO,
1971, p.573 apud SOBRAL, 2005, p.15)
Em sua análise a respeito do ensino agrícola no contexto do período monárquico,
Sobral (2005) afirma que, nessa época, não houve uma política de educação sistemática,
planejada, que considerasse a educação como um todo e não apenas para solucionar
problemas imediatos.
Em 1880, ainda no quadro do regime monárquico, surgiu a primeira ideia de
ensino prático de técnicas agrícolas no Brasil. Essa ideia materializou-se em uma escola
situada no atual estado do Piauí. Tal estabelecimento de ensino era pequeno e tinha por
finalidade acolher os indivíduos das classes menos privilegiadas.
Situada em uma antiga colônia rural do histórico estado de Piauí, mandatários
locais com apoio ao Ministério da Fazenda, fundaram uma pequena escola,
que acolhia filhos de escravos, órfãos e libertos pela Lei do Ventre Livre (de
28 de novembro de 1871). Ali, os alunos desenvolviam, entre múltiplos
ofícios, fundamentos de técnicas agrícolas, ainda que em nível elementar.
(COSTA; LIMBERGER, 2011 p.11)
Essas famílias colocavam seus filhos nesse tipo de ensino voltado a sua área de
trabalho na esperança de melhorar de vida, pois acreditavam que sua produção
aumentaria, visto que seus filhos aprenderiam práticas novas, visando a produtividade.
Conforme Costa; Limberger (2011), nessa escola, cuja experiência se deu até 1884, os
alunos desenvolviam várias atividades fundamentadas em técnicas simples da área
agrícola.
Na segunda metade do século XIX, verifica-se, de acordo com Sobral (2005), a
expansão das lavouras cafeeiras e a substituição das relações escravistas. Observa-se
que o país vai perdendo sua fisionomia colonial e as mudanças importantes começam a
ocorrer, isto é, surgem novas escolas, novas ideias, novas técnicas na prática da
agricultura, trabalho escravo sendo substituído pelo trabalho livre. Entretanto, no âmbito
político, a Primeira República (1889-1930) representou um período de continuidade em
relação ao Império, pois a base da estrutura do poder continuou sendo o latifúndio e o
coronelismo.
Expansão do ensino agrícola na Primeira República: Aprendizados, Patronatos
agrícolas e Escola Técnica Agrícola (ETA)
No cenário do processo de descentralização do Estado, durante o governo de
Afonso Pena (1906-1909), foi criado o Ministério dos Negócios da Agricultura,
Indústria e Comércio. Segundo Siqueira (1987 apud FEITOSA, 2006), o ensino agrícola
passou a ser vinculado a esse órgão, o qual:
[...] consistiu em implantar uma política de ensino agrícola calcada num
conjunto de práticas de arregimentação de mão-de-obra, marcadas pelo
autoritarismo inerente à construção do mercado de trabalho no país.
Simultaneamente, a conjuntura gestada pela abolição mobilizaria setores
diversos de grandes proprietários – mormente aqueles vinculados a
complexos agrários menos dinâmicos – a se articularem para reagir ao
temor à desorganização da produção, mediante a construção de uma
representação genérica de crise da agricultura que visava dar conta,
segundo a origem de seus enunciantes, de situações regionais específicas.
(MENDONÇA, 2006, p. 90).
A atuação do Ministério da Agricultura na função de construir e auxiliar o
“trabalhador nacional”5 ocorreu de fato em duas instituições: Aprendizados Agrícolas e
Patronatos Agrícolas responsáveis por ensinar as técnicas de manejo de maquinários
agrícolas, as técnicas de cultivo, pecuária e, principalmente, o seu valor econômico.
Gerou-se uma leitura da realidade que, não apenas atribuía ao arcaico homem
do campo a responsabilidade pela crise, como também preservava a estrutura
fundiária e legitimava modalidades de intervenção pedagógica junto a ele,
evitando sua fuga ao mercado. A atuação do MA no sentido de construir e
fixar o trabalhador nacional materializou-se em duas instituições:
Aprendizados Agrícolas (AAs) e Patronatos Agrícolas (PAs) responsáveis
5 Durante a Primeira República, a preocupação referente à formação de indivíduos para atuarem na
agricultura também ocorreu no âmbito da classe dominante. Nesse compasso, foram criadas duas
instituições tornariam referências na formação de uma elite dirigente para a zona rural: a Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) em Piracicaba, no interior de São Paulo e a Escola Superior de
Agricultura e Medicina Veterinária (ESAMV), no Rio de Janeiro. FEITOSA, André Elias Fidelis. A
trajetória do ensino agrícola no Brasil no contexto do capitalismo dependente. Dissertação de
Mestrado, 2006, p.78.
pela preparação de trabalhadores aptos ao manejo de máquinas e técnicas
modernas de cultivo, ensinando-lhes, sobretudo, seu valor econômico.
(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 1913, p.67 apud MENDONÇA, 2006,
p.91)
O Ministério da Agricultura foi reorganizado na presidência de Nilo Peçanha.
Nessa direção, foi criada, por meio do Decreto n°7566, de 23 de setembro de 1909, uma
escola de aprendizes artífices. Conforme o artigo 1°, essa escola deveria ser “[...]
destinada ao ensino profissional, primário e gratuito.” (BRASIL, 1909). Em 1910,
ainda na gestão de Nilo Peçanha, a estrutura do ensino agrícola foi modificada, por meio
do Decreto n°8319, de 20 de outubro de 1910, que conforme Nery (2009), criou a
Escola de Aprendizados Agrícolas (AA)
Escola de Aprendizados Agrícolas
Nos Aprendizados Agrícolas (AA), como destaca Mendonça (2006), ocorria um
curso elementar com dois anos de duração, com intuito de ensinar práticas de
agricultura e pecuária e instruções de manuseio de máquinas agrícolas. Existia também
um curso de primeiras letras, voltado para o aprimoramento da qualidade técnica de
jovens de 14 a 18 anos, filhos de pequenos agricultores. Os AA foram organizados em
estruturas semelhantes àquelas existentes em propriedades agrícolas e funcionavam sob
o regime de internato.
Entre 1911 e 1930, o Ministério de Agricultura manteve de cinco a oito cursos
de AA espalhados pelo país. Um deles ocorreu na Região das Missões, no Rio Grande
do Sul, e em São Luiz Gonzaga, no ano de 1911. A estrutura de ensino foi desenvolvida
com a visão estratégica de colocar a região sul à frente das demais regiões do país e
desenvolver melhor a agricultura e a pecuária.
Segundo Nery (2009), no ano de 1912, eram oito o número de Aprendizados,
distribuídos nos estados do Rio Grande do Sul , Santa Catarina, São Paulo, Minas
Gerais, Bahia, Alagoas e Maranhão. Porém, em 1914 devido a uma crise orçamentária,
quatro dos oito Aprendizados foram extintos.
A despeito de seu número reduzido, a importância dos Aprendizados residiu
em difundir os princípios do ensino agrícola como instrumento do poder,
material e simbólico, dos grupos dominantes agrários sobre o trabalhador
rural, já que, colocando à porta do rurícola um saber presidido pela noção de
progresso, naturalizava-se a oposição entre uma agricultura “moderna” e
outra “arcaica”, bem como a subordinação desta à primeira, sendo ambas
despidas de seu conteúdo de classe. Os Aprendizados mantinham seus
internos numa imobilidade própria a viveiros de mão de obra, onde
fazendeiros da vizinhança recrutavam, gratuitamente, trabalhadores para
tarefas sazonais (MENDONÇA, 1999 apud MENDONÇA, 2006, p.92).
De acordo com Costa e Limberger (2011), essas ações impulsionaram a
existência das escolas com sistemas de internato, atualmente, conhecidas como escolas
fazendas ou colégios agrícolas. O que foi promissor para a época foi que a escola já
visava uma abordagem mais efetiva no ensino voltado à pecuária e à agricultura e às
atividades rurais em geral6.
Para Nery (2009), entender o processo de surgimento dos AAs nos faz perceber
o significado do mesmo para a evolução do ensino agrícola, visto que seu surgimento
fez parte do desenvolvimento agrícola brasileiro, pois essas instituições escolares foram
fundamentais para que se utilizasse a terra de maneira mais racional e otimizada.
Na década de 1910, diante das novas demandas produtivas, era necessária,
conforme Feitosa (2006), a formação de trabalhadores rurais e de agentes
intermediários, ou seja, técnicos que teriam as funções de supervisionar e controlar a
produção. Daí foram criados, pelo Decreto n°12893, de 20 de fevereiro de 1918, os
Patronatos Agrícolas.
Escola de Patronatos Agrícolas
Criados nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, os Patronatos
Agrícolas, tinham, segundo Nery (2009), duas funções: uma delas voltada para o
aprendizado de técnicas profissionais ligadas ao trabalho agropecuário e a outra voltada
para a regeneração das crianças, tendo por estrutura um rigoroso código disciplinar.
Associando as noções de ensino prático e defesa militar, a lei que criava os
Patronatos deixava claro seu escopo, malgrado a retórica filantrópica que os
6 É possível se observar, na grade curricular da época, que já havia um direcionamento aos conhecimentos
específicos da área técnica, tanto em produção animal e produção vegetal, e, também, uma preocupação
em auxiliar os alunos a aprenderem a função de administrar propriedades rurais. COSTA, Anilson;
LIMBERGER, Mário. Técnico Agrícola 100 anos de profissão, 2011, p.97
justificava: eles consistiam numa alternativa às instituições prisionais
urbanas, tidas como degradantes e infames. (MENDONÇA, 2006, p 93)
Tendo por objetivo principal o aproveitamento de menores abandonados ou
desprovidos de meios de subsistência e que teriam acesso aos cursos primário e
profissional, os Patronatos Agrícolas constituíam-se em fornecedores de mão de obra
barata e especializada para os grandes fazendeiros, além de “[...] servir como um meio
correcional para seus alunos internos, que executavam serviços no campo, como
castigo, dentro de uma linha rígida de conduta.” (SIQUEIRA1987, p.29 apud
FEITOSA, 2006, p.78)
Como aponta Mendonça (2006), em 1934, os Patronatos Agrícolas passaram a
ser da competência do Ministério da Justiça, dando origem ao Serviço de Assistência ao
Menor. Segundo Nery (2009), nesse mesmo ano, a rede de Patronatos Agrícolas foi
desarticulada e o que sobressaiu nos 16 anos de sua existência era sua função
regeneradora social, que levou à extinção dessas instituições.
Além dos Aprendizados e dos Patronatos agrícolas, destaca-se o papel da Escola
Técnica de Agricultura (ETA), no Rio Grande do Sul, que marca o pioneirismo desse
estado na formalização de um ensino técnico profissional, que fosse disseminado por
todo o Brasil.
Escola Técnica Profissional (ETA)
De acordo com Costa; Limberger (2011), no que diz respeito à história do ensino
agrícola brasileiro, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul ocupa um lugar
importante, pois foi pioneira em investir em cursos de ensino e pesquisa, entre eles,
agronomia e veterinária. Porém, ainda se fazia necessário formalizar um ensino técnico
profissional de fato e que o mesmo fosse expandido para todo o Brasil e, nessa direção,
foi criado o curso capataz rural7, que veio a se tornar nome da escola que, naquela
época, era conhecida como uma importante instituição de ensino da área.
7 O termo “capataz rural” se deu pelo fato que, na transição do período monárquico para o regime
republicano, se impunha o comando do trabalho nas fazendas e propriedades rurais a um só homem que,
por tradição, era conhecido como capataz, responsável por um grupo de trabalhadores braçais e auxiliava
na administração das propriedades. COSTA, Anilson; LIMBERGER, Mário. Técnico Agrícola 100 anos
de profissão, 2011
A figura do capataz rural, segundo Costa; Limberger (2011), trazia consigo uma
imagem de quem “mandava” e, por diversas vezes, sem conhecimento específico na
área. No início da República, o país procurava caminhar para rumos da “modernidade”
e, com o ensino profissionalizante, viu-se a possibilidade de substituir essa figura,
muitas vezes, “mal vista” pelos trabalhadores, por um homem que demonstrava
conhecimento técnico e profissionalismo na área: o capataz rural é um nome que
marcou a história do ensino agrícola brasileiro.
Com o surgimento de cursos para os capatazes rurais, a agricultura e a pecuária
local tiveram um profissional especializado para que avançasse na produtividade. Seu
principal objetivo era melhorar a agricultura do país, que, nessa época, ainda estava
focada no café.
A Escola de Capatazes Rurais se tornou a Escola Técnica de Agricultura “João
Simplício Alves de Carvalho”, em homenagem a um grande incentivador dos cursos
agrícolas na época. Essa escola é popularmente conhecida como ETA (Escola Técnica
de Agricultura) de Viamão e a data oficial da criação do curso foi 5 de novembro de
1910, data que até hoje é comemorado o dia do Técnico Agrícola.
Costa; Limberger (2011) ressaltam que, nessa época, os governantes apoiavam o
desenvolvimento do ensino agrícola, pois sabiam que o progresso do mesmo estava
diretamente ligado ao desenvolvimento agropecuário da região. Na escola ETA de
Viamão, adotou-se o modelo positivista do ensino, trazendo novos ideais na educação, e
tinha como base as ideias de Augusto Comte: conduzir ao indivíduo mais modesto o
mais elevado grau de ensino técnico.
Conforme Costa; Limberger (2011), a primeira turma de formandos da escola foi
composta por sete homens, todos eles filhos de agricultores pobres. O curso tinha
duração de três anos, contemplando estudos da área agrícola, de português, de francês,
de História do Brasil e de Geometria. Para obter a aprovação no curso, os formandos
apresentaram um trabalho de conclusão frente a uma banca examinadora, composta por
professores. Seis deles fizeram pesquisas voltadas à produtividade e às atividades de
suas regiões e essa foi uma característica comum na época, pois todos já advinham de
áreas agrícolas e apresentavam perfil para o curso. Além disso, a ideia principal desses
cursos era o aperfeiçoamento na área agrícola.
Essa turma, denominada na história do ensino agrícola como os sete pioneiros,
fundou o centro de estudantes em 1916. Nesse período, o curso não fazia parte somente
da escola de engenharia, mas também do Posto Zootécnico e da Estação Experimental
de Viamão. O grupo dos sete pioneiros, com suas ações na região, iniciou o trabalho de
assistência técnica e melhoramento em fazendas, o que hoje é conhecido como
extensionista técnico. Fator importante da época é que, em 1916, a escola de Viamão já
se estruturava com um grupo de professores especializados e de uma infraestrutura
completa para desenvolver boas práticas agrícolas.
Com o passar dos anos, a denominação do curso sofreu mudanças, levando em
consideração as adequações nas grades curriculares do ensino e também as
especificidades da profissão. Em 1929, o curso passou a ser chamado de Técnicos
Rurais e, em sua grade, fora acrescido um semestre de especialização. Em 1931, foi
oficializado o curso Técnico Rural na Universidade do Rio Grande do Sul. Em 1946, a
denominação passa a ser Cursos Agrícolas Técnicos ou Agrotécnicos. E, a partir de
1962, a profissão passou a ser denominado Técnico Agrícola. Um fato importante a ser
destacado é que, nesse ano, ingressaram duas meninas na escola agrícola, dando início à
figura feminina nas escolas de ensino agrícola.
Nas primeiras décadas do período republicano, o ensino agrícola se expandiu. Na
década de 1930, no contexto da Era Vargas, tal ensino ganha força, por meio da criação
de projetos, sob patrocínio do Ministério da Agricultura.
Ensino agrícola na Era Vargas
No decorrer dos quinze anos em que governou ininterruptamente, primeiro como
chefe de um governo provisório (1930-1934), depois como presidente eleito
constitucionalmente (1934-1937) e como ditador (1937-1945), Getúlio Vargas e seu
governo deixaram claro a prioridade nas suas ações: “[...] incentivar e fortalecer um
programa de industrialização para o país.” (FEITOSA, 2006, p.81)
Essa percepção, de acordo com Feitosa (2006), se dá claramente na criação do
Ministério da Educação e Saúde, em 1930, onde o ensino agrícola não foi vinculado,
permanecendo sob a tutela do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e, ao
instituir o Decreto da Lei Orgânica do Ensino Industrial, em 1942, excluindo o ensino
agrícola dessa reforma. Outro aspecto que torna evidente a hegemonia industrial neste
governo, e que não estava diretamente relacionado ao ensino agrícola, foi a
promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, que excluía de seu
conteúdo os trabalhadores rurais.
No entanto, durante a Ditadura de Vargas, conhecida como Estado Novo, o
ensino técnico de nível médio foi impulsionado a partir da expansão da industrialização
brasileira. Em 1938, foi criada a Superintendência do Ensino Agrícola que, em 1940,
passou a se chamar Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV).
Segundo Sobral (2005), além de administrar o ensino agrícola, o SEAV também
fiscalizava o exercício da profissão de Agronomia e Veterinária; ministrava o ensino
médio elementar de agricultura; promovia a educação das propriedades rurais e
realizava estudos e pesquisas educacionais aplicadas à agricultura. Porém, somente em
1946, no quadro do processo de redemocratização do Brasil, após o fim do Estado
Novo, que o ensino agrícola de nível médio teve sua primeira regulamentação
estabelecida com a instituição da Lei Orgânica do Ensino Agrícola.
Ensino Agrícola entre 1946 e 1961: da Lei Orgânica do Ensino Agrícola à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Em 1946, o ensino agrícola já havia vivido algumas experiências desde seu
início e pode-se dizer que, junto com elas, veio à necessidade de algumas mudanças.
Nessa direção, o governo de Eurico Gaspar Dutra decretou a Lei Orgânica do Ensino
Agrícola (Decreto Lei nº 9613, de 20 de agosto de 1946), com o objetivo de estabelecer
as bases do ensino agrícola no país, atendendo aos interesses relacionados à mão de
obra e melhorar a qualidade do ensino.
De acordo com Costa; Limberger (2011), a referida Lei instituiu a finalidade
desse tipo de ensino; organizou os ciclos de ensino agrícola; as admissões de
professores; os registros acadêmicos dos alunos referentes à caderneta escolar;
repetência; diploma; estabeleceu a obrigatoriedade das disciplinas de Educação Física,
Ensino religioso e Moral e Cívica nas grades curriculares e também a frequência nas
aulas; deu início ao ingressos de meninas nas escolas de ensino agrícola e previa as
incumbências dos poderes públicos nessa modalidade de ensino; estabeleceu a divisão
de cursos específicos para área agrícola.
Para Soares (2001 apud FEITOSA, 2006), o texto da Lei Orgânica do Ensino
Agrícola, não obstante a preocupação com os valores humanos e o reconhecimento da
importância da cultura e do conhecimento científico, traduzia as limitações impostas aos
que optavam por cursos profissionais destinados às classes menos favorecidas
Na década de 1950, como destaca Sobral (2005), ocorreram as primeiras
tentativas para superar a separação entre o ensino geral e específico , até então havia
uma dicotomia total entre a educação propedêutica e a profissionalizante , os estudos
realizados em um destes sistemas educativos não podia ser considerado pelo outro.
Ainda de acordo com Sobral (2005), no início dos anos 1960, o ensino agrícola
foi contemplado pela Lei nº 4024, de 20 de dezembro de 1961, conhecida como Leis
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB). Em decorrência dessa Lei, as então
conhecidas como escolas de iniciação agrícola e escolas agrícolas foram agrupadas sob
a denominação de ginásio, ministrando a expedição de certificados de Mestre Agrícola.
As escolas Agrotécnicas passaram a ser denominadas colégio agrícola, ministrando três
séries de 2° ciclo (colegial) e conferindo aos concluintes o diploma de Técnico em
Agricultura.
Entre as décadas de 1960 e 1970, o país passou por um processo significativo de
mudança em questão de produção, no que se refere à fabricação em massa de bases de
serviço nos setores econômicos, incluindo o da agricultura, indústria e comércio. Tal
mudança se opera no cenário da influência estrangeira na economia brasileira.
Ensino agrícola entre as décadas de 1960 e 1970: penetração da influência externa
na economia brasileira e modernização da agricultura
As supracitadas décadas são marcadas pela penetração da influência externa na
economia brasileira. De acordo com Fernandes (1975), o processo tardio de
industrialização no Brasil concretizou-se sem o rompimento com a condição de
dependência, com a dominação imperialista externa. Na década de 1960,
especificamente, no quadro da implantação da ditadura civil militar, em 1964, a
articulação com o setor externo e a aliança com forças políticas conservadoras atinge
seu ponto culminante.
Para Fernandes (1975), a aliança com o capital estrangeiro, sob o capitalismo
monopolista intensificou a coexistência do moderno e do atrasado em um mesmo
espaço. Desta forma, consolidou-se a subalternidade da economia brasileira e
aprofundou seu grau de dependência.
A penetração da influência externa na economia nacional contribuiu para
modificação do processo de produção agrícola no Brasil. Siqueira (1987 apud
FEITOSA, 2006) destaca alguns exemplos: Missão Rockfeller; Aliança para o
Progresso e o Acordo MEC-USAID (Ministério da Educação - United States Agency for
International).
A chamada Missão Rockfeller consistiu em uma comitiva norte-americana, cujo
discurso assistencialista buscava beneficiar as populações migrantes da zona rural.
Conforme Siqueira (1987 apud FEITOSA, 2006), essa Missão considerava que o
problema do Brasil era a área rural. Deste modo, era necessária a criação de
organizações destinadas ao desenvolvimento científico e social da comunidade agrícola
brasileira. Nesse sentido, foi criada, em 1948, a Associação de Crédito e Assistência
Rural (ACAR), que [...] atuava tanto na área de pesquisas agropecuárias, com o intuito
de aplicação de técnicas de ampliação da produtividade, quanto na área de crédito rural,
amarrados à utilização de determinados padrões técnicos.” (FEITOSA, 2006, p.95)
A Aliança para o Progresso surgiu na América Latina, em 1961, tendo por
objetivo a realização de atividades voltadas à ampliação dos setores privados no
subcontinente latino-americano. Tal Aliança estabeleceu programas em diversos setores,
entre os quais: o econômico e o educativo. No setor econômico, Feitosa (2006) destaca
o aumento da produtividade agrícola e dos serviços de armazenamento, transporte e
distribuição, pelas multinacionais. Em relação ao setor educacional, a Aliança para o
Progresso se preocupou com a necessidade de prover pessoal capacitado requerido pelas
sociedades em desenvolvimento. Nesse sentido foram propostas as seguintes medidas:
[...] a execução de projetos que visassem concentrar esforços nas zonas
menos desenvolvidas ou de maior depressão, onde existissem problemas
sociais particularmente graves no país; o treinamento de mestres, técnicos e
especialistas, assim como de operários e camponeses, para que se facilitasse a
preparação ou execução dos programas. (SIQUEIRA, 1987, pp.50-51 apud
FEITOSA, 2006, p.97)
Por sua vez, o Acordo MEC-USAID expressou, no cenário da ditadura militar
(1964-1985), a condição de dependência brasileira, em relação ao capitalismo
internacional. Feitosa (2006) aponta duas resoluções oriundas do referido acordo, que se
encontram vinculadas ao ensino agrícola: o Acordo para treinamento de técnicos rurais
e o Acordo de cooperação para a continuidade do primeiro acordo relativo à orientação
vocacional e treinamento de técnicos rurais.
Para Feitosa (2006), todas essas intervenções estrangeiras foram importantes
para o processo denominado Revolução Verde no Brasil, que tinha por base um
discurso de aumento da produtividade como estratégia de combate a fome. Essa
Revolução teve como principais características: crescente utilização de fertilizantes
químicos na lavoura; recomposição de nutrientes nos solos empobrecidos em
decorrência da exploração; uso de herbicidas e agrotóxicos com o objetivo de eliminar
pragas e doenças; utilização de máquinas e implementos agrícolas necessários a uma
produção moderna; uso de sementes selecionadas; sistemas de irrigação e créditos rurais
para a implantação dessas inovações.
A então chamada Revolução Verde, apresentou um outro nível de
dependência, não tão amplo e nem observado do ponto de vista da
macroeconomia. No processo de produção rural brasileiro, tal
desenvolvimento das forças produtivas descarnou um outro tipo dependência:
a dependência direta dos produtores rurais ao fornecimento das condições de
produção por parte da agroindústria, com requinte de crueldade aos pequenos
produtores quando amarrados à necessidade de empréstimos bancários,
aplicados em uma incerta produção e comercialização, vítimas, portanto, de
uma certa obrigação de restituição, acrescida de correção e juros. (FEITOSA,
2006, p.99)
Perante o modelo de modernização do governo militar, os acordos de
cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos e a Revolução Verde, o ensino agrícola
passa a se preocupar com a formação de um profissional técnico habilitado para atender
as demandas das inovações trazidas para a agricultura. Na esfera da educação, o regime
militar, na perspectiva do lema “Segurança e Desenvolvimento”, orientou os
planejamentos tendo por finalidade o desenvolvimento por meio da educação. Segundo
Siqueira (1987 apud FEITOSA, 2006), a base teórica consistiu na teoria do capital
humano8, que traz em seu bojo o discurso da educação enquanto investimento,
estimulando a qualificação profissional e atrelando a educação à preparação de mão de
obra. Assim “[...] o saber-técnico foi se desvinculando do político e do social,
esvaziando-se e diluindo-se os conteúdos educacionais.” (SIQUEIRA 1987, p. 61 apud
FEITOSA, 2006, p.101)
O período compreendido entre os anos 60 e 70 constitui, segundo Sobral (2005),
em um ambiente político e econômico ideal para a adoção de políticas de produção
agrícola para exportação de grãos e importação de implementos e insumos agrícolas
favoráveis aos interesses do capitalismo internacional. Para esse modo de produzir, era
preciso um profissional formado sob esse prisma.
Feitosa (2006) enfatiza que, como tinham uma formação rápida e direcionada à
aplicação e à execução das inovações na agricultura, os técnicos de nível médio eram os
mais indicados para a realização do projeto de desenvolvimento agrícola no Brasil. E,
ao passo que surge a necessidade de técnicos, também se faz necessária a demanda por
novos cursos que tratem dessa modalidade de ensino e de docentes.
Nesse compasso, foram criados cursos especiais de Educação Técnica, com o
objetivo de formar professores para o quadro das escolas técnicas. Com a reforma do
ensino, em 1968 (Lei n°5540, de 28 de novembro de 1968), a Escola Técnica passa a ser
denominada Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas. Tal iniciativa articula-se ao
“[...] processo associado de expansão e revitalização do ensino técnico agrícola e de
profissionalização do magistério em todos os níveis [...] do ensino [...].” (OLIVEIRA,
1998, p.2 apud FEITOSA, 2006, p. 102)
No contexto do regime militar, marcado pela influência do capital externo na
economia brasileira e pelo processo de modernização da agricultura, voltada aos
8 Anunciada pelo economista norte-americano Theodore Schultz, essa teoria e se manifesta sob duas
perspectivas: na primeira, a melhor capacitação do trabalhador surge como fator de aumento de
produtividade e na segunda, tal teoria destaca as estratégias individuais em busca de benefícios no
presente e rendimentos no futuro. CATTANI, Antônio David. Dicionário crítico sobre trabalho e
tecnologia, 2002, p.51.
interesses do capitalismo internacional, é criada a Escola Técnica Agrícola Estadual de
Segundo Grau Doutor Dario Pacheco Pedroso.
Escola Técnica Agrícola Estadual de Segundo Grau Doutor Dario Pacheco
Pedroso
De acordo com o Histórico da referida Escola, de 1984, por meio do Decreto
n°52.397, de 26 de fevereiro de 1970, foi criado, em Taquarivaí, então distrito de
Itapeva, São Paulo, o Colégio Técnico Agrícola Estadual, subordinado à Coordenadoria
de Ensino Agrícola do Estado de São Paulo e que funcionava em regime integral e de
internato, no sistema escola-fazenda, oferecendo dois cursos: de monitor agrícola e o de
técnico agrícola.
A Escola foi criada no contexto do projeto de modernização do regime militar,
sob o qual o ensino agrícola destinava-se à formação de técnicos preparados para
atender as demandas das novas tecnologias na agricultura. Tais tecnologias visavam à
melhoria da produtividade agrícola, buscando atender aos interesses do capitalismo
internacional.
Em 1974, o supracitado Colégio passou a ser denominado Escola Técnica
Agrícola Estadual de Segundo Grau Doutor Dario Pacheco Pedroso, médico e
fazendeiro. Posteriormente, com a extinção da Coordenadoria do Ensino Agrícola, a
Escola em questão passa a ser subordinada à Secretaria de Estado da Educação.
Também foram extintos os cursos de monitor agrícola e de técnico agrícola, sendo
substituídos pelo curso de técnico em agropecuária.
No que se refere à infraestrutura da Escola, o prédio era feito de alvenaria, cujas
dependências eram formadas por: diretoria; secretaria; sala dos professores; sala de
enfermagem; sala de gabinete dentário; sala de ferramentas; biblioteca; cozinha;
banheiros; refeitório; sala de leitura; laboratório; barracão destinado a zootecnia.
Conforme o Histórico, as instalações para a zootecnia eram precárias e os equipamentos
insuficientes para atender aos setores da Escola. Além disso, não havia água suficiente
para o setor de zootecnia.
Segundo o Histórico, os alunos dessa Escola eram provenientes de famílias, cuja
situação econômica poderia ser considerada de média para baixa. Tratavam-se de filhos
de agricultores, pequenos comerciantes, ferroviários, motoristas e boias frias. E, devido
à baixa renda familiar, as condições culturais dessas famílias eram precárias.
No que tange especificamente aos alunos filhos de agricultores, Costa;
Limberger (2011) afirmam que, os alunos advindos de famílias de proprietários rurais
ingressavam nas escolas técnicas, tendo por objetivo promover a melhoria na produção
de sua propriedade e, também com o intuito de ingressar em uma universidade.
O estabelecimento de ensino em questão oferecia ensino gratuito de segundo
grau, na perspectiva da Lei n°5692/71, cujo caput do artigo 1° prevê que:
O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a
formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como
elemento de auto realização, preparação para o trabalho e para o exercício
consciente da cidadania9. (BRASIL, 1971)
Além disso, buscava-se integrar o aluno ao desenvolvimento agropecuário da
região de Itapeva, do Estado de São Paulo e do Brasil, e transmitir conhecimentos de
técnicas adequadas, para que o aluno se estabeleça como agricultor polivalente e
independente.
Esses alunos eram qualificados para o mercado de trabalho, de acordo com a
política educacional do governo militar, que incentivava a qualificação profissional e a
preparação de mão de obra, como previsto no parágrafo 2° do artigo 1° da Lei
n°5692/71: “[...] A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social.” (BRASIL, 1971)
O corpo docente era formado por professores licenciados em Engenharia
Agronômica e Zootecnia e habilitados. Também haviam professores de História e de
Matemática, do quais não se exigia habilitação. Exigia-se, desses docentes,
planejamento e disposição para o trabalho em equipe.
Os alunos eram avaliados por seu desempenho nas diversas aprendizagens,
levando em consideração os objetivos visados. Tal avaliação era classificatória, feita por
meio dos seguintes conceitos: excelente; bom; satisfatório; sofrível e insatisfatório.
9 Redação dada pela Lei n°7044, de 18 de outubro de 1982. BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei
n°5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o Ensino de 1° e 2°graus e dá outras
providências.
Em 1994, a Escola Técnica Agrícola Estadual de Segundo Grau Doutor Dario
Pacheco Pedroso foi incorporada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza, criada em 1969, com a missão de organizar os primeiros cursos superiores de
tecnologia10. Na atualidade, o Centro Paula Souza mantém mais de duzentas Escolas
Técnicas Estaduais (Etecs), distribuídas por aproximadamente cento e sessenta
municípios paulistas. Essas Escolas atendem estudantes nos Ensinos Técnico; Técnico
Integrado ao Médio e Médio, distribuídos nos cursos técnicos para os setores industrial;
agropecuário e de serviços11.
Em sua trajetória, a Escola Técnica Agrícola Estadual de Segundo Grau Doutor
Dario Pacheco Pedroso, identificada com a política educacional do regime militar,
ministrou um ensino agrícola voltado para a formação de mão de obra para o mercado
de trabalho.
Conclusão
Assim como a educação de modo geral, o ensino agrícola encontra-se vinculado
às transformações políticas e econômicas de um determinado contexto histórico. Por
meio do desenvolvimento deste trabalho, foi visto que, no Brasil, o ensino agrícola
sofreu as influências dos fatores políticos e econômicos dos três grandes períodos da
nossa história: Colônia, Império e República.
Nesse compasso, a partir da análise do contexto histórico da criação da Escola
Técnica Agrícola Estadual de Segundo Grau Doutor Dario Pacheco Pedroso, verificou-
se que este estabelecimento de ensino surgiu no cenário do projeto de modernização do
governo militar que, na área da agricultura, buscou melhorar a produtividade, atendendo
aos interesses do capitalismo internacional.
10 No decorrer das décadas, acabou englobando também a educação profissional do estado em nível
médio, absorvendo unidades já existentes e construindo novas Escolas Técnicas (Etecs) e Faculdades de
Tecnologia (Fatecs), para expandir o ensino profissional a todas as regiões do Estado. SÃO PAULO.
Centro Paula Souza. Perfil e histórico, 2016, p.1. 11 Incluindo três cursos técnicos oferecidos na modalidade semipresencial; vinte e seis cursos técnicos
integrados ao Ensino Médio e quatro cursos técnicos integrados ao Ensino Médio na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (EJA). A cada processo seletivo (Vestibulinho), é preciso conferir quais os
cursos oferecidos em cada unidade. SÃO PAULO. Centro Paula Souza, 2014, p.1.
Deste modo, a política educacional desse governo foi marcada pela valorização
de um ensino voltado para a formação de mão de obra para o mercado de trabalho, em
detrimento da formação de sujeitos conscientes e críticos de sua realidade social. E, o
ensino ministrado na referida Escola constituiu reflexo da política educacional do
regime autoritário.
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