a educação operária no final do século xix e início do xx em … · 2018-09-02 · resumo o...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
ISABEL CRISTINA CAETANO DESSOTTI
A educação operária no final do século XIX e início do
XX em Sorocaba sob o olhar da imprensa: o escrito e o
silenciado
Campinas 2017
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ISABEL CRISTINA CAETANO DESSOTTI
A educação operária no final do XIX e início do XX em Sorocaba sob o
olhar da imprensa: o escrito e o silenciado
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do
título de Doutora em Educação, na área de
concentração de Filosofia e História da
Educação.
Supervisor/Orientador: Prof. Dr. José Luis Sanfelice
O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL
DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ISABEL CRISTINA
CAETANO DESSOTTI E ORIENTADA PELO PROF. DR.
JOSÉ LUIS SANFELICE
Campinas/SP
2017
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
A educação operária no final do século XIX e início do
XX em Sorocaba sob o olhar da imprensa: o escrito e o
silenciado
Autor: Isabel Cristina Caetano Dessotti
COMISSÃO JULGADORA:
Prof. Dr.José Luis Sanfelice
Profª Dra. Fabiana de Cássia Rodrigues
Prof. Dr. Paulo Gomes de Lima
Profª Dra. Sônia Aparecida Siquelli
Prof. Dra. Vânia Regina Boschetti
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.
2017
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DEDICATÓRIA
À minha mãe, que viveu muito do relatado nestas páginas, mas não viveu para ver a
conclusão deste trabalho.
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AGRADECIMENTOS
Conclui a escrita deste trabalho em 31 de dezembro de 2016, com quase um ano de
atraso, já ouvindo o espocar de rojões anunciando o ano novo que se aproxima, por isso
agradeço a Deus por ter-me permitido conclui-lo.
No caminhar da construção deste trabalho, tenho muito a agradecer a inúmeras pessoas
que contribuíram de diferentes formas. Algumas, só com palavras de alento, mas tão bem-
vindas.
Agradeço aos amigos do doutorado, pela amizade e compartilhamento das angústias
acadêmicas.
Sou imensamente grata aos professores por todo o aprendizado que tive.
Agradeço aos funcionários da secretaria da UNICAMP Lígia, Tassiane que tanto me
ajudaram e orientaram em várias situações difíceis, especialmente Nadir, que tem a palavra
certa na hora certa.
Agradeço a atenção da bibliotecária da UNICAMP Rosemary.
Ao meu amigo Edemir Morais, que mais uma vez me ajudou, disponibilizando seu
material de pesquisa e seu conhecimento, o meu muito obrigada.
Agradeço aos funcionários do Gabinete de Leitura pela atenção a mim dispensada nas
muitas horas de pesquisa. Aos amigos antigos e novos do Gabinete de Leitura, agradeço pelas
sugestões, conversas e interesse pelo meu trabalho.
À amiga professora Renata, por dominar a Língua Portuguesa e por ter me socorrido
com a revisão do texto.
Aos amigos Virgínia e Rodrigo pela ajuda nas finalizações.
Aos professores da banca Paulo Lima, Fabiana Rodrigues e Sonia Siquelli pela gentileza
da leitura atenta do meu texto, pelas valiosas contribuições oferecidas para o mesmo. Em
especial à professora Vânia, por participar mais uma vez de uma etapa importante da minha
vida acadêmica.
Ao meu marido Onivaldo, meus filhos Vinícius, Elise, Lucas e Mariana, obrigada por
tudo.
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A minha irmã Lúcia que despertou em mim o gosto pela leitura desde sempre.
Ao professor José Luis Sanfelice pela orientação, compreensão e por não ter desistido
de mim, meus sinceros agradecimentos sempre.
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EPÍGRAFE
“Há homens que lutam um dia e são bons,
há outros que lutam um ano e são melhores,
há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas
há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”
(Bertolt Brecht)
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RESUMO
O presente estudo buscou analisar de forma recorrente o papel ocupado pela educação dentro
da história do movimento operário em Sorocaba no final do século XIX e início do século XX
a partir do olhar da imprensa. Destacou-se a presença do imigrante europeu, que chegou
imbuído de esperanças de vida melhor e se deparou com uma vida de muito trabalho e
sofrimento, tanto na lavoura como nas fábricas. Em Sorocaba, os imigrantes, principalmente
italianos e espanhóis, foram aproveitados mais intensamente nas fábricas de tecidos,
consideradas por muitos como uma das que mais tem explorado o proletariado no mundo. Além
das esperanças, os imigrantes trouxeram, na bagagem, novas ideias, que foram as ideias
embrionárias da organização operária. Diante das condições de existência do operariado
brasileiro, sintetizaram sua luta numa certeza: “queremos, quando o povo estiver educado, a
revolução social”. Estudou-se a trajetória da educação em Sorocaba, desde a educação precária
e quase inexistente dos tempos do Império até a escola dos primeiros tempos da República. Na
primeira república, a Escola tinha a função regeneradora da nação e os Grupos Escolares
tiveram a incumbência de propagar a imagem do novo ensino, voltado para todos. O primeiro
grupo escolar público foi criado em Sorocaba, em 1896. Mas nem mesmo a criação dos demais
grupos escolares foi suficiente para atender a toda demanda. Assim, a escola pública atendeu,
principalmente, os filhos da elite, uma vez que os filhos dos operários trabalhavam nas fábricas
e quase não conseguiam estudar. Trata-se de pesquisa documental e bibliográfica, cujo quadro
de análise se assenta no materialismo histórico, tendo como fonte primária mais significativa a
imprensa, especialmente o jornal O Operario, incansável na luta pela educação do operariado
e outros. As principais referências teóricas de apoio foram baseadas nas reflexões formuladas
por Engels (2010), Thompson (1987), Ferreira (1978), Dean (s/d), Carone (1989), Rodrigues
(1969), Ferrer y Guardia (2014). A análise da documentação e da bibliografia disponíveis
permite considerar que a educação, esperança do operário, não foi compartilhada da mesma
forma nem pelo governo e nem pelos patrões. A escola republicana, incapaz de promover a
educação popular, tentou promover o silenciamento do operário, mas não pôde apagar o registro
de seu movimento. Palavras-chave: Trabalho – Educação – Movimento Operário – Imprensa – Imigrantes
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ABSTRACT
The present study aimed to reconstruct the education role in the history of the worker movement
in Sorocaba in the end of the 19th century and the beginning of the 20th century from the press
view. It is highlighted the presence of the european immigrant, that came here full with hope of
a better life and found a life of hard word and suffering, in the farming as well the factories. In
Sorocaba, the immigrants were put upon more intensively in the textile factories, considered by
many as one of the most scrounge of the working class factory. Besides the hopes, the
immigrants brought, in their luggage, new ideias, the ones were the embryonic ideias of the
worker organization. Facing the conditions of the existence of the brazilian workers, they
summarized their fight into a certain: “We want, when the people are educated, the social
revolution.” It studied the trajectory of Sorocaba´s education, since the precarious and the
almost non-existed education in the empire times to the school from the first times of the
republic. In the first republic, the school had the regenerative nation role and the school groups
had to spread the image of the new teaching, to all. The first school group created in Sorocaba
in 1896 and the others weren´t enough for the demand and the public school turned out to attend
especially the elite children, since the workers children worken in the factories and couldn´t go
to school. It was used, for the purpose of this study, primary and secondary sources, such as:
the press, especially the “O Operario” paper, tireless in the fight for education of the workers
and others.
The main theoretical references were based in the reflexions of Engels (2010), Thompson
(1987), Ferreira (1978), Dean (s/d), Carone (1989), Rodrigues (1969), Ferrer y Guardia (2014).
The analysis of the documentation and the bibliography available allow to consider that the
education, the worker´s hope, wasn´t shared in the same way neither by the government nor by
the bosses. The republic school, incapable to promove the public education, promoved
competently the silencing of the worker but it couldn´t erase the register of the movement.
Key-words: Work – Education – Worker movement – Press - Immigrants
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RESUMEN
Este estudio buscó recrear el papel que se ocupó la educación en la historia del movimiento
obrero en Sorocaba al final del siglo XIX y a partir del siglo XX por la mirada de la prensa. Se
destacó la presencia del inmigrante europeo, que llegaba acá lleno de esperanzas de una vida
mejor y se enfrentó a una vida de mucho trabajo e sufrimiento, tanto en la labranza cuanto en
las fábricas. Los inmigrantes en Sorocaba fueron aprovechados más intensamente en las
tejedurías, tenídas por muchos como una das fábricas que más ha explorado el proletariado en
el mundo. Además las esperanzas, los inmigrantes trajeron, en su equipaje, nuevas ideas, que
fueron las ideas embrión de la organización laboral. Delante de las condiciones de existencia
de la clase obrera brasileña, han sintetizado su lucha en una certeza: “deseamos, cuando el
pueblo quedarse educado, la revolución social”. Se estudió el camino de la educación en
Sorocaba, de la educación precario y casi ausente de los tiempos del imperio hasta la escuela
de los primeros días de la República. En la primer república, la Escuela tenía la función de
regenerar la nación y los Grupos Escolares tuvieron comisión de propagar la imagen del nuevo
enseño, enfocado en todos. El primer grupo escolar creado en Sorocaba, en 1896, y los demás
no consiguieron cumplir la demanda y la escuela público he satisfecho los hijos de la élite, ya
que los hijos de los trabajadores estaban en las fábricas y no podrían asistir las escuelas. Se
utilizó, para esta búsqueda, fuentes primarias y secundarios, tales como: la prensa,
especialmente el periódico O Operario, incansable en la lucha por la educación de los
trabajadores. Las referencias teóricas principales se basaban en las reflexiones de Engels
(2010), Thompson (1987), Ferreira (1978), Dean (s/d), Carone (1989), Rodrigues (1969), Ferrer
y Guardia (2014). La análisis de la documentación y de la bibliografía ha permitido creer que
la educación, esperanza de los trabajadores, no se fue considerado de la misma manera ni por
el gobierno y tampoco por los jefes. La escuela republicana, incapaz de desarrollar la educación
popular, promocionó hábilmente el silenciamiento de los trabajadores... no pude eliminar lo
registro de su movimento.
Palabras llave: Trabajo – Educación – Movimiento obrero – Prensa – Inmigrantes
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
1 OS OPERÁRIOS ................................................................................................................ 27
1.1 Os operários: nova força de trabalho .................................................................................... 34
1.2 A paisagem e tudo o mais se transforma: surgem as fábricas ............................................. 35
1.3 A imigração ............................................................................................................................. 44
1.4 Os imigrantes no Brasil .......................................................................................................... 55
1.5 Colônia Cecília – Um sonho de liberdade ............................................................................ 59
1.6 Os imigrantes chegam a Sorocaba ..................................................................................... 63
1.7 O apito da fábrica controlando o tempo e a vida ................................................................ 65
1.8 Dentro da fábrica, o tear silencia a todos ............................................................................ 73
1.9 As histórias de vida se repetem nas vilas operárias ............................................................ 83
1.10 Os imigrantes se unem, os operários se organizam ........................................................... 87
2 A GRANDE IMPRENSA E A IMPRENSA OPERÁRIA EM SOROCABA ........... 106
2.1 A grande imprensa em Sorocaba ....................................................................................... 107
2.2 A imprensa operária .......................................................................................................... 121
2.2.1 O jornal O Operario de Sorocaba ................................................................................ 126
2.2.2 A presença da mulher nas colunas do jornal O Operário .......................................... 136
2.2.3 A ideologia do jornal O operário ................................................................................... 144
2.2.3.1 Ideias anarquistas em Sorocaba: os libertários ........................................................ 150
2.3 As primeiras tentativas de greve sob o olhar da imprensa ............................................ 154
2.4 O olhar da imprensa sobre a primeira greve operária bem-sucedida ............................ 158
2.5 Embates ideológicos entre os jornais Cruzeiro do Sul e O Operario .............................. 170
2.6 O fim do jornal O Operario ................................................................................................. 174
3. A EDUCAÇÃO E AS ESCOLAS PARA OPERÁRIOS .......................................... 179
3.1 A educação em Sorocaba nos tempos do Império ........................................................... 179
3.1.1 A Escola Popular ........................................................................................................... 190
3.2 A educação em Sorocaba após a República ..................................................................... 192
3.3 Uma escola para operários: escola da Loja Maçônica Perseverança III........................... 211
3.4 Uma escola para as moças operárias ............................................................................... 216
3.5 A instrução para o operário: o verdadeiro pão do espírito ........................................... 218
3.6 A educação operária sob as lentes dos jornais Cruzeiro do Sul e O Operário ............. 222
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3.7 Escola Moderna ou Racionalista: educação para a emancipação .................................... 228
3.7.1. A pedagogia de Francisco Ferrer y Guardia .............................................................. 231
3.7.2 Escola Moderna em Sorocaba ...................................................................................... 234
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 252
MEMORIAL (APÊNDICE) ................................................................................................ 260
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INTRODUÇÃO
“Se dividirmos os retratos existentes de cidades em dois grupos, conforme o lugar de
nascimento do autor, perceberemos que os escritos por autóctones são minoria. O
motivo superficial, o exótico, o pitoresco só atrai os de fora. Para o autóctone obter
a imagem de sua cidade, são necessárias motivações diferentes, mais profundas.
Motivações de quem, em vez de viajar para longe, viaja para o passado. Sempre o
retrato urbano do autóctone terá afinidade com o livro de memórias, não é à toa que
o escritor passou sua infância nesse lugar” (Walter Benjamin).
Tomo emprestadas as palavras de Walter Benjamin (1985) para justificar a escolha do
meu tema de pesquisa, a educação dentro do movimento operário sob o olhar da imprensa,
resultado de uma conjugação de elementos como a memória afetiva, as histórias de vida, os
lugares familiares e mais a minha própria formação em História.
Nasci numa vila operária e, desde muito pequena, caminhava de madrugada, até a
fábrica de tecidos Votorantim e permanecia na creche da fábrica enquanto minha mãe
trabalhava. Quando da realização da minha dissertação de mestrado, a simpatia por esse tema
falou mais alto e o resultado da pesquisa foi: “História da educação de Votorantim: do apito da
fábrica à sineta da escola”. Por se tratar de um mestrado em Educação, o estudo central foi a
escola, entretanto, no caso de Votorantim, cidade onde nasci, não havia como falar da escola
sem apresentar a fábrica de tecidos, uma vez que a cidade se formou a partir dessa fábrica, que
passou a exercer forte dominação, não só na vida das pessoas como em tudo o que acontecia no
lugar. Na busca de fontes, foi a imprensa da época que mais atendeu aos objetivos dessa
pesquisa.
O recorte definido nesse estudo foi a história da educação na vila operária de Votorantim
que, no período estudado – final do século XIX e início do XX – pertencia ao município de
Sorocaba. Entretanto, quanto mais pesquisamos, mais nos deparamos com espaços que
precisavam ser preenchidos para elucidar o passado.
Assim, pela necessidade de escolha de um tema para a tese de doutorado, decidi-me por
retomar a história da educação operária, uma vez que essa história não se esgotou,
principalmente no que diz respeito à imprensa enquanto fonte de pesquisa.
É bem verdade que a história de Sorocaba se viu enriquecida nas últimas décadas com
trabalhos acadêmicos e outras produções historiográficas, que a inseriram num campo
relativamente novo da historiografia, qual seja a História das Cidades. Apesar do avanço da
produção, determinados assuntos necessitavam de aprofundamentos a cada trabalho produzido,
tal qual uma colcha de retalhos, onde cada retalho tem uma estampa, um colorido, uma textura
e unidos, posteriormente, são costurados, formando a colcha. Assim se deu também com a
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produção historiográfica: cada olhar do historiador correspondia a um retalho, que alinhavado
e costurado aos de outros, foi capaz de resgatar a história, dando-lhe sentido e significado e,
principalmente, dando a palavra aos esquecidos da história.
O resgate histórico tornou-se importante à medida que novas interpretações foram
surgindo, novos olhares e novas possibilidades foram dando voz aos esquecidos e silenciados
pela história. A história deve esclarecer a memória e ajudá-la a retificar os seus erros (LE GOFF,
1990). É um complemento para os tempos posteriores. Entretanto, o que se verifica é que
mesmo conhecendo os erros do passado, alguns acabam por se repetir no presente.
Este trabalho busca contribuir para a valorização de um período ainda pouco estudado
na história de Sorocaba, como mais um retalho a ser costurado no que já foi produzido sobre a
história de patrões e operários em suas relações de trabalho e de poder e qual o valor atribuído
por patrões e operários à educação.
Certamente, a crítica esbarrou nos conceitos de verdade e poder. Mas qual verdade? A
verdade estava com as classes dominantes, no caso os patrões, ou com os operários, os
explorados? Eis o combate histórico estabelecido, conforme alerta Michel Foucault (1979, p.
13):
Há um combate “pela verdade” ou, ao menos, “em torno da verdade” entendendo-se,
mais uma vez, que por verdade não quero dizer “o conjunto das coisas verdadeiras a
descobrir ou fazer aceitar”, mas o “conjunto das regras segundo as quais se distingue
o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder”;
entendendo-se também que não se trata de um combate “em favor” da verdade, mas
em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha
(FOUCAULT, 1979, p. 13).
As verdades estabelecidas pelas versões dominantes, especialmente aquelas ligadas ao
mundo capitalista, prendem-se a alguns aspectos e não identificam os diferentes grupos, ainda
mais se esses forem vistos como opositores. Valorizam-se apenas concepções desejadas
relacionadas ao progresso como obra de grandes homens empreendedores, desqualificando os
homens comuns, os trabalhadores em geral, suas culturas, seus saberes e sua presença em todo
o processo de industrialização. O homem comum nada tem de herói, talvez por isso
historiadores locais tenham se dedicado à história do bandeirantismo e do tropeirismo, pelas
suas qualidades incomuns. (PINTO JR, 2003, p.19)
Por muito tempo, os historiadores de Sorocaba se mantiveram alinhados ao pensamento
de Aluísio de Almeida, considerado o mais fidedigno pesquisador da História de Sorocaba, o
cronista da cidade, até os dias de hoje. Aluisio de Almeida foi o pseudônimo de Monsenhor
Castanho, nascido em Guareí no ano de 1904, que, depois de ordenado padre, em 1927, veio
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para a Diocese de Sorocaba. Após algum tempo de sacerdócio, por volta de 1933, adoentado,
viu-se impedido de exercer suas atividades eclesiásticas e passou a se dedicar à pesquisa sobre
a história de Sorocaba. Assim o fez até bem próximo de sua morte, em 1981. Tendo livre
trânsito pelos arquivos municipais, do Estado e dos documentos pertencentes à Igreja, escreveu
livros e artigos para jornais sobre a história de Sorocaba, tornando-se uma referência para os
futuros historiadores que, por certo tempo, praticamente deram continuidade ao trabalho de
pesquisa e análise histórica iniciados por ele.
Os escritos de Aluísio de Almeida foram garimpados em fontes primárias tais como:
jornais publicados no período de 1842 a 1930, livros da paróquia de Nossa Senhora da Ponte,
a partir de 1679, atas da Câmara desde 1805, inventários no cartório do 1º ofício de 1800 a
1842, livros de notas de 1723 a 1734, papéis avulsos de 1720 a 1863 do Arquivo Público de
São Paulo entre outros, além das histórias de vida e da cidade contadas pelas pessoas do lugar.
Aluísio de Almeida dividiu a história de Sorocaba em três “ciclos econômicos”: o
bandeirantismo, o tropeirismo e a industrialização. Essa divisão por ciclos econômicos proposta
por ele influenciou autores e pesquisadores locais, como Adolfo Frioli (2005), Vera Ravagnani
Job (1983), Rogich Vieira (1988), Geraldo Bonadio (2004) e outros, tanto nas análises como
na ênfase dada ao estudo de determinados “ciclos”, como o bandeirantismo e o tropeirismo, que
chegam a atribuir ao tropeiro, legítimo representante de nossa gente, a promoção da unidade
nacional, por meio de suas viagens com as tropas por todos os cantos do país. Sorocaba sediava
um entreposto de mercadorias, os muares, que atraía para cidade não apenas brasileiros de todas
as regiões, mas também estrangeiros. Tais autores defendem a ideia de que o tropeiro forjou a
identidade histórica de Sorocaba e do sorocabanoOportuno dizer que as atuais pesquisas,
acadêmicas ou não, têm se distanciado do que já foi feito em termos de produção
historiográfica, trazendo novos olhares, novas abordagens, permitindo outras formas de se
contar e interpretar o passado. Elas propõem a reconstituição do passado, com outras
indagações do vivido, apresentando novos personagens, reconstituindo o passado ao dar voz
aos esquecidos. Há, atualmente, certo consenso entre pesquisadores de que a historiografia de
Sorocaba dá importância a um passado distante, dos tempos dos bandeirantes e tropeiros, e
pouco reflete sobre um passado mais recente, ou seja, o tempo da industrialização. Quais seriam
as motivações para esse desinteresse ou esquecimento?
Esta pesquisa ora apresentada se alinha a essa nova proposta de abordagem, buscando
as razões que levaram a esse esquecimento – ou seria silenciamento? Pretende, assim, abordar
a educação operária, desde a sua gênese na cidade de Sorocaba, no período que compreende as
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últimas décadas do século XIX até as primeiras décadas do século XX, com o advento da
industrialização.
Nas últimas décadas do século XIX, mais especificamente a partir da década de 1880, a
concepção de cidade foi se modificando à medida que emergia a industrialização e redefinia-se
o espaço urbano. A cidade passou a representar o lugar da modernidade, com novas
configurações apoiadas numa sociedade industrial e no fortalecimento de uma cultura burguesa.
Nesse período de implantação da indústria, a cidade viveu expressivo aumento populacional
com a vinda de imigrantes estrangeiros e ex-escravos.
O crescimento populacional que a cidade conhece, intensifica-se, a partir de 1872,
com uma taxa anual em torno de 1,6% e ganha contornos de explosão demográfica
entre 1890 e 1920, com taxa em torno de 4,0% ao ano. Nesses mesmos períodos, a
cidade de São Paulo cresce em 4,1% e 5,1%, respectivamente. Tal crescimento está
intimamente relacionado à dinâmica urbana, que, já no início do século XX vai
ganhando feições de modernidade: a água e o esgoto surgem, em 1902; o cinema, em
1906; o telefone, em 1907; o bonde, em 1915; o calçamento, em 1921. Além desses
benefícios, a cidade já contava com jardins, teatros, hospital, fábricas, casas
comerciais, escolas, igrejas, palacetes, vilas operárias, cortiços, estalagens (MENON,
2000, p.35).
O período delimitado para o estudo, final do século XIX e início do XX, corresponde
ao período no qual o movimento operário em Sorocaba se iniciou, consolidou-se e, depois,
enfraqueceu e, paralelamente, é nesse tempo que a educação passou a ter relevância no cenário
nacional. Assim, este trabalho pretende valorizar tal período tão pleno de significações na
história do movimento operário em Sorocaba, procurando encontrar, nas dobras do local, o
universal.
A questão central desta pesquisa assenta-se na concepção de educação produzida pelo
movimento operário em Sorocaba, num cenário de interesses antagônicos entre a burguesia e o
proletariado, a partir do olhar da imprensa da época, tanto a chamada grande imprensa quanto
a imprensa operária.
A escolha da imprensa se deu a partir da experiência da elaboração da dissertação de
mestrado, momento em que o estudo das condições de vida dos operários, das relações
conflituosas entre patrões e operários se revelou como uma temática de investigação em
potencial, e os jornais configuravam um material rico nessa direção. A imprensa local
apresentava uma questão relevante e recorrente nos editoriais e notícias publicados: a educação.
Assim, revelou-se uma fonte profícua de conhecimento de uma época, no sentido que nos
apresenta Dermeval Saviani (2004): fontes como os lugares de onde brota o nosso
conhecimento da História, e a sua inesgotabilidade, pois sempre que a ela retornamos, tendemos
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a descobrir novos elementos, novos significados, novas informações que nos tinham escapado
por ocasião das incursões anteriores. Esse tipo de fonte vem contribuindo sobremaneira para a
ampliação de pesquisas histórico-educacionais de caráter regional e local e os próprios
historiadores da educação, já há algum tempo, se deram conta desse processo de significativa
valorização da imprensa.
Para a historiadora Maria Helena Capelato (1988), a imprensa é um manancial dos mais
férteis para o conhecimento do passado, pois possibilita ao historiador acompanhar o percurso
dos homens através dos tempos. O período delimitado para este estudo – final do século XIX e
início do século XX – foi justamente o período em que a imprensa teve grande profusão, não
só em Sorocaba, mas em todo país, motivada por novas técnicas de impressão e edição, que
favoreceram o barateamento dos jornais e das revistas. Estas últimas, enquanto produto mais
refinado, ganharam a preferência da burguesia urbana. Em Sorocaba, no período de 1870 a
1920, foram editados mais de 150 periódicos, entre jornais e revistas (MENON, 2000, p.34). A
esse respeito, Michel de Certeau (1974, p.30) alerta que:
Em história, tudo começa com o gesto de selecionar, de reunir, de, dessa forma, transformar
em “documentos” determinados objetos distribuídos de outra forma. Essa nova repartição
cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo fato
de recopiar, transcrever ou fotografar esses objetos, mudando, ao mesmo tempo, seu lugar e seu
estatuto.
Portanto, ao se trabalhar com a imprensa, é preciso estar atento às intenções de quem
produziu os jornais, à sua posição na sociedade, a seus interesses e a pontos de vistas explícitos
ou implícitos em seus argumentos.
Identificado o tema e delimitado o período pretendido para o estudo, iniciou-se o
trabalho de busca das fontes, não sem dificuldades – diga-se de passagem –, que consistiu na
leitura e análise da produção sobre o processo de industrialização e sobre imigração a partir das
reflexões de Dean (s/d), Fausto (2003), Ianni (1972). Promoveu-se uma incursão na legislação
trabalhista em nível macro a fim de inserir, nesse universo, as contribuições de Sorocaba.
Também com essa intencionalidade, realizou-se o mesmo procedimento para investigar a
produção historiográfica educacional. Buscando estabelecer um diálogo entre o local e o
universal, efetuou-se levantamento da produção historiográfica local, não se atendo apenas aos
textos acadêmicos, privilegiando as produções mais recentes, com predominância das
dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas na UNISO e na UNICAMP. A etapa
mais demorada e trabalhosa consistiu na localização dos jornais, leitura, seleção e transcrição
das publicações mais relevantes, procurando estabelecer a interlocução entre os jornais a partir
de seus posicionamentos ideológicos e de seus interesses, quase sempre antagônicos.
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Ao transcrever as notícias dos jornais da época, O Operario, Cruzeiro do Sul e outros,
optou-se por fazê-lo de acordo com o texto original, mantendo-se os nomes citados nas
publicações, sem a utilização de recursos para preservar a identidade da pessoa citada. Dessa
forma, optou-se por não fazer a omissão dos nomes, nem usar nomes fictícios ou apenas as
iniciais, mesmo sabendo que a verdade dos fatos nem sempre se encerrava nas notícias, escritas
a partir da visão e dos interesses de seus escritores e do lugar que ocupavam na sociedade.
Entende-se que se trata de um procedimento arriscado, considerando que descendentes das
pessoas citadas no decorrer do trabalho ainda vivem.
Para trabalhar com a imprensa local, mais uma vez, recorri ao Gabinete de Leitura
Sorocabano. Essa instituição, fundada em 1867, dispõe de um acervo riquíssimo que muito tem
colaborado com os pesquisadores locais. Por se tratar de instituição particular, apesar de ter
utilidade pública, sobrevive sem a ajuda do poder público, praticamente apenas das
mensalidades pagas por seus sócios e do aluguel de algumas salas de seu prédio, por isso parte
do acervo se encontra em estado lastimável de conservação, pela ação do tempo, fazendo-se
necessária a urgente digitalização dos exemplares. Alguns jornais já não são disponibilizados
para consulta, por apresentarem fragilidades como rasgos, falta de páginas e desgaste da tinta,
apesar dos cuidados exigidos, como o uso de luvas e máscaras para o manuseio do papel, que
muitas vezes pelo leve toque já se rompe.
O Gabinete de Leitura Sorocabano possui uma hemeroteca bem montada, além de
almanaques, livros, revistas, documentos como cartas de alforria, publicações diversas, livro de
visitas com registro de passagens do Imperador D. Pedro II, do Conde D’Eu, da Princesa Isabel
e de viajantes ilustres etc. Outro aspecto interessante do Gabinete de Leitura diz respeito ao seu
ambiente, que permite o contato com outros pesquisadores, rendendo boas conversas, troca de
material, indicações bibliográficas e, principalmente, a amizade que se faz. A digitalização
vem sendo feita, no entanto, de maneira lenta.
Atualmente, numa iniciativa particular, o jornal Cruzeiro do Sul, fundado em 1903, tem
todo o seu acervo digitalizado, como forma de concretizar, seu Projeto Memória.
Mergulhar nas páginas dos jornais antigos é como voltar para um tempo em que não se
viveu. A leitura diária e seguida de muitos jornais nos transporta para um tempo vivido que
parece ser o tempo em que aqueles fatos noticiados ocorreram. Por mais de uma vez me peguei
sentindo a morte de alguém cuja vida acompanhei pelas páginas de um jornal, tal é o vínculo
que o pesquisador estabelece com suas fontes.
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O Museu Histórico Sorocabano também foi visitado diversas vezes, sendo que lá foram
encontrados os livros de registros e matrículas das escolas públicas e particulares de Sorocaba
e fotos referentes ao período estudado.
Elegeram-se alguns jornais que poderiam contribuir mais com a pesquisa, selecionando
aqueles que circularam por mais tempo e aqueles que mantiveram posicionamentos ideológicos
mais definidos e, muitas vezes, antagônicos entre si. Os principais jornais consultados foram:
O Sorocabano. Fundado em 13 de fevereiro de 1870. Vendido ao preço de “8$000 ao
anno na cidade e 9$000 fora”, tinha por princípio “pugnar pelo bem público, com especialidade
pelos interesses do município. Dar voz a todas as reclamações justas e comedidas. Reproduzir
os clamores da lavoura e do comércio. Abrir espaços a discussões de interesse geral” (O
SOROCABANO, 13 fev 1870, p.1). Em 01 de setembro de 1872, transformou-se em O
Sorocaba e teve Júlio Ribeiro como redator-chefe, combatendo a dominação da igreja católica
e defendendo com veemência a industrialização de Sorocaba. Esse jornal deixou de circular
em 1883.
Ypanema. Com assinatura no valor de “8$000 por anno em Sorocaba e 9$000 fora”, foi
editado pela primeira vez em 25 de abril de 1872. Publicado “6 vezez por mez”, o jornal se
propunha a defender os “interesses morais e materiais do município e do Sul da província”. E
procurava “dar na parte litterária alguns bons artigos e vulgarisar os melhores escriptos de
auctores nacionais” (YPANEMA, 25 abr 1872, p.1) Seu editor e proprietário foi Manoel
Januário de Vasconcellos, sorocabano de nascimento e coronel da guarda nacional. Em 1880,
passou a ser diário, alterando seu nome para Diário de Sorocaba, circulando até 1893.
O 15 de Novembro. João José da Silva editou pela primeira vez, em 22 de fevereiro de
1891, O Alfinete, o qual, a partir da proclamação da república, e em homenagem ao evento,
passou a chamar-se O 15 de Novembro. “Semanário político, noticioso, humorístico e
literário”, (O 15 DE NOVEMBRO, 15 nov 1892, p.1) transformou-se em bissemanário e,
depois, em 1895, passou a ser diário. Sua assinatura anual era de “8$000 para Sorocaba e
10$000 fora”. O jornal defendia o governo republicano e, principalmente, a escola pública,
fruto benéfico da república.
Cruzeiro do Sul. O primeiro número do Cruzeiro do Sul foi publicado em 12 de junho
de 1903, pelo maçon Joaquim Firmino de Camargo Pires. Foi bissemanário, trissemanário,
diário matutino, diário vespertino e, novamente, diário matutino. Favorável à escola pública,
esse jornal lançou-se em várias campanhas, não só pela criação de novas escolas e novos cursos,
mas também em benefício do professor. Esse jornal defendia a educação primária para
atendimento das classes populares, especialmente os operários das fábricas, reproduzindo o
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pensamento de seu chefe político, Luis Pereira de Campos Vergueiro, que considerava a
educação primária e os cursos profissionalizantes suficientes para atender uma população
majoritariamente formada por operários.
O Operário. “Orgam de Defesa da Classe Operária” e com publicação quinzenal, O
Operário circulou pela primeira vez em 18 de julho de 1909. Antes mesmo do seu
aparecimento, já lhe atribuíam “origem mesquinha”, antevendo-se a sua atuação, que “visava
um desideratum muito legítimo qual o de conseguir a união ou a solidariedade da família
operária de Sorocaba”. O jornal, em sua apresentação, alertava que não pretendia ter nenhuma
ligação partidária no município. Seu maior intento era o “de lançar a público uma série de
verdades orientadoras de conduta do operariado”, em defesa da classe operária. Inicialmente, a
pesquisa no jornal O Operario foi feita nos exemplares originais pertencentes ao acervo do
Gabinete de Leitura Sorocabano, entretanto, após um tempo, devido ao estado precário de
alguns exemplares, o que dificultava a leitura, passou-se a utilizar a edição fac-similar
organizada por Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho (2007).
O confronto ideológico maior se deu entre os jornais Cruzeiro do Sul e o O Operario, o
primeiro notadamente representante da burguesia local e o último declaradamente órgão de
defesa da classe operária, uma vez que no período de veiculação do jornal O Operário vários
outros já haviam cessado a circulação.
É importante salientar que a imprensa operária foi um dos recursos mais utilizados pelos
militantes anarquistas que atuavam no movimento operário. A utilização do jornal como veículo
de comunicação foi de grande proveito para a organização da classe trabalhadora brasileira.
Basta averiguar a intensa rede de jornais que surgiu com a fundação das ligas e uniões e a grande
tiragem que esses jornais atingiram nos períodos que antecederam aos movimentos grevistas
(FERREIRA, 1978). Essa afirmação torna-se verdadeira a partir da constatação de que, em
Sorocaba, a primeira greve dos operários das fábricas de tecidos bem-sucedida, em 1911,
ocorreu após intensa campanha feita pelo jornal O Operário para a redução da jornada de
trabalho. Com essa greve, os operários conseguiram reduzir a jornada para 10 horas diárias, o
que foi motivo de grande contentamento, tendo em vista que havia fábricas onde a jornada de
trabalho se estendia por 14 horas diárias, inclusive para as crianças. Da produção historiográfica
mais recente de autores sorocabanos, servimo-nos de trabalhos que buscam valorizar os sujeitos
que até então se mantinham silenciados pela História reconhecida como oficial. São eles:
Sorocaba no Império. Comércio de animais e desenvolvimento urbano (2002) de Cássia
Maria Baddini. Apesar de esse trabalho não tratar do meu objeto específico de pesquisa,
analisa, de forma minuciosa, todo o período anterior à industrialização em Sorocaba,
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apresentando uma abordagem diferente sobre o desenvolvimento econômico de Sorocaba,
especialmente no tocante à feira de muares. A autora rompe com a ideia de que Sorocaba
dependia exclusivamente da feira de animais que ocorria anualmente.
Memória Operária (2009), de Carlos Carvalho Cavalheiro, trabalho não acadêmico que
procura contribuir com a história social e com a memória coletiva sorocabana. Enfatiza as
principais manifestações de emancipação, desde a luta pela liberdade dos escravos sorocabanos,
em 1884, até as lutas de classes e ideológicas, na década de 1930.
Sorocaba Operária (2005), de Adalberto Coutinho de Araujo Neto, aborda a questão
operária em Sorocaba, especialmente a sua gênese, sob o prisma político e ideológico,
motivação maior dos sujeitos que aderiram aos movimentos sociais.
Os autores Carlos Cavalheiro e Araujo Neto recorreram à imprensa para recuperar a
memória do movimento operário em Sorocaba e contextualizá-lo historicamente, procurando
dar-lhe significado.
Este estudo privilegia o papel desempenhado pela educação no seio do movimento
operário. O movimento operário incipiente, que buscava significação social diante dos abusos
dos patrões e de uma legislação de dificil classificação: inexistente ou omissa? Entre as
principais reivindicações dos operários estava o direito à instrução. Surgiram indagações. Como
era vista a educação para os operários? Somente a educação formal era suficiente para a
formação do operário? Que tipo de educação desejavam? Quais foram as propostas da política
local para a escola? A elite também compartilhava o desejo da instrução para os operários? A
educação teria contribuído para a supressão ou para a manutenção das desigualdades e injustiças
sociais? Afinal, a educação oferecida aprisionava ou emancipava o operário?
Os idealistas dos movimentos operários se viram diante de um impasse de difícil
resolução. Sem educação, os operários teriam condições de conquistar os direitos trabalhistas?
Mas como conscientizar um operário de seus direitos sem a devida instrução? A
industrialização em Sorocaba se estabeleceu em bases capitalistas, com elementos bem
marcantes: mão de obra abundante, especialmente formada por grande número de imigrantes,
trabalhadores locais disciplinados e, também, lavoura de algodão bem desenvolvida, capaz de
fornecer a matéria-prima necessária para as fábricas de tecido. Os operários das fábricas
sorocabanas, assim como os operários de outras fábricas de São Paulo e do Brasil, enfrentavam
longas jornadas de trabalho, exploração da mão de obra de mulheres e de crianças, cobrança de
multas por danos nos tecidos e por atrasos. Além disso, não tinham nenhum tipo de indenização
em casos de doença ou acidentes de trabalho, além de receberem tratamento desumano por parte
dos mestres e contra-mestres. Em suma, a questão operária pouco significava para o governo
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brasileiro. E era justamente uma significação social que os operários buscavam. Sem uma
legislação que regulasse o trabalho nas fábricas, o operariado vivia a mercê dos mandos e
desmandos dos grandes capitalistas.
Compreenderam os operários que uma das formas de conseguir ocupar uma posição
digna na sociedade, com melhores condições de vida, seria através da educação. Mas ela não
poderia ficar restrita à educação oferecida pelas escolas públicas, pois necessitavam de uma
formação integral, que lhes desse entendimento suficiente para ler o mundo que os rodeava.
Apenas aprender a ler e escrever seria insuficiente. O operário necessitava ter visão de mundo
em sua totalidade. “Companheiros, deveis mandar os vossos filhos a escola para que eles vejam
a luz da verdade e da razão” (O OPERARIO, 13 maio de 1911, p.2)
Delimitado o período de estudo e identificado o tema de pesquisa, buscou-se
embasamento teórico em autores, listados nos parágrafos a seguir, que aprofundaram suas
reflexões sobre a questão operária, a ideologia subjacente aos movimentos operários e a
educação operária.
Warren Dean, em A industrialização de São Paulo (s/d), ocupa-se do estudo da
formação industrial de São Paulo, do surgimento do capitalismo, destacando as figuras mais
representativas dessa fase de desenvolvimento industrial, destacando, inclusive, industriais
importantes de Sorocaba. O estudo vai além de uma coleta de dados e informações do período,
uma vez que o autor faz uma análise acurada, levantando, muitas vezes, hipóteses explicativas
sobre os fatos ocorridos.
Edgar Rodrigues, em Socialismo e sindicalismo no Brasil (1969), ao apresentar os
objetivos do seu trabalho, elenca várias obras de diferentes autores que se debruçaram sobre
esse tema. Entretanto, para o autor, o conjunto fica aquém do desejado. A sua obra, segundo
ele próprio, pretendeu reunir o maior número possível de documentos, válidos e escritos por
militantes da época, salientando as greves, o teatro social operário, as escolas livres,
publicações, congressos, protestos, etc.
Maria Nazareth Ferreira, em A imprensa operária no Brasil (1978), resgata a
importância da imprensa operária, muitas vezes relegada a um segundo plano, como fonte de
pesquisa. Para a autora, os jornais oferecem generosas informações sobre a sociedade da época,
as condições de vida ou de sobrevivência da classe trabalhadora, permitindo a reconstrução da
dimensão política da história social.
Edgard Leuenroth, em Anarquismo, roteiro da libertação social (2007), reúne textos
variados de diferentes autores, tanto pensadores anarquistas do passado quanto mais atuais,
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sobre aspectos ideológicos da doutrina anarquista, com a pretensão de emancipar o indivíduo
das “atrofiantes formas sociais”.
E. P. Thompson, em A formação da classe operária inglesa (2012, p. 18), afiança que
[...] a formação da classe operária é um fato tanto da história política e cultural quanto
da econômica. Ela não foi gerada espontaneamente pelo sistema fabril. Nem devemos
imaginar alguma força exterior – a “Revolução Industrial” – atuando sobre algum
material bruto, indiferenciado, e indefinível de humanidade, transformando-o em seu
outro extremo, uma “vigorosa raça de seres”. As mutáveis relações de produção e as
condições de trabalho mutável da Revolução Industrial não foram impostas sobre um
material bruto, mas sobre ingleses livres.
Friedrich Engels parece ter percorrido as fábricas e vilas operárias de Sorocaba para
escrever A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (2010), tamanha a semelhança entre
as condições de vida dos operários ingleses e sorocabanos. Nas palavras de Eric Hobsbawm
(1961, p. 8), esse livro é um marco na história do capitalismo e da moderna sociedade industrial.
“Simultaneamente erudito e apaixonado, articulando a denúncia e a análise, ele é, para dizer
numa só palavra, uma obra-prima”.
Francisco Ferrer y Guardia, em A Escola Moderna (2014) traça uma proposta
educacional abraçada com entusiasmo pelos operários anarquistas, que viam nessa concepção
de educação o contraponto da escola até então posta e que não lhes servia, ou seja, uma escola
que não formava, não educava, apenas moldava os estudantes segundo aquilo que um Estado
autoritário desejava para manter um sistema de exploração. Essa não era a educação pretendida
pelos operários. Eles pretendiam, sim, uma educação para a liberdade, para uma nova sociedade
construída por homens livres.
Outras fontes pesquisadas contribuíram para o avanço do trabalho, como a l/egislação
educacional pertinente ao período estudado que, nos diferentes níveis – fosse federal, estadual
ou municipal – contemplou, com maior ou menor ênfase, o entendimento da educação
abrangida neste estudo.
Também foram utilizadas as memórias de vários autores que atendiam ao tempo vivido
deste estudo e reforçaram o pensamento de que as histórias de vida se assemelham. Foi o caso
das memórias narradas por Zélia Gattai, em seus livros Anarquistas, graças a Deus (1994) e
Città di Roma (2000), por meio dos quais ela, filha de imigrantes, reviveu o cotidiano das
famílias imigrantes no início do século XX em São Paulo; de Jacob Penteado, em seu livro
Belènzinho, 1910 (retrato de uma época) (2003), em que narra o cotidiano difícil vivido por
seus pais em Sorocaba no início do século passado, enquanto operários da fábrica Santa Rosália
e moradores da vila pertencente a essa fábrica; e de Francisco Antonio Gaspar, nascido em
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Sorocaba, filho de imigrantes portugueses, que narra, em Minhas Memórias (1967), o cotidiano
da cidade, nos seus tempos de menino.
Assim, para esmiuçar esse conjunto de fatores que permitem perceber a problemática
da educação operária e das condições de existência dos operários de então, este trabalho
estruturou-se em três capítulos.
O primeiro capítulo, Os Operários, aborda as origens de Sorocaba, desde sua formação,
por volta do século XVII, até o início da industrialização, nas décadas finais do século XIX.
Em quase todo esse tempo, a atividade econômica principal de Sorocaba fora a feira de muares,
que a tornou conhecida em muitas partes do país. No final do século XIX, a feira de muares,
dando sinais de decadência, cedeu lugar a novas atividades econômicas, especialmente a
industrialização, que marca o ingresso de Sorocaba na modernidade.
Esse capítulo apresenta um novo sujeito nas relações de trabalho em Sorocaba: o
operário da fábrica. Aborda as alterações verificadas na cidade a partir da instalação das
primeiras fábricas têxteis, com a chegada dos imigrantes europeus, que significavam mão de
obra abundante e barata para as fábricas. Trata das transformações do espaço urbano, onde o
cantar do carro de boi foi substituído pelo apito das fábricas, das relações de trabalho, da
dominação dos capitalistas. Enfim, refere-se ao período em que o apito da fábrica passou a
controlar o tempo e a vida das pessoas, consolidando as práticas capitalistas. Em decorrência
das péssimas condições de trabalho e de existência, os operários foram se unindo e se
organizando em Associações, Uniões e Ligas Operárias, assinalando a inegável contribuição
dos imigrantes na organização do movimento operário.
O segundo capítulo, A grande imprensa e a imprensa operária em Sorocaba, aborda a
imprensa enquanto objeto de estudo, e os principais jornais que circularam em Sorocaba no
período demilitado, destacando o posicionamento político de alguns jornais tanto em relação à
questão operária como à educação. Dá ênfase à imprensa operária, especialmente ao papel do
jornal O Operário, que circulou de 1909 a 1913 em Sorocaba, enquanto órgão de defesa da
classe operária, apresentando suas convicções e contradições ideológicas. Aborda a presença
da mulher escrevendo sobre a questão operária nas colunas desse jornal, fato revestido de
ineditismo para uma época cuja sociedade era marcadamente machista. Trata das ideologias
que permearam o jornal, notadamente as ideias anarquistas. Apresenta, ainda, as primeiras
tentativas de greve e a primeira greve bem-sucedida sob o olhar da imprensa e os embates
ideológicos advindos do posicionamento dos diferentes jornais, com confronto existente entre
o jornal Cruzeiro do Sul, representante dos capitalistas, e o jornal O Operario, defensor da
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classe trabalhadora. Trata ainda dos motivos pelos quais este último jornal chegou ao fim em
1913.
O terceiro capítulo, A educação e as escolas para operários, ponto fulcral desta tese,
aborda a escolarização em Sorocaba apresentando as poucas iniciativas escolares ocorridas no
tempo do Império e a precariedade das escolas nesse tempo. Com o advento da República,
especialmente no estado de São Paulo, com as reformas do ensino e a criação dos grupos
escolares, a escola passou a ter uma missão salvacionista da nação, com a incumbência de
deixar para trás um passado de trevas e ignorância. Mas os grupos escolares não foram
suficientes para atender toda a demanda, pois no início só atendiam os moradores dos centros
urbanos e as crianças pobres que moravam afastadas dessas áreas e, como precisavam trabalhar,
ficavam excluídas da escola. Assim, a escola passou a ser usufruída apenas pelos membros já
pertencentes à elite. Apresenta, ainda, esparsas iniciativas públicas ou particulares para atender
aos operários, como as escolas noturnas, que atendiam somente operários do sexo masculino.
Esse capítulo destaca, ainda, o olhar da imprensa sobre a importância em educar-se o operário.
Como a população era predominantemente operária, o jornal Cruzeiro do Sul acreditava que
somente a educação primária e cursos profissionalizantes seriam suficientes para atender às
necessidades das fábricas e dos próprios trabalhadores. Já o jornal O Operario defendia uma
educação para os operários nos moldes das Escolas Modernas ou racionalistas, conforme a
concepção pedagógica do educador espanhol Francisco Ferrer y Guardia, ou seja, defendia a
educação para a liberdade e emancipação da pessoa. Apresenta, ainda, fragmentos sobre o
desenvolvimento de uma escola moderna em Sorocaba por volta de 1912.
Este trabalho não tem a pretensão de ser o arremate da história da educação operária em
Sorocaba, pois procurou fazer uma leitura do passado, portanto está aberto a outras indagações,
revisões, interpretações enfim novos olhares. Tem como pretensão dar voz a homens, mulheres
e crianças que foram silenciados pela história e talvez aí resida o seu mérito, através de um
outro olhar e de outras interpretações, que são decorrência das minhas possibilidades de
construção enquanto pesquisadora.
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1 OS OPERÁRIOS
Este primeiro capítulo trata da formação de Sorocaba desde os primórdios, enfocando
os aspectos econômicos e sociais, até o início do processo de industrialização. Focaliza a
trajetória bandeirante, por volta do século XVII, o chamado tropeirismo, graças à localização
geográfica presente no caminho das tropas, que saíam do Sul em direção ao Centro-Oeste, em
busca de ouro.
Num ponto de descanso de tropas, foi nascendo um entreposto, transformado numa
grande feira de comércio de muares, que teve vida longa e permitiu o crescimento do lugar.
Com a decadência da feira de muares, em fins do século XIX, apareceu o plantio de algodão
com períodos de altos e baixos na plantação e, consequentemente, surgiram as fábricas de
tecidos, que absorviam essa matéria-prima. A sociedade se transformou com o surgimento de
novas relações de produção, de trabalho e novas classes sociais repesentadas pela classe
operária – formada em sua maioria por imigrantes estrangeiros, italianos e espanhóis – e a
burguesia – os donos dos meios de produção, ou seja, das fábricas.
A historiografia de Sorocaba registra seu início em 1654, quando da chegada de Baltazar
Fernandes, sua família numerosa e aproximadamente 500 índios escravizados, vindos da região
de Santana de Parnaíba, que se instalaram às margens do rio Sorocaba, próximo ao riacho
Lageado, com a intenção de formar um povoado. Esclarece Almeida (1969) que, naquele
tempo, não havia a denominação município ou cidade, mas sim o termo vila, já que, nas
capitanias, os donatários podiam somente criar vilas. Baltazar Fernandes construiu, numa parte
mais alta do local, uma igreja que dedicou a Nossa Senhora da Ponte. Em 1661, “a 21 de abril,
o capm Balthasar Fernandes fez doação da Igreja de N. S. da Ponte, hoje Mosteiro de São Bento,
aos frades Beneditinos, existentes na Villa de Parnahiba com terras e mais pertences
(ALMANACH ILLUSTRADO DE SOROCABA, 1914, p. 145).
O novo núcleo acabou por absorver parte de um povoado próximo, a chamada vila de
São Felipe, e prosperou. A população era composta, basicamente, por pessoas livres pobres e
escravos índios, que cultivavam gêneros de subsistência. As famílias mais ricas e poderosas,
geralmente aparentadas de Baltazar Fernandes, investiam nas expedições de caça ao gentio em
direção aos sertões do Centro-Sul do Brasil (BADDINI, 2002, p. 44).
Nem todos iam para o sertão à caça de índios, porém todos viviam sob o ciclo econômico
das bandeiras, porque sem os índios capturados e seus descendentes não havia fazendas e sítios
maiores que deram vida aos pequenos comerciantes e artesãos da cidade e agregados da roça,
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nem entrava algum dinheiro amoedado para a circulação, pois, infelizmente, o escravo era
também vendido para fora. Custava vinte mil réis por cabeça (ALMEIDA, 1969, p. 46).
Segundo esse pesquisador, a intensificação do bandeirantismo sorocabano deu-se a
partir de 1680, quando diversas expedições foram organizadas exclusivamente em busca de
metais preciosos, animadas pela descoberta do primeiro ouro de Goiás, por alguns sertanistas
sorocabanos, como Paschoal Moreira Cabral, André de Zuñega, João Antunes Maciel e Braz
Mendes.
Toda as gente fora para Cuiabá em 1721. O próprio juiz ordinário não venceu o
impacto. Largou a vara a um canto. O governador Rodrigo Cesar escrevia à Câmara
ninguém respondia. Por fim Braz Mendes, antigo vereador assumiu a vara e
respondeu: não ia a palácio porque não montava à cavalo, estava obeso. Não estivesse,
teria ido à Cuiabá (ALMEIDA, 1969, p. 53).
A Coroa portuguesa sempre conviveu com as ameaças de penetração do território
brasileiro pela Espanha. Para garantir o domínio português, fazia-se necessário criar frentes de
ocupação. No entanto, as regiões de exploração de ouro, mais precisamente Mato Grosso e
Minas Gerais, careciam de tropas de muares. No Sul, elas existiam. Explica Cassia Maria
Baddini (2002) que, dadas as condições – clima ameno, relevo suave e vegetação de pastagem
– e a abundância de animais era relativamente fácil estabelecer uma fazenda de criação:
instalações modestas - cercos de campos, galpões, cochos – e pouca gente para tratar do gado.
A conjugação dos elementos: oferta de gado, necessidade da ocupação territorial e
demanda de gado e muares nas regiões mineradoras permitiram que Sorocaba passasse a ser
um ponto de descanso dos tropeiros que vinham do Sul em direção a região das minas, e que
gradativamente foi se transformando em ponto de comércio. A localização de Sorocaba
favoreceu principalmente a instalação de um Registro de Animais, em 1750, num ponto por
onde as tropas iam se afunilando para poder atravessar a ponte existente no rio Sorocaba. Essa
parada obrigatória dos tropeiros permitiu a realização de um comércio que, progressivamente,
foi se consolidando numa Feira de Muares. Sorocaba se tornou bem conhecida na província de
São Paulo por essa atividade e por ser centro arrecadador de impostos provinciais sobre o
trânsito de tropas. Essa feira teve vida longa mesmo após o esgotamento das minas de ouro e
delineou as mudanças urbanas em Sorocaba, bem como transformações da sociedade
sorocabana.
[...] os tropeiros e as tropas desempenharam, no Brasil e na América, um papel dos
mais relevantes, quer como realizadores do progresso econômico, quer como
incentivadores da unidade nacional. [...] Se, em meados do século XVIII, quando teve
início este significativo ciclo histórico, coube a nós sorocabanos o privilégio de servir
de entreposto de mercadoria altamente desejada e de local de encontro não só de
brasileiros de todas as regiões, como de estrangeiros, cabe-nos agora, a
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responsabilidade de divulgar junto às novas gerações, a grandiosidade de sua obra, a
pujança de sua figura intimorata, para que todos juntos possamos reverenciar o
Tropeiro, o lídimo representante de nossa gente, o homem simples que de modo
efetivo, consolidou a tarefa do Bandeirante, refazendo a conquista e a posse da terra
em cada viagem, e promoveu, com o entrecruzar de mercadorias e notícias, a unidade
nacional” (JOB, 1983, p.5).
O pensamento da pesquisadora Vera Job sintetiza a visão dos historiadores que
comungam das ideias e interpretações propostas por Aluisio de Almeida quanto a identidade
cultural do sorocabano. Para Baddini (2002) a interpretação de Job (1983) ao conceito de
“tropeirismo” induz à identificação do “tropeiro” como categoria representativa de uma
condição econômica, política, cultural da sociedade paulista, evidenciando a contribuição de
Sorocaba no processo de consolidação da nação.
A produção historiográfica de Sorocaba procura atribuir ao sorocabano características
vindas desde há muito tempo, que foram se consolidando e formando a sua identidade, qual
seja, a bravura do bandeirante, que não se deixava abater pelo desconhecimento das terras e
agruras que por ventura pudesse vir a sofrer em suas incursões pelo sertão desconhecido
brasileiro, e o tropeiro intrépido, “que ligou e manteve vivo os núcleos urbanos isolados,
representando efetivamente o consolidador das fronteiras nacionais” (BADDINI, 2002).
Baddini (2002), num primoroso trabalho de pesquisa sobre o comércio de animais e o
desenvolvimento de Sorocaba no tempo do Império, apresenta, a partir do estudo da
documentação da época, uma nova interpretação do efetivo papel da feira de muares na
sociedade sorocabana, chegando mesmo a romper, de forma contundente, com a produção
historiográfica que até então depositava, na realização da feira de muares, todo o
desenvolvimento econômico, social e político da cidade de Sorocaba, ou seja, acreditava que
Sorocaba dependia exclusivamente da feira de muares. A autora reconhece, sim, a importância
da feira, porém ressalta que não era o único motor do desenvolvimento local. Afirma a autora
que, nos textos de época, a feira emergiu como um evento singular de Sorocaba, favorecido
pela afluência periódica de pessoas para o comércio de animais da região, mas não
condicionado exclusivamente a essa prática. Isso explica sua sobrevivência como evento
comercial importante da cidade, apesar da decadência da venda de tropas a partir de meados da
década de 1870. Diversas práticas urbanas continuaram a ser realizadas na cidade nos períodos
de menor comercialização na região e mesmo após a extinção do registro de Sorocaba em 1891
(BADDINI, 2002).
Entretanto, nesse tempo, para a pobre província de São Paulo, a feira de muares de
Sorocaba, além de propiciar o desenvolvimento das comunicações entre São Paulo e o sul do
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país, também pôde ser entendida como um dos negócios mais rentáveis da província por conta
dos registros de animais. Havia a cobrança de impostos em dois registros, um localizado em
Curitiba (que pertencia a São Paulo) e outro em Sorocaba.
A cidade de Sorocaba sobrevivia além da feira de muares e, especialmente nos últimos
tempos de sua realização, havia uma crescente atividade agrícola.
A agricultura sorocabana era, em sua maior parte, dominada pela pequena lavoura,
tocada em escala familiar e visando à produção de gêneros de primeira necessidade.
O milho era, sem dúvida, o carro-chefe dessa agricultura, destinado ao autoconsumo
e à venda dentro dos limites do município, voltada para viajantes e tropeiros. [...] coisa
semelhante ocorria com a lavoura de algodão, por volta de 1800 cuja importância não
se devia à exportação do produto em rama, mas sim à confecção dos rústicos tecidos
que compunham a base do vestuário da maior parte da população (BACELAR, 2001
apud BONADIO, 2004, p. 96).
Ainda durante o tempo de realização das feiras de muares, cogitou-se a instalação de
uma indústria têxtil em Sorocaba, incentivada por Luiz Mateus Maylasky, por meio de uma
sociedade, conforme publicação do jornal O Araçoiaba
Consta-nos que os srs. tenente-coronel Francisco Gonçalves d’Oliveira e Luiz
Matheos Maylasky pretendem organizar nesta cidade por meio de acções uma
sociedade para fabrica de tecido de algodão, para cujo fim dezejão fazer uma reunião
dos habitantes desta cidade. Julgamos de utilidade a ideia, e fazemos votos para que
se leve isto a efeito (O ARÁÇOIABA, 17 fev 1867, p.4).
Essa tentativa de construção de uma fábrica de tecidos não vingou, pois, nesse momento,
prosperava o cultivo do algodão. Conta Almeida (1969) que, em 1866, a safra de algodão foi
de 27.291 arrobas. Entrava mais dinheiro que por meio das feiras, e elas foram se acabando.
Era melhor plantar algodão do que viajar e sofrer por esses mundos. Normalmente o capital
acumulado pelos negociantes de muares era reinvestido nessa mesma atividade, entretanto, a
partir da segunda metade do século XIX outras possibilidades de investimentos passaram a ser
consideradas por esses negociantes de tropas, que começam a aplicar seus dividendos também
na lavoura do algodão.
Um grande incentivador da cultura do algodão foi Luis Matheus Maylasky, estrangeiro
que chegou a Sorocaba por volta 1865, personagem de importância na história de Sorocaba, e
que tem causado polêmica entre os historiadores locais dada a sua origem nebulosa e rápida
prosperidade aqui conseguida. Foi negociante de tropas, plantador de algodão e idealizador da
construção da Estrada de Ferro Sorocabana, fundador de sociedades culturais, como o Clube
Germânia e o Gabinete de Leitura Sorocabano em atividade até os dias de hoje.
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A pertinácia de Maylasky não foi em vão: entre os anos de 1861 a 1875, Sorocaba
tornou-se o mais importante centro de exportação de algodão da província de São Paulo. “Sua
atividade como município produtor de sementes foi mais duradoura que a dos demais, e seu
campo de influências nesse sentido fez-se sentir em outras províncias do Império ao raiar da
década dos 70 do século XIX” (CANABRAVA, 1984, p. 123). O aumento das exportações de
algodão ocorreu devido à Guerra da Secessão nos Estados Unidos (1861-1865), país que sempre
foi o principal fornecedor desse produto para a Inglaterra, o maior consumidor de algodão na
época. Com a interrupção das exportações norte-americanas, a Inglaterra necessitou de outros
exportadores, o Brasil entrou como fornecedor e a região de Sorocaba passou a ter destaque no
fornecimento do algodão. Essa situação ainda foi favorecida pelo fato de Sorocaba já realizar
o cultivo de algodão herbáceo de melhor qualidade para a indústria têxtil.
Em 1871, juntamente com um grupo de capitalistas sorocabanos, Maylasky aventou a
possibilidade de construção de uma estrada de ferro ligando Sorocaba a São Paulo, num
percurso de 111 km. Em julho de 1875, essa possibilidade tornou-se realidade: inaugurava-se
a Estrada de Ferro Sorocabana. Aberta ao tráfego, a Estrada de Ferro Sorocabana visava
principalmente o escoamento da produção de algodão, mas teve a funesta sorte de ficar pronta
num momento de queda dos preços do algodão e de sua produção e, já em seu primeiro ano,
estar bastante endividada com os gastos de sua construção (ARAUJO NETO, 2005). Com o
fim da guerra civil nos Estados Unidos, após algum tempo, esse país recuperou a produção
algodoeira, retomando o fornecimento desse material à Inglaterra. A própria Câmara de
Sorocaba reconheceu, em 1874, que “ [...] durante o anno de 1875 será a cultura de algodão
feita exclusivamente pelo braço escravo, pois que o baixo preço porque está sendo cotado na
praça é tão diminuto que mais vale ao agricultor abandonal-a para plantar cereaes para o
consummo da cidade” (CANABRAVA, 1984 p. 243).
A queda na produção de algodão afetou mais intensamente os pequenos produtores e
corria-se o risco de eles abandonarem o plantio de algodão. Entretanto, a cultura se manteve,
graças, sobretudo, à ampla perspectiva de negócios de Luiz Matheus Maylasky, um dos
fundadores da Estrada de Ferro Sorocabana. Esta, em construção, dependia basicamente do
transporte do algodão, o principal produto agrícola. Para impedir que os pequenos lavradores
abandonassem a cultura do algodoeiro, como estava acontecendo em outras partes da província,
incapazes de suportar a depreciação do produto, os mais importantes comerciantes de algodão
de Sorocaba, à frente dos quais estava Maylasky, mantiveram um sistema de adiantamento
àqueles plantadores e se esforçaram por pagar-lhes um preço satisfatório (CANABRAVA,
1984, p.243).
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Se, pelas contingências do momento, a Estrada de Ferro Sorocabana não atendeu ao que
fora proposto de início, ou seja, o escoamento da produção algodoeira, ela contribuiu para a
chegada de pessoas, a entrada de produtos e a instalação de casas comerciais não ligadas à feira
de muares, como: confeitarias, charutarias, armazém de secos e molhados, gráficas entre
outros. Assim, as distâncias diminuíram e melhorou a comunicação entre as cidades da região
e a capital.
A Estrada de Ferro representava, pois, a modernidade, símbolo do progresso urbano,
porém convivia com a feira de muares, expressão do rústico e do rural. Sobre a ferrovia como
grande inovação do século XIX e suas dimensões assumidas mundialmente Eric Hobsbawm
(2010, p. 85) compara:
A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça, à
velocidade do vento, através de países e continentes, com suas obras de engenharia,
estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do
Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecer
de provincianismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia.
No entanto, em Sorocaba, até 1870, o comércio de animais não era visto como atividade
decadente ou em vias de superação pelo progresso representado pela expansão do transporte
ferroviário.
Já no final do Império, ao mesmo tempo que diminuía o trânsito e decaía o comércio de
animais, questionava-se a validade da feira como condição de progresso urbano. Até então, ela
nunca havia sido pensada como fator de degradação da cidade. As melhorias implementadas na
cidade garantiam as áreas utilizadas pelos condutores para a passagem das tropas no centro
urbano. No entanto, algumas medidas de saneamento, como o cercamento dos terrenos
particulares, a conservação dos muros fronteiros às ruas e a confecção de “testadas” das
propriedades – calçada fronteira – eram incompatíveis com a sujeira e o mau cheiro dos pastos
de aluguel e das ruas usadas para a passagem de tropas (BADDINI, 2002, p. 213).
Em 1897, um fator externo alertou para as necessárias mudanças sanitárias que deveriam
ocorrer em Sorocaba: a febre amarela.
Sorocaba foi flagelada. Todos sofreram. Centenas de sorocabanos morreram. O
comércio fechou. A vida da cidade decaiu. [...] Era uma calamidade incomparável.
Médicos, farmacêuticos, eclesiásticos, enfermeiros e inúmeras pessoas do povo
ajudavam a socorrer os doentes atacados daquela infausta febre. Pelas ruas da cidade
de Sorocaba, os carretões andavam com seus homens [...] Muitas famílias fugiram de
Sorocaba para cidades vizinhas ou procuravam sítios nos arredores da cidade
flagelada (GASPAR, 1967, p. 13).
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O aparecimento da doença fora atribuído a dois “camaradas de tropas” que a trouxeram
por ocasião da feira. Entretanto, a cidade sempre padecera com os problemas sanitários, como
é possível observar a partir de crítica presente no jornal Cruzeiro do Sul, em seu primeiro
número, num tempo posterior a ocorrência da epidemia de febre amarela.
Um visitante em Sorocaba, estando comnosco, censurou a Municipalidade em relação
á limpeza publica, salientando os montões de lixo que se encontram no largo da
Independencia, donde exhala mau cheiro, e tambem os pés de couve que se acham, ha
uma semana, em pleno largo do Rosario. [...] É de necessidade urgente que a Camara
colloque um mictorio no largo da Matriz, afim de acabar de vez, com o fètido que
exala das paredes lateraes da egreja (CRUZEIRO DO SUL, 12 jun 1903, p. 2).
Ao fim da epidemia de 1897, a cidade foi retomando suas atividades e retornaram
também aqueles que a tinham deixado. Como pairava o medo de uma nova epidemia, por
medida preventiva, o trânsito das tropas foi desviado da área urbana. Entretanto, essa medida
não foi suficiente para impedir novo surto da doença dois anos depois. Sorocaba adentrou o
século XX assolada, novamente, pela febre amarela.
É importante assinalar que o declínio das exportações de algodão e da feira de muares
gradativamente foi dando abertura para uma nova possibilidade de investimentos
aparentemente menos instável. Os donos de fortuna que, paralelamente ao comércio de tropas,
também investiam no algodão, conseguiram superar esses períodos de crise. Os grandes
investidores viam, na indústria, o caminho para a prosperidade, que seria fruto da reunião de
fatores significativos, ou seja, a oferta empresarial somada à produção da matéria-prima, o
algodão, tendo ainda uma mão de obra disponível, fosse ela formada por imigrantes ou até
mesmo por escravos. Esses elementos, aliados a uma tecnologia para a produção do tecido,
despontavam como promissores para o desenvolvimento da indústria têxtil. E essa indústria,
posteriormente, consolidou-se tão fortemente que Sorocaba, por muito tempo, ficou conhecida
como a Manchester Paulista, em alusão à cidade inglesa industrial de Manchester.
Para a consecução desse intento, o mesmo grupo de investidores que instalou a
Companhia Sorocabana, em 1870, no ano seguinte, criou uma sociedade anônima denominada
“Indústria Sorocabana”, com a pretensão de criar uma fábrica de tecidos. Essa iniciativa recebeu
o apoio da imprensa local, mas não conseguiu se estabelecer nessa época. Somente em 1882,
instalou-se a primeira grande fábrica têxtil de Sorocaba, a Nossa Senhora da Ponte, pertencente
a Manoel José da Fonseca, um dos homens mais ricos de Sorocaba na época, comerciante e
exportador de algodão.
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1.1 Os operários: nova força de trabalho “Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.”
(Vinicius de Moraes)
O operário imigrante estrangeiro tornou-se o elemento novo não só na sociedade
sorocabana como de todo o país. Essa nova força de trabalho passou a compor o quadro social
brasileiro, desempenhando funções específicas e podendo ser dividida em categorias. Segundo
Ferreira (1978, p.49), houve o imigrante de origem urbana, que acumulava conhecimentos de
técnicas comerciais e funanceiras e trazia consigo algum pecúlio. Esse imigrante se instalou
nos centros urbanos e, inicialmente, dedicou-se a atividades de importação de produtos,
transformando-se, mais tarde, em industrial.
Outra categoria seria o colono típico, emigrado para trabalhar nas plantações de café,
pois em seu país de origem já trabalhava na lavoura e trazia consigo família numerosa, que
conseguiu firmar-se como colono e, mais tarde, como pequeno agricultor, possuidor de alguma
terra.
Houve uma outra categoria constituída de imigrantes de origem urbana, pobre, que aqui
vieram para trabalhar na lavoura de café, porém não se adaptaram a um regime de
semiescravidão. Abandonaram a terra e passaram a constituir um contingente de trabalhadores
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de baixo nível ou desqualificados para o trabalho industrial, que, juntamente com os
trabalhadores brasileiros, nas mesmas condições, compuseram uma grande massa de
subempregados.
Outra categoria existente, porém não numerosa, era a formada pelos operários
qualificados, desejados pelos industriais brasileiros que os contratavam rapidamente. A
existência de uma categoria formada por operários qualificados reafirma o baixo nível de
qualificação da categoria anterior mencionada.
E uma última categoria era aquela formada pelos refugiados e deportados devido a
problemas políticos em sua terra de origem. Foram os imigrantes idealistas, cuja contribuição
ao processo de politização dos trabalhadores brasileiros foi fundamental.
1.2 A paisagem e tudo o mais se transforma: surgem as fábricas
Antes de adentrar ao período de industrialização de Sorocaba, cabe registrar uma
iniciativa de instalação de uma fiação em Sorocaba, anterior à Fábrica Nossa Senhora da Ponte.
Por volta de 1851, começou a ser montada, por Manoel Lopes de Oliveira, um dos pioneiros da
cultura do algodão, uma pequena fábrica com teares mecânicos, a primeira da província de São
Paulo, com a finalidade de descaroçar, cardar, fiar e tecer algodão. Destinava-se à fiação e à
tecelagem de algodão grosso, utilizado para confecção de roupas para escravos e pobres.
A matéria-prima utilizada era o algodão arbóreo, abundante em Sorocaba, porém de
qualidade inferior. A mão de obra utilizada nesse empreendimento foi a escrava: contava com
quatro escravos e, conforme Almeida (1969, p. 237) os “escravos fizeram emperrar a máquina”
por inabilidade técnica. Outros fatores concorreram para o insucesso dessa fábrica, como a
inexperiência do seu proprietário no ramo têxtil, a dificuldade na obtenção da matéria-prima
etc. Na década de 1860, essa fábrica estava com suas atividades praticamente paralisadas e não
resistiu por muito mais tempo. Segundo o depoimento do próprio Manoel Lopes d’Oliveira,
enviado ao Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 1864, o seu
estabelecimento só havia fabricado fio de algodão, pois dava mais lucro do que se fosse tecido.
No tempo em que trabalhava, chegou a produzir 300 onças de fio por dia, (cerca de 8 quilos),
mas sua capacidade era de 800 onças. Referia-se à necessidade de “uma pessoa com a necessaria
practica” para dirigir o estabelecimento, mas no momento, com o preço alto do algodão, não se
encontrava, na verdade, interessado na fabricação de tecidos (CANABRAVA, 1984, p.280).
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Em 1864, havia quatro fábricas no município: uma de chapéus, duas de velas de cera e
uma de tecidos. Em 1887, eram 18: três de cerveja, quatro de chapéus, duas de licores, duas de
redes, uma de tecidos, uma de velas de cera, quatro de vinho e uma de vinagre (BADDINI,
2002). Segundo a autora, nessa relação ainda faltam duas fábricas de massas, uma de café em
pó e uma de louças, organizadas entre 1885-87, e outras duas fábricas de vinho, que, como as
outras, utilizavam matéria-prima produzida na região. Somavam-se, assim, 24 estabelecimentos
industriais no final do Império. Mesmo podendo dispor de escravos, nem todas as fábricas de
pequeno e médio porte o faziam, pois pertenciam, em sua maioria, a estrangeiros
desacostumados com esse tipo de mão de obra.
Figura 1 - Operários da fábrica de chapéus de Raszl e Rogick – Século XIX.
Fonte: Museu Histórico Sorocabano.
Os estrangeiros traziam técnicas e experiência, o que faltava nos moradores da cidade,
além de capital disponível para novos empreendimentos. Nos jornais da época, multiplicam-se
os anúncios de estabelecimentos comerciais dominados por imigrantes estrangeiros,
notadamente os italianos.
A partir da década de 1880, a maior parte das manufaturas e fábricas organizadas em
Sorocaba pertenciam a imigrantes italianos, como a Fábrica de Calçados de Alfredo Malzone e
a Fábrica de Banha de Francisco Matarazzo, (1883), a Fábrica de Macarrão de Antonio Fazano
e a Fábrica de Café em pó de Mathias Baddini, (1885), a Fábrica de Cerveja e Licores, que
utilizava matéria-prima da região de Salvador Argento, e a Fábrica de Calçados de Giuseppi
Argento.
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O empreendimento de maior projeção dessa década ocorreu em 1882, com a instalação
da Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte, pertencente a Manoel José da Fonseca. Esse
industrial trilhou um caminho totalmente diferente daquele assumido por Manoel Lopes de
Oliveira. Suas máquinas foram compradas de fornecedores de Manchester na Inglaterra. O
diretor da fábrica era Alexandre Marchisio, inglês com experiência na indústria têxtil, a matéria-
prima passou a ser o algodão herbáceo, que favorecia a produção de um tecido menos rústico e
a mão de obra empregada era a assalariada e livre, constituída em sua maioria por mulheres e
crianças.
Sorocaba vae tambem possuir uma machina de fiar e tecer. Já foram compradas nas
acreditadas officinas dos srs. Curtis, Sons & C. de Manchester, o machinismo preciso
pelo sr. A. Marchisio, enviado expressamente para esse fim pelo sr. Manuel José da
Fonseca, a quem vamos dever esse melhoramento. O local escolhido para o
assentamento das machinas é a margem do Supiriry, em terreno da exma. sra. D. Maria
Prestes, onde foi feita a inauguração dos trabalhos da linha ferrea sorocabana. Breve
deve aqui chegar o machinismo (DIÁRIO DE SOROCABA, 28 dez 1880, p.2)
A instalação dessa fábrica trouxe um elemento novo, até então pouco visto na sociedade
sorocabana: a mão de obra de mulheres e crianças, já que o seu proprietário, declaradamente
abolicionista, recusava-se a empregar escravos em sua fábrica. O Almanach de 1884 referiu-se
a esse estabelecimento fabril da seguinte forma:
A importante fábrica de tecidos denominada – Nossa Senhora da Ponte, pertencente
ao sr. Manoel José da Fonseca; [que] tece exclusivamente riscados, conhecidos no
mercado como brins sorocabanos; trabalha com 44 teares e suas machinas
correspondentes, tendo tambem a sua tinturaria, occupando para esses misteres um
numero de cento e vinte pessoas, na sua maior parte mulheres e crianças (MOURA,
1884 apud BADDINI, 2002, p. 270).
Figura 2 - Fábrica Nossa Senhora da Ponte.
Fonte: Museu Histórico Sorocabano.
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Esse estabelecimento fabril, seguindo a lógica capitalista, totalmente incompatível com
o trabalho escravo, introduziu o trabalho de mulheres e crianças, tornando-se frequente, nos
jornais, anúncios como o que segue: “Precisa-se contractar rapazes de 12 a 15 annos e mulheres
para o serviço da machina de tecidos do sr. M. J. da Fonseca. Para tractar na mesma machina
(sic) com o sr. Alexandre Marchisio” (DIÁRIO DE SOROCABA, 23 fev 1882, p.2).
Apesar de ter iniciado suas atividades no começo de 1882, foi no mês