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UNESP, UNICAMP, PUC-SP (“SAN TIAGO DANTAS”) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PAZ, DEFESA E SEGURANÇA INTERNACIONAL Thalia Lacerda de Azevedo. A ESCOLA GALESA DE ESTUDOS CRÍTICOS DE SEGURANÇA: SEGURANÇA COMO EMANCIPAÇÃO. MESTRADO ACADÊMICO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS. SÃO PAULO 2009

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Page 1: A ESCOLA GALESA DE ESTUDOS CRÍTICOS DE … Lacerda... · retomando para isso os conceitos de emancipação, ... de Frankfurt – e por essa razão a sigla de Critical Security Sudies,

UNESP, UNICAMP, PUC-SP (“SAN TIAGO DANTAS”) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PAZ, DEFESA E SEGURANÇA INTERNACIONAL

Thalia Lacerda de Azevedo.

A ESCOLA GALESA DE ESTUDOS CRÍTICOS DE SEGURANÇA:

SEGURANÇA COMO EMANCIPAÇÃO.

MESTRADO ACADÊMICO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

SÃO PAULO 2009

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UNESP, UNICAMP, PUC-SP (“SAN TIAGO DANTAS”) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PAZ, DEFESA E SEGURANÇA INTERNACIONAL.

Thalia Lacerda de Azevedo.

A ESCOLA GALESA DE ESTUDOS CRÍTICOS DE SEGURANÇA: SEGURANÇA

COMO EMANCIPAÇÃO.

MESTRADO ACADÊMICO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Relações Internacionais, área de concentração em Estudos da Paz, Defesa e Segurança Internacional pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp, Puc-SP (“San Tiago Dantas”), sob a orientação do Prof. Dr. Reginaldo Mattar Nasser.

SÃO PAULO 2009

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Thalia Lacerda de Azevedo

A Escola Galesa de Estudos Críticos de Segurança: Segurança como Emancipação. Resumo: Os Estudos Críticos de Segurança surgiram como contraponto ao arcabouço

conceitual dos estudos tradicionais de segurança, com o intuito de propor uma nova ontologia

e epistemologia da segurança e apontando para a necessidade de se redefinir o objeto da

segurança, bem como fomentar uma maior reflexão acerca de como as ameaças e a respostas

a essas são criadas. É por meio dessas discussões acerca de uma abordagem crítica da

segurança que se destaca a Escola Galesa de Estudos Críticos de Segurança e seus principais

autores, Ken Booth e Richard Wyn Jones. O projeto de estudos de segurança desses autores

irá redefinir a segurança como equivalente à emancipação do indivíduo das amarras

estruturais que os impedem de se afirmarem livremente dentro de suas comunidades,

retomando para isso os conceitos de emancipação, tecnologia e iluminismo debatidos na

Escola de Frankfurt. Booth e Wyn Jones além de proporem uma reconceptualização ao

conceito de segurança, irão retomar os estudos estratégicos mostrando como estes

influenciaram na rigidez intelectual da disciplina.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança; Emancipação, Teoria Crítica; Etnocentrismo.

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Thalia Lacerda de Azevedo

The Welsh Scholl of Critical Security Studies: Security as Emancipation. ABSTRACT: The Critical Studies of Security appeared like counterpoint to the outline

conceptual of the traditional studies of security, with the intention of proposing a new

ontology and epistemology of the security and pointing to the necessity of the object of the

security being re-defined, as well as to promote a bigger reflection about like the threats and

to answers to those they are created. It is through these discussions about a critical approach

of the security guard that there stands out the Welsh School of Critical Studies of Security and

his principal authors, Ken Booth and Richard Wyn Jones. The project of studies of security of

these authors will be going to re-define the security like equivalent to the emancipation of the

individual of the structural cables what are prevented them from affirming freely inside his

communities, retaking for that the concepts of emancipation, technology and enlightenment

debated in the School of Frankfurt. Besides proposing a reconceptualização to the concept of

security, Booth and Wyn Jones will be going to retake the strategic studies showing like these

they influenced the intellectual rigidity of the discipline.

KEY-WORDS: Security, Emancipation, Critical Theory, Ethnocentrism.

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SUMÁRIO

Introdução.............................................................................................................................. 01

Cap. I - Estudos Críticos de Segurança................................................................................ 13

1.1-O Contexto Internacional: A busca de novos paradigmas..................................... 13

1.2-Estudos Críticos de Segurança: A área de estudos................................................ 20

1.2.1-O objeto da Segurança........................................................................................ 42

1.2.2-A construção das Ameaças.............................................................................. ...49

1.2.3-Alternativas para o dilema da segurança............................................................ 51

Cap. II - Segurança e Estratégia: Uma nova perspectiva.................................................. 53

2.1-Os Estudos Estratégicos......................................................................................... 53

2.2-Etnocentrismo no pensamento estratégico............................................................. 55

2.3-Clausewitz e o distanciamento da estratégia para com o político.......................... 57

2.4-Teoria Crítica e Estratégia: Uma reconceptualização............................................ 59

Cap. III - Segurança como Emancipação........................................................................... 63

3.1-Principais Conceitos da Escola Galesa de Estudos Críticos de Segurança............ 63

3.2-Teoria Crítica da Segurança Internacional e o Realismo Emancipatório.............. 71

3.3-O indivíduo como o último objeto referente da segurança: contribuições e

problemas..................................................................................................................... 73

3.4-Comunidades Emancipatórias: A solução para a questão do indivíduo?...............74

Conclusão: As principais contribuições da Escola Galesa para a subárea de segurança

internacional: Emancipação e Etnocentrismo.......................................................................... 80

Referências Bibliográficas..................................................................................................... 82

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“We must be the change we wish to see in the world”.

Mahatma Gandhi

“Others, myself included, believe that because armed forces exist, and cannot

be wished away, and because they can be the instrument of worthy as well as

ignoble purposes, they are deserving of serious attention. Strategy is certainly

brutal, but it is also concerned with profound moral questions”.

Ken Booth

“We don’t see things as they are, we see them as we are”.

Anïs Nin

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INTRODUÇÃO

Estudos críticos de segurança, ou Critical Security Studies é um termo que foi cunhado

por Keith Krause e Michael Williams quando da edição e publicação do livro Critical

Security Studies: Concepts and Cases, que foi resultado da Conferência Strategies in Conflict:

Critical Approaches to Security Studies realizada na Universidade de York, no Canadá, em

1994. Esse livro foi a primeira iniciativa em reunir autores contemporâneos adeptos de uma

reconceptualização do conceito de segurança, e por isso contou com a colaboração de

acadêmicos provenientes das mais diversas correntes teóricas, como o construtivismo, a teoria

crítica, o pós-estruturalismo e o pós-modernismo.

O termo crítico da insígnia “estudos críticos de segurança” ganhou papel de destaque

nas discussões do meio, e que foi esclarecido por Krause e Williams ao afirmarem que este

aparece mais como uma orientação na forma de se pensar a disciplina, não fazendo jus à

origem do termo “crítico” – que está ligado ao desenvolvimento da Teoria Crítica na Escola

de Frankfurt – e por essa razão a sigla de Critical Security Sudies, em inglês, é escrita em

letras minúsculas css.1 Com isso, os estudos críticos de segurança aparecem, nesse sentido,

como um campo de estudos, como uma área aberta a discussões entre acadêmicos das mais

variadas correntes teóricas que têm como principal ponto em comum a rejeição à

epistemologia positivista e à ontologia material dos estudos tradicionais de segurança.

O conceito de segurança para esses autores é essencialmente derivativo, isto é, a

segurança em si é vazia de significado, adquirindo sentido, somente, a partir do momento em

que existe um objeto a ser assegurado, de maneira que as mais diferentes abordagens teóricas

1 KRAUSE, Keith. Critical Theory and Security Studies: The Research Programme of ‘Critical Security Studies’. Cooperation and Conflict, v.33 (3), 1998, p.298-333. Disponível em: <http://www.sagepub.com>. Acesso em 12 jul. 2008.

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podem lhe imprimir um significado peculiar, em acordância com seus marcos conceituais

específicos. 2

Os estudos críticos de segurança buscam romper com a maneira como a subárea de

segurança internacional institucionalizou-se em um corpo de conhecimento rígido, que

compreende a realidade como dada, não aceitando nenhuma modificação em seu objeto

referente central. Para os teóricos críticos essa rejeição a qualquer tipo de mudança, deve-se à

influência positivista no modo de produzir conhecimento, tanto no marco referencial

neorealista, quanto no neoliberal. Os estudos tradicionais de segurança dão a esta matéria o

tratamento de uma ciência objetiva, exata, o que não encontra contrapartida na realidade das

relações internacionais que se apresenta múltipla e dinâmica.

A Guerra Fria e a conseqüente polarização mundial entre as duas grandes

superpotências, os Estados Unidos (EUA) e a Ex-URSS, são apontadas como as causas

principais da estagnação atemporal dos estudos de segurança, uma vez que moldaram a

disciplina dentro da lógica do dilema de segurança, no qual o sujeito e autor principal são os

Estados e a condição estrutural do sistema é a anarquia, como aponta os neorealistas. Os

realistas clássicos diriam que a natureza humana essencialmente má é a responsável pela

insegurança constante das relações interestatais e grande culpada, também, pela o frágil

equilíbrio de poder entre as nações, o que por meio de uma releitura de Hobbes mostra-se

equivocado.

Porém, a realidade internacional que se apresenta diante de nós traz uma gama de

atores, problemas, incertezas e cenários que antes eram inimagináveis e que agora desafiam

muitos acadêmicos das relações internacionais a entenderem a configuração internacional. A

globalização uniu e excluiu indivíduos, países, mercadorias e problemas, mas a solução para

2 KRAUSE, W.; WILLIAMS, M. Preface: toward critical security studies.In: Critical Security Studies: concepts and cases.In: (Org.) Critical Security Studies: Concepts and Cases. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997.

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os problemas de guerra e as propostas para a paz continuam, ainda, sendo pensadas e

resolvidas com instrumentos anacrônicos do passado.

As questões de soberania estatal e de interesses nacionais devem ficar em segundo

plano nos estudos críticos de segurança que agora intentam colocar o indivíduo como objeto

referente central a ser assegurado, pois até mesmo dentro da lógica estatal é para o indivíduo

que o Estado é erigido, para protegê-lo não somente da ameaça externa, mas também de uma

possível guerra entre indivíduos de uma mesma nação. A agenda de segurança também é um

ponto importante nesta nova abordagem crítica da segurança, uma vez que esses autores

postulam para a necessidade de inserção de novos temas como a pobreza, miséria, meio-

ambiente, fome, entre outros que são excluídos da os estudos tradicionais de segurança.

É nessa esteira de discussões sobre os estudos críticos de segurança e sobre o

significado do termo crítico nessa expressão, que surge uma das contribuições consideradas

mais radicais e não-usuais aos Estudos Críticos de Segurança, o dos autores de Aberystwyth –

também conhecidos como Escola Galesa3 – Ken Booth and Richard Wyn Jones. Esses autores

irão vincular o termo “crítico” à Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, concedendo grande

relevância ao pensamento de Karl Marx e Gramsci, bem como ao de Immanuel Kant. Dessa

maneira o termo Critical Security Studies aparece aqui como um projeto e não um rótulo ou

campo de estudo, sendo representado e diferenciado, na sigla em inglês, do css anteriormente

apontado, pelas iniciais maiúsculas CSS.

Ken Booth e Richard Wyn Jones abordam a segurança em termos de um pós-

naturalismo e não de um pós-positivismo, pois eles consideram a questão em termos de

naturalismo4 e pós-naturalismo, e para eles é o pós-naturalismo que une as abordagens

críticas. Para Booth o que existe é uma distância crítica e não uma neutralidade completa

3 A expressão Welsh School aparece no texto Aberystwyth, Paris, Copenhagen New ‘Schools’ in Security Theory

and their Origins between Core and Periphery de Ole Waever. 4 O naturalismo, Segundo Booth, entende que o método das ciências naturais pode ser transposto para o estudo da sociedade.

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diante do mundo e é essa distância que vai fomentar a crítica imanente orientada para libertar

os grupos e os indivíduos das amarras estruturais que os impedem de serem livres, seguros,

isto é, de serem emancipados. A importância da intersubjetividade no processo cognitivo é de

extrema relevância.

O projeto de Estudos Críticos de Aberystwyth fundamenta-se, sobretudo, em três

autores da Escola de Frankfurt e seus prinicipais textos: Max Horkheimer em “Teoria

Tradicional e Teoria Crítica”, Theodore Adorno em “Dialética do Iluminismo” (juntamente

com Horkheimer) e Jürgen Habermas com o desenvolvimento dos campos da ação

instrumental e da ação comunicativa. Essa influência fez da emancipação um tema central e

de convergência de um projeto intelectual na Escola Galesa, o da segurança como

emancipação, sendo assim, os conceitos centrais sobre o quais se desenvolve o pensamento de

Aberystwyth são: segurança, emancipação e comunidade.

Porém, pode-se afirmar que o pensamento da Escola Galesa de estudos críticos

remonta e acompanha a evolução do trabalho do seu principal autor, Ken Booth que aponta

seu livro publicado em 1979, Strategy and Ethnocentrism como o começo de um trabalho que

levaria anos para ser desenvolvido, até a publicação de Theory of World Security, em 2007, no

qual vai discorrer sobre sua Teoria Crítica da Segurança Internacional. 5

O trabalho de Ken Booth enquanto teórico crítico de uma nova abordagem da

segurança é um trabalho de evolução e ruptura com paradigmas tradicionais que o próprio

autor reconhece ter tomado como verdades absolutas, pois Booth era um teórico realista e não

tinha contato algum com correntes teóricas pós-positivistas, como o feminismo, por exemplo.

Desse modo, para compreender o que é hoje a Escola Galesa de Estudos Críticos e

principalmente, o que é a segurança como emancipação faz-se necessário a sistematização do

pensamento de seus principais autores, Ken Booth e Richard Wyn Jones, partindo do que

5 BOOTH, Ken, Theory of World Security.

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estes entendem como estratégia e como esta deve ser estudada, para chegar ao novo conceito

de segurança proposto por esses, o da emancipação.

Em Strategy and Ethtnocentrism Ken Booth desenvolve uma visão diferente sobre os

estudos estratégicos discorrendo que estes, durante a Guerra Fria, estavam voltados, para a

análise e elaboração da defesa do Estado, mas sem buscar entender e interpretar o que

motivava as ações de seus adversários, ou seja, era uma teoria egocêntrica do Estado, olhar ao

redor na tentativa de captar múltiplas realidades não fazia parte da agenda estatal.6 O

etnocentrismo e o relativismo cultural têm sido ignorados pelos estrategistas, fato que foi e

tem sido responsável por muitos erros nos cálculos das ações dos Estados.

O etnocentrismo possui grande relação com temas culturais que não são levados em

consideração pelos estudos estratégicos, e Ken Booth, neste seu livro, vai desenvolver todo o

seu argumento sobre dois conceitos: o de cultura e o de etnocentrismo, e vai trazer dois

conceitos que para ele estão àqueles relacionados, o de relativismo cultural e o de caráter

nacional. O conceito mais importante, todavia é o de etnocentrismo que Ken Booth divide em

três categorias: a) como um termo referente aos sentimentos de superioridade e centralidade

de um grupo, que ele aponta como sendo o conceito original elaborado por W.G. Summer e

que se apresenta como um fenômeno universal; b) como um termo técnico para descrever

uma metodologia falsa sobre as ciências sociais, e nesse sentido refere-se à projeção de um

padrão de conhecimento, de cultura sobre outro grupo, tomando este “outro” como inferior,

ou seja, é o preconceito etnocêntrico; c) como sinônimo de vinculação a uma cultura, o que

torna o indivíduo incapaz de colocar-se no lugar de outro, pertecente a um grupo diferente, o

que dificulta a empatia para com os estrangeiros.7

Nesse trabalho de Booth pode-se observar sua postura crítica –ainda não no sentido da

Teoria Crítica – diante de temas de segurança internacional importantes, mas precisamente o

6 BOOTH, KEN. Strategy and Ethnocentrism. New York: Holmes&Meier Publishers, 1979. 7 Id., p.14-15.

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dos conflitos no âmbito da Guerra Fria, que para ele foram resultado de um má antropologia,

de uma falha na superação do etnocentrismo por meio do relativismo cultural, que nada mais

é do que a superação do preconceito etnocêntrico.

Richard Wyn Jones, em seu livro Security, Strategy and Critical Theory, de 1999,

também vai trazer uma colaboração interessente para os estudos estratégicos propondo uma

reconceptualização da estratégia, ao indagar sobre como os estudos estratégicos dissociaram-

se do seu real objetivo e significado, que remonta ao estrategista clássico Carl von

Clausewitz. Segundo Wyn Jones, os téoricos militares clássicos compreendiam e

reconheciam que a estratégia é subordinada às considerações políticas e que a guerra nada

mais é que o reflexo da sociedade, das relações dentro e fora destas, mas os estrategistas

contemporâneos obscureceram essa relação.8

Booth e Wyn Jones, enquanto autores de um projeto de estudos de segurança ligado à

Teoria Crítica, vão compartilhar da rejeição ao realismo político, porém com graus de

sofisticação diferentes. Para os críticos de Booth, a sua maneira de rebater as premissas

centrais do realismo político é pobre e carece de sofisticação. Wyn Jones, no que se refere ao

realismo, vai dizer que o argumento central deste, o estatismo, é tautológico, como se pode

observar no trecho a seguir:

Empirically, realists regard statism as being justified, indeed, necessary, because this perspective reflects the reality of international relations: States are placed at the center of the analysis of the world politics because they are at the center of the international stage, particularly, when security issues are concerned. For realists, international relations is defined in terms of the interaction of states. Thus one arrives at the tautological argument that states are at the center of study of international relations because international relations is about the interrelationship of states.9

8 WYN JONES, Richard. Security, Strategy and Critical Theory. United Kingdon: Lynne Rienner Publishers, 1999. 9 WYN JONES, op. cit., p.73.

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A relação de Ken Booth com o realismo político é a de um fallen realist, isto é, de um

realista caído que perdeu sua grandeza e que passou por uma “reinvenção ontológica” 10, e

isto fica claro em seu texto autobiográfico Security and the Self: Reflections of a Fallen

Realist no qual Booth vai apontar o conjunto de mudanças que o levou a adotar uma

abordagem diferente das relações internacionais, refletindo sobre sua própria experiência

enquanto estudante e acadêmico da disciplina. Para Booth o que fez com ele mudasse de

opinião acerca do realismo político foi uma gama de experiências pessoas, como o contato

com acadêmicas feministas e uma maior aproximação com o trabalho de organizações

internacionais, como a Anistia Internacional, que fomentaram uma maior reflexão do seu

papel enquanto teórico das relações internacionais, e da segurança.

Ken Booth vai discorrer que o seu primeiro choque acadêmico ocorreu no ano de

1967, quando começou a ministrar a disciplina de estudos estratégicos e percebeu que a

grande maioria dos estrategistas que estavam envolvidos com os estudos e até mesmo a

criação da ameaça soviética sabia muito pouco, ou quase nada sobre a Ex-URSS, e segundo

Booth, eles pareciam não se importar em desconhecer completamente o inimigo, uma vez que

tomaram seu quadro referencial de análise como superior ao do adversário. 11 Nesse sentido,

pode-se reforçar o argumento anteriormente citado por Booth, de que a disciplina de relações

internacionais, e consequentemente a sua sub-àrea de segurança internacional são

etnocêntricas.

Entretanto, o texto que marca definitivamente a ruptura de Ken Booth com o realismo

político é o texto Security and Emancipation, publicado em 1991, no qual o autor vai propor

uma nova orientação os estudos de segurança. Pode-se afirmar que grande parte de seu

pensamento que será desenvolvido posteriormente, encontra-se condensado neste texto, e

10 “I only attempted to become self-conscious about this process of ontological reinvention recently, when a student tagged me as a ‘fallen realis’”. BOOTH, Ken. Security and The Self: Reflections of a fallen realist. 11 Id., p.8.

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principalmente, é em Security and Emancipation que se delineia a sua concepção kantiana do

indivíduo com fim e não como meio, nos estudos de segurança.

É nesse texto que Ken Booth vai trazer sua proposta de segurança como emancipação,

apontando que a complexidade do mundo pós-Guerra Fria pode ser comparado a uma

interregno, em que o antigo esta morrendo, mas o novo ainda não pode vir à tona, pois a

complexidade dos termos atuais como interdependência, erosão das soberanias, a ampliação

do capitalismo em escala global, entre outros, estão imprimindo mudanças no contexto

internacional, mas poucos estudos têm sido realizados nesse sentido. Com isso, Booth

acredita que antes de se resolverem os problemas mundiais, é preciso dar uma solução para o

a questão das palavras, isto é, palavras tais como o Estado, soberania, superpotências, guerra,

armas e estratégia para ele não são palavras confiáveis sobre as quais se pode erigir algum

tipo de arcabouço teórico. 12

Nesse ponto Booth demonstra uma preocupação semântica nos estudos de segurança

internacional, principalmente com os conceitos remanescentes da Guerra Fria, defendendo a

elaboração de uma linguagem nova que se adapte a realidade atual e que seja elaborada para

unir e incluir, e não contrário como tem sido nos estudos tradicionais de segurança.

Sendo assim, Ken Booth vai reconceptualizar a segurança retomando, da Escola de

Frankfurt, o conceito de emancipação, uma vez que para este autor a emancipação é a

capacidade dos indivíduos de se afirmarem sem empecilhos estruturais como a fome, a guerra,

a pobreza, entre outros fatores que impedem os homens de exercerem suas atividades

livremente e em segurança.

Emancipation is the theory and practice of inventing humanity, with a view to freeing people, as individuals and collectivities, from contingent and structural oppressions. It is a discourse of human self-creation and the politics of trying to bring it about. Security and community are guiding principles, and at this stage of history the growth of a universal human rights culture is central to emancipatory politics. The concept of

12 BOOTH, Ken. Security and Emancipation. Review of International Studies, 17, 1991, p. 313-326.

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emancipation shapes strategies and tactics of resistance, offers a theory of progress for society, and gives a politics of hope for common humanity.13

A Emancipação para Ken Booth é o meio pela qual o indivíduo ou grupo adquire sua

liberdade, pois é concebida como uma teoria e prática capaz de (re) inventar a humanidade,

libertando as pessoas das amarras estruturais e contingências as quais estão submetidas. Nesse

sentido, a emancipação é exposta como sendo capaz de criar estratégias e táticas de

resistência, de trazer uma política de esperança para a humanidade.

Porém, por mais irônico que possa parecer, Booth discorre que a relação entre

segurança e emancipação é muito mais fácil de ser explicada na prática do que na teoria.

Desse modo, pode-se ter noção de quão controversial é emancipação dentro dos estudos

críticos de segurança, o que faz com que para muitos teóricos, até mesmo os mais críticos, o

projeto de emancipação apareça muito mais como parte do problema do que da solução, pois

para alguns ele legitima o etnocentrismo quando observado por uma perspectiva terceiro-

mundista. Todavia, é importante ressaltar que o projeto de emancipação nunca pressupôs que

os indivíduos ou grupos se rebelariam contra outros grupos nacionais, pois a emancipação,

além de estar profundamente relacionada com a segurança, não está dissociada do intuito de

criação de uma política comunitária.

No que se refere à prática da emancipação Booth desenvolve um exemplo de como

isso pode ocorrer, em seu texto: Security in Southern África: After Apartheid, beyond

Realism, no qual aponta o fim do apartheid na África do Sul como modelo de como uma

comunidade de indivíduos oprimidos pela questão racial conseguiram mobilizar

progressivamente a opinião internacional e conseguiram livrar-se das amarras estruturais que

13 BOOTH, Ken. Three Thyrannies. In: in Tim Dunne and Nicholas J.Wheeler (eds.) Human Rights in World Politics, Cambridge: Cambridge University Press, p.31-70.

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os impediam de serem livres, emancipados, e por meio dessa emancipação eles conseguiram a

sua segurança e legitimação enquanto grupo pertencente a uma nação.14

Ao elaborar o conceito de segurança como emancipação, Ken Booth, vai utilizar uma

ferramenta conceitual que reúne duas palavras contraditórias em um paradoxo, é o que Booth

chama de realismo utópico, que para este autor é muito mais uma atitude da mente do que

uma teoria propriamente dita. 15 Ao discorrer sobre o realismo utópico Booth vai retomar o

trabalho de Edward Carr e dizer que este autor foi mal interpretado pelos acadêmicos, pois

para Booth, Carr é na verdade um crítico do realismo que tece comentários positivos sobre o

utopismo. 16 O realismo utópico é apresentado por Booth como detentor uma visão holística e

não estatista, ao contrário do realismo político clássico, todavia, devido à conotação negativa

do termo utopia, Booth irá substituí-lo pelo realismo emancipatório.

Desse modo, o conceito de segurança como emancipação vai remontar não somente à

tradição da Teoria Crítica, como também ao desenvolvimento do realismo utópico, sendo

importante ressaltar que Richard Wyn Jones permanece mais próximo dos pensadores de

Frankfurt, enquanto Ken Booth busca contribuições de vários campos teóricos,

principalmente da perspectiva feminista das relações internacionais.

Esses dois autores possuem pontos em comum e pontos de divergência, mas

reconhecem que se influenciam mutuamente, como se pode notar nos agradecimentos de seus

livros e artigos. Sendo assim, uma sistematização da evolução do pensamento dos autores de

Aberyswyth justifica-se pela necessidade atual de uma conceptualização da segurança que

seja capaz não somente de englobar as novas ameaças e captar a dinâmica da realidade, como

também de reconhecer o indivíduo como referente último da segurança, sobre o qual questões

14 BOOTH, K.; VALE, P. Security in Southern Africa: After Apartheid, beyond Realism. International Affairs, vol.71, n.2, 1995, p.285-304. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2623435>. Acesso em 25 abr. 2008. 15 BOOTH, Ken. Theory of World Security. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p.90. 16 BOOTH, Ken. Security in Anarchy: Utopian Realism in Theory and Pratice. International Affairs, v. 67, n.3, 1991, pp.527-548. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2623435>. Acesso em 25 abr. 2008.

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como o meio-ambiente, a fome e a miséria impactam diretamente, reduzindo sua liberdade e

tolhendo sua segurança.

A segurança como emancipação pode vir a contribuir, por exemplo, para as missões de

paz, como as operações de peace-building, peace-making, peace-enforcement, peacekeeping e

state-building, uma vez que o grande problema dessas missões é que uma vez realizadas elas

não conseguem criar condições estruturais para que as nações assistidas consigam manter a

estabilidade quando da retirada das forças de paz, o que acaba protelando a atuação dessas

missões. Isso significa que essas missões de paz carecem da capacidade de gerar o elemento

emancipatório necessário para que esses Estados possam reestrutura-se, reerguer-se, ou seja,

tornarem-se emancipados dos problemas que os afetam, produzindo assim segurança para

todos os seus membros.

No que se refere à Teoria Crítica, a contribuição para os estudos de segurança aparece

no sentido não só de propor uma abordagem mais reflexiva e crítica da segurança, mas

também de revisitar idéias importantes como a de emancipação, iluminismo e tecnologia e

aplicá-las a luz de temas atuais e práticos, na tentativa de superar o distanciamento entre

teoria e prática existente na Escola de Frankfurt.

A presente dissertação tem com objetivo analisar as principais contribuições dos

autores de Aberystwyth, Ken Booth e Richard Wyn Jones, para os estudos de segurança. Por

meio da análise de textos de autores importantes nos estudos críticos de segurança, enquanto

campo de conhecimento apontar-se-á as principais contribuições teóricas desta área como um

estudo introdutório para posteriormente desenvolver a evolução do pensamento da Escola

Galesa de Estudos Críticos de Segurança, partindo da concepção de seus autores sobre a

matéria de estratégia até chegar à elaboração de um novo conceito de segurança, o da

segurança como emancipação.

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Entre os objetivos gerais desse trabalho encontram-se o levantamento das mudanças

ontológicas e epistemológicas necessárias para o desenvolvimento de uma Teoria Crítica da

segurança e o balizamento das principais críticas feitas ao realismo clássico como paradigma

tradicional do conceito de segurança, bem como as contraposições teóricas realizadas por Ken

Booth e Richard Wyn Jones.

Constituem-se em objetivos específicos dessa pesquisa: discutir a definição de

segurança como “emancipação do eu” e do conceito de realismo emancipatório, destacando

suas possibilidades e fraquezas; analisar o papel do indivíduo como sujeito e objeto da

segurança, e a importância da intersubjetividade nessa relação; verificar as possibilidades de

uma práxis orientada para a emancipação; e levantar as contribuições do projeto de segurança

como emancipação e do conceito de etnocentrismo para a subárea de segurança internacional.

Por meio da leitura de bibliografia composta por livros, revistas científicas, teses,

artigos, periódicos eletrônicos, e principalmente, pelas obras de Ken Booth e Richard Wyn

Jones buscar-se-á sistematizar os principais conceitos e idéias desenvolvidos por estes,

utilizando-se para tal intento o método comparativo de análise. A sistematização do

desenvolvimento do conceito de segurança dentro do projeto de Emancipação da Escola

Galesa, assim como o da estratégia, será realizada de maneira reflexiva, isto é, não será

realizada apenas uma sistematização das idéias sem contraposições teóricas, uma vez que

parâmetros de análise serão buscados nos principais autores utilizados e criticados por Booth

e Wyn Jones, sendo eles: Edward Carr, Immanuel Kant, Hedley Bull, Thomas Hobbes e Carl

von Clausewitz.

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CAPÍTULO 1

ESTUDOS CRÍTICOS DE SEGURANÇA.

1.1 - O CONTEXTO INTERNACIONAL: A BUSCA DE NOVOS PARADIGMAS.

“...the Berlin Wall was knocked down after 1989 (it did not ‘fall’)”.

Ken Booth

A configuração de poderes no cenário internacional da Guerra Fria sustentou-se na

supremacia das duas superpotências que emergiram após a Segunda Grande Guerra Mundial –

os Estados Unidos da América (EUA) e a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(URSS) – momento em que as relações internacionais foram pautadas por uma grande tensão,

devido ao forte militarismo presente nesse momento, produto de uma concepção de segurança

voltada para a doutrina segurança nacional que se refletiu em uma corrida armamentista,

levando o asernal nuclear dessas nações a adquirir uma potencial de destruição inimaginável.

Nesse momento, o arcabouço conceitual realista preponderou, uma vez que, ao mesmo tempo

em que explicava o ordenamento de forças internacional, refletia-se no mundo político, como

se configurasse a própria realidade.

Os estudos estratégicos, neste momento, receberam grande destaque, pois a segurança

era voltada e pensada de maneira a garantir a sobrevivência do Estado, ou seja, o Estado como

objeto referente central da segurança, o que colocou as preocupações com a segurança

nacional no topo agenda de segurança dos Estados. A defesa do território do território contra

o inimigo externo foi uma constante, de modo que essa defesa foi pautada pelo incremento de

equipamentos nucleares capazes que fossem de contrabalançar o poder rival, ficando claro

que a resposta ao ataque inimigo seria fatal para ambos os lados, o que ficou conhecido como

Mutual Assured Destruction (MAD)17.

O foco da sociedade internacional – esta ainda que dividida entre dois lados –, nesse

momento, estava centrado no frágil equilíbrio de poder entre os EUA e as Ex-URSS, o que

fez com que os problemas e perspectivas dos países que se encontravam a margem do sistema

fossem completamente ignorados. As relações internacionais, nesse quadro, eram orientadas

pelo dilema de segurança existente entre as superpotências e seus aliados, de modo que

qualquer conflito existente fora desse âmbito era compreendido como local ou regional, e só

17 Destruição Mútua Assegurada.

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merecendo atenção somente quando ameaçasse a estabilidade do sub-sistema criado pelos

EUA e URSS.

Esse predomínio do pensamento estratégico acabou por criar, segundo Keith Krause,

uma sabedoria ortodoxa que se autoproclama capaz de mostrar o mundo como ele é, pois ao

utilizar do método posivitista estariam produzindo conhecimento objetivo, e dessse modo

acabam por impor uma série de medidas disciplinadoras da sub-àrea de segurança

internacional e que reduzem, limitam o que pode ser estudado nessa disciplina, bem como

esse objeto deve ser estudado.18

O realismo político ao utilizar-se do método positivista de produção de conhecimento,

que parte da verificação empírica e da falsificação das hipóteses, não abre espaço para a

reflexão e intersubjetividade, pois intenta dissociar o objeto estudo de seu observador,

buscando uma neutralidade completa. A busca pela objetividade diante de uma realidade

complexa e multifacetada é, para alguns autores, responsável pela estagnação e

empobrecimento da disciplina de relações internacionais.

O ápice dessa racionalidade presente no realismo político e nas ações entre os Estados

foi o lançamento da bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima, em 1945, que pode

ser compreendido como o ponto alto no jogo político entre as nações, resultante de anos de

uma disciplina de relações internacionais orientada pelo sistema Westphaliano de Estados,

pela filosofia da guerra de Clausewitz e pela ética maquiaveliana. As questões de cálculo

estratégico e poder nacional predominaram sobre a preocupação com vidas humanas e

mostrataram até onde o excessivo enfoque na racionalidade pode levar a humanidade. 19

Ken Booth é crítico de como o pensamento realista moldou a disciplina de relações

internacionais e a sub-àrea de segurança internacional – durante a Guerra Fria – que segundo

ele foi criada com base na cultura ocidental masculinizada anglo-saxã que se preocupa muito

mais com questões sobre soldados e diplomatas do que com a aplicação da ética em uma

escala global. Para Booth, a “horrenda ciência” da Guerra Fria precisa ser contraposta com

reflexões acerca das nossas sociedades liberais, do sistema capitalista no qual vivemos, e

principalmente, reflexões acerca de nós mesmos.20

18 KRAUSE, Keith. Critical Theory and Security Studies. United Kingdom: Lynne Rienner, 2005. 19 BOOTH, Ken. International Relations Theory vs. the Future. In: International Relations Theory Today. Pennsylvania: The Pennyslvania State University Press, 1997. 20 BOOTH, Ken. Human Wrongs and International Relations. International Affairs, v.71, n.1, p.103-126. Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=0020-5850%28199501%2971%3A1%3C103%3AHWAIR%3E2.0.CO%3B2-%23>. Acesso em 05 set. 2007.

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“One does not have to be a radical feminist to see the neo-realist subject as the work of the minds of men, and subject-matter as the lives of women.”21

As relações internacionais durante a Guerra Fria, para Ken Booth, foram orientadas

pelo o etnocentrismo – tanto dos Estados Unidos como da ex- União Soviética – que

constitui-se em uma visão de mundo incapaz de compreender os motivos políticos,

econômicos, históricos e culturais por detrás das as ações do outro. O etnocentrismo pode ser

entendido como uma falha na relação de alteridade de modo a refletir em sérios conflitos entre

o “eu” – o que somos e o que entendemos como certo e errado –e a incapacidade de

compreender o “outro”.

Julgamos os outros, o diferente, embasados em nossos princípios, valores e pré-

conceitos, não levando em consideração todo o arcabouço cultural destes, ou seja, na grande

maioria da vezes somos incapazes de nos colocarmos na situação de outro indivíduo. Porém,

colocar-se no lugar de outra pessoa, do inimigo, por exemplo, para compreender o porque de

suas ações, adotando o chamado relativismo cultural – em que o sujeito luta contra seus

próprios preconceitos etnocêntricos22 –não depende unicamente de nossa boa disposição, uma

vez que não podemos nos comportar de maneira totalmente neutra, nem muito menos isolar

nossas variantes culturais, diante do outro, do objeto a ser observado. Como Ken Booth

observa:

Whether or not God created the world in his own image, men certainly create the social universe in their own images. Ethnocentrism is one cultural variant of this universal socio-psychological phenomenon: societes look at the world with their own group as the centre, they perceive and interpret other societies within their own frames of reference, and they invariably judge them inferior.23

O etnocentrismo é uma variável que gera profundos impactos no campo da estratégia,

distorcendo informações e percepções sobre o inimigo, o que faz com que a capacidade de

predição dos eventos seja afetada, influenciando também na produção téorica da sub-àrea de

estudos estratégicos. As ações militares são pautadas em imagens que os estrategistas

elaboram de seus inimigos e uma percepção errada encadeará toda uma rede de causas e

efeitos não desejados e que poderiam ter sido evitados, se uma maior atenção fosse dada ao

relativismo cultural na tentativa de superar o preconceito etnocêntrico.

21 Id., p.105. 22 BOOTH, Ken. Strategy and Ethnocentrism. New York: Holmes&Publishers, 1979. 23 Id., p.13.

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To ‘know the enemy’ has always a cardinal tenet of strategy. If this goal is to be achieved in the future with more regularity than it has been achieved in the past, then cultural relativism should take its place in the strategist’s lexicon. Knowing the enemy is the bedrock of the business of strategy: strategic theories, in comparison, are second order problems. To concentrate on doctrines before enemies is to put the theoretical cart before the actual horse – a double error.24

A sub-área de segurança internacional, para Booth, ficou muito tempo imersa nessa

lógica etnocêntrica da Guerra Fria, na qual os estudos estratégicos estavam voltados, para a

análise e elaboração da defesa do Estado, mas sem buscar entender e interpretar o que

motivava as ações de seus adversários, ou seja, era uma teoria egocêntrica do Estado, olhar ao

redor na tentativa de captar múltiplas realidades não fazia parte da agenda estatal. A crença na

estratégia da segurança nacional somente exarcebou as falaciosas interpretações acerca das

ações do Estado inimigo.

Booth, utilizando Bernard Brodie25 como referência, discorre que uma má

antropologia certamente contribuiu e contribuirá para uma má estratégia, porque a falta de

empatia e a falta de conhecimento sobre outros países configura falsas expectativas sobre a

ações desses, pois esses são observados dentro de uma estrutura referencial de conhecimento

completamente diferente das suas. A falta de curiosidade, no quadro da Guerra Fria e nos

dias de hoje, está em grande medida presente no pensamento estratégico, assim como a

tendência dos Estados de superestimarem o papel que desempenham não só no concerto das

nações, mas também na agenda de segurança de Estados rivais.

O fim da Guerra Fria e a incapacidade do maindseat realista em prevê-la, colocou não

só o mundo, como a disciplina de relações internacionais em um período de crise, de

redefinições, pois esta havia passado muito tempo restrita ao gueto26 , distante da realidade da

humanidade e de seus inúmeros problemas como pobreza, doenças, meio-ambiente, fome,

além de ter fechado os olhos para as questões de gênero e identidade, entre tantas outras que

agora despontam como preocupações centrais na sociedade internacional e que abalam os

24 Id., p.17. 25 Bernard Brodie sobre o pensamento military francês antes da Primeira Grande Guerra Mundial: “This was neither the first nor the last time that bad anthropology contributed to bad strategy. 26 BROWN, Chris. “Turtles All The Way Down” Anti-Foundationalism, critical theory and international relations. Millennium – International Relations. Disponível em: <http://site/ebrary.com/lib/ebraryanddbd/Doc?id=2002464&page=41>. Acesso em 07 mai. 2007.

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fundamentos da disciplina. Os debates neo-neo não mais são suficientes para dar conta da

complexa realidade e problemas que se projetam diante de nossos olhos.

Sendo assim, seja o realismo clássico, em que a fonte de conflitos surge da natureza

humana Hobbesiana preponderantemente má dos indivíduos, ou seja a sua variante mais atual,

o neorealismo em que os problemas surgem da estrutura anárquica do sistema, o ponto é que a

predominância desse pensamento no campo da segurança, nesse momento da história

mundial, é responsável pela dificuldade atual em lidar com as novas ameaças do pós- Guerra

Fria.

Os instrumentos criados não só pelos estrategistas, mas também pelos acadêmicos –

que nesse período ocupavam cargos de alto escalão no governo – para lidar com uma

realidade que refletia nada mais do que um etnocentrismo focado na visão de mundo Anglo-

Saxã – eram consituídos sobre um conceito de segurança epistemologicamente positivista e

uma ontologia voltada para as capacidades materiais. Não havia espaço para o papel das

idéias e interesses como elementos constitutivos da ontologia da segurança, logo inferindo-se

que esses instrumentos seriam incapazes de lidar com a realidade das novas ameças

Com a derrubada do Muro de Berlim e o consequente término da Guerra Fria, não só

as relações de poder agora se apresentam em uma nova configuração, a chamada

multilateralidade , como também as ameaças à segurança dos Estados multiplicaram-se,

adquirindo um caráter mais dinâmico e ameçando não somente a unidade estatal, ou seja, o

objeto referente central da segurança foi modificado.

O mundo atual apresenta uma complexa rede de relações e de trocas, as fronteiras

estatais não são mais obstáculos a livre circulação de produtos, pessoas e informações; os

conflitos interestatais intensificaram-se mostrando até onde questões de identidade podem

chegar; os nacionalismos estão se acirrando e o terrorismo após os atentados de 11 de

setembro tornou-se uma ameça global. A globalização que integra e exclui acentuou as

discrepâncias entre as nações, a pobreza, a miséria, a fome e o crescimento populacional

desenfreado, entre outros fatores agravantes da segurança mundial que se intensificam na

mesma medida em que as grandes transações comerciais e transferências de capital realizam-

se.

Apesar de todas essas mudanças e complexidades presentes na sociedade

internacional e apesar da necessidade latente de mudanças não só nas relações entre os

Estados, mas dentro da disciplina de relações internacionais e da su-àrea de segurança, o

pensamento racionalista do realismo prevalece, desconsiderando temas relevantes como a

identidade, os interesses e o papel das idéias na configuração do sistema internacional, e desse

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modo acabam por colocar à margem da academia correntes teóricas que buscam elaborar uma

visão mais crítica e diferente da história internacional e que colocam no centro dos estudos o

papel da intersubjetividade enquanto método de apreensão da realidade.

Entre esses abordagens recentes que são criticadas pelo maindseat realista, merece

destaque abordagem feminista das relações internacionais e também da sub-àrea de segurança

que busca repensar e redefinir as relações internacionais por meio de uma perspectiva de

gênero, destacando nesta literatura o trabalho de Cynthia Enloe, Sandra Whitworth e J. Ann

Tickner. Para Ken Booth a abordagem feminista das relações internacionais merece destaque

porque, para ele, até os dias atuais as mulheres permanecem invisíveis enquanto sujeito e

objeto das relações internacionais e consequentemente da segurança, isto é, as relações

internacionais são cegas com relação às questões de gênero.27 A disciplina de relações

internacionais poderia ganhar muito se fosse repensada dentro da ótica feminista, de modo a

mostrar todos os pré-conceitos e erros cometidos pela humanidade que sempre prioriozou a

lógica masculina da guerra.

“Feminist perspectives are integral to any people-centred subject”.28

A disciplina de relações internacionais não só esteve cega até o presente momento às

questões de gênero, como também desenvolveu-se enquanto disciplina dentro de uma

referencial teórico ocidental, desconsiderando visões dos países orientais, pois essas eram

tidas como anti-americanas, anti-ocidentais, pois o Ocidente sempre se sentiu no papel de

agente civilizador e disciplinador de outras nações que eram tidas, e em grande medida até

hoje o são, como bárbaras, terroristas, anacrônicas e como não respeitando os ideais da

democracia e liberdade.

A alteridade falha dentro da disciplina de relações internacionais devido às tradições

autoritárias da disciplina que contribuiram para o seu empobrecimento, que insiste em chamar

de utópicos os teóricos da paz, os pesquisadores adeptos de uma abordagem mais crítica, os

estudos de gênero e qualquer outro autor que proponha uma abordagem alternativa à vigente,

perpetuando assim o status quo internacional.

O discurso realista entende que se pode compreender muito mais o mundo analisando

as estruturas de poder e ordem, do que buscar diálogo e entendimento com todos aqueles

27 BOOTH, op. cit., p.339. 28 BOOTH, Ken. Security and Emancipation. Review of International Studies, 17, 1991, p.317-326.

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atores à margem do sistema, como as mulheres, as crianças abusadas e exploradas, os

trabalhadores dos países subdesenvolvidos, os famintos, entre outros marginalizados dos

centros de poder de decisão.

Para os teóricos críticos do realismo o silêncio daqueles desprovidos de poder tem

uma custo muito mais alto para a a história, pois no final, a história contada sempre será a dos

vencedores, por mais que não contenha elementos verdadeiros, ela sempre está presente para

esconder a história que não contada, a história dos perdedores, dos oprimidos.

O momento atual é para muitos dos autores contemporâneos críticos da abordagem

tradicional da segurança, um período de interregno, momento em que o antigo está morrendo

e o novo não pode vir a tona diante de uma complexa realidade internacional que não mais

pode ser chamada de Pós-Guerra Fria, uma vez que esse termo apenas define o momento

histórico no qual vivemos, o período temporal, mas é um termo que não consegue abringir

todas as mudanças que ocorreram no final do século XX e que ainda estão para acontecer no

século XXI.

An ‘interregnum’ is a useful way to think about the present. Thucydides would not find himself at a loss in an international relations seminar, as we talk about the role of power and the prevalence of mistrut between states; but his mind would be completeley blown by such forces shaping the context of world politics as the terrible destructiveness of modern weapons, the 3 million people a day who zigzag the world by air, the frightening destruction of natural life, and the working fax machine, wich knows no country.29

Para Booth, o Século XXI será o século da ética, no qual a moral será recuperada em

todos os âmbitos da vida política e social, e até mesmo na guerra, na busca por uma ética

global, pois ele espera que o foco da disciplina de relações internacionais mude da busca pela

acumulação de conhecimento sobre as relações estatais para o incentivo do pensamento sobre

a ética e como esta pode ser aplicada em escala global.30

Os atentados de 11 de setembro de 2003 ao World Trade Center representou para as

relações internacionais o fim do mundo Pós-Guerra Fria e talvez, o fim do interregno iniciado

com a derrubada do Muro de Berlim.

29 Id. 30 BOOTH, Ken. Human Wrongs and International Relations. International Affairs, v.71, n.1, p.103-126. Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=0020-5850%28199501%2971%3A1%3C103%3AHWAIR%3E2.0.CO%3B2-%23>. Acesso em 05 set. 2007.

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1.2.1- ESTUDOS CRÍTICOS DE SEGURANÇA COMO ÁREA DE ESTUDOS.

Os estudos estratégicos adquiriram um enorme destaque no contexto da Guerra Fria,

fazendo com que a grande parte da produção intelectual da época, sobre a sub-área de

segurança internacional, estivesse fortemente impregnada pelo arcabouço conceitual realista,

bem como da maneira positivista de produzir conhecimento, ou seja, tentando impelir não

somente à disciplina das relações internacionais, mas também ao campo da segurança

internacional o caráter de uma ciência exata, objetiva.

O Estado, no campo dos estudos estratégicos, aparece como objeto referente central da

segurança, que é pensada em termos de segurança nacional e interesses nacionais, atribuindo

uma grande importância à soberania estatal e com um foco estritamente militar. Esta visão,

com o término da Guerra Fria, sofreu e ainda sofre severas críticas por parte de acadêmicos

adeptos de uma conceptualização mais crítica da segurança. De acordo com Rita Floyd a área

de segurança é mais frequentemente exposta à contestação pelo fato do significado da

segurança não ser ontologicamente pré-concebido. 31

Com o fim da Guerra Fria as relações transnacionais e regionais receberam um forte

impulso, e as fronteiras nacionais não mais se configuram como obstáculos para a livre

circulação de pessoas, coisas, capital e principalmente informações. A redução do papel do

Estado no contexto internacional – e para alguns, até mesmo o fim do Estado enquanto

instituição soberana – colocou em cheque o objeto referente central da segurança.

Nesse contexto, de reorientação das relações internacionais bem como das relações de

poder, emergem os estudos críticos de segurança que postulam que as grandes rupturas

conceituais não se devem a livros ou a grandes eventos – como a queda do Muro de Berlim –

mas sim às trocas acadêmicas realizadas em encontros e debates, da contingência da vida e

das condições materiais. 32

Os Estudos Críticos de Segurança ou Critical Security Studies (CSS) estão

concentrados na Europa, isto é, são eurocêntricos e estão relacionados com as especificidades

históricas desse continente, principalmente nos anos da Guerra Fria em que importantes

estudos sobre a paz e a segurança foram desenvolvidos, com destaque para John Galtung e

31 FLOYD, Rita. Towards a consequialist evaluation of security: bringing together the Copenhagen and the Welsh school of security studies. Review of International Studies, v.37, p.350-327. Disponível em: <http://journals.cambridge.org/download.php?file=%2FRIS%2FRIS33_02%2FS026021050700753Xa.pdf&code=b62399c16a08411d3f42f347c677729f>. Acesso em 30 mai 2007. 32 COLLECTIVE, c.a.s.e. Critical Approaches to Security in Europe: a networked manifesto. Security Dialogue vol. 37, p.487-443.Disponível em: <http://sdi.sagepub.com/cgi/content/abstract/37/4/443>. Acesso em 15 de mai 2007.

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Dieter Senghaas.33 Em contrapartida, os estudos estratégicos estão concentrados nos Estados

Unidos da América (EUA), onde não há muitos debates acerca dos estudos de segurança,

existindo, na verdade, um debate intra-realista entre realismo defensivo e realismo ofensivo. 34

Pode-se afirmar que os debates sobre segurança que ocorrem na Europa são reflexivistas,

enquanto que os norte-americanos partem de uma perspectiva racionalista na qual o dilema da

segurança é pensado em moldes de soma zero.

Nesse sentido, os Estudos Críticos de Segurança ganharam relevância quando da

realização da Conferência Strategies in Conflict: Critical Approaches to Security Studies, em

1994, na Universidade de York, em Toronto, e que resultou na publicação do livro Critical

Security Studies: Concepts and Cases, editado por Keith Krause e Michael Williams. A partir

desse momento o rótulo “Estudos Críticos de Segurança” começou a ser utilizado e

principalmente discutido por vários acadêmicos e intelectuais, de modo que o termo “crítico”

tornou-se o centro das discussões, uma vez que acadêmicos das mais diferentes linhas de

pensamento aderiram ao rótulo.

Segundo Krause e Williams, o termo crítico quando se refere ao rótulo “Estudos

Críticos de Segurança” aparece mais como uma orientação na forma de se pensar a disciplina

do que um arcabouço conceitual a ser aplicado, e por essa razão a sigla de Critical Security

Sudies, em inglês, é escrita em letras minúsculas css. 35 Desse modo, pós-modernistas, pós-

estruturalistas, feministas, construtivistas, entre outras correntes, fizeram expressivas

contribuições aos Estudos Críticos de Segurança ao rejeitarem o conceito o tradicional e

proporem novas e contraditórias abordagens, sendo alguns deles: Mohammed Ayoob, Barry

Buzan, Ole Waever, Cynthia Enloe, Sandra Witworth, David Mutimer, Amitav Acharya, Ken

Booth, Richard Wyn Jones, Didier Bigo e Jef Huysmans.

Os Estudos Críticos de Segurança buscam ampliar e redefinir o conceito de

segurança de modo que ele possa corresponder a atual realidade internacional, em que o

caráter das ameaças mudou, mas os meios empregados para lidar com essas permanecem

anacrônicos. Essa afirmação pode ser sustentada pelo rumo que as relações internacionais

tomaram com o pós-11 de setembro de 2003 e com a guerra ao terrorismo (WOT), pois no

momento em que mais se precisava de uma mudança para um pensamento mais crítico e

autônomo no campo da segurança, a sociedade internacional regrediu ao pensamento

33 Id. 34 WAEVER, OLE. Aberystwyth, Paris, Copenhagen New ‘Schools’ in Security Theory and their Origins between Core and Periphery. 2004. Disponível em: <www.isanet.org>. Acesso em 25 mai.2007. 35 KRAUSE, K; WILLIAMS, M.(Org.) Critical Security Studies: Concepts and Cases. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997.

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dicotômico da Guerra Fria, que de acordo com Booth se concretiza nas palavras de George

Bush: “Who are not with us are against us”. 36

A agenda desses estudos aponta as seguintes orientações: a necessidade de se repensar

o objeto referente central da segurança; abandonar o enfoque da segurança como estritamente

militar, e principalmente propor um novo método para se estudar a segurança, isto é, o pós-

positivismo.

Fomentada por essas discussões é que surge uma das contribuições consideradas mais

radicais e não-usuais aos Estudos Críticos de Segurança, o dos autores de Aberystwyth –

também conhecidos como Escola de Gales – Ken Booth and Richard Wyn Jones. Esses

autores irão vincular o termo “crítico” à Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, concedendo

também grande relevância ao pensamento de Karl Marx e Gramsci. Dessa maneira o termo

Critical Security Studies aparece aqui como um projeto, como um “corpo de conhecimento” 37

e não um rótulo ou campo de estudo, sendo representado e diferenciado, na sigla em inglês,

do css anteriormente apontado, pelas iniciais maiúsculas CSS.

Ken Booth e Richard Wyn Jones abordam a segurança em termos de um pós-

naturalismo e não de um pós-positivismo, pois eles consideram a questão em termos de

naturalismo38 e pós-naturalismo, e para eles é o pós-naturalismo que une as abordagens

críticas. Para Booth o que existe é uma distância crítica e não uma neutralidade completa

diante do mundo, e é essa distância que vai fomentar a crítica imanente orientada para libertar

os grupos e os indivíduos das amarras estruturais que os impedem de serem livres, seguros,

isto é, de serem emancipados. A importância da intersubjetividade no processo cognitivo é de

extrema relevância.

O projeto de Estudos Críticos de Aberystwyth fundamenta-se, sobretudo, em três

autores da Escola de Frankfurt e seus prinicipais textos: Max Horkheimer em “Teoria

Tradicional e Teoria Crítica”, Theodor Adorno em “Dialética do Iluminismo” (juntamente

com Horkheimer) e Jürgen Habermas com o desenvolvimento dos campos da ação

instrumental e da ação comunicativa. Essa influência fez da emancipação um tema central e

de convergência de um projeto intelectual na Escola Galesa, o da segurança como

emancipação, sendo assim, os conceitos centrais sobre o quais se desenvolve o pensamento de

Aberystwyth são: segurança, emancipação e comunidade.

36 BOOTH, Ken. (ed). Critical Security Studies and World Politics. London: Lynne Rienner, 2005. 37 Id., p. 260. 38 O naturalismo, Segundo Booth, entende que o método das ciências naturais pode ser transposto para o estudo da sociedade.

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A segurança é assim concebida, nessa abordagem, como um valor instrumental que

permite aos homens viverem em sociedade de maneira a se auto-afirmarem e se expressarem,

livres das amarras estruturais que os impedem, e por isso, para eles o conceito de segurança é

sempre relativo, pois depende das concepções políticas que irão dar forma à teoria. A

segurança é um conceito político muito poderoso, que possui uma grande capacidade de

mobilização de recursos, de modo que não se pode negar aos pressupostos éticos dos realistas

clássicos seu grau de relevância até mesmo dentro do pensamento crítico.

A Emancipação para Ken Booth é o meio pela qual o indivíduo ou grupo adquire sua

liberdade, pois é concebida como uma teoria e prática capaz de (re) inventar a humanidade,

libertando as pessoas das amarras estruturais e contingências as quais estão submetidas. Nesse

sentido, a emancipação é exposta como sendo capaz de criar estratégias e táticas de

resistência, de trazer uma política de esperança para a humanidade.

Emancipation is the theory and practice of inventing humanity, with a view to freeing people, as individuals and collectivities, from contingent and structural oppressions. It is a discourse of human self-creation and the politics of trying to bring it about. Security and community are guiding principles, and at this stage of history the growth of a universal human rights culture is central to emancipatory politics. The concept of emancipation shapes strategies and tactics of resistance, offers a theory of progress for society, and gives a politics of hope for common humanity. 39

Porém, por mais irônico que possa parecer, Booth discorre que a relação entre

segurança e emancipação é muito mais fácil de ser explicada na prática do que na teoria.

Desse modo, pode-se ter noção de quão controversial é emancipação dentro dos estudos de

segurança crítica, o que faz com que para muitos teóricos, até mesmo os mais críticos, o

projeto de emancipação apareça muito mais como parte do problema do que da solução, pois

para alguns ele legitima o etnocentrismo quando observado por uma perspectiva terceiro-

mundista. Todavia, é importante ressaltar que o projeto de emancipação nunca pressupôs que

os indivíduos ou grupos se rebelariam contra outros grupos nacionais, pois a emancipação,

além de estar profundamente relacionada com a segurança, não está dissociada do intuito de

criação de uma política comunitária.

No que tange a comunidade, Ken Booth discorre sobre as comunidades emancipatórias

nas quais os indivíduos seriam livres para se expressarem e se afirmarem no meio das

diferenças, para que possam ser vistos como iguais e viverem ao mesmo tempo em várias

comunidades:

39 BOOTH, Ken. Three Thyrannies. In: in Tim Dunne and Nicholas J.Wheeler (eds.) Human Rights in World Politics, Cambridge: Cambridge University Press, p.31-70.

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Communities in general are social organizations whose separateness express human variety, but an emancipatory community will recognize that people have multiple identities, that a person’s identity cannot be defined by one attribution, and that people must be allowed to live simultaneously in variety of communities. Emancipatory communities, in recognizing the right of individuals to express themselves through multiple identifiers of difference, will, above, all, celebrate human equality.40

Sendo assim, pode-se inferir que a segurança está intimamente relacionada com o

sentimento de pertencer a uma comunidade política, como pode ser explicitado na questão dos

refugiados que somente se sentem seguros quando possuem os mesmos direitos que os outros

membros da comunidade sob a qual passaram a fazer parte. É importante notar a influência do

ideal kantiano no intuito de tentar propor um modelo de política de segurança cosmopolita,

orientada por ações comunicativas, tanto no âmbito doméstico como externo, como essencial

para o desenvolvimento de uma teoria crítica da segurança. A melhor maneira de se relacionar

comunidade com segurança é a do diálogo e da deliberação, com o conceito de emancipação

permanecendo como forte elo de ligação e consolidação das relações de

segurança/comunidade.

A rejeição à ideologia do realismo político por esses dois autores é um ponto

importante para a redefinição do conceito de segurança, e que fica nítida no texto

autobiográfico de Ken Booth, de 1997, Security and the Self: Reflections of a Fallen Realist.

Um outro ponto importante para se (re) pensar a segurança é adotar a perspectiva daqueles

que não possuem poder, uma vez que para Ken Booth o modo como a estratégia é definida

tradicionalmente é etnocêntrico, isto é, eurocêntica, racista e masculinizada.

Os autores dessa escola acreditam que a segurança é um conceito essencialmente

derivado, no qual seu significado está intimamente ligado às transformações na sociedade, e

por isso sustentam que o conceito de segurança deve ser expandido, repensado e

aprofundando. Isso implica uma redefinição ontológica, epistemológica e uma orientação para

uma prática emancipatória.

Sendo assim, no projeto de Estudos Críticos de Segurança da Escola Galesa a

definição de segurança como emancipação coloca o indivíduo no centro da análise, como

sujeito e objeto da segurança, o que imprimi um caráter normativo a essa abordagem

emancipatória, que é o ponto central desta Escola. O teste da teoria é a emancipação.

Critical Security Studies and World Politics é um livro editado por Ken Booth e

que faz parte de uma série de livros sobre “Critical Security Studies” da editora Lynne

40 BOOTH, Ken. (ed). Critical Security Studies and World Politics. London: Lynne Rienner, 2005. p.109.

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Rienner. Booth é o chefe do Departamento de Política Internacional da Universidade de

Aberystwyth, no País de Gales, e foi o primeiro presidente da British International Studies

Association. Ken Booth, juntamente com Richard Wyn Jones, faz parte da chamada Escola de

Gales de estudos de segurança crítica, considerada por muitos como uma das mais radicais

dentro da discussão sobre a expansão do conceito de segurança, e que intelectualmente

sustenta-se no pensamento da Escola de Frankfurt, bem como no trabalho de Immanuel Kant.

Entretanto, em que pese o fato do livro ser estruturado de modo a legitimar o

arcabouço conceitual da Escola de Gales, o conteúdo das discussões desenvolvidas ao longo

dos capítulos aponta para os eixos comuns de discussão de uma gama de perspectivas de

estudos de segurança que se dispõem a ir além do pensamento ortodoxo realista, o que

enriquece em muito a discussão proposta.

Os estudos de segurança crítica41 têm em comum o fato de criticarem o pensamento

tradicional de segurança, definido em moldes de um jogo de soma-zero sustentado pela

balança de poder, na busca de um conhecimento mais crítico. De acordo com Booth, as novas

perspectivas de segurança – muitas vezes conhecidas como pós-positivistas por rejeitarem

uma interpretação da realidade estritamente vinculada aos moldes cientificistas – partem de

um mundo de múltiplas realidades, em que o realismo político é muito mais criador de

problemas no cenário internacional, do que um método eficaz para resolução das questões de

(in) segurança. Essa afirmação pode ser sustentada pelo rumo que as relações internacionais

tomaram com o pós- 11 de setembro de 2003 e que com a guerra ao terrorismo (WOT).

É interessante notar, que em todos os capítulos que compõem o livro – considerando

a diversidade de seus autores – é abordada as conseqüências do 11 de setembro, de modo a

mostrar que no momento em que mais se precisava de uma mudança para um pensamento

mais crítico e autônomo no campo da segurança, a sociedade internacional regrediu ao

pensamento dicotômico da Guerra Fria, que de acordo com Booth tal regressão expressa-se

nas palavras de George Bush: “Who are not with us are against us” (p.8).

Ken Booth ao discorrer sobre as abordagens de segurança crítica, prefere entendê-las

em termos de um pós-naturalismo e não de um pós-positivismo, pois ele considera a questão

41 É importante ter em mente que os estudos de segurança crítica, enquanto rótulos, são críticos no sentido de questionarem os conceitos tradicionais da segurança, relacionando-se com a influência pós-modernista. Os estudos de segurança crítica, enquanto projeto, refere-se à Escola de Gales e são críticos por terem influência direta da Escola de Frankfurt e a emancipação como conceito central.

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em termos de naturalismo42 e pós-naturalismo, e para ele é o pós-naturalismo que une as

abordagens críticas, o que se pode considerar como uma visão bem peculiar da realidade.

Para Booth o que existe é uma distância crítica e não uma neutralidade completa

diante do mundo, e é essa distância que vai fomentar a crítica imanente orientada para libertar

os grupos e os indivíduos das amarras estruturais que os impedem de serem livres, seguros,

isto é, de serem emancipados.

Desse modo, o ponto de partida das discussões que permeiam o livro é que o

conceito de segurança não pode ter um significado final (p.13), uma vez que a segurança não

é ontologicamente pré-concebida, sendo a definição tradicional de segurança passível de ser

repensada e contestada. Os pensadores críticos da segurança querem mostrar a

insustentabilidade do pensamento estratégico realista em um mundo cada vez mais

globalizado e transnacionalizado, e carente de novas perspectivas que possam lidar com os

erros humanos. As nossas percepções de ameaças mudaram, mas não a maneira com a qual

lidamos com elas.

Booth descreve as falácias principais do pensamento realista aplicado à segurança, de

maneira que todas as críticas por ele feitas, poderão ser observadas no decorrer do livro dentro

do pensamento de diversos autores, sendo elas: 1) O realismo não é realista; 2) o realismo

utiliza-se impropriamente do próprio nome, porque na concepção Kantiana o realismo é

entendido como algo que existe independente da nossa vontade – o que fez com que os

teóricos realistas impusessem sua visão de mundo – tolhendo nossas percepções sobre a

realidade que nos cerca; 3) o realismo é uma teoria estática; 4) o realismo possui uma

metodologia grosseira; 5) o realismo não passa no teste prático; 6) as hipóteses não

mencionadas do realismo são regressivas; 7) a agenda realista é muito estreita; 8) as éticas

realistas são hostis aos interesses humanos, “Realism is a tribal doctrine” (p.7); 9) o realismo

é intelectualmente rígido (p.5-7).

O livro é então dividido em três partes que representam segundo Ken Booth, os 3

princípios centrais dos estudos de segurança crítica: a segurança, a comunidade, e a

emancipação, e em cada uma dessas partes encontra-se um capítulo central que irá discutir o

tema, bem como comentários críticos do próprio editor.

42 O naturalismo, Segundo Booth, entende que o método das ciências naturais pode ser transposto para o estudo da sociedade.

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A Segurança 43: na visão de Ken Booth, é um valor instrumental que permite aos

homens viverem em sociedade de maneira a se auto-afirmarem e se expressarem, livres das

amarras estruturais que os impedem, e por isso, para ele o conceito de segurança é sempre

relativo, pois depende das concepções políticas que irão dar forma à teoria. A segurança é um

conceito político muito poderoso, que possui uma grande capacidade de mobilização de

recursos, de modo que não se pode negar aos pressupostos éticos dos realistas clássicos seu

grau de relevância até mesmo dentro do pensamento crítico.

Nessa parte sobre a segurança há uma revisão sobre as principais abordagens de

segurança, desde o pensamento mais tradicional em que se levantam duas abordagens, a da

teoria da escolha racional e o realismo neoclássico, passando para as análises mais

heterodoxas, sendo elas: a Escola de Copenhagen; a questão as segurança humana; o pós-

estruturalismo nos estudos de segurança; os estudos construtivistas de segurança; os estudos

de segurança crítica (leia-se Escola de Gales) e os estudos feministas aplicados à segurança.

É importante notar que todas as abordagens tiveram suas fraquezas expostas, sendo

talvez a mais interessante, a crítica exposta de Mohammed Ayoob ao projeto de emancipação

da Escola de Gales, pois para Ayoob o objeto referente central da segurança é o Estado,

enquanto que para Booth é o indivíduo. Para Ayoob, os indivíduos podem ser emancipados,

sem necessariamente estarem seguros, ou o contrário; há para Ayoob, também, a preocupação

de que o fomento à emancipação individual e em grupos possa levar à desfragmentação dos

frágeis Estados do Terceiro Mundo. Todavia, o projeto de emancipação nunca pressupôs que

os indivíduos ou grupos se rebelariam contra outros grupos nacionais, pois a emancipação,

além de estar profundamente relacionada com a segurança, não está dissociada do intuito de

criação de uma política comunitária.

Uma inferência importante dessa parte do livro é que não só o conceito de segurança

deve ser contestado, mas também o de comunidade e emancipação, sem perder de vista o fato

de que a simples contestação de um conceito não pode impelir mudanças no mundo político,

mas que já é um caminho para tal feito.

Outro ponto discutido é o papel das Forças Armadas em um mundo cada vez mais

transnacionalizado – em que surgem a figura de soldados privados e mercenários em torno de

uma figura carismática (p73), por exemplo – pois nesse momento de incremento dos

processos de globalização, a natureza das guerras mudou, sendo elas chamadas, agora, de

43 Essa parte é composta por textos de: Steve Smith “The Contested Concept of Security”; Graeme Cheesman “Military Force(s) and In/Security”; Sandra WhitWorth “Militarized Masculinities and The Politics of Peacekeeping”.

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“novas guerras” ou “guerras do terceiro tipo” . Porém, a maneira como as novas ameaças e as

novas guerras são manuseadas, possui ainda estreita relação com os meios tradicionais de

resolução de conflitos, ou seja, Clausewitizianos, e que não cabem em um cenário de, nas

palavras de Martin van Creveeld, “ameaças sem inimigos” (p.71).

O papel das Forças Armadas nesse contexto, precisa ser debatido e repensado, como

aponta Sandra WhitWorth que expões sobre a crise de identidade dos militares no pós-Guerra

Fria que foi resolvida, momentaneamente, com a realocação das forças militares para os

trabalhos de peacekeeping e de peacemaking. Mas o interessante da análise de WhitWorth é o

fato da autora realizar uma abordagem de gênero dentro do quadro militar, usando como

estudo de caso o escândalo oriundo dos abusos cometidos pelos soldados canadenses sobre o

povo somali, e que teve o seu ápice no assassinato do garoto Shidane Arone.

WhitWorth ao fundamentar suas críticas utiliza-se de um estudo sobre o processo de

criação de um soldado canadense –que se encontra envolvido pelo mito das operações de paz

– no qual se infere que estes são treinados para matar, e em um ambiente aonde a homofobia,

o preconceito e a misoginia predominam, o que tem como resultado final a absorção da

identidade individual e a criação de uma coletiva. Porém, é importar ressaltar que não só os

soldados canadenses são caracterizados pela violência, pois qualquer instituição militar que se

“preze” utiliza-se dos princípios de violência e agressão na formação dos seus soldados.

Soldados são treinados para matar. “Soldies do not always make the best

peacekeepers”(p.103)

Comunidade44: Ken Booth inicia essa secção com a sua definição de comunidades

emancipatórias, nas quais os indivíduos seriam livres para se expressarem e se afirmarem no

meio das diferenças, para que possam ser vistos como iguais e viverem ao mesmo tempo em

várias comunidades, pois todas as questões de uma comunidade relacionam-se às de

identidade e alteridade.

Sendo assim, essa parte do estudo nos mostra que a segurança está intimamente

relacionada com o sentimento de pertencer a uma comunidade política, como pode ser

explicitado na questão dos refugiados que somente se sentem seguros quando possuem os

mesmos direitos que os outros membros da comunidade sob a qual passaram a fazer parte. É

importante notar a influência do ideal kantiano no intuito de tentar propor um modelo de

política de segurança cosmopolita, orientada por ações comunicativas, tanto no âmbito

44 Textos de : Andrew Linklater “Political Community and Human Security”; Roger Tooze “The Missing Link: Critical International Political Economy, and Community”; Jan Jindy Pettman “Questions of Identity: Australia and Asia”.

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doméstico como externo, como essencial para o desenvolvimento de uma teoria de segurança

crítica.

Todavia, o que parece ser mais interessante sob o tópico comunidade é a abordagem

que pressupõe o desenvolvimento de uma política econômica menos ortodoxa, pois a criação

de uma comunidade, em direção à emancipação e à segurança, deveria estar completamente

dissociada do pensamento econômico ortodoxo que separou a economia da política, e colocou

o foco sobre a economia de segurança nacional. Sendo assim, a segurança só seria atingida

por meio de uma teoria crítica da política econômica internacional, dentro do projeto de

segurança crítica, de modo que a teoria e a prática entre aquela, a emancipação e indivíduo

gerariam a segurança. A criação do Estado e o desenvolvimento da modernidade estão

intimamente relacionados com a política econômica e a segurança (p.137).

O pensamento ortodoxo, tanto na economia como na segurança passa a ser entendido

como um problem-solving, nos moldes do pensamento de Robert Cox, e que demandaria, em

contraposição, a construção de um pensamento crítico, autônomo. A hegemonia desse

pensamento econômico neoliberal, que é orientado pelos Estados Unidos (EUA), tem sido

responsável pela desterritorialização da atividade econômica global, de maneira que está por

gerar fissuras dentro das comunidades, colocando em risco a segurança de muitos. O

capitalismo, dentro de uma perspectiva econômica crítica, é entendido como a negação da

comunidade (p.138).

E como em toda comunidade, a questão da identidade levanta muitas discussões, e

devido ao seu caráter político, é muitas vezes utilizada para justificar todas as respostas, sendo

que na verdade não responde coisa alguma, apenas reifica o conceito (p.113). Afinal,

tratando-se de identidade e percepções, todo mundo se proclama construtivista, até mesmo

porque o construtivismo não é uma teoria comparável ao realismo, é muito mais uma

orientação metateórica que não contribui com uma ontologia rica em sim mesma (p.272).

Esta secção sobre comunidade, sugere que a melhor maneira de relacionar-se esta

com a segurança é a do diálogo e da deliberação, com o conceito de emancipação

permanecendo como forte elo de ligação e consolidação das relações de

segurança/comunidade. Em que pese os vários exemplos práticos utilizados nessa secção,

muitas das idéias ainda estão começando a ser debatidas, como é o caso de uma política

econômica internacional crítica, o que pode fazer com que o leitor sinta falta de estrutura

prática, sobre a qual se apoiar, principalmente quando se trata do conceito de emancipação

que causa certa inquietação entre os estudiosos de um conceito de segurança mais amplo.

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Emancipação45: A questão da emancipação é central na Escola de Gales, e é vista

por muitos como uma expansão radical do conceito de segurança. A Emancipação para Ken

Booth é o meio pela qual o indivíduo ou grupo adquire sua liberdade, pois é concebida como

uma teoria e prática capaz de (re) inventar a humanidade, libertando as pessoas das amarras

estruturais e contingências as quais estão submetidas. Nesse sentido, a emancipação é exposta

como sendo capaz de criar estratégias e táticas de resistência, de trazer uma política de

esperança para a humanidade (p.181).

Porém, por mais irônico que possa parecer, Booth discorre que a relação entre

segurança e emancipação é muito mais fácil de explicar na prática do que na teoria, e partindo

desse ponto pode-se ter noção de quão controversial é emancipação dentro dos estudos de

segurança crítica. Nessa secção debate-se o fato de que para muitos teóricos, até mesmo os

mais críticos, o projeto de emancipação aparece muito mais como parte do problema do que

como solução, pois para alguns ele legitima o etnocentrismo quando observado por uma

perspectiva terceiro-mundista.

No que diz respeito à influência da Escola de Frankfurt e sua colaboração para o

projeto de emancipação, merece destaque o trabalho de Jürgen Habermas e o

desenvolvimento dos campos da ação instrumental e da ação comunicativa, no qual o

potencial emancipatório residiria no último. Porém, é necessário que novas abordagens

críticas de segurança levem em consideração o potencial da ação instrumental – do trabalho,

produção – para a libertação do indivíduo.

Ken Booth ao concluir essa edição, discorre sobre a possibilidade do projeto de

segurança crítica passar de um “corpo de conhecimento” para uma teoria de segurança de

verdade. E nesse sentido, existem dois caminhos: a tradição da teoria crítica na teoria social e

a teoria radical das relações internacionais (p.201). De acordo com Booth, o teste da teoria é a

emancipação (p.263).

Critical Security Studies and World Politics é uma tentativa de promover um

movimento para além das barreiras tradicionais do conceito de segurança, em que por meio da

crítica imanente e de uma perspectiva mais globalista, intenta-se ir além das amarras

estruturais que tolhem as liberdades individuais. O conhecimento é aqui entendido como um

processo social que não pode ser reduzido a postulados naturalistas ou positivistas, e que deve

procurar ir além dos discursos das elites dominantes, que moldam suas políticas em

45 Sobre a emancipação no projeto de segurança crítica temos: Hayward Alker “Emancipation in the Critical Security Studies Project”; Richard Wyn Jones “On Emancipation: Necessity, Capacity, and Concrete Utopias”; Joseph Ruane and Jennifer Todd “Communal Conflict and Emancipation: The Case of Northern Ireland”.

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detrimento do indivíduo. Todavia, ressalta-se o caráter teórico denso da maioria dos textos do

livro, que muitas vezes perdem a conexão com a sua conclusão final, pois as críticas são

dirigidas sobre a epistemologia, ontologia e práxis da matéria de segurança na tentativa de

promover a reconstrução da mesma, por meio de uma articulação com questões políticas

internacionais reais.

Ken Booth crítica várias teorias por não serem suficientemente críticas, mas acaba

por sobrepor a teoria a realidade, como se a última pudesse ser controlada e perfeitamente

representada pela primeira, constituindo-se em uma das armadilhas da emancipação, isto é,

um utopismo abstrato; bem como o seu viés estritamente intelectual, o que faz com que

adquira um caráter elitista uma vez que as pessoas são tratadas como incapazes de perceberem

o caminho para a verdade que as libertará. Nesse sentido, somente as pessoas intelectualmente

ativas teriam a capacidade de ver as coisas como elas deveriam ser aos olhos dos indivíduos,

supostamente, incapacitados. 46

O foco empírico dos estudos de segurança foi dramaticamente modificado com o fim

da Guerra Fria, de maneira que tanto a fonte de conflitos como as ameaças oriundas destes

foram impelidos de um caráter mais dinâmico que não mais se encaixa em um conceito

restrito de segurança, sendo necessária a formulação de novas ferramentas e a adoção de uma

nova metodologia para lidar com a realidade de um mundo pós-Guerra Fria, um mundo em

que a lógica de um equilíbrio de poder nuclear entre as duas superpotências cessou de existir,

deixando os estrategistas sem o referencial sobre o qual se apoiavam, e imiscuídos, cada vez

mais, em um cenário internacional dinâmico e complexo.

Segundo Amitav Acharya, o cenário mundial até o fim da Guerra Fria nada mais foi

do que uma transposição da Paz de Westphalia, de 1648 – que necessariamente é um modelo

voltado para dar concerto ao sistema europeu de Estados – para todo o sistema internacional,

de maneira que a sociedade internacional se viu submetida a esse arquétipo, em que a defesa

territorial e a segurança nacional do Estado eram os pontos centrais da agenda estatal, visão

esta que não correspondia à realidade dos países do Terceiro Mundo, assim como dos

inúmeros Estados que se constituíram ao fim das duas grandes guerras mundias. 47

Desses Estados que surgiram ao fim da Primeira e Segunda Guerra Mundial foi-se

exigido que se estruturassem da mesma maneira que os grandes Estados- Nacionais europeus 46 NEUFELD, Mark. Pitfalls of Emancipation and Discourses of Security: Reflections on Canada’s ‘Security With a Human Face’. International Relations, 2004, nº18. 47 ACHARYA, Amitav. The Pheriphery As The Core: the third world and security studies. In: WILLIAMS, M.; Krause, K. (Org.) Critical Security Studies: Concepts and Cases. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997.

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que, como a história mostra, levaram séculos para instituírem-se. As questões de identidades e

interesses foram e são um grande turbilhão de conflitos nesses novos Estados – que na grande

maioria dos casos não chegaram a constituirem-se em Estados de facto – mas mesmo assim,

mesmo apesar dos enormes impactos destas nas relações interestatais, a tradição realista

insiste em negar sua importância e dar-lhes relevância.

Desse modo, é negando essa tradição realista que traz como sujeito central dos

estudos de segurança internacional o Estado e que toma a condição na quais estes vivem como

uma anarquia somente solucionada pelo contratualismo, e tentando fazer frente aos

profissionais dessa área que surgem – da virada pós-positivista nas relações internacionais –

os chamados Estudos Críticos de Segurança. Os Estudos Críticos visam ampliar a agenda da

segurança e também redefinir o seu conceito a luz dos problemas atuais buscando uma

maneira de substituir o realismo como paradigma central da segurança internacional.

Os estudos críticos de segurança ou Critical Security Studies estão concentrados na

Europa, isto é, são eurocêntricos e estão relacionados com as especificidades históricas desse

continente, principalmente nos anos da Guerra Fria em que importantes estudos sobre a paz e

a segurança foram desenvolvidos, com destaque para John Galtung e Dieter Senghaas.48 Em

contrapartida, os estudos estratégicos estão concentrados nos Estados Unidos da América

(EUA), país que para Ole Waever não produz muitos debates acerca dos estudos de

segurança, existindo, na verdade, um debate intra-realista entre realismo defensivo e realismo

ofensivo.49

Os Estudos Críticos de Segurança ganharam relevância quando da realização da

Conferência Strategies in Conflict: Critical Approaches to Security Studies, em 1994, na

Universidade de York, em Toronto, e que resultou na publicação do livro Critical Security

Studies: Concepts and Cases, editado por Keith Krause e Michael Williams. A partir desse

momento a insígnia “Estudos Críticos de Segurança” começou a ser utilizada e

principalmente discutida por vários acadêmicos e intelectuais, de modo que o termo “crítico”

tornou-se o centro das discussões, uma vez que acadêmicos das mais diferentes linhas de

pensamento aderiram ao rótulo ou foram agrupados sobre esse.

Segundo Krause e Williams, o termo crítico quando se refere à insígnia “Estudos

Críticos de Segurança” aparece mais como uma orientação na forma de se pensar a disciplina,

48 COLLECTIVE, c.a.s.e. Critical Approaches to Security in Europe: a networked manifesto. Security Dialogue vol. 37, p.487-443. Disponível em: <http://sdi.sagepub.com/cgi/content/abstract/37/4/443>. Acesso em 15 de mai 2007. 49 WAEVER, OLE. Aberystwyth, Paris, Copenhagen New ‘Schools’ in Security Theory and their Origins between Core and Periphery. 2004. Disponível em: <www.isanet.org>. Acesso em 25 mai. 2007.

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não fazendo jus à origem do termo “crítico” – que está ligado ao desenvolvimento da Teoria

Crítica na Escola de Frankfurt – e por essa razão a sigla de Critical Security Sudies, em inglês,

é escrita em letras minúsculas css. 50 Desse modo, pós-modernistas, pós-estruturalistas,

feministas, construtivistas, entre outras correntes adeptas de uma nova abordagem da

segurança, fizeram expressivas contribuições aos Estudos Críticos de Segurança ao rejeitarem

o conceito o tradicional e proporem novas e contraditórias abordagens.

Entre os autores que se enquadram nesse campo de estudos, podem ser citados:

Mohammed Ayoob, Barry Buzan, Ole Waever, Cynthia Enloe, Sandra Witworth, David

Mutimer, Amitav Acharya, Ken Booth, Richard Wyn Jones, Didier Bigo e Jef Huysmans,

sendo que a grande maioria dos autores sob o rótulo de Estudos Críticos de Segurança possui

mais diferenças entre suas abordagens, do que pontos de discussão em comum; todavia

compartilham da mesma rejeição ao pensamento neorealista e neoliberal que tem dominado a

disciplina de segurança internacional, trazendo, assim, contribuições das mais diversificadas

possíveis.

Wyn Jones, ao fazer referência à expressão Critical Security Studies, discorre que é

uma maneira útil de reunir todos aqueles autores contemporâneos que compartilham dessa

mesma perspectiva de rejeição da estreita abordagem sob a qual a disciplina de segurança

internacional tem sido orientada e estudada. 51 Entretanto, Richard Wyn Jones juntamente

com Ken Booth, autores de Aberystwyth, irão vincular o termo “crítico” à Teoria Crítica da

Escola de Frankfurt, concedendo grande relevância ao pensamento de Karl Marx e Gramsci.

Dessa maneira o termo Critical Security Studies aparece para esses dois autores como um

projeto, como um “corpo de conhecimento” 52 e não um rótulo ou campo de estudo que

engloba as mais diferentes abordagens sobre os estudos de segurança, sendo, por isso,

representado e diferenciado, na sigla em inglês, do css anteriormente apontado, pelas iniciais

maiúsculas CSS. A diferença fundamental existente entre os estudos críticos de segurança e a

abordagem da Escola Galesa, é a concepção de emancipação, como equivalente à segurança, e

que é desenvolvida por seus autores que revisitam as idéias Escola de Frankfurt acerca da

emancipação.

Ole Waever em seu texto “Aberystwyth, Paris, Copenhagen ‘New School’s in Security

Theory and their Origins between the Core and Periphery” aponta que as principais

50 KRAUSE, K; WILLIAMS, M. (Org.) Critical Security Studies: Concepts and Cases. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997. 51 WYN JONES, Richard. On Emancipation: Necessity, Capacity, Concrete Utopias. In: BOOTH, K. (Org.) Critical Security Studies and World Politics. United Kingdom: Lynne Rienner Publishers, 2004. 52 Id., p. 260.

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contribuições para os estudos críticos de segurança, até o momento, são as Escolas Galesa,

Paris e Copenhagen, entretanto, Waever aponta que o rótulo de “Escolas” é feito apenas para

situar os autores e debates geograficamente, mais do que para expressar um pensamento

unitário. Segundo Waever, um ponto importante nessas escolas é a concepção que seus

autores possuem da relação entre a pesquisa e a política, pois para eles a pesquisa não está de

maneira alguma dissociada de intenções políticas, e eles, enquanto autores são responsáveis

por falar e escrever a segurança, fato que impele transformações à realidade e a concretização

de projetos políticos. 53

A Escola de Copenhagen é a que atualmente atinge uma maior audiência no meio

acadêmico quando comparada com as Escolas Galesa e de Paris, e que tem entre seus

principais autores Barry Buzan, Ole Waever e Jaap Wilde. Waever aponta que o pensamento

da Escola de Copenhagen pode ser compreendido por meio das seguintes ferramentas

conceituais: a teoria da securitização54, os setores de segurança e a teoria do complexo

regional, e afirma que a teoria da securitização é o ponto mais importante para o entendimento

da proposta da Escola, mas ressalta que não se pode perder de vista a importância da interação

entre esses conceitos. 55

Securitização é o processo pelo qual determinado objeto referente é tratado como uma

ameaça existencial, retirando-o da esfera política de modo a legitimar ações fora dos

procedimentos legais do Estado, isto é, uma politização56 extremada. As unidades envolvidas

no processo de securitização são: a) os objetos referentes, que são aqueles que podem ser

considerados como ameaçados e passíveis de serem transformados em questões de segurança;

b) os atores securitizados são os que declaram, por meio do discurso, que determinado objeto

referente é uma questão de segurança; c) os atores funcionais, que é uma categoria

intermediária às outras duas, porém sem perder o seu poder de influência, pois são estes que

concordam ou não com a securitização proposta pelos agentes, embora em muitos casos esta

seja transformada em um discurso único e coercitivo. 57

A securitização é baseada no manuseio do poder, do poder da elite que declara que

determinado objeto referente é uma ameaça, retirando-os da esfera política de debates de

modo a justificar ações fora das fronteiras dos Estados e muitas vezes desrespeitando os

53 WAEVER, op.cit. 54 A teoria da securitização foi elaborada por Ole Waever. 55 WAEVER, op. cit, p.9. 56 Entende-se por politização o processo pelo qual um determinado assunto é transformado em política pública, demandando medidas governamentais e alocação de recursos. 57 BUZAN, WAEVER, WILDE. Security: a new framework for analysis. London: Lynne Rienner Publishers, 1998.

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princípios democráticos e até mesmo os direitos humanos. No campo da teoria da

securitização há também o conceito de desecuritização, uma vez que a segurança é um

conceito negativo – pois é reflexo da falha na esfera política de tomada de decisões – a

securitização pode passar pelo movimento de desecuritização que aparece como uma maneira

de limitar o discurso da segurança e evitar, ao máximo, medidas de exceção. 58

Desecuritizar é fazer com que determinado objeto referente saia da esfera pública de

debates e seja despolitizado configurando-se em uma desecuritização negativa, porém, caso o

dado objeto permaneça na esfera política, na agenda política, a desecuritização será positiva,

uma vez que o objeto ainda é foco de atenção. 59 Infere-se então que a desecuritização cabe

não somente aos atores securitizados, como também aos pesquisadores e profissionais da

segurança, porque as ações e escritos desses possuem impactos no modo de enxergar e

entender as coisas que nos ameaçam, mesmo que eles não tenham essa intenção.

A outra ferramenta de análise da Escola de Copenhagen é a teoria dos complexos

regionais que postula que algumas unidades políticas estão tão conectadas, integradas, assim

como seus processos de securitização e desecuritização, que suas questões de segurança não

podem ser analisadas e, muito menos, resolvidas separadas umas das outras. 60 Para a Escola

de Copenhagen a dinâmica gerada pelos complexos regionais pode ser percebida por meio de

uma análise orientada para os níveis regional, inter-regional e global, possuindo uma

dimensão que incorpora a relação amigo/inimigo, relação essa que será responsável pela

maior afinidade ou não entre países de uma mesma região, fazendo com que do conflito surja

a cooperação que se exteriorizará na institucionalização e normatização de um complexo

regional, como é o caso, hoje, da União Européia (UE).61

A terceira idéia apontada pela Escola de Copenhagen é a noção de setores, que não

mais restringe a segurança ao setor militar, apontando a existência dos setores econômico,

ambiental, social e político da segurança, que são passíveis de serem securitizados de acordo

com a intenção do ator securitizado. Desse modo, têm-se a construção social das ameaças e

da segurança, o que faz com que a Escola de Copenhagen tenha uma grande influência da

58 WAEVER, op. cit., p.13. 59 FLOYD, Rita. Towards a consequialist evaluation of security: bringing together the Copenhagen and the Welsh school of security studies. Review of International Studies, v.37, p.350-327. Disponível em: <http://journals.cambridge.org/download.php?file=%2FRIS%2FRIS33_02%2FS026021050700753Xa.pdf&code=b62399c16a08411d3f42f347c677729f>. Acesso em 30 mai 2007. 60 BUZAN,1991, apud WAEVER, 2004, p. 20. 61 COLLECTIVE, c.a.s.e. Critical Approaches to Security in Europe: a networked manifesto. Security Dialogue vol. 37, p.487-443. Disponível em: <http://sdi.sagepub.com/cgi/content/abstract/37/4/443>. Acesso em 15 de mai 2007.

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teoria construtivista das relações internacionais, uma vez trabalha com a criação de

identidades coletivas que são parte importante de qualquer setor de uma sociedade.

O setor social é o maior responsável pelo mal-estar causado nos pesquisadores sobre

as novas abordagens de segurança, dentro da teoria de securitização, pois a segurança social

arrisca legitimar uma política de segurança não-estatal, ou seja, uma vez quer todos podem

realizar o “speech act” em nome da segurança da sociedade – declarar determinado objeto

referente como questão de segurança – isso acaba incorrendo em uma deslegitimização do

Estado enquanto agente protetor da sociedade. 62

A securitização pode ser entendida como um processo de significação, pois por meio

de um discurso atribui-se significação a uma dada realidade, sendo que nesse ponto a

identidade é tratada como uma entidade mais estável, pois, por mais fluída que seja, essa será

congelada pelo movimento de securitização.

Para alguns dos teóricos críticos de uma nova conceptualização da segurança, a Escola

de Copenhagen é considerada como uma abordagem tradicional, ainda vinculada às

ferramentas do maindseat realista, pois permanece em um marco teórico neorealista, não

desafiando a centralidade do Estado enquanto objeto referente central da segurança. Uma

outra crítica feita à Copenhagen é a de que seus autores não questionam os fundamentos da

segurança na busca de uma redefinição do seu conceito.

Para Waever, o estreito conceito tradicional de segurança foi criado como uma

estratégia de desecuritização, isto é, pretendia circunscrever a defesa e o uso da violência ao

Estado e somente contra ameaças físicas, o que se configurou como uma maneira eficaz de

manutenção da ordem, e de se isolar a aplicação da segurança de outras esferas da sociedade. 63

Adopting a materialist ontology and positivist epistemology was an early modern security strategy, or in a sense a strategy of de-securitization: the narrow concept of security meant to restrict the resort to violence and defence to only the state and only in relation to pyshical threats which was an important element of the order creating process of removing these instruments from diverse groups and individuals in the feudal order and from religious and identity referents in the religious and civil wars of the 16th and 17th Century. That is: to limit violence and establish peaceful order, it was imperative to narrow the security logic to the minimalist reference of state and war. Thus, the concept of security is […] a thoroughly political question tied with the whole modern political language of state, sovereignty, community and identity.64

62 HUSYMANS, Jef. Defining Social Constructivism in Security Studies: the normative dilemma of writing security. Disponível em: <http://download72.mediafire.com/tmoi0o3hlszg/f94mktbw6xh/huysmans+-+social+constructivism.pdf>. Acesso em 20 de ago. 2007. 63 WAEVER, op.cit. 64 Id., p.7.

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Pode-se, assim, inferir que a concepção tradicional de segurança erigiu-se sobre a

organização do monopólio da violência, exteriorizando-se na forma do Estado territorial e do

princípio da soberania estatal, o que reduziu a vida política ao âmbito estatal, uma vez que

preocupação constante seria com a manutenção da ordem política, tanto no âmbito doméstico

como internacional. Com isso, a segurança ficou restrita à política de poder entre as nações,

desconsiderando os problemas oriundos de outras esferas da sociedade como sendo matéria de

segurança. A vida política, no conceito tradicional da segurança, só existe e é possível no

âmbito do Estado soberano, não levando em conta o papel de outros autores existentes no

sistema internacional.

Retomando o que foi dito anteriormente sobre o termo “crítico”, no que tange à

definição do que seja este nos estudos críticos de segurança, Krause e Williams deixam claro

que não possuem a intenção de discutir o significado preciso da terminação “crítico”. Para

esses autores a nova orientação Estudos Críticos de Segurança tem muito a oferecer para a

disciplina de segurança, sendo necessário fomentar a discussão e intercâmbio entre as mais

diferentes vertentes, pois a mera rejeição dos pressupostos tradicionais da segurança não traz

nenhuma contribuição e não elabora nenhuma reflexão crítica sobre o tema.

O termo crítico adotado por essa abordagem pode ser mais bem compreendido quando

analisado à luz do trabalho desenvolvido por Robert Cox em seu texto “Social Forces, States

and World Orders”, no qual distingue a problem-solving theory de uma critical theory.

Segundo Cox65, as teorias são sempre para alguém e para algum propósito, isto é, a teoria tem

que existir sempre em relação com o espaço e tempo no qual está sendo elaborada, de maneira

a possuir alguma funcionalidade, pois uma vez que a teoria existe com o único propósito em

sim mesma, ela se torna uma ideologia. A realidade muda e juntamente com ela as percepções

dos teóricos, sendo o trabalho de elaboração das teorias dependente da dinâmica das

transformações mundiais; anacronismos teóricos não contribuem em nada para um melhor

entendimento da realidade, principalmente para a teoria política e social que são vinculadas à

história. 66

Nessa perspectiva, existem dois tipos de teoria que servem a propósitos diferentes, a

primeira, a problem-solving é um tipo de teoria que busca captar a realidade de maneira

objetiva, sistematizá-la, dividi-la em áreas bem delimitadas e com o menor número de

variáveis possíveis, orientando-se na busca de regularidades que possam resultar em leis

65 “Theories are always for someone and for some purpose”. 66 COX, Robert. Social Forces, States and World Orders.

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universais, dessa maneira apreende as estruturas sociais, políticas e institucionais como um

sistema pré-definido para ações. A problem-solving theory leva à perpetuação das estruturas

de poder e ordem, ao invés de propor alternativas de mudança, configurando-se como uma

teoria a-histórica e concebendo uma ordem fixa como seu ponto de referência, de partida. 67

Essa teoria ao intentar adotar uma postura completamente neutra e objetiva,

autoproclama-se livre de pré-conceitos, valores e interferências culturais do sujeito

observador, o que vai contrariar estritamente a noção de etnocentrismo, anteriormente citada,

de Ken Booth.

Problem-solving theories can be represented, in the broader perspective of critical theory, as serving a particular national, sectional, or class interests, which are comfortable within the given order. Indeed, the purpose served by problem-solving theory is conservative, since it aims to solve the problems arising in various parts of the complex whole in order to smooth the functioning of the whole.68

Em contrapartida, a teoria crítica é uma teoria reflexiva sobre o processo de sua

própria formulação, procurando relacionar-se com outras perspectivas para atingir sua própria

perspectiva, tomando, para tal, uma distância crítica para com o mundo e buscando observá-lo

como todo e não em partes fragmentadas, uma vez que nos processos de mudanças

conjunturais tanto o todo como a parte estão interligados, sendo que uma observação

seccionária levaria a uma interpretação das partes e não do todo. As instituições, as relações

sociais e as questões de poder não são aceitas como dadas, porque a teoria crítica busca

compreender as questões de “como” e “quando” estes estariam em processo de mudança,

posto que a teoria crítica seja a teoria da história no sentido de centrar-se nos processos de

mudanças históricas e não somente em fatos passados. 69 A teoria crítica busca entender como

o mundo, a ordem na qual estamos imersos, veio a ser, a constituir-se, pois entende que tem

diante de si uma realidade em constante transformação.

But whereas the problem-solving approach leads to further analytical sub-division and limitation of the issue to be dealt with, the critical approach leads towards the construction of a larger picture of the whole of which the initially contemplated part is just one component, and seeks to understand the processes of change in which both parts and whole are involved.70

67 Id. 68 Id., p. 1541. 69 COX, Id. 70 Id., p. 1541.

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Dessa maneira, uma teoria crítica pode ajudar a trazer a tona uma realidade diferente,

além de mostrar as diferentes possibilidades para uma nova ordem, todavia, Cox entende que

certo grau de utopismo faz parte dessa teoria, pois esta pode esboçar como seria uma

realidade alternativa; mas esse grau utópico é refreado pelo seu próprio entendimento do

processo histórico. 71

Uma teoria crítica internacional partiria, então, das seguintes reivindicações – que

contrastam fortemente com a perspectiva neo-neo das relações internacionais – quanto aos

seus fundamentos: a) os principais sujeitos das relações internacionais são construções sociais

resultantes das interações entre complexos processos culturais, históricos, materiais e

principalmente, ideacionais, ressaltando-se aqui o papel das idéias enquanto parte da estrutura

e sendo geradora de interesses e ações, de maneira a negar ao sistema internacional uma

estrutura estritamente material e consequentemente estática; b) o mundo político não é

estático, muito pelo contrário, apresenta-se em uma dinâmica constante de transformações na

qual não reduz o sistema internacional às determinações da estrutura, uma vez que essa

também é uma construção social; c) os sujeitos da arena política internacional são constituídos

e reconstituídos por meio de práticas e processos políticos que são geradores de

conhecimentos e expectativas sociais compartilhados, colocando, desse modo, a formação da

identidade e interesses no centro da discussão e evitando concebê-los como estáticos, como o

faz o pensamento neorealista; d) rejeita a epistemologia positivista como método para

compreender as relações do mundo político, apontado para a necessidade de métodos

interpretativos que sejam capazes de captar as motivações que levam os atores a organizarem-

se socialmente no mundo; e) afirma que não existe a possibilidade de termos um

conhecimento objetivo dos atores, processos e do próprio mundo que nos cerca, porque para

os teóricos críticos não existe um mundo objetivo dissociado das construções sociais que

fazem parte deste e dos atores e observadores dessa realidade; f) o propósito da teoria não é

produzir conhecimentos objetivos e leis universais que reificam o mundo político e perpetuam

o status quo, mas sim a possibilidade de elaborar perspectivas e entendimentos contextuais

sobre os acontecimentos, além de produzir conhecimento prático.72

Partindo dessas inferências, pode-se afirmar que o período da Guerra Fria foi um

período que favoreceu a abordagem da problem-solving theory, porque foi um momento no

71 Id. 72 KRAUSE, Keith. Critical Theory and Security Studies: The Research Programme of ‘Critical Security Studies’. Cooperation and Conflict, v.33(3), 1998, p.298-333. Disponível em: <http://www.sagepub.com>. Acesso em 12 jul. 2008.

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qual se observou uma grande estabilidade no sistema internacional e um equilíbrio centrado

nas duas superpotências, o que dificultava a abordagem de teorias alternativas, uma vez que

estas não encontrariam equivalência na realidade. Agora no Pós-Guerra Fria, no momento do

grande interregno, encontram-se abertas as portas paras abordagens alternativas acerca de

uma nova ordem mundial complexa, dinâmica e multifacetada, na qual as antigas abordagens

sobre sistema internacional não mais se configuram suficientes como método de análise e

interpretação do mesmo.

Nesse sentido, de procurar uma nova abordagem e compreensão das relações

internacionais, após o fim da Guerra Fria, e conjuntamente para a disciplina da segurança,

pode-se afirmar que esse novo conjunto de conhecimento e reflexões – Critical Security

Studies – sobre a disciplina da segurança origina-se de três fontes: o crescente

descontentamento no corpo acadêmico com a predominância neorealista no meio; uma maior

ansiedade em responder aos problemas impostos por uma ordem mundial multilateral e

dinâmica sem ter que se utilizar para isso, de instrumentos anacrônicos da Guerra Fria; e a

percepção de que se faz necessária uma reorientação da subárea de segurança que traga

contribuições relevantes para a resolução dos problemas de segurança contemporâneos. 73

Os estudos críticos de segurança buscam ampliar e redefinir o conceito de segurança

de modo que ele possa corresponder a atual realidade internacional, em que o caráter das

ameaças mudou, mas os meios empregados para lidar com essas permanecem no passado da

Guerra Fria. Com isso, apontam para a necessidade de mudanças ontológicas e

epistemológicas para se desenvolver uma nova abordagem da segurança, e propõem também

uma ampliação na agenda da segurança de modo que esta não se concentre somente em

assuntos de high-politics. Uma ontologia voltada para as capacidades materiais e uma

metodologia positivista é assim que se apresenta o pensamento neorealista sobre a segurança

para os teóricos críticos, e é contra essa ontologia e epistemologia que eles vão desenvolver

sua nova área de estudos de segurança.

Dentro do pensamento neorealista os dois autores mais criticados por esta nova

abordagem da segurança são: Kenneth Walt e seu artigo “The Renaissance of Security

Studies” e John Mearsheirmer que são acusados de perpetuar o caráter de ciência objetiva, a

um campo de estudos que lida, acima de tudo, com as relações entre os homens, entre os

indivíduos, e por isso são apontados como responsáveis pela estagnação atemporal dos

estudos de segurança. Ao rejeitarem o papel da intersubjetividade e da interpretação no campo

73 Id.

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da segurança, esses autores deram primazia para a razão instrumental, reificando o objeto da

segurança.

No texto de Walt, “Renaissance of Security Studies”, tem-se um exemplo claro da

maneira como os autores neorealistas lidam com o campo da segurança, opondo-se a qualquer

ampliação da agenda da segurança que não seja a militar, uma vez que para eles essa

ampliação acabaria por esvaziar o conceito de segurança, pois, nessa perspectiva, os

problemas oriundos da degradação do meio-ambiente, da fome, da miséria, entre outros, são

problemas e problemas não são conceitos, logo não podem ser inseridos em uma nova agenda

de segurança.

Security Studies seeks cumulative knowledge about the role of military force. To obtain it, the field must follow the standard canons of scientific research: careful and consistent use of the terms, unbiased measurement of critical approaches, and public documentation of theoretical and empirical claims. Although no research enterprise ever lives up to these standards completely, they are the principles that make cumulative research possible. The increased sophistication of the security studies field and its growing prominence within the scholarly community is due in large part to the endorsement of these principles by most members of the field.74

Essa perspectiva contribui para a manutenção do status quo, pois sua agenda perpetua

uma concepção de segurança na qual o objeto referente central da segurança é o Estado que

deve ser defendido por meios ligados à lógica militar, lidando com questões de defesa

nacional e soberania estatal. O Estado é o principal responsável pelo provimento da segurança

de seus cidadãos tanto contra as ameaças internas como pelas externas, mas quando analisado

por outra perspectiva, como a do autor crítico Mohammed Ayoob, o Estado é na atualidade

uma fonte muito maior de insegurança do que segurança para os seus cidadãos,

principalmente dos Estados recém criados Terceiro Mundo.

É contra essa tentativa de manter o campo de estudos de segurança fechado para novos

temas e contribuições que os autores de uma abordagem crítica da segurança propõem às

seguintes reorientações na agenda da disciplina: repensar objeto referente central da

segurança; abandonar o enfoque da segurança como estritamente militar; propor um novo

método para se estudar a segurança, isto é, o pós-positivismo, com o intuito de entender o que

motiva as ações dos atores internacionais e a maneira como as ameaças foram construídas,

proporcionando, com isso, o desenvolvimento de meios mais eficazes para combatê-las e

propondo alternativas aos dilemas de segurança.

74 WALT, Stephen M. The Renaissance of Security Studies. International Studies Quartely, v. 35, n. 2, 1991, p.221-239. Disponível em : <http://links.jstor.org/sici?sici=0020-8833%28199106%2935%3A2%3C211%3ATROSS%3E2.0.CO%3B2-4>. Acesso em 07 mar. 2007.

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Dessa maneira, os estudos críticos de segurança compreendem a realidade como

socialmente construída, na qual instituições, relações sociais, e especialmente os temas de

poder e de ordem não podem ser observados com uma neutralidade objetiva que às apreende

como pré-existentes, dadas, e que acaba por contribuir para a manutenção da ordem de poder.

Sendo assim, buscam contestar as bases ideológicas do conhecimento, a importância da ética,

o papel dos intelectuais no campo dos estudos de segurança, com o intuito de desvelar as mais

profundas estruturas do conhecimento do poder. 75

1.2.1-O OBJETO DA SEGURANÇA.

O Estado tanto na sua forma política – aqui compreendida como soberania estatal –

quanto na territorial, configura-se como o objeto referente central dos estudos de segurança,

refletindo o predomínio neorealista e neoliberal nesta disciplina, e como resultado, temos a

preponderância do militarismo como método para lidar com as ameaças à figura estatal. Nessa

abordagem, a segurança torna-se sinônimo de cidadania, de pertencimento a um Estado

garantidor da segurança que é definida com relação a aquilo que não pertence a essa unidade

política, ou seja, tudo aquilo que lhe é exterior pode ser considerado como uma ameaça

potencial à sua unidade territorial e segurança nacional.

A soberania estatal e os interesses nacionais são os conceitos centrais na abordagem

tradicional de segurança, na qual o Estado aparece como a instituição garantidora dos valores

da paz, segurança, ética e moral, entre outros, e principalmente possuidora de um grande

poder de mobilização de recursos para essa entidade. Esse poder em mobilizar recursos, deve-

se a centralidade do poder estatal que é antes de mais nada uma representação do modelo

contratual de Thomas Hobbes, pois uma vez que os homens estariam imersos em uma guerra

de “todos contra todos”, a única alternativa de constituir-se a paz e evitar a destruição de

todos seria ceder todo o poder, o de polícia e de violência, principalmente, para uma entidade

que fosse capaz de aplicá-lo de maneira justa, o Estado.

O que coloca o Estado como objeto referente central da segurança é o seu monopólio

da violência organizada, sua capacidade de responder não somente às ameaças externas por

meio da força, mas também seu poder de garantir a ordem entre seus cidadãos que ao estarem

submersos em um constante dilema de segurança interno necessitam da instituição estatal para

75 BOOTH, Ken. Dare not to Know: International Relations Theory versus the Future. In: International Relations Theory Today. Pennsylvania: The Pennyslvania State University Press, 1997.

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impor leis e limites na esfera doméstica. O medo da morte é o que uni os homens – pela ótica

hobbesiana – em unidades políticas, mas os teóricos da segurança que partem dessa posição se

esquecem de procurar entender qual é a fonte desse medo e não compreendem que este varia

contextualmente.

A anarquia estrutural do sistema internacional é, no neo-realismo, a fonte de todas as

incertezas e inseguranças, porque é desse sistema que surgem as ameaças ao Estado Nacional,

fazendo com que as relações internacionais sejam compreendidas como um frágil equilíbrio

de poderes entre Estados, sendo que uma alteração nessa balança desencadearia conflitos.

A guerra de todos contra todos é transposta, assim, para a arena internacional, sendo

que as ações dos Estados vizinhos são interpretadas como uma constante ameaça à soberania,

de modo que cálculos estratégicos devem estar sempre na ordem do dia, mesmo que pautados

em visões preconceituosas e errôneas sobre o que motivou as ações dos outros governos. Pois

o outro, o diferente representa uma fonte constante de inseguranças, sendo esse um dos

grandes problemas da identidade. A identidade é, em grande medida, um conceito excludente,

pois a sua definição já pressupõe a exclusão da diferença do outro em relação ao que ele não

é, quando comparado ao “eu”, ao meu grupo.

Desse modo, os Estudos Críticos de Segurança contestam o domínio do Estado como

objeto referente central da disciplina, buscando uma maior inserção de temas na agenda de

segurança. Porém, a simples inserção de novos temas na agenda não implica em uma

abordagem crítica da segurança, pois novos temas podem ser inseridos sem interferir na

maneira como a segurança é conceptualizada, sem propor uma reflexão mais profunda sobre o

quadro conceitual em questão, e mantendo o método militar como resposta, ainda que

anacrônica a essas novas questões. Ampliar a agenda de segurança é também ampliar o

conceito de segurança.

Jef Huysmans discorre que é necessária uma maior reflexão acerca do significado da

segurança, para não restringir as mudanças no campo somente à inserção de novos temas na

agenda, pois para ele ainda existe uma falta de interesse acerca do conceito de segurança, que

para ele é a agenda em si, ou seja, explorar o significado da segurança é a própria agenda de

segurança, e não uma ferramenta que ajudaria na formulação desta. 76

76 HUYSMANS, JEF. Security! What DoYou Mean?: From Concept to Thick Signifier. European Journal of International Relations, v.4, 1996, p.226-255. Disponível em: <http://ejt.sagepub.com/cgi/content/abstract/4/2/226>.Acesso em 30 nov. 2007.

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Autores neo-realistas, como Setephan Walt, reconhecem a existência de problemas

que não estão ligados à lógica militar e que podem afetar os indivíduos e os Estados,

demandando atenção das autoridades, mas afirmam que inseri-los na agenda de segurança

seria um erro, pois esvaziariam o conceito de segurança, uma vez que todos os problemas são

questões de segurança, esta correria o risco de tornar-se sem sentido, como fica claro na

seguinte passagem:

Because nonmilitary phenomena can also threaten states and individuals, some writers have suggested broadening the concept of ‘securiy’ to include topics such as poverty, AIDS, environmental hazards, drug abuse, and the like (Buzan, 1983; N. Brow, 1989). Such proposals remind us that nonmilitary issues deserve sustained attention from the scholars and policymakers, and that military power dos not guarantee well-being. But this prescription runs the risk of expanding ‘security studies’ excessively; by this logic, issues such as pollution, disease, child abuse, or economic recessions could all be viewed as threats to ‘security’. Defining the field in this way would destroy its intellectual coherence and make it more difficult to devise solutions to any of these important problems.77

A ampliação da agenda, inserindo novos temas como o meio-ambiente, a miséria e a

imigração, por exemplo, não necessariamente traz uma contribuição crítica e diversificada

para a matéria de segurança internacional, porque muitas vezes essas novas ameaças são

pensadas dentro da lógica da segurança nacional; isto é, o meio-ambiente seria responsável

por guerras entres unidades políticas na busca de maiores recursos para suas populações, ou

até mesmo um conflito na qual a água seria o problema central; no caso da miséria, esta faria

grandes contingentes populacionais se deslocarem na busca de melhores condições de vida, o

que geraria represálias por parte dos Estados mais ricos.

Em suma, apesar da diversificação dos temas na agenda de segurança, ainda corre-se o

risco de se pensar esta em termos tradicionais, pois a degradação ambiental desencadearia

conflitos interestatais violentos, o que não desafia a maneira como o objeto da segurança é

construído. Essa rigidez na forma de lidar com as novas ameaças deve-se em grande medida

ao estreitamento da disciplina de segurança no quadro da Guerra Fria, que se tornou

estritamente militarizada. O objeto da segurança era tratado – e ainda o é dentro da lógica

neorealista – como pré-existente, como dado, existindo uma separação radical entre a ameaça

e o objeto, no qual os interesses estatais já estão formulados fixamente. 78

77 WALT, op.cit.,p.213. 78 KRAUSE, Keith. Critical Theory and Security Studies: : The Research Programme of ‘Critical Security Studies’. Cooperation and Conflict, v.33(3), 1998, p.298-333. Disponível em: <http://www.sagepub.com>. Acesso em 12 jul. 2008.

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No que se refere à inserção do meio-ambiente na agenda de segurança, Daniel

Deudney compreende que existe a possibilidade dos recursos naturais se tornarem fonte de

conflitos e guerras futuras, mas acredita que a probabilidade de que isso ocorra é muito

pequena. Deudney discorre que devido ao fato da figura estatal e das guerras intra-estatais

estarem sempre no centro do mundo político e da geopolítica, existe uma forte convergência

em torno de pensar-se o meio-ambiente em termos de segurança nacional, tentando encaixar

os possíveis conflitos por recursos naturais em moldes de guerras intra-estatais. 79

Deudney aponta que o foco da segurança nacional, a violência interestatal, não possui

nenhuma relação com os problemas ambientais e muito menos com a maneira como esses

devem ser solucionados. Para este autor, existem três motivos pelos quais não é provável que

a degradação ambiental ocasione guerras intra-estatais: a primeira razão é que com o

incremento nos fluxos comerciais que facilitam as trocas mundiais, a possibilidade da

dependência dos Estados para com recursos naturais como ameaça à sua soberania política e

segurança militar não mais existem; o segundo motivo é que as chances de uma guerra ser

travada tendo como causa disputa por recursos naturais são ínfimas, pois segundo Deudney,

os Estados não se arriscariam, na atualidade, em uma guerra de conquista, uma vez que o

custo de subjugar uma população inteira seria muito alto e afetaria enormemente a

consciência nacional; e a terceira razão seria o fato da humanidade ter chegado na “era em

que tudo pode ser substituído” 80, momento em os complexos industriais são capazes de

transformar qualquer recurso em tudo o que precisemos, e para tal ele cita alguns como o

ferro, o silicone, hidrocarbonetos e o alumínio como sendo matérias abundantes e passíveis de

serem encontradas em todo lugar e convertidas em tudo que os homens precisam. 81

Os fundamentos da segurança nacional seriam, então, incompatíveis com os valores

universais e comunitários que estão ligados às organizações e aqueles que procuram proteger

o meio-ambiente contra a degradação, todavia, esta visão de Daniel Deudney é passível de

contestação não só por teóricos da segurança nacional, como também por alguns teóricos

críticos que poderiam considerá-la demasiadamente utópica e não correspondendo a realidade

do mundo atual. Além disso, essa abordagem não propõe uma reconceptualização do conceito

de segurança e com isso acaba por não apontar uma alternativa para como os problemas

79 DEUDNEY, Daniel. The Case Against Linking Environmental Degradation and National Security. Millennium – Journal of International Studies, v.19, n.3, p.461-476. Disponível em: <http://mil.sagepub.com/cgi/reprint/19/3/461>. Acesso em 12 jun. 2008. 80 “Age of Substitutability”. 81 DEUDNEY, op. cit.

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ambientais devem ser tratados de modo a não desencadearem conflitos intra-estatais, em

linhas gerais, Deudney é contra o processo de securitização do meio-ambiente.

Pode-se, assim, afirmar que os estudos críticos de segurança, ao contrário das

abordagens tradicionais, irão se ocupar das questões de “como?” o objeto foi constituído

tendo como referência “quais?” ameaças, já que entende todo o processo das relações

internacionais como socialmente construído e não como um sistema estático no qual até

mesmo as identidades são tidas como fixas. A questão central aqui é como o objeto da

segurança é construído, ou, mais precisamente, como ele deveria ser construído em uma

realidade Pós-Guerra Fria? A reposta a essa pergunta só pode surgir por meio de uma nova

epistemologia interpretativa e uma ontologia da segurança que leve em consideração não

somente as capacidades materiais, mas também o papel das idéias, da cultura e dos interesses

como constituidores de um novo objeto para a segurança.

Alguns autores adoram uma postura diferente no que se refere à ampliação da

agenda de segurança e na redefinição do objeto central desta, Barry Buzan que se define como

um widener e não de um teórico crítico da segurança, buscando diferenciar-se deste. 82

Wideners é assim que são chamados os autores que são partidários de uma agenda de

segurança com uma maior diversidade de temas, mas que não buscam uma

reconceptualização do conceito de segurança. Nas palavras de Buzan:

I am a widener, but have been skeptical about the prospects for coherent conceptualization of security in the economic and environmental sectors. I have argued for retaining a distinctively military sub-field of strategic studies within a wider Security Studies.83

Repensar o objeto central da segurança envolve também a complexa delicada relação

entre estudos de segurança e estudos estratégicos, pois durante a Guerra Fria a segurança era

pensada em termos de estudos estratégicos e agora, com a influência pós-positivista no campo

das relações internacionais e o surgimento de novas ameaças, busca-se pensar em uma área

mais ampla de segurança internacional na qual estariam inseridos os estudos estratégicos

como subárea, de modo que o foco militar permaneceria neste último, permitindo um

alargamento na agenda da segurança.

Nos Estudos Críticos de Segurança existe a intenção de colocar o indivíduo como

objeto referente central, tirando assim o enfoque do Estado soberano, porque a segurança é

82 Rethinking Security after de Cold War. Cooperation and Conflict, v. 32, n.5,1997.Disponível em: <http://www.cac.sagepub.com/cgi/content/abstract/32/1/5>. Acesso em 30 nov. 2007. 83 Id.

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uma condição usufruída principalmente pelos indivíduos, de modo que eles devem ter

primazia no momento de se pensar o referencial sobre o qual esta ameaça está sendo

construída, além disso, concentrar-se na segurança do indivíduo torna visível o seu conflito

com a segurança estatal. 84

Ao colocar-se o indivíduo como objeto central da segurança, tem-se a mudança

conceitual necessária para se submeter o Estado ao escrutínio de suas instituições. Nessa

perspectiva, abre-se caminho para de três modos de análise distintos, porém complementares:

o indivíduo enquanto pessoa; o indivíduo como cidadão; e o indivíduo como objeto da

segurança. 85

É importante, contudo, ter em consideração o fato de que os indivíduos devem ser

estudados levando-se em conta seu contexto histórico e social, tomando o cuidado de não

tratá-los como sujeitos abstratos e principalmente, compreender que o Estado não é a única

fonte de segurança para com seus cidadãos, pelo contrário, muitas vezes ele não só é a fonte

maior de inseguranças, como não se apresenta de maneira legítima perante seus cidadãos.

O indivíduo enquanto pessoa levanta discussões acerca do papel do Estado como

garantidor e promotor dos direitos humanos, uma vez que essa instituição possui o poder de

promover a segurança de seus membros. A proteção da comunidade de indivíduos dentro de

um Estado, porém, nem sempre conta com o apoio deste, o que vai trazer a tona o choque

entre os direitos do cidadão e os direitos humanos para com atitudes arbitrárias dos Estados,

como por exemplo, a tortura, prisões arbitrárias, supressão de nacionalismos e conflitos

étnicos entre outros. 86

O indivíduo como cidadão traz uma contribuição central para os estudos de segurança

e que tem sido obscurecido pelo pensamento neorealista: o Estado, na grande maioria das

vezes, é a fonte de insegurança de seus próprios cidadãos, e não os agentes externos como tem

sido proclamado pelos neo-realistas. Os Estados que surgiram ao final da Segunda Grande

Guerra mundial ainda se encontram em um processo de state-building, no qual muitas de suas

instituições não estão totalmente consolidadas, abrindo caminhos para incertezas políticas,

instabilidade social e conflitos entre as diferentes etnias e segmentos sociais que compõem

esses novos Estados. 87 A grande maioria dos novos Estados não possui as estruturas básicas

84 KRAUSE, Keith; WILLIAMS, Michael. From Strategy to Security: Foundations of Critical Security Studies. In: WILLIAMS, M.; Krause, K. (Org.) Critical Security Studies: Concepts and Cases. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997. 85 Id. 86 Id. 87 AYOOB, Mohammed. Defining Security: A Subaltern Realist Perspective. In: WILLIAMS, M.; Krause, K. (Org.) Critical Security Studies: Concepts and Cases. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997.

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para proporcionar uma vida digna aos seus cidadãos, e quando as reivindições destes

ameaçam a estabilidade do governo, a própria cidadania é usada como desculpa para ações

repressivas e violentas dos governos sobre seus cidadãos.

A terceira abordagem do indivíduo é como objeto da segurança e compreende este

como membro de uma comunidade global que partilha das mesmas normas e valores

universais, o que permite um maior engajamento com temas globais, ou seja, permite uma

maior interação com as novas ameaças que surgem em um mundo cada vez mais

interdependente. 88 Questões como o meio ambiente, a pobreza, a fome e a imigração quando

compreendidas tendo como referência o indivíduo – como sendo capazes de causar dados ao

indivíduo, ou até mesmo gerar grandes catástrofes que atinjam toda a humanidade – impelem

uma reorientação ao objeto da segurança. A segurança passa a ser pensada tendo como

referencial a salvaguarda do indivíduo e não do Estado, porém não se deve deixar de lado o

potencial de violência que pode ser gerado por meio de conflitos interestatais.

O indivíduo como objeto referente central traz para os estudos de segurança análises

relacionadas a questões de identidade e comunidade, uma vez que o indivíduo não pode ser

analisado sem ter em conta essas duas questões, caso contrário corre-se o risco de lidar-se

com um sujeito abstrato, sem relação nenhuma com o meio a qual pertence.

Individual security cannot be severed from the claims of group and collective structures within which individuals find their identity and through which they undertake collective projects.89

Desse modo, para se repensar o objeto da segurança faz-se necessário, um

aprofundamento e um alargamento do conceito de segurança, o que Krause chama de

“broadening and deepening”, para que se possa compreender quem/ o quê está sendo tratado

como objeto da segurança e em relação à quais ameaças esse objeto é pensado. 90 Para os

Estudos Críticos de Segurança o objeto da segurança e a ameaça não podem ser entendidos

separadamente, pois ambos são socialmente construídos e inseridos em contextos históricos,

ou seja, o conceito de segurança também deve variar no decorrer do tempo, para corresponder

ter correspondência com as múltiplas realidades.

88 KRAUSE, Keith; WILLIAMS, Michael, op. cit. 89 Id. p.44. 90 KRAUSE, Keith; WILLIAMS, Michael. Broadening the Agenda of Security Studies: Politics and Methods. International Studies Review, v.40, n. 2, 1996, p.229-254. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/222776>. Acesso em 25 abr. 2008.

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1.2.2 - A CONSTRUÇÃO DAS AMEAÇAS

Como foi exposto anteriormente, a construção das ameaças está intimamente

relacionada com o modo pelo qual o objeto da segurança é construído, isto é, para

compreender o “como” dessas ameaças terem sido constituídas faz-se necessário uma

interpretação partindo de uma realidade dinâmica e plural. Com isso, intenta-se romper com

visão de mundo neo-realista, que concebe o concebe o mundo a nossa volta como um sistema

estático e que deve ser encarado objetivamente, no qual as ameaças são oriundas do sistema

de auto-ajuda que surge da política de poder entre as nações.

É importante reiterar que esse movimento no sentido de tratar a realidade como

socialmente construída, só é possível por meio de mudanças epistemológicas e ontológicas na

maneira de se estudar a disciplina. Romper com o positivismo, esse é o passo principal para o

entendimento da questão aqui desenvolvida e esta ruptura leva, consequentemente, a uma

nova ontologia da segurança internacional. Porém é importante ressaltar que os teóricos

críticos não são radicalmente contra a objetividade, pelo contrário, eles entendem que certo

grau de objetividade é importante, mas que esta não deve ter primazia e muito menos anular o

papel da intersubjetividade.

Positivist thinking has informed many approaches in International Relations, including

Peace Research as well as Realism, so it is not the prescriptions that have been at

issue, but the method.91

Compreender como as ameaças foram construídas e fomentadas por quais intenções –

para um teórico crítico – é entender que estas estão inseridas em contextos históricos,

políticos, sociais e culturais, dos quais não podem ser separadas e principalmente, que estão

relacionadas ao papel das idéias enquanto agentes geradores de interesses. A realidade para

esses autores é uma construção social, de maneira que a estrutura social não é formada,

somente, por capacidades materiais, pelo contrário, esta também é constituída por idéias e

valores comuns que geram práticas e expectativas compartilhadas, além de possuírem

elementos e entendimentos subjetivos, bem como conhecimentos partilhados. Isso significa

que a capacidade de um Estado em mobilizar recursos para a aplicação da violência em larga

escala não é o ponto mais importante para se analisar a construção das ameaças.

Dessa maneira, as ameaças não surgem apenas das capacidades materiais de um

Estado, devendo-se levar em consideração o modo como este se relaciona no sistema

91 BOOTH, Ken. A Reply to Wallace. Disponível em: <http://www.sagepub.com>. Acesso em 24 nov. 2007.

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internacional, bem como as intenções e ações deste e das outras unidades estatais, entre outros

fatores. Os estudos críticos de segurança partem do princípio de que conhecendo as

construções sociais que dão forma às ameaças, pode-se construir respostas e métodos mais

eficazes e atuais para lidar com estas, pois a ameaça e a reposta, ao perigo que aquela imprimi

em um meio, estão intimamente relacionadas.

Muitas pesquisas foram realizadas com intuito de mostrar como a ameaça soviética foi

socialmente construída, durante a Guerra Fria, por meio de discursos que moldaram uma

visão de uma Ex-URSS como totalitária e aspirante ao poder em escala global, representando

assim uma ameaça para as sociedades ocidentais. 92 Os teóricos críticos da abordagem

tradicional da segurança afirmam que na construção da ameaça soviética, as capacidades

materiais deste Estado na verdade não desempenharam nenhum papel expressivo, uma vez

que não era possível saber qual eram as reais capacidades militares da Ex-URSS, os dados na

verdade não passavam de especulações construídas dentro de uma ótica etnocêntrica. Essas

especulações acerca do arsenal do inimigo foram responsáveis por moldar os argumentos que

foram inter-relacionados nos discursos que construíram a ameaça soviética.

Outro ponto bastante explorado por esses autores é sobre como, no período da Guerra

Fria, a linguagem sobre o debate nuclear foi construída, o nukspeak, e como este debate foi

capaz de tornar um tema tão delicado como as armas nucleares em um assunto comum, isto é,

normalizou as políticas nucleares, assim como também permitiu que oponentes fossem

subestimados, neste contexto, promovendo políticas nucleares particulares. 93 O poder do

discurso tem sido subestimado pelos autores neorealistas e neoliberais, que não conseguem

compreender o papel deste na configuração das ameaças, e isso se deve a rejeição destes ao

poder e papel que a interpretação representa na produção do conhecimento.

The neglect by neorealist security studies of the crucial role that interpretation plays in their own arguments and the implications this has for their claims to objectivity is difficult to explain, except, perhaps, by the eagerness to gain the disciplining power conveyed by the mantle of science.94

Ao contrário dessa perspectiva neorealista dos estudos de segurança, os teóricos

críticos desta abordagem querem quebrar com essa busca incessante pelo o manto da ciência,

e por isso voltam suas pesquisas para as questões de “como” e “por que” essas ameaças foram

construídas, e principalmente, intentam compreender a construção social das ameaças dentro

92 KRAUSE; WILLIAMS. op. cit. 93 Id. 94 Id., p. 248.

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de cada contexto histórico com o intuito de propor cenários alternativos para o passado e

futuro.

Os teóricos críticos da segurança querem saber como as coisas poderiam ter sido

diferentes se as escolhas políticas fossem outras, todavia essa reconsideração e reinterpretação

do passado na busca por cenários alternativos não deve ser compreendida em termos de

nostalgia do que poderia ter sido e não foi, uma vez que existe uma grande preocupação com

os processos políticos pelos quais as práticas foram e podem ser modificadas.

1.2.3 - ALTERNATIVAS PARA O DILEMA DE SEGURANÇA.

Os estudos críticos de segurança buscam por meio da pesquisa, da relação entre teoria

e prática, criar alternativas para o dilema de segurança dos realistas que fazem com que as

relações internacionais sejam reduzidas a um jogo de soma zero, uma vez que os Estados,

nessa perspectiva, relacionam-se em uma ordem anárquica tentado sempre maximizar seu

poder para contrabalancear o de um possível inimigo. O dilema de segurança acaba por

representar o sistema internacional com uma constante luta pela sobrevivência, em um cenário

de constante insegurança.

A Guerra Fria com seu frágil equilíbrio de poder entre as duas grandes superpotências

criou uma estagnação nos estudos de segurança que se refletem na contemporaneidade pela

presença do dilema de segurança como peça central das relações de poder. Na lógica da

Guerra Fria que era baseada em uma constante corrida armamentista pelos EUA e a EX-

URSS fazia sentido pensar em um jogo de poder em que o ganho de uma das superpotências

representaria uma grave ameaça e retrocesso para outra. Todavia, é importante compreender

que esta situação correspondia a determinado contexto histórico, diferente do atual, em que as

relações internacionais contam a participação de inúmeras nações, além de contar com uma

gama de novas ameaças e atores que se apresentam diante dos Estados.

Em que pese o fato do dilema de segurança ter possuído uma razão de ser dentro da

Guerra Fria, muitos teóricos críticos afirmariam que tanto esta quanto aquela foram

construções sociais de sua época, criadas por meio não só de discursos mas também de

decisões políticas, e por isso podem e poderiam ter sido pensados de maneira diferente. Os

Estados não precisam necessariamente aumentar seus recursos matérias com vistas a

contrabalançar o poder o Estado vizinho, pois para os teóricos críticos existem alternativas

que podem levar à cooperação entre estes, reduzindo o possível prejuízo oriundo de políticas

ofensivas.

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Para os autores da segurança, existem novas abordagens que conseguem fazer uma

contribuição no sentido de melhorar o dilema de segurança entre os Estados, porém ainda

permanecem em um quadro conceitual neorealista, sem representar nenhuma superação da

política de poder. 95 Os teóricos que permanecem dentro da ótica neo-neo não conseguem

compreender a superação deste dilema, e muito mesmo por meio da cooperação entre as

unidades estatais.

A cooperação por ser sustentada em conhecimentos compartilhados e expectativas

mútuas pode aparecer como configuradora de um sistema internacional mais pacífico e em

que o resultado das políticas estatais não aparece somente como negativo, mas sim somando

ao todo da sociedade internacional por meio da criação de valores comuns.

Desse modo, os estudos críticos de segurança apontam para a necessidade de uma

sociologia da segurança internacional que leve em conta questões tais como a identidade, a

cultura, a linguagem, entre outros aspectos sociais que são tomados como dados pelos estudos

tradicionais de segurança – não variáveis – bem como o tempo e o espaço no qual estão

inseridas, trazendo assim contribuições para essa disciplina ao permitir uma

reconceptualização do conceito de segurança e consequentemente, a criação de alternativas

para os antigos dilemas estratégicos dos Estados.

95 KRAUSE, Keith. Critical Theory and Security Studies: The Research Programme of ‘Critical Security Studies’. Cooperation and Conflict, v.33(3), 1998, p.298-333. Disponível em: <http://www.sagepub.com>. Acesso em 12 jul. 2008.

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CAPÍTULO 2

SEGURANÇA E ESTRATÉGIA: UMA NOVA PERSPECTIVA.

2.1 – OS ESTUDOS ESTRATÉGICOS.

Os estudos estratégicos adquiriram um enorme destaque no contexto da Guerra Fria,

fazendo com que a grande parte da produção intelectual da época, sobre a sub-área de

segurança internacional, estivesse fortemente impregnada pelo arcabouço conceitual realista,

bem como da maneira positivista de produzir conhecimento, ou seja, tentando impelir não

somente à disciplina das relações internacionais, mas também ao campo da segurança

internacional o caráter de uma ciência exata, objetiva.

O Estado, no campo dos estudos estratégicos, aparece como objeto referente central da

segurança, que é pensada em termos de segurança nacional e interesses nacionais, atribuindo

uma grande importância à soberania estatal e com um foco estritamente militar. Esta visão,

com o termino da Guerra Fria sofreu e ainda sofre severas críticas por parte de acadêmicos

adeptos de uma conceitualização mais crítica da segurança. De acordo com Rita Floyd a área

de segurança é mais frequentemente exposta à contestação pelo fato do significado da

segurança não ser ontologicamente pré-concebido. 96

Com o fim da Guerra Fria as relações transnacionais e regionais receberam um forte

impulso, e as fronteiras nacionais não mais se configuram como obstáculos para a livre

circulação de pessoas, coisas, capital e principalmente informações. A redução do papel do

Estado no contexto internacional – e para alguns, até mesmo o fim do Estado enquanto

instituição soberana – colocou em cheque o objeto referente central da segurança.

Nesse contexto, de reorientação das relações internacionais bem como das relações de

poder, emergem os estudos críticos de segurança que postulam que as grandes rupturas

conceituais não se devem a livros ou a grandes eventos – como a queda do Muro de Berlim –

96 FLOYD, Rita. Towards a consequialist evaluation of security: bringing together the Copenhagen and the Welsh school of security studies. Review of International Studies, v.37, p.350-327. Disponível em: <http://journals.cambridge.org/download.php?file=%2FRIS%2FRIS33_02%2FS026021050700753Xa.pdf&code=b62399c16a08411d3f42f347c677729f>. Acesso em 30 mai 2007.

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mas sim às trocas acadêmicas realizadas em encontros e debates, da contingência da vida e

das condições materiais. 97

Os estudos de segurança crítica ou Critical Security Studies (CSS) estão concentrados

na Europa, isto é, são eurocêntricos e estão relacionados com as especificidades históricas

desse continente, principalmente nos anos da Guerra Fria em que importantes estudos sobre a

paz e a segurança foram desenvolvidos, com destaque para John Galtung e Dieter Senghaas.98

Em contrapartida, os estudos estratégicos estão concentrados nos Estados Unidos da América

(EUA), onde não há muitos debates acerca dos estudos de segurança, existindo, na verdade,

um debate intra-realista entre realismo defensivo e realismo ofensivo. 99 Pode-se afirmar que

os debates sobre segurança que ocorrem na Europa são reflexivistas, enquanto que os norte-

americanos partem de uma perspectiva racionalista na qual o dilema da segurança é pensado

em moldes de soma zero. Todavia, a construção da segurança dentro da Escola de

Copenhagen mostra-se de tão modo estável que não se pode negar-lhe certa objetividade, o

faz com que sua característica reflexivista seja abrandada.

Pensar criticamente a segurança, a realidade social, significa não tomar como verdades

prontas e acabadas todo e qualquer tipo de conhecimento que nos é passado, ou seja, fomentar

um pensamento independente. Nesse sentido, três escolas européias destacam-se dentro

debate sobre as novas concepções de segurança, são elas: Aberystwyth, Paris e Copenhagen.

Entretanto, o rótulo de “escolas” é feito apenas para situar os autores e debates

geograficamente, mais do que para expressar um pensamento unitário. 100 Um ponto

importante é a concepção que os autores dessas escolas possuem da relação entre a pesquisa e

a política, pois para eles a pesquisa não está de maneira alguma dissociada de intenções

políticas, e eles, enquanto autores são responsáveis por falar e escrever a segurança, fato que

impele transformações à realidade e a concretização de projetos políticos. 101

Sob o rótulo de “Escola de Copenhagen” estão os seguintes autores: Barry Buzan, um

construtivista realista da Escola Inglesa com raízes no pensamento estratégico, Ole Waever

que se auto-intitulou como um realista pós-estruturalista e com forte influência de Jacques

Derrida e Henry Kissinger, e também Jaap Wilde. 102

97 COLLECTIVE, c.a.s.e. Critical Approaches to Security in Europe: a networked manifesto. Security Dialogue vol. 37, p.487-443.Disponível em: <http://sdi.sagepub.com/cgi/content/abstract/37/4/443>. Acesso em 15 de mai 2007. 98 Id. 99 WAEVER, OLE. Aberystwyth, Paris, Copenhagen New ‘Schools’ in Security Theory and their Origins between Core and Periphery. 2004. Disponível em: <www.isanet.org>. Acesso em 25 mai.2007. 100 COLLECTIVE, op. cit, p.444. 101 FLOYD, op. cit, p.336. 102 COLLECTIVE, op. cit, p.452.

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Ole Waever aponta que o pensamento da Escola de Copenhagen pode ser

compreendido por meio das seguintes ferramentas conceituais: a teoria da securitização103, os

setores de segurança e a teoria do complexo regional, e afirma que a teoria da securitização é

o ponto mais importante para o entendimento da proposta da escola, mas ressalta que não se

pode perder de vista a importância da interação entre esses conceitos. 104

2.2 - O ETNOCENTRISMO NO PENSAMENTO ESTRATÉGICO.

A estratégia, no decorrer de todo o seu desenvolvimento enquanto disciplina e prática,

tem sido marcada fortemente pelo etnocentrismo, isto é, as tradições e visões culturais que

trazemos arraigadas convertem-se em prejuízo para o desenvolvimento do conhecimento no

plano estratégico, uma vez que acabamos por agir sem neutralidade e orientados por nossos

preceitos na hora de estudos os passos de nossos inimigos. A securitização é um processo

muito importante pelo qual se pode compreender como o discurso da segurança e estratégia é

construído, levando em conta somente os preceitos dos atores securitizados.

Securitização é o processo pelo qual determinado objeto referente é tratado como uma

ameaça existencial, retirando-o da esfera política de modo a legitimar ações fora dos

procedimentos legais do Estado, isto é, uma politização105 extremada. 106As unidades

envolvidas no processo de securitização são: a) os objetos referentes, que são aqueles que

podem ser considerados como ameaçados e passíveis de serem transformados em questões de

segurança; b) os atores securitizados são os que declaram, por meio do discurso, que

determinado objeto referente é uma questão de segurança; c) os atores funcionais, que é uma

categoria intermediária às outras duas, porém sem perder o seu poder de influência, pois são

estes que concordam ou não com a securitização proposta pelos agentes, embora em muitos

casos esta seja transformada em um discurso único e coercitivo. 107

A securitização é baseada no manuseio do poder, do poder da elite que declara que

determinado objeto referente é uma ameaça, retirando-os da esfera política de debates de

modo a justificar ações fora das fronteiras dos Estados e muitas vezes desrespeitando os

princípios democráticos e até mesmo os direitos humanos. No campo da teoria da

103 A teoria da securitização foi elaborada por Ole Waever. 104 WAEVER, op. cit, p.9 105 Entende-se por politização o processo pelo qual um determinado assunto é transformado em política pública, demandando medidas governamentais e alocação de recursos. 106 BUZAN, WAEVER, WILDE. Security: a new framework for analysis. London: Lynne Rienner Publishers, 1998. 107 Id.

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securitização há também o conceito de desecuritização, uma vez que a segurança é um

conceito negativo – pois é reflexo da falha na esfera política de tomada de decisões – a

securitização pode passar pelo movimento de desecuritização que aparece como uma maneira

de limitar o discurso da segurança e evitar, ao máximo, medidas de exceção. 108

Desecuritizar é fazer com que determinado objeto referente saia da esfera pública de

debates e seja despolitizado configurando-se em uma desecuritização negativa, porém, caso o

dado objeto permaneça na esfera política, na agenda política, a desecuritização será positiva,

uma vez que o objeto ainda é foco de atenção (apesar de não mais ser tratado como matéria de

segurança). 109 Infere-se então que a desecuritização cabe não somente aos atores

securitizados, como também aos pesquisadores e profissionais da segurança, porque as ações

e escritos desses possuem impactos no modo de enxergar e entender as coisas que nos

ameaçam, mesmo que eles não tenham essa intenção.

A outra ferramenta de análise da Escola de Copenhagen é a teoria dos complexos

regionais que postula que algumas unidades políticas estão tão conectadas, integradas, assim

como seus processos de securitização e desecuritização, que suas questões de segurança não

podem ser analisadas e, muito menos, resolvidas separadamente umas das outras. 110 Para a

Escola de Copenhagen a dinâmica gerada pelos complexos regionais pode ser percebida por

meio de uma análise orientada para os níveis regional, inter-regional e global, possuindo uma

dimensão que incorpora a relação amigo/inimigo, relação essa que será responsável pela

maior afinidade ou não entre países de uma mesma região, fazendo com que do conflito surja

a cooperação que se exteriorizará na institucionalização e normatização de um complexo

regional, como é o caso, hoje, da União Européia (UE).111

A terceira idéia desenvolvida pela Escola de Copenhagen é a noção de setores, que

não mais restringe a segurança ao setor militar, apontando a existência dos setores econômico,

ambiental, social e político da segurança, que são passíveis de serem securitizados de acordo

com a intenção do ator securitizado. Desse modo, têm-se a construção social das ameaças e

da segurança, o que faz com que a Escola de Copenhagen tenha uma grande influência da

teoria construtivista das relações internacionais, uma vez trabalha com a criação de

identidades coletivas que são parte importante de qualquer setor de uma sociedade.

108 WAEVER, op. cit., p.13. 109 FLOYD, op. cit., p.343. 110 BUZAN,1991, apud WAEVER, 2004, p. 20. 111 COLLECTIVE, c.a.s.e. Critical Approaches to Security in Europe: a networked manifesto. Security Dialogue vol. 37, p.487-443. Disponível em: <http://sdi.sagepub.com/cgi/content/abstract/37/4/443>. Acesso em 15 de mai 2007.

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O setor social é o maior responsável pelo mal-estar causado nos pesquisadores sobre

as novas abordagens de segurança, dentro da teoria de securitização, pois a segurança social

arrisca legitimar uma política de segurança não-estatal, ou seja, uma vez quer todos podem

realizar o “speech act” em nome da segurança da sociedade – declarar determinado objeto

referente como questão de segurança – isso acaba incorrendo em uma deslegitimização do

Estado enquanto agente protetor da sociedade. 112

Nessa perspectiva de construção social da segurança, assim como das ameaças, a

securitização pode ser entendida como um processo de significação, pois por meio de um

discurso atribui-se significação a uma dada realidade, sendo que nesse ponto a identidade é

tratada como uma entidade mais estável, pois por mais fluída que seja essa será congelada

pelo movimento de securitização. 113

2.3 - CLAUSEWITZ E O DISTANCIAMENTO DA ESTRATÉGIA PARA COM O

POLÍTICO.

É nos estudos de Richard Wyn Jones, da Escola de Aberystwyth, que se começa a

esboçar uma crítica a maneira como a estratégia é concebida e praticada na atualidade, isso

significa dizer que os responsáveis pelos cálculos estratégicos dos Estados, na atualidade,

acabaram por se distanciar da concepção clássica da estratégica, desenvolvida em vários

autores, entre eles o de maior destaque, Carl von Clausewitz. Nesse sentido, acabam

utilizando a estratégia como próprio meio e fim para o ato da guerra, de modo que sua

dimensão política desapareceu nas ações atuais dos Estados.

Aberystwyth ou Escola de Gales está fortemente relacionada à Teoria Crítica que se

fundamenta na Teoria Marxista. A Teoria Crítica foi desenvolvida pela chamada Escola de

Frankfurt que tem como proposta central emancipar o indivíduo de uma falsa consciência

imposta pelo modo positivista de produzir conhecimento e que busca objetivar demais a

realidade, propondo, assim, uma teoria reflexivista. Richard Wyn Jones e Ken Booth são os

principais nomes da Escola de Aberystwyth e postulam que a emancipação do indivíduo é o

ponto central para a criação de segurança. 114

112 HUSYMANS, Jef. Defining Social Constructivism in Security Studies: the normative dilemma of writing security. Disponível em: <http://download72.mediafire.com/tmoi0o3hlszg/f94mktbw6xh/huysmans+-+social+constructivism.pdf>. Acesso em 20 de ago. 2007. 113 COLLECTIVE, op. cit., p.453. 114 FLOYD, Rita. Towards a consequialist evaluation of security: bringing together the Copenhagen and the Welsh school of security studies. Review of International Studies, v.37, p.330. Disponível em:

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Para os autores da Escola de Gales o paradigma realista das relações internacionais

bem como a excessiva ênfase dada aos estudos estratégicos, não mais servem para explicar a

realidade do mundo pós-Guerra Fria, que para eles é uma realidade em que o sistema

westphaliano de soberania dos Estados desintegrou-se, passando a configurar-se em uma

comunidade global. O fim do Estado-Nação é visto de maneira extremamente positiva, pois

para Booth e Wyn Jones o Estado é a fonte de todas as inseguranças. 115

Para Ken Booth, a emancipação dos indivíduos é responsável pela verdadeira

produção de segurança, não concebendo relações de poder e ordem nessa perspectiva. 116 Ole

Waever discorre que os estudos de segurança crítica aproximam-se muito da agenda de

pesquisa crítica da paz de Galtung e Senghass, e que para Aberystwyth a segurança é

reorientada para indivíduo (segurança humana), abrindo caminho para uma concepção de

segurança que inclua tudo aquilo o conceito tradicional rejeitou. 117

Um ponto importante na Escola de Gales é a normatividade da segurança, pois procura

libertar a segurança de sua estrita relação com o poder e a ordem, e ao postular que a

segurança só pode ser produzida por meio da emancipação total do indivíduo imprimi um

caráter normativo à própria emancipação. 118 Rita Floyd, no entanto aponta os problemas

decorrentes da convicção normativa gerada pela emancipação como equivalente a segurança,

pois com isso se perde a noção de até onde a segurança pode ir, uma vez que a teoria de

segurança de Aberystwyth perde a limitação de quem pode e quem não pode securitizar – que

aparece em Copenhagen – e parte do pressuposto de quanto mais segurança melhor, o que

poder ocasionar problemas, além de metodológicos, na construção simbólica da realidade. 119

Desse modo, as estruturas materiais e sociais – juntamente com o desenvolvimento de

um pensamento crítico livre do empiricismo e dos pressupostos positivistas –convergem para

fins de emancipação do indivíduo e do grupo ao qual pertence, produzindo, de acordo com a

Escola de Aberystwyth, segurança. Os teóricos dessa escola pós-marxista abrem – ao

afirmarem a normatividade da emancipação enquanto segurança – um extenso caminho para

discussão sobre o que seja a normalidade, uma vez que a segurança possui efeitos diretos

sobre essa. Claudia Aradau critica o viés imaginário da política de emancipação dentro da

<http://journals.cambridge.org/download.php?file=%2FRIS%2FRIS33_02%2FS026021050700753Xa.pdf&code=b62399c16a08411d3f42f347c677729f>. Acesso em 30 mai 2007. 115 Id., p. 332. 116 BOOTH, Ken. Security and Emacipation. Review of International Relations, v. 14, nº 4, p.326-313. 117 WAEVER, op. cit., p.7. 118 COLLECTIVE, op. cit., p.456. 119 FLOYD, op. cit., p.333.

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proposta da Escola de Gales, que acaba por não encontrar referencial simbólico na realidade,

além de perder de vista as relações de poder que estruturam a realidade política. 120

Assim, a realidade concebida pelo conceito tradicional de segurança não é suficiente

para a Escola de Gales, uma vez que entende o Estado como o objeto referente central da

segurança, não permitindo que esta se estenda às pessoas. Por isso é necessária a emancipação

da falsa consciência do indivíduo, resultante de anos sob as diretrizes da modernidade, bem

como pelo apego ao positivismo e a excessiva necessidade de objetivar a realidade. É nesse

ponto que se impõe a necessidade de pensar criticamente, de dar luz às suas próprias idéias –

ficando claro nesse ponto a forte influência kantiana – gerando segurança e tornando-se

responsável pelo resultado que suas inferências impelem à realidade.

2.4 - TEORIA CRÍTICA E ESTRATÉGIA: UMA RECONCEPTUALIZAÇÃO.

Nos estudos contemporâneos sobre segurança, os chamados estudos críticos de

segurança, existem vários orientações para estudar-se criticamente a segurança, como já foi

exposto anteriormente, mas são poucas as correntes de pensamente que propõem uma

reorientação crítica, baseando-se na Teoria Crítica tradicional e internacional, para propor

uma reconceptualização da segurança, sendo que essas escolas são: a Escola de Copenhagen,

a Escola de Paris e a Escola Galesa. Essa secção tratará primordialmente da Escola de Paris.

A Escola de Paris parece ter chegado um pouco tarde na discussão sobre segurança

devido à barreira lingüística existente entre os países de língua inglesa para com um outro de

língua francesa, mas trouxe grandes contribuições para o debate entre a questão

interna/externa da segurança, possuindo um arcabouço conceitual que inclui a sociologia da

imigração, criminologia, direito, política sociológica e relações internacionais. Nessa escola,

destaca-se a figura de Didier Bigo e de Jef Huysmans121 que introduziram uma agenda voltada

para os profissionais da segurança, os efeitos políticos da tecnologia e do conhecimento na

segurança, e a racionalidade governamental da segurança. 122

Os teóricos da Escola de Paris pensam em termos de (in) segurança, pois para eles o

modo pelo qual a segurança é definida, construída, condiciona a insegurança. A

desecuritização, que já foi anteriormente exposta, para os pensadores de Paris nem sempre

120 ARADAU, Claudia. Theorizing Security e and the limits of politics. Disponível em: < http://critical.libertysecurity.org/documents/Aradau.doc>. Acesso em 15 jul. 2007. 121 Jef Huysmans foi , em grande medida, responsável pela quebra dessa barreira lingüística entre o inglês e o francês. 122 COLLECTIVE, op. cit., p.449.

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elimina a insegurança ou incrementa a crença na esfera política. 123 Nessa perspectiva, de

acordo com o que aponta a rede de pesquisadores c.a.s.e collective124, a segurança é aqui

interpretada como um meio de controlar as fronteiras, a circulação de indivíduos, controlando

ameaças; e os profissionais da segurança, como a polícia, são responsáveis pela configuração

do inimigo e da relação que nós desenvolvemos com ele. Sendo assim, são dignas de nota as

três premissas fundamentais de Paris desenvolvidas pelo c.a.s.e collective:

(1) A Escola de Paris destaca a audiência, as práticas e o contexto que

possibilitam ou restringem a produção de formas específicas de

governabilidade;

(2) A segurança é uma técnica de governo;

(3) Concentra-se nos efeitos dos jogos do poder, e não nas intenções orientadas

pelo uso do poder.

O trabalho de Bigo é fortemente influenciado pela obra de Bourdieu, principalmente

pelo seu conceito de campo como um espaço social distinto e constituído pela

interdependência entre diferentes posições. O campo do profissional da (in) segurança é,

assim, analisado por Bigo como um espaço de lutas que cria homogeneidade de interesses e

não de identidades, sendo também um campo da dominação, pois suas fronteiras são

permeáveis, fato que aponta para a necessidade de um maior entendimento sobre como os

espaços sociais operam. 125

A questão sobre a segurança interna e externa é central no entendimento dessa escola

que lida, de modo mais específico, com as questões concernentes à imigração para os Estados

europeus, ou seja, aqui o objeto referente central é a imigração. O campo da segurança interna

sofreu uma grande expansão de maneira que suas políticas foram exteriorizadas na arena

internacional, e várias agências de segurança que antes não possuíam relevância vêem o seu

papel ampliado com a privatização da segurança, como por exemplo, companhias militares

privadas. 126

Com os atentados de 11 de setembro os governos nacionais, principalmente os Estados

Unidos da América (EUA), passaram a adotar medidas de emergência que desrespeitaram –e 123 Id., p.457. 124 C.a.s.e collective é formado por um grupo de acadêmicos que ajudou no desenvolvimento do artigo “Critical Approaches to Security in Europe: a networked manifesto” e que apresentam um grande interesse pelos estudos de segurança crítica , e que se inspirou no texto “Aberystwyth, Paris, Copenhagen New ‘Schools’ in Security Theory and their Origins between Core and Periphery” publicado em 2004 por Ole Waever, para o desenvolvimento de suas pesquisas. 125 COLLECTIVE, op. cit., p. 458. 126 Ib., p. 459-464.

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ainda desrespeitam – os direitos humanos e a democracia liberal com a justificativa de

estarem combatendo um inimigo excepcional e por isso precisaram e ainda precisam adotar o

estado de exceção. Dessa maneira, Bigo, assim como os estudos de segurança crítica,

desenvolve uma crítica ao estado de exceção de Carl Schmitt, e aponta que a securitização,

além de funcionar como legitimadora de medidas de exceção, reforça e privilegia o discurso

estratégico das elites, pois para ele somente aqueles que possuem uma posição privilegiada na

estrutura institucional podem transformar um determinado objeto referente em questão de

segurança. 127

O outro autor da chamada Escola de Paris, Jef Huysmans parte de uma perspectiva

social construtivista em que a virada lingüística da teoria social possui uma grande

importância, ou seja, de acordo com Huysmans o seu projeto de pesquisa coloca a o

significado social da linguagem no centro, como força produtora da realidade e integradora

das relações sociais. 128 Huysmans aponta então para o dilema normativo da segurança, isso é,

o dilema de escrever e falar a segurança.

Segundo Huysmans esse dilema deve-se ao fato de que a maneira como se escreve ou

fala-se a segurança pode levar a securitização daquilo que o autor, locutor, tenta evitar, e que

ele mesmo critica, ou seja, sua própria crítica de uma dada securitização pode contribuir para

reforçar essa securitização, e até mesmo legitimá-la. O dilema normativo da segurança deve-

se a interpretação da segurança como socialmente construída, como efeito de um movimento,

de uma mobilização. 129

. Em que pese as diferenças de abordagens teóricas e de ferramentas conceituais

para (re) escrever e (re) pensar a segurança, utilizadas por essas três escolas, é ponto comum

entre elas, o fato de todas rejeitaram o conceito tradicional de segurança e proporem um nova

abordagem do tema.

Essas escolas buscam discutir o status quo da segurança na atual sociedade

internacional, uma sociedade que não mais concebe interesses puramente estatais e decisões

tomadas unilateralmente, pois agora existem outras dimensões sob as quais a segurança é

pensada, com é o caso do indivíduo e do meio ambiente.

127 COLLECTIVE, c.a.s.e. Critical Approaches to Security in Europe: a networked manifesto. Security Dialogue vol. 37, p.487-443. Disponível em: <http://sdi.sagepub.com/cgi/content/abstract/37/4/443>. Acesso em 15 de mai 2007. 128 HUYSMANS, op. cit., p. 4. 129 HUSYMANS, Jef. Defining Social Constructivism in Security Studies: the normative dilemma of writing security. Disponível em: <http://download72.mediafire.com/tmoi0o3hlszg/f94mktbw6xh/huysmans+-+social+constructivism.pdf>. Acesso em 20 de ago. 2007.

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A teoria da securitização aparece como uma questão central em todas essas

abordagens, que utilizando de caminhos diferentes discutem o movimento de securitização

dentro de uma perspectiva crítica, e a sua contrapartida na realidade que é o dilema normativo

da segurança. De acordo com o próprio Huysmans, é necessário um maior enfoque na questão

do poder do que apenas descrever mudanças conceituais no campo da segurança.

Sendo assim, infere-se que os teóricos críticos da segurança não deixam de lado a

dimensão do poder e das relações de força, e buscam sempre justificar a articulação entre a

realidade socialmente construída e o movimento de poder. Para essas escolas a estrutura é

social, mas nem por isso perdem de vista as fontes materiais que conjugadas com as práticas e

expectativas dos atores, bem como com o conhecimento compartilhado por esses, dão forma a

essa estrutura que é real e objetiva em suas práticas, e que não é estática, pois está em

constante movimento. 130 Nesse sentido a intersubjetividade ocupa um papel central nas

análises críticas sobre a segurança, bem como a oposição ao excessivo materialismo como

articulador das relações de poder e segurança.

A estrutura social nesse sentido é responsável por moldar as identidades e interesses

dos atores que impelem as transformações à realidade, fato este que permite uma maior

flexibilidade na (re) conceptualização da segurança de uma maneira mais crítica e abrangente,

desvinculada dos preceitos tradicionais que a define.

130 WENDT, Alexander. Constructing International Politics. IN: BROW et al (eds). Theories of War and Peace. London: The MIT Press, 1998, p.426-416.

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CAPÍTULO 3

3.1 - OS PRINCIPAIS CONCEITOS DA ESCOLA GALESA DE ESTUDOS

CRÍTICOS DE SEGURANÇA.

A Escola Galesa de Estudos Críticos de Segurança desenvolve-se sob dois pilares: o

da emancipação e o do etnocentrismo, sendo que o último pode ser considerado o começo das

discussões acerca de uma concepção crítica da segurança, todavia não estava associado a

concepção da Teoria Crítica em si. Um exemplo de como o etnocentrsimo influência na

segurança e na estratégica é o estudo de caso que será, em seguida, desenvolvido, sobre a

Política Européia de Segurança e Defesa que irá demonstrar como as especificidades do

continente europeu moldaram a criação da União Européia (UE), e consequentemente sua

Política de Segurança e Defesa (PESD).

A criação da União da Europa Ocidental (UEO) 131, em 1948 pelo Tratado de

Bruxelas, foi o reflexo da necessidade de uma política de segurança e de defesa que

contemplasse os problemas específicos do continente europeu, com o intuito de frear a

influência soviética sobre os países da Europa Centro-Oriental e de atrair a participação dos

Estados Unidos para a recém criada estrutura de defesa européia, fato que culminou com a

criação da Organização do Atlântico Norte, em 1949, com a participação dos EUA. 132

A problemática da segurança européia ganhou mais ímpeto com o projeto de

integração europeu, isto é, a União Européia, que por meio de planos como o Pléven, da

década de 50, que intentava criar, sob um gerenciamento comum, um exército europeu coeso

e os dois planos Fouchet – relativos à cooperação política européia na década de 60 -

buscaram organizar a segurança e a defesa da Europa de maneira autônoma. 133 Contudo,

esses planos fracassaram, pois envolviam um elemento com o qual os Estados europeus ainda

não estavam prontos para lidarem – a intergovernabilidade – pois essa exigiria uma maior

131 Os UEO é composta por 28 Estados: Reino Unido, França, Grécia,Bélgica, Itália, Luxemburgo,Portugal,

Espanha, Alemanha e Países Baixos que são Estados membros; a Hungria, a Islândia, a Noruega, a Polónia, a República Checa e a Turquia que são membros associados; a Áustria, a Dinamarca, a Finlândia, a Irlanda e a Suécia são observadores; a Bulgária, a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Eslováquia, a Eslovênia e a Romênia são parceiros associados.

132 WESTERN European Union. Origins of WEU. Disponível em: <http://www.weu.int/>. Acesso em 20 mar. 2006.

133 A Política Externa e de Segurança Comum: introdução. Disponível em: <http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/r001.htm>. Acesso em 31 jul.2006.

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integração política que esses países não haviam desenvolvido. Entretanto, em 1970 foi

apresentado o “Relatório de Davignon” sobre como fomentar o avanço político e que

culminou com a Cooperação Política Européia, que foi enfim institucionalizada pelo Ato

Único Europeu (1987), contando então com uma base jurídica própria. 134

A criação da Política Externa e de Segurança comum (PESC), pelo Tratado de

Maastrich (1992), imprimiu um grande desenvolvimento à questão da segurança européia,

possuindo um caráter intergovernamental, sendo reflexo de uma Europa institucionalmente

mais integrada. 135 A PESC aparece como instrumento orientado para aumentar as

capacidades militares dos países membros e como um canal capaz de ampliar o papel da

União Européia, não representando, entretanto, uma possível confrontação ao arsenal militar

da OTAN.

O Tratado de Maastrich situou, também, a UEO como parte importante para o

desenvolvimento do projeto de integração europeu ao passar para essa a responsabilidade

sobre as ações em matéria de segurança da União Européia. Durante uma reunião paralela a

do Conselho Europeu em Maastrich em 1991, os Estados membros da UEO emitiram uma

declaração apontando para a real necessidade de uma Identidade Européia de Segurança e de

Defesa e de uma maior responsabilidade por parte dos europeus em seus assuntos de defesa. 136

A necessidade de uma Identidade Européia de Segurança e Defesa surgiu das crises

oriundas da Europa do Leste além de, com o término da Guerra Fria, ter se verificado um

vácuo de poder que a OTAN não pôde preencher e que fez com que os Estados Unidos

reorientassem sua política de segurança para a Europa, uma vez que não mais poderiam lidar

com desafios específicos à segurança européia, como foi o caso da intervenção militar na

Bósnia realizada pela OTAN. 137

Assim, essa identidade começou a desenvolver-se no Conselho da OTAN, de 1993,

em Berlim, quando foram criados Grupos de Forças Armadas Multinacionais (GFIM) que

seriam responsáveis pela mobilização de contingentes militares da OTAN em operações sob o

134 A Política Externa e de Segurança Comum, op.cit. 135 No artigo 11 do Título V do Tratado de Maastrich são atribuídas as seguintes competências à PESC: “a) a

salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais da União; b) o reforço da segurança da União; c) a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional; d) o fomento a cooperação internacional; e) o reforço da democracia e do Estado de Direito, bem como o respeito dos direitos do Homem”. Disponível em: <http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/r00001.htm>.

136 The evolution of ESDI. Disponível em: <http://nato.int/docu/handbook/2001/hb0401.htm>. Acesso em 15 jul. 2006.

137 Política Européia de Segurança e Defesa. Disponível em: <http://europa.eu/scadplus/glossary/europen_secutiry_defence_identity_pt.htm>.Acesso em 21 ago.2006.

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comando da UEO138. Em Berlim, julho de 1996, os Ministros das Relações Exteriores da

OTAN decidiram que a construção da Identidade Européia deveria ser feita dentro da OTAN

e que ainda estaria sob a direção estratégica e o controle político da UEO. 139 Observa-se

assim, que esse processo, em seu início, excluiu as competências de segurança e defesa do

âmbito da União Européia, fato que não poderia resultar em uma identidade autônoma.

Contudo, uma nova direção foi tomada na constituição dessa identidade quando da

assinatura do Acordo franco-britânico de Saint-Malo, em 1998, que acordava sobre a

necessidade uma maior autonomia da União Européia nas suas ações em matéria de segurança

e defesa, que deveriam ser sustentadas por forças militares com um grau superior de

integração operacional, assim como os meios para decidir sobre operações militares, ou seja,

criando estruturas apropriadas para a avaliação das situações de crises sem, contudo, duplicar

os meios que a UEO e a OTAN disponibilizavam. 140

Nesse contexto, da Declaração de Saint-Malo, o Conselho Europeu de Colônia, de

1999, criou a Política Européia de Segurança e Defesa (PESD) como parte integrante da

PESC, na tentativa de fortalecer as bases sob as quais se assenta a segurança da UE. A PESD,

por meio de um acordo entre os governos da União Européia passou a incorporar

competências que antes eram da UEO, como as Missões de Petersberg141

, assim como o

Centro de Satélites e o Instituto de Estudos de Segurança, e passando a questão da defesa

coletiva para a OTAN. 142 As capacidades operacionais em matéria de segurança e defesa são,

assim, transferidas do âmbito da UEO para a UE.

As Missões de Petersberg143 são divididas em: a) gestão de crises militares; b) gestão

de crises civis; c) prevenção de conflitos, sendo que essas missões são utilizadas em situações

de “peace-making”, “peace-building”, “institution-making”, além da ajuda humanitária e a

realização de tarefas de risco. A adesão da União Européia a essas missões mostra como a

noção de segurança da Guerra Fria foi reorientada para outra concepção em que as novas

138 Id. 139 The evolution of ESDI, op. cit. 140 La Déclaration de Saint Malo. Disponível em:

<http://www.defense.gouv/fr/portal_repository/132663753_003/fichier/getData>. Acesso em 23 de jun.2006. 141 Pelo Conselho Europeu de Colônia, dezembro de 1999 decidiu-se pela criação de uma força de reação rápida

no intuito de realizar as Missões de Petersberg. 142 LEITÃO, Augusto Rogério. O Tratado de Nice: preliminares de uma Europa potência? In: RIBEIRO, Maria

Manuela Tavares Ribeiro (coord.). Identidade Européia e Multiculturalismo. Coimbra: Quarteto, 2002. 143 Petersberg Tasks and missions for EU military forces, 2005. Disponível no Sítio do Instituto de Estudos de

Segurança da União Européia: <http://www.iss-eu.org/esdp/04-mo.pdf>. Acessado em 25 mar. 2006.

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ameaças não mais possuem características estritamente militares e, conseqüentemente, não

podem mais ser encaradas por meios ligados unicamente à lógica militar. 144

Esse desenvolvimento que foi impresso à criação da PESD quando da Declaração de

Saint-Malo deve-se em grande parte à mudança no posicionamento do Reino Unido com

relação à matéria de segurança e defesa, pois de maior opositor de sua ampliação

transformou-se em defensor da PESD, contribuindo de forma decisiva para o seu

desenvolvimento, apesar de ainda defender o funcionamento de um “Estado-Maior

autônomo” com a OTAN. 145

A PESD possui dois componentes importantes: o componente militar e o componente

civil que foram instituídas em parceria com a OTAN. O componente militar refere-se ao

“objetivo global” ou Headline Goal de Helsinki, para a União Européia, que intenta mobilizar

um contingente de 60.000 militares, juntamente com a participação das Forças Armadas de

alguns países candidatos, em um período de 60 dias e que seja capaz de sustentar-se durante

um ano, contando também com estruturas tais como o Comitê Militar da UE (CMUE)146, o

Comitê Político de Segurança (COPS)147, e o Estado Maior da UE (EMUE)148.

A componente civil procura suprir as deficiências observadas no sistema internacional

por meio de três instrumentos que foram estabelecidos em 2003: a cooperação policial que

tem por objetivo disponibilizar 5.000 policiais em um espaço de 30 dias, contando para isso

com a ajuda de países candidatos; a consolidação do Estado de Direito que se refere à

intenção de disponibilizar 200 magistrados ou especialistas no domínio judicial e a proteção

civil que intenta promover uma melhor estrutura, nas zonas de crise, para os intervenientes

humanitários. 149

O ano de 2003 é um ano importante para a formação dessa identidade, uma vez que

Javier Solana, Alto Representante da PESC, publicou a Estratégia de Segurança Européia por

meio do documento “Uma Europa Segura Num Mundo Melhor”, que reorienta as ameaças ao

144 CHRENEK, Dusan. Estratégia de segurança européia: ambições e implementações. Segurança

Internacional - América do Sul. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2006. 145 Leitão, Augusto Rogério. Política Européia de Segurança e Defesa Pós-Constituição Européia. Revista

Militar. Disponível no Sítio: <http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=11>.Acesso em 15 ago. 2006.

146 Aconselha militarmente ao Alto Representante e ao COPS. 147 O COPS é responsável pela análise da conjuntura internacional, contribuindo, também, para a definição e

fiscalização de políticas, sendo assistido pelo Grupo de Trabalho Militar e aconselhado pelo Comitê Militar. O COPS pode também tomar decisões no âmbito da PESC, no que diz respeito a operações de gestão de crises, assegurando o contorno estratégico destas.

148 O Estado Maior garante o funcionamento da Unidade de Planejamento Alerta Precoce, que é uma inovação do Tratado de Amsterdã e intenta facilitar a atuação em conjunto dos Estados Membros no que tange à logística, de modo a garantir uma maior inserção internacional da União.

149 A Política Européia de Segurança e de Defesa. Disponível em: <http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/r0001.htm>. Acesso em 28 jul.2006

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órgão europeu colocando entre as principais ameaças o terrorismo, as armas de destruição em

massa, os Estados fracassados e a criminalidade organizada. 150

Essas quatro principais ameaças à UE provêm, na sua maior parte, dos países da Europa

Central e Oriental que preocupam grande parte dos dirigentes da UE, pois após o término da

Guerra Fria e da queda da URSS estes países encontraram sérias dificuldades na transição da

economia planificada para a de mercado. Destarte, é um local aonde predominam grandes

redes de crime organizado, de tráfico de seres humanos, além de, em boa medida, aparelhos

estatais estruturados sob a égide da corrupção.

Desse modo, o processo de alargamento da UE é advindo da necessidade de trazer paz

e segurança à Europa centro-oriental por meio de um processo de integração econômica, o

que faz da UE um ator de segurança não-convencional e do alargamento um método não-

tradicional de criação de segurança. 151

Para que o alargamento se tornasse realidade, foram estabelecidas condições para a

adesão dos países da Europa do Leste ao órgão europeu durante o Conselho Econômico de

Copenhagen, de 1993, estando, assim, compreendidas as seguintes questões: a política, a

econômica e da adoção do acquis communautaire.152

Concomitantemente ao alargamento da

União Européia, a OTAN iniciou, em 1995, estudos para uma possível ampliação na mesma

direção, isto é, para a Europa centro-oriental.

Entretanto, o alargamento da UE é muito mais interessante para os países da Europa

centro-oriental do que uma expansão da OTAN. Isso ocorre porque a esses países interessam

mais os planos de desenvolvimento econômico e de reestruturação política do que a adesão a

uma comunidade de segurança que não compartilha dos mesmos interesses, das mesmas

ameaças, isto é, da mesma identidade política de segurança e defesa. Um outro ponto bastante

discutido na ampliação da OTAN é o seu artigo 5º, que postula que uma agressão a um de

seus membros equivale a um ataque a todos, implicando em uma reação conjunta da OTAN.

Na prática isso se tem mostrado de difícil efetivação. 153

150 SOLANA, Javier. Uma Europa segura num mundo melhor, 2003. Disponível em:

<http://ue.eu.int/uedocs/cmsUpload/031208ESSIIP.pdf>. Acesso em 1 abr. 2006. 151 STEFANOVA, Boyka. The European Union as a security actor: security provision through

enlargement.World Affairs, fall 2005. Disponível em: <http://www.findarticles.com/p/articles/mi_m2393/is_2_168/ai_n15924413______>. Acesso em 14 mar.2006.

152 O critério político postula que os países candidatos devem ter atingido estabilidade nas suas instituições políticas de modo a garantir o respeito pelo Estado de Direito, pela democracia, a preservação dos direitos humanos e das minorias; o princípio econômico exige uma economia de mercado eficaz e capaz de concorrer junto à União Européia. O acquis communautaire refere-se à capacidade institucional dos países membros em implementarem a legislação da União Européia, necessária para a adesão, como a unificação monetária.

153 RUGGIE, John Gerard. Constructing the world polity. Nova York :Routledge, 1998.

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Essa situação pode ser compreendida pelo fato de que não há uma cultura de

segurança e ameaça comum entre a Europa, os Estados Unidos e o Canadá – membros da

OTAN – fazendo com que certamente os Estados Unidos não arrisquem sua estabilidade em

favor de Estados para os quais não há identificação, o que ficou bem claro durante o governo

Clinton e a intervenção militar da OTAN na Bósnia, além do quadro internacional pós-11 de

setembro.154Com o atentado as torres gêmeas e a macro-securitização155 do terrorismo como

ameaça global, muitos países europeus membros da OTAN e da UE não concordaram com a

estratégia estadunidense para o Iraque, fato que resultou na Cimeira dos Quatro, em abril de

2003, em que se tratou sobre a possibilidade de aquiescer sobre o conceito de “União

Européia de Segurança e Defesa” incorporando-o ao projeto da Constituição Européia. 156

O imperativo de uma maior autonomia da Europa em relação aos EUA deve-se a não

identificação entre política externa dos EUA com a real necessidade político-militar dos

países da Europa, de modo que a ampliação da OTAN talvez não produza uma identidade de

segurança realmente européia, pois esta é uma tarefa que depende quase que exclusivamente

dos países europeus e da integração cada vez maior entre eles.

Assim, pode-se afirmar que a PESD ao lado da delimitação de uma estratégia comum

e inserida na lógica do alargamento da União, constitui essa nova Identidade Européia de

Segurança e Defesa, paralela a OTAN, mas que se desenvolve sob as estruturas dessa, na

medida em que a PESD amplia suas ações militares.

Entretanto, essa identidade possui duas frentes de interpretação: uma que segue uma

concepção tradicional de segurança e outra bem distinta, relacionada à segurança humana. As

ações militares da União Européia fora de suas fronteiras institucionais estão relacionadas

com um discurso de segurança global e são sustentadas em missões de caráter humanitário.

Assim, em uma primeira análise, a Identidade Européia de Segurança e Defesa poderia ser

entendida como um ato de força da UE para com seus vizinhos do leste, que por detrás de

uma doutrina de segurança humana sustenta ações com o intuito de defesa dos interesses

nacionais de seus membros, sem nenhuma intenção altruísta e em que o documento Uma

Europa Segura Num Mundo Melhor aparece como uma estratégia de guerra ilimitada.

A outra interpretação dessa identidade tende para a lógica da intervenção ética, em que

a preocupação com o indivíduo sobrepõe-se as matérias de segurança tradicional, fazendo

154 A Identidade Européia de Segurança e de Defesa. Disponível em: < http://europa.eu/scadplus/glossary/european_security_defence_identity_pt.htm>. Acesso em 5 de ago. 2006. 155 BUZAN, Barry.The ‘War on Terrorism’ as the new ‘macro-securitization’?,February 2006. Disponível

em: <http://www.nupi.no/IPS/filestore/Paper-BarryBuzan.pdf>. Acesso em 1 de março de 2006. 156 LEITÃO, op. cit., Revista militar.

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com que as ações da União adquiram um caráter de assistência humanitária e de respeito aos

direitos humanos sustentadas nas Missões de Petersberg, o que de certa maneira restringiria o

aparato militar dessa identidade e a faria dependente de dispositivos da OTAN. 157 Aqui a

dimensão da segurança humana é amparada pela defesa coletiva.

Nessa perspectiva, de mudança no entendimento do que seja uma questão de

segurança e que possa ser estabelecido como uma ameaça comum, a Escola de Copenhagen

elucida de maneira crítica o novo sentido que adquire o conceito de segurança. As

proposições antes desconsideradas pelos dirigentes do Estado-Nação, como a miséria, fome e

doenças infecto-contagiosas, agora são utilizadas como um meio de moldar discursos 158internacionais e transformar as agendas dos Estados. A abordagem proposta pela Escola

fornece instrumentos conceituais necessários para suprimir as lacunas do conceito tradicional

de segurança e é responsável pelo acréscimo de sentido ao termo securitização. 159

Securitização é o processo pelo qual determinado objeto referente é tratado como uma

ameaça existencial, retirando-o da esfera política de modo a legitimar ações fora dos

procedimentos legais do Estado, isto é, uma politização160 extremada. 161As unidades

envolvidas no processo de securitização são: a) os objetos referentes, que são aqueles que

podem ser considerados como ameaçados e passíveis de serem transformados em questões de

segurança; b) os atores securitizados são os que declaram, por meio do discurso, que

determinado objeto referente é uma questão de segurança; c) os atores funcionais, que é uma

categoria intermediária às outras duas, porém sem perder o seu poder de influência, pois são

estes que concordam ou não com a securitização proposta pelos agentes, embora em muitos

casos esta seja transformada em um discurso único e coercitivo. 162

A estratégia de segurança comum de Javier Solana seria, então, a securitização de um

“pacote de ameaças” estabelecendo uma conexão entre vários tipos de ameaças de modo a

justificar as intervenções em países vizinhos e as políticas de estabilização do alargamento. A

nova estratégia de segurança européia retira assuntos da esfera pública de debates e os coloca

acima da esfera política, transformando-os, assim, em questão de segurança. Entretanto, para 157 RUGGIE, op. cit. 158 Ressalta-se aqui o entendimento de que o discurso de segurança não é definido pelo uso da palavra, mas pela

sua designação como ameaça e que requer aceitação pelos agentes funcionais. 159 Anthony, Amicelle. Editorial Introduction. Revue de Securité Humaine/Human Security Journal-Issue,

April 6. Disponível em: <http://www.peacecenter.sciences-po.fr/journal/issue1pdf/amicelle_anthony.pdf>.Acesso em 8 abr. 2005.

160 Entende-se por politização o processo pelo qual um determinado assunto é transformado em política pública, demandando medidas governamentais e alocação de recursos.

161 BUZAN, WAEVER, WILDE. Security: a new framework for analysis. London: Lynne Rienner Publishers, 1998.

162 Id.

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Barry Buzan, em determinados momentos, alguns países membros da UE se confundem,

acreditando serem eles o próprio objeto referente. 163

Para Barry Buzan, o objeto referente central das novas ameaças à segurança européia é

a imigração clandestina, uma vez que esta se correlaciona com redes de tráfico de seres

humanos e drogas, que aparecem como responsáveis diretos pelos conflitos transfronteiriços à

União Européia e como possíveis financiadores do terrorismo internacional. 164A imigração

clandestina configura-se como uma ameaça à estabilidade dos países europeus, não tendo

nenhum impacto imediato nos EUA ou no Canadá.

Assim, pode-se inferir que o projeto de alargamento da União Européia será capaz não

só de criar um complexo de segurança, mas como também uma nova identidade européia de

segurança e defesa, por meio de um movimento de securitização de temas, como a

democracia, os direitos humanos e armas de destruição em massa, que são tirados da esfera

política e acabam por justificar ações do governo fora de suas fronteiras.

Nessa perspectiva de securitização de temas, ou seja, da construção social das

ameaças, observa-se a utilidade da teoria construtivista das relações internacionais no que

tange à formação de uma identidade européia de segurança de defesa em que os agentes e a

estrutura ideacional – as idéias – colaboraram para a criação de um interesse comum que foi

capaz de exteriorizar uma dinâmica de integração entre os agentes.

Entretanto, a estrutura é concebida não só como idéias partilhadas, mas também pela

força material, que conjugados constituem as identidades que dão sentido aos interesses e que

por sua vez formam as identidades, configurando-se como uma relação circular, porém sem

ser imutável. 165 Nesse projeto optou-se pela abordagem do construtivismo crítico, pois a

corrente dominante, seguida por Wendt, possui uma abordagem mais estreita da realidade por

dar demasiada ênfase ao papel do Estado e não levar em consideração outras variáveis, o que

pode levar à deformação no processo de criação da ameaça dentro de um conceito de

segurança mais amplo e voltado para o indivíduo. 166

Com isso, dentro do projeto supranacional europeu, têm-se as identidades e os

interesses como endógenos ao processo de construção de uma identidade européia de

163 BUZAN, op.cit, p.10. 164 BUZAN, op.cit, p.9. 165 Macleod, Alex. Lês études de sécurité: du constructivisme dominant au constructivisme critique. Cultures &

Conflicts, n.54, p.51-13, fev.2004. Disponível em:<http:www.conflicts.org/document1526.html>. Acesso em 28 ago. 2006.

166 Id.

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segurança e de defesa, e os interesses e as identidades exógenos, isto é, da Europa centro-

oriental são incorporados com o processo de ampliação das fronteiras institucionais –

alargamento – e em grande medida suprimidos pelas políticas da União Européia. Mas esse

processo não exclui a possibilidade de que tais elementos exteriores sejam assimilados e

incorporados neste processo.

Ressalta-se aqui que não se pretende articular as ações dos Estados Europeus à

respectiva teoria, muito pelo contrário, devido à intersubjetividade inerente ao construtivismo

intenta-se utilizá-lo de modo a interpretar a realidade, ou seja, o que é socialmente construído

pelos agentes.

Em que pese o discurso dos dirigentes da União Européia de que o desenvolvimento

da Identidade Européia de Segurança e de Defesa sob a orientação da PESD somente servirá

para fortalecer o pilar europeu dentro da aliança atlântica, há indícios de que a UE caminha

para a consolidação de um complexo de segurança paralelo à OTAN firmando-se como um

ator de segurança global.

Entretanto, a cooperação entre as duas instituições, a UE e a OTAN, pode ser uma

alternativa para a consolidação da Identidade Européia de Segurança e Defesa, uma vez que, a

matéria de segurança não pode ser remetida ao plano supranacional, a intersecção dessas

organizações pode constituir-se como um canal de diálogo entre os governos europeus que

ainda se recusam a abrir mão de sua autonomia nas decisões de segurança e acabam por

reduzir o orçamento nessa matéria para a UE.

O processo em curso, de ampliação gradativa da autonomia dos países da UE com

relação aos dispositivos militares da OTAN, é indicativo de que as relações transatlânticas

tornam-se mais equilibradas, ou, ao contrário, apontam para a extinção de competências em

matéria de segurança e de defesa de algum destes dois órgãos.

3.2 - TEORIA CRÍTICA DA SEGURANÇA INTERNACIONAL E O REALISMO

EMANCIPATÓRIO.

Ken Booth propõe desenvolver uma Teoria Crítica da Segurança Internacional,

sustentada por um realismo emancipatório que seria o desdobramento de sua teoria do

realismo utópico, que propõe uma concepção de realismo que já traz em seu nome um

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paradoxo. O desenvolvimento de uma Teoria Crítica da Segurança Internacional está

profundamente relacionado aos conceitos de acumulação de capital de Marx, bem como ao

desenvolvimento desse conceito por Rosa Luxemburgo, atrelado à concepção de hegemonia

gramsciana bem como do papel dos intelectuais na organização da cultura.

A problemática da acumulação do capital, no que tange à influência dessa na

autonomia das nações periféricas. Utilizando-se do sistema conceitual elaborado por Rosa

Luxemburgo – que considera a acumulação do capital social – como sustentáculo de seus

argumentos. O autor explica a dinâmica tanto interna quanto externa do capital e,

principalmente, da capitalização da mais-valia.

A mais-valia é aqui concebida como sinônimo de produção capitalista e geradora de

capital social, de modo que o seu uso pelo proprietário, dentro do sistema capitalista de

produção, é colocado em questão. Nesse quadro, há somente duas classes sócias: os

capitalistas e os proletários, os primeiros abstêm-se do consumo de toda a sua mais-valia e os

segundos acabam por retornar seus salários, isto é, o capital variável retorna às mãos dos

capitalistas.

Como para Marx o comércio exterior não gera necessidade de consumo, o autor

levanta a seguinte questão: “ ‘como, e por quem será realizada a mais-valia acumulada?’ ”.

Oliveiros conclui, então, que a acumulação da mais-valia não se faz possível em uma

sociedade capitalista – pois essa é constituída de apenas duas classes – mas em áreas não-

capitalistas.

Sendo assim, o autor indica duas condições para a capitalização da mais-valia: a) o

acesso a elementos materiais; b) abundante força de trabalho, ou seja, “um exército industrial

de reserva” – condições encontradas em economias ditas como “atrasadas”.

O capital é entendido como fator capaz de impelir uma nova feição às nações, por

meio da destruição da economia natural e da introdução da economia de mercado, da

alteração da estrutura fundiária, além da contração de empréstimos internacionais pelas

nações capitalistas atrasadas – tornando os laços de dependência cada vez maiores –

alimentando, assim, o processo de ampliação e hegemonia dos países capitalistas avançados.

Desse modo, a violência e a anarquia são variáveis constantes que permitem os

capitalistas manterem as nações não-capitalistas em uma dependência estrutural. Oliveiros

Ferreira desenvolve as noções de centro e periferia sob uma ótica diferente da usual; na

segunda parte de seu texto discorre sobre a situação de atraso da América Latina gerada

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quando do período colonial e conclui que o que realmente importa é a racionalidade

econômica vigente nas nações capitalistas hegemônicas.

Nesse contexto, para que uma nação atrasada torne-se autônoma é necessário um

rearranjo da racionalidade interna do capital e uma maior abertura para os seus exércitos,

levando-se em conta o descompasso interno na maturação das indústrias.

4.3 - O INDIVÍDUO COMO ÚLTIMO OBJETO REFERENTE DA SEGURANÇA:

CONTRIBUIÇÕES E PROBLEMAS.

A questão do indivíduo é uma temática que remonta a consolidação dos Estados

Nacionais, configurando-se como um tema anterior à constituição do sistema de Westphália

que consolidou os Estados Europeus em um cenário marcado por constantes guerras que

lesavam a vida dos indivíduos membros desses Estados.

O processo de formação e consolidação dos Estados nacionais remonta à dicotomia

entre poder secular e poder religioso, isto é, entre o Império e a Igreja. A Europa foi um

continente marcado por essa contraposição, merecendo destaque o Império dos Habsburgos –

de dimensões mundiais e liderado por Carlos V – e que, contudo, carecia de tradição.

Luíz Seara aponta, então, que o Império Espanhol esbarrava na exigência de

soberania por parte dos inúmeros Estados que o compunham, resultando, senão, em

fragmentação, que foi intensificada por um novo desafio: a Reforma Protestante. A Espanha

constituiu-se no primeiro Estado Moderno – em que pese o viés imperial proposto por

Gattinara – porém, com um grande déficit de consciência européia, pois estava centrado em

ma unidade européia sustentada por uma religião, o cristianismo.

Felipe II trouxe uma nova feição para o Império Espanhol, pois era um monarca

burocrático e não guerreiro como Carlos V, representando desse modo as novas estruturas que

irão ser adquiridas pelos Estados Nacionais nascentes. O sistema de Estados modernos acabou

por se emancipar da dependência religiosa e moral, herdada do medievalismo, e que limitava

o exercício da soberania; soluciona-se, assim, a dialética entre o universalismo e o

particularismo.

Nesse quadro, destaca-se a influência exercida pelo Renascimento, nos mais diversos

campos da ciência, na formulação das estruturas que irão erguer os Estados Nacionais e

principalmente do pensamento maquiaveliano. O renascimento humanista deu grande atenção

às questões da ética e da moral na prática do poder, e Maquiavel procurou fundamentar uma

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ciência política com base em fatos históricos e não hipotéticos e utópicos – como o fez Tomas

Morus – dissociando a conduta ética e moral da política.

Sendo assim, Maquiavel entende que o homem possui uma tendência muito maior

para a prática do mal do que para a do bem, e que, no exercício do poder pelo príncipe, todos

os meios são válidos para a consecução dos fins, isto é, da manutenção do poder. A analogia

com as ações da raposa (astúcia) e do leão (força) serve de orientação para a postura do

governante que conta com duas variáveis importantes: a virtú167 e a fortuna

168, destacando-se

a liberdade como o caminho do meio entre a libertinagem e a tirania, podendo seu

pensamento ser considerado como uma reflexão contínua da razão de estado.

Entretando, para Isaiah Berlin a questão central do pensamento de Maquiavel não é a

dissociação da esfera moral da política, mas sim o conflito entre duas morais: a pagã e a

cristã, uma vez que para Maquiavel é necessário abandonar todo o arcabouço de valores

cristãos para o exercício da prática política. Desse modo, os Estados nacionais surgem como

meio de solucionar a dialética entre o universalismo e do particularismo, tão comuns na Idade

Média.

4.4 – COMUNIDADES EMANCIPATÓRIAS: A SOLUÇÃO PARA A QUESTÃO DO

INDIVÍDUO?

Para os autores de Aberystwyth as comunidades emancipatórias podem se apresentar

como uma via para a realização da emancipação dos indivíduos contra as amarras estruturais

que os reprimem, contudo, apontam que essas comunidades não seriam orientadas para

segregar ou segmentar um Estadao Nação. Essas comunidades ocorreriam no sentido de

tornar os indivíduos capazes de se auto-afirmarem, de conseguirem viver sem constrições ou

prejuízos para ele e seu grupo.

A guerra de resistência chinesa contra a invasão japonesa é um exemplo de como uma

comunidade reuniu-se em torno de um objeto comum, emancipar-se da invasão japonesa

utilizando-se para tal intento, da guerra de guerrilhas. Dessa maneira pode-se compreender as

especificidades de uma comunidade formada com o intuito de rebelar-se das amarras

167 A virtú maquiavélica provém da ética secularizada do Renascimento e que implica: vontade, força e inteligência para fundar manter os novos Estados. 168 Fortuna é aqui entendida como sorte, destino, acaso dos deuses, mas que em si não limita completamente a ação do príncipe.

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estruturais, que em determinado momento e contexto histórico, a impediu de afirmar-se

livremente e de se sentir em segurança, pois uma vez que a ameaça externa foi derrotada, a

comunidade chinesa pôde viver com segurança dentro de seu território. O conceito de

emancipação, de acordo com Ken Booth, é capaz de criar, formar táticas e estratégias de

resistência, como é o caso aqui discutido da resistência chinesa, trazendo políticas de

progresso para a comunidade, todavia, os rumos tomados pelo Estado Chinês posteriormente,

adotando o comunismo e usando do poder estatal como ferramenta de repressão dos direitos

humanos, constitui-se em uma situação paradoxal quando analisada à luz do conceito de

comunidades emancipatórias e consequentemente, de emancipação.

Mao Tsé-Tung, liderou o exército revolucionário chinês e em 1949 foi empossado

presidente da Nova República Popular da China. Com presidente da China, Mão Tse-Tung

liderou ações que geraram grandes controvérsias, dentre elas as orientadas com o intuito de

consolidar a Revolução Cultural Proletária, de 1966, responsável pela perseguição e

extermínio de grande parte da intelectualidade chinesa, o que expôs, ainda mais, o caráter

autoritário e ditatorial dos regimes comunistas.

Mao Tsé-Tung foi, não somente, um grande líder político, como também um grande

estrategista militar que assimilou os ensinamentos teóricos de Carl von Clausewitz e Sun Tzu,

dando-lhes uma nova roupagem. Esse novo caráter do fenômeno da guerra que aparece em

Mao Tse-Tung é resultado da especificidade inerente à guerra que é um fenômeno humano e

consequentemente social apresentando variações em cada contexto histórico.

A guerra possui, assim, uma natureza eminentemente humana, uma vez que se origina

do atrito entre duas ou mais vontades e este é resolvido por meio do emprego da violência

física, do uso da força. Sendo assim, a análise de Mao Tsé-Tung sobre os problemas

estratégicos da guerra de guerrilhas e da guerra prolongada reflete o conflito entre duas

vontades, a da China semi-feudal e do Japão imperialista.

No decorrer de seu texto, a análise exposta é impregnada de elementos ideológicos de

modo que se pode falar, até mesmo, em uma concepção marxista da guerra que, em um dado

momento, desembocaria em uma guerra universal e que acabaria de vez com o sistema

capitalista de produção. A paz duradoura para Mao origina-se com o fim do capitalismo.

Pode-se inferir que Mao Tsé-Tung chegou muito perto de elaborar uma teoria marxista das

relações internacionais no seio de uma doutrina de guerra.

Sua exposição sustenta-se em uma dialética simples, e desenvolve-se sobre a seguinte

oposição: o Japão é um país pequeno e fortemente armado, porém é um país imperialista que

desencadeou uma guerra retrógrada; a China é um país grande, porém débil e semi-feudal,

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mas que possui uma população muito maior e disposta a pegar em armas para defender a sua

pátria, por isso, de acordo com Mao Tsé-Tung, a vitória só poderá ser chinesa. Nesse ponto

nos deparamos diante da especificidade e heterogeneidade de cada conflito, isto é, a guerra

não se desenvolve sempre da mesma maneira no tempo e no espaço, a guerra é o reflexo de

uma constante transformação de armas, valores e do espírito humano.

Mao escreve em um momento no qual seu país encontra-se invadido pelo Japão, ou

seja, a guerra foi imposta à China de modo que não resta alternativa senão defender-se, isso

significa que a invasão japonesa provocou a defesa chinesa, obrigando esta a preparar-se para

a guerra, pois no tange ao invasor é bem verdade que este prefere a paz. Temos, assim, a

Guerra de Resistência da China contra o Japão. Nesse contexto é importante ressaltar que

Mao Tsé-Tung não perde de vista a dialética do ataque-defesa, sendo esta uma parte constante

nas suas diretrizes estratégicas, significando que podem ocorrer operações defensivas na

guerra ofensiva, assim como operações ofensivas na guerra defensiva, seja em linhas

exteriores ou em linhas interiores.

Dentro do pensamento estratégico de Mao Tsé-Tung é digno de nota o papel atribuído

por ele ao povo que, até então, havia sido ignorado pela maioria dos chefes militares. Mao foi

capaz de entender que o elemento guerreiro encontra-se no povo, pois este é capaz de

desencadear a violência quando incitado em suas paixões. Assim, fomenta a insurreição

popular contra o inimigo externo, armando os camponeses e politizando-os, incentivando a

criação de células guerrilheiras por todo o território chinês, como auxiliar a guerra regular.

Aliás, método, organização e disciplina são elementos essenciais em uma guerra.

A moral do povo é a questão central para a vitória em uma guerra revolucionária, pois

uma vez este se encontre desmotivado e sem perspectivas procurará identificar-se com

alguma causa, nem que esta seja uma causa inimiga. Segundo Clausewitz, o espírito do povo

é um poder moral de extrema relevância e dever ser estimulado.

Desse modo, a guerra de guerrilhas teve um papel fundamental no quadro da Guerra

de Resistência que por não poder ser resolvida rapidamente, teve que se converter em uma

guerra prolongada. O elemento psicológico e moral de uma guerrilha é extremamente forte, de

modo que consegue desestabilizar o inimigo moralmente, isso significa que a guerra de

guerrilhas consegue minar as intenções do inimigo. De acordo com Mao Tsé-Tung as

guerrilhas possuem um método de funcionamento e desenvolvimento diferente dos modos de

combate, ultrapassando assim o campo da tática e chegando à estratégia. 169

169 ARON, Raymond. Pensar a Guerra, Clausewitz. Brasília: Universidade de Brasília.

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As guerrilhas vai então complementar a guerra de movimentos dentro da estratégia de

guerra prolongada, de modo que Mao reconhece os problemas inerentes à tática guerrilheira,

tanto que discorre extensamente sobre esses problemas. As guerrilhas orientam-se pela

dispersão, a divisão do todo em partes, e em princípio começam pequenas, como focos

isolados e com o tempo adquirem maior apoio, aumentando o seu contingente guerrilheiro e

desenvolvendo a guerrilha.

Sun Tzu discorrer que para alcançar vitórias no teatro de operações militares é

necessária uma grande concentração de forças orientadas a destruir uma força inimiga

pequena, e Mao Tsé-Tung aplica essa fórmula ao quadro de operações das guerrilhas.

Entretanto, Sun Tzu postula a vitória em uma única batalha para não evitar o desgaste das

forças, enquanto Mao Tsé-Tung reconhece a necessidade de uma guerra prolongada no caso

específico da China.

Intenta-se desgastar o inimigo submetendo-o a uma exaustiva guerra que,

possivelmente, deteriorará suas finanças e semeará o gérmen da revolução no povo japonês,

ou seja, o povo japonês irá assimilar os ideais da causa chinesa. Devido ao fato da China ser

um país semi-feudal e sem unidade econômica, uma guerra prolongada não prejudicaria,

muito pelo contrário, traria as condições para progresso.

Retomando à questão da guerra de guerrilhas, é importante expor que esta possui um

caráter mais ofensivo do que a guerra regular, contudo opera em condições extremamente

difíceis, sem retaguarda, com pouca experiência (em alguns casos) e sem uma unidade com as

outra células guerrilheiras.

No que tange as condições geográficas, a montanha possui um grande status

estratégico no que tange à insurreição popular, status reconhecido não só por Mao Tsé-Tung

como também por Sun Tzu e Clausewitz. Isso demonstra o quão importante é conhecer

minuciosamente o teatro de operações, ainda mais em um país tão vasto com a China.

A concentração de forças nas montanhas, planícies ou lagos deve fazer parte de um

planejamento estratégico voltado para a planificação da guerra, e que reconheça as principais

formas de emprego das forças: a concentração, a dispersão e o desdobramento. No caso

específico da guerra de guerrilhas as forças devem ser empregadas de modo flexível, além de

serem orientadas coordenadamente com a guerra regular.

Toda a argumentação de Mao Tsé-Tung, nesse contexto, é desenvolvida com vistas a

refutar a teoria inevitável apregoada pela maioria de que a subjugação nacional da China ao

Japão é inevitável, bem como a vitória rápida tão desejada pelo Japão, desenvolvendo, desse

modo, uma doutrina de guerra prolongada. Essa doutrina é formada por dois planos, um plano

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conjunto em que a guerra de movimentos aparece em primeiro plano e a guerra de guerrilhas

como auxiliar e um plano particular, no qual a guerra de guerrilhas é a principal e a guerra de

movimentos, auxiliar.

Nesse contexto específico da Guerra de Resistência chinesa é digna de nota a

importância da formação e consolidação de Bases de Apoio, atrás das linhas inimigas, no

desenvolvimento da guerra de guerrilhas. As bases de apoio são de três tipos: as de montanha,

as de planícies e as lacustres ou fluviais, ou seja, retomamos aqui, como já foi anteriormente

exposto, a importância da geografia e principalmente das áreas montanhosas no

desenvolvimento das guerrilhas.

A mobilização das massas populares é a peça fundamental para a criação de bases de

apoio – que operam sem retaguarda – juntamente com a organização de forças armadas, ou

seja, armar o povo e criar um frente única anti-japonesa. Dessa maneira, a função estratégica

da guerra de guerrilhas é avançar sobre o território de modo a ampliar as zonas ocupadas pela

guerrilha e reduzir as que se encontram sob o jugo dos invasores e, principalmente, reduzir as

zonas guerrilheiras, atingindo, assim, a moral do inimigo.

As ex-zonas guerrilheiras são convertidas em bases de apoio que contam com uma

política econômica própria, baseada nos princípios da frente única nacional anti-japonesa, isto

é, deve-se proteger o comércio e cada membro colabora de acordo com suas possibilidades.

Em uma guerrilha, de acordo com Mao Tsé-Tung, as relações de mando são descentralizadas,

não suportando nem um tipo de centralização uma vez que as guerrilhas são consideradas um

tipo inferior de organização armada, além de realizarem operações de maneira extremamente

dispersa.

Nessa perspectiva, Mao Tsé-Tung aponta a necessidade de que a guerra de guerrilhas

desenvolva-se em uma guerra de movimentos, pois a Guerra de Resistência contra o Japão é

uma guerra de caráter prolongado. Mao aponta que as principais características da guerra de

movimentos, que são: seu caráter ofensivo e grande capacidade de movimento, a presença de

exércitos regulares e a superioridade de forças nas campanhas e combates. Com isso, deve-se

fomentar uma maior organização político-militar da guerrilhas, aprimorando, por meio da

disciplina, a sua tática até o ponto em que percam os costumes guerrilheiros e passem a se

organizarem como um exército regular.

A idéia, o ideal defendido pelo guerrilheiro desenvolve-se para a fórmula “A

Metralhadora e o Tanque”, característica da guerra regular, todavia não se deve esquecer do

elemento ideológico em uma guerra, pois assim como no caso da Guerra sino-japonesa, não

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só o exército precisa de um ideal, mas também o povo, o que vai refletir, diretamente, tanto na

opinião pública nacional quanto internacional.

Nesse sentido, Mao Tsé-Tung aponta que a Guerra de Resistência contra o Japão conta

com grande apoio internacional e nesse ponto, introduz a idéia de guerras justas e injustas. A

guerra travada pela China é, então, uma guerra justa porque para Mao todas as guerras

progressistas possuem uma causa justa e, em contrapartida, confere ao Japão a

responsabilidade por travar uma guerra em função de um causa injusta, retrógrada, isto é, a

expansão do imperialismo japonês.

Para Mao Tsé-Tung a guerra é uma ação política, fazendo uso em seu texto da máxima

clausewitiziana: “A guerra é a continuação da política”, além de criticar aqueles que tentam

levar a cabo uma guerra absoluta afastando-se da política. Assim como Clausewitz, Mao

soube expor as diferenças entre o objetivo na guerra – nesse caso a guerra sino-japonesa – e o

objetivo da guerra. Em que pese a teorização sobre o fenômeno da guerra, esta não terá o

mesmo fim político sempre, pois a fim político segue as diretrizes da política de gabinete.

Desse modo o objetivo político na Guerra de Resistência Chinesa é “expulsar o

imperialismo japonês e criar uma nova China, livre e igual em direitos”, enquanto que o

objetivo da guerra é aniquilar as forças inimigas e concomitantemente conservar as suas

próprias. A conservação das forças é obtida por meio da defesa que é “a forma mais forte de

guerra”, uma vez que abre caminho para o contra-ataque, para a devolução dos golpes

recebidos.

Mao Tsé-Tung elucida a importância da direção consciente da guerra, isto é, além das

forças físicas e materiais, para vencer a batalha é necessário que a presença do elemento

subjetivo que é parte intrínseca ao homem e que ajudará em um melhor entendimento não só

da correlação de forças, como da situação do inimigo. É necessário aprofundar-se na sentença

de Sun Tzu: “Conhece teu inimigo como a ti mesmo, se tiveres cem combates a travar, cem

vezes será vitorioso”, de modo a evitar incorrer em erro na direção subjetiva da guerra,

impedindo que se explorem os erros cometidos pelo inimigo. A astúcia e a surpresa são partes

constantes no desenvolvimento da estratégia de guerra prolongada chinesa, sendo que se faz

de extrema importância saber empregar a tática na estratégia do combate.

Assim, o que a exposição de Mao Tsé-Tung nos traz de principal são especificidades

que podem ser observadas no caso da Guerra de Resistência Chinesa, que mesmo orientada

por alguns padrões táticos, desenvolve uma explicação marxista da guerra, impregnada por

elementos ideológicos e materiais de uma dada situação no tempo. O objetivo na Guerra de

Resistência não é o mesmo em qualquer outro tipo de guerra, uma vez que a guerra ocorre em

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um quadro de diversidade histórica, e a guerra sino-japonesa é um exemplo de como as

particularidades de um povo e de uma nação interferem no curso da guerra.

4 – CONCLUSÃO:

AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA ESCOLA GALESA PARA A SUBÁREA DE

SEGURANÇA INTERNACIONAL: EMANCIPAÇÃO E ETNOCENTRISMO.

A Escola Galesa de Estudos Críticos de Segurança aponta-se como uma contribuição

importante para a subárea de segurança internacional, uma vez que propõe uma reflexão sobre

conceito de segurança e principalmente, esboça uma nova maneira para se estudar esse objeto.

As disciplinas de segurança e estratégia são importantes demais para permanecerem

estagnadas em conceitos anacrônicos do passado que são incapazes de compreender a atual

configuração internacional, que apresenta como uma rede complexa de canais múltiplos de

comunicação e de trocas, fazendo do conhecimento e da informação acessíveis para todo o

planeta. Contudo, existe a uma face desse processo de globalização que ao invés de incluir,

exclui os indivíduos, colocando-os a margem do sistema e criando uma complexa rede

segregadora e concentradora de poder.

Essa complexa realidade trouxe novas ameaças ao sistema internacional, que acabam

por colocar o indivíduo como objeto referente central da segurança, e a Escola Galesa, na

tentativa de melhor analisar essa realidade, desenvolveu as ferramentas teóricas do

etnocentrismo aplicado à estratégia e da emancipação como uma nova redefinição para o

conceito de segurança, que permanece preso, até os dias de hoje, aos conceitos tradicionais da

época da guerra fria.

Ao reconhecer a existência do etnocentrismo como fator determinante dos erros

estratégicos ao longo da história, os autores Aberystwyth, com destaque para Ken Booth, irão

mostrar como a incapacidade de compreender o outro, de colocar-se no lugar dele por meio

do chamado relativismo cultural, contribuem para a falha da alteridade, consequentemente

levando à repressão das possibilidades de emancipação presentes para um indivíduo ou

comunidade.

A contribuição que a releitura dos teóricos críticos tradicionais trouxe para subárea de

segurança internacional é inegável, merecendo uma maior discussão nos meios acadêmicos

sobre as ferramentas conceituais desenvolvidas por esses autores. A busca por novos meios de

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conhecimento sobre a temática de segurança dessa escola, proporcionou uma redefinição da

epistemologia e ontologia do conceito de segurança, o que é de primordial importância para a

produção crítica de conhecimento.

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